Download - indutivismo
De onde partimos
Mais uma vez nos encontramos para discutir sobre os dilemas da cognição e tomada
de decisão no processo penal. Nas semanas anteriores apresentamos a proposta
(aqui) e também resenhamos, de maneira preliminar, o pensamento de Daniel
Kahneman[1] (aqui) e de Nassim Nicholas Taleb [2] (aqui). Esta semana vamos tentar
colocar dúvidas, caro leitor, na compreensão empirista ingênua, própria dos juristas
que pensam como peru de Natal. Calma que explicaremos a seguir. O texto por
adentrar no campo da epistemologia pode parecer um pouco complexo. E é. Assim
como a compreensão autêntica da realidade. Então, só recomendamos para quem
quiser se arriscar. Os que desejam permanecer nas certezas ingênuas não devem ler.
Nas próximas colunas, sempre domingo, 8 horas, voltaremos ao tema. Quem sabe
possa fazer sentido para você, já que para nós faz.
Para quem não é indutivista ingênuo
O perigo da reiteração das experiências é a de acreditamos, depois de algum tempo,
trata-se de uma lei universal. Caímos na armadilha cognitiva do indutivismo. Este texto
será um pouco mais denso. Quem não éindutivista ingênuo pode pular a leitura. Aos
demais ou mesmo quem possui dúvidas, afinal do que estão falando? E para que
preciso saber disso no contexto da Decisão Penal? lamentamos em dizer que sem
compreender a estrutura de como a filosofia da Modernidade nos legou a construção
do conhecimento haverá um gap intransponível. Quem acha que a Teoria da Tomada
de Decisão é singela também está dispensado da leitura.
O discurso epistemológico da Modernidade, que herdamos
Antes de se tocar no discurso jurídico, cumpre encadear noções básicas de
epistemologia trabalhadas por Alexandre no livro “Decisão Penal: a bricolage de
significantes”[i] para o fim de se entender como se pensa, mais ou menos, no
ambiente forense.
Assim é que para o indutivismo o conhecimento científico é o devidamente provado. E
o estabelecimento das teorias (ditas) científicas decorre da rigorosa obtenção de
dados das experiências e observações, com os quais se pode fixar leis universais.
Parte do pressuposto de que é possível afastar as preferências pessoais ou opiniões
do cientista/jurista, o qual se posta diante do objeto de forma absolutamente neutra,
afinal, a ciência é objetiva. Daí que o conhecimento científico, tendo sido provado
cientificamente, é absolutamente confiável. A fonte da ciência é a experiência, a
observação efetuada pelo cientista neutro. No encadeamento de afirmações universais
acabam se formando ‘paradigmas científicos’ (Kuhn [ii]). Seria possível, portanto,
generalizar uma lei com base em uma série de experimentos, tendo como norte as
seguintes condições: a) o número de proposições deve ser grande; b) as observações
devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições; e c) nenhuma
proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada. O indutivistase
preocupa em não tirar conclusões apressadas[iii].
Explicar e prever seriam as pretensões da ciência indutivista, aplicando, para tanto, a
lógica dedutiva em que as premissas são obtidas indutivamente e colmatadas pela
lógica [iv]. Isto porque mediante a aplicação da lógica é possível prever que se as
premissas são verdadeiras, a conclusão também o será. Entretanto, a garantia da
correção das premissas não é possível de ser obtida pela lógica. Há uma
arbitrariedade na colocação das premissas, derivadas por metonímia, na cadeia de
significantes. Não obstante as premissas sejam corretas, a conclusão pode ser falsa,
dada a consabida insuficiência da lógica. E o exemplo do “peru indutivista”
apresentado por Bertrand Russel e narrado por Chalmers é instigante: “Esse peru
descobrira que, em sua primeira manhã na fazenda de perus, ele fora alimentado às 9
da manhã. Contudo, sendo um bom indutivista, ele não tirou conclusões apressadas.
Esperou até recolher um grande número de observações do fato de quer era
alimentado às 9 da manhã, e fez essas observações sob uma ampla variedade de
circunstâncias, às quartas e quintas-feiras, em dias quentes e dias frios, em dias
chuvosos e dias secos. A cada dia acrescentava uma outra proposição de observação
à sua lista. Finalmente, sua consciência indutivista ficou satisfeita e ele levou a cabo
uma inferência indutiva para concluir: ‘Eu sou alimentado sempre às 9 da manhã’.
Mas, ai de mim, essa conclusão demonstrou ser falsa, de modo inequívoco, quando,
na véspera do Natal, ao invés de ser alimentado, ele foi degolado. Uma inferência
indutiva com premissas verdadeiras levara a uma conclusão falsa.” [v]
O princípio indutivista não se concilia, ademais, com a advertência de Hume[vi] sobre
a impossibilidade de a experiência prever o futuro. Logo, não se pode usar
a indução para a justificar, como num movimentocircular, configurando, assim, o
problema da indução. Acrescente-se, ainda, que não há como se fixar o critériopara o
estabelecimento do grande número de observações, o qual deve ser feito numa ampla
variedade de circunstâncias. Mesmo com a substituição pela probabilidade, eis que se
não pode estar plenamente seguro de que a observação de um fato justifica sua
ocorrência em todos os demais como, por exemplo, o nascer do sol (Hume),
o problema da indução remanesce: será justificado pelo próprio argumento,
configurando petição de princípio. Não é mais conhecimento verdadeiro, mas
o conhecimento provavelmente verdadeiro, consubstanciado no maior número
possível de observações que autorizam, por dedução, as generalizações expostas em
leis universais.
Nesta altura o ceticismo de Hume deve ser invocado no sentido de que se
a indução não pode ser justificada por apelo à lógica ou à experiência, a ciência não
pode ser justificada racionalmente. Assim é que a crença em leis ou teorias nada mais
é do que hábitos psicológicos adquiridos como resultado de repetições das
observações relevantes, tendo razão Feyerabend [vii] ao imputar sua ingenuidade e
ânsia pela segurança perdida.
Por outro lado, o indutivista acredita que pela observação cuidadosa e sem
preconceitos é possível produzir uma base segura da qual pode ser obtida a provável
verdade ou o conhecimento científico. Entretanto, a ‘visão’ que o ser humano possui,
ou pelo menos tem acesso pelos sentidos, atinge apenas parcela da realidade,
sofrendo, ainda, os influxos das particularidades pessoais do observador, ainda mais
se reconhecido o vazar do inconsciente, conforme demonstramos em textos anteriores
sobre os limites da cognição. Dois observadores vendo o mesmo fenômeno terão
visões diversas, mesmo que em pequena medida, mas jamais terão a mesma/idêntica
percepção, conforme assevera Merleau-ponty: “Vemos as coisas mesmas, o mundo é
aquilo que vemos – fórmulas desse gênero exprimem uma fé comum ao homem
natural e ao filósofo desde que abre os olhos, remetem para uma camada mais
profunda de ‘opiniões’ mudas, implícitas da vida. Mas essa fé tem isso de estranho: se
procurarmos articulá-la numa tese ou um enunciado, se perguntarmos o que é este
nós, o que é este ver e o que é esta coisa ou este mundo, penetramos num labirinto
de dificuldades e contradições.” [viii]
O que um vê, ou seja, sua experiência visual, depende das pré-noções e pré-
concepções do ‘ser-aí’ (Heidegger) sobre a realidade, bem como das expectativas.
Acreditar no contrário é levar muito a sério a analogia dos olhos ao da câmera. Os
olhos funcionam como tal, mas não podem ser equiparados a ela de forma singela [ix].
A complexidade da mente humana assim não autoriza[x]. Tal questão [xi] será
retomada no futuro, embora delineada anteriormente sobre os gaps da cognição.
Proposições de observação, então, são sempre feitas na linguagem de alguma teoria
e serão tão precisas quanto a estrutura teórica ou conceitual que utilizam. As teorias
necessitam ser claras e precisas como condição de possibilidade da observação.
Logo, precedem a observação. Se a teoria precede a observação, então a ciência não
pode começar pela observação.
Os indutivistas mais modernos aderiram a uma diferenciação salvadora, consistente
na distinção entredescoberta e justificação, onde a descoberta não seria logicamente
explicável e a justificação poderia se adequar aos cânones indutivistas. Mas
novamente pode-se indagar até que ponto essa diferenciação é legítima e não é um
mecanismo ad hoc para manter o paradigma. Basta perceber que a teoria da
argumentação vive destas distinções…
Já o falsificacionista acolhe que a observação é manejada em face da teoria que o
informa, rejeitando, de outra face, a possibilidade de as teorias serem tomadas como
verdadeiras diante da observação. É a partir das conjecturas e refutações (Popper[xii])
especulativas, em face do paradigma científico (Kuhn) e dos problemas encontrados,
que se pretende readequar a teoria. Cabe lembrar que as teorias precisam, para
serem consideradas científicas – além de falsificáveis –, resistir aos testes, sob pena
de descarte. Nesse movimento de tentativa e erro, somente as teorias mais resistentes
sobrevivem e, conquanto não se possa dizer que a teoria é verdadeira, pode-se
considerá-la melhor do que a anterior por responder às indagações supervenientes.
O racionalista, de fato, acredita em verdades universais a-históricas, bem como na
facilidade de diferenciar o que é ou não científico, verificando quais sobrevivem aos
testes.
Neste pensar, a pretensão do falsificacionista é explicar algum aspecto do mundo ou
do universo manejando um conjunto de hipóteses tendente a descrever ou explicar o
comportamento. A hipótese, para ser científica, deve ser falsificável, contraditável. Por
exemplo: ‘Ou está chovendo ou não está chovendo.’ A afirmação éinfalsificável. Isto
porque se a comprovação se dá pela observação, necessário se mostra que exista
alguma conduta a ser comprovada. Do contrário, trata-se de mera opinião valorativa e
incontrolável, como por exemplo denunciará Ferrajoli nos crimes baseados na moral
ou desprovida de conduta comprovável durante a instrução processual (veremos no
futuro).
Resta evidenciada que é o contexto histórico que fixa a designação científica, levando
à conclusão de que a aceitação do paradigma científico, portanto, somente se dá de
forma aproximativa, já que todas as proposições são falíveis no tempo, ou seja, estão
sujeitas a contra-argumentos futuros.
Assim, a posição prevalente no Direito de acreditar em inversão do ônus da prova
(carga probatória e não ônus, ranço civilista), por exemplo, nos crimes patrimoniais e
também na receptação, não se sustenta teoricamente. São mantras entoados no dia-
a-dia forense decorrentes de muitos julgamentos anteriores. Poderíamos antecipar
vários exemplos que virão nos próximos encontros. Por agora basta dizer que quem
acredita que dos julgamentos anteriores poderá retirar leis universais dos fatos, no
fundo, comporta-se como o peru criado para ser morto às vésperas do Natal. A única
diferença é que a sentença incide sobre terceiros (acusados) enquanto o Peru Jurista
acredita, candidamente, que mais uma vez, confirmou suas certezas.
Com esse esclarecimento, pode-se adentrar no que Taleb chama de
“antifragibilidade”. O Antifrágil e a Decisão Judicial: para não sermos perus
jurídicos. Mas somente domingo próximo. Boa semana.
Notas e Referências
[i] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[ii] KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Vianna
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1982.
[iii] CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal? Trad. Raul Fiker. São Paulo:
Brasiliense, 1993, p. 26-27. O princípio da indução consiste em: “Se um grande
número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos
esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As têm
a propriedade B.”
[iv] CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal?…, p. 34: “A objetividade da ciência
indutivista deriva do fato de que tanto a observação como o raciocínio indutivo são
eles mesmo objetivos. Proposições de observação podem ser averiguadas por
qualquer observador pelo uso normal dos sentidos. Não é permitida a intrusão de
nenhum elemento pessoal, subjetivo. A validade das proposições de observação,
quando corretamente alcançada, não vai depender do gosto, da opinião, das
esperanças ou expectativas do observador. O mesmo vale para o raciocínio indutivo
por meio do qual o conhecimento científico é derivado a partir das proposições de
observação. As induções satisfazem ou não as condições prescritas. Não é uma
questão subjetiva de opinião.”
[v] CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal?…, p. 37-38.
[vi] HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Trad. Leonel Vallandro.
São Paulo: Abril Cultural, 1973.
[vii] FEYRABEND, Paul. Contra o método. Trad. Odanny S. da Mota. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1977.
[viii] MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. Trad. Paulo Neves. São
Paulo: Perspectiva, 2003, p. 15.
[ix] BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. Julio Castanõn
Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13: Diferentemente dos olhos
humanos, “o que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez; ela repete
mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Nela, o
acontecimento jamais se sobrepassa para outra coisa: ela reduz sempre o corpus de
que tenho necessidade ao corpo que vejo; ela é o Particular absoluto, a Contingência
soberada, fosca e um tanto boba, o Tal (tal foto, e não a Foto), em suma a Tique, a
Ocasião, o Encontro, o Real, em sua expressão infatigável.”
[x] CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal?…, p. 52: “Portanto, quando diversos
observadores olham para um quadro, uma máquina, um slide de microscópio ou o que
quer que seja, há um sentido no qual todos eles estão ‘diante de’, ‘olhando para’ e,
assim, ‘vendo’, a mesma coisa. Mas não podemos concluir que eles tenham
experiências perceptivas idênticas. Há um sentido muito importante no qual eles não
vêem a mesma coisa e é sobre este último sentido que minha crítica da posição
indutivista tem se baseado.”
[xi] MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível…, p. 18: “O que nos importa é
precisamente saber o sentido do ser no mundo; a esse propósito nada devemos
pressupor, nem a ideia ingênua do ser em si, nem a ideia correlata de um ser de
representação, de um ser para a consciência, de um ser para o homem: todas essas
são noções que devemos repensar a respeito de nossa experiência do mundo, ao
mesmo tempo que pensamos o ser do mundo. Cabe-nos reformular os argumentos
céticos fora de todo preconceito ontológico, justamente para sabermos o que é o ser-
mundo, o ser-coisa, o ser imaginário e o ser consciente.”
[xii] POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, s.d.
Indutivismo e Falsificacionismo – Parte I
Publicado em 15/12/2009por Oz
Estes apontamentos foram desenvolvidos na leitura do livro de Karl Popper – A Lógica
da Pesquisa Científica e do Alan F. Chalmers – O que é Ciência Afinal?, nestes livros
eles se propõem a analisar, como diz os títulos, a lógica das ciências, particularmente
das ciências ditas, empíricas. Nestes apontamentos escreveremos sobre e
comentaremos apenas o primeiro capítulo do livro do Popper e os 5 primeiros do
Chalmers.
Se olharmos a volta na sociedade perceberemos um sutil paradoxo, embora muitas
pessoas sejam, vamos chamar assim, anti-ciência, seja por um trauma escolar, seja
por achar que ela só traz malefícios para a sociedade, temos em detrimento a essas
posturas a mesma ciência tomada em alta conta por muitas pessoas e mesmo pelas
grandes mídias. Isso é facilmente observado quando muitas marcas de produtos
fazem seus anúncios referenciando o método científico utilizado e dizendo que aquele
produto é cientificamente mais eficiente, mais qualificado que o os concorrentes. É
comum ouvirmos a frase: “Está cientificamente provado!”. Isso tudo dá um juízo de
valor, confere uma autoridade a ciência. Mas de onde vem essa autoridade? Que
ciência é essa com todo esse poder? O que a faz “melhor” que aqueles que são
chamados pejorativamente de pseudociências? A ciência que está neste senso
comum é confundida com Um método científico, nomeadamente, o método indutivo.
A indução como método científico pode confundir-se com a própria lógica científica.
Ela parte de enunciado singulares ou particulares que são, por exemplo, as
observações, para enunciados universais, nomeadamente teorias. Para Popper não é
nada óbvio que se possa seguir tão facilmente esse caminho, ou seja, não importa
quantos gatos pretos nós observamos (enunciados singulares) não podemos afirmar
que Todos os gatos são pretos (enunciado universal).
Nesta postura indutivista o conhecimento científico e caracterizado por um
conhecimento provado, indiscutível baseado em fatos. Nesta abordagem não existe
espaço para o subjetivo e a objetividade da ciência é óbvia. Essa concepção de
ciência apesar de ter sua origem nos círculos científicos do século 17 prevalece ainda
hoje no senso comum.
De acordo com aquele que Chalmers chama de indutivista ingênuo a Ciência começa
com a observação, a observação fornece uma base segura para o conhecimento e as
teorias são propostas através da acumulação de dados observacionais (quantos?)
seguidos de indução. Em seu livro o autor usa quase um capítulo para refutar cada
uma dessas proposições, aqui apenas adianto que a primeira não é verdadeira pois,
para que haja observação o observador carrega sempre alguma teoria sobre o
fenômeno que será observado, sem a qual as variáveis se tornariam infinitas. A
segunda também não é verdadeira pois a observação não é uma base segura onde
podemos construir o conhecimento, tampouco a terceira proposição é válida como
dissemos anteriormente que não é possível fazer afirmações universais a partir de
dados particulares.
O problema da indução então consiste em saber se este método é justificável e como.
É comum em nosso dia-a-dia acreditarmos em certas verdades científicas por elas se
basearem na experiência. Sem uma análise mais crítica isso parece até óbvio.
Contudo essa “experiência” não passa, normalmente, de um enunciado particular,
singular. A generalização é uma extrapolação. Acreditar na verdade desta
extrapolação é acreditar na verdade do método indutivo.
Para justificar este método seria necessário a existência de um princípio de indução ou
o uso da lógica dedutiva. Os adeptos dos métodos indutivos vão afirmar que este
princípio é essencial para a ciência e que é aceito pela totalidade das pessoas que
fazem ciências. Para Popper mesmo que isso fosse verdade – e a totalidade poderia
estar errada – para provar a autenticidade de um princípio de indução seria necessário
recorrer ao um método indutivo de grau superior que por sua vez precisaria de outro
de grau ainda mais elevado e assim por diante, levando a proposta à uma regressão
infinita, quero dizer, o método indutivo funcionou neste caso, funcionou naquele caso,
funcionou naquele outro, conclusão o método indutivo funciona sempre. Isso já foi
mostrado como um argumento injustificável desde o século 18 por David Hume.
Usando a lógica dedutiva torna-se também impossível justificar a indução. Para que a
conclusão de um argumento seja logicamente válido ele deve possuir premissas
verdadeiras. Com a indução é possível que exista uma conclusão falsa mesmo com
premissas verdadeiras. Exemplo: Posso observar diversos gatos e perceber que todos
os gatos que observei, em diversos lugares e em momentos diversos, são pretos.
Logo concluo, todos os gatos são pretos. Mas não existe suporte lógico para essa
conclusão, ou seja, eu não tenho garantias que o próximo gato que eu observar não
será verde-limão. Chalmers nos apresenta um exemplo mais divertido sobre esse
ponto, o caso do Peru Indutivista, apresentado por B. Russell. Um certo peru percebeu
que normalmente era alimentado pelo seu dono as 9 da manhã, mas como ele era um
bom indutivista ele esperou para recolher um grande numero de dados para tirar
conclusões, e assim foi, durante todo o ano ele recolheu dados e sempre era
alimentado as 9 da manhã, concluiu então: Eu sou alimentado as 9 da manhã!
Chegada a véspera de natal ao invés de ser alimentado ele foi degolado! A conclusão
dele era falsa mesmo que suas premissas fossem verdadeiras.
Uma tentativa de burlar o raciocínio que apresentamos aqui veio por Kant ao dizer que
o método indutivo é válido a priori o que acabaria com os problemas da regressão
infinita. Popper rejeita essa proposta.
Esta primeira parte mostrou que uma justificativa para o método indutivo é uma tarefa
bastante difícil para não dizer impossível.
* Gostaria de propor hoje uma reflexão sobre o que Alan Chalmers chama
de indutivismo ingênuo.
Segundo Chalmers, para o indutivista, a ciência é um conhecimento derivado dos
dados da experiência. Assim, a ciência começa com a observação. Com base em uma
observação sistemática, o cientista registraria uma grande quantidade de proposições
de observação, que nada mais são que afirmações singulares (referem-se a uma
ocorrência específica ou um estado de coisas num lugar específico, num tempo
específico). A partir desta base observacional, o cientista pode derivar suas leis e
teorias, que são afirmações universais (referem-se a todos os eventos de um tipo
específico em todos os lugares e todos os tempos).
A pergunta é: mas como podemos justificar a generalização a partir das proposições
de observação? Segundo Chalmers, o indutivista ingênuo diria que, desde que
algumas condições sejam satisfeitas, é legítimo generalizar a partir de uma lista de
proposições de observação para uma lei universal. São essas condições: 1) o número
de proposições de observação que forma a base de uma generalização deve ser
grande; 2) as observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de
condições; e 3) nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal
derivada.
Apesar de já ter lido este livro algumas vezes, e de já ter lido a Filosofia da Ciência
Natural do Hempel (ao qual já me referi algumas vezes), e ter visto outras críticas ao
indutivismo, ainda permanece em minha cabeça uma ponta de simpatia pelo
indutivismo. No final das contas, ao meu ver, a ciência começa sim com a observação
(afinal de contas a constatação de um problema a se resolver ou mesmo de uma
curiosidade a ser explicada só é possível depois de alguma observação da realidade).
Sim, estou ciente das críticas que dizem que a teoria precede a observação, mas
pretendo tratar dessa questão em outro post. Sobre a observação em circunstâncias
diversas… ok, faz um certo sentido; assim como as críticas a esse aspecto também
fazem sentido (embora, mais uma vez, deixarei a discussão sobre isso para outro
post). A condição 3 me parece correta. O falsificacionismo ele mesmo admite essa
premissa, embora os termos sejam outros. Por fim, a indução é necessária. Mesmo
admitindo que a hipótese precede a observação sistemática (tese do
falsificacionismo), ainda assim, não se levanta uma hipótese a partir do vazio. Algum
tipo de observação e indução precede o levantamento das hipóteses.
Enfim… o post já está excessivamente extenso. Reflitam sobre o assunto. Falarei um
pouco mais de Filosofia da Ciência antes de voltar a falar dos Incas (preciso buscar o
livro na biblioteca novamente).