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Fundação Getulio Vargas
Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO)
Projeto: História Oral do CEPED
Entrevistado: Arnoldo Wald
Local: Rio de Janeiro/RJ
Entrevistadores: Gabriel Lacerda e Tânia Abrão Rangel
Transcrição: Daniela Álvares
Data da transcrição: 1º de abril de 2010
Conferência feita por: Raphael Figueiredo
Data da Conferência: 30 de maio de 2010
Entrevista: 26.11.2009
T.R. – História Oral do CEPED, Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2009.
Estão presentes Gabriel Lacerda e Tânia Rangel e nós vamos entrevistar
hoje o dr. Arnoldo Wald.
G.L. – Por telefone.
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T.R. – Professor, a gente começa falando sobre você. Então a gente
gostaria que o senhor se apresentasse, falasse um pouco da sua história
de vida e como chega até o CEPED.
A.W. – Eu me formei em 1953, fui ser assistente dos professores San Tiago
Dantas e Arnoldo Medeiros da Fonseca, a partir de 54 na Faculdade
Nacional de Direito. Defendi a minha tese de Doutorado sobre “a Cláusula
de escala móvel” (São Paulo, Max Limonad, 1956) na Faculdade Nacional
de Direito em 1956, a minha docência na UDF, a atual Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 57, e lecionei em várias outras
faculdades. Assumi a cátedra na UERJ em 1966.
Fui Procurador do Estado desde 1963, até a minha aposentadoria, e
Procurador Geral da Justiça do Estado da Guanabara em 1965/66,
advogado a partir de 54 até agora e Membro do Conselho Federal da
Ordem durante 25 anos.
Fui Presidente da CVM em 87 e 88, e também Membro do Conselho
Monetário Nacional na mesma época.
Dividi a minha vida entre o magistério, onde lecionei durante mais
de 30 anos, a Procuradoria do Estado do Rio e a advocacia.
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G.L. – Magnífico. A sua vinculação com o CEPED...
T.R. – Como ela começou?
A.W. – A criação do CEPED, até hoje, não foi contada no seu detalhamento.
Na realidade ela foi inicialmente uma espécie de decorrência indireta da
Aliança do Progresso, que era um programa do Presidente Kennedy
criado em 1961e que funcionou a partir de 62 e nos anos seguintes, na
qual David Trubek representava a parte jurídica da Embaixada dos
Estados Unidos e especialmente a USAID1, e eu a assessoria jurídica da
Aliança do Progresso, que era um departamento dentro do Ministério da
Fazenda, no qual se discutiam esses programas comuns e os primeiros
acordos internacionais da Aliança quando San Tiago Dantas era Ministro
da Fazenda. E nessas conversas nas quais se discutia o regime dos
contratos internacionais, a eleição de foro e arbitragem, desenvolveu-se a
ideia de se poder fazer alguma coisa no campo do ensino jurídico com
uma dupla finalidade: aproximar o advogado da realidade econômica e
preparar os advogados para a vida prática e a vida internacional de
negócios. É preciso entender que a Aliança para o Progresso pretendia
mudar a relação dos Estados Unidos com a América Latina. Foi concebida
como uma espécie de Plano Marshall para combater a pobreza, mas
também para desenvolver o ensino, fortalecer as instituições e
estabelecer a “rule of Law”, o Estado de Direito (JOHN F. KENNEDY, Discurso
1 A USAID aplicou no Brasil US$ 147 milhões de 1964 a 1967 enquanto o BIRD contribui com US$ 172 milhões (THOMAS SKIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo, 2.ed., São Paulo: Paz e Terra, 1988, p.87).
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sobre a Aliança para o Progresso, 13.03.1961). Justifica-se, pois, tratar do
ensino jurídico.
Do meu lado, eu estava interessado na matéria desde o meu tempo
de estudante e, em seguida, de assistente do San Tiago Dantas que quis
colocar em prática a proposta de reforma do ensino jurídico que fez na
sua Carta Magna de 1955 à qual assisti e na qual propunha uma nova
didática, enfatizando a importância do “case system” e uma “verificação
do ensino jurídico” como um dos meios de superar a crise social e a
sucessão política. (Palavras de um Professor, 2.ed., Rio de Janeiro: Forense,
2011, p. 51 e seg.).
G.L. – Você fala aqui na Aliança do Progresso Brasil. A Aliança para o
Progresso era um programa realizado pelo Presidente Kennedy e era para
colocar dinheiro nas Américas com uma aliança. E havia uma
correspondente brasileira desse projeto?
A.W. – Havia. Havia um departamento, uma área do Ministério da Fazenda
que tratava desses acordos e que era dirigida, na ocasião, pelo
Embaixador Paulo Nogueira Batista. E na qual havia também a discussão
dos contratos internacionais para o investimento do dinheiro da Aliança
do Progresso no Brasil. Em certo sentido, houve uma vinculação entre a
Aliança do Progresso e uma política de reaproximação do Brasil com os
Estados Unidos, em relação à política latina sul-americana com a ideia de
não ser mais uma política neocolonialista, mas uma parceria entre os
países da América Latina e os Estados Unidos. E foi esse o núcleo do qual
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partiram alguns programas que surgiram na época – nós estamos falando
de coisas que aconteceram há cerca de meio século. São acordos que
foram feitos ou desenvolvidos na época por San Tiago Dantas. Com
Roberto Campos, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, houve então
uma tentativa, um esforço de reaproximação em torno da Aliança para o
Progresso. San Tiago Dantas tem várias palestras a respeito, entrevistas
que ele deu na ocasião. E uma das ideias era criar um sistema cultural de
desenvolvimento na América Latina, em que o direito passaria a ter uma
função dentro dos limites em que se queria trazer um pouco da common
law para o direito brasileiro e encontrar um meio de adaptação parcial da
cultura jurídica americana no Brasil, que permitisse tratados
internacionais, acordos internacionais em que se encontrasse no fundo
uma formulação comum que não fosse imposta por um dos países ao
outro, mas que tivessem um denominador comum. Uma das áreas na qual
se pensou também naquela fase foi a introdução da arbitragem, fórmula
de solução de conflitos no campo internacional, e a aceitação do foro no
contrato.
Tratei dessa matéria em parecer que dei na época e que publiquei
posteriormente em resumo. (Estudos e pareceres de direito comercial, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, p. 261).
É interessante notar que a Aliança para o Progresso, que se iniciou
com João Goulart (San Tiago Dantas sendo sucessivamente ministro das
Relações Exteriores e da Fazenda) e Roberto Campos, embaixador em
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Washington, continuou no regime militar quando Roberto Campos foi
Ministro do Planejamento o que se explica pela analogia da cultura de
ambos.
Do meu lado, além da experiência vivida nas várias faculdades de
direito nas quais ensinava (FND da Universidade do Brasil e FD da UERJ),
tinha publicado inúmeros artigos sobre a matéria e apresentado
relatórios em vários Congressos e no Instituto dos Advogados Brasileiros,
além de votos que proferi como integrante do Conselho Federal da OAB2.
2 Entre outros artigos sobre ensino jurídico, destacam-se: 1. Direito e ciência da administração. A reforma do ensino jurídico. Revista do Serviço Público, Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p. 219-222, fev. 1955. 2. Novos rumos para o ensino superior. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 jan. 1964. Caderno 4, p. 2. 3. A função do advogado no processo revolucionário brasileiro. Revista Jurídica, Rio de Janeiro, n. 19, p. 289-311, 1963/64. 4. A revolução e os juristas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 jan. 1965, Caderno Cultura, p. 10. 5. Elites e reformas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 fev. 1965. 6. Ensino jurídico. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21 maio 1967. Caderno 1, p. 12. 7. A reforma do ensino jurídico. Tribuna da Justiça, São Paulo, 3 jan./21 fev. 1968. 8. CEPED. In: WALD, Arnoldo; ROCHA, Roberto Paraíso (Org.). Ensino jurídico: análise e reforma. Rio de Janeiro: Instituto dos Advogados do Brasil - IAB, 1969. p. 35-46. 10. Dimensões da advocacia num país em desenvolvimento. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 234, p. 385-394, abr./jun. 1971. 11. A reforma do ensino jurídico. Valor Econômico, São Paulo, 12-14, abr. 2002. p. B-2. 12. A reforma do ensino jurídico. Valor Econômico, São Paulo, 19 fev. 2004. p. B-2. 13. A reforma do ensino jurídico e o direito do desenvolvimento. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Rio de Janeiro, a. 19, n. 25, p. 13-20, jan./jun. 2004.
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Na ocasião e em seguida, também tratamos da importância da
Aliança para o Progresso em artigo (Estados Unidos e Mercado Comum,
Correio da Manhã, 21.08. 1965) e livro (A Aliança para o Progresso, In:
Desenvolvimento, Evolução e Democracia, Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1966. p. 65).
G.L. – Você fala então que o David Trubek tinha manifestado um certo
desconforto com os advogados brasileiros, era preciso melhorar – está
aqui no seu escrito – o nível.
A.W. – Na realidade, ele dizia que se você tivesse uma conversa na época
com os Procuradores da Fazenda, você tinha uma certa dificuldade de
montar contratos internacionais.
G.L. – Estou seguindo seus escritos, o que você escreveu como roteiro...
Esse almoço no Jockey Club, o que você lembra bem desse almoço?
A.W. – Lembro, porque na realidade foi uma coisa importante na ocasião
de se imaginar alguma coisa que não tinha sido feita na ocasião, que
ensejou em seguida a minha ida ao Caio com o Trubek para
conversarmos. No fundo, o Trubek me disse: "Bom, a ideia me parece
viável e interessante, como é que nos podemos montar isso? Você pode
montar isso?" e eu disse: "para encaminhar a idea acho que você precisa
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de alguém que tenha uma situação de comando na universidade”.
G.L. – A ideia qual era? Montar o quê?
A.W. – A ideia era montar um curso, um programa, uma escola, vamos
dizer, um instrumento que pudesse trazer, que pudesse ensejar, uma
parceria entre o Brasil e os EUA em matéria de desenvolvimento da
cultura jurídica. Com uma dupla visão internacionalista de um lado, de
nível internacional, e de aproximação também do direito em relação à
economia. Ideia de que o advogado devia ser também uma espécie de
corporate lawyer.
Yves Dezalay e Bryant G. Garth lembram que a USAID (Aliança do
Progresso) e a Fundação Ford queriam encorajar a reforma do ensino
jurídico e que este projeto acabaria se concretizando com o CEPED. (La
mondialisation des guerres de palais, Paris, Seuil, 2002, p.177).
Por sua vez, James A. Gardner escreve que:
“’Perhaps we can be of assistance to them in training,’ observed an
American lawyer working with the Agency for International Development
(AID), ‘or in helping them in their own attempts to reach the stage of
development we have reached in this coutry.’ Professional self-interests
were also involved. They were reflected both in the service-oriented self-
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image of the American legal profession and in a more tangible lawyerly
interest in an expanding sphere of professional activity. ‘Since the early
1950’s ‘development economics’ has become an interesting career
opening,’ observed one group of American lawyers; ‘a similar growth of
the specialized ‘development lawyer’ is perhaps possible. Finally, the law
and development movement was given impetus by sheer lawyerly hubris.
‘Lawyers are the hand-maidens of justice,’ observed the president of the
American Bar Association, ‘… the technicians of democracy’”. (Legal
Imperialism, Madison, The University of Wisconsin Press, 1980, p. 7).
T.R. – Professor, nesse caso a gente percebe aí que essa aproximação
tinha dois vieses, vamos assim dizer: um mais metodológico, que é essa
questão que o senhor coloca do caso e um outro de conteúdo – e no outro
de conteúdo entraria essa questão da aproximação maior do direito com a
economia. É isso?
A.W. – Com a vida real em geral a internacionalização da econômica e com
o desenvolvimento em particular, e eventualmente também no direito
público com programas sociais, socioeconômicos, direito da habitação e
outras coisas parecidas. Quer dizer, no fundo o preparo, a criação de um
instrumento para formação do advogado para que ele se tornasse um
instrumento do desenvolvimento.
G.L. – Essa foi a conversa sua com o Trubek: "Vamos fazer alguma coisa,
que nós talvez não tenhamos muita certeza do que seja exatamente, que
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ajude a fazer o advogado colaborar com o desenvolvimento"?
A.W. – É, mas que se vislumbrava como um curso ou como programa. Não
se falou nem em doutorado, nem em mestrado, mas alguma formulação
universitária ou pós-universitária para esta finalidade.
G.L. – Foi você quem apresentou o Trubek ao Lamy e ao Caio?
A.W. – Não. Não ao Lamy, mas ao Caio, sim.
G.L. – Discutindo a ideia, você disse: "Bom, vamos falar com o Caio" – e
falou com o Caio, o Caio se entusiasmou e trouxe o Lamy.
A.W. – Eu confesso a você que não me lembro do detalhamento, não sei
quem falou primeiro com quem, mas eu me lembro que nós conversamos
com Mario Henrique para trazer um elemento econômico, que o Mario na
época era o coordenador dos cursos da Fundação e estava escrevendo um
livro comigo e com Chacel para a Universidade de Columbia (A correção
monetária, Rio de Janeiro, Apec, 1970).
G.L. – Então chegou-se à ideia de fazer alguma coisa. Essa alguma coisa
era então o curso de advocacia de empresa?
A.W. – Isso.
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G.L. – E qual seu papel então nesse curso, depois dessa conversa inicial?
A.W. – Depois o Caio como Diretor ou Vice-Diretor da Faculdade, ficou na
gestão do programa e nós acertamos que o Lamy e eu iríamos dar aulas.
Eu acho que você chegou a ser assistente do Lamy na ocasião, não foi?
G.L. – Não, quem trabalhava com o Lamy era o Silveira Lobo. Eu fiquei
trabalhando com o Leoni.
A.W. – O Leoni também participou do CEPED.
G.L. – Você fala aqui também no apoio de fundações e universidades
americanas. Você se lembra se esse apoio chegou a ser formalizado?
A.W. – Chegou a ser com a Fundação Ford. Houve um convênio assinado.
G.L. – A gente ainda não entrevistou oficialmente o Trubek. Temos
conversado com ele, mas isso tudo vai ser detalhado e vamos também
entrevistar o Peter Bell, da Fundação Ford.
A.W. – O Trubek deve lembrar-se mais do que eu do detalhamento,
porque aí houve um convênio com a Fundação Ford e houve também o
apoio das três universidades, de tal modo que Harvard mandou Steiner,
não sei quem mandou o Keith Rosenn e depois nós fomos visitar Yale,
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Harvard e Columbia.
G.L. – Perfeito. Agora, você diz aqui: qual seu papel no CEPED?
A.W. – Eu, na realidade, além de colaborar na sua criação, lecionei no
CEPED. Dei um curso sobre grande empresa, mas não nos aspectos tão
somente de direito civil. Discutimos o direito da habitação, a correção
monetária, problemas de contratos internacionais, etc.
G.L. – É. A correção monetária, só para gente ter um outro cenário, era na
época uma questão relevantíssima. Foi uma jabuticaba, que era uma coisa
que só tinha no Brasil. Mario Henrique que inventou um pouco, né?
A.W. – Não, já existia em muitos países em momentos de crise. Mas em
todo caso, no Brasil ela foi importante naquela ocasião e sobreviveu
durante longo tempo.
G.L. – A sua matéria exatamente qual era?
A.W. – Tratava dos aspectos de direito civil da grande empresa. Lembro-
me que nós discutíamos problemas de contratos internacionais, de
correção monetária, etc.
G.L. – Não há a menor hipótese de você ter guardado as suas apostilas da
época?
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A.W. – Não. Eu acho que é difícil reencontrá-las.
G.L. – Uma outra coisa agora: você fala do Cláudio Viana de Lima. Ele é
vivo ainda?
A.W. – Não. Ele faleceu já há algum tempo. Há 15 anos.
G.L. – Eu tinha na minha lembrança também que você trabalhava com o
Gustavo Leite, que depois foi desembargador aqui. Ele não chegou a ser
seu assistente?
A.W. – Não no CEPED. Quem foi meu assistente na faculdade foram o
Olavo Tostes e o Semy Glanz, mas no CEPED eu tinha levado o Cláudio,
que depois inclusive implantou um sistema não idêntico, mas parecido, na
Cândido Mendes.
G.L. – Você conhece alguma outra pessoa que a gente pudesse falar lá na
Cândido Mendes, já que o Cláudio é falecido? Que se lembre desses
esforços dele?
A.W. – Posso tentar localizar.
G.L. – É, porque eu não conheço ninguém lá. E o Gustavo não foi então seu
assistente?
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A.W. – Não me lembro que o tenha sido no CEPED. Talvez na Faculdade
em outra fase.
G.L. – Agora vamos à pergunta três, que já está aqui na mão: qual, a seu
ver, ou quais as ideias básicas do programa em termos de metodologia do
ensino, conceito de direito e papel do advogado na sociedade?
A.W. – Na realidade, tínhamos duas ideias básicas: uma de metodologia
que era um pouco o sistema americano do case e que já San Tiago Dantas
dava dez anos antes na faculdade quando fui seu assistente, a discussão
de casos específicos e a discussão de jurisprudência; aproximar no fundo
o advogado da realidade judiciária. E de outro lado o conteúdo, que é esse
conteúdo econômico e social do direito como um instrumento que deve
servir ao desenvolvimento econômico e social do país. Eu acho que no
fundo era isso. Eu vou mandar alguma coisa para você que escrevi na
época, em relação ao CEPED. Não estávamos longe da concepção do
corporate lawyer como um “engenheiro especializado em redução de
custos de transação” para referir um autor mais moderno. (Citação de
Ronald Gilson no livro de Oliver E. Williamson, The economic institution of
capitalism, New York, The Free Press, 1985. p. 397). O Lamy chegou a
fazer um depoimento?
G.L. – O Lamy chegou sim. Ele foi o primeiro.
A.W. – O Lamy poderia sintetizar melhor a ideia. Você está falando de um
momento em que ainda não tínhamos a lei da sociedade anônima, não
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tínhamos a lei do mercado de capitais, tudo estava surgindo.
G.L. – Você tem uma frase aqui que eu queria que você, se possível,
elaborasse um pouco mais, porque ela vem muito precisa e não coincide
um pouco com outros depoimentos, que é esta: o advogado deveria ser
um corporate lawyer, "um engenheiro com especialização em redução de
custo de transação".
A.W. – Isso é uma definição que eu encontrei no Williamson. Posso lhe
mandar.
G.L. – Mas na sua percepção essa seria a ideia fundamental?
A.W. – Não sei se era a ideia fundamental, mas, vamos dizer era uma
síntese do que se pretendia fazer e eu acho que é dar ao advogado uma
função na vida econômica e na vida social, numa fase em que o corporate
lawyer estava começando a surgir na vida brasileira e não tínhamos ainda
muito senso da internacionalização.
G.L. – Você considera que o CEPED foi fundamentalmente um curso ou
você o percebe mais como um programa de que o curso seria uma
primeira etapa?
A.W. – Foi um programa, e o curso foi o modo de institucionalizar o
programa numa primeira fase.
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G.L. – O programa seria então formar esse tipo de advogado?
A.W. – Exatamente.
T.R. – Professor, dentro do CEPED como foi feito? Vocês fizeram uma
reunião, se reuniram, definiram esse programa em conjunto ou foi feita
uma divisão das matérias e cada um cuidou de uma matéria, como foi
feito?
A.W. – Na realidade houve as duas coisas: nós tínhamos reuniões em que
foram definidas as áreas de cada um e que, depois, cada um de nós
desenvolveu sem prejuízo de contato com os demais. Você tinha um
trabalho simultaneamente coletivo e individual. Você não teve nem um
grupo criando um sistema rígido, nem também uma série de
individualidades, cada um indo para um canto.
T.R. – Nesse convênio que foi feito com as universidades norte-
americanas, elas chegaram de alguma forma a influenciar ou a interferir
diretamente nessa formulação conjunta que vocês faziam ou não?
A.W. – Não sei se houve convênio com as universidades; acho que o
convênio foi com a Fundação. E a partir daí a Fundação mobilizou as
universidades. E em certo sentido o Steiner teve uma certa influência e o
Trubek também, e houve muita troca de ideias, informações. A nossa
viagem ao EUA teve essa finalidade: mostrar como é que eles
funcionavam e até que ponto nós poderíamos adaptar esse sistema no
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Brasil.
G.L. – Muitas das outras perguntas já estão aqui, a rigor, no seu
questionário escrito. Então eu pergunto: de que forma as ideias e práticas
já existentes em determinados nichos de atores, por exemplo, o jurídico
da Light e o escritório Bulhões, influenciaram as atividades do CEPED.
Você já respondeu por escrito.
A.W. – Eu acho que na realidade tivemos movimentos paralelos que
acabaram se tocando, ao contrário das paralelas normais. Mas havia um
movimento em algumas faculdades, alguns professores que tinham já
aberto esse caminho; eu acho que foi a primeira vez que você teve a
presença do economista e do jurista trabalhando juntos. Eu me lembro
que quando fiz meu livro sobre correção monetária com Mario Henrique e
Chacel, o ministro Miguel Seabra Fagundes me disse: “mas Arnoldo, você
escreveu um livro com economista? Não fica bem”. Mas afinal de contas, o
tema era simultaneamente jurídico e econômico e eu escolhi como
parceiro quem eu achava que conhecia a economia. A ideia de todos os
juristas daquela época ainda era da geração mais antiga, ainda era que o
economista era uma espécie de técnico em contabilidade. Então, você teve
esse caminho que era importante e eu acho que alguns escritórios
também tinham já essa sensibilidade maior, como era o caso do escritório
do Bulhões, e também a Light, que, no fundo, tinha um conjunto de
especialistas do primeiro nível que conversaram em torno disso e
algumas ideias iam surgindo.
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G.L. - Muito interessante essa sua observação do Ministro. É o pai do
Eduardo. Miguel Seabra Fagundes.
A.W. – O Miguel Seabra Fagundes era um homem que tinha 20 anos a mais
do que eu. Quer dizer, um homem nascido nos primeiros anos de 1900.
Então tinha uma visão muito diferente da nossa.
G.L. - É. Ficou emblemático, você fazendo um livro com Mario Henrique
Simonsen e levando a estranheza de um jurista consagrado, de como que
você ia se imiscuir fazendo um livro junto com um economista. Acho que
pode ser um tema emblemático aqui para nós.
A.W. – Só para completar o anedótico, quando publiquei minha tese eu era
professor na Faculdade de Direito da Piedade e tinha como companheiros
de congregação. que lecionavam comigo vários desembargadores. E como
todo jovem que faz uma tese de doutorado, decidi oferecer a minha tese
aos meus colegas de faculdade, tanto mais que viajávamos juntos para a
Faculdade num carro que partia da Central do Brasil, vindo nos buscar e
íamos, conversando até a faculdade, e se criou uma amizade entre pessoas
de várias gerações. E um deles me disse na ocasião: “esse seu assunto é
muito acadêmico”. E quinze dias depois ele ligou para minha casa, 10h da
noite dizendo: “Arnoldo, você não sabe o que aconteceu? Apareceu na
minha Câmara o caso daquele negócio de escala móvel. Eu pedi vista,
porque eu ia fazer um longo voto. E citei aí o seu livro, etc.”. Só para
mostrar a anedota do momento. Então era um divórcio completo de
economia e direito. Acho que este foi também um aspecto importante e
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que levou tempo, porque você partindo do CEPED, só começou a
institucionalizar a relação direito e economia, no fundo, nos dez últimos
anos.
G.L. – É, a cláusula da escala móvel obriga o conúbio entre o direito e a
economia por mil coisas: a teoria da imprevisão, antiquíssima, volta.
A.W. – Eu acho que isso foi importante, mas era uma corrente que se
estabelecia em vários lugares. Você fez qual faculdade? Você se formou
em que ano?
G.L. – 62, PUC.
A.W. – Na Nacional, o nosso professor de economia nos dava aula sobre a
economia no século XIX. Nós tínhamos um outro professor de economia
política, que dava aulas sobre as relações entre o positivismo e o
marxismo.
G.L. – O que você está mostrando aqui, que é um tema muito interessante,
estou digredindo um pouco para depois fechar com várias outras coisas, é
que a economia mostra uma coisa que o direito não conseguiria ver sem o
auxílio dela, que é o “ars aequi et boni” – quando a relação fica de tal
forma distorcida e isso na parte de correção monetária, de escala móvel, é
onde este conúbio começa a nascer.
A.W. – Pelas circunstâncias. Não foi uma decisão teórica ou acadêmica. Foi
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uma posição decorrente da necessidade da vida.
G.L. – Exatamente. Pacta sunt servanda não serve quando realiza a
iniquidade.
A.W. – Ou então “Fiat justitia pereat mundus” também não?
T.R. - Baseado nisso, o ponto de partida seu, da sua história pessoal para
escrever sobre isso no doutorado, acabou sendo uma experiência vivida,
da prática para a teoria, e não o contrário, que seu amigo disse que seria
puramente teórico ou acadêmico.
A.W. – Sim. Mas na realidade, eu quando entrei nessa matéria, eu entrei na
economia fazendo minha tese de doutorado. Então, embora houvesse o
aspecto prático, eu vinha da academia. Não era uma ideia abstrata, mas
era uma ideia que partia da academia. No meu ponto de vista pessoal, isso
não começou na realidade da advocacia. Começou, em certo sentido pela
advocacia, se você quiser subir para a Aliança para o Progresso, mas na
realidade eu ampliei o assunto mais quando fui fazer minha tese. O
Professor San Tiago Dantas me propôs fazer uma tese sobre cláusula
ouro, e eu achei que a cláusula ouro estava envelhecida. E aí, eu tive uma
bolsa para a França e discutia-se muito lá a escala móvel depois da
inflação decorrente da Segunda Guerra Mundial. E quando voltei, pensei
em fazer a tese a respeito da escala móvel, e já era o clima, vamos dizer
propício. No fundo, o CEPED aparece 10 anos depois.
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G.L. – É, já estava overdue. Agora, eu tenho aqui mais algumas perguntas,
vou passar rapidamente, já estão respondidas, mas eu preciso fazer o
registro. Eu perguntei se você conhece algum texto da experiência, você
citou o livro Legal Imperalism e os Anais do Seminário do IAB.
A.W. – Você tem os Anais também, não tem?
G.L. - Temos aqui também, não temos? Temos sim. É muito interessante.
A.W. – Nos Anais, o prefácio acho que é meu.
G.L. – É sim, seu. Eu já li.
A.W. – E há um artigo do Lamy sobre o CEPED.
G.L. - Isso, esse tópico também já conseguimos. Você informa também que
não produziu nenhum texto da época, embora tenha falado a respeito
num seminário. Agora, a pergunta nove é: qual a sua participação em
outros projetos ligados à educação jurídica posteriores aos CEPED?
A.W. – Na realidade, a experiência que eu tive foi lecionar na UERJ, antes e
depois do CEPED, e dentro dos limites das possibilidades da faculdade,
adotar algumas das técnicas do CEPED. Foi o que pude fazer. Quando nós
criamos o CEPED, eu disse ao Caio: “vamos fazer isso na faculdade”. Mas
eu era docente livre, ele era o diretor. E ele me disse: “Arnoldo, você não
conhece nossos colegas. Se você tentar fazer isso na faculdade, não vai
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funcionar. Nós vamos ter todas as dificuldades administrativas e
burocráticas. Vamos tentar sair da faculdade para uma entidade que nos
dê flexibilidade”. Foi a razão pela qual nós fomos para a Fundação Getulio
Vargas.
T.R. - Então o limite que o senhor acabou encontrando como professor na
UERJ, parte vinha disso, da falta de um apoio institucional, vamos assim
dizer, porque não tinha como adotar esse programa todo do CEPED na
UERJ, e tinha algum outro limite? Por exemplo, a questão do material
didático: no CEPED ele era entregue previamente...
A.W. –Você podia fazer, tanto o San Tiago Dantas quanto eu, fizemos, com
recursos próprios, nós mimeografávamos, (na época era mimeógrafo),
fazíamos as cópias mimeografadas e distribuíamos aos alunos, etc. Mas no
fim do curso representava uma despesa que podia superar o que você
ganhava como professor! De forma que também não era muito fácil
manter esse ritmo sempre.
G.L. - Deixa só eu registrar aqui, Wald, também, porque você no seu texto
escrito – eu queria deixar isso consignado – você disse que aplicou na
Faculdade Nacional de Direito e na UERJ, as três ideias básicas: A)
discussão de casos; B) a solução de problemas; C) análise econômica dos
direitos. Então isso tem que ficar registrado, você considera que essas
seriam as três ideias básicas do ponto de vista metodológico do CEPED.
A.W. – Entre outras. Você pode dizer muito mais coisas, mas se você
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quiser sintetizar... Eu acho que no fundo é mudar o raciocínio do
advogado e aproximá-lo da realidade econômica e social e das soluções
dos problemas práticos.
G.L. - E uma das coisas que eu acrescentaria talvez, se as meninas me
deixarem – elas não me deixam acrescentar nada, dizem que eu induzo a
outra pessoa – mas o que eu acrescentaria também é “o indutivo versus o
dedutivo".
A.W. – Certamente. Mas isso é quando você parte da discussão do caso, é
que você vê o exemplo típico. Em vez de dizer “responsabilidade civil do
dono da bicicleta ou do dono do automóvel se fundamenta no risco ou na
culpa”, você diz “tem um ciclista que atropelou o fulano”. Então você parte
do indutivo ao dedutivo. Quer dizer, todo o sistema da common law no
fundo, é este. E a ideia que você teve no Brasil, é complementar o sistema
da “common law” pela “civil law” e vice-versa.
G.L. - É como se dissesse a mesma coisa de uma outra forma. Agora a
pergunta 10, que é a mais crítica, eu pergunto: que influência teve a
experiência CEPED na educação jurídica brasileira? As ideias do CEPED
chegaram a ser adotadas ou influenciaram alguma outra escola de
direito?
A.W. – Eu acho que na realidade o CEPED teve duas influências, a primeira
direta e a segunda indireta. Direta, em relação aos professores que dela
participaram, e dos seus alunos que viraram, na maioria dos casos,
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advogados ou professores. Das gerações do CEPED, quase um terço ou a
metade acabou também indo para o ensino, incidental ou principalmente.
E depois, o exemplo do CEPED também repercutiu, e eu acho que é uma
corrente que se formou entre o CEPED e as gerações futuras, num sistema
de ensaios e erros. Certamente foi um dos fatores, um dos ingredientes
importantes. Na realidade, não se repetiu o CEPED até porque as coisas
mudaram e outros fatores entraram em jogo, outras influências, como a
globalização que facilitou muito tudo isso. Você na época do CEPED ainda
tinha relativamente poucos advogados brasileiros formados no exterior.
Aumentou o número de advogados que foram se formar no exterior, quer
dizer, o CEPED certamente foi um ponto de partida.
G.L. - Penúltima pergunta: por que o CEPED deixou de existir? O que você
sabe a respeito?
A.W. – Basicamente, acho que houve dois problemas até talvez vinculados.
A primeira é que para a Fundação Ford, para os americanos, a ideia do
CEPED era de montar um programa que se tornasse uma espécie de
catalisador de uma revisão do ensino jurídico no Brasil. E o CEPED, na
realidade, ficou basicamente fechado na sua função específica de ser um
programa que não se transmitiu, não se retransmitiu. Por esse motivo
e/ou por outros, acho que houve um momento em que não tivemos mais
recursos para ser mantido. É possível que tenha sido também problemas
de política das fundações, etc. Eu acho que você teve uma primeira razão
que era a não expansão e a não auto-suficiência, a não auto-rentabilidade
do sistema, e o segundo que foi a falta de recursos.
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G.L. - Perfeito. Você refere-se quando você responde essa pergunta, Wald,
aos esforços inclusive da faculdade de direito da USP. O que você lembra
da USP? Eu, pessoalmente, tenho vagas recordações, do pessoal vindo ao
Rio assistir aula aqui. Você sabe um pouco melhor?
A.W. – Não houve muito mais do que isso. Na realidade, houve contato
com a USP, eu me lembro de ter conversado na ocasião com o Professor
Buzaid e houve até uma ida de professores de São Paulo para os EUA com
a finalidade de conhecer o case sistem. A mesma viagem que nós fizemos,
alguns professores de São Paulo fizeram posteriormente.
G.L. - É, jantei com eles lá. Isso foi depois de eles virem aqui. Eu tenho essa
lembrança vaga de uma missão vindo aqui, assistindo aula da gente e
depois uma outra missão indo aos EUA quando eu estava estudando lá,
eu, o Ari Oswaldo, o Beno Suchodolski, o Joaquim Falcão e jantamos com
Rui Barbosa Nogueira e outros.
A.W. – Acho que o Buzaid foi também.
G.L. - Quer dizer, você não tem ideia do nível de oficialidade ou de
formalidade da iniciativa paulista?
A.W. – Não. Eu sei que na volta o Buzaid me disse que “é muito
interessante, mas ainda não dá para fazer agora. Vamos estudar, no futuro
vamos fazer alguma coisa”. Não chegou a ser transmitido, quer dizer,
houve um esforço para transmitir, mas não chegou a funcionar.
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G.L. - Ok. Acho que era só isso. Tem uma outra coisa aqui, tem um registro
seu: você conhece alguma experiência posterior que possa ser
considerada como tendo sido marcadamente influenciada pelo CEPED?
Você já respondeu aqui.
A.W. – Eu acho que a Fundação Getulio Vargas em São Paulo, certamente
tem essa influência, reconhecida e confirmada. O Trubek e o Rosenn
estiveram na Faculdade e deram aulas, fizeram algumas reuniões. Eu me
lembro que o Trubek até jantou comigo na ocasião. Essa influência
também se exerceu em relação à Fundação no Rio, mas não tenho
acompanhado. Há um pouco, também, esse espírito no IBMEC, mas não o
conheço detalhadamente.
G.L. - Agora última pergunta, Wald. Você lembra de algum nome de aluno
que você tenha dado aula aqui no CEPED? A gente está tentando corrigir,
não achamos ainda as pautas com a lista, então estamos recorrendo à
memória do professor. Algum que você se lembra?
A.W. – Seria mais fácil se você tiver a relação dos alunos.
G.L. – Não é isso o que a gente quer. A gente está procurando.
A.W. – É por que se você tiver... Não sobrou documento disso?
G.L. - Há de haver, nós estamos procurando.