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Retirado de: http://www.obeco-online.org/rkurz429.htm (26/10/2018)
Robert Kurz
ESPLENDOR E MISÉRIA DO ANTI-
AUTORITARISMO
Tópicos para a história ideal e real da “Nova Esquerda”
Nota prévia
Este ano comemora-se, pela quinquagésima vez, o aniversário da revolta de 1968. (i)
Parece que ainda é necessário um debate sobre ela. Por um lado, porque os da chamada
geração de 68 ainda têm de servir de superfície de projecção para algum ressentimento,
pois muita coisa lhes é atribuída, como a destruição da família, a histeria ecológica, o
abuso de crianças, etc. Por outro lado, porque a "Nova Esquerda" tem no seu
pensamento lacunas que permanecem até hoje, tendo sido novamente esquecida a crítica
que há muito lhes foi feita. Essas lacunas surgem claramente quando se trata da crítica
do fascismo e do Estado autoritário. Em tais ocasiões, busca-se ainda um momento
anarquista de "individualidade livre", o que, num exame mais atento, mais não é do que
a "liberdade da servidão". (ii)
Um exame crítico da geração de 68 e dos seus descendentes não é geralmente tomado
como oportunidade para avançar até uma crítica radical do capitalismo, ao nível dos
tempos que correm. Embora parte da esquerda faça, de facto, uma crítica perfeitamente
legítima e necessária do anti-sionismo e da ideologia anti-imperialista (iii), ou uma
crítica que denuncia a carreira dos Verdes, de partido pacifista-ecologista para partido
imperialista-verde-oliva, geralmente não se passa daí.
Por isso chamamos a atenção para o texto de Robert Kurz "Esplendor e miséria do anti-
autoritarismo", de 1988, que evita a todo o custo cair na nostalgia, ou usar as
deficiências da "nova esquerda" como desculpa para se demitir da crítica social. (iv)
Thomas Meyer pela redacção da exit!, Abril de 2018
(i) Uma perspectiva global em 68 pode ser encontrada em: iz3w nº 364, Jan/Fev 2018.
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(ii) Cf: Die Freiheit zur Knechtschaft – Der Anarchokapitalismus als Schmuddelkind
des Anarchismus [A liberdade da servidão – O anarcocapitalismo como pária do
anarquismo] (2017), em exit-online.org.
(iii) Por exemplo, em: Holger J. Schmidt: Antizionismus, Israelkritik und „Judenknax“
– Antisemitismus in der deutschen Linken nach 1945 [Anti-sionismo, a crítica de Israel
e "Judenknax" – O anti-semitismo na esquerda alemã depois de 1945], Bonn 2010; ou:
Jens Benicke: Von Adorno zu Mao – uber die schlechte Aufhebung der antiautoritären
Bewegung [De Adorno a Mao – A má superação do movimento anti-autoritário], 2.
Aufl. Freiburg 2013 [2010].
(iv) Especialmente no caso dos Anti-alemães, no entanto, este confronto com o anti-
sionismo da esquerda etc. levou apenas a um regresso à democracia burguesa e –
claramente, no caso da revista Bahamas – a um abandono definitivo da pretensão de
crítica social radical.
1.
O movimento estudantil de 1968 concebeu-se como "anti-autoritário", o que era
essencialmente sinónimo de "anti-institucional". O famoso lema de Rudi Dutschke,
"Longa marcha através das instituições", não estava em contradição com este auto-
entendimento, pelo menos no sentido original, mas pretendia apenas expressar a
necessidade de conduzir a luta anti-institucional, não só do lado de fora, mas ao mesmo
tempo a partir de "dentro", penetrando subversivamente as próprias instituições
capitalistas. Outro lema do movimento estudantil, a "Práxis revolucionária profissional",
visava uma orientação similar, e mostra as ideias, desejos e ilusões de então, como se
poderia dizer hoje. Como sinónimo do termo "anti-autoritário", poderia ser posto o
termo "autonomia", que é hoje mais comum, e pelo qual toda uma corrente da jovem
oposição radical define a sua auto-imagem actualmente. Isso já mostra que temos de
lidar de outro modo com a história actual não elaborada, que 1968 não é mera história,
mesmo que para alguns jovens possa parecer hoje tão longe como a Primeira Guerra
Mundial.
A ideologia anti-autoritária não podia ter caído do céu; no entanto, parecia ter aparecido
de repente, inquestionavelmente assumida por um movimento em rápida expansão, em
que a maioria dos indivíduos, desde logo, estava completamente desprovida da reflexão
teórica. O impulso decisivo não era para a multiplicação de experiências na torre de
marfim, mas para a mudança social, para a objectividade por trás das costas dos
sujeitos. As causas e obstáculos externos do movimento eram políticos e morais;
politicamente, a crítica das leis do estado de necessidade e da grande coligação, em si
uma crítica puramente burguesa, democraticamente imanente; moralmente, a indignação
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com a Guerra do Vietname dos EUA, em si um movimento que não deixa o quadro do
pensamento burguês. Mas por que razão as instituições sociais, que já existiam antes, de
repente se tornaram agora autoritárias e insuportáveis ("Sob as vestes talares – um mofo
de mil anos")?
Sem dúvida que a mudança social objectiva, como pano de fundo do movimento de
1968, é marcada pelo processo de socialização fordista do capital. A época do pós-
guerra não foi apenas um "período de reconstrução" do capital, como dizia a expressão
padrão do próprio movimento, mas uma socialização capitalista numa nova escala, indo
muito para além disso. O que é sugerido não apenas por taxas de crescimento da
acumulação de capital historicamente sem precedentes; acima de tudo, foi decisiva a
qualidade social dessa mudança, para além do crescimento meramente quantitativo. Já
se tornou um lugar-comum sociológico que a socialização fordista gerou o
intervencionista Estado social keynesiano e desintegrou em grande parte a família. A
reflexão teórica (por exemplo, da Teoria Crítica) já antecipara parcialmente essas
tendências, derivando-as da lógica das economias de guerra, do fascismo e do New
Deal. Mas somente após a Segunda Guerra Mundial o verdadeiro boom de socialização
fordista se instalou. Só agora o automóvel, bem como a eletrónica de entretenimento e
os electrodomésticos, entram na fase da produção mundial em massa, em parte
favorecidos pelas inovações tecnológicas da guerra; apenas a criação de novas
necessidades maciças à escala mundial e a correspondente produção, como absorção
lucrativa de enormes massas de força de trabalho viva, constituíram o boom auto-
sustentável. Numa medida sem precedentes, a mulher foi envolvida na "actividade
profissional" constituída pelo capitalismo, enquanto, simultaneamente, os pressupostos,
consequências e "efeitos colaterais não intencionais" deste processo exigiam em escala
crescente a intervenção do Estado a todos os níveis, desde o controle monetário,
passando pela "economia de guerra permanente" da economia armamentista e pelas
instituições em rápida expansão de qualificação e cientificização, até ao trabalho social,
etc.
Ao mesmo tempo, porém, as instituições sociais e as formas de comunicação
persistiram nos modos tradicionais de pensar, cujas raízes remontam à sociedade
corporativa pré-capitalista. Se já o cadinho sangrento das duas guerras mundiais na
primeira metade do século XX tinha destruído, dissolvido e decomposto de muitas
maneiras as formas tradicionais de relacionamento, os modos de pensar e os
comportamentos, agora a "pacífica" socialização fordista consumava este trabalho, até
aos mais finos poros da sociedade. Como resultado, esboçou-se, como o único adequado
ao capitalismo, o indivíduo negativamente social, a MÓNADA abstracta, livre de todos
os laços e "valores" tradicionais, mas "livre" apenas para o fim em si mesmo sem
sentido da valorização do valor, da compra e da autovenda totais. O tornar-se real numa
nova escala desta tendência, desde o início inerente à relação de capital, o
desenvolvimento deste indivíduo vazio e auto-suficiente, tinha de colidir com os
tradicionais modos de pensar e comportamentos petrificados e "autoritários", na sua
essência ainda pré-capitalistas. Esta colisão encontrara expressões culturais maciças
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entre os jovens, muito antes do movimento em 1968, não só na subcultura de revolta
dos roqueiros e no amplo fascínio pela rebelião heróico-existencialista em si, por
exemplo, ao estilo de James Dean, mas especialmente na cultura musical das massas
populares do rock ou do beat e nos seus ídolos. Não é possível sobrevalorizar este
impulso. O fenómeno da CULTURA MUNDIAL, constituída pelo capitalismo já no
século XIX, pela primeira vez na história ascendeu, a partir da base da "alta cultura" de
minoritárias elites intelectuais, para a vida quotidiana das massas, tornado possível pela
força produtiva técnica do fordismo e pela formação com ela relacionada de um
contexto de comunicação mundial imediata. Neste aspecto até então nenhuma outra
forma de cultura de massas tinha conseguido avançar e, mesmo a pop-music, apenas
aproximadamente. E foi justamente nesse nível da velha e da nova cultura de massas
que houve os primeiros choques violentos, desencadeados pelas habituais formas
secundárias, que foram inicialmente entendidas como protesto (jeans, cabelos
compridos, etc.). Tudo isso não era simplesmente o fosso eternamente repetido do
conflito de gerações, mas o início da colisão entre dois mundos, o mundo tradicional,
em que a socialização capitalista era meramente sectorial, ou simples verniz superficial,
e o mundo fordista do capitalismo acabado e total, que submete a reprodução social à
sua vazia determinação da forma, até aos últimos nichos e poros.
Destes contextos resultaria uma interpretação do movimento de 1968 objectivamente
estabelecida que é diametralmente oposta ao seu próprio auto-entendimento,
nomeadamente, a sua apresentação como uma mera função da "modernização" do
capitalismo, ou, mais precisamente, como a imposição do capitalismo acabado, que se
torna total e historicamente idêntico consigo mesmo. Tendências para uma reavaliação
desse movimento são encontradas na literatura cada vez mais vezes, algumas negativas,
mas mais frequentemente com a conotação positiva, sob o manto ideológico das
declarações de "democratização". Também o auto-entendimento, hoje banalmente
democrático-capitalista, dos então suportes do movimento, até aos principais
personagens do "radicalismo de esquerda" (por exemplo, Cohn-Bendit), aponta neste
sentido.
E, no entanto, tal interpretação seria tão unidimensional como, inversamente, o auto-
entendimento super-revolucionário de 1968. Este movimento, como já as anteriores
subculturas de revolta e existencialistas, era muito ambivalente. Ele exprimia não só a
tendência de modernização capitalista, na elaboração de mónadas abstractas contra o
tradicionalismo "autoritário", mas, ao mesmo tempo, o imenso SOFRIMENTO dessas
individualidades em si, a indignação contra o terrível vazio da autovalorização total. E a
questão que permanece é se este lado da revolta, se esta indignação pode ser salva como
"herança", e transformada num novo pensamento revolucionário à altura do nosso
tempo, hoje, vinte anos depois. Para poder perceber, seria preciso detectar e analisar
criticamente os traços da ambivalência do anti-autoritarismo, nas suas expressões
teóricas e ideológicas.
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2.
Então, como agora, a definição de anti-autoritário ou de autonomia permaneceu muito
vaga. É suposto tratar-se da autonomia do indivíduo, contra as instituições sociais
sentidas como repressivas; o indivíduo autónomo deve defender-se contra a autoridade
da socialidade repressiva, ou dos seus representantes, e constituir um movimento de
muitos indivíduos autónomos, que acabará por abolir a socialidade institucional
repressiva. Esta ideologia anti-autoritária ou autónoma está, naturalmente, numa forte e
contraditória relação de tensão com a história das ideias socialistas. Por um lado,
compartilha amplamente a intenção socialista de abolir as relações económicas de
exploração como base da repressão social; por outro lado, vê no socialismo, como foi
tradicionalmente entendido e praticado (2ª e 3ª Internacional), uma nova forma de
opressão institucional do indivíduo, uma avaliação que, é claro, só foi reforçada pelo
desenvolvimento real da União Soviética. Portanto, um impulso essencial do
movimento estudantil e juvenil anti-autoritário era, além da crítica do capitalismo tardio
repressivo, simultaneamente, a crítica das formas repressivas e autoritárias de
socialização do socialismo real. O facto de em 1968, no auge do movimento, os tanques
das máquinas de repressão terem rolado tanto no levantamento do Maio parisiense
como na Praga dos reformadores parecia confirmar flagrantemente essa visão na prática.
Para se poder compreender criticamente o anti-autoritarismo, talvez seja necessário um
breve exame de sua própria história das ideias, um salto de 150 anos para trás. Nas
sociedades tradicionais literalmente "impensável", a ideologia anti-autoritária, já nesta
fase inicial do "capitalismo com base nos seus próprios fundamentos", é um produto
típico do século XIX burguês, assim como também o marxismo, e reflecte perfeitamente
um momento emancipatório. Desde o início, as correntes do pensamento anti-autoritário
estão próximas do anarquismo, ou dele fazem parte originalmente. Em sua agudização
mais radical, o mais antigo anti-autoritarismo virava-se contra qualquer autoridade, de
qualquer tipo, exterior ao ego individual. Esta ideia básica de egoísmo "solipsista", que
se entende a si mesmo como emancipatório, já na véspera da revolução burguesa de
1848 foi resumida, com uma banalidade francamente brilhante, por Max Stirner: "Por
isso: nada de causas que não sejam única e exclusivamente a minha causa! Vocês dirão
que a minha causa deveria, então, ao menos ser a «boa causa». Qual bom, qual mau! Eu
próprio sou a minha causa, e eu não sou nem bom nem mau. Nem uma nem outra coisa
fazem para mim qualquer sentido. O divino é a causa de Deus, o humano a causa «do
homem». A minha causa não é nem o divino nem o humano, não é o verdadeiro, o bom,
o justo, o livre, etc., mas exclusivamente o que é MEU. E esta não é uma causa
universal, mas sim... ÚNICA, tal como eu. Para mim, nada está acima de mim!"
(Prólogo a "O único e sua propriedade", 1842). Mesmo nesta primeira formulação de
Stirner, o cerne do anti-autoritarismo se torna nítido com uma clareza insuperável.
Contra o altruísmo hipócrita da moral de escravos cristã e da organização do "bem-
estar" burguês, esta declaração tem certamente algo de refrescante em si, como também
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declarações semelhantes de Nietzsche, a partir de um contexto conceptual diferente.
Este parentesco problemático não é certamente acidental. Não pode ser evitada a
questão de saber como quer o anti-autoritarismo realmente demarcar-se das ideologias
igualmente individualistas do liberalismo radical (liberalismo de Manchester no século
XIX, monetarismo etc. hoje), ou do Homem superior nietzschiano. Algo coxa e
desamparadamente abstracta parece a resposta de que a liberdade de cada ego individual
e "único" deve condicionar todos os outros. Este postulado pode ser denunciado como
deslize altruísta, como apêndice moral, em si não incluído na lógica da autonomia
radical do anti-autoritarismo consequente. Tampouco essa definição abstracta dá o
menor indício de como a socialidade humana deveria ser praticamente possível, sob o
pressuposto do anti-institucionalismo radical.
Obviamente que o anti-autoritarismo traz consigo o problema não resolvido da relação
entre indivíduo e sociedade, o problema clássico do pensamento burguês em geral, que
nunca sai desse dualismo. O ponto de partida é sempre o indivíduo moderno já formado,
como se tivesse caído do céu. Esse indivíduo é alheio e exterior à sua própria
socialidade, até mesmo hostil, na medida em que as instituições estatais e burocráticas,
ao longo dos séculos XIX e XX, se tornam cada vez mais ameaçadoras, e parecem
devorar o ego da individualidade. Não ocorre ao pensamento burguês que este indivíduo
não é um pressuposto inquestionável, mas é ele próprio um constructo histórico-social
que apenas surgiu com a generalização da produção de mercadorias pelo capitalismo e,
portanto, com a formação do dinheiro, como forma de relacionamento total e universal
da sociedade.
Stirner pretende fazer recuar as falsas abstracções da crença cristã em Deus, tal como a
falsa abstracção do Homem na crítica da religião de Feuerbach, a fim de pousar no
supostamente concreto, físico, compreensível, ou seja, no próprio ego. Ele não percebe
que este é a mais extrema e árida abstracção de todas. Este ego é tão abstracto que já
não conhece a sua própria constituição social, mas experimenta-a praticamente como a
frieza absolutamente hostil das instituições sociais, às quais ele se contrapõe em luta
pela sua autonomia abstracta e vazia de conteúdo. O dualismo incessante do
pensamento burguês oscila assim constantemente entre a abstracção da socialidade e a
abstracção da privacidade do indivíduo, não podendo conciliar nem mediar ambas,
embora se trate de uma identidade mediada consigo mesma, que em si e consigo se
arruinou. Pelo que, ou a socialidade abstracta e as suas instituições, como direito,
Estado, nação, etc., são trazidas a terreiro contra a liberdade do indivíduo isolado, como
sua limitação necessária, ou, inversamente, em nome apenas dessa liberdade do
indivíduo, é declarada guerra às instituições, as quais são somente expressões de um e
mesmo processo, que, apenas ele, produziu este mesmo indivíduo. As dores insuperadas
e insuperáveis parecem resultar do facto de ser um indivíduo abstracto no contexto de
uma socialidade abstracta. O desencadeamento da produção de mercadorias e, com ela,
a transformação da força de trabalho humana em mercadoria, desencadeou um tremendo
salto de socialização, em comparação com os modos de produção tradicionais e brutos,
como o feudalismo. As pessoas estão cada vez menos expostas ao contexto imediato da
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natureza, e reproduzem suas vidas cada vez menos num pequeno contexto doméstico-
rural, baseado num modo de produção agrário. O trabalho assalariado, a expansão dos
mercados, a produção do mercado mundial e, associada a isso, a industrialização
criaram, dito com um termo ecológico hoje familiar, um contexto de "ligação em rede"
mundial do trabalho humano e da reprodução. No invólucro capitalista, trata-se de um
processo histórico de socialização, mas, por assim dizer, apenas meia socialização,
nomeadamente abstracta. Abstracta porque as pessoas não planeiam nem regulam em
conjunto este contexto de crescente ligação em rede do seu trabalho social directamente,
através das suas instituições sociais, de acordo com pontos de vista de utilidade
concreta, sendo, pelo contrário, a ligação social em rede realizada na forma da produção
de mercadorias, desenvolvida com base no trabalho assalariado, para a práxis social das
pessoas apenas indirecta e DESLIGADA DAS NECESSIDADES CONCRETAS. O
meio desta socialização abstracta é uma coisa externa, o DINHEIRO. O dinheiro, como
"mercadoria geral", é uma coisa abstracta e vazia, como expressão do trabalho social,
que o separa completamente do seu conteúdo concreto. Como se sabe, o dinheiro não
cheira, não se vê nele se é a expressão de um dispêndio de trabalho social destrutivo ou
útil. Portanto, o aspecto da utilidade concreta em si não desempenha nenhum papel na
multiplicação do dinheiro adiantado, que é o conhecido fim em si da produção
capitalista.
O indivíduo moderno surgiu apenas na dissolução dos limites dos modos de produção
tradicionais, sendo, portanto, um indivíduo social abstracto, isto é, um mero sujeito do
dinheiro. No conhecido desvio da conhecida sentença de Descartes, teria de dizer de si
mesmo: "Ganho dinheiro, logo existo". O anti-autoritarismo pode lutar contra as
modernas instituições, promovidas pela socialização abstracta do dinheiro, pode
condenar moralmente a dança em torno do bezerro de ouro, aqui de modo não
inteiramente diferente da tagarelice cristã, mas, infelizmente, não é anti-autoritário o
suficiente para não acabar por se submeter à real autoridade do dinheiro, porque não
pode escapar à sua própria socialidade incompreendida. O dinheiro, apesar do fim em si
vazio e abstracto da desenfreada produção de mercadorias, surge ao indivíduo abstracto,
para quem "não há nada acima de si mesmo", como o meio inconscientemente
pressuposto pelo qual ele tem de afirmar o seu ego. Anti-autoritarismo ou ideologia do
indivíduo autónomo não é senão o reflexo inconsciente do desenvolvimento do sujeito
burguês, da revolta desesperada da subjectividade abstracta do dinheiro contra si
mesma. E, ainda assim, reside neste reflexo revoltista, ainda inseparado, um desejo
emancipatório que não sabe como se expressar adequadamente. Portanto, em cada nova
época de crise da socialização burguesa mediada pelo dinheiro, também a ideologia
anti-autoritária emerge de novo, numa escala superior, sem nunca ser capaz de sair da
prisão das categorias na lógica da mercadoria, na medida em que não ocorre nenhuma
transformação, numa crítica concreta da forma da mercadoria em si. Como foi
historicamente possível que a ideia da libertação do indivíduo até hoje nunca tivesse ido
além do anti-autoritarismo e da "autonomia" abstracta?
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3.
A teoria de Marx contém em si o cerne de uma crítica radical da produção de
mercadorias em geral, isto é, da socialidade abstracta e apenas a meias do indivíduo. A
revolução comunista é para Marx, em última instância, a abolição do trabalho
assalariado, ENQUANTO abolição da forma mercadoria-dinheiro em si, ainda que ele
não tenha podido formular com suficiente clareza estas consequências. Esta dificuldade
deriva do relativo subdesenvolvimento do processo de socialização abstracta capitalista
no seu tempo. Pela mesma razão, o antigo movimento operário, mesmo em sua ala
revolucionária, foi incapaz de compreender as consequências verdadeiramente radicais
da teoria de Marx. Queria abolir o trabalho assalariado na base da produção de
mercadorias e do dinheiro, um empreendimento condenado ao fracasso. No Ocidente, o
resultado foi a social-democracia integrada no capitalismo, no Oriente, foi a sociedade
soviética na forma da mercadoria de uma maneira específica, como expressão de uma
industrialização ATRASADA e de uma socialização BURGUESA. A partir dessas
bases, a teoria de Marx teve de ser tremendamente reduzida e, portanto, também
fornecer uma crítica redutora e chata do anti-autoritarismo. O marxismo tradicional,
preso ele próprio às categorias da socialização abstracta da mercadoria e do dinheiro,
não estava em posição de analisar adequadamente o anti-autoritarismo. Com o lema
meramente denunciatório do "individualismo pequeno-burguês", ele sinalizou a sua
falta de entendimento para reconhecer a ideologia anti-autoritária como expressão da
socialização capitalista em geral. A simples atribuição sociologística, como ideologia
específica de uma determinada classe definida como "pequeno-burguesa", obscureceu o
facto de que o problema da individualidade abstracta, com o avanço do
desenvolvimento capitalista, atingiu TODAS as classes, MESMO A CLASSE
OPERÁRIA, como portadora da força de trabalho e, portanto, como sujeito burguês do
dinheiro. Uma vez que, contra o individualismo abstracto dos anti-autoritários, apenas
foi feito valer o ponto de vista da organização externa anti-individual do velho
movimento operário, o próprio marxismo tradicional, em sua crítica da ideologia anti-
autoritária, permaneceu preso no dualismo do pensamento burguês; ele não representava
a individualidade concreta do comunismo, mediada pela luta pela libertação social
contra a individualidade abstracta de dinheiro, mas apenas uma nova variante da
socialidade abstracta (na figura do "socialismo de Estado"), contra a privacidade
abstracta dos liberais e sua variante "virada do avesso" anarquista.
O motivo central do anti-autoritarismo, portanto, tinha de permanecer vivo além do
anarquismo clássico, e não apenas nos surtos dos processos de crise capitalista. O
sujeito burguês vazio e abstracto do dinheiro, que vive em disputa consigo mesmo, é o
tema de toda a filosofia do século XX. Filosofia da vida e existencialismo assumiram o
problema, sem, naturalmente, serem capazes de resolvê-lo filosoficamente. Também a
Teoria Crítica da Escola de Frankfurt (como, aliás, em grande parte, o "marxismo
ocidental" em geral) deve ser localizada neste contexto. Na sua crítica ao "Estado
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autoritário" e à "personalidade autoritária", ela não só permaneceu meramente formal e,
de acordo com o seu nome, vinculada aos motivos centrais do velho anti-autoritarismo,
mas passou, ainda assim, pelo debate filosófico contemporâneo e invocando ao mesmo
tempo a crítica da economia política de Marx. O resultado permaneceu eclético em
muitos aspectos, não podendo falar-se de uma resolução crítica da antiga antítese.
Também a própria Teoria Crítica reproduziu o velho dualismo burguês de indivíduo e
sociedade, como oposição externa, não comunicável e hostil; em contraste com o
marxismo tradicional do velho movimento operário, no entanto, ela não se limitou
simplesmente, "à maneira do socialismo de Estado", a fazer valer a abstracção do geral
da sociedade contra o indivíduo (liberal), mas tentou, exactamente ao contrário, com as
categorias da própria teoria de Marx e na sua mediação com o debate filosófico burguês,
defender este indivíduo, o "indivíduo" (também o indivíduo como proletário existente
na sua singularidade irrepetível) contra os desaforos daqueles poderes da socialidade
negativa abstracta, que no século XX começaram a aumentar até ao insuportável. A
Teoria Crítica em si não foi além do indivíduo como abstracção; a esse respeito, o
motivo central de Stirner ainda foi preservado indissoluto de forma modificada e
desenvolvida. Mas, uma vez que a Teoria Crítica assumiu a ousada tentativa de, contra a
linha da interpretação tradicional, justificar precisamente a libertação da individualidade
pela teoria de Marx, ela acabou, afinal, por abrir a porta para uma reformulação e
desenvolvimento desta teoria, para além da redução do marxismo tradicional; uma porta
que, está claro, ninguém passou até hoje.
Essa era a situação histórica do pensamento de crítica social que o movimento estudantil
também encontrou em 1968, e sobre cuja sombra não poderia saltar. Ele não estava em
condições de, por assim dizer, a partir desse estado, saltar para uma completa
reelaboração da teoria, mas, no entanto, tinha de dar uma base teórica de legitimidade à
sua oposição às estruturas sociais encontradas. Dada a petrificação da social-
democracia, como instituição burguesa, e a completa impotência teórica e política do
chamado "marxismo-leninismo" de cunho oriental, como falsa "ortodoxia de Marx", o
ataque ao anti-autoritarismo através do filtro histórico da Teoria Crítica representava um
inevitável fenómeno de transição da teoria e práxis radical; a inutilidade e exaustão
teórica do marxismo tradicional orientado para o velho movimento operário obrigou a
recorrer a abordagens menos desacreditadas do pensamento radical. Se o
reaparecimento do anti-autoritarismo nas crises do século XX, até então, se fizera à
sombra do velho movimento operário e dos seus grandes partidos, em 1968 ele
regressou à plena ribalta da história, como ideia central do movimento juvenil e
estudantil global, como nova reivindicação de uma promessa antiga não cumprida, na
qual o liberalismo e o marxismo tradicional haviam fracassado. Os representantes do
velho marxismo do movimento operário ficaram tão surpreendidos quanto horrorizados,
como mostra o clamor de um dos seus propagandistas:
"O anarquismo ressurgiu; ele entusiasma estudantes rebeldes, despoleta as granadas de
mão da propaganda da acção, inunda livrarias, enriquece o vocabulário dos relatórios
policiais. O facto é indiscutível, tão surpreendente ele é. Ele tinha sido considerado
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morto, um objecto de museu; mas foi uma morte vergonhosa. É preciso renovar a
discussão, enriquecida pela experiência de um século de movimento" (Bruno Frei, Die
anarchistische Utopie [A utopia anarquista], Frankfurt 1978, 1ª edição 1971, p. 5). Mas,
neste debate renovado, os "tradicionalistas" não tinham nada de novo a dizer, como o
mesmo autor mostra com clareza involuntária quando, de seguida, se vira contra o
"individualismo pequeno-burguês" do novo movimento anti-autoritário e seu conceito
neo-anarquista de liberdade: "O Estado, que garante e ordem social (!), não constitui
nenhuma oposição à liberdade (!). A questão é saber que Estado garante que ordem
social, de quem garante a liberdade? .... A liberdade, ensina Marx, não consiste na
negação (!), na recusa individual, não consiste no isolamento dos indivíduos da
sociedade, mas sim na capacidade de se identificar com as leis do movimento (!) e com
os altos objectivos (!) da humanidade" (ibidem, p. 77).
Também um conservador poderia ter dito exactamente a mesma coisa. Os
representantes tradicionalistas do "socialismo real" e da social-democracia de esquerda
desmascaravam-se assim clarissimamente, como ideólogos da tranquilidade e da ordem;
ao apelo do indivíduo abstracto pela liberdade, mais uma vez, só conseguiam contrapor
a cidadania abstracta, como a outra face do dinheiro. Enquanto, na consequência da
autêntica teoria de Marx, a abolição do Estado é idêntica à abolição do trabalho
assalariado e do dinheiro, o ideólogo da "produção de mercadorias socialista" e o da
estatalidade "social-democrata" têm de recorrer às "leis do movimento" e a "altos
objectivos" da humanidade. Essas "leis do movimento", que não são nada mais do que a
lógica imanente da produção de mercadorias, e que Marx considerava sobretudo como
merecendo ser abolidas, exigem precisamente o dilaceramento do indivíduo em
privacidade abstracta e socialidade abstracta, esse dilema não resolvido que, apenas ele,
produz a construção nas nuvens dos "ideais" externos e dos "altos objectivos da
humanidade" abstractos, aos quais o indivíduo empírico é então moralmente condenado
a "subordinar-se". Com razão, este marxismo do socialismo real e da cidadania social-
democrata mais não mereceu do que desprezo e ridicularização da parte dos anti-
autoritários. Claro que, com isso, também do outro lado permaneceu ainda por resolver
o dilema clássico da individualidade burguesa em si dilacerada, porque o novo
movimento anti-autoritário tão pouco podia avançar uma crítica concreta da produção
de mercadorias e da socialização abstracta mediada pelo dinheiro como o socialismo
dos cidadãos nas suas versões tradicionais. O movimento de 1968 tornou-se, assim, o
mero esquentador de fluxo para todas as ideias de emancipação da crítica social do
passado, que todas, mais uma vez, foram rapidamente ultrapassadas e rejeitadas,
incluindo o próprio anti-autoritarismo.
4.
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Para fazer justiça ao movimento anti-autoritário, deve-se enfatizar, porém, que ele
(assim como a própria Teoria Crítica) não repetiu simplesmente e sem rupturas as
declarações da Stirner de 1842, nem se fundiu simplesmente com a ideologia anarquista
tradicional. Na verdade, podem reconhecer-se duas correntes de argumentação e
interpretação diferentes e, em última instância, contraditórias do novo anti-
autoritarismo, que então, obviamente, não resolveram realmente a sua contradição
objectiva. A primeira e verdadeiramente importante corrente de argumentação, que
ainda poderia ser de grande importância, foi desenvolvida por um grupo agora
completamente esquecido, pelo menos na consciência da esquerda alemã, a
"Internacional Situacionista". Como o nome aparentemente estranho sugere, essa
corrente parecia derivar do existencialismo de esquerda francês. O conceito de
"situação" é um conceito central de toda a filosofia existencial, como mostra Bollnow;
este termo significa "... que a situação não é algo em que o ser humano cai apenas
ocasional e externamente, mas que a existência humana é essencialmente um ser numa
situação, e que o ser humano nunca consegue escapar da prisão numa situação. Ele
encontra-se sempre, em cada momento da sua vida, numa situação por ele não
escolhida, que não presta atenção aos seus desejos e necessidades, mas que o oprime,
como algo estranho e hostil "(O. F. Bollnow, Filosofia existencial, Stuttgart / Berlim /
Colónia / Mainz 1955, 9ª edição 1984, p. 59s.).
Traduzido para a linguagem do activismo de esquerda, isso só pode significar propagar
uma versão da velha ideia anarquista da "acção directa", rebelar-se imediata e
"situacionistamente" como sujeito, contra as situações objectivamente definidas da
socialização capitalista. Os autores da história da SDS (Associação de Estudantes
Socialistas Alemães), Fichter e Lönnendonker, regressados à social-democracia,
também não têm muito mais para informar sobre esta fonte do movimento anti-
autoritário internacional: "O sentimento básico de resignação na inteligência europeia
de então ... seduziu os Situacionistas para uma prática estranha: através de
'comportamentos experimentais' deveria ser introduzido na organização colectiva um
'ambiente unificado', como 'momento construído da vida'" (Fichter/Lönnendonker,
Kleine Geschichte des SDS [Breve História da Associação de Estudantes Socialistas
Alemães], Berlim 1977, p. 78s.).
Esta ideia de práxis, de facto estranha, parece lembrar apenas as velhas experiências
anarquistas e utópicas de "comuna". De facto, foi na Alemanha que o communard tardio
Dieter Kunzelmann se constituíu, já em 1959, com o grupo artístico de Schwabing
"Spur", como secção alemã da "Internacional Situacionista". No entanto, este grupo em
torno de Kunzelmann, dadas as suas tendências golpistas e neo-anarquistas, um ano
depois foi novamente expulso da IS, o que aponta para um diferente auto-entendimento
real desta corrente francesa. Sob o nome de "acção subversiva" (a que às vezes também
Rudi Dutschke pertenceu) o grupo de Kunzelmann tornou-se parte integrante da história
da SDS e o precursor na Alemanha do activismo anti-autoritário.
12
Mas essencialmente interessantes são as abordagens teóricas dos próprios
Situacionistas, que não eram bem conhecidos na Alemanha, mas certamente
desempenharam um papel na França da revolta de Maio. No Verão 1968, foi publicada
a tradução alemã de um panfleto dos Situacionistas, que antes, além da França, já tinha
sido divulgado também na Inglaterra, na Itália e nos Estados Unidos. Os pensamentos aí
expressos quase não foram discutidos no movimento alemão, mas agora parecem ainda
mais importantes, para uma reavaliação crítica. O anti-autoritários da IS repetiam muito
pouco das ideias básicas do velho anti-autoritarismo anarquista, mas procuravam mediá-
lo com a crítica de Marx ao fetichismo da mercadoria, ou seja, precisamente com aquela
dimensão ocultada pelo marxismo tradicional da crítica de Marx à relação de capital. Já
Sartre, nos seus últimos escritos inspirados pelo confronto com a teoria de Marx, tinha
agarrado este problema, a ser mediado com a filosofia existencial, sem, claro, ir além de
uma primeira tentativa (ver Sartre, Kritik der dialektischen Vernunft [Crítica da razão
dialética], Reinbek 1967). Os Situacionistas pretendiam, nessa medida indo além do
"marxista" Sartre, atacar e superar directamente a alienação do indivíduo da sua
existência social, alienação constituída pelo fetichismo da mercadoria; um dos seus
slogans públicos dizia: "Abaixo o mundo da imagem e o fetichismo da mercadoria". Por
"mundo da imagem" entendiam eles a existência do fetiche da mercadoria na cultura do
consumo de massas capitalista da época fordista, uma formulação que ia muito para
além do lema anti-autoritário divulgado na RFA da "compulsão consumista", mesmo
que hoje pareça talvez um pouco ingénuo o facto de aquele slogan verter directamente
na forma de palavra de ordem um juízo essencialmente teórico. Na brochura dos
Situacionistas diz-se: "O fetichismo dos factos dissimula o ponto arquimediano, e os
detalhes fazem esquecer a totalidade. Diz-se tudo a propósito desta sociedade, excepto a
sua verdadeira característica: o seu desenvolvimento em fetichismo da mercadoria ..."
(Das Elend der Studenten [Da miséria no meio estudantil] Berlim, junho de 1968, p. 5).
A partir desta posição, a esquerda tradicional podia ser fundamentalmente criticada num
sentido realmente novo: "A luta aparente conduzida hoje por organizações
supostamente revolucionárias contra o velho mundo permanece inteiramente dentro
deste velho mundo e envolvida em mistificações" (ibidem, p 20).
Essa caracterização, embora geral, atinge a essência de todo o velho movimento
operário e do marxismo que com ele se fundiu; é claro que se pode sentir aqui o tom de
uma crítica quase "ontológica", devido a uma abordagem a-histórica, ainda agarrada ao
existencialismo, que se resume a denunciar abstractamente como "errado" o velho
movimento operário, sem analisar a condição das suas realizações reais. É, porém,
importante que os Situacionistas não critiquem a imanência do marxismo tradicional na
habitual maneira meramente político-revolucionária, mas, indo muito mais longe,
coloquem exigências directamente dirigidas contra a socialização dinheiro-mercadoria:
"Não basta um voto abstracto no poder dos Conselhos Operários; é necessário mostrar o
seu significado concreto: a supressão da produção de mercadorias e, por conseguinte, a
supressão do proletariado. A lógica da mercadoria é a racionalidade primeira e última
13
das sociedades actuais; é ela a base do auto-regulamento totalitário destas sociedades ...
No mundo da produção de mercadorias, o trabalho não se realiza em função de um
objectivo determinado livremente, mas sim por força de directivas vindas de forças
exteriores. E se as leis económicas dão a impressão de se transformar em leis naturais
duma espécie peculiar, isso acontece na medida em que a sua força se baseia
unicamente na ausência de consciência daqueles que nisso participam. O princípio da
produção mercantil é este: a perda do indivíduo na produção caótica e inconsciente de
um mundo que escapa inteiramente aos seus produtores" (ibidem, p. 23)
A importância desta abordagem solitária de uma crítica radical da forma da mercadoria
em geral não pode ser apreciada o suficiente, quando se considera que, desde os anos
vinte do século XX, o extremo de "radicalismo" da esquerda nunca foi mais do que
apenas um mero "voto abstracto no poder dos Conselhos Operários", tanto na Nova
Esquerda entretanto envelhecida, como hoje (na melhor das hipóteses!) entre os
autonomistas. Certamente que essas importantes afirmações dos Situacionistas a
princípio permaneceram abstractas em sua nova abordagem e, aparentemente, a partir
dos fundamentos existencialistas, não poderiam ser mais desenvolvidas, para uma
concretização da crítica da economia política de Marx à altura do tempo. Tampouco os
Situacionistas conseguiram ultrapassar a falsa identidade em curto-circuito entre teoria e
práxis imediata, que caracteriza o activismo dos anti-autoritários em geral. Se algo de
toda a sua abordagem ficou preso na consciência esquecida da esquerda, então é talvez
esta frase, desde então muitas vezes citada: "As revoluções proletárias serão festas ou
não serão coisíssima nenhuma." No entanto, a associação de um hedonismo abstracto,
não mediado, que aparece nessa ideia fora de contexto não faz justiça aos Situacionistas.
A sua crítica radical à mercadoria e ao dinheiro vai muito além do usual anti-
autoritarismo e permanece até hoje como o "ponto arquimediano", a partir do qual,
apenas, os sistemas sociais existentes podem ser removidos.
No entanto, precisamente porque esta abordagem antecipou um futuro do movimento
revolucionário que ainda hoje precisa de ser alcançado, ela não poderia realmente ser
aceite e compreendida pela consciência do movimento comum em 1968; os próprios
Situacionistas tiveram de se queixar de que as suas ideias haviam sido "exaustivamente
comentadas e exaustivamente mal compreendidas por toda a imprensa francesa de
esquerda". Por maioria de razão isso se aplica ao movimento alemão, que até poupou o
comentário. Em vez disso, prevaleceu nele uma interpretação do anti-autoritarismo que
permaneceu mais presa à Teoria Crítica de Frankfurt, com as suas implicações
resignadamente reformistas, e que não conseguia acompanhar a radicalidade das
tentativas "existencialistas" francesas de renovação da teoria de Marx. É verdade que a
Teoria Crítica também abordou as mistificações da por ela chamada "sociedade da
troca"; no entanto, a sua ousadia teórica, invocando o indivíduo indissolutamente
abstracto contra a sua própria mistificação social, recuou perante a porta aberta, de volta
ao mundo conceptual do fetichismo democrático. A concretude da crítica não apreendeu
a forma da mercadoria como tal e directamente, mas apenas as formas secundárias do
seu desenvolvimento histórico. Com relação ao "nervo central" da sociedade burguesa,
14
a Teoria Crítica permaneceu assim, em última análise, vaga e inconsistente, por um
lado, refugiando-se na esfera cultural, por outro lado, operando ela própria acriticamente
com as categorias-fetiche da economia política (ver os trabalhos relevantes sobre teoria
do planeamento económico de Friedrich Pollock, o "economista político" da Teoria
Crítica). Portanto, a Escola de Frankfurt, apesar de seus méritos teóricos, conseguiu
muito menos do que alguns existencialistas de esquerda, que ultrapassaram a mera
evocação da individualidade monetária indissolutamente abstracta, e com ela o
liberalismo burguês.
Rolf Wiggershaus resumiu sucintamente as premissas e consequências essenciais da
Teoria Crítica com base na teoria de Adorno. Segundo ela, em Marx, supostamente,
trata-se da "realização não burguesa" das ideias burguesas de liberdade, igualdade e
fraternidade, a fim de resgatar as promessas do iluminismo e do liberalismo. Isso
também pode ser aplicado num sentido quase moral ou um tanto metafórico (veja-se a
ideia de Marx do "reino da liberdade"). Teórico-conceptualmente, no entanto, e no
sentido de práxis social revolucionária, Marx estava muito longe de tais intenções. Ele
estava preocupado NÃO com a "realização", mas com a ABOLIÇÃO do liberalismo e
do iluminismo. A ideia de mera realização em si permanece no invólucro do fetichismo
da mercadoria e, portanto, da subjectividade monetária abstracta. A implicação
reformista desta abordagem é representada clarissimamente por Habermas, que, como
iluminista vulgar, ainda gostaria de mexer nesta "realização" sempre dentro dos limites
da legalidade e das leis da produção de mercadorias. Também em Adorno, o
reformismo bastante resignado resulta da combinação essencialmente liberal da
economia de mercado e da individualidade em geral; porque a forma valor da
mercadoria, como forma básica de reificação, permanece completamente indissoluta e
na sombra, a crítica das suas formas secundárias culturais não dá em nada,
permanecendo completamente incompreensível como se pretende constituir um
indivíduo social comunista revogando a produção de mercadorias. Em vez disso,
Adorno, ignorando a questão central, dirige a sua atenção, muito à semelhança de
Horkheimer, para as supostas formas de transformação do capitalismo dentro da própria
forma de reprodução capitalista; ele vê no "capitalismo organizado" e na moderna
burocracia estatal a destruição da individualidade e da subjectividade constituídas pela
troca de mercadorias, e o seu interesse orienta-se principalmente para lamentar isso e
para a análise deste processo: "Sem a economia de mercado e a família nuclear
patriarcal, segundo a convicção de Adorno, deixa de haver não apenas empresários
relativamente independentes, mas mesmo pessoas de algum modo autónomas em geral
... Por causa de tais julgamentos, Adorno não procura outra coisa senão as condições
capitalistas liberais para o surgimento de forças de oposição ... Desintegração do
mercado, desintegração da família burguesa, desintegração do ego – eram as palavras-
chave para a visão de Adorno da genealogia dos sujeitos dessubjectivados do
capitalismo autoritariamente organizado" (R. Wiggershaus, Theodor W. Adorno,
Munique 1987, p. 75).
15
É claro que Adorno não era um liberal chapado, no sentido de um ideólogo do mercado
capitalista; pelo contrário, para ele a questão era a abolição, segundo a sua
autocompreensão, da reprodução social capitalistamente constituída, mas essa intenção
é curiosamente distorcida pela sua própria abordagem teórica. O crucial é sobretudo que
ele, realmente, devido à falta de crítica concreta da forma da mercadoria em si, é
verdadeiramente incapaz de nomear, na sua abstracção, qualquer outra individualidade
que não a constituída por essa forma; portanto, a ideia da abolição vacila, não continua a
ser pensada e acaba por se esgotar num problema incorrectamente colocado como de
"condição": a subjectividade constituída pelo "capitalismo liberal" (assumido como
moribundo) deve ser a condição indispensável para uma rejeição radical, que por sua
vez permanece uma caixa preta e mera intenção teoricamente vazia. Paradoxalmente,
surge aqui quase inevitavelmente o slogan desdentado da SALVAÇÃO deste
"capitalismo liberal", como suposta condição prévia para a sua abolição. Para além do
facto de aqui se esboçar um argumento circular, devido ao mero pensamento da
"realização", esta visão já está próxima da tendência para executar na práxis somente a
luta defensiva por meras "condições" de emancipação, mas deixando em aberto o
objectivo em si, em seu conteúdo decisivo vazio, e a interpretação imanente na forma da
mercadoria. Não por acaso ecoa neste contexto uma associação surpreendente, ou seja, a
memória do velho revisionista Bernstein, para quem "o movimento é tudo e o objectivo
não é nada". A compatibilidade da Teoria Crítica e da Social-Democracia, que desde
então se tornou prática, torna-se compreensível do ponto de vista teórico. Na aparente
radicalidade do movimento anti-autoritário baseado nesta linha de argumentação, desde
o início estava o germe para se transformar em reformismo claro.
O dilema do movimento perante seus "pais teóricos" consistiu em que ele não conseguiu
criticar a sua atitude regressiva reformista-democrata a partir do conteúdo da própria
teoria, mas apenas de maneira formal peculiar, como mera crítica de uma suposta falta
de "vontade de práxis". Esta unidimensionalidade da crítica do movimento às
"autoridades professorais", como Horkheimer, Adorno e Habermas, levantando as mãos
defensivamente em face destes espíritos não invocados, tem contribuído muito para o
estúpido fetichismo da práxis, que tem empurrado a esquerda revolucionária
repetidamente para a desmoralização. Este dilema pode ser visto na abordagem
estratégica de Rudi Dutschke, o símbolo central desse movimento. A "Longa marcha
através das instituições", o "processo de mudança" pode ser interpretado de duas
maneiras, e esse mesmo facto mostra uma duplicidade inconsciente do próprio
movimento: ou se trata, realmente, de um processo de ganhar consciência para a
revolução, mas então seria um ganhar consciência contra o dinheiro, contra a
socialização na forma da mercadoria em geral (ou seja, na acepção de Marx e do 1968
dos Situacionistas, ainda que estes não tenham conseguido ir além da intenção) – ou se
trata de uma "renovação democrática" da própria produção de mercadorias, ou seja, do
capitalismo. Não pode haver um terceiro. Em suma, Rudi Dutschke afirmou claramente:
"O problema da reforma já não se coloca. Reformas como as que se podem implementar
nada mais são do que a melhoria das celas da prisão, reproduzem a realidade existente
..." (R. Dutschke, Mein langer Marsch [A minha longa marcha], Reinbek 1980, p 16).
16
Mas o conteúdo permaneceu indeterminado, o ataque directo à produção de mercadorias
e, portanto, ao dinheiro, como forma de socialização capitalista (e só nesta
intensificação se poderia pensar também numa crítica revolucionária do "socialismo
real") permaneceu silenciado, podendo assim Dutschke ser interpretado
democraticamente e, portanto, na forma da mercadoria. A ênfase sempre tão
pessoalmente credível na libertação do indivíduo teve de permanecer burguesmente
conciliável neste nevoeiro conceptual, se não na situação daquele momento, pelo menos
historicamente. O próprio Dutschke acabou por se juntar à Associação de Cidadãos dos
Verdes, e a sua morte prematura deixou essa decisão em aberto. Mesmo o Dutschke
vivo, no auge do movimento, era também ocasionalmente acusado e considerado cívico-
integracionista, uma visão que ele ainda rejeitava veementemente naquela época: "O
facto de existir Rudi Dutschke, de ele ter de ser levado a sério, resulta do estado actual
da nossa democracia parlamentar e dos seus partidos de apoio. Se os Dutschkes – e
desta vez não no sentido pejorativo – iniciam o auto-exame necessário no Estado e nos
partidos, iniciam a redemocratização, então eles vão fortalecer a sociedade que eles
procuram ultrapassar. Um efeito que não é desejável para Dutschke, mas sim para a
maioria" (Stuttgarter Nachrichten de 1967/05/12, citado em: Mein langer Marsch, cit.,
p. 55).
O Rudi Dutschke morto é interpretado pela maioria dos seus antigos colegas
SOMENTE nesta pista que declara o lado imanente democrático na lógica da
mercadoria do movimento de 1968 como "único verdadeiro", e assim nega de modo
francamente infame o outro momento que ia mais longe, apontando para lá da
imanência meramente democrática, e até o self do revolucionário. Se estes senhores
ainda querem alguma coisa hoje, então, na melhor das hipóteses, é a "viabilidade" para
"melhorar as celas da prisão", que o Dutschke de 1968 tanto detestava.
Ainda melhor e mais exemplarmente do que Dutschke, a ambivalência social do
movimento anti-autoritário e da sua ideologia pode revelar-se noutro porta-voz, Oskar
Negt, que nunca poderia ser acusado de actividades revolucionárias, e que
provavelmente sempre trouxe consigo o cartão de militante do SPD. Em seu discurso
muitas vezes reimpresso "Política e protesto", de Outubro de 1967, ele fala,
ocasionalmente, de "relações de poder reificadas", mas esta frase congelada já não tem
realmente nenhum significado que importe especificamente, e está muito longe da
agudização conceptual directa dos Situacionistas. Em vez disso, Negt argumenta
principalmente num quadro de referência comparativamente distante e redutor, da
história alemã do pós-guerra; em vez do fetichismo da mercadoria se totalizando
historicamente, é descrito apenas um determinado movimento interno da mais recente
fase de desenvolvimento da produção capitalista de mercadorias, no sentido do conceito
de um "Estado autoritário" de Horkheimer e Adorno. Trata-se da " ... estabilização de
uma sociedade autoritária meritocrática que, no interesse dos poderes de decisão
monopolistas e estaduais, procura eliminar passo a passo a esfera liberal da discussão
política, dos controlos parlamentares, a longa negociação de compromissos e acordos
temporários de interesses conflituantes, como modelo de perdas por atrito
17
desnecessárias numa empresa social global em funcionamento" (O. Negt, Politik und
Protest, em: Strategie- und Organisationsdebatte, Hannover, sem data, p. 3).
Sem quaisquer rodeios, sugere-se aqui a posição de um plano alternativo que de modo
nenhum é meramente táctica, cuja busca substancial própria mais trata de invocar a
"esfera liberal dos controlos parlamentares" e de nomear "acordos de interesses
conflituantes" (em última instância de "parceiros sociais"), no sentido do mais ordinário
legalismo sindical, como única fixação de objectivo claramente formulada. Embora
Negt admita, ao mesmo tempo, que o movimento de protesto surge com "uma
reivindicação de total mudança social" (ibidem), no entanto o vazio peculiar desta
atribuição já aponta para que, para já, a totalidade desta reivindicação não poderia ser.
Isso fica ainda mais claro quando ele diz dos grupos anti-autoritários que "... na reflexão
politicamente activa desenvolvem formas de auto-atividade organizacional" e, assim,
realizam "não só as reivindicações constitucionalmente (!) imanentes à solidariedade
democrática, contidas no catálogo dos direitos fundamentais (!)", mas que, ao mesmo
tempo, seriam estabilizadas " ... zonas autónomas de resistência prática contra uma
ordem que só consegue reagir à pressão para a legitimidade com pressão e violência
como legitimidade" (ibidem, p. 13s.). Se as "zonas autónomas de resistência" vagamente
definidas eram realmente apresentáveis como radicalmente modificadoras da sociedade,
nesse caso seriam precisamente a ruptura com meras reivindicações
"constitucionalmente imanentes" e nunca poderiam ser ligadas com estas numa lógica
de "não só – mas também". Essa duplicidade de Negt não apenas deixa ver sob a boina
revolucionária o professoral filisteu alemão que aí vem, que em sua legitimação
argumentativa se protege retroactivamente muito antes das proibições, mas também
sinaliza aquela duplicidade inconsciente do próprio movimento. O seu verdadeiro ponto
de partida empírico, de facto, foi simplesmente a "defesa da democracia" e da
constituição burguesa, contra as leis do estado de necessidade, a grande coligação e as
tendências de formação "tecnocráticas". A própria dinâmica do movimento levou-o
formalmente a posições revolucionárias, mas o seu conteúdo não podia ser mais
especificado nem tornado mais concreto. Na verdade, o suposto radicalismo passou
mais pela mera FORMA da "violação da regra do jogo", da ruptura com os
regulamentos académicos etc. do que por um conteúdo radical, modificador da
sociedade. O conteúdo, afinal, permaneceu realmente preso ao ponto de partida do
movimento meramente democrático e, portanto, fetichista da mercadoria, permanecendo
imanente ao capitalismo, a partir do qual, apenas, tinha ganho a sua base de massas
relativa. Isso fica claro novamente, a título de exemplo, no final do discurso de Negt,
quando ele diz: "Uma dialética constituída pela práxis de elementos anti-institucionais e
institucionais, que cria as condições (!) para uma ultrapassagem socialista da sociedade
de classes capitalista, torna-se a medida para transformar o poder sublime em poder
manifesto do sistema de dominação, como actividade revolucionária democrática (!)
ganha uma verdadeira base de massas. Somente através de um tal alargamento se teria
naturalmente concretizado socialmente o conteúdo político do protesto; a violência
manifesta do Estado não poderia mais virar-se exclusivamente contra estudantes e
jovens, mas seria confrontada com estratégias organizadas de contraviolência, que
18
juntariam todos os democratas desta sociedade (!!) numa frente unida de resistência
"(ibidem, pp. 15s.).
Aqui não apenas as orelhas de burro democráticas são visíveis em todo o seu esplendor,
atributos com que Negt hoje, mais do que nunca, é amplamente abençoado, mas já se
mostra a retirada do combate por meras "condições", como já se viu em Adorno. Em
relação a um movimento social real, no entanto, essa disposição torna-se ainda mais
questionável e nebulosa. Porque "condições", no sentido de algo como um
comprometimento do processo da reprodução social real, não podem sequer ser
"criadas" pelo mero esforço subjectivo de um movimento juvenil e estudantil
relativamente limitado; devem significar "condições" de consciência, no sentido de
"revolução cultural", ou no sentido de difusão da visão teórica, o que seria precisamente
a proclamação, o desenvolvimento e a concretização de conteúdos revolucionários em
si, não uma fraca afirmação de exigências e soluções imanentes burguesas da
consciência meramente democrática. Invocar a "comunidade de democratas", até
mesmo "todos os democratas desta sociedade" de modo alternativo supostamente
"verdadeiro", apelar ao PRINCÍPIO da sociedade burguesa contra a sua realidade
empírica, em vez de rebentar este mesmo princípio ideológico com o conteúdo
revolucionário da crítica radical da forma da mercadoria, isso tem de permanecer, desde
o início, como uma manifestação da imanência burguesa, e provar como mentirosos
todos os tons aparentemente radicais. Mas os burros democráticos, que permanecem
completamente dentro do invólucro das abstracções fetichistas, são apenas a
consequência necessária de uma abordagem teórica truncada. Porque falta, na verdade,
o próprio conteúdo revolucionário, os ideais há muito podres da burguesia
revolucionária do século XVIII têm de ser repetidos ad nauseam, enquanto o suposto
radicalismo não se pode agarrar a nada senão à FORMA – e, justamente por isso, fazer
da "QUESTÃO DA VIOLÊNCIA", puramente formal, o ponto crucial sempre repetido,
realmente vazio ou com CONTEÚDOS BURGUESES absolutamente não militantes,
tendo de cair no gesto estilizado da militância de "estratégias organizadas de
contraviolência". Negt hoje já não quer aceitar a sua própria responsabilidade pelo
caminho destrutivo e suicida da RAF; ela pode ser-lhe oferecida partindo directamente
do contexto descrito acima. Os combatentes da RAF eram apenas moralmente mais
consequentes do que os fofos carreiristas universitários do calibre de Negt, que, apesar
da fama, na verdade nunca foram radicais no conteúdo, nem sequer nesse tempo. Nem
deve ser visto como uma expressão de declínio teórico quando Oskar Negt hoje, 20 anos
depois, documenta descaradamente a sua completa falta de compreensão das categorias
centrais da crítica de Marx à produção de mercadorias, como aconteceu no "Prima-
Klima-Kongress" dos antigos membros da Associação de Estudantes Socialistas
Alemães, em Novembro de 1986: "Infelizmente muitos ... só leram os capítulos da
forma do valor de O Capital, que são os mais difíceis, mais obscuros e, provavelmente,
não essenciais – provavelmente. Sim, isto pode dar protestos, não quero comprometer-
me também ... É simplesmente de facto não tão essencial para mim, nem também as
formas do valor ... ou não" (Actas do Prima Klima, Hamburgo, 1987, p. 165).
19
Este gaguejar não-conceptual realmente diz tudo. Não é uma descida, porque o nível
teórico nunca foi maior. Só que hoje já não são necessárias frases pseudo-radicais;
satisfeito e instalado no regaço do fáctico da socialização capitalista, cuja força
normativa deve finalmente ser aceite sem resistência, um Negt pode hoje alongar-se a
pregar moral democraticamente, de boca cheia, no círculo dos seus convertidos ao
"realismo". A vergonha acabou. A interpretação democrática do movimento anti-
autoritário, que prevaleceu desde o início contra quaisquer outras opções, especialmente
contra a dos Situacionistas franceses, de acordo com a sua própria lógica tinha de
capitular às consequências da subjectividade do dinheiro não resolvida na sociedade do
fetichismo da mercadoria, e acabar por confessar-se abertamente na "Realpolitk" na
cidadania capitalista.
5.
Acontece, assim, que o anti-autoritarismo de 1968, apesar de todas as repreensões
incompreensivas do marxismo tradicional, teve os seus méritos, pelo menos por um
momento histórico, permitindo mostrar um nível de contradição até hoje nunca mais
percebido, representando, precisamente na sua ambivalência social, um momento de
desenvolvimento necessário que, no entanto, tal como o marxismo, também não foi
capaz de romper o invólucro burguês da história não renovada da emancipação social. A
abstracção extrema do indivíduo que não alcança a base da sua constituição social, e,
como mónada que é, se rebela de modo meramente formal contra a sua própria
socialidade institucional, que lhe é exterior, só pode produzir um pseudo-radicalismo,
que representa, por assim dizer, à maneira de pantomima, as consequências extremas do
sujeito burguês do dinheiro, mas não o supera teoricamente (o que seria o pressuposto),
nem praticamente. O conteúdo vazio do anti-autoritarismo leva, portanto, com lógica
necessidade, de volta ao regaço do mundo burguês, a cuja ultrapassagem ele se furta
sempre de novo, com a ênfase quixotesca na constante metamorfose da sua aparência,
em todas as fases do desenvolvimento da socialização capitalista.
O regresso pacífico e em rebanho ao curral da pátria burguesa, ou, como se expressa
algo mais elegantemente Thomas Schmid, outro antigo pseudo-radical, o "regresso da
esquerda ao seu país" ocorreu primeiro com pezinhos de lã, e, à primeira vista,
parecendo superficialmente ter mesmo carácter de oposição. O anti-autoritarismo tinha
ajudado a Associação de Estudantes Socialistas Alemães a destruir a forma burguesa de
organização herdada, a de uma pequena associação socialista de criação de pequenos
animais domésticos; isso também só pode ser contado como mérito. Certamente que a
"dissolução no movimento" meramente negativa não poderia resolver a questão da
organização da esquerda radical, por causa da sua falta de conteúdo; na realidade, a
regressão burguesa já estava escondida por trás da suposta questão da organização. Na
20
prática, isso mostrou-se no aumento rápido e de curta duração de seitas K.,
assustadoramente bizantinas e orientadas pelo tradicional modelo de partido
bolchevique. A mitificação que faziam de uma forma empiricamente já morta do
proletariado e da luta de classes dos anos vinte do século XX, como "mundo
revolucionário que ainda estava em ordem", não sinalizou, como os seus membros
imaginavam, uma quimicamente pura "traição de classe à pequena burguesia" e
"transição para a classe operária", mas só podia ser uma escala no caminho de regresso
ao porto da pátria burguesa. O facto de algumas pessoas terem ficado presas numa
qualquer fase do movimento, e de ainda hoje nos podermos aperceber empiricamente de
todos os seus fenómenos transitórios em tamanho de bolso, não muda o curso geral
como tal. O fetichismo da organização, historicamente fantasiado de "proletário", na
verdade, com as suas rígidas proibições de pensamento e a auto-flagelação dos
"intelectuais" (a que todos os estudantes "revolucionários" de filologia germânica do 1º
semestre estavam autorizados e obrigados) teve principalmente a função de estrangular
e acabar com qualquer impulso ainda remanescente de "excesso", nos momentos do
movimento tocados pela crítica radical do fetichismo da mercadoria. O polo oposto,
alcançado não em último lugar, do mundo burguês foi aquele marxismo tradicional, em
sua figura transfigurada como "revolucionária", que agora era trazido a terreiro de modo
meramente dogmático, contra as formas de decadência, elas próprias lamentáveis e
denunciadas como "revisionistas", mas que secretamente eram almas aparentadas, já
como tal inconscientemente sentidas. O verdadeiro conteúdo dessa suposta questão de
organização e de classe revelou-se no final dos anos setenta, na metamorfose acelerada
em associação verde de criação de pequenos animais domésticos, com todos os atributos
da forma jurídica e política burguesa; até ao ridículo de um renascimento pintado verde
do antigo social-democratismo sob novas condições.
O que resta são essas "novas condições" em si; e o movimento anti-autoritário pode até
dizer, com razão, que ajudou a "modernizar" o capitalismo, não só na Alemanha, no
sentido da plena socialização negativa e abstracta na forma da mercadoria. Quando os
veteranos desta contribuição, hoje claramente sob o nome de "democratização" da
sociedade, querem fixar como uma medalha ao peito a "extensão dos direitos e
liberdades" etc., eles distorcem o verdadeiro conteúdo deste desenvolvimento até à
irreconhecibilidade. Mesmo a tese da Teoria Crítica do "Estado autoritário" percebeu a
tendência histórica muito unidimensionalmente, ainda que soubesse da ambiguidade dos
conceitos na forma fetichista da mercadoria. Expansão da repressão estatal e da
intervenção do Estado, por um lado, e expansão das "liberdades do indivíduo" formais,
por outro lado, não se excluem mutuamente, pelo contrário. A dinâmica solta da forma
abstracta da mercadoria e o desenvolvimento plenamente válido do ser humano
abstracto combinam-se ambos como identidade. Os indivíduos são estatizados na forma
da universalidade abstracta, mas "libertados" precisamente através do mesmo processo,
como mónadas do dinheiro, sem conteúdo e tendencialmente desumanizadas. Atesta
uma ilimitada ingenuidade teórica e política o facto de momentos estatistas deste
processo serem mal interpretados como um "retorno do Estado autoritário" (o que
mesmo Adorno, por vezes, não conseguiu evitar). A máquina de repressão do Estado, o
21
seu aparelho de facto tremendamente reforçado, bate nos indivíduos de formas
evidentes e subtis, na medida em que eles, através das contradições da forma da
mercadoria total, são colocados em situações desesperadas na sua própria vida e
integridade física, e são literalmente perturbados; mas essa repressão não tem nada a ver
com a função do aparelho estatal semifeudal tradicional, de manter pela força
hierarquias tradicionais e estruturas de autoridade. Pelo contrário, os indivíduos devem
poder adaptar-se, sem qualquer limitação, à livre circulação do "sujeito automático"
(Marx), à forma do valor da reprodução social e, portanto, do dinheiro. Os
remanescentes tradicionalistas e as formas autoritárias de consciência tinham de ser
dissolvidos, na medida em que ainda se encontravam no caminho da livre flutuação das
mónadas monetárias; e é nesse aspecto que o movimento anti-autoritário alcançou os
seus "sucessos" duradouros.
O capitalismo "liberal" do século XIX não era, como sugere a Teoria Crítica, o
capitalismo "verdadeiro" do indivíduo liberal, que ainda teria tido a chance da
"verdadeira" emancipação social generalizada, sendo na realidade, pelo contrário, um
capitalismo ainda semifeudal, existente apenas como um subsector social, ainda
inacabado e subdesenvolvido; o indivíduo liberal da época não era o indivíduo
plenamente desenvolvido, mas apenas a pré-forma embrionária da individualidade
abstracta. O capitalismo completo ou total fordista não constitui, portanto, uma
transcendência da relação de capital nos seus próprios fundamentos, como Horkheimer
e Adorno pensavam, mas sim o mero acabamento do capitalismo, cujo ponto máximo
eles imaginam no passado. As formas secundárias por eles descritas de fetichismo da
mercadoria não são, em sua perversidade, o resultado de uma falsa superação da
mercadoria, sendo, pelo contrário, apenas o seu vir a si, a revelação da sua verdadeira
natureza e a consequência lógica de si mesma. Cada afirmação da subjectividade
abstracta indissoluta contra as instituições da universalidade abstracta, como suspeitas
portadoras de tradições autoritárias, tinha de emaranhar-se ainda mais profundamente
no fetichismo da forma da mercadoria, o que Adorno, em todo o caso, suspeitava. Sua
recusa em curvar-se ao desaforo da "práxis" dos anti-autoritários aparece, assim, sob
uma luz mais branda. De facto, toda a realização parcial das ideias emancipatórias anti-
autoritárias nas formas da sociedade burguesa transformou-as na prática no seu
contrário. A realização parcial da "sexualidade libertada" resultou necessariamente na
industrialização pornográfica do sexual. Pois a "democratização" da sexualidade é
imediatamente idêntica à sua comercialização pornográfica, porque a forma da
mercadoria e a democracia são idênticas. Para ser de outro modo, a interpretação da
"democratização" do movimento anti-autoritário teria de levar directamente a um
confronto com a forma da mercadoria, e não à sua afirmação.
Que o movimento anti-autoritário, no seu desenvolvimento, não só tem contribuído para
a afirmação social objectiva e para uma diferente versão histórica da forma da
mercadoria, mas também tem sido afectado em sua consciência subjectiva, é o que
mostra também a sua forma decadente reformadora da vida na figura dos alternativos,
cujos múltiplos projectos até hoje devem ser considerados como pilar de suporte social
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dos Verdes. Os projectos alternativos têm sido desde o início uma retirada de direitos
sociais, um abandono de facto da referência político-social global, degradada a
ornamento moral, em relação à qual, apenas, a socialidade do indivíduo e as suas
reivindicações poderiam ser abordadas. "Comunas" redefinidas até se tornarem
"comunidades residenciais", tipografias, editoras, bares, livrarias, projectos culturais
etc., foram desligadas do movimento político em desintegração e transformadas, com
perdas por atrito maiores ou menores, em "empresas comerciais"; com isso, no entanto,
a partir de uma função logística para uma finalidade social superior, foram
transformadas num fim em si de privacidade abstracta, que no seu espaço interior baniu
ideologicamente a transcendência primeiro imaginada social global: a partir da
politização do privado, foi a privatização do político, a partir da ênfase da
autodeterminação revolucionária, foi mais baixinho a "auto-administração" reformadora
da vida, no mero espaço interior de projectos alternativos. O débil reflexo de
reivindicação social na expansão de projectos, primeiro meramente logísticos, de um
movimento pela pseudoprodução reformadora da vida (padarias alternativas e outras
empresas artesanais, agricultura na "terra queimada" de culturas agrícolas abandonadas,
até aos modelos keynesianos de "empreendimentos dos trabalhadores" subsidiados pelo
Estado), na sua "ligação em rede" entrelaçada com o Estado, sinalizou não só uma
mudança na subjectividade de "revolta", mas também, há muito tempo, o abandono com
renúncia incondicional do revolucionamento da produção social real, depois de alguns
anos de tentativas ofegantes. É testemunho da estupidez teórica quando, em afirmação
insinuante, a abstracção que se revela burguesa do sujeito do movimento ainda é
celebrada em suas formas de decomposição directamente na forma da mercadoria:
"Hoje, quando a reflexividade está ameaçada como princípio de vida, também os
movimentos sociais se desenham algo na forma de movimentos alternativos, que
imediatamente (!) assumem a luta por formas de vida tecnicamente ameaçadas,
finalmente pelas chances de IPSEIDADE – como sempre contraditoriamente" (Noel
Daniel, Theorien der Subjektivität [Teorias da subjectividade], Frankfurt / New York
1981, pág. 125, destaque de R.K.).
A tomada alternativa da queijaria agrícola aparentemente arrastou consigo o teórico.
"Como sempre contraditoriamente" – em tais enunciados salgados, procura-se tão pouco
pela forma social da subjectividade proclamada como pelos seus conteúdos. Na
produção de mercadorias socialmente totalizada, no entanto, a própria forma vazia é o
conteúdo, enquanto fim em si mesmo, a que não pode escapar ninguém que não critique
fundamentalmente esta forma como tal. É mais fácil montar num tigre do que mobilizar
para "bons fins" a forma do dinheiro como tal, há muito socialmente desencadeada. Na
vida falsa, não há realmente nenhuma vida verdadeira; a "ipseidade" na forma da
mercadoria totalizada só pode ser sempre, apenas, a rendição incondicional do sujeito
abstracto ao automovimento objectivo dessa forma. Há muito que também o movimento
alternativo, como metamorfose do anti-autoritarismo inicial, foi atingido no seu próprio
terreno pela voracidade da forma social do valor, não só na ironia da fundação de um
banco, mas mesmo na inevitável "profissionalização" na economia de mercado, em que
as leis objectivas da forma da mercadoria tiveram de pôr a ridículo a ilusão de
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"autogestão", tal e qual como a bancarrota há muito ocorrida da "autogestão operária"
na economia mercantil capitalista da Jugoslávia. E já se manifesta uma nova e última
metamorfose do anti-autoritarismo, que restabelece a relação social global juntamente
com a "profissionalização", mas agora como militância ideológica anti-socialista,
enquanto perspectiva de gestão de um "capitalismo ecológico". Os "ecologistas de
mercado" verdes constituem apenas um pequeno segmento dessa tendência, que se
concentrou mais na perspectiva "eco-social" da tecnologia social capitalista. O aumento
do trabalho social do fordismo tardio nos anos de 1970 esteve, desde o início, pessoal e
ideologicamente, intimamente ligado com o movimento anti-autoritário e suas fases de
transição, projectos alternativos incluídos. No entanto, no contexto do trabalho social
comunitário e da sua reflexão "teórica", o surto de "profissionalização" produz
resultados aparentemente inimagináveis.
"A indústria altamente desenvolvida exige para si e para os seus propósitos inovações
sociais ... Cada um é o seu próprio gerente ... O novo estilo de direcção empresarial é
'um estilo de gestão em rede' ... em que cada um se torna um recurso para todos (!). As
empresas cuidam dos seus recursos humanos (!), orientando-se para as necessidades
sociais e do mundo da vida dos seus empregados. Planeamento empresarial da vida de
trabalho e planeamento pessoal da vida, estilo de trabalho e estilo de vida, adaptam-se
com flexibilidade um ao outro (!). Por outro lado, ocorre em muitos lugares a criação de
empreendimentos económicos alternativos por razões sociais: viver diferente – trabalhar
diferente ... A 'nova pobreza' não nos devia bloquear a visão (!) para um processo de
valorização dos recursos humanos (!) que se desenvolve de forma diametralmente
oposta à tese clássica da miséria. O ser humano individual pode fazer mais de si (!) no
Ocidente industrializado, e fazer mais com menos esforço do que nunca ... Os recursos
humanos são a moeda que se pode multiplicar (!). O papel futuro do trabalho social
provavelmente será menos determinado pelo seu contínuo compromisso para ajudar os
necessitados do que pela sua eficácia no desenvolvimento dos recursos sociais (!) ... O
desenvolvimento ocorre em parte na conexão directa entre trabalho social e actividade
empresarial ... Afinal, o sector da economia alternativa já tem na República Federal
Alemã 150.000 empregados, ou mais ... No longo prazo, rentabilidade e bem-estar têm
de concordar (!) em toda a parte, rendimento económico e social têm de estar em
equilíbrio. Para que isso não aconteça por cima das cabeças das pessoas (ou seja, mais
uma vez, de modo 'anti-social'), uma tarefa cada vez mais importante do trabalho social
consiste em, fora e dentro das empresas, insistir na própria organização produtiva do seu
modo de vida, e assim participar de forma socialmente activa nos processos da
economia. Este é o significado de autogestion, termo pelo qual os franceses discutem o
contexto de auto-determinação, auto-administração e autogestão (!!) … " (Wolf Rainer
Wendt, Das breite Feld der sozialen Arbeit: Historische Beweggrunde und ökologische
Perspektiven [O amplo campo do trabalho social: motivos históricos e perspectivas
ecológicas], in: Oppl/Tomaschek, Soziale Arbeit 2000, Band 1, Soziale Probleme und
Handlungsflexibilität [Problemas sociais e flexibilidade de acção], Freiburg 1986, p.
68ss.).
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A brutal e perversa reificação desta linguagem e da sua terminologia julga-se a si
mesma. Agora se vê que valor tinham as frases sobre a "reificação" na boca daqueles
que negligenciaram a sua concretização como crítica radical da forma da mercadoria da
reprodução social em geral. E de maneira nenhuma se trata de uma voz isolada; basta
pensar na "mudança de paradigma" dos sociólogos industriais que foram de "esquerda",
como Kern/Schumann, que hoje também apostam numa "gestão esclarecida". Em sua
consequência objectiva a longo prazo, tal como na transformação da consciência
subjectiva dos seus representantes, o movimento anti-autoritário tornou-se o último
grito da cultura empresarial capitalista. Desde a revolucionária "autodeterminação",
passando pela "auto-administração" reformadora da vida até à brutal autodefinição
como "recurso humano" reificado, até à "auto-economificação" e "autovalorização" –
que impiedosa lógica de autodestruição da vontade emancipatória, sob a luz orientadora
da indissoluta subjectividade abstracta! A incapacidade do pensamento meramente
formal de autonomia, ou anti-autoritarismo, de se distinguir da determinação do sujeito
monetarista do liberalismo é, assim, cruelmente provada na prática. Basta citar outro
grande anti-autoritário, alternativo e amante da subjectividade abstracta do dinheiro: "A
Revolução Americana foi filosófica. Pela primeira vez na história da humanidade, nós
libertámos o génio individual de cada pessoa singular, para subir tão alto e tão longe
quanto a sua própria força e as suas capacidades o levarem" (Ronald Reagan, 1980).
Sendo a "autodeterminação" e "auto-administração" definidas deste modo no seu
conteúdo pelo resultado, perdem assim retrospectivamente como tais, como mera
proclamação de vontade de emancipação, qualquer último suspiro de transcendência
revolucionária. Que era importante "fazer algo de si mesmo" como sujeito do dinheiro,
para isso não havia necessidade de nenhuma ideia emancipadora, porque o conteúdo da
forma do dinheiro consiste em si mesmo e no seu vazio, no qual se baseia a total
dessubjectivação do sujeito. Não é ao muito citado "Offene" [Campo aberto] da elegia
de Hölderlin que o movimento anti-autoritário chegou, no final amargo da sua jornada,
pelo contrário, foi voluntariamente que ele mesmo se emparedou definitivamente na
"cela prisional" da socialização abstracta, cujo nome Dutschke e os seus não foram
capazes de pronunciar de modo radicalmente crítico. O "tempo de chumbo" só agora
começou, tanto para os vencedores do processo de "auto-economificação", que não
conseguem ser sujeitos nenhuns, como para os perdedores dele, que são entregues à
administração capitalista da pobreza e das catástrofes. Para o caso da sua revolta,
também estarão prontas, se necessário como representantes de último recurso da
dominação despersonalizada do "sujeito automático", as sapatilhas de Noske, uma vez
que os Verdes também já produziram o seu millerandismo em sapatilhas. Os
Situacionistas de 1968 sabiam do que falavam: "A auto-gestão do sistema da
mercadoria... FARIA DE CADA SER HUMANO O PROGRAMADOR DA SUA
PRÓPRIA EXISTÊNCIA: é a quadratura do circulo. A tarefa dos Conselhos Operários
não consistirá, portanto, na autogestão do mundo existente, mas na sua transformação
qualitativa ininterrupta, ultrapassando na prática o sistema da mercadoria e, assim,
abolindo a gigantesca perversão da produção pelos produtores" (Das Elend der
Studenten [A miséria do meio estudantil], Junho 1968, p. 23s., destaque de R.K.).
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A parte negativa desta declaração lê-se hoje como um prognóstico sobre o próprio
movimento anti-autoritário, na sua interpretação imanente democrática e capitalista.
Com a verificação deste prognóstico, a esquerda está realmente "regressada a casa no
seu país". Os Verdes e o seu ambiente social são o cadáver fedorento da vontade
emancipatória de 1968. Esta vontade, afogada na lógica do dinheiro e do seu
automovimento, não voltará a erguer-se nos seus portadores, como Fénix das cinzas, na
crise que aí vem e em parte já se manifesta do dinheiro e da economia das mercadorias,
mas transformá-los-á definitivamente em novos pequeno-burgueses furiosos,
gananciosos e, em última análise, assassinos. O agarrar e morder, o choro e ranger de
dentes em torno do "tacho alternativo" do Estado e dos municípios terá de aumentar até
ao insuportável, com a crise manifesta das finanças públicas e com uma crise económica
global iminente, e produzir formas contínuas políticas hoje ainda na sombra. Apenas
debilmente se podem ver hoje novas esperanças de uma vontade social de emancipação
do sujeito humano. Para a actual oposição radical juvenil dos autónomos, que ao seu
conceito de "autonomia" tão pouco deu um conteúdo claro como o movimento anti-
autoritário de 1968, o desenvolvimento deste e os seus resultados sociais e subjectivos
devem representar um sinal de alerta. "Não basta um voto abstracto no poder dos
Conselhos Operários". O slogan abstracto, sempre tão frequentemente repetido, contra o
trabalho assalariado e pela autonomia permanece vazio e sem efeito, se não puder ser
fundamentado no discurso da teoria social e concretizado na luta prática, a todos os
níveis da sociedade, como crítica fundamental da própria forma da mercadoria e do
dinheiro. Os autónomos, tal como outros movimentos futuros, serão radicais como
críticos radicais da sociedade do fetichismo da mercadoria e do dinheiro em geral, ou
não serão nada como radicais.
Original Glanz und Elend des Antiautoritarismus. Streiflichter zur Ideen- und Wirkungsgeschichte der
"Neuen Linken" aqui e aqui. Publicado originalmente na revista Marxistische Kritik nº 5, Dezembro 1988.
Republicado na homepage da exit!, com uma nota da redacção, em Abril de 2018. Tradução de
Boaventura Antunes.
http://obeco-online.org/
http://www.exit-online.org/