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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LGICA E METAFSICA PPGLM
O Sentido da Expresso Igualdade Geomtrica no Dilogo Grgias
de Plato.
Edmilson Carvalho Barbosa
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-graduao em Lgica e
Metafsica, PPGLM, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Filosofia.
Orientadora: Carolina de Melo Bomfim Arajo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dezembro de 2014
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Barbosa, Edmilson Carvalho B223s O sentido da expresso igualdade geomtrica no dilogo Grgias de Plato. Edmilson Carvalho Barbosa. Rio de Janeiro, 2014. 176 f. Orientadora: Carolina de Melo Bomfim Arajo. Dissertao (mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Programa de Ps-Graduao Em Lgica e Metafsica, 2014.
1.Igualdade. 2.Geometria. 3.Justia. 4.Cosmo. 5.Plato. I - Arajo, Carolina de Melo Bomfim, orientadora.
II - O sentido da expresso igualdade geomtrica no dilogo Grgias de Plato.
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O Sentido da Expresso Igualdade Geomtrica no Dilogo Grgias
de Plato.
Edmilson Carvalho Barbosa
DISSERTAO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LGICA E
METAFSICA (PPGLM) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, COMO
PARTE DOS REQUISITOS NECESSRIOS OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM
FILOSOFIA.
Examinada por:
________________________________________________
Profa. Dra. Carolina de Melo Bomfim Arajo
(orientadora UFRJ)
_________________________________ ____________________________________
Prof. Dr. Irineu Bicudo Profa. Dra. Alice Bitencourt Haddad
(UNESP - SP) (UFRRJ)
_________________________________ ____________________________________
Profa. Dra. Maria das Graas de M. Augusto Profa. Dra Maria Ins Senra Anachoreta
suplente (UFRJ) suplente (UERJ)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dezembro de 2014
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RESUMO
O propsito deste trabalho investigar o sentido da expresso igualdade geomtrica
empregada por Plato no dilogo Grgias (507e-508a). Mas para compreender esta
expresso, necessrio investigar o dilogo desde o seu incio, visto que muito do que
Plato fala em determinada altura da sua obra j se encontra colocado em suas primeiras
pginas de forma germinal. Percebe-se ento, em funo de um procedimento
comparativo e de todo um vocabulrio, que o filsofo estava desde o incio
geometrizando. A partir da fala dos gemetras (465b-c), percebe-se que este
procedimento comparativo se consagra na forma de uma analogia que, em um primeiro
momento, tem por objetivo mostrar os limites que as atividades exercidas na cidade tm
entre si e, em um segundo momento, mostrar que o todo chamado cosmo est
estruturado de forma analgica e que a analogia uma proporo, tal como ela j era
compreendida por Arquitas e Aristteles. A partir de ento, entende-se que a igualdade
geomtrica a proporo que faz com que as partes de um todo sejam iguais entre si, tal
como elas so iguais perante o todo. Porm, como este todo chamado cosmo ou mundo
composto de uma ordem que precisa ser conservada em si mesma e por isso a
expresso da prpria temperana, e como ele composto de um arranjo que implica a
correo de qualquer desajuste e por isso a expresso da prpria justia, a igualdade
geomtrica se mostra como uma legislatura que o filsofo prescreve para homens que
so intemperantes e injustos, homens que descuram da geometria.
PALAVRAS-CHAVE: Igualdade. Geometria. Justia. Cosmo. Plato.
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ABSTRACT
The purpose of this work is to investigate the meaning of "geometric equality" used by
Plato in the dialogue Gorgias (507e-508a). But to understand this expression, it is
necessary to investigate the dialogue from its beginning, because much of what Plato
says at some point of his work is already placed on their first pages in germinal form. It
can be seen so, in the light of a comparative procedure and a whole vocabulary, that the
philosopher was geometrying from the beginning. From the speech of geometers
(465b-c), one realizes that this comparative procedure is consecrated in the form of an
analogy that at first aims to show the limits that activities in the city have each other
and, in a second moment, show that the whole called cosmos is structured analogically
and that analogy is a proportion, as it was already understood by Archytas and
Aristotle. Thereafter, it is understood that the geometric equality is the proportion that
makes the parts of a whole are equal to each other, as they are equal to the whole. But as
this whole called cosmos or world consists of an order that must be preserved in itself
and so is an expression of temperance itself, and as it consists of an arrangement that
involves the correction of any disarrangement and so is the expression of justice itself,
the geometric equality appears as a legislature which the philosopher prescribes for men
who are intemperate and unjust, men who neglect geometry.
KEYWORDS: Equality. Geometry. Justice. Cosmos. Plato.
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AGRADECIMENTOS
Carolina Arajo, por indicar o caminho, mostrando o quanto
ele seria rduo e ao mesmo tempo prazeroso, e que o rigor pode
ser conjugado com o amor. Aos amigos de caminho, com
quem pude compartilhar as dificuldades e as alegrias da
travessia: Cesar de Alencar, Fernanda Campello, Flora Mangini,
Luciana Chacha, Luan Reboredo, Camila Rauber, Cludia
Barbosa e Leonardo Leite. minha me Dinah Carvalho e
minha irm Andra Carvalho, por confiarem que faria a jornada.
A Capes, por ter fornecido subsdios para realiz-la.
Agradeo tambm aos professores Ivana Costa, Alice Hadadd e
Irineu Bicudo por terem participado, em momentos distintos, da
minha travessia.
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SUMRIO
1-INTRODUO ........................................................................................................................ 9
2-PROPORO MATEMTICA E POLTICA EM ARQUITAS E ARISTTELES.... 15
2.1-Proporo matemtica em Arquitas ................................................................................. 15
2.2-Proporo poltica em Arquitas? ...................................................................................... 26
2.3-Proporo matemtica e tica em Aristteles ................................................................... 35
2.4- Proporo matemtica e poltica em Aristteles .............................................................. 46
2.5-Concluso .......................................................................................................................... 64
3-SCRATES, O FILSOFO GEMETRA ........................................................................ 68
3.1-Razo e discurso: .................................................................................................... 68
3.2-Limite: , ........................................................................................................... 73
3.3-Entre si: .............................................................................................................. 75
3.4-Grandeza: ............................................................................................................ 78
3.5-Mtodo: ............................................................................................................... 83
3.6-A conciso do dilogo, a conciso do anlogo: , , ................. 88
4-QUESTES SOBRE O MTODO .................................................................................... 105
4.1-Sua demonstrao .......................................................................................................... 109
4.2-Seu vocabulrio ............................................................................................................... 113
4.3-Seu sucesso ..................................................................................................................... 116
4.4-Sua condio de inteligibilidade ..................................................................................... 117
4.5-concluso ........................................................................................................................ 121
5-A FALA DOS GEMETRAS............................................................................................. 122
5.1-Medicina e poltica .......................................................................................................... 122
5.2-Retrica ........................................................................................................................... 132
5.3-Analogia: artes e simulacros ........................................................................................... 141
6-A IGUALDADE GEOMTRICA ...................................................................................... 158
7-CONCLUSO OU CQD: QUOD ERAT DEMONSTRANDUM ................................... 169
8-BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 170
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TABELAS E ILUSTRAES
1- Equality is not always justice .................................................... 8
2- As mdias e propores de Arquitas ......................................... 21
3- A mdia geomtrica em um objeto geomtrico.......................... 25
4- Diviso da linha na justia distributiva de Aristteles ................ 44
5- Caractersticas das artes e seus simulacros ................................147
6- Estrutura analgica das artes e seus simulacros .........................148
7- Excelncias, artes e simulacros .................................................156
8- Macrocosmo/microcosmo .........................................................166
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in http://imgur.com/gallery/HYx95Xk
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1-INTRODUO
' , ,
, ,
, .
, ,
,
.1
Afirmam os sbios, oh Clicles, que o cu e a terra, os deuses e os homens
se mantm contguos em comunho pela amizade, ordenamento, temperana
e justia, motivo pelo qual este todo chamado cosmo, oh camarada, no
desordem nem incontinncia. Parece-me que no dirige sua mente para estas
coisas e que delas seja sbio, pois se esquece de que a igualdade geomtrica
tem grande poder tanto entre os deuses como entre os homens e pressupe
que seja necessrio aplicar-se para ter mais do que os outros. que descura
da geometria.
Ao investigar o sentido da expresso igualdade geomtrica acima, contida no
dilogo Grgias de Plato, Dodds2, Irwin
3, Burkert
4 e Ausland
5 recordam o quanto a
noo de proporo geomtrica j se opunha noo de proporo aritmtica no sculo
IV e o quanto elas tiveram aplicaes polticas, remetendo o leitor em particular aos
fragmentos de Arquitas, bem como a certas passagens das obras Aristteles.
Arquitas, filsofo matemtico que Plato provavelmente conhecera em uma de
suas viagens a Siclia e em seu fragmento de contedo matemtico6, enfoca sua ateno
no modo como uma mdia () se interpe entre outros dois termos (),
estabelecendo propores () que viro a caracterizar as trs mdias que
aborda: a mdia aritmtica, geomtrica e harmnica, sendo a mdia geomtrica a nica
que se caracteriza por produzir um intervalo () igual (). J em outro de
seus fragmentos7, a matemtica aparece explicitamente formulada em mbito jurdico e
poltico, visto que o clculo () figura como o recurso capaz de apaziguar a
disseno e aumentar a concrdia, impedindo o surgimento do querer ter mais
() ao estabelecer uma igualdade () nas transaes mtuas
() entre pobres e poderosos, ricos e necessitados.
1 PLATO, Grgias, 507e-508a.
2 DODDS, 1990, pp. 339-340.
3 IRWIN, 1995, p. 226.
4 BURKERT, 1972, pp. 76-79.
5 AUSLAND, 2006, pp. 107-123.
6 PORFRIO, Harmnica de Ptolomeu, 92, DK A 2.
7 JMBLICO, D. Comm. Math. sc 11 p. 44, 10 Fest, DK A 3.
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Aristteles, ao analisar as excelncias humanas em sua tica a Nicmaco8, parte
do princpio de que uma excelncia () no passa de um meio () entre dois
extremos () que correspondem s suas duas perverses () na forma de uma
deficincia () e de um excesso (), o que o leva, por exemplo, a definir
a coragem como intermediria () entre o medo e a audcia. Todas as
excelncias sero assim definidas e todas parecem implicar uma igualdade, na medida
em que uma excelncia figura como o meio termo onde excesso e deficincia se
encontram e se anulam; porm, quando passa a avaliar a justia, percebe que ela uma
excelncia diferente das outras, pois como a justia um meio termo entre dois termos
que so caracterizados como injustos e propriamente desiguais, ela se revela como a
prpria expresso e traduo da igualdade. Nesta obra, Aristteles ainda observa que
os matemticos chamavam de proporo geomtrica ( ) a
proporo que possui uma igualdade () de razes () e que, para ele,
caracteriza a justia no mbito poltico, distribuindo o poder de acordo com o mrito ou
o valor () dos cidados, enquanto a proporo numrica ( )
caracteriza a justia no mbito jurdico e preside as transaes mtuas (),
procurando devolver ao injustiado a mesma quantia que lhe foi tomada injustamente.
J em sua obra Poltica9, Aristteles analisa amplamente os regimes polticos
pelo modo como os bens e os poderes so compartilhados, dizendo primeiramente que
h uma igualdade de acordo com o nmero () que contempla a grandeza
() e a multiplicidade ou pluralidade (), sendo esta a expresso prpria do
clamor da democracia, enquanto h outra igualdade que est de acordo com o mrito ou
valor () que contempla uma igualdade de razo (), sendo esta a expresso
prpria do clamor da oligarquia. Tendo feito isto, passa a explicar que ambas igualdades
deveriam ser contempladas em um mesmo regime poltico que se estruturasse sob o que
igual segundo uma proporo ( ' ), onde tudo que nmero e
valor se encontraria ordenado proporcionalmente sob um princpio de igualdade comum
( ).
No entanto, Dodds, Irwin e Burkert10
chegam a observar que a expresso
igualdade geomtrica empregada por Plato como se ela j fosse familiar e no
exigisse nenhuma explicao adicional. De fato, nenhum dos interlocutores deste
8 ARISTTELES, tica a Nicmaco, Livro V, captulos II, III e IV, 1130 b30 at 1132 b10.
9 ARISTTELES, Poltica, Livro V, captulo I, 1301 a251301a35 e 1301b261302a8.
10 Tais observaes se encontram nas mesmas pginas mencionadas nas notas anteriores.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29nalogi%2Fan&la=greek&can=a%29nalogi%2Fan0&prior=toiau/thnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29nalogi%2Fan&la=greek&can=a%29nalogi%2Fan0&prior=toiau/thnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29riqmhtikh%2Fn&la=greek&can=a%29riqmhtikh%2Fn0&prior=th/n
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dilogo pergunta ao filsofo o que a igualdade geomtrica e nem ele explica o que ela
seja. Porm, tal lacuna ou silncio no pode ser interpretado como um indcio de que
eles conheciam o assunto ou at mesmo que ele j fosse familiar a estes por esta poca,
visto que em todo o dilogo no h sequer uma nica passagem por parte deles que
ateste tal familiaridade. Todavia, se a expresso soa familiar como realmente parece e se
ela ficou em suspenso e em aberto, no exigindo nenhuma explicao adicional, resta
saber se tal procedimento no se assenta e se justifica em relao a outros aspectos
presentes na obra - mas nenhum dos trs comentadores levanta tal hiptese. Burkert,
alis, chega a afirmar que no h nada neste dilogo que proporcione isso, enquanto
Irwin observa que a mera referncia igualdade geomtrica permanece com muitas
questes irrespondveis.
Porm, se examinarmos atentamente o dilogo desde o seu incio, perceberemos
que o laconismo sugerido por estes comentadores no se deve a um assunto que foi
apresentado de supeto e deixado formalmente em aberto, sem nenhuma explicao,
mas, ao contrrio, arrematado depois de uma longa argumentao desenvolvida desde
suas primeiras pginas, justificando a inexplicvel familiaridade notada por eles. Tal
exame, alis, se faz necessrio em virtude do carter prolptico prprio da sua obra, isto
, em virtude de aquilo que o filsofo fala ou coloca em determinada altura apenas o
desenvolvimento de uma longa idia que j se encontra posta desde as suas primeiras
pginas. Ao fazer tal exame, entenderemos a razo da familiaridade notada por estes
comentadores: que Scrates, desde o incio do dilogo, j estava geometrizando.
Grgias um dilogo em que Scrates busca definir a atividade da retrica e,
para isso, dialoga com Grgias, Plo e Clicles. Ao dialogar com Grgias, professor de
retrica, emprega todo um vocabulrio que faz aluses funo prpria da geometria;
ao dialogar com Plo, aluno de Grgias, passa a falar definitivamente como os
gemetras atravs de uma fala que nitidamente analgica; ao dialogar com Clicles
que encarna o desejo do homem com pretenses polticas, emprega por fim a expresso
igualdade geomtrica em um contexto cosmolgico, dando toda uma espacialidade
analogia expressa anteriormente na fala dos gemetras e demonstrando que ela, a
analogia, proporo, regida por exigncias que fazem com que as partes de um todo
sejam proporcionalmente iguais entre si, tal como estas so proporcionalmente iguais
perante o todo - um todo () que se constitui pelo arranjo () que caracteriza a
justia () e pela ordem () que caracteriza a temperana ().
A expresso igualdade geomtrica funciona, portanto, como uma chave de
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leitura e de compreenso da obra at este momento, visto que o dilogo que comea
com Grgias, passa por Plo e atinge Clicles tem um objetivo: demonstrar que o todo
se encontra regido por uma proporcionalidade e que esta, por sua vez, sinnima de
justia e temperana, sendo este o motivo pelo qual o filsofo acusa seu interlocutor de
descurar da geometria: que se ele a conhecesse, deixaria de ser incontinente
() e de querer ter mais do que os outros () e se tornaria temperante
e justo. isto o que ocorre ao longo deste dilogo e que iremos ver ao longo dos
sucessivos captulos desta dissertao.
No captulo 3:
em 3.1, entende-se que, ao mencionar justamente as artes matemticas, o
filsofo joga com toda a polissemia que o termo encerra, demonstrando
primeiramente a diferena existente entre discurso e razo para, somente
mais tarde passar a empreg-lo com o sentido de uma razo prpria
analogia;
em 3.2, entende-se que definir delimitar: ao buscar a definio de retrica, o
filsofo procura delimit-la por aquilo que j se encontra delimitado e
definido em diversas outras atividades e com as quais a retrica
insistentemente comparada, de modo que, quando ele passa a falar
definitivamente como os gemetras, entende-se que ele estava desde o incio
interessado em avaliar os limites e as fronteiras que estas atividades
tangenciam entre si, o permetro muito prprio de cada uma, tal como so
exercidas na cidade;
em 3.3, entende-se que a geometria contempla a relao que as coisas
estabelecem entre si (), sendo justamente este o tipo de relao que
est em jogo na fala dos gemetras, quando o filsofo passa a demonstrar a
relao analgica que as atividades tem entre si pelos limites que elas tem em
comum e tangenciam;
em 3.4, entende-se que, ao comparar a grandeza () do bem que
diversos artfices atribuem atividade que exercem, o filsofo est fazendo
uma mensurao tica, mas tambm fazendo uma outra aluso geometria,
visto que grandeza uma caracterstica prpria da geometria. esta grandeza
que tambm est em jogo nas diversas comparaes que o filsofo estabelece
entre as diversas atividades, mensurando-as por ordem de grandeza, chegando
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a zombar da grandeza que Grgias atribui retrica;
em 3.5, entende-se que, ao proceder como vinha procedendo, passo a passo
() e tentando conduzir () seus interlocutores, Scrates est
empregando um mtodo que , por todas as caractersticas aludidas,
geomtrico;
em 3.6, entende-se que este mtodo tem uma exigncia capital, a conciso
() e que a conciso, imposta ao dilogo, progride e avana at se
consagrar na forma concisa do que anlogo.
No captulo 5, analisa-se a fala propriamente analgica dos gemetras, quando
Scrates diz: para no discursar de modo prolixo, quero falar como os gemetras, pois
a partir de agora talvez possa acompanhar: a indumentria est para a ginstica como a
sofstica est para a legislao e a culinria para a medicina como a retrica para a
justia.11
Ao analisar esta passagem:
em 5.1, entende-se que, ao aplicar medidas de mais () e de menos
() para manter a sade poltica do grupo, o filsofo prescreve
uma receita que estabelece uma igualdade que devidamente
proporcional e geomtrica, sendo que esta igualdadade a mesma que
regula a sade e o equilbrio dos humores do corpo humano para a
medicina;
em 5.2, entende-se que o filsofo est a dialogar com o prprio Grgias
histrico em funo deste ter estabelecido uma analogia entre a retrica e
a medicina analogia que, para o filsofo, indevida, visto que a
retrica sequer arte, pois no passa de um simulacro da arte da justia,
sendo um anlogo desta;
em 5.3, entende-se que, ao empregar a analogia, o filsofo diferencia as
atividades por duplos legtimos e ilegtimos, por atividades que de fato
so artes e por atividades que constituem apenas um simulacro destas.
Todas estas se distinguem entre si pelas fronteiras e limites que
tangenciam entre si; uma distino que ao mesmo tempo tica,
epistemolgica, ontolgica e metafsica.
11
PLATO, Grgias, 465b-c: ' ,
, ,
, .
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%28ch%3Ds&la=greek&can=e%28ch%3Ds0&prior=tou=
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14
No captulo 6, por fim, analisa-se a passagem que contm a expresso
igualdade geomtrica em funo de tudo que foi analisado anteriormente e, sobretudo,
em funo da analogia empregada na fala dos gemetras. A partir de ento,
compreende-se que a analogia empregada pelo filsofo , de fato, uma proporo e no
uma figura de linguagem: o todo chamado mundo est devidamente ajustado ()
pela excelncia da justia ) e ordenado () pela excelncia da
temperana () atravs de uma proporo que geomtrica, mantendo as
partes iguais entre si, tal como estas so iguais perante o todo.
Por isso, para compreender o que seja a igualdade geomtrica, torna-se
necessrio compreender como Plato foi construindo o prprio dilogo desde o seu
incio at colocar Scrates falando como um gemetra, empregando um mtodo
explicitamente comparativo que por fim se consagra sob uma frmula analgica. Mas
para compreender isto, torna-se necessrio compreender tambm como Arquitas e
Aristteles formularam suas prprias noes de igualdade, o que constitui o segundo
captulo desta dissertao. No entanto, como muitos comentadores discutem se o
filsofo tem ou no um mtodo com que ele busca definies e como defendo aqui que
um mtodo analgico-geomtrico est sendo explicitamente empregado, se tornou
necessrio discutir com estes comentadores, o que veio a compor o quarto captulo desta
dissertao.
Esta a ordem como ela se estrutura e se apresenta.
No mais, as tradues que no foram feitas por mim a partir do texto grego sero
devidamente indicadas em nota de rodap.
-
15
2-PROPORO MATEMTICA E POLTICA EM ARQUITAS E
ARISTTELES
2.1-Proporo matemtica em Arquitas
... ... .
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16
apresentam tais relaes passariam a ser tomados como dissonantes. De acordo com
este comentador, a "teoria da mdia", cujo desenvolvimento tardio tange a aritmtica,
teve seu nascimento no estudo da harmonia e se refere investigao numrica do que
se sucede numa escala musical, constituindo esta a grande descoberta do filsofo,
matemtico e estratego Arquitas14
.
Mas ainda que a teoria das mdias tenha se tornado evidente atravs do trabalho
de Arquitas e florescido no campo musical, h de se observar, como Huffman15
faz, que
no se pode consider-lo como o descobridor das mdias: afinal, seu fragmento faz
explcita referncia a uma mdia que se chamava subcontrria e que passou a se
chamar harmnica, indicando que este filsofo matemtico estava dialogando e
trabalhando sobre a reflexo de predecessores e que pelo menos um destes termos j
existia. Alis, quando Heath16
se prope a recuperar a histria da teoria das mdias,
observa que ela fora desenvolvida muito cedo entre os pitagricos e que ela
contemplava tanto a teoria musical como a aritmtica, dando como prova justamente o
fragmento de Arquitas que aqui est sob anlise, discordando portanto de Lasserre e
concordando com a alternativa histrica apontada por Huffman. Burkert17
, no entanto,
chega a observar que toda esta situao constitui tambm em mais um episdio
problemtico na recuperao da histria da matemtica, pois, por mais que seja certo
que Arquitas tenha investigado os intervalos musicais sob concepes aritmticas, isto
no implica que ele entendesse que suas pretenses respondiam demanda por uma
cincia matemtica completamente pura e axiomtica-dedutiva, como ser a de
Euclides, ou at mesmo que ele estava a dialogar com uma cincia aritmtica j
existente. Barker18
, ao analisar os comentrios de Huffman sobre Arquitas, observa a
dificuldade mesma em se diagnosticar em que sentido a obra deste filsofo-
matemtico pode ser considerada cientfica ou at mesmo filosfica, lembrando que o
prprio Huffman expressara dvidas em relao possibilidade de Arquitas ter escrito
tratados de aritmtica, geometria, cosmologia e biologia. A dificuldade mesma em
precisar a natureza especfica das investigaes deste filsofo-matemtico talvez
resida no carter prprio das reflexes matemticas caractersticas de uma poca em que
os limites dos saberes no se encontravam ainda to definidos e onde os nmeros, como
14
LASSERRE, 1966, p. 180. 15
HUFFMAN, 2010, pp. 175-176. 16
HEATH, 1921, p. 85. 17
BURKERT, 1972, pp. 385, 443-444. 18
BARKER, 2006, 297-320.
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17
salienta Bazn19
, ainda guardavam aspectos simblicos que no podem ser
negligenciados e que mostravam a estreita conexo existente entre eles e as coisas.
Dentre estas, a experincia humana da justia que parece ter impressionado muito o
prprio Aristteles, levando-o a demonstrar que ela quaternria, como veremos
adiante. Alis, o prprio fragmento de Arquitas que ser analisado na sequncia
mostrar o quanto ele acreditava que o clculo era capaz de restaurar uma igualdade
scio-poltica. Portanto, ainda que no consigamos precisar a natureza da matemtica
concebida por Arquitas, h de se observar que o fragmento aqui em questo constitui
um documento que revela como certas relaes numricas se do no mbito da
harmonia e que seu autor est, de fato, a dialogar com antecessores, possivelmente com
os pitagricos, fazendo a reformulao de um termo tcnico que no pode ser tomado
como oriundo de um saber puramente aritmtico j constitudo e organizado, no
podendo tambm o seu autor ser considerado como um homem de pretenses
exclusivamente matemticas.
J em relao propriamente ao entendimento das mdias formuladas por
Arquitas, Ausland20
observar que a mdia aritmtica determinada pelo termo que se
coloca entre dois extremos, mas no que diz respeito sua diferena absoluta: o excesso
pelo qual o maior termo supera o termo mdio numericamente ou quantitativamente
igual falta pela qual o menor termo superado pelo mesmo termo mdio. Afinal, o
nmero 6 supera e excede o nmero 4 em duas quantidades, tal como o nmero 2
superado e carece de duas quantidades em relao ao nmero 4:
6 = 4 + 2
2 = 4 2
A interpretao que Ausland faz da relao estes trs termos interessante: ela
ressalta, atravs das noes de excesso e carncia, a relao de antecedncia e
subsequncia que os termos extremos possuem em relao ao termo mdio, mostrando
que eles se sucedem obedecendo a uma ordem e que esta ordem permite que se
estabeleam entre os termos certas relaes. Alis, a investigao destas relaes que
os nmeros estabelecem entre si em uma sucesso que revelar o papel que o termo
mdio veio a desempenhar no estudo de tudo aquilo que o nmero tem de mais prprio.
19
BAZAN, 2005, pp. 11-33. 20
AUSLAND, 2006, pp. 107-123.
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18
Como exemplifica Taylor21
, cada nmero a metade da soma dos nmeros situados ao
seu redor numa srie natural, bem como tambm a metade da soma dos nmeros que
se encontram situados ao lado destes e para alm destes indefinidamente: o nmero 5
est cercado pelos nmeros 4 e 6 que, somados, do 10 cuja metade 5; se somarmos os
nmeros que esto justamente ao lado dos nmeros 4 e 6, a saber, 3 e 7, obteremos
novamente 10 cuja metade a mesma, 5.
Para Ausland22
, a diferena que se estabelece entre os intervalos em uma mdia
aritmtica numericamente igual e a mesma, podendo ser expressa pelo seguinte
exemplo, se considerarmos a srie 6-4-2:
6 - 4 = 2
4 - 2 = 2
Mas, apesar de no haver nenhuma diferena entre estes intervalos, uma
diferena se revela quando se considera a proporo que se estabelece entre estes
intervalos e seus respectivos termos. Considerando a mesma srie acima, v-se que a
diferena entre o primeiro termo (6) e o mediano (4) resulta num intervalo (= 2) que
equivale, ao ser visto em relao ao primeiro termo, a uma proporo (2/6 = 1/3) que
diferente daquela proporo que se estabelece entre o intervalo correspondente ao termo
mediano (4) e o terceiro termo (2): o intervalo resultante (=2), visto em relao ao termo
mediano (4), revela uma proporo bem diferente (2/4 = 1/2).
6 4 = 2 e 2/6 = 1/3
4 2 = 2 e 2/4 = 1/2
J com a mdia geomtrica outro o caso, visto que as diferenas dos intervalos
que so desiguais: contudo, existe uma igualdade de outro tipo que s discernvel
desde que a diferena caraterstica de cada um dos intervalos reflita proporcionalmente
a desigualdade original dos termos extremos. Considerando a srie 8-4-2, v-se que a
diferena entre o primeiro termo (8) e o mediano (4) resulta num intervalo (= 4) que
equivale, ao ser visto em relao ao primeiro termo, a uma proporo (4/8 = 1/2) que
igual quela proporo que se estabelece entre o intervalo correspondente ao termo
21
TAYLOR, 1991, p. 44. 22
AUSLAND, 2006, pp. 107-123.
-
19
mediano (4) e o terceiro termo (2): o intervalo resultante (=2), visto em relao ao termo
mediano (4), revela a mesma proporo (2/4 = 1/2).
8 4 = 4 e 4/8 = 1/2
4 2 = 2 e 2/4 = 1/2
Ou seja: o que h de caracterstico entre os intervalos que se abrem entre o termo
mdio 4 numa srie que tem o 2 e o 8 como nmeros extremos que ambos expressam
uma mesma razo que, neste caso, da ordem de 1/2: afinal, 2 a metade de 4 tal como
4 a metade de 8. Aqui, na mdia geomtrica, v-se que as razes estabelecidas entre os
trs termos so proporcionalmente iguais.
J na mdia harmnica as diferenas numricas dos intervalos no so iguais
(como acontece na mdia aritmtica), bem como no so iguais as propores que se
estabelecem entre os intervalos e seus respectivos termos (como se d na mdia
geomtrica). Porm, na mdia harmnica, estas diferenas so iguais quando so
consideradas como partes dos termos extremos. Considerando a srie 12-8-6, v-se que
a diferena entre o primeiro termo (12) e o mediano (8) 4 e que este intervalo
corresponde a 1/3 do primeiro termo que 12 (4/12 = 1/3), o mesmo ocorrendo com a
diferena entre o termo mediano (8) e o terceiro termo (6), j que esta diferena da
ordem de 2 e ela corresponde a 1/3 do terceiro termo (2/6 = 1/3).
12 8 = 4 e 4/12 = 1/3
8 6 = 2 e 2/6 = 1/3
Em relao a estas trs mdias formuladas por Arquitas, Huffman23
observar
que aquilo que h de mais notrio neste fragmento pode ser resumido em duas
caractersticas: 1) a definio das trs mdias em relao s progresses nas quais elas
ocorrem, j que o termo mdio aquele que figura entre o primeiro e o ltimo termo de
uma progresso; 2) a caracterizao das mdias em funo de uma comparao que
estabelecida entre o intervalo ou a razo prpria do termo maior com o intervalo ou a
razo prpria do termo menor da progresso e que, no final das contas, acaba
determinando as propores correspondentes a cada uma delas. Este o motivo, alis,
23
HUFFMAN, 2010, pp. 169-170.
-
20
pelo qual Ausland se dedicou a analisar as propores que se estabelecem entre os
intervalos com seus respectivos termos e que Huffman tambm analisar, empregando
no entanto uma demonstrao mais simples, motivo pelo qual a reproduzo aqui.
Para este ltimo comentador, a mdia aritmtica definida em funo da
quantidade pela qual os termos em progresso excedem o termo seguinte: o primeiro
termo excede o segundo pela mesma quantidade que o segundo excede o terceiro. Se
tomarmos como exemplo a mesma progresso dada por Ausland, 6-4-2, veremos que 6
excede 4 por 2 tal como 4 excede 2 pela mesma quantidade (2), de modo que a mdia
aritmtica desta progresso dada pelo seu termo mdio, 4. Isto pode ser representado
pela equao a-b = b-c. J na mdia geomtrica, tal como o primeiro termo est para o
segundo, o segundo est para o terceiro: na progresso 8-4-2, 8 excede 4 pela mesma
razo que 4 excede 2 (a razo de ambos 2), de modo que a mdia geomtrica desta
progresso dada pelo seu termo mdio, 4. Isto pode ser representado pela equao a/b
= b/c. Na mdia harmnica, o primeiro termo excede o segundo termo pela mesma parte
de si mesmo que a parte do terceiro e pela qual o segundo termo excede o terceiro: na
progresso 12-8-6, 12 excede 8 por 4 que equivale a 1/3 do primeiro termo que 12
(4/12 = 1/3), enquanto 8 excede 6 por 2 que equivale a 1/3 do terceiro termo que 6
(2/6 = 1/3). A mdia harmnica desta progresso 8 e tudo isto pode ser representado
pela equao (a-b)/a = (b-c)/c.
Huffman24
ainda far uma observao extremamente importante: enquanto as
mdias aritmtica e harmnica so definidas em funo do excesso numrico de um
termo sobre o outro, j a mdia geomtrica definida em funo de uma igualdade de
razo que se estabelece entre os termos, sendo que em todos os trs casos estabelecem-
se uma proporo (). Ele reconhece que o termo no empregado quando
Arquitas menciona a mdia geomtrica, muito embora no haja razo para desconfiar
que, ao empregar explicitamente o termo para se referir mdia aritmtica e harmnica,
ele tambm esteja reputando mdia geomtrica uma proporo, o que de fato parece
ser o caso. Ausland25
, por sua vez, no deixar de fazer tambm uma observao
deveras importante: a mdia aritmtica designa igualdade de quantidades mas
desigualdade de propores; a mdia geomtrica desigualdade de quantidades mas
igualdade de propores; a mdia harmnica desigualdade tanto de quantidades quanto
24
HUFFMAN, 2010, pp. 170, 179-181. 25
AUSLAND, 2006, pp. 109-110.
-
21
de propores, muito embora estas venham a se revelar iguais quando consideradas
como partes dos extremos.
Tudo isto pode ser resumido no seguinte quadro:
mdia aritmtica mdia geomtrica mdia harmnica
contempla quantidades que se
excedem entre si
contempla uma mesma razo
entre as quantidades
contempla quantidades que se
excedem entre si
(srie 6-4-2)
* a diferena numrica do
intervalo que vai do primeiro
termo ao mediano igual
diferena numrica do intervalo
que vai do termo mdio ao
terceiro: 6 4 = 2 tal como 4
2 = 2.
* a proporo que se estabelece
entre os valores dos intervalos
e dos seus respectivos termos
diferente: aqui, 2 o valor de
ambos intervalos que, tomado
em relao ao primeiro termo,
forma a proporo 2/6 = 1/3;
mas, tomado em relao ao
termo mediano, forma a
proporo 2/4 = 1/2.
(srie 8-4-2)
* a diferena numrica do
intervalo que vai do primeiro
termo ao mediano diferente
da diferena numrica do
intervalo que vai do termo
mdio ao terceiro: 8 4 = 4
enquanto 4 2 = 2.
* a proporo que se estabelece
entre os valores dos intervalos
e dos seus respectivos termos
igual: tal como a proporo
que se estabelece entre o
intervalo de valor 4 e o
primeiro termo (8) da ordem
de 4/8 = 1/2, assim tambm a
proporo que se estabelece
entre o outro intervalo de valor
2 e o termo mediano (4) da
ordem de 2/4 =1/2.
(srie 12-8-6)
* a diferena numrica do
intervalo que vai do primeiro
termo ao mediano diferente
da diferena numrica do
intervalo que vai do termo
mdio ao terceiro: 12 8 = 4
enquanto 8 6 = 2.
* a proporo que se
estabelece entre os valores dos
intervalos e dos seus
respectivos termos diferente:
enquanto a proporo que se
estabelece entre um intervalo
(4) e o primeiro termo (12)
da ordem de 4/12 = 1/3, j a
proporo que se estabelece
entre o outro intervalo (2) e o
termo mediano (8) da ordem
de 2/8 = 1/4 . No entanto, se
considerarmos o valor deste
intervalo (2) em relao ao
terceiro termo (6), obtm-se a
proporo 1/3 que igual a
outra proporo j obtida que
tambm da ordem de 1/3,
revelando a igualdade
harmnica existente entre
estes trs termos.
srie: 6 - 4 - 2
intervalos: 2 2
propores: 1/3 1/2
srie: 8 - 4 - 2
intervalos: 4 2
propores: 1/2 1/2
Srie: 12 - 8 - 6
intervalos: 4 2
propores: 1/3 1/4
2- As mdias e propores de Arquitas
-
22
O mais interessante, no entanto, ao ter esse quadro em mente, perceber as
relaes que se estabelecem entre as propores e os termos da progresso:
a mdia aritmtica revela que a maior proporo est associada ao menor
termo tal como a menor proporo est associada ao termo maior;
a mdia harmnica revela que a maior proporo est associada ao maior
termo tal como a menor proporo est associada ao termo menor;
a mdia geomtrica revela que a mesma proporo est associada a ambos
termos.
Como Taylor explica26
, na proporcionalidade aritmtica encontramos
necessariamente uma razo maior entre os termos menores e uma razo menor entre os
termos maiores; ao contrrio, na proporcionalidade harmnica, h uma razo menor
entre os termos menores e uma maior entre os maiores. Por conta disso, a proporo
harmnica foi chamada originalmente de subcontrria ou contraposio ()
como explica Ausland27
, por ser contrria proporo aritmtica. Ademais, quando se
considera as desigualdades de propores determinadas tanto pela mdia aritmtica
quanto pela harmnica em relao igualdade de razes determinada pela mdia
geomtrica, percebe-se que, juntas, constituem um tipo de meta-proporo, na qual as
mdias aritmtica e a harmnica figuram como extremos em relao mdia geomtrica
que figura no meio. Para Taylor28
, a proporcionalidade geomtrica a intermediria
entre a aritmtica e a harmnica porque conserva uma igualdade de razo tanto entre os
termos maiores quanto entre os menores e porque, afinal de contas, a igualdade a
mdia entre o maior e o menor. Por conta disso, a mdia geomtrica aquela que se
pode propriamente chamar de proporcional ou analgica. Para este autor, com
grande razo que se pode considerar a proporcionalidade geomtrica como um
intermedirio entre a que contm a menor razo entre os termos maiores e a maior entre
os menores e aquela outra que contm a maior razo entre os termos maiores e a menor
entre os menores: afinal, por ter razes iguais tanto entre os termos maiores como entre
os menores, ela pode obter a posio de intermediria, se mostrando como aquela que
verdadeiramente proporcional ou anloga.
26
TAYLOR, 1991, pp. 124-125. 27
AUSLAND, 2006, p. 109. 28
TAYLOR, 1991, pp. 130-131.
-
23
Huffman29
parece se espantar que a mdia geomtrica tenha se constitudo no
melhor sinnimo da verdadeira proporcionalidade. Ele lembra que Theon de Smirna, no
sculo I da nossa era, vir a definir a analogia como a maior semelhana e identidade
de razes 30
que, sua vez, se reporta a obra de Adrastos para dizer que somente a
mdia geomtrica proporcional no sentido prprio 31
. Mas Huffman tambm aponta
para o fato de que, apesar de Aristteles ter definido a analogia32
como uma igualdade
de razes e ter dito que os matemticos chamam de geomtrica a este tipo de
proporo, o filsofo tambm menciona uma proporo aritmtica, empregando
portanto o termo num sentido bem mais largo e estendendo as similaridades que uma
proporo consegue contemplar a uma outra proporo que no a geomtrica. Tal
situao ecoa as observaes de Arquitas que se encontram neste fragmento, mas
tambm mostra que uma proporo surge toda vez que os termos de uma srie se
relacionam entre si de forma a revelar alguma similitude, salvaguardada por alguma
conta ou frmula matemtica.
Por tudo isso, h de se observar que a noo de mdia aparece estreitamente
vinculada noo de proporo. Porm, enquanto a similitude da proporo
caracterstica da mdia aritmtica e harmnica salvaguardada numericamente, por
termos que excedem um ao outro, j a similitude salvaguardada pela proporo da
mdia geomtrica de outra ordem, pois apesar dos termos se excederem, entre eles se
estabelece algo de extraordinrio que responsvel por produzir um intervalo igual e
que Arquitas no denomina, muito embora Aristteles formule e traduza: uma razo.
Alis, o prprio Huffman33
, ao comear a analisar este fragmento, lembra que ele se
encontra dentro de uma passagem em que Porfrio procura explicar que o termo
intervalo () pode ser tomado como sinnimo de razo ()34
. Razo,
portanto, o que se encontra subjacente na nica mdia que produz um intervalo igual:
a mdia geomtrica.
29
HUFFMAN, 2010, pp. 170, 179-181. 30
THEON OF SMYRNA, Mathematics Useful for Understanding Plato, 82.6: '
.... 31
THEON OF SMYRNA, Mathematics Useful for Understanding Plato, 106.15:
32
ARISTTELES, tica a Nicmaco, 1130 b30 a 1132 b10: ... (...)
: ... (...)
. Tal passagem ser discutida adiante. 33
HUFFMAN, 2010, pp. 166-167. 34
PORFRIO, Harmnica de Ptolomeu, 92. 7-11 (DK 2): , ' , .
Que a razo difere do excesso claro. Mas que a razo e a relao dos termos comparveis entre si
chamada de intervalo, apresentarei.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h%28&la=greek&can=h%282&prior=a)riqmou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%5Cr&la=greek&can=ga%5Cr7&prior=h(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29nalogi%2Fa&la=greek&can=a%29nalogi%2Fa0&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=i%29so%2Fths&la=greek&can=i%29so%2Fths1&prior=a)nalogi/ahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29sti%5C&la=greek&can=e%29sti%5C3&prior=i)so/thshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=lo%2Fgwn&la=greek&can=lo%2Fgwn0&prior=e)sti/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kalou%3Dsi&la=greek&can=kalou%3Dsi0&prior=a)na/logonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=de%5C&la=greek&can=de%5C2&prior=kalou=sihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn2&prior=de/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=toiau%2Fthn&la=greek&can=toiau%2Fthn0&prior=th/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29nalogi%2Fan&la=greek&can=a%29nalogi%2Fan0&prior=toiau/thnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gewmetrikh%5Cn&la=greek&can=gewmetrikh%5Cn0&prior=a)nalogi/anhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=oi%28&la=greek&can=oi%280&prior=gewmetrikh/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=maqhmatikoi%2F&la=greek&can=maqhmatikoi%2F0&prior=oi(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29n&la=greek&can=e%29n2&prior=maqhmatikoi/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%5Cr&la=greek&can=ga%5Cr2&prior=e)nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%3D%7C&la=greek&can=th%3D%7C0&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=gewmetrikh%3D%7C&la=greek&can=gewmetrikh%3D%7C0&prior=th=|http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29ll%27&la=greek&can=a%29ll%270http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29&la=greek&can=ou%290&prior=a)ll'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kata%5C&la=greek&can=kata%5C0&prior=ou)http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn0&prior=kata/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29nalogi%2Fan&la=greek&can=a%29nalogi%2Fan0&prior=th/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29kei%2Fnhn&la=greek&can=e%29kei%2Fnhn0&prior=a)nalogi/anhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29lla%5C&la=greek&can=a%29lla%5C0&prior=e)kei/nhnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kata%5C&la=greek&can=kata%5C1&prior=a)lla/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn1&prior=kata/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29riqmhtikh%2Fn&la=greek&can=a%29riqmhtikh%2Fn0&prior=th/n
-
24
Sabemos que Arquitas no emprega a expresso platnica igualdade
geomtrica. Porm, ao definir a mdia geomtrica como aquela que produz um
intervalo igual, fornece fermento suficiente para que, na sua esteira, a considerassem
como aquela que legitimamente proporcional, pois somente ela se fundamenta numa
igualdade de razo, estabelecendo assim um vnculo muito estreito entre uma razo e a
igualdade.
Mas isto no explica, claro, porque esta mdia chamada de geomtrica.
Deveria haver algo na geometria mesma que se encontrasse regido por uma mdia,
levando esta a ganhar este nome. E h, se pudermos considerar a linha que divide um
tringulo retngulo em dois e que chamamos de altura. Ao dividir um nico tringulo
em dois por sua altura, os dois tringulos formados so proporcionalmente iguais entre
si, tais como estes so proporcionalmente iguais ao tringulo originrio e isto porque a
altura exatamente a mdia geomtrica que h entre eles:
b c
a
h
b c
a
-
25
b c
h
m n
3 - A mdia geomtrica em um objeto geomtrico
E assim se estabelece a igualdade proporcional entre todos estes tringulos,
considerando a relao que se d respectivamente entre as hipotenusas e os catetos de
cada um:
entre o tringulo original e o tringulo maior que surgiu da diviso:
b = a b = am b = am
m b
entre o tringulo original e o tringulo menor que surgiu da diviso:
c = a c = an c = an
n c
entre os dois tringulos que surgiram ao se divir o original:
h = n h = mn h = mn
m h
E isto s ocorre porque a altura corresponde exatamente mdia geomtrica que
h entre eles, estabelecendo uma igualdade proporcional tanto entre as partes quanto
destas para com o todo.
-
26
Que tenhamos isto em mente ao analisar o modo muito particular como Plato
emprega uma proporcionalidade ao utilizar a expresso igualdade geomtrica no
dilogo aqui analisado, quando veremos que o mundo se encontra arranjado e ordenado
de tal modo que as partes so proporcionalmente iguais entre si, tais como estas so
iguais perante o todo.
2.2-Proporo poltica em Arquitas?
,
.
, ,
.
,
, ' ,
, >.35
A dissenso se apazgua e a concrdia aumenta ao se encontrar o clculo. O
querer ter mais no se gera com ele e, sim, a igualdade. Com ele, h a
reconciliao nas transaes. Atravs dele, quando os pobres recebem dos
poderosos e os ricos do aos necessitados e quando ambos acreditam nele,
obtm-se o igual. um padro e um obstculo para os injustos, pois para os
que sabem calcular, impede-os de antemo de cometer injustia,
persuadindo-os de que no possvel passar despercebido, por onde quer que
caminhem. E para os que no sabem calcular, em si se revela aos injustos,
impedindo-os de cometer injustia.
Este outro fragmento de Arquitas no contm tambm a expresso igualdade
geomtrica e tampouco o termo geomtrica, muito embora contenha o termo igualdade
() e igual (). E o termo igualdade, aqui, se refere explicitamente a algo que se
antepe e elimina o querer ter mais (). Como Huffman36
esclarece, o termo
em questo significa, em um sentido mais largo, vantagem ou ganho, mas na
maioria das vezes se restringe e assume uma conotao negativa ao implicar ter ou
desejar mais do que convm, expressando assim o sentido de avidez, vantagem
injusta, arrogncia ou egosmo. Alis, tal que caracteriza Clicles na
passagem do dilogo Grgias que aqui est sendo investigada: por no considerar a
geometria e por desconhecer o poder da igualdade geomtrica, acaba sendo da opinio
de que cada um deve se esforar para ter mais (), mas que Plato, em
35
IMBLICO, D. comm. math. sc 11 p. 44, 10 Fest, DK A 3. 36
HUFFMAN, 2010, p. 206.
-
27
passagem anterior, implica claramente o fato de ter mais do que os outros37
. Neste
fragmento de Arquitas, h um claro sinal de que o termo tem o mesmo sentido: afinal,
como diz o fragmento, o querer ter mais - a - se ope a uma igualdade que
estabelecida quando os pobres recebem dos poderosos e os ricos do aos necessitados.
Aqui, como se v, o querer ter mais figura como o fator responsvel pela dissenso ou
guerra civil que s chegar a ser apaziguada, aumentando a concrdia, quando se
encontrar o clculo, pois ele quem gera a igualdade. Para Arquitas, enquanto o querer
ter mais responsvel pela dissenso, j a igualdade responde pela concrdia na cidade.
Para Guthrie38
, a concrdia () talvez o conceito mais estreitamente ligado ao
de igualdade, pois parece melhor represent-la; porm, em todos os exemplos que
aponta no aparece nominalmente nenhuma relao explicitamente formulada entre
estes dois termos, tal como aparece neste fragmento em Arquitas, para quem a
concrdia aumenta medida que se estabelece uma igualdade que gerada pelo clculo
() .
De acordo com Fowler39
, tal termo ambguo, de difcil anlise, sobretudo para
quem pretende compreend-lo no seu sentido exclusivamente matemtico e montar uma
histria da matemtica antiga. Para este autor, o termo vir expressar na
primeira metade do sculo quarto o sentido de razo entre nmeros, de modo que o
termo ser usado para expressar o sentido de clculo, cmputo, conta, muito
embora venha a expressar tambm, num sentido mais largo, a noo de racionalidade,
julgamento e discusso racional40
. Porm, a dificuldade do empreendimento de Fowler
compreensvel na medida em que ele pretende entender o sentido do termo num
mbito exclusivamente matemtico tendo, por objeto especial de estudo, os textos de
Plato e Aristteles textos que so eminentemente filosficos e cujo contexto jamais
pode ser colocado sob segundo plano, por mais que algumas observaes feitas por
estes filsofos sejam de carter explicitamente matemtico. Fowler tem conscincia da
dificuldade que enfrenta e, mesmo tendo investigado estes textos sob esta perspectiva,
prope que se considere a logistik () como a arte ou a tcnica do que se
37
PLATO, Grgias, 483c: ... ,
, 38
GUTHRIE, 2007, pp. 140-141. 39
FOWLER, 1987, pp. 108. 40
Kahn, ao analisar o sentido do termo nos fragmentos de Herclito, enumera os vrios modos como ele
foi sendo utilizado: como dito, discurso, relato, declarao, mas tambm como explicao, razo,
princpio, bem como coleo, enumerao, relao, proporo, chegando a concluso que, no caso deste
filsofo natural, a traduo mais adequada para o termo discurso. KAHN, 2009, pp. 47-51, 167-168,
184, 186-188, 193, 209-224, 227, 461, 463.
-
28
ocupa de , ou seja, de clculos, mas de clculos que esto interessados nas
relaes e razes entre os nmeros: afinal, o estudo destas razes aparece intimamente
associado ao uso e manipulao de nmeros; razes que so caracterizadas por vrios
tipos de modelos que podem ser descritos por sequncias de nmeros e cujas relaes
frequentemente so expressas pelos termos maior () e menor ( ou
), tal como vimos ocorrer no primeiro fragmento de Arquitas.
No entanto, para Heath41
, a aritmtica antiga se ocupava daquilo que entendemos
por Teoria dos Nmeros, enquanto o clculo se ocupava daquilo que entendemos
atualmente por aritmtica. Fowler, porm, est vendo nestas relaes que os nmeros
estabelecem entre si mais do que simples operaes matemticas, tais como adio e
subtrao: ele est entendendo que o clculo investiga tambm a razo existente entre
os nmeros. Huffman42
, alis, entende o mesmo e admite mais: o clculo estuda em
particular as propores (), derivadas das trs mdias abordadas no fragmento
anterior. Todavia, no dilogo Grgias que aqui est sendo analisado, veremos que a
logistik se ocupa de clculos, enquanto a geometria se ocupa mais apropriadamente da
proporo.
Mas que mdia, afinal, Arquitas estaria aplicando atravs do clculo? Como j
sabemos, a mdia aritmtica aquela que estabelece uma igualdade numrica, ou seja,
uma igualdade de quantidade e, quando os ricos do aos necessitados, isso que de fato
parece estar em jogo, visto que uma mesma quantidade transferida nesta transao,
exigindo que uma mesma quantia se estabelea entre os dois termos. Porm, a situao
muda de figura se considerarmos que o clculo em questo neste fragmento aquele
que gera a igualdade, sendo a igualdade o termo que Arquitas emprega somente para
definir a mdia geomtrica aquela que produz um intervalo igual. Ademais, o clculo
contempla tambm a relao que se d entre pobres () e poderosos ():
uma relao que nitidamente hierrquica e que no pode ser mensurada apenas
quantitativamente, pois o poder no conferido somente pela quantidade de bens que
um cidado possui, como veremos Aristteles explicando em captulo posterior ao
relacionar a distribuio do poder no to somente pela riqueza e pelo bero, como
ocorre na oligarquia, mas tambm em funo da excelncia, como ocorre na
aristocracia, e at mesmo em funo da liberdade, como ocorre na democracia. Deste
modo, a igualdade que Arquitas est procurando gerar com o clculo no pode ser
41
HEATH, 1921, vol. I, pp. 13-16, 70-76. 42
HUFFMAN, 2010, pp. 189, 204-205, 216-217.
-
29
apenas numrica, pois h fortes indcios de que uma outra igualdade est em jogo,
determinada por uma mdia geomtrica.
Quando Aristteles vier a analisar a justia distributiva que caracteriza o mbito
poltico e a justia corretiva que caracteriza o mbito jurdico, veremos que a primeira
ser explicada por uma proporo geomtrica, enquanto a segunda ser explicada por
uma proporo que chamar de numrica e aritmtica, sendo isto um forte indcio de
que este filsofo est desenvolvendo e levando adiante as reflexes propostas por
Arquitas neste fragmento e onde ambas as propores, a aritmtica e a geomtrica,
parecem estar em jogo, mas de um modo que s sero especificadas e desembaraadas
mais tarde por Aristteles. Isto, claro, se o prprio Arquitas no desembaraou e
explicou as relaes das trs mdias e suas respectivas propores com a justia em
outra parte da sua obra, da qual no entanto temos como sobrevivente apenas este
fragmento.
O que certo que Arquitas no denomina neste fragmento a igualdade
matemtica a qual se reporta. Alis, no a denomina nem matematicamente e nem
politicamente, associando-a explicitamente a um regime poltico como veremos
Aristteles fazendo no captulo que se sucede a este. No entanto, Huffman43
lembra que
Aristteles, ao analisar o regime democrtico, se refere cidade de Arquitas como um
de seus exemplos, dizendo que bom imitar o caso dos tarentinos, pois eles fazem uso
comum das propriedades com os pobres, conquistando a boa vontade da multido em
um regime onde os magistrados compem dois grupos: no grupo dos que so eleitos,
permite-se que o melhor governe e no grupo dos que so sorteados permite-se que todo
o povo participe.44
A observao de Aristteles nos leva a supor que o regime que est
sob enfoque neste fragmento a prpria democracia que vigorava em Tarento e que a
igualdade que est em jogo aquela que contemplada pela democracia que l
vigorava. Se considerarmos ainda, como Huffman o faz, que Aristteles diz que alguns
pensam que a boa regulao dos bens a coisa maior e que todas as dissenses ocorrem
por no se observar isto45
, e se acrescentarmos a esta observao o fato de que, antes
de tomar Tarento como exemplo de democracia, ele diz que o verdadeiro democrata
43
HUFFMAN, 2010, pp. 206, 214 e217. 44
ARISTTELES, Poltica, 1320b9-14: .
:
, , ,
. 45
ARISTTELES, Poltica, 1266a38: :
.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kalw%3Ds&la=greek&can=kalw%3Ds0&prior=e)rgasi/ashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=d%27&la=greek&can=d%271&prior=kalw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Fxei&la=greek&can=e%29%2Fxei0&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mimei%3Dsqai&la=greek&can=mimei%3Dsqai0&prior=e)/xeihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C2&prior=mimei=sqaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5C&la=greek&can=ta%5C0&prior=kai/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*taranti%2Fnwn&la=greek&can=*taranti%2Fnwn0&prior=ta/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29kei%3Dnoi&la=greek&can=e%29kei%3Dnoi0&prior=%5dhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%5Cr&la=greek&can=ga%5Cr0&prior=e)kei=noihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=koina%5C&la=greek&can=koina%5C0&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=poiou%3Dntes&la=greek&can=poiou%3Dntes0&prior=koina/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5C&la=greek&can=ta%5C1&prior=poiou=nteshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kth%2Fmata&la=greek&can=kth%2Fmata0&prior=ta/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=toi%3Ds&la=greek&can=toi%3Ds0&prior=kth/matahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29po%2Frois&la=greek&can=a%29po%2Frois0&prior=toi=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29pi%5C&la=greek&can=e%29pi%5C0&prior=a)po/roishttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn0&prior=e)pi/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=xrh%3Dsin&la=greek&can=xrh%3Dsin0&prior=th/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=eu%29%2Fnoun&la=greek&can=eu%29%2Fnoun0&prior=xrh=sinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=paraskeua%2Fzousi&la=greek&can=paraskeua%2Fzousi0&prior=eu)/nounhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C0&prior=paraskeua/zousihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=plh%3Dqos&la=greek&can=plh%3Dqos0&prior=to/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Fti&la=greek&can=e%29%2Fti0&prior=plh=qoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=de%5C&la=greek&can=de%5C1&prior=e)/tihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs2&prior=de/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29rxa%5Cs&la=greek&can=a%29rxa%5Cs0&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pa%2Fsas&la=greek&can=pa%2Fsas0&prior=a)rxa/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29poi%2Fhsan&la=greek&can=e%29poi%2Fhsan0&prior=pa/sashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ditta%2Fs&la=greek&can=ditta%2Fs0&prior=e)poi/hsanhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs3&prior=ditta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me%5Cn&la=greek&can=me%5Cn0&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai%28reta%5Cs&la=greek&can=ai%28reta%5Cs0&prior=me/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs4&prior=ai(reta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=de%5C&la=greek&can=de%5C2&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=klhrwta%2Fs&la=greek&can=klhrwta%2Fs0&prior=de/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs5&prior=klhrwta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me%5Cn&la=greek&can=me%5Cn1&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=klhrwta%5Cs&la=greek&can=klhrwta%5Cs0&prior=me/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o%28%2Fpws&la=greek&can=o%28%2Fpws0&prior=klhrwta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o%28&la=greek&can=o%280&prior=o(/pwshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dh%3Dmos&la=greek&can=dh%3Dmos0&prior=o(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=au%29tw%3Dn&la=greek&can=au%29tw%3Dn0&prior=dh=moshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mete%2Fxh%7C&la=greek&can=mete%2Fxh%7C0&prior=au)tw=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs6&prior=mete/xh|http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=d%27&la=greek&can=d%272&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai%28reta%5Cs&la=greek&can=ai%28reta%5Cs1&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=i%28%2Fna&la=greek&can=i%28%2Fna0&prior=ai(reta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=politeu%2Fwntai&la=greek&can=politeu%2Fwntai0&prior=i(/nahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=be%2Fltion&la=greek&can=be%2Fltion0&prior=politeu/wntaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dokei%3D&la=greek&can=dokei%3D0&prior=ma=llonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%2Fr&la=greek&can=ga%2Fr1&prior=dokei=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tisi&la=greek&can=tisi0&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C8&prior=tisihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=peri%5C&la=greek&can=peri%5C5&prior=to/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs2&prior=peri/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ou%29si%2Fas&la=greek&can=ou%29si%2Fas0&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei%29%3Dnai&la=greek&can=ei%29%3Dnai2&prior=ou)si/ashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me%2Fgiston&la=greek&can=me%2Fgiston0&prior=ei)=naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=teta%2Fxqai&la=greek&can=teta%2Fxqai0&prior=me/gistonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kalw%3Ds&la=greek&can=kalw%3Ds0&prior=teta/xqaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=peri%5C&la=greek&can=peri%5C6&prior=kalw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%5Cr&la=greek&can=ga%5Cr4&prior=peri/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%2Ftwn&la=greek&can=tou%2Ftwn4&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=poiei%3Dsqai%2F&la=greek&can=poiei%3Dsqai%2F0&prior=tou/twnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fasi&la=greek&can=fasi0&prior=poiei=sqai/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%5Cs&la=greek&can=ta%5Cs3&prior=fasihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=sta%2Fseis&la=greek&can=sta%2Fseis0&prior=ta/shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pa%2Fntas&la=greek&can=pa%2Fntas0&prior=sta/seis
-
30
deve olhar para o fato de que a multido no pode ser excessivamente pobre, pois isto
a causa dos erros da democracia46
, entenderemos que Arquitas est agindo como um
verdadeiro democrata na medida em que aparece tentando estabelecer uma igualdade
entre ricos e pobres: uma igualdade que parece ser numrica ou aritmtica, caracterizada
pela multiplicidade e grandeza tal como Aristteles a definir, dado que sua proposta
contempla propriedades e bens.
Porm, caber notar que tal democracia no s composta por magistrados que
foram sorteados, permitindo a participao de todo o povo: ela composta tambm por
magistrados que foram eleitos, permitindo assim que se escolha o melhor () - e
tal escolha fundamenta um regime que no formulado de modo exclusivamente
numrico. Afinal, se a transao de propriedades e bens entre ricos e necessitados
elimina a disseno e aumenta a concrdia, h de se observar que tal transao numrica
se d dentro de um contexto poltico onde no s h homens ricos e necessitados como
tambm poderosos, estando o poder em suas mos para decidir como estas
propriedades e estes bens devero ser distribudos sob uma igualdade que acabe por
preservar a diferena hierrquica existente entre todos. Desse modo, se a igualdade
subentendida na transao entre ricos e necessitados numrica, j a igualdade que se
estabelece pelas mos dos poderosos de outra ordem, sendo esta que, afinal, acaba por
apaziguar a disseno e aumentar a concrdia igualdade que Aristteles s encontrar
subentendida na proporo geomtrica.
No estou querendo dizer com isso que, pelas palavras contidas neste fragmento,
se possa compreender que Arquitas esteja a aplicar diferentes igualdades a um mesmo
regime poltico, empreendimento que somente Aristteles levar a cabo; estou
simplesmente querendo apontar para o fato de que o fragmento em questo no
distingue de modo to preciso quanto desejaramos a natureza da igualdade que est em
jogo e que, por isso, o clculo proposto pelo fragmento no pode se restringir apenas a
uma igualdade numrica ou aritmtica.
Como Huffman47
, acredito que Arquitas no est tentando solucionar o problema
da discrdia poltica distinguindo diferentes tipos de igualdade, como s Aristteles o
far. Como ele diz, as palavras contidas neste fragmento representam um grande louvor
ao poder que o clculo tem de solucionar problemas polticos atravs de propores,
46
ARISTTELES, Poltica, 1320a33-34:
: . 47
HUFFMAN, 2010, pp.206, 214.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29lla%5C&la=greek&can=a%29lla%5C1&prior=a)po/roishttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dei%3D&la=greek&can=dei%3D3&prior=a)lla/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5Cn&la=greek&can=to%5Cn0&prior=dei=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29lhqinw%3Ds&la=greek&can=a%29lhqinw%3Ds0&prior=to/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dhmotiko%5Cn&la=greek&can=dhmotiko%5Cn1&prior=a)lhqinw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o%28ra%3Dn&la=greek&can=o%28ra%3Dn0&prior=dhmotiko/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=o%28%2Fpws&la=greek&can=o%28%2Fpws0&prior=o(ra=nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C3&prior=o(/pwshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=plh%3Dqos&la=greek&can=plh%3Dqos0&prior=to/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mh%5C&la=greek&can=mh%5C6&prior=plh=qoshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=li%2Fan&la=greek&can=li%2Fan0&prior=mh/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29%2Fporon&la=greek&can=a%29%2Fporon0&prior=li/anhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h%29%3D%7C&la=greek&can=h%29%3D%7C0&prior=a)/poronhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3Dto&la=greek&can=tou%3Dto2&prior=h)=|http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ga%5Cr&la=greek&can=ga%5Cr7&prior=tou=tohttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ai%29%2Ftion&la=greek&can=ai%29%2Ftion0&prior=ga/rhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%3D&la=greek&can=tou%3D0&prior=ai)/tionhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=moxqhra%5Cn&la=greek&can=moxqhra%5Cn0&prior=tou=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei%29%3Dnai&la=greek&can=ei%29%3Dnai3&prior=moxqhra/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%5Cn&la=greek&can=th%5Cn1&prior=ei)=naihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=dhmokrati%2Fan&la=greek&can=dhmokrati%2Fan0&prior=th/n
-
31
pois afinal so elas que acabam por demonstrar como diferentes coisas de valor em uma
sociedade podem ser conectadas. Para este comentador, a questo-chave chamar a
ateno das pessoas para os vrios valores da sociedade e os diferentes modos como
estes podem ser conectados, pois se os membros do estado conseguem ver os modos
como estes valores podem ser coerentemente conectados, a concrdia encontrada e a
disseno banida. Os problemas existentes na cidade so, portanto, solucionados na
medida em que se aponta para possibilidade de alcanar uma igualdade nas transaes
que se do entre os cidados: uma igualdade que obedece a uma frmula proporcional e
que o filsofo-matemtico no denomina, mas que mantm ambas as partes sob
concrdia, desde que elas acreditem no grande poder de unio que o autor est
atribuindo ao clculo.
Neste fragmento, como se v, o termo igualdade, bem como o termo igual, no
figuram num contexto exclusivamente matemtico como ocorreu no fragmento anterior,
mas, sim, num contexto jurdico, social e poltico, demonstrando que o autor est
operando com noes matemticas para resolver certos problemas da cidade. talvez
o que se pode esperar de um homem cuja mentalidade esteve envolvida tanto com
matemtica quanto com poltica, se pudermos contar com as fontes biogrficas que
atestam ambas atividades, mostrando-o com um intelectual de formao pitagrica, mas
tambm como um grande estratego, cujo governo em Tarento se mostrou exemplar e
que Plato conhecera por ocasio das viagens que fizera a esta cidade, se tornando
talvez para este o modelo do rei-filsofo que vir a esculpir na sua obra A Repblica48
.
Esperar isso, alis, no nenhum absurdo, bem como nenhuma novidade: afinal,
os filsofos dos sculos VI e V A.C, os chamados filsofos naturais (),
revelavam um interesse explcito por cosmologia, sendo que alguns destes eram
nomothtas, isto , homens que escreveram leis e constituies sob condies
tumultuadas com o intuito de assegurar a coeso da comunidade, de modo que a
investigao natural e poltica se encontravam atadas sob a gide de uma mesma figura
social que executava ambos os papis. Em funo disso, muito da ordem que supunham
regular os cus estava baseada na expectativa que cada um tinha sobre a melhor ordem
poltica e vice-versa, visto que a descoberta de como o cosmo estava regulado poderia
fornecer tambm uma chave pra compreender qual a melhor ordem poltica a ser
estabelecida. Nadaff49
lembrar que, para estes filsofos naturais, o universo era
48
COLLI, 2011, pp. 39-54; GUTHRIE, 1986, pp. 316-319; LLOYD, 1990, pp. 159-174. 49
NADAFF, 2005, pp. 1-9 e 74-106.
-
32
composto de foras cuja estrutura unificada acabou por tomar a forma de uma
comunidade de adversrios vivendo juntos sob a mesma lei, de modo que a ordem
natural dos eventos implicava uma norma cuja validade recaa tambm sobre a ordem
social. J Lloyd50
chegar a observar que diferentes concepes cosmolgicas
carregavam, em si mesmas, diferentes concepes polticas, muita embora seja difcil
precisar com clareza esta correlao, apesar de algumas cosmologias conceberem uma
ordem com uma disposio dos poderes naturais altamente monrquica ou na forma da
suprema regra de um princpio nico, enquanto outras, por exemplo, formulavam tal
disposio na forma de uma luta ou de um contrato entre iguais.
A relao entre cosmologia e poltica era to ntima que levar, por exemplo,
Demcrito a admitir que para um homem sbio, toda a terra acessvel, pois a ptria
de uma alma boa o cosmo inteiro.51
Muito embora no se conhea nenhum fragmento
de Arquitas que contenha reflexes cosmolgicas, no nem um pouco surpreendente
que um homem como ele - filsofo, matemtico e poltico - viesse a atar a poltica ao
domnio que lhe interessava, dado que at mesmo alguns dos filsofos antigos que o
precederam assim o fizeram ao atarem a poltica cosmologia. Para Colli52
, alis, at
mesmo prprio natureza poltica dos gregos conceber as coisas como um organismo,
de modo que o princpio encontrado por alguns filsofos naturais para explicar o cosmo
acaba se tornando necessariamente um princpio poltico, dado que aquilo que est ao
mesmo tempo em jogo o elemento que mantm tudo em uma unio e uma coerncia
perfeitas e em virtude das quais nada se desfaz. No caso dos pitagricos, so os
nmeros que se convertem em um princpio explicativo desta natureza que chega a
abarcar todo o universo, tal como observa Aristteles:
,
.
,
, ,
,
,
, '
,
50
LLOYD, 1992, pp. 212-227. 51
STOBEU, III, 7 DK A 247: . . 52
COLLI, 2011, pp. 48-49.
-
33
,
,
.53
Os assim chamados pitagricos so contemporneos e at mesmo anteriores
a estes filsofos. Eles por primeiro se aplicaram s matemticas, fazendo-as
progredir e, nutridos por elas, acreditaram que os princpios delas eram os
princpios de todos os seres. E dado que nas matemticas os nmeros so, por
sua natureza, os primeiros princpios, e dado que justamente nos nmeros,
mais do que no fogo e na terra e na gua, eles achavam que viam muitas
semelhanas com as coisas que so e que se geram por exemplo,
consideravam que determinada propriedade dos nmeros era a justia, outra a
alma e o intelecto, outra ainda o momento e o ponto oportuno e, em poucas
palavras, de modo semelhante para todas as outras coisas. Alm disso, por
verem que as notas e os acordes musicais consistiam em nmeros e,
finalmente, porque todas as outras coisas em toda a realidade lhes pareciam
feitas imagem dos nmeros e porque os nmeros tinham a primazia na
totalidade da realidade, pensaram que os elementos dos nmeros eram
elementos de todas as coisas, e que a totalidade do cu era harmonia e
nmero. Eles recolhiam e sistematizavam todas as concordncias que
conseguiam mostrar entre os nmeros e os acordes musicais, os fenmenos,
as partes do cu e todo o ordenamento do universo.54
Tais observaes sobre o pitagorismo se encontram dentro de um contexto de
sua Metafsica em que o filsofo analisa de modo crtico as doutrinas e as reflexes dos
filsofos que chamamos de pr-socrticos, mencionando explicitamente alguns nomes
que considera expoentes. Porm, quando passa a analisar os pitagricos para explicar
que a doutrina deles repousa na crena de que os nmeros so princpios de todos os
seres e de que estes tm uma semelhana com as coisas que so e geram, dando como
um dos exemplos a justia, Aristteles no menciona o nome de Arquitas que, no
entanto, aborda explicitamente o tema. Huffman55
e Kahn56
recordam que o catlogo
das obras de Aristteles menciona trs livros sobre a filosofia de Arquitas57
cujo
contedo desconhecido, mas cuja meno constitui no somente um indcio de que o
filsofo conhecera as especulaes deste matemtico tarentino, como tambm as tratara
parte dos comentrios que chegou a tecer sobre os pitagricos em geral. Alis, o
suposto interesse especial que Aristteles nutrira sobre as reflexes deste filsofo-
53
ARISTTELES, Metafsica, 985b 23 986a 6. 54
Traduo para o Italiano: Giovanni Reale, traduzido para o portugus por Marcelo Perine, 2002, p. 27. 55
HUFFMAN, 2010, pp. 84-89, 192, 223, 583-594. 56
KAHN, 2007, p. 66. 57
Para referncia do mencionado catlogo, vide em particular DIGENES LARCIO, V, 25 (DK A13):
. . . .
Compndio, em 2 livros; Sobre a Natureza, em 3 livros; Sobre a Fsica, em 1 livro; Sobre a filosofia de
Arquitas, em 3 livros. As outras duas referncias indicadas tambm por Huffman so as duas Vidas de
Aristteles: uma composta por Hesiquio de Mileto (Rose 1886:14) e outra pelo neoplatnico Ptolomeu
(Rose 1886:20).
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*sunagwgh%3Ds&la=greek&can=*sunagwgh%3Ds0&prior=%5dhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%27&la=greek&can=a%2780&prior=*sunagwgh=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=b%27&la=greek&can=b%2728&prior=a'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*peri%5C&la=greek&can=*peri%5C44&prior=b'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=fu%2Fsews&la=greek&can=fu%2Fsews2&prior=*peri/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%27&la=greek&can=a%2781&prior=fu/sewshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=b%27&la=greek&can=b%2729&prior=a'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=g%27&la=greek&can=g%2712&prior=b'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*fusiko%5Cn&la=greek&can=*fusiko%5Cn0&prior=g'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%27&la=greek&can=a%2782&prior=*fusiko/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*peri%5C&la=greek&can=*peri%5C45&prior=a'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=th%3Ds&la=greek&can=th%3Ds21&prior=*peri/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*%29arxutei%2Fou&la=greek&can=*%29arxutei%2Fou0&prior=th=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=filosofi%2Fas&la=greek&can=filosofi%2Fas2&prior=*)arxutei/ouhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%27&la=greek&can=a%2783&prior=filosofi/ashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=b%27&la=greek&can=b%2730&prior=a'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=g%27&la=greek&can=g%2713&prior=b'
-
34
matemtico se confirma quando consideramos a anlise que ele faz da justia atravs
de exemplos explicitamente proporcionais, como veremos daqui h pouco. O modo
portanto como Arquitas elogiara um clculo que capaz de gerar uma igualdade que se
estabelece nas transaes entre ricos e necessitados, pobres e poderosos parece ter
impactado de sobremaneira Aristteles - clculo que ainda descrito na continuidade do
fragmento como um padro e um obstculo para os injustos, tanto para aqueles que j
sabem calcular, quanto para aqueles que ainda no sabem.
Para Huffman58
, difcil entender como o clculo proposto por Arquitas pode
ser tomado especificamente como um padro e um obstculo para que os injustos no
venham a cometer injustia e que fora de persuaso esta que o clculo tem. Tal
comentador sugere que devemos entender essas observaes circunscritas ao mbito
propriamente jurdico, pois o clculo mostraria ao juiz e ao jri que penalidades
deveriam ser imputadas aos infratores, convencendo-os tambm a no cometer futuras
injustias e que, diante do que fora mensurado como certo ou errado no tribunal, eles
no teriam sequer a chance de escapar da deteco da infrao, por mais que clamassem
na corte que determinada ao no fora injusta.
Por mais que a sugesto de Huffman seja engenhosa, no estou seguro de que ela
se circunscreva ao mbito prprio de um tribunal, pois acredito que o clculo
mencionado no fragmento se aplica no s cidade em toda a sua extenso, mas
tambm a uma injustia que caracteriza os homens que so injustos em suas pretenses
e no to somente aqueles que chegaram a cometer alguma injustia e j esto sob
julgamento. O clculo mencionado pelo fragmento parece-me debruar sobre o prprio
julgamento que um homem pode fazer sobre suas possveis aes injustas, persuadindo-
o a no cometer nenhuma injustia e que, em uma cidade onde o clculo vigore com tal
padro, nem mesmo aqueles que no sabem calcular cometeriam qualquer injustia,
tamanha a fora e o poder de um clculo que capaz de gerar a igualdade, apaziguando
a dissenso e aumentando a concrdia da cidade inteira.
Desse modo, h de se observar que o modo com que Arquitas est se utilizando
de noes matemticas para fins polticos aponta para uma relao muito ntima e
essencial entre matemtica e poltica. Porm, como Gill59
adverte, cabe considerar em
que sentido o pensamento matemtico fora importante ou mesmo central para a tica e a
58
HUFFMAN, 2010, pp. 221-223. 59
GILL, 2003, p. 165.
-
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poltica de uma poca, visto que em relao a este advento possvel desenvolver duas
perspectivas e vises bastante distintas: sob uma viso mnima, a matemtica seria
importante para a tica na medida em que certos conceitos matemticos, tais como um
e muitos, razo e proporo fornecem um instrumento conceitual para analisar
noes ticas que so substancialmente diferentes das noes matemticas empregadas
para o seu entendimento; mas, sob uma viso mxima, as noes matemticas e ticas
seriam em algum sentido fundamental uma nica e a mesma coisa.
Se considerarmos, como Huffman indica, que o clculo proposto por Arquitas
demonstra como os diversos valores de uma sociedade devem ser proporcionalmente
articulados e se observarmos que tal articulao proporcional constitui em si mesma um
padro que impede que se cometa a injustia, h de se pensar que a frmula mesma de
uma proporo a frmula mesma da justia e que elas so, na realidade, uma nica e
mesma coisa. Todo esforo, alis, de Aristteles, ser para demonstrar isso, como
veremos: o justo o igual e o proporcional. Portanto, a demonstrao de Aristteles
parece ser suficiente para enquadr-lo na viso mxima, mencionada por Gill. O
mesmo valeria para Arquitas, se considerarmos que os dois fragmentos deste autor
indicam que a articulao proporcional proposta pelo clculo para a devida transao
entre os homens constitui em si mesma um padro que impede o cometimento da
injustia reflexo que acabar impactando fortemente Aristteles, como passaremos a
ver agora.
2.3-Proporo matemtica e tica em Aristteles
....
),