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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO
Por: Tania de Oliveira Rosa
Orientador
Prof. William Rocha
Rio de Janeiro
2016
DOCU
MENT
O PR
OTEG
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PELA
LEI D
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REITO
AUT
ORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Direito e Processo do Trabalho, por Tania de
Oliveira Rosa.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas infinitas
oportunidades. Agradeço aos
meus filhos e a todos que me
apoiaram em mais um desafio.
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RESUMO
O presente trabalho monográfico apresenta uma pesquisa elaborada
bibliograficamente sobre o dano existencial nas relações de trabalho, em seus
aspectos mais relevantes, as suas características e as diferenças do dano
moral puro. Conceitua este recente instituto jurídico como causador de prejuízo
ao projeto de vida do trabalhador, decorrente da conduta do empregador, que
impossibilita a fruição de atividades sociais, recreativas, afetivas, culturais,
dentre outras. Analisa as conseqüências danosas no projeto de vida do
trabalhador, sob a ótica do princípio da proteção e dos direitos fundamentais
da pessoa humana.
Mais especificamente, o estudo expõe o dano existencial como dano à
vida de relação, evidenciando a responsabilização civil do ofensor para garantir
a segurança e a integridade da pessoa humana. Apresenta, ainda, as
possibilidades de reparação do dano existencial na justiça laboral, como a
valoração mais adequada da quantia fixada pela indenização diante do
sofrimento dos danos suportados pelos ofendidos, verdadeiro estigma em suas
vidas.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada no presente trabalho é a pesquisa bibliográfica,
com o suporte da pesquisa webgráfica, contando ainda com o estudo da
jurisprudência e da legislação pertinente, procurando contextualizar o
fenômeno do dano existencial como investigação de um fenômeno
contemporâneo.
Dessa forma, a abordagem sobre o tema foi estruturada em partes bem
distintas, começando pela exposição dos direitos fundamentais da pessoa
humana e da proteção da dignidade do trabalhador, assim como os seus
reflexos na responsabilidade civil.
Paralelamente, a legislação e a jurisprudência pesquisadas reforçaram o
objetivo de demonstrar o tema como um fenômeno recente, que visa estimular
a reflexão na evolução da ciência e, mais especificamente, tornar o dano
existencial um instituto jurídico com respostas mais eficientes aos
trabalhadores lesados no seu projeto de vida.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I - Os Direitos Fundamentais da
Pessoa Humana
1.1 Princípio da proteção e a dignidade do trabalhador 08 CAPÍTULO II - O Dano Moral
2.1 Conceito 11 2.2 Responsabilidade civil 14
CAPÍTULO III – O Dano Existencial
3.1 Evolução histórica 19 3.2 Princípios norteadores do dano existencial 23 3.3 Dano moral e dano existencial – Distinção 26
CAPÍTULO IV – O Dano Existencial na
Justiça Laboral
4.1 O Dano existencial no projeto de vida do trabalhador 34 4.2 O dano existencial e a saúde do trabalhador 35 CAPÍTULO V – A Reparação ao Trabalhador Vitimado pelo Dano Existencial 5.1 Indenização por dano existencial 38 5.2 Casos Concretos – Sentenças judiciais de dano existencial 42 CONCLUSÃO 48
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50
FOLHA DE AVALIAÇÃO 53
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INTRODUÇÃO
O dano existencial, espécie de dano extrapatrimonial, vem ganhando
destaque no Direito do Trabalho, considerando a sua relevância e atualidade.
Através do método bibliográfico pretende-se analisar o contexto de
proteção da dignidade da pessoa humana, bem como o direito fundamental de
personalidade na relação laboral. A proteção dos direitos fundamentais que
garante ao trabalhador a dignidade humana como, por exemplo, o seu direito à
felicidade e à saúde.
O presente trabalho monográfico pretende apresentar, ainda, o dano
moral e sua distinção do dano existencial, analisando a responsabilidade civil e
tratando dos conceitos, fundamentos e sua evolução histórica.
Como grande aliado dessa perspectiva mais humanitária do indivíduo,
será analisado o instituto da responsabilidade civil, que ampara não somente
os danos materiais como os imateriais.
A responsabilidade civil pelo dano existencial no acidente de trabalho
será apresentada, ainda, com a exposição das características do dano
existencial, a diferenciação com o dano moral e a consequente caracterização
do dano ao projeto de vida do trabalhador, vítima da exploração pelo
empregador e de acidente de trabalho.
O objetivo do trabalho é contribuir para o desafio da caracterização do
dano existencial no Direito do Trabalho e a reparação do trabalhador vitimado.
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CAPÍTULO I
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são
frequentemente utilizados como sinônimas. Segundo a sua
origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte
maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os
povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-
universalista); direitos fundamentais são os direitos do
homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados
espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da
própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os
direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.
(CANOTILHO, 2003)
1.1 – O princípio da proteção e a dignidade do trabalhador
Os Princípios são a base de todo o ordenamento jurídico; o alicerce
sobre o qual se constrói a sistemática jurídica. A não observância desses
princípios resulta, quase sempre, na ruptura do sistema legal positivado,
especialmente quanto a não aplicação efetiva das normas legais, ocasionando,
assim, a ruptura do Estado Democrático de Direito.
No direito laboral o princípio da proteção é o guardião de todos os
princípios fundamentais e da garantia dos direitos fundamentais dos
trabalhadores. Este é o princípio que norteia todo o sentido da criação do
Direito do Trabalho, é o princípio que deve proteger a parte mais frágil na
relação jurídica – o trabalhador – que até o surgimento de normas trabalhistas
se via desprotegido diante da imponência do jus variandi do empregador.
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Ao longo dos séculos, historicamente, sempre ocorreu a dominação do
mais forte sobre o mais fraco, a dominação do detentor do capital, o que
submetia o trabalhador à condições quase desumanas no ambiente laboral.
Portanto, a grande necessidade da intervenção do Estado nas relações de
trabalho buscava assegurar condições razoáveis de dignidade ao obreiro.
O Princípio da Proteção surgiu de normas imperativas de ordem
pública que cuja intervenção do Estado nas relações de Trabalho impôs
obstáculos à autonomia da vontade. Com isso têm-se a base do contrato de
trabalho: a vontade dos contratantes, com um limitador: a vontade do Estado
manifestada pelos poderes competentes que visam ao trabalhador o mínimo
de proteção legal.
Diferentemente do Direito Comum, onde se busca sempre a igualdade
das partes, no direito do trabalho é notória a desigualdade econômica entre as
partes, o que levou o legislador a pelo menos tentar igualar essa diferenciação.
O princípio da proteção ao trabalhador é o princípio que instrui a
criação e a aplicação das normas de direito do trabalho. A proteção do direito
do trabalho destina-se á pessoa humana, conforme mostra o art. 1º, III, da
CF/88. O direito do trabalho surgiu para proteger o obreiro, visando, assim, o
equilíbrio entre o capital e o trabalho, gerando direitos e obrigações entre
empregados e empregadores. O princípio protetor tem plena autonomia no
mundo jurídico, o que inclui não só a ordem jurídica trabalhista, sendo
subsidiado também por todo o ordenamento jurídico nacional.
O Direito do Trabalho no Brasil tem um propósito de fundamental
importância a cumprir, que é ser ‘... o amparo aos trabalhadores e a
consecução de uma igualdade substancial e prática para os sujeitos
envolvidos’ (ALVES; 2004).
Como um dos princípios fundamentais da República (CF art. 1.º, III), a
dignidade da pessoa humana reconheceu a obrigatoriedade da proteção
máxima à pessoa através de um sistema jurídico-positivo formado por direitos
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fundamentais e da personalidade humana, com o objetivo de garantir assim o
respeito absoluto ao indivíduo, gerando-lhe uma existência plenamente digna e
protegida de qualquer espécie de dano, seja praticado pelo particular, como
pelo Estado.
Dessa forma, ‘o Constituinte deixou transparecer de forma clara e
inequívoca a sua intenção de outorgar a qualidade de normas embasadoras e
informativas de toda a ordem constitucional aos princípios fundamentais,
especialmente das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais,
que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo
que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de núcleo
essencial da nossa Constituição formal e material’ (SARLET; 2006).
De acordo com a doutrina de José Afonso Silva, a dignidade da pessoa
humana, sobretudo, ‘é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os
direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida’ (AFONSO; 1990) e, se
podemos definir existência como ‘o modo de ser do homem no mundo’, a
dignidade da pessoa humana é o núcleo da existência humana, valor inato,
imaterial, essencial, de máxima grandeza da pessoa (ABBAGNANO;1998).
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CAPÍTULO II
O DANO MORAL
2.1 – Conceito
Inicialmente, o dano moral surgiu nas teorias clássicas do Direito como
a lesão imaterial ou invisível por excelência, e foi por muito tempo a única
representação de dano extrapatrimonial conhecido, não havendo qualquer
outro desdobramento senão o do conceito de dano moral, que era tratado
como um sinônimo. Hoje esse entendimento está superado.
No conceito de Pontes de Miranda, por exemplo, ele define o dano
patrimonial como lesão que atinge o patrimônio do lesado, e o não patrimonial
como o dano que alcança o ofendido como ser humano, mas não atinge o seu
patrimônio (GARCIA; 2015).
Neste mesmo sentido segue o entendimento de Pereira, segundo
Garcia (2015), que avalia dano moral como sofrimento humano que não é
causado por uma perda pecuniária, sendo a mesma concepção de Carlos
Roberto Gonçalves (GARCIA; 2015), que admite a definição de dano moral
exclusivamente para conceituar o ‘agravo que não produz qualquer efeito
patrimonial’.
Assim, o Direito contemporâneo tratou de normatizar diferenciações na
classificação dos danos próprios à lesão imaterial, em que o dano
extrapatrimonial tornou-se o gênero, e classificou o antigo conceito de dano
moral como uma das espécies do gênero dano extrapatrimonial.
Dessa forma, contemporaneamente, efetivou-se uma releitura do
conceito de dano moral, não somente entendido como um dano que atinge o
sujeito de direito e seus efeitos patrimoniais, mas como um dano
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extrapatrimonial imposto à vítima, que causa reflexos subjetivos de dor,
desgosto, humilhação e outros sentimentos negativos.
Assim, a doutrina contemporânea de Venosa entende que o dano
moral é um prejuízo que afeta, direta ou indiretamente, o campo imaterial do
ofendido, causando-lhe lesões sobre o ‘ânimo psíquico, moral e intelectual’
(GARCIA; 2015).
Na mesma linha de entendimento segue Cavalieri Filho, cuja obra cita
a Constituição de 1988, que reconheceu a possibilidade expressa (art. 5º, incs.
V e X) de reparação do dano moral, mesmo sem atribuir preceitos objetivos
para a avaliação de sua eventual ocorrência. Assim, para o autor, o dano moral
é a ‘dor, o vexame, o sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,
interfere intensamente no comportamento psicológico do indivíduo’ (GARCIA;
2015), que dão origem a sentimentos negativos e a um desequilíbrio no bem-
estar da vítima.
Por tais razões, a ação jurisdicional não se concentra no dano
propriamente dito, e sim nos seus reflexos sobre a vítima, buscando pela
restauração do status in natura ou quo ante da vitima, e pelo restabelecimento
do estado em que ela se encontrava antes da ocorrência do dano que lhe deu
a origem à dor, ao sofrimento e ao desequilíbrio na sua vida.
Este curso da ação tornou-se possível através de noções de reparação
do dano, divididas em critérios subjetivos e objetivos. Os critérios subjetivos
levam em consideração as características subjetivas do ofendido e do ofensor
da lesão, para avaliar e aferir os efeitos causados pelo dano e o animus
leadere (ânimo de ofender) do ofensor.
Essa precaução deve-se ao fato de que nem todo ofensor tem o
ânimo de praticar o dano, exceto nos casos omissivos, em que este possui o
dever de prevenir ou atenuar o dano, situação que deve ser levada em
consideração. Por outro lado, os efeitos de um dano são sentidos
diferentemente, conforme a vitima. Um mesmo dano moral pode repercutir de
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diversas formas entre os envolvidos, especialmente se considerarmos a forma
direta ou indireta em que o dano ofendeu a vítima.
Já os critérios objetivos consideram a situação econômica do ofensor e
da vítima, a repercussão e da gravidade do dano. De modo que assim,
analisados os critérios, uma indenização é estabelecida (quantum debeatur),
obedecendo à tríplice função desta pena: o caráter punitivo, o caráter
compensatório e o caráter pedagógico.
Pelo critério objetivo tem-se por meta, respectivamente:
I. Punir o ofensor em valor suficientemente expressivo pelo ato
omissivo, ou comissivo, que deu origem ao dano, para que este
perceba a indenização como uma punição;
II. Compensar integralmente a vítima pelo dano seus efeitos
negativos, a fim de devolver o estado anterior à ocorrência do
dano (status quo ante), proporcionando ao ofendido uma situação
capaz de reparar os efeitos do dano; e
III. Que a indenização sirva também para ensinar, pedagogicamente,
o ofensor a não mais reincidir na prática que deu origem ao dano,
buscando por atitudes futuras que evitem a sua recorrência.
O dano moral pode ser materializado em inúmeras situações. A título
de exemplo apresenta-se um falecimento em decorrência de um acidente de
transito, uma inscrição indevida em órgãos restritivos de crédito, um
cancelamento ou atraso de vôo, uma demissão por justa causa indevida e
outros tantos, que podem ser admitidos como dano moral in re ipsa ou
presumido.
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2.2 – Responsabilidade civil
A responsabilidade civil, ramo do direito civil, se preocupa com a
obrigação de indenização de um dano. Vivendo em sociedade o homem
relaciona-se com os demais, dessa convivência podem resultar
comportamentos que ofendem os direitos de personalidade (RIGONI E
GOLDSCHIMIDT; 2016).
A responsabilidade civil, segundo a teoria clássica, se fundamenta em
um dano, na culpa do autor do dano e o nexo causal entre o fato e o dano.
Os direitos de personalidade têm por objeto a proteção das condições
psíquicas, morais e físicas do homem, e a ofensa a tais direitos pode motivar a
indenização por um dano moral ou patrimonial.
O direito civil define no artigo 186 do Código Civil, que a pessoa, que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Na
responsabilidade civil o bem protegido é privado, e seu objeto é o patrimônio
do ofensor; pode ser subdividida em responsabilidade subjetiva como regra e
responsabilidade objetiva em situações mais restritas.
No Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica. Se havia uma
relação jurídica entre causador do dano e a vítima, a responsabilidade é
contratual, pois houve o descumprimento de cláusula pactuada previamente.
Entretanto, se não existia qualquer relação previamente pactuada entre as
partes, até o momento do dano, a responsabilidade é extracontratual, pois o
descumprimento foi de ordem legal, cujo princípio prevê o dever de não lesar
ninguém e não de cláusula contratual.
Dentre as distinções dos dois institutos ressalta-se que na
responsabilidade contratual preexiste uma relação jurídica, o ofendido deve
provar somente a existência da relação jurídica e o inadimplemento contratual,
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e admite cláusula de exclusão, ou redução do valor da indenização; já na
responsabilidade extracontratual inexiste uma prévia relação jurídica, o que
existe é apenas o dever legal de não causar dano a outrem, nessa modalidade
a vítima deve provar a conduta culposa do agente (RIGONI E
GOLDSCHIMIDT; 2016).
A responsabilidade civil pode ainda ser bipartida em subjetiva e
objetiva, cujo critério de imputação do dever de reparação é que justifica tal
bipartição. Será a conduta do agente causador do dano que definirá a
modalidade de responsabilidade quanto ao aspecto ora em analise. Se a
reparação do dano causado independe de dolo ou culpa, independente de
necessidade de investigação para tanto, a responsabilidade será objetiva.
Entretanto, se a reparação depender da verificação de culpa ou não da
conduta a responsabilidade será subjetiva.
A responsabilização civil subjetiva ocorre quando se dá a violação do
dever de não violar direito alheio por conduta com culpa ou dolo do agente. Se
o agente desejou o ato e suas consequências, diz-se que é doloso. Entretanto,
se o agente ensejou o ato, mas não previu o resultado, ou suas
consequências, diz-se que é culposo. A culpa, em sentido estrito, ocorre
quando o agente não observa o dever de cuidado imposto ao homem. O
comportamento culposo pode se dar por negligência, imperícia ou
imprudência.
O fundamento inicial da responsabilidade era somente subjetivo,
fundado sobre a culpa. Porém as pressões das mudanças sociais causaram a
mudança também na noção da responsabilidade, nascendo, assim, novo
entendimento a respeito, a fim de não perpetuar mais situações de prejuízos
suportadas exclusivamente pela vítima, em ações judiciais que não pudesse
comprovar a culpa no agente causador do dano, através de provas
testemunhais ou outras formas, e que restaria sem amparo na solução do dano
sofrido.
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Surgiram então teorias para justificar a existência da responsabilidade
presumida. ‘No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações
ordenadas da teoria objetiva ou do risco. [...] quem, com sua atividade cria um
risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda porque essa
atividade de risco lhe proporciona um benefício’ (RIGONI E GOLDSCHIMIDT;
2016).
Em síntese, na responsabilidade subjetiva identificam-se três
elementos: a) elemento material que consiste em uma conduta humana; b)
elemento psicológico, que é a vontade que pode desviar o curso das coisas; c)
elemento sociológico, fundado na reprovabilidade social da conduta do agente
(RIGONI E GOLDSCHIMIDT; 2016).
A responsabilidade civil poderá ser classificada em direta e indireta,
quanto ao sujeito causador do dano e com a reparação do mesmo. Denomina-
se direta quando a pessoa que arca com o dano é o agente que o causou. A
responsabilidade será indireta se a pessoa que arcará com os valores
indenizatórios não for o agente que causou o dano.
Os pressupostos da responsabilidade são os requisitos indispensáveis
para determinado instituto jurídico. Na responsabilidade civil são: ação, dano e
conduta com respectivo nexo de causalidade. Prevê o artigo 186 do Código
Civil que ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito’.
Apreende-se do artigo citado que: conduta (aquele que por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito); nexo de
causalidade (e causar) e dano (dano a outrem ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito). E o elemento ação que engloba ação e omissão
(RIGONI E GOLDSCHIMIDT; 2016).
No direito do trabalho, a teoria clássica preconiza que para que o
lesado tenha direito à indenização, é necessário que haja dano injusto, nexo
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causal e culpa do causador do dano. Nexo causal é o vínculo existente entre a
execução da atividade exercida e o acidente de trabalho, ou doença
ocupacional. Uma vez que se demonstre que o empregado foi vítima de
doença ou acidente, deve-se comprovar se existe nexo com a atividade
laborativa por ele exercida, em caso positivo, efetiva-se prova de acidente do
trabalho. Pode-se ainda constatar que o empregado é de fato vítima de
acidente ou doença, porem não decorrentes do trabalho.
Outra excludente do nexo de causalidade é o caso fortuito ou força
maior, a legislação acidentária entende de forma exemplificativa o
desabamento, inundação, incêndio.
O fato de terceiro também é justificador da ausência de nexo quando
não há interferência do empregador, mesmo em dano ocorrido no horário de
trabalho. O terceiro na relação de trabalho para fins de definição de acidente
de trabalho será considerado o agente que devidamente identificado cause
acidente que vitime o empregado, no ambiente de trabalho ou em horário de
trabalho, contudo, desde que não seja a própria vítima seu empregador ou
preposto da empresa.
A responsabilização civil do empregador na ocorrência de um acidente
do trabalho ou de uma doença ocupacional, quando comprovado o nexo
causal entre o acidente de trabalho e o prejuízo causado, deve abranger todas
as áreas que foram abaladas na vida do empregado, não somente os danos
patrimoniais como também os extrapatrimoniais: os danos morais e
existenciais.
Responsabilizar civilmente o causador do acidente de trabalho, garante
à vítima o fim da situação que lhe é danosa, e especialmente o respeito a sua
dignidade. Imputação essa que deve suplantar a esfera patrimonial, deve se
fixar também aos danos causados ao equilíbrio do empregado, às prejuízos
relativos a sua existência, ao seu direito de conviver e relacionar, de planejar e
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realizar seus planos, bem como de praticar atividades que dão significado a
sua existência.
No direito do trabalho, a responsabilidade civil precisa então
acompanhar essa evolução, para garantir não apenas o reconhecimento do
dano existencial, mas também a sua reparação. Atenuar o sofrimento
decorrente do trabalho e os abalos diretos na vida do obreiro, em seus
relacionamentos e planos pela via indenizatória é uma forma de tutelar a
dignidade humana.
A valorização do ser humano e a consequente extensão da proteção
de sua integridade física e moral vem evidenciando, historicamente, que não
são apenas os aspectos econômicos os únicos atingidos em ocorrências de
um evento danoso. Um dano pode causar uma série de insatisfações ligadas à
existência do trabalhador.
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CAPÍTULO III
O DANO EXISTENCIAL
3.1 – Evolução histórica
O conceito do dano existencial originou-se certamente na Itália. No
direito italiano, assim como no brasileiro, a responsabilidade civil decorre,
genericamente, do Código Civil, sendo contemplada no Codice Civile Italiano,
em seu quarto livro, onde são tratadas as obrigações (delle obbligazioni)
(GARCIA; 2015).
Neste mesmo livro do Código Civil Italiano, o dano extrapatrimonial e
sua responsabilidade encontram-se no art. 2.059, prevendo, porém, que o
dano não patrimonial deve ser ressarcido apenas nos casos previstos em lei
(Art. 2.059: Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi
determinati dalla legge). Ou ainda, por previsão do Codice Penale Italiano, seu
art. 185 menciona que todo crime que tenha causado um dano patrimonial ou
não patrimonial obriga ao ressarcimento o culpado e as pessoas que, segundo
as leis civis, devem responder pelos atos (GARCIA; 2015).
Dessa forma, o dano extrapatrimonial somente seria passível de
indenização quando a norma legal previsse a ocorrência do mesmo. Isto é, que
o dano causado por uma conduta criminosa obrigava o culpado, ou o seu
responsável, a indenizar a vítima.
Santos explica essa hipótese de dano e fala da relevância da vida e do
relacionamento dos indivíduos em sociedade. Segundo este doutrinador ‘o
homem não vive em solidão, mas em contato com outras pessoas. Não é um
Robson Crusoé, nem se compraz em viver distante da sociedade’ (GARCIA;
2015).
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Contudo, o dano à vida conquistou um papel bem mais importante,
assemelhando-se conceitualmente da defesa da existência do individuo e de
seu direito a uma vida digna.
Já na década de 1980, no enfrentamento da sentença 184/86, ao
discutir sobre a constitucionalidade do art. 2.059, em um caso de dano com
consequência sobre a saúde da vítima, a Corte Constitucional Italiana
sustentou a tese da existência de um dano não patrimonial, que passou a ser
denominado de dano biológico ou dano à saúde.
Aquela espécie de dano nasceu como hipótese acolhida pelo art. 32 da
Constituição Italiana, que reconhece o direito à saúde como bem fundamental
de todos os cidadãos jurisdicionados.
Para Ottonello, foi nessa ocasião que a Corte Constitucional Italiana
concebeu não a origem de uma nova categoria de dano, mas a possibilidade
de reparação de um dano que constitui a própria essência de seu conceito. A
autora acredita que nesta espécie de dano são considerados os efeitos
produzidos na saúde do individuo, na sua capacidade laborativa e na sua vida
social, podendo tal dano ser indenizável em decorrência das perdas
patrimoniais e, especialmente, nas extrapatrimoniais (GARCIA; 2015).
Com o reconhecimento do conceito de dano biológico pela Corte
Constitucional Italiana, explica Ziviz, a nova doutrina permitiu o reconhecimento
da proteção de todo e qualquer dano de origem extrapatrimonial, que
ofendesse os direitos fundamentais (GARCIA; 2015).
Assim, em 07.07.2000, a Corte de Cassação Italiana proferiu a
sentença 7.713/00, por meio da qual se reconheceu o danno esistenzale (o
dano existencial), como um dano extrapatrimonial que exige a proteção da
dignidade da pessoa humana.
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No entanto, essas regras não eram competentes para proteger o direito
daqueles casos em que comprovasse a existência de ilícito civil e de dano, não
havia ilícito penal.
Em meio à lacuna normativa, a doutrina italiana desempenhou um
especial e importante papel na orientação e formação da jurisprudência, desde
a promulgação do Código Civil em 1942. Foi a jurisprudência italiana que
historicamente auxiliou o intérprete do texto normativo na criação de hipóteses
de ocorrência de danos extrapatrimoniais.
Na década de 1950, houve o reconhecimento do ‘dano à vida de
relação’, o qual obrigava o ofensor à indenização, independentemente da
indenização devida pelo dano material sofrido pelo lesado (MONTENEGRO;
1984).
A partir da década de 1970, começaram a ser emitidos julgados
determinando a necessidade de proteger a pessoa humana contra atos que,
em maior ou menor grau, atingissem o terreno da sua atividade realizadora,
embora naquela época não se empregasse explicitamente a denominação
‘dano existencial’. Desse modo, a jurisprudência italiana afirmou o direito à
saúde como direito fundamental, e assim, qualquer dano à saúde da pessoa
passou a ser considerado como ‘dano injusto’, suscetível de indenização,
independentemente da existência de ilícito penal (SOARES; 2009).
Na Itália, a partir desse amplo reconhecimento do dano biológico, a
tutela dos interesses imateriais da pessoa evoluiu extraordinariamente.
Diversos tipos de danos que dificilmente eram objeto de apreciação judicial
passaram a ser analisados e reconhecidos, sob a denominação de dano
biológico.
Tratava-se de interesses imateriais que requeriam a tutela jurídica, mas
não se enquadravam nos conceitos tradicionais de dano moral. Entretanto, o
conceito de dano biológico foi sendo ampliado de tal modo que quase todas as
violações ao direito de personalidade eram consideradas como danos
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biológicos. Assim, a justiça italiana entendeu que nem todos os interesses
imateriais da pessoa que fossem lesados seriam danos morais e não
poderiam, também, ser considerados como danos biológicos.
Destarte, foram traçados os primeiros conceitos de uma nova definição
da responsabilidade civil, que incluía tais danos no contexto de uma categoria
denominada ‘dano existencial’, baseada nas atividades remuneradas ou não
remuneradas da pessoa, referente a interesses diversos da integridade
psicofísica, tais como as relações de estudo, sociais, familiares, afetivas,
culturais, artísticas, ecológicas etc., que eram afetadas negativamente por uma
conduta lesiva (SOARES; 2009).
Na doutrina brasileira, a obra de Flaviana Rampazzo Soares (2009)
conceitua esta espécie de dano pelo que segue:
O dano existencial é a lesão ao complexo das relações que
auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do
sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma
afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária,
seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a
vitima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu
cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar
em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina.
O dano existencial se consubstancia como visto, na alteração
relevante da qualidade de vida, vale dizer, em um ‘ter que agir
de outra forma’ ou em um ‘não poder mais fazer como antes’,
suscetível de repercutir, de maneira consistente e, quiçá,
permanente sobre a existência da pessoa (GARCIA; 2015).
Dessa forma, o dano existencial é uma espécie do gênero dano
extrapatrimonial e está intimamente relacionado com a proteção do direito
fundamental da pessoa humana de criar para si um projeto de vida,
caracterizando-se, pois, nas situações em que o obreiro obriga-se a modificar
significativamente seu modo de vida.
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Esclarece também Bebber (2009) que o dano existencial é uma lesão
que compromete a liberdade de escolha e ‘frustra o projeto de vida que a
pessoa elaborou para sua realização como ser humano’, apresentando-se
como existencial, ‘exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um
vazio existencial na pessoa’. Para este autor, o dano existencial decorre da
‘frustração de uma projeção que impede a realização pessoal’, que impõe ao
ofendido a obrigação de ‘relacionar-se de modo diferente no contexto social’,
uma vez que o dano frustra a realização de seu projeto de vida, compelindo o
ofendido a uma reformulação forçada do seu projeto de vida, em função de
limitações que trazem consigo um nexo de causalidade com o dano sofrido.
O dano existencial não depende de repercussão financeira ou
econômica, como também não se fundamenta especificamente na esfera
íntima (dor e sofrimento, características do dano moral). Diversamente do dano
moral apresenta-se diretamente conectado a um dano de cunho psicológico,
decorrente de um desgosto profundo ou de um decepcionante aborrecimento,
que leva a um abalo na estrutura psicológica do individuo. Não obstante, o
dano existencial define-se pela capacidade de comprometer profundamente o
modo de ser e de viver da pessoa humana, deteriorando os valores e a forma
com as quais o individuo mantém sua vida, além de contrariar a sua própria
existência física, e o obriga a refazer seu modo de ser e de viver, degredado
em sua dignidade de ser humano, forçando-o a adotar uma nova, porém
depreciada, forma de vida.
3.2 – Princípios norteadores do dano existencial
Os princípios que norteiam a responsabilidade civil por dano existencial
dispõem, indiretamente, sobre comportamentos capazes de desenvolver
determinado estado de coisas que se consolida na necessidade de atender a
quem sofre um dano injusto. Assim, o estado ideal é aquele em que as
pessoas devem agir, preservando a dignidade das demais, fazendo o possível
para não prejudicá-la ou os seus interesses, juridicamente relevantes,
devendo, também, contribuir para a promoção do bem comum.
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24
É possível associar diretamente à responsabilidade civil por dano
existencial três princípios: o da dignidade da pessoa humana, o da
solidariedade e o neminem laedere.
Segundo Flaviana Rampazzo (2009), o primeiro e o segundo são os
princípios com ‘raízes’ idênticas às da extrapatrimonialidade característica do
dano existencial. Se a esfera existencial da pessoa é aquela que diz respeito
às suas atividades realizadoras, então, o princípio da dignidade da pessoa
humana e o princípio da solidariedade são as suas bases.
Já o terceiro princípio é princípio genérico da responsabilidade civil, e
se aplica a todos os tipos de danos, inclusive os patrimoniais, e também serve
de base que sustenta a responsabilidade por dano existencial.
O princípio da dignidade humana valoriza fundamentalmente a pessoa,
que deve ser protegida das hostilidades da vida social, pois envolve a idéia de
um ser capaz de agir livre e conscientemente sobre o mundo físico e de alterar
o seu ambiente, de acordo com as circunstâncias que lhe convier, mas,
sobretudo como titular de direitos que podem ser estabelecidos e exercitados,
tanto de forma singular quanto de forma coletiva (SOARES; 2009).
A dignidade é um valor peculiar característico do ser humano, pois ele
detém razão e consciência particulares, com a típica capacidade de agir sobre
o mundo, e de interagir com o meio em que vive, de acordo com as
características que lhe sejam mais convenientes e segundo a sua vontade e
capacidade. Alem disso, é o ser humano que tem a capacidade de identificar
as suas próprias particularidades e reconhecer que os demais também as têm.
O conceito de dignidade da pessoa humana nem por isso deixa de ser
impreciso e de estar em permanente evolução, apesar de,
inquestionavelmente existente e substancialmente fundado na ‘autonomia e no
direito da autodeterminação da pessoa’ (SARLET; 2006).
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25
A dignidade humana é um princípio fundamental consagrado no artigo
1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, instituído como fundamento do
Estado Democrático de Direito e dele refletem fenômenos com amparo
jurídicos, especialmente relacionados à personalidade humana.
A dignidade da pessoa humana estabelece a prioridade da tutela da
vulnerabilidade humana, a garantia de direitos de liberdade, bem como o não
emprego de meios nos quais a pessoa é tratada como objeto, sendo, também
dever do Estado garantir a sua preservação, assim como estimular o seu
respeito e desenvolvimento.
O princípio da solidariedade humana é o princípio que detém a origem
da proteção das manifestações da personalidade humana e da proteção dos
interesses imateriais da pessoa humana, assim como, a necessidade de
respeito à integridade física e psíquica, à intimidade, à vida privada, à imagem,
à honra, à autodeterminação, entre outros.
A solidariedade tem origem na fraternidade, cujo objetivo visa à mútua
cooperação para obtenção do bem comum e a ordem social, proporcionando o
desenvolvimento digno de todos, e é norma que tem como diretriz a garantia
de condições adequadas ‘para uma existência livre e digna pela afirmação e
desenvolvimento da própria personalidade’, os objetivos que devem estar
presentes em todos os dispositivos reguladores da convivência social
(SOARES; 2009).
Desse modo, as normas do direito positivo contemporâneo devem
priorizar as condutas humanas que visam ao bem-estar comum, visto que a
existência digna determina que as pessoas, necessariamente, devem agir e
também atuar de modo que favoreçam e não prejudiquem os outros, sempre
que possível, assim como, estabelece, ao mesmo tempo, que ninguém deve
sofrer um dano injusto sem ser indenizado.
A solidariedade foi fator fundamental para que os denominados direitos
sociais mudassem seu status para direitos fundamentais, e em determinadas
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circunstâncias, foi fundamental para o reconhecimento pela sociedade de
pessoas que, em razão de certas premissas, ela própria elegeu como capazes
de serem beneficiadas por algum tipo de amparo social.
Neminem laedere é o princípio que orienta a necessidade de proteção
quanto às demais pessoas e seus interesses legítimos, cuja determinação é a
essência da responsabilidade.
De acordo com esse princípio, ninguém deve ser lesado, e o
comportamento ideal é aquele em que a pessoa conduz os atos da sua vida na
intenção de realizar os seus interesses legítimos e, também, fomentar os
interesses dos demais.
Com base nesse princípio, fazer o bem é uma obrigação que, se for
descumprida, desequilibra a ordem moral e a ordem social, gerando
desaprovação por parte da consciência pública, motivo para o direito agir e
impor uma resposta à lesão, ‘contendo’ o ofensor, ‘nos limites da lei’
(SOARES; 2009).
3.3 – Dano moral e dano existencial – distinção
De acordo com De Plácido Silva, a expressão dano deriva do latim
damnum e significa todo mal ou ofensa que uma pessoa tenha causado a
outrem, da qual possa resultar perecimento ou destruição a alguma coisa dele
ou que tenha gerado um prejuízo a seu patrimônio (SILVA; 2009).
Para Sergio Martins (2008), em sentido amplo, dano: é um prejuízo,
ofensa, deterioração, estrago, perda. É o mal que se faz a uma pessoa. É a
lesão ao bem jurídico de uma pessoa. O patrimônio jurídico da pessoa
compreende bens materiais e imateriais (intimidade, honra etc.).
Os danos podem ser classificados, assim, em patrimoniais (materiais)
e extrapatrimonais. Quanto à proteção aos danos não patrimoniais, observa
Flaviana Rampazzo Soares (2009) que a tendência contemporânea mundial é
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a de maior proteção aos interesses imateriais da pessoa, não compreendendo
somente os danos morais em si, mas todo e qualquer dano não patrimonial
que seja juridicamente relevante ao livre desenvolvimento da personalidade,
que tornam plena a existência da pessoa, tal como é o direito à integridade
física, à estética e às atividades realizadoras do ser humano.
Não obstante sejam espécies do gênero dano de natureza
extrapatrimonial, dano moral e danos existenciais não devem ser confundidos.
Não são expressões de sentido semelhante, como se poderia
equivocadamente acreditar. O dano moral consiste na lesão sofrida pela
pessoa no que diz respeito à sua personalidade, a sua intimidade. Envolve,
portanto, um aspecto não econômico, não patrimonial, que atinge a pessoa no
seu íntimo. Para Mauricio Godinho Delgado (ANO), o dano moral fere a esfera
subjetiva de um indivíduo, atingindo os valores personalíssimos intrínsecos a
sua condição de pessoa humana, tal qual a honra, a imagem, a integridade
física e psíquica, a saúde etc., e provoca dor, angústia, sofrimento, vergonha
(FILHO, 2016).
A reparação por dano moral visa, portanto, ‘compensar, ainda que por
meio de prestação pecuniária, o desapreço psíquico representado pela
violação do direito à honra, liberdade, integridade física, saúde, imagem,
intimidade e vida privada’ (FILHO, 2016).
Por sua vez, o dano existencial não depende de repercussão financeira
ou econômica, e não diz respeito à vida íntima do ofendido (dor e sofrimento,
características do dano moral). Trata-se de um dano que provém de uma
frustração ou de uma projeção negativa que impedem a realização pessoal do
trabalhador (com perda da qualidade de vida e, consequentemente,
modificação in pejus da personalidade). Embora pertencente ao mesmo
gênero de dano, extrapatrimonial, mas diversamente do dano moral, o dano
existencial refere-se a uma análise conceitual, com um caráter mais elevado e
de natureza peculiar (BEBBER; 2009).
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Desse modo, o dano existencial impõe a reprogramação e obriga o
individuo a um relacionar-se de modo diferente no contexto social. O que
distingue o dano existencial do dano moral é que este gera consequências na
vida íntima (padecimento da alma, dor, angústia, mágoa, sofrimento, etc.) e a
sua dimensão é subjetiva e não exige prova; enquanto o dano existencial é
suscetível de comprovação objetiva (BEBBER; 2009).
Para Flaviana Rampazzo Soares (2009), a distinção entre dano
existencial e o dano moral reside no fato de este ser um sentimento na sua
essência, e o dano existencial é uma limitação do desenvolvimento normal da
vida da pessoa, é uma mudança imposta de agir. Nesse sentido, enquanto o
dano moral incide sobre o ofendido, simultaneamente à consumação do ato
lesivo, o dano existencial, geralmente, manifesta-se e é sentido pelo lesado em
momento posterior, porque ele é uma sucessão de alterações prejudiciais na
vida cotidiana, sequência essa que só o tempo é capaz de caracterizar.
Assim, se no contexto da relação de emprego, houver a ocorrência de
dano existencial e de dano moral, poderá haver a cumulação entre ambos,
desde que sejam provenientes do mesmo fato. Do mesmo modo que é
possível cumular o dano moral com o dano material. Com relação à cumulação
do dano material com o dano moral, aduz a Súmula nº 37 do STJ: São
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do
mesmo fato e, por conseguinte, também será possível cumular o dano moral
com o dano estético, pela lesão à saúde do trabalhador, com o dano
existencial.
Desse modo, quando são afetadas as atividades inerentes do
trabalhador, em função do dano a sua saúde física ou mental, que se originou
pelo excesso de trabalho, poderá ocorrer a fixação de forma cumulada tanto do
dano moral quanto do dano existencial. Essa cumulação ocorre não só pelo
prejuízo ocasionado aos prazeres de vida e ao desenvolvimento dos hábitos de
vida pessoal, social e profissional do empregado, mas também pelo dano à
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sua saúde, ainda que a sequela resultante do acidente do trabalho não seja
responsável pela diminuição da sua capacidade laborativa.
Conclui-se, portanto, que ‘o reconhecimento do dano existencial, para
figurar ao lado do dano moral, revela-se imprescindível para a completa
reparação do dano injusto extrapatrimonial cometido contra a pessoa’ e ‘para a
proteção total do ser humano contra as ofensas aos seus direitos
fundamentais’ (NETO; 2005).
Como visto anteriormente, o dano moral caracteriza-se pela alteração
psicológica que se instala na entidade psíquica do individuo. Pode parecer,
equivocadamente, que qualquer aborrecimento efêmero causa o dever de
indenização.
Contudo, embora exista um dever genérico de não prejudicar ninguém,
traduzido no princípio alterum non laedere, existe um direito, também genérico,
de ressarcimento, conquanto se possa provar que houve uma afronta em seus
sentimentos.
Esse princípio não é absoluto e, encontra limites no instituto da
compensação do dano moral. Nesse sentido, o simples desconforto, traduzido
pela idéia de dano moral puro, decorrente de acontecimentos triviais, não
justifica indenização. Para que exista o dano moral é necessário que exista
uma grandeza de importância e gravidade na ofensa sofrida. Há sempre que
se verificar a intensidade da esfera espiritual da pessoa ofendida,
considerando-se, entretanto, os casos de pessoas com suscetibilidade
extrema, que devem ser analisados muito comedidamente. Veja-se que há de
ser verificado o dano sempre de acordo com os sentimentos de um homem
médio.
Nesse sentido nos ensina Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti apud
Antonio Jeová dos Santos: diferente do que ocorre com o dano material, o
desamparo do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa
relevância para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de
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pequena importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade
que o individuo desenvolva, nunca configurarão o dano moral (SANTOS;
2003).
Portanto, é necessário um rol mínimo de inconvenientes, desgostos,
incômodos e sensações desagradáveis que, em razão do convívio social no
mundo contemporâneo, devem ser tolerados, e não justificam ser indenizados.
O dano moral somente será devido, com a sua consequente indenização
compensatória, se o evento danoso que o originou for realmente ofensivo ao
direito de personalidade do indivíduo, e seja prolongado no tempo,
caracterizando, assim, a lesão ao seu íntimo.
Além dos elementos peculiares a qualquer forma de dano, como a
existência de prejuízo, o ato ilícito do agressor e o nexo de causalidade entre
as duas figuras, o conceito de dano à existência é integrado por dois
elementos, quais sejam: a) o projeto de vida; e b) a vida de relações (FROTA;
2010).
O primeiro deles Júlio César Bebber (2009) associa a tudo aquilo que
determinada pessoa decidiu fazer com a sua vida. O ser humano, por
natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades, o que o
leva a projetar frequentemente o futuro e fazer escolhas no sentido da
realização do projeto de vida. Por isso, qualquer fato injusto que frustre esse
projeto, e impeça a sua plena realização e obrigue a pessoa a resignar-se com
o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial.
Ainda sobre o mesmo elemento, Hidemberg Alves da Frota (2010),
ensina que o direito ao projeto de vida somente é efetivamente exercido
quando o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, direcionando sua
liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-
temporal em que se insere, às metas, aos objetivos e às idéias que dão
sentido à sua existência.
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Quanto à vida de relação, o dano se caracteriza, na sua natureza, por
ofensas físicas ou psíquicas que impeçam a pessoa da fruição total ou parcial,
dos prazeres decorrentes das várias formas de atividades recreativas e
extralaborativas, tais como a prática de esportes, o turismo, a pesca, o
mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre tantas outras.
Esse impedimento acaba por interferir decisivamente no estado de ânimo do
trabalhador atingindo, portanto, o seu relacionamento social e profissional.
Com isso suas chances de adaptação ou ascensão no trabalho são reduzidas,
causando reflexos negativos no seu desenvolvimento patrimonial (ALMEIDA;
2005).
Em suma, o dano à vida de relação, ou dano à vida em sociedade,
com bem observa Amaro Alves de Almeida Neto: ‘indica a ofensa física ou
psíquica a uma pessoa que determina uma dificuldade ou mesmo a
impossibilidade do seu relacionamento com terceiros, o que causa uma
alteração indireta na sua capacidade de obter rendimentos’ (ALMEIDA; 2005).
No exame de Hidemberg Alves da Frota (2010), o prejuízo à vida de
relação, refere-se ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos
ambientes e circunstâncias, que permite ao ser humano construir a sua história
vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao desfrutar com seus
pares a experiência humana, compartilhando ideais, sentimentos, emoções,
hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e evoluindo, através do
relacionamento constante (processo de diálogo e de dialética) em torno da
pluralidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e
valores inerentes à humanidade.
Não é difícil imaginar o dano causado à ‘vida de relação’ de determinado
empregado em decorrência de condutas ilícitas rotineiras e regulares do
empregador, como a constante utilização de mão de obra em horas
extraordinárias, impedindo-o de desenvolver regularmente outras atividades
sociais e culturais em seu meio social. Contudo, o dano à vida da relação
poder ser causado por um único ato. Um bom exemplo seria o do empregador
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32
que compele determinado empregado a terminar determinada tarefa, que
poderia ser concluída por outro colega, no dia, por exemplo, de primeira
eucaristia de um de seus filhos, impedindo-o de comparecer à cerimônia.
Quanto às relações familiares insta ressaltar que a Constituição de 1988
expressamente estatui que ‘a entidade familiar, base da sociedade, tem
especial proteção do estado’ (art. 226, caput) e que ‘É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar’ (art. 227). E como bem observa Maria Vittoria Ballestrero,
a tutela da família não pode alhear-se das normas que impõe ao tomador dos
serviços o reconhecimento ao trabalhador do direito que presume que ele saia
do trabalho com tempo e energia para se dedicar à sua família. Em outras
palavras, a idéia de proteção da família passa pela conciliação entre interesse
do empregador de usar a força laborativa do trabalhador da forma que mais lhe
convier e o interesse do trabalhador em satisfazer as necessidades de sua vida
privada e familiar (FILHO; ALVARENGA; 2016).
Como bem observa Eugênio Bonvicini, citado por Hidemberg Alves da
Frota (2010), as atividades recreativas representam ‘uma fonte de equilíbrio
físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do
mundo moderno’. Ao discorrer sobre tais atividades, Guido Gentile, citado pelo
mesmo autor nacional, assinala que ‘o incremento delas facilita o
desenvolvimento da própria labuta profissional’ (NETO; 2005).
O dano existencial obsta a efetiva integração do trabalhador à
sociedade e o seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano. A realização
efetiva de todas as suas potencialidades somente seria possível, com a fruição
de todos os círculos de sua vida, a saber: cultural, afetivo, social, esportivo,
recreativo, profissional, artístico, entre outros.
No que diz respeito ao direito ao lazer, assinala Márcio Batista de
Oliveira, que a eficácia da sua aplicação manifesta-se na garantia da
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irrefutabilidade da dignidade da pessoa humana do trabalhador, pois, esse
direito deve assegurar o desenvolvimento cultural, pessoal e social do
trabalhador, e tem ainda por objeto a melhoria da qualidade de vida do
trabalhador, a segurança de sua integridade física, intimidade e privacidade
fora do ambiente do trabalho (ALMEIDA; 2012).
É também através do direito ao lazer, que o trabalhador adquire o direito
à desconexão, cujo direito relaciona-se com os direitos fundamentais relativos
às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, descritas na
Constituição Federal quanto à limitação da jornada, ao direito ao descanso, às
férias, e à redução de riscos de doenças e acidentes de trabalho (art. 7º,
incisos XIII, XV, XVII e XXII, da CF), e expressam a preocupação com a
integridade física e psíquica, bem como com a restauração da energia do
trabalhador (OLIVEIRA; 2012).
Nesse sentido, ‘o reconhecimento da figura do dano existencial na
tipologia da responsabilidade civil exsurge como a consagração jurídica da
defesa plena da dignidade da pessoa humana’, tendo em vista que o dano
existencial causa uma frustração no projeto de vida do ser humano, colocando-
o em uma situação de manifesta inferioridade - no aspecto de felicidade e
bem-estar – se comparada àquela anterior ao dano sofrido, sem
necessariamente importar em um prejuízo econômico. Mais do que isso,
ofende diretamente a dignidade da pessoa, dela retirando ou anulando uma
aspiração legítima (...) (NETO, 2005).
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CAPÍTULO IV
O DANO EXISTENCIAL NA JUSTIÇA LABORAL
4.1 – O dano existencial no projeto de vida do trabalhador
Os direitos da personalidade têm por objeto garantir os elementos
constitutivos da personalidade do ser humano, enquanto protetores da
dignidade da pessoa humana, tomada nos aspectos da integridade física,
psíquica, moral e intelectual. Além do que, são direitos que não desaparecem
no tempo e nunca se separam do seu titular.
Acentua Flaviana Rampazzo Soares (2009) que a tutela à existência da
pessoa decorre da valorização de todas as atividades que a pessoa realiza, ou
realizará, considerando que tais atividades promovam ao indivíduo o alcance
da sua felicidade, exercendo, plenamente, todas as faculdades físicas e
psíquicas. Ademais, a felicidade é, em última análise, a razão de ser da
existência humana.
Sendo assim, o bem-estar e a qualidade de vida ‘são a exteriorização de
toda a potencialidade da personalidade da pessoa, representam a ação do ser
humano, destinada a atingir a felicidade, a realização, a busca da razão de ser
da existência’ (SOARES, 2009).
O dano à existência do trabalhador implica, assim, em violação aos
direitos da personalidade do trabalhador. A lesão ao projeto de vida e à vida de
relação agrava as seguintes espécies de direitos da personalidade: direito à
integridade física e à psíquica, direito à integridade intelectual, bem como o
direito à integração social.
Paulo Oliveira V. Oliveira (2010) trata do direito à integração como uma
quarta espécie de direito da personalidade do trabalhador. Para o autor, o
direito da personalidade à integração social visa assegurar ao trabalhador o
direito de ‘ser essencialmente político, essencialmente social, a pessoa
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humana tem direito ao convívio familiar, ao convívio com grupos intermediários
existentes entre o indivíduo e o Estado, grupos a que se associa pelas mais
diversas razões (recreação, defesa de interesses corporativos, por convicção
religiosa, por opção político-partidária, etc.), direito do exercício da cidadania
(esta tomada no sentido estrito [status ligado ao regime político] e no sentido
lato: direito de usufruir de todos os bens de que a sociedade dispõe ou deve
dispor para todos e não só para eupátridas, tais como, educação escolar nos
diversos níveis, seguridade social (saúde pública, da previdência ou da
assistência social’.
Dessa forma, ‘o que se percebe, em última análise, é que onde não
houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano,
onde as condições mínimas para uma existência digna não forem
asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a
autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais
não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para
a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não
passar de mero objeto de arbítrio e injustiças’ (SARLET, 2006).
4.2 – O dano existencial e a saúde do trabalhador
Como visto, ao submeter o trabalhador a exaustivo regime de trabalho, o
empregador incide na formação do dano ao projeto de vida e à sua existência,
pois retira-lhe o tempo para o lazer, para a família e para o seu próprio
desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e intelectual, afetivo, entre outros.
Podendo também resultar em prejuízo para a saúde do trabalhador, motivo
pelo qual deverá ser duplamente combatido.
No que tange à proteção à saúde do trabalhador, Mauricio Godinho
Delgado, em debate realizado sobre a redução da duração da jornada do
trabalho para 40 horas semanais no Brasil, destacou que a extensão do tempo
de disponibilidade humana oriunda do contrato laboral causa impactos no
plano da sua saúde e da sua educação, além de intervir no plano de suas
relações com a família e no convívio social. Nesse aspecto, assegura que a
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ampliação da jornada, inclusive com a prestação de horas extras, acentua,
radicalmente, a ocorrência de doenças profissionais, ocupacionais ou
acidentes do trabalho, enquanto que sua redução diminui de maneira
significativa tais probabilidades da denominada infortunística do trabalho, cuja
ciência estuda os acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais
(DELGADO; 2010).
Portanto, é a violação à existência do trabalhador, enquanto ser humano
dotado de projetos de cunho pessoal, profissional e pessoal, que traduz como
consequência o comprometimento da sua saúde, que será responsável pelo
aparecimento de doenças ocupacionais do trabalho que podem colocar em
risco a saúde física e mental do empregado. Quanto maior a agressão à saúde
do trabalhador no ambiente de trabalho, maior também será a agressão ao seu
sistema imunológico, ficando este cada vez mais vulnerável a doenças
decorrentes do trabalho.
Quando o trabalhador é vítima de lesão por esforços repetitivos, ele não
sofre somente de um dano à sua saúde, mas também de um consequente
dano existencial: a lesão por esforços repetitivos que atinge o sistema
músculo-esquelético da pessoa, principalmente os membros superiores, pode,
em estágio avançado, gerar a incapacidade para diversas outras atividades. A
lesão por esforços repetitivos decorre de uma exposição descontrolada aos
fatores que a desencadeiam, exposição essa que geralmente é deliberada por
condições injustas de trabalho às quais o trabalhador pode ser submetido
(SOARES; 2010).
Nesse aspecto, ‘a dor intensa, o formigamento, a dormência, etc.,
ocasionados pela lesão por esforços repetitivos é dano à saúde e atinge,
negativamente, a pessoa que, em função de tais sintomas, não consegue
manter a rotina de atividades mantida no período anterior à lesão’. Em razão
disso, a L.E.R., em estágio avançado, obsta a pessoa de realizar não apenas a
atividade profissional habitual, como também impede o exercício de tarefas
singelas do dia-a-dia, como varrer a casa, tomar banho, cozinhar, ou atividades
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de lazer, como tocar violão. Uma mudança danosa nos hábitos de vida,
transitória ou permanente: eis o dano existencial (SOARES; 2010).
O direito fundamental à saúde está diretamente relacionado à qualidade
de vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho e visa promover a sua
incolumidade física e psíquica durante o desenvolvimento da sua atividade
profissional, de modo que o trabalho possa ser executado de forma saudável e
equilibrada e que o trabalhador possa de lá sair em condições de desenvolver
outras atividades, desfrutando assim dos prazeres de sua existência enquanto
ser humano.
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CAPÍTULO V
A REPARAÇÃO AO TRABALHADOR VITIMADO PELO
DANO EXISTENCIAL
5.1 – Indenização por dano existencial
Além do dano emergente e do lucro cessante, hipóteses tradicionais de
dano patrimonial que deve ser ressarcido, a doutrina de diversos países vem
reconhecendo o direito à reparação pela perda de uma chance, quando esta
for séria e real.
O seu diferencial traduz-se justamente na probabilidade e não na
certeza do resultado aguardado. Esta situação não se confunde com a dos
lucros cessantes na qual o juízo quanto ao dano é um juízo de certeza. O
evento danoso existe e o juízo de probabilidade limita-se à mensuração do
quantum que a vítima deixará de perceber em decorrência do dano. Em ação
de indenização por perda de uma chance há incerteza quanto ao fato
supostamente danoso em si. O mesmo argumento pode ser utilizado para
distingui-la da hipótese de dano emergente, em que o dano é real e
quantificado.
Como salienta Raimundo Simão de Melo, se a perda de uma chance for
enquadrada como dano emergente ou lucro cessante, o autor da ação deverá
comprovar inequivocamente que, não se não existisse o ato danoso, o
resultado teria se consumado, com a conquista da chance pretendida, o que é
impossível. Se a vitória não pode ser provada e confirmada rigorosamente, o
mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção do resultado esperado
(MELO; 2007).
Tampouco a indenização por perda de uma chance pode ser confundida
com uma indenização de natureza exclusivamente moral; entretanto, pode ser
possível que a perda de uma chance gere também um dano daquela natureza.
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A perda de uma oportunidade real prejudica o próprio patrimônio da vítima e
não apenas os seus atributos da personalidade. É possível afirmar que a perda
de uma chance situa-se em uma zona intermediária entre o dano patrimonial,
facilmente mensurável, e o extrapatrimonial, que precisa ser determinado por
atingir bens valiosos, embora não econômicos. A despeito da chance perdida
não possuir valor econômico preciso, é possível arbitrar o seu valor a partir do
poderia ter auferido se a oportunidade não fosse prejudicada por outrem e o
objetivo fosse plenamente alcançado.
Não se mostra correta, por conseguinte, a seguinte decisão emanada do
TRT da 3ª Região (FILHO, 2010) que reconheceu o direito de um trabalhador
que fora deslocado pela empresa de sua Cidade para Cidade a uma
indenização por dano moral pela Perda de uma Chance:
EMENTA: TRABALHO/EMPREGO. PROCESSO SELETIVO. PERDA
DE UMA CHANCE. NOVA MODALIDADE DE DANO MORAL.
FIXAÇÃO DO QUANTUM. Um dos fundamentos da Constituição da
República é o trabalho, art. 1º da CRF/88 e art. 170, caput, também da
Constituição que dispõe que a Ordem Econômica funda-se na
valorização do trabalho humano. Há de ser salientado, inclusive, que o
trabalho é tão importante para o homem que a partir do momento em
que se trava qualquer relacionamento, uma das primeiras perguntas
que se faz é: em que você trabalha? Estando desempregado o homem
deixa de responder a tal questionamento, sentindo que não contribui
para os meios de produção, o que lhe retira sua dignidade enquanto ser
humano, princípio, hoje, que norteia todo o Ordenamento Jurídico. In
casu, embora a expectativa criada no reclamante, ao ser deslocado
pela reclamada de sua Cidade para Cidade diversa e de ser contratado
mediante carteira assinada atraia o pagamento de indenização por
dano moral, pela Perda de uma Chance, ou seja, subtração de uma
oportunidade, o valor da indenização deve observar determinados
parâmetros. Como nos ensina Raimundo Simão de Melo, Procurador
Regional do Trabalho, em artigo da LTr - 71-04/439, Abril/2007, "A
Solução para se aferir o dano e fixar a indenização, dependendo da
situação, não é tarefa fácil para o Juiz, que não pode confundir uma
mera hipotética probabilidade com uma séria e real chance de
atingimento da meta esperada. Mas, é claro, a reparação da perda de
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uma chance não pode repousar na certeza de que a chance seria
realizada e que a vantagem pretendida resultaria em prejuízo. Trabalha-
se no campo da probabilidade. Nesta linha, consagrou o Código Civil
(art. 402), o princípio da razoabilidade, caracterizando, no caso, o lucro
cessante como aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, o
que se aplica a essa terceira espécie de dano, que para aquilatá-lo
deve o Juiz agir com bom-senso, segundo um juízo de probabilidade,
embasado nas experiências normais da vida e em circunstâncias
especiais do caso concreto. A probabilidade deve ser séria e objetiva
em relação ao futuro da vítima, em face da diminuição do benefício
patrimonial legitimamente esperado", critérios que foram observados
pela r. sentença. (TRT da 3ª Região, 10ª Turma. RO - 00709-2008-033-
03-00-5. Decisão proferida em 08.07.09 -DEJT 15-07-2009 PG: 121.
Relatora Convocada Taísa Maria Macena de Lima)
Bastante interessante para ilustrar essa alegação, assim como para
compreender melhor a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma
chance, é a decisão proferida pelo STJ, que reduziu a indenização devida pelo
SBT por frustrar a chance de uma candidata do ‘Show do Milhão’ de vencer o
prêmio máximo de R$ 1 milhão, a qual foi apresentada uma pergunta mal
formulada. A decisão final fixou a indenização em R$ 125 mil partindo do
pressuposto de que não havia como se afirmar com precisão que a candidata
acertaria a pergunta final de R$ 1 milhão caso ela fosse formulada
corretamente, a quantia foi fixada com base numa probabilidade matemática’
de acerto de uma questão que continha quatro itens. Fosse uma hipótese de
dano material, o valor da indenização teria que corresponder ao do real
prejuízo. Fosse uma hipótese de dano extrapatrimonial, o valor em questão
seria imensurável e seria arbitrado pelo julgador a partir de critérios que não
podem se afastar dos mais básicos princípios do bom-senso.
Contudo, existe a possibilidade da vítima pode sofrer dano moral e
prejuízos materiais por dano emergente propriamente dito cumulados com o
prejuízo pela chance perdida. O exemplo apresentado por Raimundo Simão de
Melo é o do atleta corredor que está a poucos metros da linha de chegada e do
lugar mais alto do pódio quando é agarrado por alguém que o impede de
continuar na disputa, perdendo, assim, a oportunidade de sagrar-se vitorioso.
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Além do inequívoco prejuízo pela perda de uma chance e o abalo psíquico
que, com quase toda certeza o abaterá, esse atleta pode ainda ficar
traumatizado e doente, necessitando, por conseguinte de sério tratamento
médico e psicológico para voltar a correr. Neste exemplo o autor do dano
deverá indenizá-lo pela chance perdida, pela violação aos seus atributos
morais e ressarci-los por todas as despesas médicas (FILHO; ALVARENGA;
2016).
No contexto do contrato de trabalho, são vários os exemplos de
indenização por perda de uma chance que são sujeitos à identificação.
Apresentam-se: a) do empregado que fora excluído do mercado de trabalho
em razão de incapacidade provocada por acidente de trabalho ou por
fornecimento de informações desabonadoras pelo ex-empregador; b)
impossibilidade de conclusão de concurso público em razão de acidente por
culpa do empregador; c) e perda da oportunidade de o empregador
potencializar seus ganhos em razão de empregado em posição de destaque
haver se desligado sem cumprir aviso-prévio.
A distinção a ser feita entre o dano existencial e a perda de uma chance
nasce do pressuposto de que, na perda real de uma chance, se perdeu uma
oportunidade concreta e se sofreu um prejuízo mensurável, a partir da
probabilidade de êxito na pretensão frustrada; e no dano existencial, o que
deixou decorreu foi a perda da existência do direito a exercer uma determinada
atividade e participar de uma forma de convívio inerente à sua existência, que
não pode ser quantificado, nem por aproximação, mas apenas arbitrado. Os
dois institutos podem, eventualmente, ser cumulados. Imagine-se o exemplo
de um maratonista de alto nível que sofre um acidente de trabalho que o
impossibilita de correr para o resto de sua vida às vésperas de uma corrida
cuja premiação era de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesse caso se está
diante de hipóteses de dano moral, existencial e perda de uma chance. O dano
moral pela frustração, pelo desgosto e pela dor provocados pelo fato ocorrido,
a perda da chance de aumento do patrimônio em R$ 50.000,00, resultante da
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não participação da corrida, o dano existencial pelo impedimento de se dedicar
novamente a essa atividade esportiva.
Com relação à fixação do quantum indenizatório do dano existencial,
José Felipe Ledur (2011) sugere alguns parâmetros, veja-se: a condenação em
reparação de dano existencial deve ser fixada considerando-se a dimensão do
dano e a capacidade patrimonial do agente que causou o dano. Perseguindo
um efeito pedagógico e econômico, o valor fixado deve representar um
acréscimo considerável nas despesas da empresa, desestimulando assim a
reincidência, sem, contudo, deteriorar a sua saúde econômica, conforme a
decisão RO 105-14.2011.5.04.0241 do TRT - Rio Grande do Sul. Relator Des.
José Felipe Ledur, 1ª Turma, Diário eletrônico da Justiça do Trabalho, Porto
Alegre, 3 jun. 2011.
Júlio César Bebber (2009) também destaca determinados elementos
que devem ser considerados pelo julgador para a aferição do dano existencial.
Segundo o autor, deve-se levar como análise para fins de aferição do dano
existencial: ‘a) a injustiça do dano. Somente dano injusto poderá ser
considerado ilícito; b) a situação presente, os atos realizados (passado) rumo à
consecução do projeto de vida e a situação futura com a qual deverá resignar-
se a pessoa; c) a razoabilidade do projeto de vida. Somente a frustração
injusta de projetos razoáveis (dentro de uma lógica do presente e perspectiva
de futuro) caracteriza dano existencial. Em outras palavras: é necessário haver
possibilidade ou probabilidade de realização do projeto de vida; d) o alcance
do dano. É indispensável que o dano injusto tenha frustrado (comprometido) a
realização do projeto de vida (importando em renúncias diárias) que, agora,
tem de ser reprogramado com as limitações que o dano impôs. ’
5.2 – Casos Concretos – Sentenças judiciais de dano
existencial
Esta espécie de dano embora seja reconhecida pela doutrina brasileira,
sua adoção ainda é muito acanhada, e verifica-se a sua aplicação
predominantemente na Justiça do Trabalho. Na maior parte dos casos
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enfrentados por esta Justiça especializada, os magistrados singulares, de
primeiro grau de jurisdição, ainda recebem as teses acerca dos danos
existenciais com certa frieza e algum receio.
Todavia, como ocorreu na Itália, a lentos passos os Tribunais Regionais
do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) começam a
recepcionar esse instituto em favor dos trabalhadores que reivindicam em
reclamações trabalhistas indenizações por danos existenciais, cuja alegação
de que as excessivas horas extras, os longos anos sem férias ou o
comprometimento do tempo que impediu o acesso ao lazer, ao estudo e à
família, prejudicaram o projeto de vida pessoal.
Os tribunais nacionais entendem que o arbitramento de indenizações
por danos existenciais deve submeter-se ao mesmo regime do dano moral,
atendendo assim, igualmente, a critérios subjetivos, com a finalidade da tríplice
função da indenização, quais sejam o caráter punitivo, o caráter compensatório
e o caráter pedagógico. Nestes casos, portanto, insta ressaltar a importante
relevância do caráter compensatório da indenização, uma vez que o ofendido _
diferentemente do ofendido por dano moral _ experimentou danos que
alteraram sua forma de vida.
A título de exemplo e de ilustração da atuação jurisprudencial, em
relação a este inovador instituto (dano existencial), observa-se a recente
decisão prolatada em 10.07.2014, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª
Região, enfrentando recurso ordinário que resultou em indenização favorável à
trabalhadora, tal como se verifica na ementa do referido julgado:
DANO EXISTENCIAL. As condições em que era exercido o
trabalho da reclamante no empreendimento réu apontam
ocorrências de dano existencial, pois sua árdua rotina de
trabalho restringia as atividades que compõem a vida privada
lhe causando efetivamente um prejuízo que comprometeu a
realização de um projeto de vida. No caso, a repercussão
nociva do trabalho na reclamada na existência da autora é
evidenciada com o termino de seu casamento enquanto vigente
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o contrato laboral, rompimento que se entende provado nos
autos teve origem nas exigências da vida profissional da autora.
Vistos, relatados e discutidos os autos. ACORDAM os
Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região: por maioria. DAR PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO DA RECLAMADA para fixar
indenização por dano existencial a R$20.000,00 (item “f”do
decisum da origem) (TRT, 2014).
No caso apreciado, uma trabalhadora de Porto Alegre ajuizou demanda
em face do empregador, pleiteando, dentre seus pedidos, uma indenização
reparadora dos danos extrapatrimoniais sofridos em decorrência de quase
cinco anos de trabalho intensivo, no qual exercia cargo de confiança que a
obrigava a longos períodos de horas extras diários, incluindo sábados e alguns
domingos.
Neste caso, a maior relevância surgiu em decorrência das sucessivas
horas extraordinárias que a trabalhadora acabou por fazer contínuas e diárias,
renunciando assim às horas de lazer em companhia de sua família, o que
infelizmente desencadeou o fim de seu casamento.
Ao analisar o referido caso, os desembargadores entenderam que o
excesso de horas extraordinárias comprometeu e prejudicou o projeto de vida
da trabalhadora, decorrendo inclusive com o fim de seu casamento, dando
origem a danos existenciais.
Em outras decisões sobre o tema, concedendo indenizações devido ao
‘dano existencial’, e, apesar de recente, o próprio TST (Tribunal Superior do
Trabalho) já se manifestou sobre o tema em uma decisão sobre uma
economista que trabalhou por nove anos sem usufruir férias. (ED-RR-727-
76.2011.5.24.0002):
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. RELAÇÃO DE
EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. FATO MODIFICATIVO.
TRABALHO AUTÔNOMO. 1. Do registro fático disponibilizado
no v. acórdão recorrido, verifica-se que a reclamada alegou fato
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/124459/estatuto-do-desarmamento-lei-10826-03
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modificativo do direito da autora, visto que admitiu a prestação
de serviços profissionais autônomos. 2. Nesse contexto, o
Tribunal Regional, ao consignar que tocava à reclamada o ônus
da prova da existência da prestação de serviço diversa da
relação de emprego, decidiu em conformidade com dispositivos
legais disciplinadores da distribuição subjetiva do ônus
probatório (artigos 818 da CLT e 333 do CPC). Não
caracterizada a alegada violação dos arts. 5º, XXXVI, da Carta
Magna e 6º da LINDB. Revista não conhecida, no tema.
DIFERENÇAS SALARIAIS. REAJUSTE. REFLEXOS.
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. Inservíveis para análise
do tema os arestos transcritos, visto que oriundos de Turmas
do TST, hipótese não elencada no art. 896, a, da CLT. Revista
não conhecida, no tema. INDENIZAÇÃO POR DESPESAS
COM CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. JUSTIÇA DO
TRABALHO. Havendo previsão expressa na Lei n.º 5.584/70,
quanto às hipóteses em que deferidos honorários advocatícios
na Justiça do Trabalho, não há falar em indenização da verba
com base nos arts. 389, 395, 402, 403 e 404 do Código Civil.
Precedentes. Revista conhecida e provida, no tema. RECURSO
DE REVISTA DA RECLAMANTE. MULTA. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Não configurada a
oposição de embargos de declaração com intuito protelatório,
porquanto demonstrado o uso regular dos meios e recursos
que a reclamante dispõe para a defesa dos seus interesses em
juízo. Dessarte, o fato de a autora pretender a reanálise da
questão referente ao pagamento do vale-transporte, a título
indenizatório, longe de demonstrar suposta conduta desleal,
retrata a boa-fé da reclamante que, em momento algum,
pretendeu alterar a verdade dos fatos. Por outro lado, ainda
que, em tese, seja possível a aplicação da multa em comento à
parte, a intenção de retardar a entrega da prestação
jurisdicional, em tais hipóteses, deve estar cabalmente
demonstrada. E, in casu, não resulta evidenciado que a
oposição de embargos declaratórios pela reclamante – maior
interessada na rápida solução do litígio - teve a finalidade de
retardar o andamento processual. Decisão regional proferida
em afronta ao art. 538, parágrafo único, do CPC, em face da
sua má-aplicação ao caso concreto. Revista conhecida e
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provida, no tema. VALE-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA
JURÍDICA. PRECLUSÃO. MOMENTO PROCESSUAL
OPORTUNO. SÚMULA 393/TST. Consignado pelo Tribunal de
Origem que o Juízo de primeiro grau de jurisdição examinou o
pedido de pagamento de vale-alimentação, bem como
reconheceu a natureza salarial da referida verba. Nesse
contexto, a aludida questão merecia ser examinada pelo
Tribunal Regional, nos termos do art. 515 do CPC, aplicado
subsidiariamente, não havendo falar em preclusão. Decisão
regional em conformidade com o entendimento cristalizado na
Súmula 393/TST (O efeito devolutivo em profundidade do
recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC,
transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial
ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não
renovados em contrarrazões. Não se aplica, todavia, ao caso
de pedido não apreciado na sentença, salvo a hipótese contida
no § 3º do art. 515 do CPC). Não configurada, portanto, as
alegadas violações dos arts. 302, 303 e 458 do CPC. Recurso
de revista não conhecido, no aspecto. DANO MORAL. DANO
EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS.
NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O
PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA
PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da
Constituição Federal, a lesão causada a direito da
personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das
pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano
decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à
existência da pessoa, consiste na violação de qualquer um dos
direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição
Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do
indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao
projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão
financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.
(ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela
da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem
elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de
causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto
de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão
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decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado
de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de
relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares,
atividades recreativas e extralaborais), ou seja, que obstrua a
integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de
vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do
trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na
hipótese dos autos, a reclamada deixou de conceder férias à
reclamante por dez anos. A negligência por parte da reclamada,
ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não
conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico
personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a
vida privada da reclamante. Assim, face à conclusão do
Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de
indenização, resulta violado o art. 5º, X, da Carta Magna.
Recurso de revista conhecido e provido, no tema.
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CONCLUSÃO
O estudo apresentou o instituto do dano existencial como espécie
autônoma do gênero ‘danos imateriais’, e demonstrou que este recente
instituto jurídico possui contornos conceituais distintos e próprios.
Analisou o princípio da proteção ao trabalhador e a sua importância na
criação e na aplicação das normas de direito do trabalho, como princípio
protetor que tem plena autonomia no mundo jurídico, o que inclui não só a
ordem jurídica trabalhista, sendo subsidiado também por todo o ordenamento
jurídico nacional.
Demonstrou a distinção entre dano existencial e o dano moral, e
evidenciou que o dano moral existe como um sentimento na sua essência;
enquanto o dano existencial é uma limitação do desenvolvimento normal da
vida da pessoa, que impõe uma mudança na sua própria vida e é sentida pelo
lesado em momento posterior, pois se apresenta como uma sucessão de
alterações prejudiciais na vida cotidiana.
Em seguida, destacou a responsabilidade civil, como agente garantidor