Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,
na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
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Giuseppe Arcimboldo e sua Árvore de Jessé: reflexões interdisciplinares
Sandra Iris Sobrera Abella
UFSC – [email protected]
Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade
1. Introdução
Este trabalho consiste em reflexões acerca de uma pesquisa de doutorado concluída no Programa de
Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFSC), resultando na tese intitulada “Uma
leitura do afresco 'A Árvore de Jessé', de Giuseppe Arcimboldo: articulações simbólicas numa perspectiva
interdisciplinar” (SOBRERA ABELLA, 2013), orientada pelo Prof. Dr. Rafael Raffaelli e co-orientada pela
Profa Dr
a Maria Bernardete Ramos Flores. A pesquisa consistiu numa análise dos simbolismos presentes na
obra e suas significações possíveis, que faziam parte do imaginário da sociedade europeia daquele período,
resultando num trabalho eminentemente interdisciplinar. O artista é conhecido por seus retratos inusitados
compostos por vegetais, animais e objetos diversos, pintados na segunda metade do século XVI, período de
transição para a modernidade, quando o início da busca pelo conhecimento científico ainda coexistia com
estudos humanistas da antiguidade clássica e conhecimentos esotéricos da alquimia, magia e astrologia,
formando um modo de pensamento peculiar. Suas obras vêm despertando interesse crescente de artistas
modernistas e contemporâneos e do público, ao satisfazer o gosto estético da atualidade de modo geral em
virtude de seus jogos e enigmas visuais, o que faz com que muitas vezes tais obras sejam vistas como
estranhas ao seu contexto histórico. A problemática investigada foi a significação da obra a partir das
escolhas feitas pelo artista em termos de linguagem pictórica e simbólica, na articulação de conceitos e
ideias, visando responder à pergunta: o que os símbolos inter-relacionados nessa obra podem significar?
Este texto, especificamente, objetiva apresentar como a interdisciplinaridade está presente na referida
investigação, o que ocorreu em seus elementos constitutivos básicos e em todas as etapas de sua realização.
A obra foi abordada a partir de diferentes ângulos, acessando conhecimentos tradicionalmente circunscritos
nos limites de determinadas disciplinas, como história, filosofia, psicologia, artes visuais e sociologia,
principalmente. O que colocou dificuldades para a pesquisa que foram sendo solucionadas ao longo do
processo investigativo, com abertura para descobertas inesperadas inicialmente que ocorreram durante o
percurso.
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2. Procedimentos metodológicos
Os procedimentos utilizados foram: pesquisa bibliográfica sobre o artista, seu contexto e os
significados de mitos e símbolos segundo o método comparativo; análise de conteúdo sobre significados
tradicionais da imagem da árvore, agrupados em 10 categorias de análise e mais uma, totalizadora; pesquisa
iconográfica e iconológica e intervenções em algumas imagens; e observações à obra em uma reprodução e
in loco na Catedral de Monza, Itália.
Foram incluídos elementos extra-pictóricos abrangendo o seu contexto de surgimento, numa
perspectiva metodológica semelhante à de Panofsky (2007), mas à qual foi acrescentada a identificação de
formas perceptíveis e uma análise simbólica. Uma diferença a ser apontada na abordagem de Panofsky como
um todo, e a que foi aqui utilizada, consiste em que o autor focaliza as formas gerais do todo de uma obra, e
não analisa partes desse todo. Nesse sentido, a abordagem aqui utilizada aproxima-se mais da de Francastel
(1987), por considerar pertinente estabelecer relações entre as partes que formam o todo de uma obra
pictórica.
3. Justificativa do eixo escolhido
No presente evento, este trabalho insere-se no eixo temático “Teoria e Prática da
Interdisciplinaridade” devido à ênfase conferida nesta pesquisa ao aspecto metodológico, buscando refletir
sobre o processo de construção e consecução de uma investigação interdisciplinar, com suas características
específicas. Portanto, as considerações apresentadas a seguir permitem discutir sobre algumas peculiaridades
do método científico na pesquisa interdisciplinar em ciências humanas, construída no cruzamento de
conhecimentos desenvolvidos em diferentes ramos do saber, de modo a permitir uma compreensão mais
abrangente do objeto de investigação, considerando suas possibilidades e também suas limitações.
Ainda este texto, inserido no eixo mencionado, visa que as reflexões que se pretende apresentar a
respeito de como a interdisciplinaridade caracterizou a pesquisa realizada que está sendo objeto deste estudo
permitam algumas sistematizações sobre a teoria e a prática da pesquisa interdisciplinar, a serem
explicitadas no item 5 deste trabalho.
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4. Resultados e discussão: a interdisciplinaridade nesta pesquisa
A interdisciplinaridade esteve presente em diversos aspectos e momentos da referida investigação, o
que pode ser evidenciado a partir de uma análise das várias etapas do processo investigativo realizado na
pesquisa que é objeto deste trabalho, permitindo algumas reflexões acerca do processo realizado.
Tratando-se de um tema interdisciplinar, a abordagem da obra foi realizada a partir de diferentes
ângulos, trazendo informações diversas relativas a aspectos relacionados de alguma forma com a mesma,
buscando o desenvolvimento de um olhar multifocal, com contribuições de diversas disciplinas das ciências
humanas, buscando articulá-las na formação de saberes heterogêneos ao abordar o objeto de pesquisa em sua
multiplicidade (AGUIAR, 2011). Assim, foram redigidos capítulos específicos com centralidade em uma
disciplina, articulando conhecimentos de outros ramos do saber à medida que vinham sendo pertinentes para
a compreensão do tema abordado, relacionado com o objeto de investigação visando responder a pergunta
ponto de partida para a pesquisa realizada.
Na fase de coleta de informações acerca do objeto da investigação, a perspectiva interdisciplinar já
estava presente no levantamento de fontes bibliográficas diversas e na articulação das mesmas, referentes a
aspectos variados relacionados ao artista e suas obras, no sentido de constituir uma visão panorâmica acerca
do estado dos conhecimentos acerca do artista, possibilitando assim situar o problema da pesquisa. Este,
relativo à significação da obra de Arcimboldo, gerou uma pergunta suficientemente ampla (o que os
símbolos inter-relacionados nessa obra podem significar?), o suficiente para manter o foco e permitir a sua
realização, dando espaço para a abertura e a relação almejadas entre conhecimentos interligando as áreas:
pintura e comunicação. O que implicou no acesso também a conhecimentos provenientes da filosofia, da
psicologia e dos estudos interdisciplinares relacionados aos símbolos, bem como também a da história, na
medida em que a ênfase recaiu sobre o público da época, visando um olhar multifacetado (AGUIAR, 2011)
num lugar de fronteira (BONIN, 2011) diferenciando-se, portanto, dos moldes disciplinares de pesquisa, que
primam pelo afunilamento do olhar, ao invés de sua ampliação. Tal formulação da pergunta, por sua vez, é
compatível com uma abordagem interdisciplinar por conduzir ao elencamento de possibilidades e não a uma
única interpretação, e também pela análise de relações entre símbolos identificados na obra, possibilitando a
abertura de novas possibilidades analíticas.
O próprio objeto da pesquisa possui características interdisciplinares, tratando-se de uma obra de arte
criada na cultura humanista do período histórico renascentista, no qual ainda não existia uma completa
separação entre as disciplinas. Nesse contexto ao mesmo tempo artístico e intelectual, eram buscadas
integrações entre os conhecimentos, considerados como aspectos do ser-humano na busca do ideal do
homem universal anunciado por Alberti. Arcimboldo, de modo semelhante a Leonardo da Vinci e outros
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sujeitos conhecedores da Renascença, dominava áreas diversas do conhecimento além da pintura, como
música, poesia, moda, engenharia, hidráulica, construção de máquinas, criptografia, genealogia, história
natural, organização de grandes eventos, colecionismo de objetos raros e valiosos, e provavelmente também
estudos de ótica e percepção, tendo se destacado entre os seus pares por sua erudição (KAUFMANN, 2009).
Tal diversificação de atividades por parte do artista em suas criações diversas, não somente as
pinturas, faz não somente que suas obras sejam estudadas por pesquisadores provenientes de áreas diversas,
mas que também muitas vezes suas obras de diferentes tipos sejam estudadas em conjunto, no sentido de
identificar e compreender a imbricação de conhecimentos que compõem suas invenções. Mais
especificamente no caso do estudo das pinturas deste artista, Kaufmann (2009) recomenda que sejam
analisadas mantendo relação com suas demais criações, não perdendo de vista sua complexidade. Esta
recomendação foi seguida assinalando as ideias presentes nas diversas realizações do artista, e evidenciando
aspectos relacionados com suas pinturas principalmente a partir das suas criações de design de moda e de
adereços e carros alegóricos para os desfiles que promoveu na corte austro-germânica onde serviu durante
25 anos, posteriores ao afresco analisado, procurando perceber ligações entre esta obra e as suas criações
mais famosas pintadas décadas mais tarde. Geralmente as pinturas e desenhos que fez numa fase inicial, em
Milão e arredores, são consideradas sem relação com sua fase posterior, o que tem suscitado
questionamentos sobre o que o teria levado a essa mudança de estilo. Sendo que na tese em questão foi
possível indicar que, apesar de diferenças na forma de representação, não houve uma mudança tão radical
como se pensava, mas pode-se perceber continuidades (pelo menos duas: na dubiedade da imagem e nas
características gerais do rosto).
Na etapa inicial foi realizado um apanhado geral sobre o histórico das pesquisas realizadas sobre o
artista, as abordagens, conflitos de perspectivas e lacunas, tendo a liberdade de não restringir a investigação
a uma única área mas a todas a que se teve acesso nas diversas bases de dados consultadas. A partir do
levantamento de escritos de diferentes tipos, foi possível verificar um panorama que consiste em textos
jornalísticos, artigos, dissertações e teses, publicados entre 1968 e 2012, em que o interesse manifesto pelas
obras do artista não provém somente do campo da arte pictórica, mas também das neurociências, educação,
filosofia, linguística, música, museologia, biblioteconomia, entre outros. No entanto, o fato de existir
interesse por Arcimboldo proveniente de várias áreas, por si só não o faz necessariamente objeto de estudo
interdisciplinar, pois pode ser pesquisado segundo uma perspectiva disciplinar, por exemplo nos estudos
sobre a percepção, sem entabular relações entre disciplinas. Porém, diversos textos escritos sobre o referido
artista consistem em reflexões construídas por meio da articulação de conhecimentos entre disciplinas, e, de
todo modo, geralmente sua obra suscita o estabelecimento de relações – seja do artista com outros artistas da
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mesma época ou não, entre sua obra e outras áreas, ou ainda entre sua obra e aspectos históricos, filosóficos,
psicológicos ou sociais.
A fundamentação teórica realizada não esteve circunscrita a uma única área do conhecimento,
concebendo os símbolos como parte do mundo imaginário, com suas raízes no inconsciente coletivo
(CHEVALIER, 1986; DURAND, 2002; JUNG, 1995). Foi possível fundamentar a pesquisa em autores que
possuem uma visão interdisciplinar ao tema, como Gilbert Durand (2002), Francis Yates (2007), Thomas
DaCosta Kaufmann (2009), embora também tenham sido consultadas obras de áreas específicas, sendo a
articulação dos diferentes conhecimentos um desafio na pesquisa interdisciplinar, no sentido de evitar
incompatibilidades teóricas. A teoria de fundo foi junguiana, mas esta não foi utilizada diretamente e sim
por meio da apropriação de intelectuais que se embasaram na sua concepção geral e a aplicaram em seus
estudos dos simbolismos a partir da perspectiva antropológica com articulações interdisciplinares
(DURAND, 2002; ELIADE, 2010) pertinentes para a fundamentação da tese realizada.
Com relação ao método de leitura de imagens, cuidou-se para que fosse compatível com a teoria de
fundo junguiana. Em parte coincide com a sugerida por Panofsky (2007), abrangendo três níveis (pré-
iconografia, iconografia e iconologia), embora as análises realizadas em cada um desses níveis não tenham
sido sempre apresentados separadamente e seguindo essa ordem. E por outra parte, o método empregado foi
construído durante a realização da leitura, tendo sido considerado importante não seguir um esquema rígido
e fechado, mas ter liberdade para as análises e exploração das imagens.
É relevante ainda assinalar que a metodologia não foi definida a priori, e sim no decorrer da
investigação a partir dos conhecimentos que foram sendo obtidos e da análise da própria obra, demandando
a busca de mais conhecimentos, segundo Aguiar (2011). Esse movimento objeto de pesquisa e teoria
constituiu uma via de mão dupla: a observação da obra levando a buscar aprofundar conhecimentos como
em dicionários de símbolos e em literatura especializada, e os conhecimentos desta vertente conduzindo
novamente de volta à obra para compreendê-la melhor, como por exemplo quando os estudos iconográficos
sobre a temática da árvore de Jessé permitiram identificar cada personagem da obra, suas relações de
parentesco e como Arcimboldo trabalhou essas informações e seus simbolismos na obra seguindo
movimentos “ziguezagueantes” (SOBRERA ABELLA, 2013). Sendo que isso ocorreu em inúmeros
momentos, entre os quais pode-se citar também a presença de uma janela real na obra com relação a seus
simbolismos de modo geral, e particularmente conforme a simbologia cristã, em virtude do próprio tema
pintado em recinto religioso. Assim, no percurso analítico não-linear realizado, várias possibilidades foram
abertas mas nenhuma foi fechada em coerência com a visão teórica utilizada, fundamentada na ideia de
abertura dos símbolos (CHEVALIER, 1986; DURAND, 2002). Nesse sentido, os símbolos escapam a
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definições e não podem ser capturados, o que ocasionaria a morte do símbolo (CHEVALIER, 1986);
portanto, durante sua análise é preciso que se tenha o cuidado em manter sua mobilidade, diversidade e
contradições, não encerrando a obra em uma interpretação definitiva.
A manutenção do olhar para a versatilidade do artista esteve presente na escrita do capítulo
denominado “Sobre o que se conhece acerca do artista” abrangendo elementos extra-pictóricos sobre o
artista e elementos pictóricos sobre suas obras de modo geral e a obra analisada em particular. Os primeiros
elementos mencionados foram desenvolvidos inter-relacionando informações biográficas do artista com sua
trajetória profissional conjuntamente, entremeadas com comentários e suposições de diferentes autores, não
comprovadas e muitas vezes discordantes, na busca por explicações sobre lacunas existentes no
conhecimento sobre o artista e acontecimentos relevantes que podem ter contribuído direta ou indiretamente
para suas criações muitas vezes consideradas extravagantes. Esse foi um exercício de interdisciplinaridade
ao evitar separações e decorrentes fragmentações, entre a vida e a obra, entre o artista e seu contexto mais
imediato, incluindo acontecimentos e figuras destacadas da época, entre suas pinturas e outras invenções,
assim como também entre seus conhecimentos e suas criações diversas. Nesse momento, tratou-se de
articular perspectivas do âmbito da história, arte e sociologia, conforme foram consideradas pertinentes para
uma possível reconstituição da trajetória pessoal e artística de Arcimboldo, apesar dos pontos obscuros
existentes hoje a seu respeito decorrente da perda de documentos e obras, e da inexistência de escritos auto-
biográficos.
Na parte da pesquisa referente às influências que podem ser verificadas sobre o processo criativo do
artista em suas pinturas, principalmente sobre seus retratos compostos, as informações abordadas foram
obtidas das áreas: crítica de arte, história da arte, literatura, filosofia da antiguidade clássica e do humanismo
da renascença, no sentido de apontar suas fontes mais plausíveis, embora sem conclusões definitivas. Esta
questão foi abordada por ser um dos temas mais controversos sobre as pinturas de Arcimboldo, podendo
apontar pistas no sentido de indicar em que momento de sua carreira e por qual motivo o artista começou a
pintar suas cabeças compostas. Apesar de não fornecer uma resposta definitiva para essas questões em
aberto, na pesquisa em questão foi possível aventar uma nova hipótese que oferece uma alternativa de
resposta para essas dúvidas, explicitada na tese (SOBRERA ABELLA, 2013). Tal hipótese inédita foi
construída a partir da percepção de uma imagem oculta na obra, o que levou, além da inserção nessa questão
para supor uma resposta, também a incluir uma possibilidade de análise não prevista anteriormente.
Chamando a atenção para uma outra característica desta pesquisa, e que é de fundamental importância que
esteja presente em toda pesquisa interdisciplinar: a flexibilidade, tanto para articular diferentes ideias como
para redefinir direções. Neste caso, além de incluir menções e comentários a essa segunda imagem em
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diversas partes anteriores e posteriores à análise, a própria análise foi realizada como uma analogia aos
movimentos do olhar requeridos ao espectador frente às cabeças compostas de Arcimboldo: num primeiro
momento, a visão da imagem formada pelas partes componentes do retrato; num segundo momento, num re-
arranjo perceptivo que permite a visão de uma segunda imagem formada pelo todo da obra; e num terceiro
momento de tentativa de síntese na alternância entre uma e outra imagem.
No tocante às características das obras do artista e sua técnica, o foco principal foram suas pinturas,
recorrendo quando pertinente a conhecimentos das artes visuais, estudos da percepção, história da arte, o
pensamento da Renascença, articulações com o item sobre a trajetória do artista, e relações entre suas obras
de diferentes fases, possibilitando apontar possíveis significados relativos aos elementos pictóricos descritos
em suas obras, principalmente no afresco analisado. Neste momento, realizei uma análise dos aspectos
pictóricos da obra em questão, anunciando a possibilidade de uma imagem oculta a ser apresentada mais
detalhadamente em capítulo posterior, mas já adiantando relações entre alguns elementos constitutivos da
obra e características que indicam significados e uma provável intenção de ocultação da dubiedade da
imagem por parte do artista, com o assinalamento de algumas hipóteses nesse sentido (SOBRERA
ABELLA, 2013).
Além de informações e conhecimentos sobre o artista e a obra analisada, também foram apresentados
elementos contextuais mais amplos, formando a base para a análise posterior, referentes aos conhecimentos
que integraram a cultura da época em diferentes aspectos considerados pertinentes para uma compreensão
mais ampla e aprofundada da obra. Tais elementos contextuais compreenderam duas grandes partes.
A primeira teve como foco: história, conceitos e características do estilo compartilhado de
Arcimboldo com demais artistas de sua época – o Maneirismo –, com ênfase na história da arte, sendo
relacionados também alguns acontecimentos históricos de relevância social, remetendo brevemente a uma
subjetividade geral na época, aproximando um pouco com a psicologia, embora tendo o cuidado para não
estabelecer determinismos nem relação de causalidade entre sociedade-arte-indivíduos, mas de qualquer
forma valores e conceitos enfatizados pelos artistas da época e compartilhados pelo público permite perceber
certas características de comportamento, sentimento e pensamento referentes a uma certa identidade
“alimentada” por essa arte na cultura do seu tempo. Pode-se afirmar que o aspecto psicológico também está
presente na arte em três aspectos: no processo de criação, materializado na própria obra, e na sua recepção.
Embora neste trabalho tais aspectos tenham sido mencionados e desenvolvidos na medida do possível, a
ênfase recaiu sobre os elementos da própria obra que permitem veicular significados, como se pode verificar
na pergunta da pesquisa. Nesse sentido, apesar de buscar abordar a questão pesquisada em seus múltiplos
aspectos, caracterizando uma “visão multifocal”, foi necessário o estabelecimento de prioridades, e em
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alguns momentos centralizar um aspecto por vez e conforme a necessidade ir estabelecendo relações com
conhecimentos de outras disciplinas. Ainda nesta parte, foram assinaladas as características presentes nas
obras de Arcimboldo que o inserem no estilo maneirista, evidenciando sua obra como inserida na arte de sua
época, como afirma Kaufmann (2009), diferentemente de outras abordagens às obras do artista, que as
compreendem como fora do seu tempo, mais próximas da arte moderna. A pesquisa realizada referente a
este aspecto permitiu verificar as características maneiristas de suas criações, como o gosto pelo complicado
e complexo, assim como também pelo jogo e o lúdico, e o fato de que tais obras de arte tinham o objetivo e
característica de abarcarem um todo contraditório, o que pode ser identificado a partir de um mapeamento
do contexto intelectual da época.
A segunda grande parte desse capítulo que aborda o contexto também visou localizar suas criações
na sua temporalidade, mas desta vez centrada na filosofia ao abordar o pensamento da Renascença que se
reportava à filosofia platônica e ao ocultismo abrangendo hermetismo, magia, alquimia e astrologia; e ainda
mantinha alguns aspectos da filosofia do período medieval sem realizar um corte brusco com esta influência.
Neste item da pesquisa contextual a abordagem do ambiente intelectual do período foi realizada remetendo à
história, quando foi considerado necessário, no sentido de compreender a visão de homem e de mundo
fundamentando a pintura da época, a partir do pressuposto da relação intrínseca entre conteúdo e forma na
obra de arte. Tal concepção predominante consiste em crença na correspondência entre macrocosmo (o
universo) e microcosmo (o homem) e que se pode intervir no homem por meio da manipulação mágica de
determinados elementos da natureza, incluindo os planetas e as estrelas. No seguinte trecho de uma autora
que aborda a cultura renascentista de maneira interdisciplinar, é possível compreender a complexidade desse
pensamento tão diferente da ciência atualmente vigente, e também o modo como o conhecimento
interdisciplinar é construído no cruzamento de conhecimentos disciplinares, permitindo uma visão mais
integrada e aprofundada do objeto em estudo:
(...). A concepção mágica da natureza é a filosofia que permite ao poder mágico da imaginação entrar
em contato com a natureza em si, e a arte da memória, sob a forma que Bruno lhe deu, era o
instrumento para estabelecer esse contato por meio da imaginação. Sua arte era a disciplina interior de
sua religião, o meio interno pelo qual ele procurou apreender e unificar o mundo das aparências. (…).
(YATES, 2007, p.379).
Essa concepção de uma arte imaginativa que manipulava símbolos, como a referida por Yates com
relação à elaboração de Giordano Bruno, é muito provável que tenha estado presente influenciando a criação
artística de Arcimboldo. E o uso de símbolos pelos pensadores e artistas da época, sem muita diferenciação
entre ambas as atividades, eram apresentados de modo intrincado como enigmas a serem decifrados somente
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por um grupo erudito, sendo uma característica observável também nas composições de Arcimboldo. Tais
conhecimentos sobre o pensamento da época, aproximando-se a uma perspectiva antropológica por se tratar
de uma cultura diferenciada em uma outra temporalidade, foram retomados no capítulo da análise da obra.
Na realidade os aspectos artístico e intelectual formam um todo coerente, desfazendo uma concepção
dicotômica entre forma e conteúdo. Apesar de esses aspectos terem sido apresentados em partes
diferenciadas, a seguir foi feito uma articulação entre ambos aspectos inseparáveis visando essa integração,
ao acrescentar os itens: “As ideias na pintura da época” e “As ideias da época nas obras de Arcimboldo”.
Pensando acerca da pertinência da contextualização na pesquisa interdisciplinar, foi possível
observar que uma abordagem contextualizada abrangendo a obra e diversos aspectos de seu entorno, seja do
âmbito do artista ou da recepção, ou ambos, permite uma visão mais completa e complexa do artista e sua
obra, adequada para uma investigação que procura explorar possibilidades interdisciplinares ao estabelecer
relações que possibilitem novas formas de compreensão. Neste caso particular, sobre os simbolismos na arte
pictórica, a investigação das obras do artista sob ângulos diversos caracterizaram esta pesquisa como
multicontextual (AGUIAR, 2011), permitindo cruzamentos de conhecimentos que possibilitaram uma
abordagem do objeto de forma ampla e pertinente. O que resultou em originalidade não só no resultado
obtido, como também no caminho novo a ser percorrido no estudo da obra em questão. Portanto, a
abordagem contextual foi pertinente e interessante devido ao fato desta consistir em uma pesquisa que visa
ser interdisciplinar, e assim permitir uma circulação entre diversas áreas do conhecimento para ter uma visão
mais ampla sobre o objeto investigado.
Neste trabalho não se vê problemas na utilização de referências extra-pictóricas à obra na análise. Se
o próprio artista não é fechado, imune às influências externas, fazendo parte de um mundo com o qual está
em constante relação, a obra também não precisa ser vista como sendo fechada, sem relação com o mundo
no qual está inserida. Nesta tese, a abordagem contextual à obra foi fundamental para os resultados obtidos,
considerando que sem as informações referentes à história da arte e às ideias da época, as interpretações
realizadas não teriam sido possíveis, tendo em vista o hiato temporal e espacial que separam a autora deste
trabalho e as ideias que permitiram o surgimento da referida obra. Ao não buscar os conhecimentos da
época, nem visar localizar a obra em seu contexto de surgimento, não se teria percebido as influências das
ideias cristãs medievais, e nem do hermetismo e da alquimia. Nesse sentido, Kaufmann afirma que
Arcimboldo era um artista do seu tempo: “Suas obras revelam um artista cujas invenções eram consoantes
com o pensamento da Renascença, e não paródias, abalos ou desafios às noções estabelecidas”
(KAUFMANN, 2009, p.14).
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Ainda segundo Kaufmann (2009), uma perspectiva não contextualizadora de análise não esclarece o
significado de suas obras para as pessoas de sua época que as receberam, questão esta cuja resposta
permanece uma incógnita, um tema para debates ainda inconclusivo. Tais análises fora de contexto
implicam na visão de Arcimboldo como um visionário, antecedendo em vários séculos aos surrealistas, e de
certa forma até mesmo criticando os valores do seu tempo. Contrariamente a esta perspectiva, alguns autores
afirmam que Arcimboldo foi um artista inserido em seu tempo ao satisfazer o gosto estético das pessoas de
sua época em suas diversas criações, seguindo o ideal de erudito multifacetado. Embora não se procure neste
trabalho uma visão determinista na relação entre a criação do artista e possíveis aspectos históricos como
determinantes de sua obra, considera-se a história como um dos aspectos relevantes para se estudar as
criações artísticas de uma temporalidade específica, pois se as escolhas dos símbolos presentes das obras não
se prendem à época, pode-se identificar tais escolhas no repertório cultural do artista.
Visando também a análise foram buscadas fontes bibliográficas referentes aos mitos relativos à
árvore de modo geral e mais especificamente sobre o tema iconográfico da árvore. Tendo sido consultados
dicionários de símbolos e tratados que abordam esse tema em diversas culturas, buscando significados
tradicionalmente compartilhados e recorrentes sobre as simbologias presentes na referida obra de
Arcimboldo, conforme a perspectiva ocultista que vigorava na época. Embora este aspecto da pesquisa tenha
constado de levantamento de imagens referentes à árvore como símbolo em diferentes culturas, a ênfase
acabou sendo bibliográfica não só pela consulta de imagens em livros, mas também pelas descrições e pelos
relatos históricos e mitológicos. Esta pesquisa, embora não completamente exaustiva, por meio do uso de
categorias de análise visou abarcar de modo abrangente os conceitos mais utilizados referentes ao tema
central da obra: a árvore, e seu significado em diferentes culturas, como um símbolo recorrente e primordial,
com importância fundamental para a humanidade, apesar de sua multiplicidade. Esta parte da pesquisa
possibilitou identificar na obra significados universais, e presentes de diferentes formas no afresco
analisado, permitindo complexificar a análise e observar como tais significados foram apropriados pelo
cristianismo num item específico reservado para a árvore de Jessé. Ainda na parte sobre as significações
diversas referentes à imagem simbólica da árvore, foram consultadas fontes relativas à história das religiões
e estudos simbólicos e mitológicos sobre diversas culturas, cujos conhecimentos foram apresentados de
forma interdisciplinar.
No ítem específico sobre a árvore de Jessé como uma árvore mista símbolo de totalidade, foram
consultados também os aspectos iconológicos, ou seja, os significados das imagens visuais coletadas
referentes à temática da árvore de Jessé, cujos simbolismos estão relacionados com a simbologia da
vegetação, conforme a perspectiva ocultista que vigorava na época. As fontes consistiram em estudos
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iconográficos inseridos no campo da história da arte e um repertório de imagens relacionadas com as obras
de Arcimboldo e a cultura da época, e também com a temática da árvore de Jessé de origem medieval,
recorrente em grande quantidade e em diversos materiais, buscando perceber os padrões de representação, e
em que medida Arcimboldo os segue ou os rompe, e as implicações disso na significação da obra. Sendo que
tal busca de imagens foi efetuada após o direcionamento obtido a partir das leituras realizadas. Assim, a
ênfase aqui foi tanto bibliográfica quanto iconográfica e iconológica, num diálogo interdisciplinar entre
diversos conhecimentos provenientes de diferentes tipos de fontes (ou seja, escritas e visuais).
Considerando que o mencionado até aqui constitui a primeira parte da tese, fornecendo elementos
preparativos para a análise, a partir daqui o foco consiste na obra selecionada, a parte principal e razão de ser
deste trabalho, configurando a segunda parte: a análise e as considerações finais. Assim, na análise da obra
buscou-se retomar de forma integrada e inter-relacionada os diversos aspectos da primeira parte deste
trabalho, à medida que eram relacionados com a obra, e permitiam uma melhor compreensão dos
significados simbólicos que iam sendo identificados (como por exemplo sobre alquimia). Foram
pesquisados também os demais símbolos presentes nessa obra além da árvore, cujos significados eram de
certa forma restringidos conforme o seu lugar simbólico na mesma, na medida em que contribuíam de forma
relevante para possibilidades interpretativas da obra.
Além disso, cuidou-se em manter o foco analítico sobre o aspecto simbólico do referido afresco
visando identificar possíveis significações, e como diferentes níveis de significados se articulam,
relacionando-se entre si, a partir das diferentes escolhas feitas pelo artista em termos de linguagem pictórica
e simbólica, no sentido de aprofundar o aspecto simbólico da pintura, abrangendo também aspectos culturais
da época, numa configuração interdisciplinar de pesquisa.
De modo geral, como mencionado anteriormente, o capítulo da análise foi dividido em três partes,
guardando uma semelhança com o movimento do olhar para as duas imagens que coexistem na mesma obra
ambígua analisada. A primeira dessa parte foi reservada para a análise da imagem mais óbvia por sua
facilidade em ser percebida, cujo tema coincide com seu título, pretendendo-se considerá-la a partir de
diversos aspectos possíveis. Sendo que para isso foi necessário proceder a uma subdivisão em três partes
para que a escrita, necessariamente linear, diacrônica, pudesse dar conta da imagem, caracteristicamente
sincrônica, mantendo assim a clareza sem perder em complexidade. Esta primeira subparte teve como ponto
de partida a descrição da obra, de modo semelhante à etapa de interpretação de obra de arte denominada por
Panofsky (2007) de “pré-iconográfica”, intitulada na tese como “Sobre o que se vê”, ao focalizar no que é
facilmente visível, remetendo ao tema iconográfico apresentado anteriormente – já assemelhando-se à etapa
de interpretação pictórica chamada de “iconográfica” por Panofsky (2007) – , possibilitando remeter a
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significações a partir de conceitos representados pictoricamente, como por exemplo: simetria, matriarcado,
patriarcado, ancestralidade, mobilidade, estaticidade, indicando uma complexa união de opostos. Foram
feitas comparações com outras obras de temática coincidente já reproduzidas anteriormente, evidenciando
de que forma Arcimboldo seguiu a tradição ou fez diferente. No decorrer desse momento descritivo, buscou-
se apresentar também significados simbólicos tradicionais de diversos elementos da obra, com destaque para
as nuvens e a janela não pintada, mas que parece incluída na significação da obra considerando seu
simbolismo medieval. E também, num olhar mais detalhado à obra e suas diversas figuras componentes, foi
possível perceber a ambiguidade da mesma, não aparente a partir de um olhar apressado, parecendo tratar-se
de uma pintura unívoca, convencional. Mas foram apontados por meio de assinalamentos nas imagens,
figuras estranhas e rostos em nuvens e dobras de vestimentas, abordando a obra numa atitude de liberdade e
curiosidade exploratória. Atitudes estas interessantes para a investigação interdisciplinar. A segunda
subparte foi intitulada “Sobre o que pode ser visto”, na qual, seguindo um caminho progressivo do mais
óbvio para o menos óbvio, procurou-se identificar figuras geométricas e simbólicas que podem ser
visualizadas a partir dos movimentos do olhar do espectador e relacionar com significados simbólicos
tradicionalmente atribuídos a essas formas, assim como também relacionar a informações anteriores
referentes ao multicontexto do artista. A terceira subparte foi denominada “Sobre as simbologias”, buscando
aprofundar o aspecto simbólico bastante amplo que essa obra permite observar, buscando possíveis
significados que encontram sentido na obra em dicionários e tratados de símbolos, em informações trazidas
no capítulo do contexto e em trechos bíblicos que se referem às ideias expostas, possibilitando uma
compreensão melhor da obra a partir dessa intertextualidade. Foi principalmente aqui a maior ênfase na
etapa da interpretação de obra pictórica que Panofsky (2007) denomina de “iconológica”. O direcionamento
dado à interpretação nesta imagem foi voltado para uma ênfase na simbologia cristã, com a presença da
simbologia alquímica que durante a idade média foi fortemente influenciada pelo cristianismo e inúmeras
correspondências foram feitas entre ambos, como por exemplo a associação de Cristo com a pedra filosofal.
Sendo que apesar da ênfase na simbologia cristã, também foi assinalada a presença de alguns elementos
pagãos como a concepção da vida como sendo de natureza cíclica, observando uma conciliação dos opostos,
conforme o pensamento predominante da época. Além dos símbolos representados pictoricamente como
figuras e elementos da natureza, também foram buscados significados simbólicos de cores e números,
retomando também as características analíticas sobre a árvore expostas em capítulo anterior, num exercício
de interdisciplinaridade, como o foi também nas outras partes da tese.
A segunda parte da análise, que focalizou uma cabeça composta formada pelo todo da obra, não teve
subdivisões, expondo as características da imagem e procurando guiar o leitor para que este também pudesse
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percebê-la, partindo de um conceito elaborado durante a realização da referida tese para a análise de
imagens dúbias: a “âncora da imagem”. Ao contrário da imagem anterior, que requeria um olhar minucioso
para os detalhes de cada parte componente, esta imagem oculta requer ao espectador um olhar de
distanciamento para abstrair os detalhes e ver um todo, com articulação desta análise com estudos da
percepção. A análise simbólica neste momento trouxe a significação da cabeça segundo o hermetismo, como
imagem do mundo evidenciando uma ênfase no intelecto e na racionalidade, embora numa imagem irreal
que pode remeter à ideia de irracionalidade, novamente presente aqui a conciliação de opostos. Portanto, a
interdisciplinaridade também esteve presente nesta parte da análise e foi fundamental para as associações
realizadas.
Na terceira parte da análise, buscou-se realizar uma síntese referente às possibilidades de significação
levantadas, relacionando-as entre si, chegando à conclusão que uma interpretação possível envolvendo as
duas imagens e considerando o pensamento da época consiste em que uma representa o macrocosmo,
enquanto a outra o microcosmo, com suas conciliações de opostos e referências ao hermetismo e à alquimia,
principalmente. Neste momento, a interdisciplinaridade pode ser percebida nesse diálogo entre as imagens e
dos diversos conhecimentos obtidos e inter-relacionados até então.
Um cuidado a ser apontado na pesquisa interdisciplinar refere-se a articular conhecimentos entre
diversas áreas das ciências humanas, no caso deste curso de doutorado específico, mas ao mesmo tempo
buscar não ultrapassar certos limites de aprofundamento. Esta informação não implica necessariamente em
superficialidade, mas em uma outra característica de conhecimento. No caso desta investigação, teve que se
cuidar para não entrar demasiadamente em uma área cujo conhecimento específico não se tem domínio.
Assim, foi possível realizar uma leitura de uma obra de arte buscando formas percebidas, mas não foi
possível fazer uma análise estrutural da imagem, reconstituindo a sua construção pelo artista do tipo que é
realizado pelos profissionais da área de artes visuais. O que não fez falta para os objetivos deste trabalho
(que se referem aos significados da obra), evidenciando a viabilidade de uma pesquisa deste tipo. Portanto,
houve um limite que precisou ser respeitado para conhecer e utilizar alguns conhecimentos provenientes de
outra área de formação, sem invadi-la. Exemplos semelhantes podem ser citados também com relação às
incursões necessárias realizadas nos campos da história e da filosofia para abordar o tema escolhido.
Na etapa final da tese, houve uma discussão a respeito dos resultados obtidos e reflexões acerca do
processo, não fechando para outras possibilidades interpretativas que não tenham sido aventadas nesta
investigação, mantendo assim abertura, uma das características da pesquisa interdisciplinar.
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5. Considerações finais
O objetivo de interdisciplinaridade foi alcançado nos diversos momentos do trajeto percorrido ao
abordar conhecimentos geralmente circunscritos em disciplinas separadas, buscando assim uma visão
abrangente da obra para uma compreensão mais ampla da mesma. Esta consistiu numa pesquisa complexa, e
uma abordagem disciplinar não pode dar conta dessa complexidade em seus múltiplos aspectos, sendo que o
caminho percorrido com suas características interdisciplinares foi fundamental para os resultados obtidos,
considerando que sem as informações referentes aos diversos elementos do contexto investigado, não teriam
sido possíveis as interpretações realizadas, nem teriam sido percebidas as influências das ideias cristãs
medievais, do hermetismo e da alquimia sobre a obra.
Durante o trajeto percorrido nesta pesquisa foi possível pensar sobre a proximidade das Ciências
Humanas com a Arte: há espaço para a invenção, criatividade, imaginação concorrendo para novas sínteses
nas investigações desta área científica na perspectiva interdisciplinar. Há um aspecto artístico nesta
pesquisa.
Assim como o campo de estudos é permeado de controvérsias, também a perspectiva escolhida para
a leitura da imagem – contextualizada – não é consensual. Mas foi escolhida por vir ao encontro dos
objetivos deste trabalho, ser mais enriquecedora, tendo sido pertinente para uma pesquisa interdisciplinar, e
tendo proporcionado o alcance do objetivo proposto que foi realizar uma análise da obra buscando
identificar qual a fundamentação mais provável em termos de ideias que está formando essa obra, ao
influenciar o artista na escolha da composição e demais elementos pictóricos.
Em síntese, pode-se afirmar que na pesquisa discutida neste trabalho a interdisciplinaridade foi
exercida no decorrer de toda a investigação, centrada no próprio objeto da pesquisa, tendo como
características relevantes a abertura, a flexibilidade, a incessante busca de conhecimentos esclarecedores,
liberdade para buscar novas articulações entre ideias e curiosidade frente a novas possibilidades
interpretativas.
6. Referências:
AGUIAR, Lisiane Machado. Por uma epistemologia transmetodológica na realização de pesquisas em
comunicação. Em: Alberto Efendy Maldonado et al. Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares,
trilhas e processos. 2a ed. (pp.215-238). Porto Alegre: Sulina, 2011.
BONIN, Jiani Adriana. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na construção de um
projeto de investigação. Em: Alberto Efendy Maldonado et al. Metodologias de pesquisa em comunicação:
olhares, trilhas e processos. 2a ed. (pp.19-42). Porto Alegre: Sulina, 2011.
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CHEVALIER, Jean. Diccionário de símbolos. Barcelona: Editorial Herder, 1986.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. Trads. Fernando Tomaz e Natália Nunes. 4a ed., São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
FRANCASTEL, Pierre. Imagem, Visão e Imaginação. Lisboa: Edições 70, 1987.
JUNG, Carl Gustav. El hombre y sus símbolos. Madrid: Aguilar, 1995.
KAUFMANN, Thomas DaCosta. Arcimboldo: visual jokes, natural history, and still-life painting. Chicago
and London: University of Chicago, 2009.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007.
SOBRERA ABELLA, Sandra Iris. Uma leitura do afresco 'A Árvore de Jessé', de Giuseppe Arcimboldo:
articulações simbólicas numa perspectiva interdisciplinar. 2013. 471f. Tese (Doutorado Interdisciplinar em
Ciências Humanas) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2013.
YATES, Frances Amelia. A arte da memória. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2007.