HISTÓRIA VISUAL DA FAMÍLIA DE RUBEN GEORGE BAUER -
CANOAS/RS1
Viviane Monteavaro2
Centro Universitário La salle
Resumo: Profissionais da área da educação, em especial neste projeto, de história, têm
discutido novas formas de linguagens e abordagens no ensino de história. Uma corrente
de pensamento preza pelo estímulo do educando, mediado pelo educador, propondo
atividades cognitivas, implicando conexões lógicas, com o intuito de desenvolver o
senso crítico do educando e se fazer perceber inserido como agente histórico. A
proposta deste projeto é trabalhar com fontes iconográficas e objetos pessoais da família
de Ruben George Bauer, colhendo depoimento e impressões dos personagens,
estabelecendo contato com um novo olhar sobre o que é conhecido: a história visual de
família está cada vez sendo mais trabalhada na academia como forma de incorporar e
enriquecer o saber do educando. A expectativa é que o trabalho sirva como reflexão
sobre o processo de ensino e aprendizagem do componente curricular de História, com a
pretensão de contribuir para criação de uma ferramenta que possa ser utilizada na
prática pedagógica, contribuindo para melhor apreensão de objetivos almejados em sala
de aula.
Palavras-chave: Ensino da história. História de família. Objeto biográfico.
A história visual na sala de aula
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
1 Artigo sobre o Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de História, do Centro Universitário La
Salle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em História, sob orientação da
Professora Doutora Ana Maria Colling. Julho/2009 2 Licenciada em História pelo Centro Universitário La Salle, em 2009/1; aluna PEC da UFRGS –
Programa de Pós Graduação em Educação – da disciplina/seminário “Memória, patrimônio e
educação”, com a Professora Zita Rosane Possamai, 2010/1.
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.3
Após treze anos da implantação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) o Brasil
continua passando por uma transição difícil na educação, a questão do ensino é alvo de
amplo debate, com intuito de colocar os artigos em prática. A tarefa é árdua e precisa
contar com equipe de educadores, em conjunto com profissionais da área, pela busca de
conhecimento e técnicas para organizar planos de ensino capazes de estimular
habilidades e competências dos educandos, concomitantes ao ensino.
O ensino está carente de novas possibilidades que permitam ao aluno desenvolver
habilidades e competência que estimulem o senso crítico, aliado à sua realidade.
Trabalhar com memória através de imagens e objetos pessoais, como forma de
construção de uma história de família, tema objeto presente projeto, vem promovendo
um debate importante por grupos de pesquisas científicas e de amplo interesse em
entidades públicas e privadas, bem como a utilização destes trabalhos como fonte de
estudos.
[...] aprender é uma experiência que envolve simultaneamente coragem e
humildade e ó é mesmo possível na segurança de um grupo humano
coordenado por um educador que avalie e dê suporte aos riscos da aventura.
(GROSSI, 1997, p. 130)
Atualmente estudos de história visual pela fotografia, na construção da memória
social como na percepção da sensibilidade que a imagem provoca no observador são
algumas das situações que estão em voga perante a comunidade acadêmica. O diálogo
entre elementos visuais e contexto sócio/cultural marca a historicidade da imagem.
Na academia, graduandos da área de História são estimulados a criar planos de
aula que contemplem não apenas questões cognitivas e didáticas, mas que permitam ao
aluno que construam saberes a partir das subjetividades trabalhadas em sala de aula. Na
busca de ferramentas que identifiquem os alunos com o contexto trabalhado, a história
3 Lei de Diretrizes e Bases, nº 9.394/96, Artigo 1º.
de família é importante fonte de inspiração, utilizando objetos, fotos, artefatos,
signifiquem proximidade com a realidade do educando.
Este tipo de ferramenta está cada vez mais ocupando lugar nas pesquisas de
diversas áreas do conhecimento, principalmente em história, licenciatura, onde é
possível trabalhar com ferramentas diferenciadas, permitindo uma aproximação do que
é “familiar”, agregado a um contexto mais amplo. Os objetos pessoais, tais como
cartas, diários, depoimentos, processos, arquivos diversos e fotografias nos
proporcionam um leque de possibilidades de análise do cotidiano, da vida social, etc.
Ana Maria Mauad, em sua análise metodológica, diz que “estudo das imagens impõe o
estudo da sua historicidade” (MAUAD, 2004). E é esta abordagem que pretendemos
aplicar em sala de aula, no que diz respeito ao ensino de História.
A fotografia, assim como os demais objetos de família, trabalhada com as
representações incorpora um processo de apropriação do conhecimento, produzindo
uma significância diferenciada e considerando a dimensão histórica é a proposta do
presente projeto na produção de uma história visual da família de Ruben George
Bauer, in memoriam, e abrangendo o período em torno de 1920 até meados da década
de 70. O recorte espacial contemplou municípios do Rio Grande do Sul, como Canoas,
Porto Alegre, São Lourenço, Pelotas, Arroio Grande e a cidade de São Paulo.
Utilizamos como fontes da pesquisa o acervo de Ruben George Bauer, composto
de álbum de fotografias, com duzentos e sessenta e quatro fotos, devidamente reunido
e conservado em uma caixa de madeira fabricada pelo próprio, contendo uma colagem
com a imagem do Palácio da Alvorada na tampa e dobradiças para facilitar a abertura e
fechamento; de um diário cronológico, contendo setenta e duas páginas escritas e outro
narrativo, com trinta páginas, possuindo detalhes importantes da família, desde seu
nascimento, casamento, nascimento dos oito filhos e árvore genealógica, e informações
de seu envolvimento social com a política de Canoas, entre outros; de alguns objetos
pessoais como óculos, porta objetos e esculturas em osso, madeira e pedra sabão;
estudo sobre o contexto histórico; e entrevistas com os filhos e alguns familiares
ligados diretamente às fotografias e à vida do Sr Ruben.
Quanto ao método, os trabalhos foram divididos em três etapas: a primeira se
ocupou em contextualizar as informações dos Diários de Ruben George Bauer
juntamente com o álbum fotográfico utilizando as prerrogativas do gênero biográfico.
Como sustentação da pesquisa, utilizamos alguns autores que trabalharam ou trabalham
a fotografia e biografia como fonte histórica, viajando na interdisciplinaridade,
enriquecendo o saber. A partir da pesquisa do contexto histórico, iniciaremos a segunda
parte: as entrevistas com os sete filhos do casal, a partir das fotografias após 1950, onde
estes personagens estão presentes e, após, com demais familiares que conviveram em
sua infância e juventude, utilizando as imagens anteriores a 1948. Com os depoimentos
sobre as fotografias, será possível conhecer as impressões sobre a memória da imagem,
bem como identificar personagens, datas e locais das fotografias, de algumas esculturas
e objetos pessoais. Também as observações e reações dos entrevistados sobre as
imagens e objetos são recursos que abrem caminhos diversos sobre o objetivo traçado
no projeto que poderão ser utilizados na pesquisa ou resguardados para futuros projetos.
As autoras Marli Albuquerque e Lisabel Klein, na publicação de um trabalho realizado a
Casa Oswaldo Cruz, a partir de fotografias confirmam a opção desta pesquisa quando
propõe a construção da memória através das entrevistas e percepções pessoais, onde “A
interpretação é uma ação mental permanente. [...] as pessoas fazem a mesma leitura,
mas cada uma interpreta de sua forma, em função de sua idade, do seu sexo, da sua
profissão, de sua ideologia, enfim, do seu saber” (ALBUQUERQUE; KLEIN, 2008).
O tema é pertinente, pois trata de uma modalidade de ensino inovadora no campo
da história, utilizando a fontes alternativas, como a fotografia de família, considerando o
educador presente e mediando todo o processo interativo, tornando possível configurar
significâncias a partir da pesquisa com imagens exigindo elaborações intelectuais. O
estudo a partir de fotografias não registra uma verdade histórica, como escreve Boris
Kossoy, “o que vemos se conecta a inúmeros fatos sobre os quais nada sabemos [...] um
registro de aparências, composto de múltiplas realidades” (KOSSOY, 2006), por este
motivo o sentimento e a memória surgida do contato entre a imagem e o entrevistado
acrescenta novas possibilidades á interpretação histórica, onde o educando se torna
sujeito na construção deste saber.
A aplicação desta ferramenta no ensino, como forma de apropriação do saber,
estimula a curiosidade e criatividade do educando, incentivando-os a buscar referências
dentro de sua própria família, se identificando como participante na construção da
história de sua comunidade. O trabalho de pesquisa a partir de fotografias da família,
nos mais diversos níveis de estudos, faz com que o educando entenda a História como
um processo e, principalmente, como agente histórico. Importante destacar que, a partir
desta construção, é possível trabalhar em sala de aula a questão de sujeito histórico,
objetivando a inserção do educando, aproximando-o à realidade estudada.
A pesquisa em questão tem como espaços os municípios de Porto Alegre, Canoas,
em especial bairros Rio Branco e Fátima, e alguns municípios do interior do Rio Grande
do Sul, o que pode trazer à tona importantes informações relativas a estas regiões, bem
como a convivência e formação de grupos sociais, que poderão complementar estudos
nas mais diversas áreas, bem como despertar interesse de investimentos culturais, tanto
nos setores públicos ou privados.
A originalidade do projeto está nas fontes: fotografias, diários e objetos pessoais,
presentes na família Bauer e nunca antes pesquisados, trazendo uma gama de
informações que poderiam ser abertas em muitos temas de projetos de pesquisa.
Como relevância social, a produção deste material contribui com o
estabelecimento da identidade cultural da comunidade. Já a relevância acadêmica e
científica vem com a possibilidade de colaborar com outras pesquisas nas mais diversas
áreas do conhecimento, utilizando como parâmetro, complemento ou agregando uma
informação, caracterizando um material rico de significados.
Ademais às relevâncias supracitadas, existe um interesse especial e pessoal sendo
fundamental e decisiva para a escolha do tema: Ruben George Bauer é avô materno da
pesquisadora em questão. O trabalho é viável, pois teremos acesso irrestrito ao acervo
documental e aos familiares a serem entrevistados, sendo eles moradores de Canoas,
Porto Alegre e Santa Maria.
Enfim, a proposta de pesquisa sobre a história de família de Ruben George Bauer
irá lembrar, além da memória de família, a memória da sociedade local, em suas
diversas passagens, integrando enfoques e um diálogo interdisciplinar que contribuam
na identificação de transformações sócio-culturais.
Ruben George Bauer: uma história de vida
As verdades da história sustentam-se sobre as referências a documentos e
monumentos do passado, mas também a teorias, métodos e técnicas que
permitem descrever e explicar os acontecimentos de interesse no presente.
Por isso, os produtos da história são construções com prazo de validade:
porque os problemas do passado que exigem explicação mudam, porque os
restos do passado mudam de significado com relação ao que acontece no
futuro de tais acontecimentos, um futuro que agora, já está em nosso passado
ou presente. Assim, cada geração tem que refazer toda a história. Como se
diz na Rússia em tom de brincadeira: “O passado é imprevisível”. (ROSA,
2007, p. 54)
Em minha infância convivi com meus avós maternos diariamente, pois meus pais
trabalhavam durante a semana e só me buscavam nos finais de semana. Essa rotina se
repetiu até meus seis anos, quando entrei para a escola e minha mãe parou de trabalhar,
portanto foram quatro anos de convivência mútua. Neste período meu avô era uma
pessoa solitária, de pouquíssimas palavras, em contrapartida, minha avó era dinâmica,
não parava um minuto e muito atenciosa com os netos.
Todos os seus dias eram iguais: levantava cedo, tomava café, caminhava pelo
bairro, fumando seu cigarro Elmo (lembro bem deste cigarro, um cheiro horrível!),
conversava com vizinhos, retornava para casa, sentava na área da frente com um com
copinho “americano” de café preto, até a hora do almoço. Ah! E o radinho de pilhas,
outro item indispensável, junto com a bandeira do Grêmio que ficava hasteada em frente
a casa, no Bairro Fátima, em Canoas. No almoço, exatamente ao meio-dia, todos
conversavam, exceto ele: almoçava e ia deitar em seu quartinho que fez nos fundos da
casa, juntamente com seus objetos, livros, cadernos e coleções. Após a sesta,
permanecia por muito tempo no quarto, talvez lendo, escrevendo ou trabalhando em
suas esculturas (hoje entendo isso) até o religioso café da tarde de minha avó, em torno
de quinze horas e mais uma paradinha na área da frente aguardando a janta. Dormia
cedo. Uma vez por mês se dirigia ao Centro de Canoas ou Porto Alegre para receber
sua aposentadoria no banco. Sua rotina se alterava nos dias de futebol, quando sentava
na área, com seu radinho, bandeira e o “Elmo”; estranhava que o vô tinha uma voz
expressiva.
Quando entrei para a universidade, no 2002, treze anos após sua morte, lembrei
que a minha mãe havia guardado alguns escritos e fotos de meu avô e, a partir daí
comecei a interessar-me pela narrativa e senti a necessidade de conferir os fatos, bem
como saber que homem foi esse. Para minha surpresa descobri uma vida ativa e
comunitária, um pai de família lutando para estar inserido no perfil familiar existente no
período e os sofrimentos e alegrias da vida em família, no decorrer das várias etapas de
sua vida.
Esta monografia foi um diálogo entre a neta, a estudante de história e os diários e
fotos de meu avô, baseando-se na Nova História Cultural e o aparato conceitual da
micro história como estratégia de abordagem do empírico. Considerando que as
pesquisas foram realizadas a partir das anotações e fotografias armazenadas por um
sujeito histórico, trabalhadas e contextualizadas por um membro desta família, como
parte de um trabalho de conclusão para o curso de História, ressalto que os resultados
foram além da problemática inicial proposta.
Da mesma forma, é ainda a micro-história aquela que melhor se presta à
descrição densa prevista por Clifford Geertz (1989) e tomada de empréstimo
pelos historiadores que principiavam a ver como práticas sociais se traduziam
em bens culturais, tal como Edward P. Thompson (1995). A vida dos
homens, enfim, revelada, dissecada, exposta em carne e osso nas suas
minúcias, onde cada fato poderia ser objeto de múltiplos cruzamentos e
correspondências, buscando atingir as pegadas ou traços da passagem do
homem na história. (PESAVENTO, 2009, p. 186)
Dentro da família, houve comoção e prontidão em alimentar informações
complementares ao trabalho, surgindo inúmeros relatos, documentos, fotografias,
gravações em vídeos, enfim, materiais cuidadosamente guardados, que podem
fundamentar outros tantos trabalhos de pesquisas interessantíssimos. Por outro lado, a
experiência em trabalhar com fontes primárias, contextualizando e argumentando,
proporcionou uma apreensão da história de forma eficaz, pois, além do interesse
pessoal, o estudo em geral é concebido a partir da construção deste conhecimento.
As fontes primárias alternativas, neste caso os diários e fotografias, contemplam
valiosas informações que agregam conhecimento não só a área de História, como a
Antropologia, Sociologia e a Psicologia, funcionando como “chaves do sucedido e o
lugar que os humanos ocupam nele [...]” (MARTIN, 2007, p. 61). O trabalho com os
objetos de família possibilitou a percepção do sujeito histórico identificado na atuação
do objeto biografado, nas comunidades dos bairros Rio branco e Fátima, em Canoas,
bem como em outros municípios do Rio Grande do Sul e na capital, que, além de
contribuir para a historiografia local, construiu instrumentos para trabalhar com este
sujeito em sala de aula.
[...] uma analítica do sujeito, seja qual for a adjetivação que se atribua a esse
sujeito – pedagógico, epistêmico, econômico -, não pode partir do próprio
sujeito. É preciso, então, tentar cercá-lo e examinar as camadas que o
envolvem e que o constituem. Tais camadas são as muitas práticas
discursivas e não discursivas, os variados saberes, que, uma vez descritos e
problematizados, poderão revelar quem é esse sujeito, como ele chegou a ser
o que dizemos que ele é e como se engendrou historicamente tudo isso que
dizemos dele. (VEIGA-NETO, 2007, p. 112-113)
Este trabalho permitiu conhecer o sujeito produtor e suas mediações culturais e
ideológicas empregadas nas escolhas desde o registro de informações nos diários, até a
guarda de objetos e fotografias, como evidência da vontade em preservar a memória e
garantir a continuidade destas recordações. Ao suscitar as narrativas um personagem
apareceu, aos meus olhos, um homem ativo, produto e produtor cultural de seu tempo,
inserido no processo social e político de sua comunidade, retomando aspectos
históricos.
Figura 1 - Armazém da família, em São Lourenço/RS (1928).
Fonte: Acervo Fotográfico Jussara Monteavaro
Rubens viveu entre 1919 e 1989, época de intenso fervor político no Estado do
Rio Grande do Sul. Nasceu em São Lourenço, mas foi para Passo Fundo, com um ano
de idade, presenciando a bravura de seu padrinho, “chefe das forças do governo”, em
plena Revolução de 1923, com a disputa entre PRR e o PF. Aos oito anos retorna à
terra natal, com seus pais, para trabalhar no comércio da família, um empório,
localizado na praça principal de São Lourenço, até hoje existente com dizeres gravados
na fachada do prédio, algo sobre uma seguradora, mas é o mesmo prédio. Lá,
testemunhou a famosa vazante de São Lourenço, durante a estação seca, onde o canal
secou (esta informação não foi confirmada totalmente; moradores confirmam as
vazantes, mas não o esvaziamento completo do canal, como vô Rubens narra em seu
diário). Acompanhou, também, uma festa de casamento de sua irmã Laura, em uma
festa característica pomerana, confirmada através das pesquisas, por se tratar de região
de grande concentração destes imigrantes.
Figura 2 – Irmãos Bauer em frente a Casa Apollo, na Avenida Independência, em Porto
Alegre (Casinhas da Santa Casa que estão sendo restauradas).
Fonte: Acervo Fotográfico Jussara Monteavaro
Em Porto Alegre, com dezesseis anos, mora em um dos principais pontos
históricos hoje preservados: “as casinhas da Santa Casa”. Seus registros sobre a Capital
abrangem o centenário da Revolução Farroupilha, com grande festa na “Redenção”, a
passagem do Graft Zepellim, o desfile de Carnaval do “Bloco Náutico” e os reflexos da
segunda guerra mundial nas lojas alemãs. Neste período, narrou os casamentos de seus
irmãos e irmãs, as enfermidades, a vida boêmia, a morte de seu pai, as responsabilidades
e o amor de sua vida, Fanny.
Com o casamento apaixonado, deixou a boemia e os amigos e vieram as
responsabilidades, a família, a falta de dinheiro e os primeiros sinais de sua fragilidade:
um pai de família deveria sustentá-la e a sua angustia foi sentir-se incapaz. As partir
deste estudo entendi o meu avô introspectivo e sem voz ativa na família que conheci em
minha infância e adolescência.
Figura 3 – Carnaval de 1941, em Porto Alegre, RS; Ruben segurando o mastro do Bloco
Náuticos, de saiote claro.
Fonte: Acervo Fotográfico Jussara Monteavaro
Adquiriu uma casa em Canoas, no bairro Rio Branco, sem infra estrutura e
mudou-se com a família. Seu envolvimento com a comunidade mobilizada em executar
obras de saneamento foi o início de seu ensaio político, continuado em seu próximo
endereço, no bairro vizinho, chamado Vila Flórida (hoje Fátima).
Figura 4 – Casamento religioso de Ruben e Fanny (novembro de 1942)
Fonte: Acervo Fotográfico Jussara Monteavaro
Figura 5 – Propaganda eleitoral de Ruben, candidato à vereador pelo município de
Canoas, RS.
Fonte: Acervo Jussara Monteavaro
O presente estudo propõe a discussão sobre novas ferramentas para a abordagem
histórica, a partir das fontes primárias, ampliando a reflexão pertinente ao saber
educativo, fornecer subsídios à historiografia com a qual estas fontes estão relacionadas
e não menos importantes, a atuação de um sujeito histórico adormecido nas páginas de
um diário e, ainda por cima, meu avô. Quanto à historiografia, as narrativas e imagens
são importantes contribuições que serviram para testemunhar fatos e eventos,
apresentando informações sob um “olhar” diferenciado.
A cerca desta abordagem constatamos que é possível ter a dimensão dos
acontecimentos, pois “a história vista de baixo abre a possibilidade de uma síntese mais
rica da compreensão histórica, de uma fusão da história da experiência do cotidiano das
pessoas com a temática dos tipos mais tradicionais de história” (SHARPE, 1992, p. 54),
permitindo uma renovação de métodos e perspectivas entre educadores. A estratégia é
fazer o educando pensar os laços de sociabilidades, evidenciando que a história faz parte
de um conjunto de inter relações, levando em consideração as vontades, angústias,
emoções, cristalizadas em mecanismos diversos, como as fontes primárias trabalhadas
nesta monografia e que podem ser encontradas dentro de suas próprias casas, em
vizinhos e até mesmo em Editoras jornalísticas, órgãos públicos, enfim, demonstrando
que as fontes existem e são acessíveis.
O processo cognitivo se fortalece quando cria significação para o expectador. A
narrativa complementada com as fotografias permite fixar uma representação visual,
capturando a informação, proporcionando importante linguagem no processo de
construção de conhecimento e na busca de sentidos. Desta forma as interpretações
construídas a cerca da necessidade de pensar e agir, permite um efeito de longa duração
desta informação no consciente do expectador, com novos olhares e reflexões críticas a
cerca deste conhecimento e de outros, correlacionados. O desafio maior é proporcionar
espaços de interlocução em que os sujeitos possam experimentar-se como participantes
da construção da história, com oportunidades de trabalhar com fontes primárias e
sentirem-se capazes de se identificar como sujeitos históricos.
Foi um grande prazer trabalhar com este tema e, principalmente, “conhecer” um
outro avô, que buscou nas palavras um recurso para contar aos descendentes a sua
história de vida. Refugiou-se nas frases e pensamentos como forma de perpetuar a
infância e adolescência feliz e íntegra. Como mencionei o diálogo entre a neta, a
estudante de história com o avô, não é finito, permite outros diálogos, com pessoas da
família, das comunidades que fizeram outros tantos temas emergirem no decorrer dos
trabalhos de pesquisa. Foram inúmeras colaborações como documentos, imagens,
cartas, depoimentos que estão cuidadosamente armazenados para futuras
problematizações. Um assunto tão próximo e tão distante, ao mesmo tempo, com
muitas aprendizagens e realizações. Em São Paulo, ano de 1971, escreve: “Espero que
após a minha morte tenham um pouco de orgulho de mim, pois tenho dado todo o
esforço para ser um bom pai e espero que o tenha sido.” (BAUER, 19--b, p.48-51).
Talvez não tenhamos a oportunidade de dizer em vida, mas o “vô” Ruben proporcionou
muito orgulho para sua família e está sendo uma grande honra contar a sua história.
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