DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE
Este engloba três pesquisas cujo foco incidi na docência universitária e a formação
docente. A discussão sobre os professores (e futuros professores) do ensino superior tem
sido crescente no Brasil e é praticamente impossível discutir esta temática sem tecer
reflexões sobre a docência e a formação desses professores. Assim, este painel tem por
objetivo fazer reflexões sobre o tema e discutir peculiaridades das pesquisas que o
compõe. O primeiro estudo é de abordagem (auto)biográfica, com o uso do método das
histórias de vida, com Ateliês Biográficos de Projeto, pautada na investigação-
formação, foi realizada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e teve
por objetivo analisar como os professores universitários iniciantes desenvolvem
(constroem/delineiam) a sua profissionalidade, afirmando a docência como profissão e
ressignificando sua prática, saberes e contextos formativos. O segundo estudo é de
caráter qualitativo e teve por objetivo principal analisar a formação de professores para
a docência do ensino superior em quatro cursos de Pós-Graduação (Mestrado em Física,
Química, Educação Matemática e Educação Científica e Formação de Professores) da
Bahia. O último estudo de cunho qualitativo, foi realizado a partir do método e da
técnica das histórias de vida, através de entrevistas narrativas, e apresenta reflexões
sobre a formação do docente universitário, a partir da análise do processo de
aprendizado da docência universitária de quatro professores no contexto dos cursos de
Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Assim, através deste, buscamos
contribuir para pensar aspectos da trajetória formativa, do desenvolvimento profissional,
saberes e identidade do docente ou futuro docente universitário.
Palavras-chave: Docência Universitária. Professores. Formação Docente.
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PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS INICIANTES: PROFISSIONALIDADE,
SABERES PEDAGÓGICOS E APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA
Lúcia Gracia Ferreira
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Resumo: Esta pesquisa visa contribuir para os estudos sobre a profissionalidade dos
professores universitários iniciantes, a docência e a formação e, principalmente, refletir
sobre a aprendizagem da docência desses docentes. Tem por objetivo analisar como os
professores universitários iniciantes desenvolvem (constroem/delineiam) a sua
profissionalidade, afirmando a docência como profissão e ressignificando sua prática,
saberes e contextos formativos. A pesquisa, de caráter qualitativo e de abordagem
(auto)biográfica, a partir do método das histórias de vida, pautada na investigação-
formação, foi realizada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, com três
professores universitários com até cinco anos de docência. Foi realizada no ano de 2015
e utilizamos para a coleta de dados instrumentos os ateliês biográficos de projeto
(Delory-Momberger, 2006). com os professores. Os resultados alcançados nesta etapa
dos Ateliês biográficos foram descritos e analisados à luz da técnica de análise temática
(Bardin, 1977) e os dados foram analisados a partir de dois eixos categoriais: 1) como
os professores referem a construção de sua profissionalidade e 2) como os professores
referem seus saberes didático-pedagógicos. Através da análise dos dados foi possível
constatar que, nas formações dos docentes universitários iniciantes há uma lacuna
didático-pedagógica referenciada por eles mesmos. Lacuna essa que reverbera em suas
práticas pedagógicas, muitas vezes, improvisada, intuitiva, sem o devido aporte
científico na Pedagogia e nas Ciências da educação. Verificamos, ainda, nesta pesquisa
elementos das três dimensões da temporalidade (passado, presente e futuro) e que os
projetos de cada um desses professores universitários em início de carreira têm relação
com a vida pessoal e continuidade na carreira profissional docente.
Palavras-chave: Universidade, Profissionalidade docente; professores iniciantes.
Introdução
A formação de professores vem durante muito tempo se dando de forma a
fortalecer uma desvalorização já instalada no âmbito da sua profissão. Por isso, vale
salientar que a formação do profissional da educação, na maioria das vezes, tem sido
legada a último plano em relação a outras profissões. Por isso, pensar no professor
como o principal responsável pela boa ou má condução da educação leva-nos a refletir
sobre as possibilidades que esse profissional tem na realidade para a realização de um
trabalho pedagógico voltado para mudanças.
Assim, este artigo é fruto de uma pesquisa em andamento que vem sendo
realizada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/UFRB, desde o ano de 2015,
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cujo objetivo incide em analisar como os professores universitários iniciantes
desenvolvem (constroem/delineiam) a sua profissionalidade, afirmando a docência
como profissão e ressignificando sua prática, saberes e contextos formativos. Neste
cenário, os resultados da pesquisa visam contribuir para o fortalecimento da pesquisa no
campo da formação de professores e do desenvolvimento profissional, sempre
priorizando a formação dos professores e a docência.
Assim, a profissionalização se caracteriza como um processo histórico
desenvolvido no seio das relações sociais e se refere ao conjunto de procedimentos
próprios de um grupo profissional, no interior de uma estrutura de poder (CUNHA,
1999). Ratificando essa concepção Libâneo (2004, p. 75) a define como sendo aquela
que “refere-se às condições ideais que venham a garantir o exercício profissional de
qualidade”. Dessa forma, a busca pela autonomia e valorização profissional é
envolvida pelo movimento de profissionalização.
Sacristan (1995, p. 65) entende “por profissionalidade a afirmação do que é
específico na acção docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos,
destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”.
Para Boing (2002, p. 10): “marca o início da socialização profissional. É um
conjunto de conhecimentos e capacidades individuais e coletivas socialmente
colocadas como expectativa profissional. Desde a formação inicial, passando pela
formação continuada, percebe-se um constante trabalho de especialistas e profissionais
da área para transmitir os saberes e os fazeres ideais da profissão”.
Para Libâneo (2004, p. 75, 76) “refere-se ao desempenho competente e
compromissado dos deveres e responsabilidades que constituem a especificidade de ser
professor e ao comportamento ético e político expresso nas atitudes relacionadas a
prática profissional. Na prática, isso significa ter o domínio da matéria e dos métodos
de ensino, a dedicação ao trabalho, a participação na construção coletiva do projeto
pedagógico-curricular, o respeito à cultura de origem dos alunos, a assiduidade, o rigor
no preparo e na condução das aulas, o compromisso com um projeto político
democrático”.
D’Ávila (2012, p. 22) afirma que a profissionalidade é “esta capacidade de
mobilizar saberes, competências e valores profissionais no próprio exercício da
profissão, concluímos que a formação inicial constitui-se em etapa fundamental nesse
processo”.
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No contexto da docência universitária, a profissionalidade do professor é
desenvolvida no exercício diário da profissão. Seus saberes didáticos e pedagógicos -
constituintes da profissionalidade como a concebemos - são mobilizados diuturnamente,
tal como acontece com os professores da educação básica. A diferença está no grau de
importância e ressignificação desses saberes ao longo do processo. Ou seja, se os
professores não valorizam (não pesquisam, não estudam, não refletem sobre) os saberes
didático-pedagógicos, considerando-os como de menor monta, sua profissionalidade
estará comprometida. E isso, claro, reverbera no seu profissionalismo (competência
profissional). O docente será mais competente na sua profissão se dominar os saberes
que lhe são constituintes.
Com isso, consideramos que a profissionalidade está vinculada ao processo de
desenvolvimento profissional, em que, no início do exercício da docência os professores
tendem a vivenciar um período de choque com a realidade, de descobertas e de grandes
impactos que são decisivos para sua permanência ou não na profissão.
Esse ritual de passagem, tanto para alunos, como para professores, se revela um
período de descobertas, desafios e dificuldades. Esses sujeitos passam a vivenciar um
duplo processo de aprender a ensinar e ensinar para aprender (MARCELO GARCIA,
2009). Assim, nesse período os professores iniciantes tendem a refletir mais sobre seus
saberes, sua formação e sua profissão. É um momento peculiar de retomada sobre a vida
e o que quer dela e de questionamentos, também, de reflexão sobre a sua
profissionalidade.
Em relação à profissionalidade do professor iniciante do ensino superior,
Marcelo Garcia (1999), ao remeter a formação do professor universitário nos seus
primeiros anos de ensino, aponta que a socialização é um elemento propício para a
aprendizagem da cultura da organização universitária. Dessa forma, enfatiza que no
desenvolvimento profissional do professor universitário deve existir a necessidade de
desenvolver as funções de docência, investigação e gestão.
No/para o desenvolvimento dessas funções os saberes didáticos-pedagógicos dos
professores são/serão imprescindíveis, principalmente sua mobilização e reconstrução.
É nesse processo de ser e estar na profissão docente que se aprende a ser professor e que
os professores iniciantes constroem a sua profissionalidade. Com isso, concordamos
com Ferreira e Bezerra (2015, 195) quando apontam que “tornar-se professor do ensino
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superior se configura, assim, em uma construção identitária multifacetada, pouco
sistematizada e muito diversificada em relação às possíveis áreas de atuação”.
Procedimentos metodológicos da pesquisa
A pesquisa sobre a profissionalidade de docentes da educação superior em início
de carreira foi realizada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/UFRB. Neste
artigo discorreremos sobre os Ateliês biográficos de projeto, trazendo à tona os dados
coletados no ano de 2015. Os ateliês biográficos de projeto se configuram como um
procedimento de formação ligado a “dimensão do relato como construção da
experiência do sujeito e da história de vida como espaço de formação aberto ao projeto
de si” (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 366). Segundo a autora, esses ateliês se
inscrevem em ações de orientação e reorientação profissional, em grupo e numa
prospectiva que liga as três dimensões da temporalidade (presente, passado e futuro).
Esta fase da pesquisa assume um caráter de pesquisa-formação na medida
que « [...] a atividade de pesquisa contribui para a formação dos participantes no plano
das aprendizagens reflexivas e interpretativas e se posiciona nos seus percursos de vida
como um momento de questionamento retroativo e prospectivo sobre seus projetos de
vida e suas necessidades atuais de formação » (JOSSO, 2008, p. 20).
Foi realizada uma pesquisa qualitativa, a partir da abordagem (auto)biográfica,
com o métodos das histórias de vida. A abordagem (auto)biográfica vem sendo muito
utilizada nas pesquisas sobre formação docente, a partir das histórias de vida dos
sujeitos participantes. Tivemos como participantes da pesquisa três professores
universitários iniciantes sendo: P1, Bacharel em Física, Doutor em Física, professor
desde 2014; P2, Licenciatura em Matemática, Mestre em Matemática professor desde
2013 e; P3, Bacharel em Agronomia, Doutor em Antropologia professor desde 2014.
Os resultados apurados nesta etapa dos Ateliês biográficos foram descritos e analisados
à luz da técnica de análise temática ou categorial, que segundo Bardin (1977).
Saberes didáticos-pedagógicos e profissionalidade docente
Dessa forma, neste artigo, optamos por apresentar os resultados da pesquisa a
partir de dois eixos estruturantes, sendo eles: 1) como os professores referem a
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construção de sua profissionalidade e 2) como os professores referem seus saberes
didático-pedagógicos .
Quanto ao primeiro eixo (construção da profissionalidade):
A minha formação docente simplesmente foi espelhar nos professores
que tive na graduação e na pós-graduação, os que eu tive um bom
aproveitamento tentei seguir na forma de dar aula, na forma como
avalia. (P1)
Eu sempre quis ser professor e no ensino superior onde eu poderia
descobrir a pesquisa, tanto no ensino quanto na Matemática. [...]
Licenciatura e bacharelado, como eu também não sabia a distinção o
que é bacharelado o que é licenciatura, só que eu sabia que queria ser
professor e todo mundo falava que licenciatura era pra isso ... No
ensino superior, em Matemática para ser professor no geral são
pessoas que terminam o bacharelado, fazem o mestrado em
Matemática, o doutorado em Matemática é que conseguem e eu fiz um
caminho que não foi tão simples. (P2)
A pesquisa e a extensão é que faz a minha docência. Minha docência
fica viva por causa de uma pesquisa e uma extensão viva. A partir da
pesquisa e da extensão que eu preparo minhas aulas, que acho o que é
melhor e mais adequado para os estudantes, para receber orientação,
sempre dialogando com as minhas disciplinas. “A universidade, é
onde eu mais me inspiro pra ser docente é no mestrado e doutorado,
nos meus orientadores, nas aulas que eles davam, nos grupos de
pesquisa”. (P3)
P3 diz que sua docência é inspirada principalmente nos seus orientadores (do
mestrado e doutorado), mas remete que o seu ensino hoje está mais ligado a área da
Antropologia do que da Agronomia. Afirma ainda que se tornou professor por causa da
pesquisa e não da docência. Para ele a pesquisa é um caminho para a docência e não o
contrário.
A fala de P1 remete à graduação e à pós-graduação e que foi nelas que
participou de grupos de estudos e pesquisas na Universidade Federal Fluminense/UFF,
e que a partir dos estudos em conjunto, o ajudou a vencer disciplina por disciplina.
Apesar de ter feito o bacharelado e de não ter cursado disciplinas pedagógicas, sabia
desde o início que teria que ser professor e que não tinha vontade de ir para outro campo
da Física que não fosse dentro da universidade e que para fazer pesquisa em Física
muito provavelmente teria que estar na universidade. Remete que a formação para
docência tem a ver com o se espelhar nos professores que teve na graduação e na pós-
graduação, quanto a forma de dar aula, de avaliar.
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P2, por sua vez, sempre quis ser professor, já lecionou na Educação Básica. Fez
a licenciatura porque sempre quis a docência.
No momento da produção e socialização da segunda narrativa, os três
participantes destacaram aprendizagens relacionadas aos grupos de pesquisa, a pós-
graduação e a pesquisa, e revelaram como aprenderam/vem aprendendo a/sobre a
docência e com isso fazem referência aos saberes identificados nas falas. Nessa
perspectiva, Abdalla (2006, p. 93) ao falar do conhecimento profissional do professor,
pergunta: “mas afinal, como é que se processa o conhecimento sobre o ensino e para o
ensino? Como é que se estrutura a experiência de ser professor? Como é que o professor
aprende sua profissão?”. E as narrativas apontam que esses professores universitários
iniciantes dão pistas sobre esses questionamentos referenciando os saberes didáticos-
pedagógicos. Assim, é inerente à docência os saberes construídos nos percurso
formativo ou mobilizados na prática, ou seja, toda docência se faz a partir/com saberes
de ordem didático-pedagógica.
No percurso formativo, é perceptível que só P2 tem o curso de licenciatura, ou
seja, foi graduado para ensinar; os outros professores adquiriram essa licença por serem
pós-graduados. P1 e P2 iniciaram a participação em grupo de pesquisa na graduação. A
pós-graduação então é um espaço/tempo importante de aprendizagem da docência. Isso
explica o peso que tem a pesquisa em seu processo formativo. Na maioria dos exemplos
de docentes universitários, a pesquisa acaba se tornando a atividade acadêmica mais
importante, e a mais valorizada socialmente (em detrimento da docência). Recuperar,
pois, o papel fulcral que desempenha (ou deveria desempenhar) a docência em si (o
ensino), na vida acadêmica do professor universitário, é um dos objetivos subliminares
desta pesquisa.
A aprendizagem da docência é um processo longo, doloroso e, na maioria das
vezes, muito solitário. Grande parte dos professores universitários iniciantes chegam às
salas de aula em universidades públicas (nosso lócus de pesquisa), após a aprovação em
concurso público, sem terem passado por formação didático-pedagógica, como
mencionamos anteriormente. São bacharéis que cursaram mestrado e doutorado em suas
áreas disciplinares com uma formação calcada sobre a pesquisa, sem o devido preparo
didático-pedagógico. Vejamos em seguida a fala de P1, emblemática nesse sentido:
Quando eu estou caminhando normalmente, me pego despercebido e
observando mais as pessoas que estão na frente e eu fico na minha
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consciência assim, como é que vou chegar nesse pessoal que está lá
atrás, como é que eu vou fazer eles participarem também da aula. Ai é
minha tentativa de ir alcançando todo mundo dentro da sala. É isso, eu
tô dando minha aula a deriva, do jeito que eu preparei sem dá conta
dessas coisas. Quando eu me dou conta é que eu começo a adentrar.
(P1)
Essas aprendizagens da docência são latentes e constantes nos professores
iniciantes e, muitas vezes, perduram por toda a carreira profissional.
P1 e P3 demonstram aspectos dos saberes didáticos-pedagógicos (Eixo 2) que
vem aprendendo no processo de mobilização dos mesmos:
P3 falou do que vem dos estudantes, como aproveitar aquilo. Eu ainda
tenho essa dificuldade de sondar a minha turma, saber de onde eles
vêm qual a formação prévia deles para começar a falar sobre Física.
Às vezes eu acho que eu poderia ir mais lentamente no conteúdo que
eu estou passando. (P1)
Como trazer para dentro da sala de aula uma dinâmica que permita a
quebra das traduções e ao mesmo tempo em que você busque dele o
saber mais enraizado, que é diferente dessa tradução até ele identificar
o que essa tradução, o que é meu saber. Quando eles chegam aqui eles
já passaram por 8, lá na escola, 12 anos dentro de uma sala de aula,
então não é só um conhecimento enraizado dos saberes das
comunidades deles não [...]. Até a própria dinâmica, didática, assim,
você jogar na lousa tudo que vem sendo trazido por eles, quando vê a
lousa está um emaranhado de coisas escritas, relacionadas, então é
uma dinâmica muito, que didática é essa. (P3)
O espaço da prática é referenciado como espaço de desafio e de aprendizagem.
É espaço de saberes e, segundo Tardif (2012, p. 39), os saberes “são elementos
constituídos da prática docente”. Ambos os professores fizeram o bacharelado, mas P3
mostra que a formação da pós-graduação em Ciências Sociais e Antropologia e a
realização de pesquisas etnográficas com a convivência em comunidades do campo lhe
permitiu uma prática voltada mais para o social. Ele dá aula num curso com a
modalidade da Pedagogia da Alternância (Curso de Licenciatura em Educação do
Campo – área de Ciências Agrárias) e busca alcançar que seus alunos pensem a Ciência
Agrária e isso é da formação em Ciências Sociais dele.
Em seguida, apresentamos falas dos professores reveladoras dos saberes didático-
pedagógicos que mobilizam de forma intuitiva ou, muitas vezes, "improvisada" como
refere o P3:
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E passo muito por isso, geralmente as aulas são muita exposição. Hoje
que eu estou começando a pedir para eles lerem um capítulo para na
próxima aula eles iniciar um certo debate, mas sempre sou eu que....
(P1)
Como é que eu faço para esses alunos que não são aqueles que
participam mais da aula participem também, eu vou perguntando eles
vão respondendo, mas tem também aqueles que ficam lá sem saber de
nada. Fico pensando como chegar até eles. Geralmente eu ponho eles
para botar a mão na massa. Exemplo, na última aula eu pedi que todo
mundo falasse suas alturas para gente fazer uns probleminhas, acabou
todo mundo da sala participando. (P1)
Houve um equívoco, nosso curso é licenciatura não é bacharelado em
Matemática, mas a idéia é que nós precisávamos estudar de repente
matemática, e a ideia estava criando uma dicotomia educacional entre
a Educação Matemática, que é um campo, e a Matemática e eu vivo a
todo momento com essa situação, justificando, fazendo esse elo da
Matemática do ensino superior com a Matemática do ensino básico e
tentar justificar todo o curso. Por exemplo, tem uma disciplina
chamada Análise na reta que até então os alunos pensavam que era
para quem ia fazer Matemática, não viam relação. Então é uma
situação em que eu estou tento que ler material extra, fora, que
envolve Educação Matemática e a Matemática pura. Cada turma eu
trato diferente da outra. Já é a terceira vez que eu pego Sequência de
setas, a disciplina Cálculo III que eles chamam, mas assim eu trato
sempre uma turma diferente da outra pelo fato de ser pessoas
diferentes, o teste é mais inicial de uma turma para outra. (P2)
Para mim o tempo inteiro é improvisação porque a gente conta muito
com o saber dos estudantes. Mesmo que eu passe algumas atividades,
desde saber que aquelas atividades pode não ter sido feita, textos, mas
é muito buscar a partir do saber deles, a partir da relação que eles têm
[...]. Sala de aula é improviso o tempo todo por isso é a pesquisa e a
extensão que me dão orientação. Lógico que tem a preparação da aula,
o que está embasando ali por trás da aula, mas aquilo é só um
embasamento mesmo para poder estabelecer o diálogo, é constante
improvisação”. (P3)
Eles mostram a mobilização de saberes didático-pedagógicos e consequente
desenvolvimento da profissionalidade através dos conhecimentos da formação
profissional, dos conhecimentos dos conteúdos, dos conhecimentos dos seus alunos, dos
saberes construídos na prática. São saberes de experiência vivenciados como amálgama
na prática do trabalho docente.
Aspectos da ação docente estão bem presentes nessas falas, o improviso no
ensinar foi apontado por P1 e P3. O primeiro fala como ele se enxerga em sala de aula,
como eterno aprendiz, que caminha lentamente, que observa para aprender; fala da sua
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especificidade (A Física). P2 remete a essa especificidade também (A Matemática).
Todos eles falam de um modo se construir professores com suas singularidades,
aspectos que os diferenciam e revelam muito de suas identidades e dos professores que
são; e construir saberes para ensinar, num processo de construção, mobilização e
transformação.
Na perspectiva das narrativas, estas revelam que esses professores referenciam a
profissionalidade também a partir da aprendizagem coletiva, eles aprendem na
socialização profissional. Assim:
A ideia do professor-pesquisador que P3 falou, o professor em sua
sala de aula, no laboratório, na verdade, me chamou atenção. E P1 de
ser aprendiz. Nunca estou acabado, estou sempre na posição de
aprendiz, busco isso também. (P2)
A minha é enxergar a sala de aula como um laboratório, em que a
pesquisa, colocar na sala de aula ao mesmo tempo. Eu percebi pela
fala de P2 na Física a gente passa meio que por isso também tentar
colocar para os estudantes as disciplinas de Física geral, a importância
delas, porque é que tem que fazer aquilo tudo quando no Ensino
Médio você não faz nem metade. (P1)
Pensar formas que tragam as pessoas. Eu não obrigo a ficar na sala por
causa de, quer assinar e quer ir embora vá, elas são adultas, se estão
aqui é porque tem um interesse. Então como fazer com que a aula se
torne, e saber que como é um grupo diverso algumas coisas podem
interessar uns e outros não e entrar naquela forma de diálogo, acho
que é o que P1 falou. (P3)
No momento da socialização da segunda narrativa todos eles concordaram com a
ideia de aprendizagem ao longo da vida (ALHEIT e DAUSIEN, 2006, p. 179). Para P2
sala de aula é um lugar de aprendizagens constantes, um laboratório onde experiências
(de ensinar e aprender) acontecem. Para P1, cuja formação além de ser em bacharelado
é de uma área de conhecimento em que os resultados da aprendizagem são concretos
realizados a partir de laboratório, há a dificuldade de enxergar a sala de aula como esse
laboratório, pela própria ideia de laboratório que possui, oriunda de sua formação. E P3
fala do conhecimento dos alunos, da relação de todos com a aula. Todos eles nestes
relatos comentam as falas uns dos outros.
Nessa perspectiva, no momento dos ateliês, os professores aprenderam,
socializaram saberes, num processo de formação coparticipada em que não só
possibilitaram a coleta de dados para esta investigação, mas em contrapartida também
mergulharam num processo formativo onde suas singularidades profissionais foram
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socializadas, expostas, o que gerou possibilidades de mudanças de transformações de
suas práticas. Ainda, esses revelaram aspectos das três dimensões da temporalidade –
passado, presente e futuro, conforme apontado por Pineau (2003) e que os projetos de
si, ressaltado por Delory-Momberger (2006, 2008) (esses projetos estão ligados às
temporalidades) envolvem a carreira profissional docente e a vida pessoal. Eles
projetam o futuro com base no presente que vivenciam e no passado que formaram. Em
síntese, os ateliês formativos representaram mais uma etapa na construção da
profissionalidade desses atores sociais e que querem continuar na carreira docente.
Considerações finais
A relevância do presente estudo dá-se devido a proporção dos conhecimentos
gerados a partir dele e das mudanças que serão alcançadas. Assim, os resultados da
pesquisa revelam a lacuna didático-pedagógica referida pelos docentes universitários
iniciantes, em suas formações. Lacuna essa que reverbera em suas práticas, muitas
vezes improvisada, intuitiva, sem o devido aporte científico na Pedagogia e nas
Ciências da educação. Os professores se ressentem de solidão em seus processos de
aprendizagem da docência.
Nesse processo de ensinar e aprender os professores revelaram que revisitar o
passado, olhar com atenção o presente é necessário para a construção do futuro, essa é a
perspectiva dos ateliês, que olhemos para os nossos projetos de vida nas dimensões da
temporalidade e que esses sejam temporalidade da formação. Os professores revelam
isso quando falam da graduação, da pós-graduação e da entrada na carreira profissional
docente.
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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO
Adriana Guerra Ferreira
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB
Resumo: Este artigo apresenta uma breve discussão sobre a formação docente ocorrida
nos Programas de Pós-Graduação (PPG) na área das Ciências Exatas e da Terra e da
área Multidisciplinar, uma vez que esta formação tem apresentado, segundo a literatura
diversos problemas referentes a prática pedagógica na docência do Ensino Superior. O
objetivo deste estudo é analisar o currículo e a formação de professores para à docência
do ensino superior em quatro cursos de Pós-Graduação (Mestrado em Física, Química,
Educação Matemática e Educação Científica e Formação de Professores). Neste
trabalho, optamos por apresentar o recorte referente a formação para a docência
universitária. Este é um estudo de abordagem qualitativa, com o uso de entrevistas com
os coordenadores dos cursos de Pós-Graduação investigados . Nesse sentido, o que nos
preocupa é a maneira como acontece esta formação nos PPG, dado que poucas são as
disciplinas pedagógicas que deveriam compor os currículos destes programas a fim de
contribuir para a formação docente para a inserção do profissional no ensino superior.
A atividade de estágio em docência, com caráter pedagógico, presente em alguns
cursos, são obrigatórios apenas para bolsistas e esta pesquisa evidenciou que este não é
tão presente, principalmente, nos cursos das áreas de exatas. No bojo dessa discussão,
percebemos que o grande destaque nesse processo e a ênfase são direcionados para a
formação do pesquisador em detrimento da formação docente. A formação para a
docência universitária deve ser pensada nestes PPG, pois sairão destes os profissionais
que serão formadores de formadores e terão uma grande responsabilidade com a
melhoria do ensino superior, portanto, estes devem possuir para exercer tão função, o
conhecimento pedagógico necessário para atuar.
Palavras-chave: Ensino Superior. Formação Docente. Profissionais.
Introdução
Os Programas de Pós-Graduação (PPG) stricto sensu (acadêmicos) brasileiros
têm sido bem representados internacionalmente, visto que, desde a década de 1970 o
Brasil vem construindo um Sistema Nacional de Pós-Graduação (mestrado e doutorado)
que estabelece a parte mais exitosa do seu sistema de ensino, considerado
unanimemente o maior e melhor da América Latina (MARTINS, 2003).
Esses programas são de caráter público e recebe apoio financeiro de algumas
agências de indução e fomento, preferencialmente, da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma política pública do governo que demonstra
certa preocupação com a formação do professor do ensino superior. Apesar dos poucos
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recursos, principalmente em sua fase inicial, essa agência realizou diversas tentativas a
favor do ensino superior, promovendo resultados positivos, o que favoreceu a expansão
dos cursos de pós-graduação no país.
O foco deste estudo está centrado nos programas stricto sensu acadêmicos,
designadamente, os Programas de Pós-Graduação referente ao Ensino das Ciências
Exatas e da Terra, isto é, os cursos voltados ao estudo de Física, Química e Matemática,
todos de instituições públicas. Assim, o objetivo principal deste estudo é analisar o
currículo e a formação de professores para à docência do ensino superior em quatro
cursos de Pós-Graduação (Mestrado em Física, Química, Educação Matemática e
Educação Científica e Formação de Professores). Neste trabalho, optamos por
apresentar o recorte referente a formação para a docência universitária.
Procedimentos metodológicos da pesquisa
Esta pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem qualitativa, pois toda
pesquisa pressupõe a produção de conhecimentos e essa possibilita a dialética e a
relação dinâmica entre sujeito e objeto nesse processo de produção. A finalidade não foi
buscar dados estatísticos, mas sim compreender o seu objeto de estudo, o panorama
histórico dos Programas de Pós-Graduação.
Quanto aos objetivos, a mesma assume o caráter de uma pesquisa exploratória-
descritiva, pois buscou descrever as características apresentadas nos PPG das Ciências
Exatas e da Terra. Em se tratando dos procedimentos técnicos, a mesma se classifica
como uma pesquisa de campo.
Assim, foram utilizados artigos científicos, livros, dissertações e,
posteriormente, a partir da realização de um levantamento de dados no site da Capes e
dos PPG, visando conhecer as condições estabelecidas, o crescimento e o desempenho
dos Programas Pós-Graduação; e das entrevistas com os coordenadores dos cursos
investigados, sendo: Programa de Pós-Graduação em Física e Programa de Pós-
Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação de Professores e
Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). De posse dessas informações, classificamos quais pontos seriam
importantes para discussão. Em seguida, realizamos um comparativo dos dados
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buscando relacioná-los, analisá-los e descrevê-los. Desse modo, os dados foram
coletados através dos instrumentos citados e analisados a partir do material bibliográfico
estudado, que fundamenta esta pesquisa.
A formação do professor para docência do Ensino Superior
Conforme Masetto (2002), Pachane (2003), Isaia e Bolzan (2004), entre outros
teóricos, o domínio do professor no ensino superior na prática pedagógica tem
apresentado uma elevada deficiência, quando se fala em profissionalismo na docência.
Segundo Masetto (2002), eventualmente, seja pelo fato de nunca ter surgido a
oportunidade de entrar em contato com a área de atuação ou por não considerar como
um ponto fundamental para sua prática de ensino. E, ainda, acrescentamos a falta da
abordagem dessa prática nos cursos de mestrado e doutorado, uma vez que são nesses
cenários que deveria existir certo contato com essas discussões, pois de certa forma
temos como verdade que é a pós-graduação que forma o professor para a docência do
ensino superior, no entanto o que é mais comum nos cursos superiores são críticas
relacionadas a didática do professor, ou seja, a sua inexistência.
Pachane (2003) aborda esta questão em um dos seus trabalhos realizado na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na qual discute a formação pedagógica
de pós-graduandos para a atuação no magistério do ensino superior, e em seus
resultados aponta que:
A pós-graduação tem sido o lócus privilegiado para a formação do
professor universitário, porém, tende a priorizar em suas atividades a
condução de pesquisas, tornando-se responsável, mesmo que não
intencionalmente, por reproduzir e perpetuar a crença de que para ser
professor basta conhecer a fundo determinado conteúdo ou, na
educação superior, ser um bom pesquisador. De maneira geral,
considera-se que a titulação, automaticamente, capacitaria o professor
para a docência (PACHANE, 2007, p.220).
A exigência de que o professor precisa ter uma formação pós-graduada para
assumir uma vaga no ensino superior começou no final da década de 1960 com a
Reforma Universitária (Lei n.º 5.540/68), e com esta reforma houve definitivamente o
fim das cátedras e deu se início uma nova corporação de professores nas instituições
universitárias. Nesse período, passou a classificar o corpo docente universitário em três
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classes distintas: professor auxiliar, assistente e adjunto. Para a primeira classe, não
existia concursos público de provas e de títulos, mas sim um contrato inicial por dois
anos, podendo ser renovado por mais dois, porém deveria apresentar uma aprovação
numa pós-graduação lato sensu para que fosse recontratado. Na segunda e última classe
as exigências permanecem até os nossos dias, pois é necessária a formação no mínimo
em mestrado e no doutorado, respectivamente. Hoje existe concurso público para a
classe de auxiliar que exige, normalmente, somente a graduação, mas isso depende do
estatuto da universidade e da necessidade de cada região.
Em 1970 a formação docente para o ensino superior começa a ter maior apoio
através da Capes com a implantação dos PNPG, de modo a buscar melhoria na
formação para docência do ensino superior. E assim, os cursos de mestrado e doutorado
se desenvolveram e se expandiram rapidamente no país, possivelmente, um dos fatores
que favoreceu estes acontecimentos, seja a vasta procura de professores a fim de se
adequar as exigências estabelecidas no final da década de 1960. Nesse sentido, a Capes
instaurou, ainda, como um dos objetivos da pós-graduação “a formação docente para o
ensino superior”.
Anos mais tarde as reivindicações quanto a titulação para docência no ensino
superior continuam a ser reforçadas através da nova LDB em 1996 (Lei nº.9.394/96),
deixando estabelecido no Artigo 16 que “a preparação para o exercício do magistério
superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente, em programas de
mestrado e doutorado”. Em 1999 é sancionado o Plano Nacional de Graduação no XII
Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras
(FORGRAD), após muitas críticas, reflexões e sugestões dos participantes desse fórum,
se expressou por meio deste documento a qualidade de formação desejada nos PPG,
uma vez que as atividades realizadas na pós-graduação não devemestá distante da
graduação, de fato:
A perspectiva científica indispensável para o docente de graduação é
objeto de formação específica própria do nível de pós-graduação. A
pós-graduação precisa integrar, à sua missão básica de formar
pesquisador, a responsabilidade de formação do professor de
graduação, integrando, expressamente, questões pedagógicas às que
dizem respeito ao rigor dos métodos específicos de produção do saber,
em perspectiva epistêmica (PNP, 1999, p.11).
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Ou seja, a pós-graduação assumiu um papel maior após estas reformas, pois ela
teria que não apenas formar profissionais para o setor econômico e/ou pesquisadores,
mas, ainda, formar professor para a docência do ensino superior. Consequentemente, a
Capes neste mesmo ano passa a exigir dos PPG que, pelo menos, os bolsistas de cursos
de mestrado e doutorado fizessem o “Estágio de Docência”, no mínimo por um
semestre, concluindo que esta tarefa seria crucial na formação docente.
Apesar de todas as exigências e as reformas surgidas, percebemos, através de
algumas pesquisas concluídas (BOTOME E KUBO, 2002; MASETTO, 2002;
ARROIO, RODRIGUES FILHO E SILVA 2006; BRITO, 2006; PACHANE, 2003 e
2007; CUNHA, 2009; entre outros), que o desenvolvimento das atividades no interior
dos PPG não tem favorecido a prática pedagógica, cujo prestígio e prioridade estão
voltados preferencialmente à formação do pesquisador. Eventualmente, seja devido ao
processo avaliativo, realizado pela Capes nos PPG, está centrado sua atenção,
prioritariamente, à produção científica, pois quanto mais desenvolve pesquisas, maior e
melhor é o reconhecimento do PPG nacional e internacionalmente.
Nessa oportunidade, não existe análise na área pedagógica dos Programas de
Pós-Graduaçãopara inquirir se o pós-graduando que está sendo formado para a docência
da educação superior está apto ou não para desenvolver a tarefa, também, de ensino.
Conforme Pachane (2007):
[...] a formação esperada do professor universitário tem sido restrita ao
conhecimento aprofundado da disciplina a ser ensinada, sendo este
conhecimento prático -decorrente do exercício profissional - ou
teórico/epistemológico - decorrente do exercício acadêmico. Pouco,
ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos (PACHANE, 2007,
p.220).
Contudo, considera que uma vez conhecedor do conteúdo da disciplina que será
lecionada, seja o suficiente para realizar um excelente trabalho de ensino. Segundo
Masetto (2002) estas questões relacionadas ao ensino tem como base a crença de “quem
sabe, automaticamente, sabe ensinar”. Fazendo uso das palavras de Paulo Freire,
descarta-se a hipótese de que ensinar se resume em transmitir conhecimento, porque
ensinar significa criar possibilidades, para que seja possível o aluno relacionar o
conhecimento prévio com aquele estudado em sala de aula, ou melhor, o aluno
relacionar a teoria e a prática contextualizando e compreendendo de formaconcreta,
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porém no melhor modo de organizar o seu próprio conhecimento.Todavia, é
indispensável a formaçãopedagógica nos cursos de pós-graduação, pois esta é capaz de
favorecer e contribuir no exercício docente.
Vale destacar, que os PPG dos quais menos ou que não abordam discussões ou
atividades, de hipótese alguma, sobre a formação pedagógica são aqueles de área
específica, como Química, Física e Matemática, cujo prestígio e prioridade são
centrados, preferencialmente, à formação do pesquisador, pois não abarca as questões
mais particulares sobre a “pedagogia universitária”.
De acordo a Pachane (2003), é necessário chamar a atenção, também, para
aquelas instituições que organizam programas obrigatórios de formação pedagógica
para os pós-graduandos, apenas para cumprir as exigências legais, estabelecendo
unicamente o complemento de um curso de formação de mestres e doutores para a
docência superior, sem relacionar com as demais atividades realizadas no mesmo e sem
qualquer elo com a prática, se definindoà apresentação de parte mínima de teorias
educacionais ou até, para a oferta de algumas técnicas de conduzir as aulas, sem existir
determinada reflexão mais vasta sobre o ensino superior. São casos que podem pôr a
perder todo um esforço pela mudança da cultura de desvalorização da formação
pedagógica dos docentes universitários.
Aspectos da formação para a docência universitária nos cursos de Pós-Graduação
De acordo as exigências da Capes, um dos objetivos de qualquer Programa de
Pós-Graduação é a formação docente para o ensino superior, no entanto, o foco de
muitos PPG está muito distante dessa realidade, em outras palavras, o processo
formativo consistente na pós-graduação tem centrado preferencialmente na formação do
pesquisador. Mesmo tendo como objetivo “formaçãodo professor e formaçãodo
pesquisador”, percebemos isso, a partir da estrutura curricular de cada curso. Uma vez
que esse fator pode provocar a defasagem na área de formação docente e refletir no
exercício do magistério superior e no cumprimento de sua tarefa de formar diversos
profissionais em qualquer área. Com isso, gera práticas de ensino que se configuram
como sendo insuficientes ou insatisfatórias para o desenvolvimento das atividades
docentes, por conta da realidade da formação proporcionada pelos cursos de mestrado e
doutorado.
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Assim, fizemos o recorte da perspectiva formativa a partir do estágio de
docência dos PPG. O Estágio de Docência foi proposto pela Capes, apenas, para os
discentes bolsistas de pós-graduação desta agência de fomento em 28 de fevereiro de
1999, no entanto foi regularizada pela assembleia de pesquisa e pós-graduação e pelo
presidente da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação no dia 19 de dezembro de 2000.
Com o entendimento de que este exercício tem significado pedagógico, profissional e
político, porém com a necessidade de planejar, no intuito de constituir-se em
experiência acadêmica significativa para os pós-graduandos.
De acordo a Capes, as atividades de ensino que devem ser desenvolvidas pelo
pós-graduando nos cursos de graduação na prática do estágio são: planejamento,
desenvolvimento e avaliação; construção de material didático; execução de aulas
teóricas ou práticas/laboratórios; auxílio aos alunos; e correção de provas e exercícios.
Esta agência de fomento, ainda, destaca o acompanhamento do orientador, do professor
ou coordenador de tal disciplina, onde o aluno atuará como estagiário.
Essa exigência do Estágio de Docência passou a ser considerada por diversos
PPG, ampliando este exercício, também, para aqueles discentes não bolsistas, uma vez
que a Capes solicita a alteração tanto na estrutura curricular quanto no regimento de
cada PPG.
Dos quatro PPG pesquisados, apenas em três deles possui o Estágio de
Docência. No P1 (PPG de Química), o estágio é obrigatório para os bolsistas,
independente da agência de fomento. No P2 (PPG de Física) não existe estágio docente.
E no P3 (PPG de Educação Científica e Formação de Professores) e P4 (PPG de
Educação Matemática) o estágio é obrigatório para todos os alunos, bolsista ou não.
Quanto ao funcionamento e organização desse estágio, os coordenadores relataram,
conforme descrito abaixo:
Todo aluno que recebe bolsa aqui tem essa obrigação, independente, seja bolsa da
Capes ou não; ele tem que fazer o estágio supervisionado, seja bolsa de Fapesb,
seja bolsa da própria instituição. Os alunos que não tem bolsa, que não tem nenhum
vínculo e já são professores em alguma escola, não estão liberados tempo integral.
Isso, a gente não faz essa exigência, mas é muito raro as últimas entradas não
tivemos alunos com essa característica, todos que bolsas, tiveram que fazer estágio
docente. A carga horária é de um semestre letivo dependendo da disciplina no
mínimo uma disciplina de 30 horas. [...] É uma disciplina de laboratório ou
também apoio na parte teórica, pode atuar nas duas, normalmente ele atua nas duas
ele ajuda na elaboração de exercícios, na preparação e também na regência. [...] A
prioridade são as disciplinas que tem atividades práticas, o aluno tira dúvidas
teóricas dos exercícios, vai preparando o experimento no laboratório e ensinando a
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parte teórica, fundamentação teórica do experimento e a prática do laboratório, mas
também atua na sala de aula na parte teórica. (Coordenação do P1)
Todos os discentes do programa, inclusive aqueles que já são professores
universitários precisam fazer o estágio. [...] Então ele planeja, ele executa, ele
auxilia e depois esse aluno faz um relatório das atividades desenvolvidas. Ele pode
também optar em fazer o estágio em outra disciplina, mas que tem a ver com o
trabalho que ele está desenvolvendo, com a área dele. O que a gente não tem ainda
no programa é uma sistematização desse estágio, então cada supervisor, cada
orientador conduz de uma forma diferenciada. Então, é o que a gente estabelece no
regimento, é que ele acompanhe sistematicamente um professor e a disciplina
durante o semestre inteiro; ela é 60 [horas], mas a gente não estabelece as ações
quando ele vai reger classe, quantas ele vai acompanhar, quantas horas ele vai
planejar isso ele ta livre, tá aberto. (Coordenação do P 3)
É obrigatório e acompanhado, são 60 horas, não é menos do que isso, não é
brincadeira não ele faz de verdade. Não chama assim, chama com outro nome,
Pratica de Ensino. Não são disciplinas pedagógicas, são as disciplinas de
Matemática, raramente eles pegam na licenciatura de matemática alguma coisa de
educação. Para entrar nesse programa o aluno tem que ter o curso completo de
matemática, portanto nada melhor do que ele ir para a graduação de matemática,
vê, assistir. Eles ai tem os relatórios que aprendem tudo isso. [...]. E como a gente
tem licenciatura e bacharelado em matemática a gente leva para área e os
professores aceitam receber, quer dizer, não só nós que damos aula na graduação,
mas os professores da graduação que nem estão ligados aqui conosco eles
permitem que os nossos alunos tenham a prática em sala de aula; ele não pode estar
presente sem que o professor esteja, por lei, ele não está ali para assumir sala de
aula, ele está ali, normalmente, porque o professor permite que ele ministre uma
aula e o professor assiste essa aula, ele acompanha o professor da disciplina e a
gente tem o professor nosso que acompanha esses meninos, assiste aula deles e faz
o acompanhamento. (Coordenação do P 4)
Percebemos que em P1 o Estágio é obrigatório somente para os bolsistas,
independente, da agência de fomento e deve ocorrer em uma disciplina de no mínimo
30 horas. O estágio acontece em disciplinas práticas ou de laboratório e faz parte das
atividades do estágio a realização de exercício, a regência, a teoria e a
prática/experimentos.
Em P3, o estágio é obrigatório para todos os discentes e deve ser realizado em
uma disciplina de no mínimo 60 horas. O desenvolvimento do estágio fica a critério de
cada supervisor, mas as atividades se vinculam ao planejamento, a execução e ao
auxílio em sala de aula. Ainda, os alunos optam por realizar o estágio em disciplinas
específicas ou que tenham a ver com a área do trabalho da pesquisa.
O estágio é obrigatório para todos os discentes também em P4. Este é chamado
também de Prática de ensino e deve ser realizado em uma disciplina de no mínimo 60
horas. Os alunos preferem estagiar em disciplinas específicas de sua área de
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conhecimento e este PPG conta com a colaboração de professores que não são do PPG
para receber alunos para realização de estágio.
Assim, o Estágio de Docência em alguns PPG é direcionado para os discentes
bolsistas de alguma agência de fomento, fora desse parâmetro torna-se optativo àqueles
discentes não bolsistas que despertam interesse pela atividade. Ainda, muitas vezes
demonstram apenas um cumprimento das exigências da Capes quanto ao Estágio
Docente, pois as demais disciplinas são todas específicas de cada curso, na qual
favorece integralmente a formação pela pesquisa.
Enfim, percebemos que é nítido o perfil dos PPG da área das Ciências Exatas e
da Terra (Física, Química e Matemática) de voltar-se inteiramente para formação do
pesquisador, mesmo aqueles PPG que maquiam com a oferta do Estágio de Docência.
Isso demonstra ser comum nas áreas ditas “duras”, pois a sua maior inquietação são
com os conhecimentos específicos.
Com isso, buscamos refletir sobre os seguintes questionamentos: qual a função
do estágio em cada PPG? Isso tem sido suficiente para a formação do professor?
Apesar da existência do Estágio Supervisionado em muitos dos PPG, é
demonstado que o pós-graduando presente nesse processo de formação para atuar,
também, no ensino universitário não vive a experiência de relacionar a teoria e a prática.
Embora, a formação seja um processo contínuo que não é só concretizada com a oferta
de disciplinas pedagógicas, é válido ressaltar que o conhecimento teórico é necessário
na relação teoria-prática, principalmente para a aquisição de experiências e pode
possível contribuir significativamente no desenvolvimento profissional. Ainda quanto a
questão do ensino e da pesquisa, consideramos que são duas atividades que devem estar
associadas, não devendo desvalorizar nem uma, nem outra. É nesse sentido, que a
formação pode ser vista:
[...] como um processo contínuo, baseado em uma vertente de
crescimento, isto é, não se deve entender a formação do pós-
graduando como uma somatória de disciplinas científicas com
disciplinas pedagógicas e sim, como um amadurecimento ao longo da
formação inicial continuando em formação posterior. Valorizando
assim a experiência profissional, buscando através de uma
diversificação dos modelos e das práticas pedagógicas vigentes com a
instituição de novas relações dos professores com os saberes
pedagógico e científico (ARROIO; RODRIGUES FILHO; SILVA,
2006, p. 1391).
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As disciplinas cursadas sejam na graduação e/ou pós-graduação abarcam ideias
(re)construídas no processo de formação, mas deve-se levar em conta também na
qualificação as experiências profissionais, que ajude o aluno a desenvolver a capacidade
de associar o conhecimento científico adquirido com o conhecimento prático existente.
E essa pode ser uma maneira de minimizar a oposição que coloca de um lado o
pesquisador e do outro o professor, ou seja, a ideia é não trabalhar as disciplinas de
forma isolada e a formação do pós-graduando não ser compreendida e/ou reduzida ao
cumprimento dos créditos propostos.
Em suma, chamamos a atenção à importância e responsabilidade das políticas
públicas e das instituições nas propostas reguladoras de investimentos na formação
profissional do docente universitário, a fim de compreender e reconhecer que os saberes
para a docência exigem uma preparação acadêmica numa dimensão que envolva a teoria
e a prática (CUNHA, 2004). De qualquer modo, conforme, Botomé e Kubo (2002),
essas políticas são de grande relevância na orientação do trabalho dos cursos de
mestrados e doutorados nas Instituições de Ensino Superior, pois os mesmos são
dependentes da existência e da qualidade de um sistema de Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior. É difícil manter bons PPG stricto sensu e acadêmicos se não existir
políticas públicas que correspondam a formação de professores de nível superior, e, por
conseguinte, de cientistas para o país.
Considerações finais
Neste estudo, buscamos discutir como acontece a formação nos PPG, das áreas
das Ciências Exatas e da Terra e da área Multidisciplinar. Nos preocupamos com o fato
de ser poucas as disciplinas pedagógicas que deveriam compor os currículos destes
programas a fim de contribuir para a formação docente para a inserção do profissional
no ensino superior.
A atividade de estágio em docência, com caráter pedagógico, presente em alguns
cursos, são obrigatórios apenas para bolsistas e esta pesquisa evidenciou que este não é
tão presente, principalmente, nos cursos das áreas de exatas.
No bojo dessa discussão, percebemos que o grande destaque nesse processo e a
ênfase são direcionados para a formação do pesquisador em detrimento da formação
docente. Nesse sentido, percebemos que o conhecimento pedagógico não é priorizado
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nas disciplinas. Até mesmo os PPG onde existe a oferta do Estágio Supervisionado
como tarefa obrigatória a todos os discentes, não é perceptível o currículo interesse para
essas discussões, pois o que predomina fortemente é a pesquisa, ou seja, o foco maior
nesses PPG é na formação do pesquisador.
A formação para a docência universitária deve ser pensada nestes PPG, pois
sairão destes os profissionais que serão formadores de formadores e terão uma grande
responsabilidade com a melhoria do ensino superior, portanto, estes devem possuir para
exercer tão função, o conhecimento pedagógico necessário para atuar.
Referências
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A FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO: ITINERÁRIOS DE
APRENDIZAGEM
Paloma Oliveira Bezerra
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB
Resumo: O presente artigo apresenta considerações sobre a formação do docente
universitário, a partir das análises do processo de aprendizado da docência universitária
de quatro docentes que atuam no contexto dos cursos de Artes da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU). Compreende-se que a docência na universidade, desse modo,
exige uma formação que atenda às especificidades desse nível de ensino Destarte, essa
discussão tem como objetivo analisar o processo de aprendizado da docência
universitária no contexto dos cursos de Artes da UFU, com a finalidade de refletir sobre
a formação do docente universitário na contemporaneidade. Assim como ampliar o
conhecimento acerca da docência universitária, e mais especificamente, da atuação e
formação do profissional docente, contribuindo com os debates a respeito da docência
na educação superior. A opção metodológica adotada é definida como qualitativa, dado
o seu caráter interpretativo. A construção dos dados tornou-se possível por meio de
entrevista narrativa e da história de vida como técnica de análise dos dados. Entre os
resultados mais significativos estão: o entrelaçamento das dimensões pessoais e
profissionais no processo formativo do docente universitário; e, que é a universidade
como lócus do exercício profissional que tem se constituído como o lugar da formação
para a docência universitária e não a universidade como aquela que abarca os programas
de pós-graduação responsáveis por essa formação. Ainda, considera-se que é necessário
despertar, nos professores, a vontade de refletir sobre os seus percursos profissionais,
sobre a forma como sentem a articulação entre o profissional e o pessoal, sobre a forma
como foram evoluindo ao longo da sua carreira.
Palavras-chave: Docência Universitária. Formação Docente. Aprendizado da
Docência.
Introdução
As perspectivas da educação atual remetem à necessidade de dinamizar o
processo de ensino-aprendizagem e rever o papel do docente, superando sua condição
de mero transmissor do conhecimento e concedendo-lhe a condição de ser um sujeito
capaz de analisar sua prática, intervir e construir um percurso inovador.
A docência na universidade, desse modo, exige uma formação que atenda às
especificidades desse nível de ensino. Conforme Teixeira (2009), a universidade se
constitui como principal espaço formativo para profissionais de diferentes áreas,
entretanto, tem-se mostrado ineficaz na formação de professores para atuar nas
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diferentes etapas e modalidades da educação, especialmente na educação
profissionalizante e nos cursos de graduação.
Entende-se que a preocupação com uma formação específica de professores é
recente, no contexto brasileiro o tema passou a ser destaque das principais conferências
e seminários sobre educação no país, especialmente a partir do final da década de 1970
e início dos anos 1980, momento em que estava em discussão em âmbito nacional a
reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura (DINIZ-PEREIRA, 2006). Ou
seja, a Universidade tem se constituído como espaço de atuação, mas nem sempre de
formação docente.
Nesse contexto, fruto da pesquisa e análises desenvolvidas durante o mestrado,
no âmbito do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de
Uberlândia – UFU, o artigo apresenta reflexões sobre a formação do docente
universitário, a partir da análise do processo de aprendizado da docência universitária de
quatro professores no contexto dos cursos de Artes da UFU.
Caminhos Metodológicos
Pesquisar é reconhecer o saber acumulado na história humana, investindo-se do
interesse em aprofundar as observações já realizadas e perpetrar novas descobertas em
favor da humanidade (CHIZZOTTI, 2006). Desse modo, o artigo ora delineado tem
como escopo analisar o processo de aprendizado da docência universitária no contexto
dos cursos de Artes da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, com a finalidade de
refletir sobre a formação do docente universitário na contemporaneidade.
A abordagem de pesquisa aqui utilizada foi à qualitativa, a escolha se deu visto
que, segundo Lankshear e Knobel (2008), faz pouco uso de formas estatísticas de
análise, não pressupõe grandes amostras e está especialmente interessada em como as
pessoas experimentam, entendem, interpretam e participam de seus mundos sociais e
culturais.
Para construção dos dados, optou-se pela entrevista narrativa, que conforme
estudos de Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 95), “é motivada por uma crítica do esquema
pergunta-resposta da maioria das entrevistas. [...] emprega um tipo específico de
comunicação cotidiana, o contar e escutar história, para conseguir este objetivo”. Assim,
por meio das narrativas de quatro docentes dos cursos de Teatro, Música e Artes Visuais
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da UFU levantaram-se as informações sobre a formação para docência universitária.
Para análise dos dados, utilizou-se o método e a técnica das histórias de vida,
pois se compreende que as trajetórias formativas – pessoais e profissionais - dos sujeitos
são inseparáveis. Conforme Silva et al. (2007, p. 29), a história de vida pode ser
aproveitada como documento ou como técnica de captação de dados, visto que “[...] é
um método científico com toda força, validade e credibilidade de qualquer outro
método, sobretudo porque revela que por mais individual que seja uma história, ela é
sempre, ainda, coletiva”. Portanto, nas páginas que se seguem a docência universitária
é discutida através dos cenários de formação vivenciados pelos docentes.
Resultados e Discussão
A formação docente é objeto de permanente preocupação por parte de todos
aqueles que se interessam pelos destinos da educação em qualquer sociedade. Não tem
sido diferente no Brasil. Trata-se, sem nenhuma dúvida, de questão crucial para a área,
uma vez que o cerne do processo educacional encontra-se, em última análise, nas
relações concretas que se estabelecem entre educadores e educandos, nas quais a
atuação participativa dos primeiros assume papel decisivo (SEVERINO, 2006).
Quanto aos significados da palavra docência, têm-se, no sentido etimológico,
raízes no latim – docere – que significa ensinar, instruir, mostrar, indicar, dar a entender
(SOARES; CUNHA, 2010). No sentido formal, docência é o trabalho dos professores.
Na realidade, os docentes desempenham um conjunto de funções que ultrapassam as
tarefas de ministrar aulas e, por isso, a necessidade de se pensar na formação do
professor. Nas palavras de Barreiro (2003), a docência, atividade profissional do
professor, é reflexiva e artística, com aplicações de caráter técnico.
Contudo, apesar do avanço das pesquisas, há certa timidez no cenário
educacional quando o foco é a formação do docente universitário. Nos estudos
desenvolvidos a respeito dessa questão a ênfase tem incidido sobre a ausência de uma
preparação específica para a atuação na docência. Sendo assim, “só recentemente os
professores universitários começaram a se conscientizar de que a docência, como a
pesquisa e o exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e específica”
(MASETTO, 1998, p. 11).
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Até a década de 1970, praticamente exigiam-se do candidato a professor de
ensino superior o Bacharelado e o exercício competente de sua profissão. O processo de
ensino era realizado segundo a crença de que os conhecimentos e experiências
profissionais são transmitidos de um professor que sabe e conhece para um aluno que
não sabe e não conhece. Na última década, as universidades passaram a exigir também
cursos de especialização e, atualmente, mestrado e doutorado. Contudo, as exigências
continuaram as mesmas, visto que se referem à experiência profissional e ao domínio do
conteúdo de determinada área (MASETTO, 2003).
Imbernón (2009) revela que a formação dos professores deve estar estreitamente
relacionada ao contexto, pois ela deve partir das necessidades reais surgidas no contexto
de atuação profissional. O autor ressalta a relevância de uma formação permanente do
professorado. Entretanto, os programas de pós-graduação que deveriam se voltar
também para essa finalidade centram-se na formação do pesquisador em seus campos
específicos e sem exigência quanto à formação de professores, mesmo após a Resolução
3/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que exige oferta de uma disciplina
sobre metodologia de ensino nos cursos de pós-graduação lato sensu. Conforme
ratificado por Cunha (2010),
Os cursos de Pós-Graduação latu sensu e stricto sensu, também, em
alguns casos, incluem uma disciplina pedagógica, em geral ligada ao
campo da metodologia de ensino. No caso das especializações, por
alguns anos, essa iniciativa se dava por força da Lei. Nos demais
casos, a decisão ficava atrelada à sensibilidade dos organizadores das
propostas curriculares, algumas vezes, tendo em vista o interesse de
mestrandos e doutorandos em, futuramente, credenciar-se como
professores (CUNHA, 2010, p. 33).
A formação docente para a educação superior tem ficado a cargo das iniciativas
individuais e dos regimentos das instituições responsáveis pela oferta de cursos de pós-
graduação. Também, de acordo com Pachane (2006), a partir dos parâmetros de
qualidade institucional estabelecido pelo governo, muitas instituições de ensino superior
organizam e desenvolvem programas de preparação de seus docentes, orientadas por
tais parâmetros. Além disso, as políticas públicas não estabelecem diretamente
orientações para a formação do professor universitário, pelo contrário, há omissão das
políticas no que se refere a esses aspectos.
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Ao retomar o exercício de suscitar os sentidos da palavra, como praticamos com
a palavra docente, passamos a pensar na palavra “formação”. O termo “formar” define-
se como dar corpo ou forma, constituir, organizar, fundar, conceber, imaginar, preparar
e, até mesmo, amoldar. Bolzan e Powaczuk (2009) apontam o processo de formação
como um movimento prospectivo de desenvolvimento, ou seja, “um movimento de
transformação do sujeito em direção ao que deseja vir a ser, evidenciando a estreita
relação entre suas potencialidades e as condições contextuais nos quais esta
transformação acontece” (p. 92).
Segundo o dicionário Aurélio (1986), (do latim formatione) formação é: - Ato,
efeito ou modo de formar. - Constituição, caráter. - Maneira por que se constitui uma
mentalidade, um caráter ou um conhecimento profissional. Com base no dicionário,
podemos significar formação docente como a constituição de uma mentalidade ou de
um conhecimento profissional, constituição do que caracteriza o professor. Essa
composição de vocábulos é complexa e esquecida. Ao versar sobre a formação docente,
Castro (2013, p. 138), brincando com as palavras, procura significados para “Formação.
Forma-ação. Ação de formar. Ações que formam. Colocar numa fôrma? Enformar?
Reformar? Dar forma? Ações de um sobre o outro e sobre si mesmo/a. Formação
docente: ação de formar um sujeito docente [...]”.
As considerações do referido autor nos remetem a diversos questionamentos,
afinal o que é formar um docente, ou melhor, como formar um docente? Quais ações
são necessárias para formar um docente na contemporaneidade? No que se refere ao
docente universitário, Miranda, Naves e Silva (2012) suscitam a discussão sobre a
pouca efetividade dos processos de formação para a docência na academia. Para as
autoras, há um “pequeno investimento em pesquisas desenvolvidas neste tema
específico [...] Talvez, por essa razão não se tenha notícias da existência de políticas
públicas de formação do docente universitário” (p. 57).
O descaso com a formação do docente universitário tem raízes históricas, como
já proferimos. Na organização do ensino superior no Brasil, o domínio de
conhecimentos específicos da área de conhecimento (ou disciplinares) e a experiência
profissional sempre foram privilegiados como os únicos requisitos para a docência nos
cursos superiores. Acreditava-se que quem sabe, sabe ensinar (MASETTO, 2003).
Porém, ainda hoje se tem dificuldade em discutir a formação do docente universitário,
especialmente quando se trata da elaboração de conhecimentos relacionados à docência.
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Diversos estudos (BALZAN, 1988; CUNHA, 2010; MASETTO, 1998;
PACHANE, 2006; entre outros) revelam que o cenário do ensino superior na
contemporaneidade aponta para a necessidade de formação pedagógica de seus
professores.
A formação pedagógica do professor universitário deve ser um
processo sistemático e contínuo através do qual o docente, ou futuro
docente, se qualifica para o exercício do magistério. A formação
pedagógica não se limita aos aspectos práticos (didáticos ou
metodológicos) do fazer docente, porém engloba dimensões relativas
a questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência.
[...] Fundamenta-se, portanto, numa concepção de prática educativa e
do ensino como atividade complexa que demanda dos professores
uma formação que supere o mero desenvolvimento de habilidades
técnicas ou simplesmente o conhecimento aprofundado de um
conteúdo específico (PACHANE, 2006, p. 134).
Nesse sentido, a formação pedagógica está para além das técnicas de ensino,
entendida como componente do processo de desenvolvimento profissional docente,
envolve elementos do fazer docente que ultrapassam a sala de aula, compreendendo as
dimensões éticas e política da educação. Retomando Duarte Jr. (2000), ao tratar da
figura do especialista, compreender as questões éticas, afetivas e político-sociais da
docência é perceber a integralidade do sujeito e do pedagógico. É oferecer ao professor
a possibilidade da reflexão no lugar da reprodução.
Melo (2012) aborda a docência como uma atividade que tem uma dimensão
teórico-prática e, por isso, o docente em formação deverá passar por um processo “de
preparação para assumir tarefas práticas relativas à docência, visto ser essa uma
profissão que demanda uma formação ampla e densa [...]” (MELO, 2012, p. 36).
Todavia, Tardif (2012) evidencia que não só o meio sociocultural, as
representações sociais e os conhecimentos técnico-científicos formam o professor. A
vivência e o fazer propiciam uma competência significativa nas mais diferentes e
adversas situações. Há de se considerar também que o momento de formação é
particular e cada sujeito internaliza-o de modo pessoal, talvez único. Segundo Tardif
(2012, p. 20):
Antes mesmo de ensinarem os futuros professores vivem nas salas de
aula muitas horas. Ora, tal imersão é necessariamente formadora, pois
leva os futuros professores a adquirirem crenças, representações e
certeza sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre o que é
ser aluno.
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A formação docente é contínua e se inicia muito antes da graduação. As
experiências trazidas na condição de aluno são importantes para a constituição do
docente. Contudo, ser docente hoje requer ir além dos exemplos de docente e docência
vivenciados ao longo da trajetória escolar/acadêmica. É o docente reflexivo que poderá
exercer os elementos que fazem parte da educação: saber ouvir, saber observar e saber
agir. Segundo Luckesi (2010, p. 29):
Formar o educador, a meu ver, seria criar condições para que o sujeito
se prepare filosófica, científica, técnica e afetivamente para o tipo de
ação que vai exercer. Para tanto, serão necessárias não só
aprendizagens cognitivas sobre os diversos campos de conhecimentos
que o auxiliem no desempenho do seu papel, mas – especialmente – o
desenvolvimento de uma atitude dialeticamente crítica sobre o mundo
e sua prática educacional.
Isto significa dizer que se o docente universitário não tiver clareza de sua
prática, de como organizá-la e para quê, correrá o risco de reduzir-se à mera reprodução
de modelos aprendidos em sala de aula. Portanto, é necessário que a prática docente
esteja submetida a uma reflexão sistemática e contínua (MALUSÀ, 2003, p. 138).
A reflexão consiste na capacidade de se voltar sobre si mesmo, sobre as
construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção. A
expressão “pensamento reflexivo” originou-se nas formulações de John Dewey, na
década de 1930, sobre a compreensão da realidade e a construção de significados a
partir das experiências vividas. Para Dewey, a reflexão consiste na capacidade de
distinguir entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede como consequência. Assim,
“[...] pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma
coisa que fazemos e a consequência que resulta, de modo a haver continuidade entre
ambas” (1979, p. 158).
Ao desenvolver a capacidade de refletir sobre a sua prática de modo a tornar
claro o conhecimento meditado intrinsecamente e baseada em suas experimentações e
vivências o docente poderá compreender conhecimentos internos de forma mais
consciente.
[...] a reflexão se constitui como elemento capaz de promover a
dinamicidade da prática pedagógica, orientando esta de forma a
melhor atender os alunos. Isso possibilita uma formação profissional
reflexiva pautada numa prática que abranja as questões dos saberes,
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produção de valores e reflexão. A prática reflexiva ainda pressupõe
um vínculo indissociável entre teoria e prática, entre finalidade e ação,
entre o saber e o fazer, entre a concepção e a execução (FERREIRA,
2010, p. 121).
A reflexão sobre as vivências é a base para que o profissional possa efetuar as
críticas, observações sobre as estratégias e as teorias nas quais acredita o que lhe
possibilita modificar, transformar suas formas de atuação. Na perspectiva de Freire, “é
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática” (1996, p. 22).
Nesse sentido, as narrativas dos docentes pesquisados trazem elementos sobre o
aprendizado da docência partindo da reflexão do cotidiano e das trajetórias pessoais e
profissionais. Os docentes narram que a universidade, como lócus do exercício
profissional tem se constituído como o lugar da formaçãoi.
E tentei naquele momento um mestrado na PUC de São Paulo, eu queria o ensino
da língua portuguesa por meio do teatro. Quando fui prestar na PUC, o que eles me
falaram é o seguinte: olha aqui, na PUC a gente não tem ninguém pra orientar no
sentido do teatro, porque a gente aqui é de letras. Então, assim, você teria que ter
esse conhecimento pra poder fazer esse mestrado com a gente. Aí eu resolvi
estudar teatro. [...] E acabei indo pra escola livre [...] Eu venho de uma geração em
que a gente criticava mesmo a universidade. Por isso que eu fiz escola livre. Porque
naquele momento a gente achava que não tinha que ter universidade e pronto, o
artista é artista, ponto. Hoje eu penso um pouco diferente: a universidade não
existe. A universidade são as pessoas. Então se as pessoas mudam [...] a
universidade é um espaço que a gente tem que ocupar. Porque se a gente não
ocupar, os que realmente acreditam no poder da arte, que a arte é conhecimento, a
gente vai deixar pros picaretas. Eu não quero deixar pros picaretas. Eu quero gente
boa dentro da universidade. [...] Eu vejo assim que não dá pra separar a formação, a
pessoa que você é e a pratica que você tem na universidade, porque senão é
discurso, uma coisa é discurso, e a outra coisa é a prática. [...] Eu acho que essa
perspectiva de compreender que ser professor não é estar numa sala de aula. [...]
Porque eu fiquei pensando isso, porque na universidade, o que a gente menos faz é
dar aula. Porque a gente faz pesquisa, a gente faz extensão (Dona Chiquinha)ii.
[...] e eu acho que na nossa área a gente tem certo privilegio também de poder
investigar inclusive os modos de pesquisar, então eu acho que a faculdade ainda é
esse espaço de formação para o docente, e para mim ela também é um espaço de
formação para o docente porque ele possibilita a prática docente com os estudantes
(Márcia).
[...] como que as artes podem ajudar a universidade ser mais criativa, falta
criatividade de modo geral na universidade brasileira [...] Então, acho que juntar a
arte com a pesquisa pode ser um bom caminho, nesse sentido da criação, de novos
campos de conhecimentos [...] Eu tive oportunidade de fazer o mestrado na
Unicamp em história da arte, que é muito bom, e logo depois que eu terminei o
mestrado eu já comecei a trabalhar como professor substituto, primeiro lá no Rio
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de Janeiro, onde eu sou nascido, então assim eu terminei o mestrado na Unicamp,
fiz a graduação e o mestrado lá. [...] Como eu já estava nesse caminho, de dar aula
etc., eu comecei, mais tarde, a dar umas aulas em São Paulo também, e nesse
período eu compreendi que já que eu estava trabalhando como professor
universitário, e então eu queria pelo menos investir mais nessa carreira, eu senti
necessidade de fazer um doutorado. [...] Claro que o mestrado e doutorado
contribuem e contribuíram no meu caso para a formação docente, porque me deram
um método de pesquisa, de reflexão, e conteúdo também, em função das pesquisas
que eu fiz, e isso me ajuda muito, justamente quando eu preparo as aulas, ou seja,
eu sei que tem gente que critica o mestrado, a pós-graduação, mas o profissional
não aprende a ser professor, mas ele aprende a ser pesquisador, e eu acredito que
um aspecto importante do trabalho docente universitário é a pesquisa, eu não
acredito numa docência universitária que não tenha pesquisa. [...] (Alex).
[...] eu fui fazer música porque eu queria descobrir qual o segredo da música, só as
coisas básicas, o segredo da música. E isso foi que me encaminhou para a
universidade [...] Eu fui entender de fato quando eu tava no mestrado: ah isso que é
universidade, isso que é fazer pesquisa, isso é que é orientar, não fazia a mínima
ideia. Então isso atrasa um pouco a forma como você se organiza (Pereirinha).
Identificam-se diversas questões possíveis de reflexão nas narrativas acima.
Márcia, por exemplo, certifica a universidade como lugar para formação do docente e
para pesquisa, e também remete a uma aprendizagem da docência na prática
pedagógica. Pereirinha e Alex também expõem a arte como pesquisa. E já nas falas de
Pereirinha, Alex e Dona Chiquinha, a afirmação da arte como conhecimento e criação.
Evidenciam, ainda, que a universidade legitima o conhecimento em arte, já que todos
buscaram a instituição como espaço de formação, seja na graduação ou na pós-
graduação. Pereirinha, por exemplo, na busca pelo “segredo da música” procura uma
instituição de ensino superior. Nesse sentido, a universidade é considerada como lugar
do conhecimento, da pesquisa. No momento em que decide “descobrir o segredo da
música” na instituição, Pereirinha afirma a universidade como espaço de construção do
conhecimento, e, desse modo, do conhecimento em música, em arte.
Em compensação, as falas também abordam a importância da arte para a
universidade, e a necessidade da universidade ser ocupada por artistas, tanto para
afirmar a arte como um campo do saber, quanto para possibilitar a instituição
universitária ser mais criativa, promovendo novos campos de conhecimento, indo contra
a pobreza de experiências. Todo o corpus da pesquisa revela o processo formativo e a
formação dos professores pesquisados. Formação se refere à vida, “significa, assim,
reconhecimento das trajetórias próprias dos homens e mulheres, bem como exige a
contextualização histórica dessas trajetórias, assumindo a provisoriedade de propostas
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de formação de determinada sociedade” (BATISTA, 2002, p. 136). De fato, o percurso
profissional dos professores foi reconstruído, narrado e foram dados a eles novos
sentidos e significados.
De tal modo, embora os docentes associem a formação para docência apenas à
formação inicial e/ou continuada, percebemos em suas falas que é no ir e vir, no
constante movimento da articulação entre a prática, os saberes e a formação que nossos
personagens vão constituindo seus processos formativos como docentes.
Considerações Finais
Essa caminhada teve como ponto de partida as reflexões sobre a formação do
docente universitário. Nas análises dos dados, nota-se que todos os docentes sujeitos da
pesquisa cursaram mestrado e doutorado. Embora esses cursos serem incumbidos pela
formação dos formadores, eles têm delimitado esse processo à pesquisa, deixando
fragilizada a formação dos professores ao não tratar dos conhecimentos pedagógicos.
Isso nos revela que é a universidade como lócus do exercício profissional que
tem se constituído como o lugar da formação para a docência universitária e não a
universidade como aquela que abarca os programas de pós-graduação responsáveis por
essa formação, que precisa ser referendada por políticas públicas específicas, deixando
de ser assumidas ao bel-prazer de cada programa.
A universidade não tem olhado para si no sentido de perceber o ensino na
mesma perspectiva da pesquisa, pois desenvolve pesquisas diversas, mas se coloca
muito pouco como objeto de suas próprias pesquisas, fazendo com que o tripé – ensino,
pesquisa, extensão – cresça de modo competitivo e não de maneira indissociável. Nessa
perspectiva, a docência tem sido menos visualizada nesse lugar. Forma o professor que
irá atuar na educação básica e pouco ou nada faz para formar o professor responsável
pela formação de todos os demais profissionais. Mesmo nos programas de pós-
graduação em Educação, há escassas ações específicas para esse fim.
Por fim, nota-se que esses professores se formaram/formam nas universidades,
especialmente, nos programas de pós-graduação, pois é a esses que se remetem quando
abordam seus processos formativos, com exceção de Dona Chiquinha, que cita também
a Escola Livre de Teatro. Entretanto, compreende-se que os docentes dessa pesquisa se
formam no transcorrer, ou melhor, no entrelaçamento das dimensões pessoais e
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profissionais, ao mobilizar/construir saberes na prática docente e artística, ao constituir
suas identidades. É imperioso, portanto, despertar, nos professores, a vontade de refletir
sobre os seus percursos profissionais, sobre a forma como sentem a articulação entre o
profissional e o pessoal, sobre a forma como foram evoluindo ao longo da sua carreira.
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i As entrevistas narrativas foram individuais e gravadas em áudio. Após a transcrição das entrevistas, os
arquivos foram enviados individualmente para cada docente, a fim de que pudessem fazer as alterações
que julgassem necessárias. Durante a entrevista, os docentes lembravam-se de episódios, pessoas, lugares;
iam dando conta de como se constituíram artistas, docentes. Dado a extensão das narrativas e o objetivo
do artigo apresentado, foram agregados apenas alguns trechos com o intuito de expor as percepções dos
docentes sobre seus processos formativos. ii Os codinomes dos participantes foram atribuídos pelos pesquisadores.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6745ISSN 2177-336X