Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB
Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Rio de Janeiro - 2015
Francisco Emiliano SampaioIvete Mello Calil Farah • Orientadora
Universidade Federal do rio de Janeiro
Programa de Pós-graduação em Urbanismo
rio de Janeiro - 2015
Distanciamento e reaproximação de rios urbanosPlanejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe
dissertação de mestrado em urbanismoPós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do rio de Janeiro (ProUrB-UFrJ)
Francisco emiliano sampaio
Francisco emiliano sampaio
rio de Janeiro - 2015
Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe
orientadora: ivete Mello Calil Farah
dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
Urbanismo/ProUrB, Universidade
Federal do rio do Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção
de título de mestre em urbanismo.
sampaio, Francisco emiliano.s192 distanciamento e reaproximação de rios urbanos: planejamento ecológico
para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe / Francisco emiliano sampaio. rio de Janeiro: UFrJ / FaU, 2015.
XXii, 245 f.: il.; 30 cm.
orientador: ivete Mello Calil Farah.
dissertação (mestrado) – UFrJ / ProUrB / Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2015.
referências bibliográficas: f. 238-245.
1. Planejamento urbano – aspectos ambientais. 2. Paisagem urbana. 3. rios urbanos – salvador (Ba). 4. rio Camarajipe - salvador (Ba). 5. recursos hídricos - aspectos ambientais. 6. Cursos de água - restauração. i. Farah, ivete Mello Calil. ii. Universidade Federal do rio de Janeiro, Faculdade de arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. iii. Título
Cdd 711.42
o rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era
a imagem de um vidro mole que fazia uma volta
atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: essa volta
que o rio faz por trás da sua casa se chama
enseada.
não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
era uma enseada.
acho que o nome empobreceu a imagem.
Manoel de Barros
Agradecimento
inicialmente agradeço ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo –
ProUrB- da UFrJ pela oportunidade que me foi concedida e pela importância
de estar presente nesse ambiente de intercâmbio de ideias e construção do
pensamento sobre a cidade.
agradeço ao CnPQ pela bolsa concedida durante parte do curso.
Um agradecimento especial à orientadora, professora ivete Farah, pela enorme
paciência, pelas sugestões e sutileza na condução pelos meandros da
pesquisa.
a todos os professores do ProUrB com quem tive oportunidade de assistir
aulas e que, de alguma forma, trouxeram novas ideias e questionamentos es-
senciais para o desenvolvimento desse estudo, entre esses destaco ana lucia e
Barki pelos direcionamentos que forneceram a essa pesquisa, tanto na qualifi-
cação como nas disciplinas que ministraram.
agradeço aos funcionários do ProUrB, aqueles que também são responsáveis
pela excelência do programa, em especial a Keila por facilitar a vida dos
discentes.
aos órgãos governamentais que facilitaram o acesso aos documentos essen-
ciais para essa pesquisa entre eles: a Conder, em especial ao setor inForMs,
nas pessoas de Fernando Cabussú e anderson oliveira, que disponibilizaram as
imagens aéreas históricas da bacia, (sem esquecer de itamar Kalil que fez a
“ponte” com o referido órgão); também as funcionárias da biblioteca da
Fundação Mario leal Ferreira, pelo empenho e atenção; como também a equipe
da Codesal, por conceder dados importantes sobre áreas de risco; à Fundação
Gregório de Mattos por ceder para uso as fotografias históricas, verdadeiras
‘relíquias’ que contam um pouco da evolução de salvador ao longo do tempo.
À turma do mestrado, pelas intensas e divertidas discussões. as amizades feitas
que irão perdurar pela vida inteira. sem vocês esse percurso seria menos colo-
rido, intenso e interessante.
registro aqui uma gratidão especial àqueles que me acolheram quando che-
guei ao rio de Janeiro: a minha tia Mônica pelo sentimento de estar perto da
família e me sentir em casa. ao Marcos (piá) e seus pais, rogério e ana lúcia,
pela amizade e suporte no delicado início da adaptação a essa nova realidade.
ao escritório Paulo Baruki arquitetura, pela oportunidade profissional e a todos
aqueles desse escritório que deixaram esse período inicial mais leve e tranquilo.
ao Horacio González (em memória), pela disponibilidade a qualquer momento
para conselhos, sugestões e uma boa conversa sobre arquitetura, pela oportuni-
dade ímpar que foi trabalhar na Tensotech, em salvador, e, prontamente, me
indicar vários escritórios de arquitetura onde poderia trabalhar quando chegas-
se nessa cidade.
aos amigos soteropolitanos, pela camaradagem, em especial a Paulo, pela dis-
posição, coragem e parceria nas visitas à área de estudo.
aos novos amigos cariocas, pela ajuda na adaptação e por entenderem a maio-
ria das recusas aos convites dos fins de semana. realmente eu estava estudan-
do, - a prova está aqui.
a toda minha família, tios e tias, primos e primas por fazerem parte da minha
vida.
a minha avó Maria, pelo carinho e ser responsável pelas minhas poucas, mas
valiosas conquistas.
ao meu pai vicente, por me ensinar a importância de estar em contato com a
natureza, fornecendo desde a minha primeira infância acesso ao mar, rios e mon-
tanhas. Como também, pela coragem de conhecer a cidade sem qualquer tipo
de preconceito, incentivando sempre o novo, deixando de lado os percursos
feitos na rotina do dia-a-dia e se aventurar pelos caminhos desconhecidos.
a Flavia, com sua personalidade carinhosa e seu apoio irrestrito, conduzindo as
nossas vidas por esses anos da pesquisa de maneira surpreendente, sempre me
ensinando a ser uma pessoa melhor, me presenteando todos os dias com seu
sorriso, tornando-os mais alegres.
Um enorme agradecimento às minhas irmãs, por servirem sempre de farol que
ilumina os caminhos da obtenção do saber e por revelar, com o seus exemplos,
a importância de sermos generosos ao dividir o conhecimento adquirido com
todos através das instâncias acadêmicas. e, também, ao meu sobrinho/irmão
luca, por me dar o prazer de acompanhar o seu desenvolvimento.
Um especial agradecimento à minha mãe, Maria, por todo esforço desprendido
em todas as etapas da minha vida, sempre com uma disponibilidade inclassificá-
vel para resolver qualquer tipo de problema. Pela parceria na elaboração desse
estudo, se aprofundando no tema para estabelecer saudáveis diálogos sobre os
assuntos tratados nessa pesquisa. agradeço-lhe também por apresentar a cida-
de real, fora dos “muros” que fornecem a ilusão de que tudo vai bem, instigando
desde sempre a pensar a cidade, principalmente os problemas sociais e ambien-
tais que tanto afligem as cidades brasileiras.
Resumo
a presente dissertação trata da relação entre a cidade e seus
rios e a possibilidade de reestruturação de uma paisagem fluvial, atra-
vés da restauração de valores ambientais com o propósito de reaproxi-
mar a cidade de suas águas. através da reflexão crítica acerca do
método ecológico proposto por ian McHarg aplicado em uma bacia
hidrográfica urbana, com base na restauração do seu principal rio,
busca-se compreender os cursos d’água como processos interativos do
ecossistema com a cidade. nesse sentido, o estudo encaminha-se para
a aplicação do método na bacia hidrográfica, tendo por base um recor-
te com vistas à restauração de um rio urbano. Com o propósito de
analisar a relação dos rios com a ocupação urbana buscou-se entender
as práticas que retificaram, canalizaram e ocultaram os rios urbanos e,
nesse sentido, identificar as possibilidades de aproximar de forma
saudável os rios com a cidade. o contexto onde se desenvolve a pes-
quisa é a cidade de salvador, tendo como recorte a bacia hidrográfica
do rio Camarajipe e o rio de mesmo nome. esse curso d’água represen-
ta um marco na expansão recente da cidade, convergência dos atuais
eixos viários da cidade, tais como: estação de transbordo, metrô, rodo-
viária e estrada que liga ao sul e norte do país. o rio também foi um
dos principais mananciais de abastecimento de água da cidade, no final
do século XiX até meados do século XX. nesse período, até os dias
atuais, a bacia, assim como o rio Camarajipe, vem sofrendo com a
deterioração dos processos naturais em detrimento da expansão e
desenvolvimento da estrutura urbana. em síntese, com base na pesqui-
sa e análise realizadas foi possível propor alternativas para o planeja-
mento da bacia hidrográfica com enfoque conceitual na restauração
dos processos naturais inerentes ao ambiente fluvial com o objetivo de
valorizar e reestruturar a paisagem urbana.
Palavras-chave: rios urbanos. rio Camarajipe/salvador.
Método ecológico. ian McHarg. Paisagem urbana. restauração de
rios urbanos.
Abstract
The present dissertation assess the relationship between the
city and its rivers and the possibility of restructuring river landscapes
through the restoration of environmental values in order to bring the
city closer to its waters. Through a critical reflection about the ecologi-
cal method proposed by ian McHarg, applied to an urban watershed
and based on the restoration of its main river, we aim to understand the
water courses as ecosystem processes that are interactive with the city.
Thus, the study implements the method in the catchment area based
on a clipping with the goal to restore one urban river. With the purpose
of analyzing the relationship between rivers and urban occupation we
sought to understand the practices that rectified, channeled, and
concealed urban rivers, and, accordingly, identify the possibilities to
approach rivers and city in a healthy way. The research context is
located in the city of salvador encompassing the hydrographic
Camarajipe river basin and the river of the same name. This body of
water represents a milestone in the city’s recent expansion with the
convergence of existing road axes in the city such as: transshipment
station, subway, bus station, and the highway that links the south and
north of the country. The river was also one of the main water sources
for water supply in the city between the end of the 19th century and
the mid-twentieth century. during this period and up to the current
time, the basin and Camarajipe river have been suffering from the
deterioration of natural processes over the expansion and development
of the urban structure. in summary, based on the research and analysis
performed, it was possible to propose alternatives for planning the
hydrographic basin with the conceptual focus on the restoration of
natural processes that are inherent to the river environment with the
goal of valuing and restructuring the urban landscape.
Keywords: Urban rivers. Camarajipe river/salvador.
ecological method. ian McHarg. Urban landscape. restoration of
urban rivers
Lista de Siglas
AI - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare adoBe illUsTraTor
APAS - Áreas de ProTeção aMBienTal
BR-324 - rodovia Federal Brasileira 324
CAB - CenTro adMinisTraTivo da BaHia
CBS - ColUMBia BroadCasTinG sysTeM
CIAGS - CenTro inTerdisCiPlinar de desenvolviMenTo e GesTão soCial
CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe
CODESAL - CoMissão de deFesa Civil do salvador
CONDER - CoMPanHia de desenvolviMenTo UrBano do esTado da BaHia
CRA - CenTro de reCUrsos aMBienTais
DDT - diClorodiFenilTriCloroeTano, TiPo de PesTiCida
DNOS - deParTaMenTo naCional de oBras de saneaMenTo
DWG - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare aUToCad
EPUCS - esCriTório do Plano de UrBanisMo da Cidade do salvador
FGM - FUndação GreGório de MaTTos
FMLF - FUndação MÁrio leal Ferreira
GIS - GeoGraPHiC inForMaTion sysTeM
IBGE - insTiTUTo Brasileiro de GeoGraFia e esTaTísTiCa
INFORMS - sisTeMa de inForMações GeoGrÁFiCas UrBanas do esTado da BaHia
IQA - índiCe de QUalidade das ÁGUas
JPEG - JoinT PHoToGraPHiC eXPerTs GroUP, ForMaTo de arQUivo rasTer Para iMaGens diGiTais
MIT- MassaCHUseTTs insTiTUTe oF TeCHnoloGy
PDDU - Plano direTor de desenvolviMenTo UrBano do MUniCíPio do salvador
PDE - Plano direTor de enCosTas
PDF - PorTaBle doCUMenT ForMaT, ForMaTo de arQUivo, desenvolvido Pela adoBe sysTeMs
PGSESCS - PlaneJaMenTo Geral do sisTeMa de esGoTo saniTÁrio da Cidade de salvador
PLANDURB - Plano de desenvolviMenTo UrBano de salvador
PSD - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare adoBe PHoTosHoP
SAD - sUrvey / analysis / desiGn
SICAR/RMS - sisTeMa CarToGrÁFiCo da reGião MeTroPoliTana de salvador
SSA - salvador
SUDENE - sUPerinTendênCia do desenvolviMenTo do nordesTe
TIFF - TaGGed iMaGe File ForMaT, ForMaTo de arQUivo rasTer Para iMaGens diGiTais
TRANSCON - TransFerênCia do direiTo de ConsTrUir
UFBA - Universidade Federal da BaHia
USA - UniTed sTaTes oF aMeriCa
WWRT - WallaCe MCHarG roBerTs & Todd
Lista de Figuras
26 FIG. 01 ConsTrUção da via eXPressa Baía de Todos os sanTos, “aBrindo esPaço Para ModerniZação”. (FoTo: ManU dias, seCoM-Gov. BaHia, HTTPs://WWW.FliCKr.CoM/PHoTos/aGeCoMBaHia/7061060935/in/seT-72157629777101749)
27 FIG. 02 enConTro do rio PinHeiros CoM o TieTê, na Zona oesTe da CaPiTal. (FoTo: ayrTon viGnola/aGênCia esTado, 20/09/2010. HTTP://BloGs.esTadao.CoM.Br/olHar-soBre-o-MUndo/rio-TieTe)
28 FIG. 03 Baía de Todos os sanTos, siTUação PeninsUlar do síTio da Cidade, PorTo ProTeGido na “enTrada” da Baía (aCervo da BiBlioTeCa naCional Brasil eM HTTP://WWW.Wdl.orG/PT/iTeM/786/)
29 FIG. 04 arQUiTeTo ian MCHarG.
29 FIG. 05 CaPa da PriMeira edição do livro desiGn WiTH naTUre
38 FIG. 06 CoMPonenTes FísiCos de UM CórreGo (FonTe: riley, 1998, P.29, ilUsTração do aUTor)
38 FIG. 07 dinâMiCa da vÁrZea. eXTravasaMenTo dos rios nas PlaníCies de inUndação CoM FreQUênCias Previsíveis, as esTrUTUras UrBanas ConsTrUídas denTro Área do leiTo Maior são sUsCeTíveis a risCos de desTrUição. (sPirn, 1984, P. 132, TradUção livre do aUTor)
52 FIG. 08 eXeMPlo de oBra realiZada Pelo iMPério roMano Para aBasTeCiMenTo e eXPansão (Benevolo 2011, P. 190)
58 FIG. 11 FonTe de QUeiMados eXisTenTe anTes da insTalação da CoMPanHia, resisTe aTé os dias aTUais. (FonTe: FalCão eM saMPaio, C., 50 anos de UrBaniZação)
58 FIG. 12 visTa Geral da Cia. de QUeiMados (FonTe: GUilHerMe Gaensly eM saMPaio, C., 50 anos de UrBaniZação)
58 FIG. 09 iMediações da Cia. de QUeiMados, 1959 (FonTe: Conder/inForMes)
58 FIG. 10 evolUção UrBana no enTorno da Cia. QUeiMados, aTUalMenTe MUseU arQUeolóGiCo e ParQUe HisTóriCo, aMBos adMinisTrados Pela eMBasa (FonTe: 2014, GooGle earTH)
61 FIG. 13 enTorno da rePresa de MaTa esCUra 1959 (FonTe: Conder/siCar)
61 FIG. 14 evolUção UrBana do enTorno da rePresa de MaTa esCUra 1976 (FonTe: Conder/siCar)
61 FIG. 15 evolUção UrBana do enTorno da rePresa de MaTa esCUra 2014 (FonTe: GooGle earTH)
68 FIG. 16 diQUe do Tororó desProvido de Grande inTervenções UrBanas, Mais PróXiMo ao seU esTado oriGinal. (FoTo: adolPHo Moreira de oliveira, diQUe do Tororó - 1928. FonTe: HTTP://Maisdesalvador.BloGsPoT.CoM.Br/2011/08/diQUe-do-Tororo.HTMl)
71 FIG. 17 ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1959 (FonTe: Conder/siCar)
71 FIG. 18 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1976 (FonTe: Conder/siCar)
Pág. descrição
72 FIG. 19 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1992 (FonTe: Conder/siCar)
72 FIG. 20 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 2014 (FonTe: GooGle earTH)
77 FIG. 21 eXeMPlo de oCUPação do solo eM salvador na BaCia do CaMaraJiPe, os Menos FavoreCidos oCUPando as enCosTas (aUTor, 2014)
80 FIG. 22 Plano elaBorado Pelo enGenHeiro saTUrnino de BriTo Para MelHoraMenTos do TieTê, 1925 (FonTe: HTTP://UsP.Br/FaU/doCenTes/dePProJeTo/C_deaK/Cd/5Bd/1rMsP/Plans/H1saTUrn/indeX.HTMl)
83 FIG. 23 avenida anTonio Carlos MaGalHães, reGião da TerMinal rodoviÁrio e CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi). iMPlanTação das avenidas de vales eM salvador, ProPosTas Pelo ePUCs. PriMeiro Plano(TraCeJado) o loCal de desvio do do rio CaMaraJiPe, PossívelMenTe déCada de 1960 ( FonTe: aCervo FGM/PMs, seM daTa)
83 FIG. 24 evolUção UrBana da reGião da avenida anTonio Carlos MaGalHães, sUPressão das vÁrZeas MaJoriTariaMenTe oCorrida Pela iMPlanTação do sisTeMa viÁrio de alTa CaPaCidade ( FonTe: GooGle earTH, 2012)
85 FIG. 25 eXeMPlo de oCUPação inForMal no FUndo dos vales, Bairro de BoM JUÁ. ( FonTe: aCervo FGM/PMs, 1981)
86 FIG. 26 eXeMPlo de sUPressão de vÁrZea eM salvador, reTiFiCação do rio CaMaraJiPe na avenida anTônio Carlos MaGalHães (FonTe: aCervo FGM/PMs)
90 FIG. 27 doCUMenTo elaBorado Pela odeBreCHT Para a PreFeiTUra de salvador ConTendo esTUdo de UrBaniZação de TreCHo no enTorno do CaMaraJiPe, reGião do CMC (FonTe: FMlF, 1978)
93 FIG. 28 Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1959, reGião do aTUal CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe. a iMaGeM deMonsTra QUe, aPesar do alTo GraU de Conservação dos ProCessos naTUrais e a não oCUPação Pela esTrUTUra UrBana, alGUMas inTervenções UrBanísTiCas JÁ esTão eM CUrso inTerFerindo nos ProCessos naTUrais, eM esPeCial os asPeCTos HídriCos. o rio nesse MoMenTo JÁ enConTrava-se reTiFiCado e redireCionado (FonTe: inForMes/Conder, 1959)
93 FIG. 29 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1976, reGião do aTUal CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe. inTensa inTervenção eM CUrso, Para adeQUar a Área CoM o oBJeTivo de ForMar novo CenTro de aTividades de CoMerCio, serviço e eMPresarial. TerMinal rodoviÁrio e CenTro CoMerCial iGUaTeMi (sHoPPinG iGUaTeMi) insTalados. (FonTe: inForMes/Conder, 1976)
94 FIG. 30 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1992, reGião do CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi). Área CoM alTo GraU de Consolidação da esTrUTUra UrBana, Canal CoM sUas CalHas reverTidas de arGaMassa arMada. (FonTe: inForMes/Conder, 1992)
94 FIG. 31 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 2014, reGião do CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi).Consolidação da oCUPação e inTervenções viarias. (FonTe: GooGle earTH, 2014)
96 FIG. 32 reCorTes do PeriódiCo Correio da ManHã de 13 de oUTUBro de 1948 CoMUniCando a liBeração dos serviços Para draGaGeM do rio CaMaraJiPe (FonTe: aCervo da FUndação BiBlioTeCa naCional eM BiBlioTeCa naCional diGiTal Brasil, HeMeroTeCa diGiTal Brasileira HTTP://MeMoria.Bn.Br/doCreader/doCreader.asPX?BiB=089842_05&PaGFis=43822)
100 FIG. 33 linHa do TeMPo deliMiTando os MoMenTos QUe ForMaraM o PanoraMa aTUal da BaCia HidroGrÁFiCa e o rio CaMaraJiPe
101 FIG. 34 TiPoloGia de oCUPação no leiTo do CaMaraJiPe, Bairro do reTiro (FonTe: aCervo do aUTor, 2013)
105 FIG. 35 reTiFiCação do rio CaMPinas, UM dos PrinCiPais aFlUenTes do rio CaMaraJiPe. oBras de ConsTrUção da av. Mario leal Ferreira e MelHorias saniTÁrias Para sanar ProBleMas CoMo enCHenTes (FonTe: aCervo PMs/FGM)
106 FIG. 36 enCaPsUlaMenTo do rio CaMPinas Para Corredor eXPresso de ôniBUs eM 1988 (FonTe: FoTóGraFo lÁZaro Torres, aCervo PMs/FGM)
106 FIG. 37 esTado aTUal do rio CaMPinas, enCaPsUlado e soBre a CoBerTUra QUe CoBre o leiTo Área desTinada a laZer. esTrUTUras de sUPorTe da linHa do MeTrô aCoMPanHa Todo o seU CUrso.(FonTe: PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014.)
108 FIG. 38 TíPiCa solUção de enGenHaria Para ConTer inUndações, CoMo TaMBéM ProPiCiar “eQUilíBrio” Para a oCUPação UrBana sUBseQUenTe. inTervenção no rio CaMararaJiPe Para reTiFiCação e ConsTrUção de PonTes. (FonTe: aCervo dn/FGM, av. anTônio Carlos MaGalHães - PonTe do deTran. 24/04/1975)
114 FIG. 39 alTo índiCe de UrBaniZação na BaCia HidroGrÁFiCa e nas MarGens do rio CaMaraJiPe(FonTe: esTa FoToGraFia Foi ProdUZida Pelo PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014)
129 FIG. 40 eXeMPlo de siTUação de FraGilidade, resPosTa das Tensões ProvoCadas Pela eXPansão UrBana (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)
131 FIG. 41 eXeMPlo da soBrePosição de CaMadas resUlTando no MaPa sínTese, as CaMadas deMonsTradas nesse diaGraMa são reFerenTes À aPliCação do MéTodo no PresenTe esTUdo (elaBorado Pelo aUTor)
133 FIG. 42 ConJUnTo de CaMadas rePresenTando valores das CaTeGorias de FaTores naTUrais e soCiais. (FonTe: MCHarG, 2000, P.111)
140 FIG. 43 PersPeCTiva da seção do Grande vale no esTUdo Para a BaCia do rio PoToMaC (FonTe: MCHarG, 2000, P.148)
140 FIG. 44 seção de UMa reGião de vale na eUroPa, Para eXPosição CiTies and ToWn-PlanninG 1911. (FonTe: Geddes, 1994, P.198-199
143 FIG. 45 eXeMPliFiCação do MéTodo de PlaneJaMenTo (s.a.d) sUrvey-analysis-desiGn [levanTaMenTo/anÁlise/ConCePção] (FonTe: TUrner, 1996, P.146)
145 FIG. 46 ConJUnTo de MaPas daaPliCação do MéTodo eColóGiCo Para o desenvolviMenTo do Plano Para PaisaGeM UrBana de são lUís, Ma (FonTe: Kliass, 2006, P.48-49)
151 FIG. 47 Lantana camara, seGUndo sanTos et aL. é a PlanTa QUe dÁ oriGeM ao noMe do rio CaMaraJiPe (FonTe: HTTP://Goo.Gl/17d4Xy)
152 FIG. 48 o aTUal(2014) esTado deGradação aMBienTal do rio CaMaraJiPe, Perda de QUalidade da ÁGUa e CoMProMeTiMenTo da esTrUTUra FísiCa (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)
156 FIG. 49 a oBra da via eXPressa inTerFeriU direTaMenTe na ToPoGraFia de UMa eXTensa reGião na BaCia HidroGrÁFiCa do CaMaraJiPe, ConseQUenTeMenTe, TaMBéM inTerFeriU na dinâMiCa de esCoaMenTo das ÁGUa PlUviais. assiM CoMo, a inTervenção na esTrUTUra no leiTo do rio das TriPas, PrinCiPal aFlUenTe do CaMaraJiPe. a ConsTrUção da via eXPressa, CoMo Toda Grande inTervenção viÁria, inTerFere na esTrUTUra HídriCa adJaCenTe, resUlTando no aCrésCiMo do FlUXo eM dias de CHUva eM resPosTa a Maior Área de iMPerMeaBiliZação. assiM CoMo ModiFiCações no deseMPenHo do esCoaMenTo devido ao aMPlo ConJUnTo das 10 FaiXas da via esTÁ iMPlanTado, eM ParTe, nos FUndos de vales. MosaiCo de iMaGens da via eXPressa Baía de Todos os sanTos. Peças PUBliCiTÁrias de divUlGação da oBra (FiG. 01 e 02), iMaGens da seCreTaria de CoMUniCação do Governo do esTado (FiG. 03, 05 e 06) e FiGUra 04 aCervo Pessoal do aUTor.
160 FIG. 50 rio dos seiXos na av. CenTenÁrio iMaGens (01 e 02) anTes de ser TaMPonado e (03, 04 e 05) iMPlanTação de ParQUe linear soBre a laJe QUe o reCoBre. (FonTe: iMaGeM 01: HTTP://s45.PHoToBUCKeT.CoM/User/GaBviana2/Media/dsC04293.JPG.HTMl. iMaGeM 02: HTTP://avenidaCenTenario.BloGsPoT.CoM.Br/2010_06_01_arCHive.HTMl. iMaGeM 03, 01 e 05: HTTP://WWW.BraZao.arQ.Br/174318/1800600/ProJeTos/ProJeTo-av-CenTenario )
161 FIG. 51 ConsTrUção de novos (2013/2014) eMPreendiMenTos iMPlanTados eM esPaços livres na BaCia do rio CaMraJiPe (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)
162 FIG. 52 ConsTrUção de novos (2013/2014) eMPreendiMenTos iMPlanTados eM esPaços livres na BaCia do rio CaMaraJiPe (FonTe: ÁlBUM de FoTos do Governo da BaHia, HTTP://Goo.Gl/QoUXGi, 2011)
172 FIG. 53 TreCHo do rio CaMaraJiPe CoM alTa valoração reFerenTe a esTrUTUra FísiCa (FonTe: aCervo Pessoal do aUTor, 2014)
183 FIG. 54 Área CoM valor elevado de CoBerTUra veGeTal (seMinaTUral e naTUral) nas iMediações da anTiGa rePresa de MaTa esCUra e PraTa (FonTe: GooGle earTH, 2014)
184 FIG. 55 ConJUnTo de veGeTação Preservada ConsiderÁvel, Área do 19º BC, av. lUís edUardo MaGalHães adJaCenTe a UM aFlUenTe do rio CaMaraJiPe (FonTe: PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014.)
185 FIG. 56 ConJUnTo de veGeTação Preservada na CaBeCeira do rio CaMaraJiPe. Possível oBservar inTervenção viÁria, eXPressando o CarÁTer de FraGilidade (GooGle earTH, 2014)
190 FIG. 57 Padrão de Uso oCUPação no Bairro do reTiro, PredoMinanTeMenTe, GalPões e arMaZéns [eM verMelHo]. (FonTe: inTervenção do aUTor soBre GooGle earTH, 2014)
191 FIG. 58 Padrão de Uso oCUPação no Bairro do reTiro, CoTa de elevação dos loTes PróXiMa À linHa d’ÁGUa (FoTo do aUTor, 2013)
198 FIG. 59 eXeMPlo de oCUPação “esPonTânea”, ForMação de aGloMeração HaBiTaCional sUBnorMal, TraCeJado verde. (FonTe: GooGle earTH, 2005, 2007, 2008, 2012 e 2014)
203 FIG. 60 MaPeaMenTo dos PonTos de inUndações. reGisTros da Codesal enTre os anos de 2005 a 2013. (FonTe: MaPeaMenTo Pelo aUTor das oCorrênCias disPoniBiliZada Pela Codesal GooGle earTH, 2014)
217 FIG. 61 MosaiCo eXeMPliFiCando FraGilidade das Zonas de sUPorTe devido oCUPação inForMal e evolUção da inFraesTrUTUra viÁria, Área adJaCenTe ao rio CaMaraJiPe(aZUl/BranCo), PeríMeTro TraCeJado eM verMelHo são Perdas de CoBerTUra veGeTal (FonTes: 1959, inForMes/Conder. 2008, 2005 e 2014 inTervenção do aUTor soBre iMaGens do GooGle earTH)
217 FIG. 62 oCUPação “leGal e ForMal” desConFiGUrando Áreas CoM CoBerTUra veGeTal relevanTe e Zonas úMidas (PeQUeno BreJo). CoMProMeTiMenTo de UMa das nasCenTe do CaMaraJiPe, inTerFerênCia na dinâMiCa HidriCa. (FonTe: aCervo do aUTor, 2014
218 FIG. 63 aGloMerados sUBnorMais adJaCenTes as Zonas de sUPorTe, reGiões vUlnerÁveis aMBienTalMenTe, PoréM CoM PoTenCial Para ConJUnção enTre reCreação e Preservação.(FoTo do aUTor, 2013)
222 FIG. 64 PanoraMa da oCUPação UrBana, PriMeiro Plano GalPões no Bairro do reTiro, seGUndo Plano reGião do Bairro do PaU Miúdo (aCervo do aUTor, 2014)
223 FIG. 65 núMero de reGisTros de desasTres. (FonTe: CoMo ConsTrUir Cidades Mais resilienTes. UM GUia Para GesTores PúBliCos loCais,
THe UniTed naTions oFFiCe For a disasTer risK redUCTion eMdaT-Cred, BrUXelas. noveMBre de 2012.)
225 FIG. 66 MosaiCo de FoTos soBre a siTUação de vUlneraBilidade de eQUiPaMenTo UrBano de Grande FlUXo: ProXiMidade enTre o leiTo do rio CaMaraJiPe e a esTação inTerModal aCesso norTe de MeTrô e ôniBUs (FonTes: 01 aCervo do aUTor, 02 a 04 ÁlBUM de FoTos do Governo da BaHia, HTTP://Goo.Gl/QoUXGi, 2011)
226 FIG. 67 TreCHo de resTaUro (T04), PoTenCial Para aTividades reCreaTivas e de laZer ConJUnTaMenTe a ações de resTaUro. (aCervo do aUTor, 2014)
231 FIG. 68 diaGraMa de ConeXão enTre valoriZação e resTaUro
Lista de Mapas
34 MAPA 01. esQUeMa de loCaliZação da BaCia HidroGrÁFiCa do rio CaMaraJiPe, seM esCala (FonTe: o CaMinHo das ÁGUas eM salvador, 2010, elaBorado Pelo aUTor)
36 MAPA 02. loCaliZação do rio CaMaraJiPe e da MalHa HidroGrÁFiCa, esCala GrÁFiCa (FonTe: siCar/rMs 1992, GooGle earTH. elaBorado Pelo aUTor)
42 MAPA 03. divisão da BaCia HidroGrÁFiCa do rio CaMaraJiPe eM dois seTores: “a” e “B” (esCala GrÁFiCa)
43 MAPA 04. aCiMa esQUeMa siMPliFiCado da BaCia HidroGrÁFiCa e seUs PrinCiPais eleMenTos. ao lado redUção Padrão Para ser aPliCada JUnTo CoM a iConoGraFia.
55 MAPA 05. MaPa elaBorado Por JoHn snoW. CadasTraMenTo da loCaliZação dos Casos de Cólera e a assoCiação desses Casos CoM UM deTerMinado PonTo de aBasTeCiMenTo de ÁGUa (Benevolo 2011, P. 563)
69 MAPA 06. PlanTa idenTiFiCando a rede de esGoTo eXisTenTe na déCada de 1960, no ToTal de 30 QUilôMeTros dos QUais 27 ForaM ConsTrUídos Pelo enG. THeodoro saMPaio, QUe Teria ProJeTado Mais de UMa CenTena de QUilôMeTros. (FonTe: sUdene, 1968)
74 MAPA 07. síTio de salvador aTenção Para o relevo CoMPleXo PresenTe na Cidade, Morros e Colinas seParados Por esTreiTos vales. inTervenção eM Cores FeiTa Pelo aUTor dessa disserTação Para deMonsTrar o Traçado oriGinal (eM verMelHo) do rio CaMaraJiPe e seUs PrinCiPais aFlUenTes e reservaTórios de ConTriBUição (eM aZUl). (FonTe: sanTos, M. 1959 P.59)
88 MAPA 08. loCaliZação na Cidade do CMC (CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe ) sisTeMa viÁrio eXisTenTe, loCal do desvio no CaMaraJiPe e o novo Canal e o anTiGo leiTo (FonTe: PddU 2012. elaBorado Pelo aUTor)
92 MAPA 09. CarToGraFia de 1952, o TraJeTo do rio CaMaraJiPe é rePresenTado anTerior ao redireCionaMenTo, PoréM nesse ano o rio ProvavelMenTe JÁ TinHa soFrido o desvio.(FonTe: HTTP://WWW.Cidade-salvador.CoM/seCUlo20/MaPa-1952.HTM, CirCUlo aMarelo inTervenção do aUTor idenTiFiCando o loCal do desvio)
92 MAPA 10. rePresenTação da CoMPosição das BaCias HidroGrÁFiCas anTes do redireCionaMenTo do rio CaMaraJiPe (elaBorado Pelo aUTor)
92 MAPA 11. rePresenTação da CoMPosição das BaCias HidroGrÁFiCas aPós ao redireCionaMenTo do rio CaMaraJiPe (elaBorado Pelo aUTor)
141 MAPA 12. avaliação dos FlUXos e ConTaMinação na BaCia HidroGrÁFiCa do rio PoToMaC, UM dos MUiTos MaPas do eXaUsTivo invenTÁrio CiTado Por sPirn (FonTe: MCHarG, 2000, P.136)
164 MAPA 13. divisão dos Bairros da BaCia do CaMaraJiPe - seTor a
165 MAPA 14. divisão dos Bairros da BaCia do CaMaraJiPe - seTor B
166 MAPA 15. relevo da BaCia do CaMaraJiPe - seTor a
167 MAPA 16. relevo da BaCia do CaMaraJiPe - seTor B
170 MAPA 17. valoração asPeCTos HídriCos - seTor a
171 MAPA 18. valoração asPeCTos HídriCos - seTor B
174 MAPA 19. valoração da esTrUTUra dos rios - seTor a
Pág. descrição
175 MAPA 20. valoração da esTrUTUra dos rios - seTor B
177 MAPA 21. PoTenCioMeTria e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea no alTo CrisTalino eM salvador -Ba (FonTe: Tese de doUTorado: diaGnósTiCo HidroGeolóGiCo, HidroQUíMiCo e da QUalidade da ÁGUa do aQUíFero FreÁTiCo do alTo CrisTalino de salvador - BaHia, sérGio aUGUsTo de Morais nasCiMenTo, 2008, P. 62) (linHa verde, inTerFerênCia soBre o MaPa indiCando a BaCia do rio CaMaraJiPe, Área Mais Clara CirCUnsCriTa)
180 MAPA 22. valoração da aCerCa da loCaliZação e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea na BaCia - seTor a
181 MAPA 23. valoração da aCerCa da loCaliZação e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea na BaCia - seTor B
188 MAPA 24. valoração da Flora e FaUna - seTor a
189 MAPA 25. valoração da Flora e FaUna - seTor B
194 MAPA 26. valoração reFerenTe ao Uso e oCUPação do solo - seTor a
195 MAPA 27. valoração reFerenTe ao Uso e oCUPação do solo - seTor B
200 MAPA 28. valoração das oPorTUnidades reCreaTivas e CêniCas - seTor a
201 MAPA 29. valoração das oPorTUnidades reCreaTivas e CêniCas - seTor B
204 MAPA 30. risCos GeolóGiCos relaCionados a enCosTas, inTerFerênCia do aUTor soBre o MaPa indiCando a BaCia do rio CaMaraJiPe, Área Mais Clara CirCUnsCriTa (FonTe: Plano direTor de esnCosTas, seCreTaria MUniCiPal do saneaMenTo e inFra-esTrUTUra UrBana 2004, P.45)
206 MAPA 31. valoração dos risCos e vUlneraBilidades - seTor a
207 MAPA 32. valoração dos risCos e vUlneraBilidades - seTor a
210 MAPA 33. MaPa sínTese - seTor a
211 MAPA 34. MaPa sínTese - seTor B
215 MAPA 35. resUMo de avaliação
219 MAPA 36. Zonas de sUPorTe
221 MAPA 37. oCUPação UrBana e Condição de HaBiTaBilidade eM salvador(FonTe: GordilHo-soUZa, anGela, liMiTes do HaBiTar, 2008. eM relaTório do diaGnósTiCo dos serviços de drenaGeM PlUvial UrBana de salvador, 2010)
227 MAPA 38. TreCHos de resTaUro
Sumário
23 INTRODUÇÃO
31 referenciais teóricos
33 o rio Camarajipe
39 objetivo geral
39 objetivos específicos
40 Metodologia
45 estrutura da dissertação
CAPÍTULO 01
47 RIOS URBANOS:
DISTANCIAMENTO E REAPROxIMAÇÃO
48 ParTe 1 [TransForMações]
48 relação dos rios com a cidade
50 da aproximação com rios ao distanciamento na paisagem
54 Breve revisão teórica sobre as intervenções eM rios urbanos e as propostas sanitaristas
75 avenidas, bulevares, a cidade na velocidade do automóvel
81 semana de 35, epucs e os planos fusionais
87 o desvio do rio e o surgimento do canal
97 entre a encosta e o riacho: a aplicação tardia de ideias urbanas superadas
101 ParTe 2 [liMiTe]
101 “Como as cidades habitam os rios?” - Conceitos e processos de restauração de um rio urbano
109 situações e motivações para restauração de um rio urbano
112 a bacia hidrografica urbana na perspectiva da restauração de um rio
CAPÍTULO 02
117 MÉTODO ECOLÓGICO
119 Contexto histórico e conceito teórico
125 a escolha do método
130 a necessidade de uma abordagem ecológica para a análise da bacia hidrogáfica urbana
135 legado e crítica
CAPÍTULO 03
149 BACIA HIDROGRÁFICA DO
RIO CAMARAJIPE
153 Modernidade: cidade x rios
158 o “ desaPareCiMenTo” dos rios soteropolitanos
159 Panorama atual do rio Camarajipe
168 MéTodo eColóGiCo na BaCia HidroGÁFiCa do CaMaraJiPe
168 valores hídricos
172 valores acerca da estrutura física dos rios
176 valores referentes à água subterrânea
182 valores de flora e fauna
190 valores uso e ocupação do solo
196 valores recreativos e cênicos
202 valores de risco e vulnerabilidades
209 a resPosTa do MéTodo eColóGiCo Para a BaCia e o CaMaraJiPe
209 Mapa síntese
212 sobre a sínTese
216 Zonas de suporte
220 Trechos de restauro
228 conexão entre valoração e restauro
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Foz original do rio Camarajipe, bairro do Rio Vermelho (Fonte: acervo FGM/PMS, década de 1940, fotográfo: Voltaire Fraga)
24
esta pesquisa constitui um estudo da relação entre a cidade e
seus rios, demonstrando no caso do rio Camarajipe, na cidade de
salvador, Bahia, a possibilidade de reestruturação de uma paisagem
fluvial, por meio da restauração de valores ambientais, com o propó-
sito de reaproximar a cidade de suas águas.
a história das cidades e dos seres humanos está diretamente
ligada aos cursos d’água, por serem um elemento vital como fonte
de nutrientes e hidratação. a proximidade com rios permitiu uma
mudança de extrema importância no desenvolvimento humano, por
intermédio da agricultura irrigada pelas cheias, como no vale do
nilo, do eufrates, do indo, do yang-Tsé, entre outros, permitindo
também a expansão territorial pela navegação.
no Brasil, em consonância com a tradição urbanística portu-
guesa, os primeiros núcleos urbanos, desde a época colonial, foram
assentados ao longo do mar ou próximos dos rios, onde o traçado
das ruas, muitas vezes, acompanha ou é perpendicular ao traçado
dos cursos d’água, independentemente do tamanho das vilas e
cidades. Mesmo aquelas que são banhadas pelo oceano cresceram
nas proximidades dos rios com a finalidade de abastecimento de
água potável.
o crescimento urbano e o incremento demográfico decorren-
tes do processo de industrialização, evidenciado no século XiX,
resultaram em mudanças na paisagem das principais cidades euro-
peias e, consequentemente, também das cidades brasileiras, trans-
formando-as num ambiente caótico e desordenado, além de apre-
sentar um cenário de epidemias e de revoltas.
nesse sentido, a busca por melhorias de habitação e sanea-
mento passou também pela implantação dos novos meios de trans-
porte, instalação de tubulações para o abastecimento de água, de
25
gás, bem como pela solução de problemas advindos do escoamento
dos dejetos domésticos e industriais.
alinhar ruas, retificar rios, sanear espaços públicos, regular a
ocupação do solo, modernizar a cidade, remediar as questões de
higiene e saúde pública são alguns dos paradigmas do final do
século XiX e primeira metade do século XX.
esses problemas registrados nas principais cidades europeias
também se apresentavam nas cidades brasileiras, intensificados
pelos movimentos migratórios. Modelos de intervenção eram trazi-
dos para as cidades do rio de Janeiro, são Paulo, salvador e recife.
no entanto, a forma como o modelo de desenvolvimento foi
intensificado no Brasil a partir de 1950 refletiu no processo de urba-
nização com marcada predominância da matriz rodoviarista01 (figura
01), desassistindo a população de menor renda de condições básicas
de urbanidade e de inserção efetiva à cidade, restando a ela sempre
a ocupação de áreas mais frágeis, ou quando era de interesse eco-
nômico desalojava-se para abrir espaço para a modernização.
(rolniK, 2008; MariCaTo, 2000).
esse quadro, ao longo dos anos, acelerou o processo de
degradação ambiental das cidades, apoiada pelo desacerto dos
poderes públicos, que, unidos ao aspecto de não conscientização da
sociedade urbana brasileira com relação à natureza, foi intensificada
nas últimas duas décadas do século XX. (CavallaZZi e CosTa, 2001).
dessa forma, entender a atual situação dos cursos d’água em
áreas urbanas é também constatar o grau de distanciamento físico,
ecológico e social das cidades e seus rios. Contudo, a emergência de
[01] o termo matriz rodoviarista define o modelo de mobilidade urbana baseado no automóvel particular. Tal modelo provê incentivo e isenções por parte dos poderes públicos, além de investimen-tos em iniciativas de cunho rodoviário, a exemplo das avenidas de fundo de vale, viadutos, vias expressas, entre outras, presentes nas grandes cidades brasileiras.
26
se compreender tal distanciamento passa pela constatação da
degradação ambiental dos rios urbanos e como esse afastamento
resultou na ruptura do convívio entre os habitantes e a paisagem
fluvial como elemento integrador do ambiente urbano. Como assina-
la Gorski:
Ao verificarem-se as situações de ruptura nas rela-
ções entre a cidade e os cursos d’água ou, mais ampla-
mente, entre sociedade e natureza, percebe-se nitida-
mente que o desligamento físico do rio das funções
urbanas acarreta num desligamento afetivo dos siste-
mas fluviais e fundos de vale, e a eles se atribuem carac-
terísticas de entrave e de elemento de depreciação do
ambiente urbano (GORSKI, 2010, p. 68)
vale salientar que essa situação é uma constante na realida-
de das cidades brasileiras, até mesmo naquelas em que os rios são,
essencialmente, a única representatividade hídrica. Um bom exemplo
é a cidade de são Paulo, com seus inúmeros rios encapsulados e os
Fig. 01 CONsTRUÇÃO DA ViA EXPREssA BAÍA DE TODOs Os sANTOs, “ABRiNDO EsPAÇO PARA MODERNiZAÇÃO”. (FOTO: MANU DiAs, sECOM-gOV. BAHiA, HTTPs://www.FliCkR.COM/PHOTOs/AgECOMBAHiA/7061060935/iN/sET-72157629777101749)
27
dois principais, Tietê e Pinheiros (figura 02), retificados e estrangula-
dos pelo sistema viário, que ocupa suas várzeas, assim como o
comprometimento severo da qualidade de suas águas.
Fig. 02 ENCONTRO DO RiO PiNHEiROs COM O TiETÊ, NA ZONA OEsTE DA CAPiTAl. (FOTO: AYRTON VigNOlA/AgÊNCiA EsTADO, 20/09/2010. HTTP://BlOgs.EsTADAO.COM.BR/OlHAR-sOBRE-O-MUNDO/RiO-TiETE)
no caso de cidades como rio de Janeiro e salvador, essa
representatividade hídrica dos rios é diluída pela presença do ocea-
no, no que diz respeito aos aspectos históricos, econômicos, cultu-
rais e sociais. a importância do porto na formação e consolidação
das cidades litorâneas define, desde sua origem, a importância do
mar para a urbis.
salvador possui no cerne da sua formação o oceano, mais
precisamente a Baía de Todos os santos (figura 03), porto seguro
para o estabelecimento da primeira centralidade da colônia da coroa
portuguesa, definida de forma estratégica para controlar o litoral,
como também parada obrigatória aos navios vindos de Portugal
para outras localidades, ou em direção às colônias africanas e
asiáticas.
28
o propósito desse estudo é examinar as possibilidades de
uma abordagem diferenciada no planejamento urbano para regiões
em que o rio é parte da estrutura da paisagem urbana. Busca-se
compreender como os modelos de desenvolvimento que não consi-
deram os processos naturais tendem a afetar ecologicamente os rios
em sua estrutura física, ambiental e hídrica.
não obstante as dificuldades encontradas, a relevância das
questões ambientais na disciplina do planejamento urbano, a partir
da metade do século XX, foi impulsionada pelos movimentos conser-
vacionistas e ambientais, sendo que alguns conceitos serviram de
farol para o pensamento sobre ecologia, degradação e conservação
do meio ambiente. essas discussões direcionaram trabalhos e pes-
quisas para o âmbito ecológico em diferentes partes do mundo.
Uma dessas referências que refletiram a preocupação com o
meio ambiente é, sem dúvida, o livro silente spring (1962), de rachel
Carson, que alertava sobre o impacto ambiental causado pelo uso
indiscriminado de defensivos agrícolas. outro marco foi a conferên-
cia de 1965, The Conservation Foundation - Future environments of
Fig. 03 BAÍA DE TODOs Os sANTOs, siTUAÇÃO PENiNsUlAR DO sÍTiO DA CiDADE, PORTO PROTEgiDO NA “ENTRADA” DA BAÍA (ACERVO DA BiBliOTECA NACiONAl BRAsil EM HTTP://www.wDl.ORg/PT/iTEM/786/)
29
north america02, com o objetivo de discutir problemas e soluções
futuras para a crise ecológica que se desenhava em todo o continen-
te americano.
no campo do planejamento urbano e regional, a publicação
design With nature, em 1969 (figura 05), do arquiteto e planejador
da paisagem o escocês ian McHarg (figura 04), surgiu como um guia
para a abordagem ambiental. a disseminação das ideias do autor
influenciou gerações que utilizaram os aspectos práticos e teóricos,
considerando a pertinência dos fatores naturais na elaboração de
diretrizes projetuais. o livro evidenciava a problemática relação entre
sociedade e natureza com vistas ao planejamento da paisagem
segundo os atributos ecológicos e socioculturais.
as considerações sobre conceitos desenvolvidos por McHarg
tornaram-se essenciais para o entendimento da bacia hidrográfica03
e dos rios enquanto agentes estruturadores do desenvolvimento da
paisagem, além de fornecer um suporte metodológico para a análise
ambiental e entendimento dos processos naturais a partir desse
elemento geográfico. Como afirma Hough, aluno e discípulo de
McHarg (1998, p.29), “o princípio da melhoria do meio ambiente é
também a base para a restauração ecológica: levar os sistemas
naturais a um estado de saúde ecológica, de restabelecimento da
biodiversidade e da capacidade de adaptação”.
[02] simpósio Future environments of north america, organizado pela Conservation Foundation of Washington no ano de 1965, para discutir o cenário ambiental futuro, concatenando os conceitos e ideias sobre esse novo campo, a ecologia. Conferências como essa que, segundo lewis Mumford (1969) na introdução do livro design With nature, influenciaram trabalhos como o silent spring seminal livro de rachel Carson. ainda segundo Mumford, ian McHarg, assim como Carson, participa-ram do referido simpósio.
[03] em seu livro design With nature, um dos exemplos mais detalhados de aplicação do método ecológico é justamente numa bacia hidrográfica, a do rio Potomac.
Fig. 04 ARqUiTETO iAN MCHARg.
Fig. 05 CAPA DA PRiMEiRA EDiÇÃO DO liVRO DEsigN wiTH NATURE
30
o entendimento da bacia hidrográfica como unidade de planejamen-
to, dos rios como elementos estruturadores da paisagem urbana e a
realidade ambiental das cidades brasileiras, com o suporte conceitu-
al e a utilização do método ecológico desenvolvido por ian McHarg,
foram os meandros navegados nessa dissertação. Percorrendo esse
caminho alguns questionamentos referentes à reaproximação da
cidade com os seus cursos d’água foram sendo formulados e estru-
turam este estudo, tais como:
• Como reestruturar a paisagem urbana através da restaura-
ção do rio?
• Como proceder metodologicamente na abordagem do pla-
nejamento com bacias hidrográficas e seus rios?
• Como aplicar o método ecológico na estrutura urbana (bacia
hidrográfica do rio Camarajipe)?
• o método ecológico utilizado é uma ferramenta válida para
restruturar uma paisagem urbana?
o presente trabalho foi estruturado para encontrar respostas
para esses questionamentos, com o auxílio de um referencial teórico
que permitiu salientar discussões e algumas controvérsias sobre a
utilização do método ecológico.
o objeto teórico é uma reflexão crítica acerca do método
ecológico desenvolvido por ian McHarg aplicado em uma bacia
hidrográfica urbana, com base na reestruturação da paisagem pela
restauração do seu principal rio, compreendendo os cursos d’água
como processos interativos dos ecossistemas naturais com a cidade.
31
REFERENCiAis TEóRiCOs
os rios têm sido estudados segundo vários aspectos e vêm
assumindo grande relevância em diversos âmbitos: seja na proposi-
ção de políticas públicas, leis, ações de organizações não governa-
mentais, financiamentos de projetos, discutidos em eventos científi-
cos, publicações etc., cuja finalidade precípua tem sido a
aproximação e convívio no espaço urbano.
estudos nesse campo perpassam por toda a diversidade da
relação entre o ambiente urbano e os cursos d’água, assim como
intervenções nas bacias hidrográficas e a dinâmica da expansão da
estrutura das cidade sobre as margens dos rios, e os reflexos dessas
transformações sobre o equilíbrio dos processos fluviais. Tais conheci-
mentos teriam dimensão eminentemente prática, já que seriam resul-
tantes da reflexão sobre a “convivência” da cidade com seus rios,
traduzida em enchentes, riscos à saúde, contaminação dos lençóis
freáticos, esgotos a céu aberto e também a negligência quanto a sua
inserção na paisagem urbana.
vários autores (sPirn, 1987; HoUGH, 1995; riley, 1998)
salientam que desde o século Xviii as estratégias voltadas para resol-
ver os problemas de rios urbanos, propunham soluções de retificação
e canalização para escoar o fluxo no período das enchentes e disponi-
bilizar as várzeas para habitação e construção de vias de transporte.
essa maneira de tratar a questão tem sido reavaliada em várias cida-
des do mundo assim como no Brasil (CosTa, 2006; GorsKi, 2010).
a leitura ambientalista, colocada em foco a partir dos estu-
dos de eugene odun, em seu livro, Fundamentos da ecologia, publi-
cado originalmente em 1953, impulsionou o desenvolvimento de uma
relação com a arquitetura da paisagem em ambientes urbanos, a
partir da consideração dos processos naturais.
32
Costa et al (2010) destacam e complementam:
Em geral, a ideia de restauração ambiental está rela-
cionada com a ideia de processo. Esse entendimento é
resultado do trabalho inovador de Ian McHarg (1969),
que desenvolveu uma metodologia de análise e inter-
venção na paisagem que se destinava a diferentes esca-
las do ambiente e se baseava no estudo da dinâmica dos
processos naturais e suas repercussões na paisagem.
(COSTA et al, 2010, p.a-15)
a utilização da abordagem teórica e prática desenvolvida por
ian McHarg, seu método ecológico, apresentado na publicação design
With nature (1969), que considera os processos naturais com vistas
ao planejamento ambiental, foi o suporte principal para construção do
caminho percorrido neste estudo.
Já spirn (1987) e Hough (1995), ambos alunos e seguidores
das ideias de McHarg, avaliam que os conhecimentos dos processos
naturais passam a adquirir importância e reconhecimento após terem
sido apropriados e validados pela sociedade, onde se pretende um
projeto de restauração ambiental de um curso d’água, além do enten-
dimento de que os problemas urbanos que afetam os rios resultam da
interdependência do meio ambiente com a forma construída.
Com relação aos cursos d’água no ambiente urbano, riley
(1998), Costa (2006) e Gorski (2010) contribuíram para uma visão
geral, enquanto Pellegrino (2006) apresenta estudos teóricos com
desdobramentos em projetos, assim como Kliass (2006) em seu
extenso trabalho como arquiteta da paisagem.
entre os autores citados destacam-se os estudos de McHarg e
riley. nesse sentido, é importante mencionar que foram utilizados
dois enfoques: o primeiro se refere à aplicação do método ecológico,
supondo que por meio da inserção do viés ambiental seria possível
reconhecer e aproveitar as potencialidades naturais ainda existentes;
o segundo diz respeito à restauração de um rio, respaldado pelas
33
ideias que buscam valorizar a importância ambiental e social dos
sistemas fluviais no ambiente urbano.
os conceitos apresentados por riley (1998) serviram de
suporte para definir de que modo os elementos fluviais poderiam ser
recuperados, diante de uma paisagem urbana consolidada por meio
de intervenções de engenharia convencional. Para entendimento das
possibilidades de reaproximação do rio Camarajipe com a cidade de
salvador, a ideia de restauro de rios urbanos foi relevante, pois, se-
gundo autora, a restauração consiste na possibilidade de recuperação
dos atributos físicos que foram alterados, devolvendo seus meandros,
sua vegetação e, consequentemente, a qualidade de suas águas.
autores já citados, como spirn, Hough, Pellegrino, Kliass, entre
outros, empregaram as ideias de McHarg em seus trabalhos, dando
continuidade e acrescendo outras variáveis que contribuíram para o
desenvolvimento dos conceitos elaborados pelo autor.
Contudo, críticas, ressalvas e atualizações acerca do modelo
de planejamento ambiental elaborado por McHarg serviram de funda-
mento para visualizar imperfeições na sua aplicabilidade, entre as
quais se destacam Tunner (1996), riley (1998), Conner (2006),
Herrington (2010).
O RiO CAMARAjiPE
o rio Camarajipe e sua bacia hidrográfica04, objeto de estudo,
localiza-se na cidade de salvador no estado da Bahia (mapa 01). esta
bacia possui a maior densidade habitacional entre as bacias do
município, com aproximadamente 27,3% da população soteropolitana
(iBGe, 2010).
[04] Foi adotada nesse estudo a definição de bacia hidrográfica delineada na publicação o Caminho das águas em salvador (santos et al, 2010,p.13) que determina como “a unidade territorial delimitada por divisores de água, na qual as águas superficiais originárias de qualquer ponto da área delimitada pelos divisores escoam pela ação da gravidade para as partes mais baixas, originando córregos, riachos e rios, os quais alimentam o rio principal da bacia, que passa, forçosamente, pelos pontos mais baixos dos divisores, e desemboca por um único exutório. Pode-se considerar exceção a esta definição a ocorrência de bacias hidrográficas distintas, que por intervenção de infraestrutura urbana, tiveram seus rios principais interligados próximos à foz e passaram a contar com o mesmo exutório.”
34
BRABA
oceanoatlântico
baía de todos os santos
07
18
0103
02
06
04
05
08
0913
12
14
15
17
16
sitío inicial(centro hist.)
11
10
SSA
AMÉRICALATINA
(BRA) BRASIL (BA) BAHIA
01 • Seixos-Barra/Centenário02 • Vitória/Contorno* 03 • Ondina04 • Lucaia05 • Comércio*06 • Amaralina/Pituba* 07 • Camarajipe08 • Itapagipe*09 • Pedras/Pituaçu
10 • Armação/Corsário*11 • Plataforma*12 • Cobre13 • Passa Vaca14 • Paraguari15 • Jaguaribe16 • Stella Maris*17 • Ipitanga18 • São Tomé de Paripe*
bacias hidrográficas do município (* Bacias de drenagem pluvial)(SSA) Salvador - Ba
MAPA 01. EsqUEMA DE lOCAliZAÇÃO DA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO CAMARAjiPE, sEM EsCAlA (FONTE: O CAMiNHO DAs ÁgUAs EM sAlVADOR, 2010, ElABORADO PElO AUTOR)
Por Bacia de Drenagem Natural compreende-se a região de to-
pografia que não caracteriza uma bacia hidrográfica, podendo
ocorrer veios d’água, os quais não convergem para um único exutó-
rio. No caso de Salvador, correspondem às regiões costeiras da Baía
de Todos os Santos, como a Península de Itapagipe, o Comércio, a
Avenida Contorno e a Vitória; e, da Orla Atlântica, compreendida
entre a Praia de Jaguaribe até o limite entre este município e Lauro
de Freitas. Portanto, a ausência de cursos d’água perenes foi um
dos critérios para a definição das bacias de drenagem natural.
(SANTOS et al, 2010 p. 13)
35
o rio Camarajipe possui cerca de 14 quilômetros de extensão,
entrecortando zonas heterogêneas, no que diz respeito ao aspecto físico e
social. a nascente do rio encontra-se na região de Pirajá, nos bairros
Marechal rondon, Boa vista de são Caetano, Calabetão, Mata escura e
alto do Cabrito. neste último, foi construída uma represa na década de
1950, conhecida como dique do Cabrito, que servia de abastecimento para
indústrias locais, porém foi desativada nos anos 1980 por comprometimen-
to de suas águas (sanTos, 2010).
vale ressaltar a situação ímpar relacionada ao seu traçado que,
devido à obras de engenharia, abordando tão somente problemas de cons-
tantes inundações, alteraram seu curso a montante dessas zonas, resultando
na singularidade de duas desembocaduras. no largo da Mariquita, no bairro
do rio vermelho, encontra-se a foz original, que em razão do desvio do seu
leito nas imediações do terminal rodoviário de salvador, atualmente deságua
na praia do Costa azul.
a escolha da bacia do rio Camarajipe e do seu principal curso
d’água (mapa 02) foi impulsionada por sua representatividade como o
elemento estruturador da paisagem urbana e a oportunidade de análise
acerca do convívio da cidade salvador com seus rios. nesse sentido, são
pertinentes as seguintes considerações quanto ao protagonismo do rio
Camarajipe:
• Marco espacial do crescimento moderno da cidade de salvador, o
rio teve suas margens ocupadas por vias que articulavam o novo
crescimento, sentido vetor norte de expansão, impulsionado pela
implantação do novo Centro administrativo da Bahia (CaB) e por
equipamentos de grande importância, como a estação rodoviária, o
shopping center iguatemi, detran, entre outros.
• a relevância do rio Camarajipe como elemento hídrico
estruturador da paisagem soteropolitana é evidenciada no
MAPA 02. lOCAliZAÇÃO DO RiO CAMARAjiPE E DA MAlHA HiDROgRÁFiCA, EsCAlA gRÁFiCA (FONTE: siCAR/RMs 1992, gOOglE EARTH. ElABORADO PElO AUTOR)
37
documento Planejamento Geral do sistema de esgotos sanitários
da Cidade do salvador (sUdene, 1968), no qual a hidrografia da
cidade é apresentada por uma malha constituída de pequenos
cursos d’água na qual se destacam alguns mais significativos, tais
como, o Camarajipe, o lucaia, os rios das Tripas e são Pedro. vale
acrescentar que, no processo de expansão da cidade, os rios que
estavam localizados em zona rural, nos dias atuais passaram a ter
importância na estrutura urbana, como os rios Jaguaribe e das
Pedras.
• a atual situação do rio, em 2014 apresenta um elevado grau de
embate entre os processos fluviais e os de urbanização,
acrescente-se a isso o aumento das intervenções nos rios da
cidade05 com encapsulamento e tamponamento dos
mesmos,portanto, pode-se concluir que o rio Camarajipe poderá
vir, em pouco tempo, a sofrer a intervenção segundo o padrão
comentado. Modelo esse que, segundo Costa (2006), culmina na
desestruturação ambiental, ocasionando o total ocultamento do
curso d’ água na paisagem urbana.
• a vulnerabilidade decorrente da ocupação do leito maior06 (figura
06 e 07) por alguns equipamentos urbanos importantes,
acentuada por dois processos: o natural, no que se refere ao
extravasamento das águas do rio decorrente de intensas e
duradouras precipitações pluviométricas, coincidindo com marés
altas que formam uma barreira física para escoamento do
excedente; e o de urbanização, resultado principalmente da
expansão imobiliária, impermeabilizando áreas que anteriormente
eram zonas de recarga e amortecimento das águas pluviais.
[05] intervenções entre os anos de 2002 e 2012 nos rios dos seixos (canal da avenida Centenário), das Pedras (canal do imbuí) e lucaia (canal da avenida vasco da Gama), importantes cursos d’água presentes em salvador que foram tamponados ou encapsulados no curto período de 10 anos.
[06] a definição de leito maior aqui adotada é a mesma para planície de inundação, várzea e zona riparia. segundo spirn (1984,p.131), “planície de inundação é uma área relativamente plana, na qual o rio se move e regularmente o fluxo transborda. a calha natural do rio não é estática, ela se move pela área da várzea e, ao longo do tempo, ela ocupa todos diversos pontos da planície de inundação. além de servir como depósito de sedimentos trazidos pelas enchentes, tornando essas áreas extremamente férteis.” (tradução livre do autor)
38
Fig. 07 DiNâMiCA DA VÁRZEA. EXTRAVAsAMENTO DOs RiOs NAs PlANÍCiEs DE iNUNDAÇÃO COM FREqUÊNCiAs PREVisÍVEis, As EsTRUTURAs URBANAs CONsTRUÍDAs DENTRO ÁREA DO lEiTO MAiOR sÃO sUsCETÍVEis A RisCOs DE DEsTRUiÇÃO. (sPiRN, 1984, P. 132, TRADUÇÃO liVRE DO AUTOR)
leito maior
leito menor
canal de estiagemplanície de inundação
Fig. 06 COMPONENTEs FÍsiCOs DE UM CóRREgO (FONTE: RilEY, 1998, P.29, ilUsTRAÇÃO DO AUTOR)
a delimitação espacial deste estudo é a bacia hidrográfica do
Camarajipe, definida de acordo com a publicação O Caminho das águas
em Salvador (santos et al, 2010). entretanto, o cerne do trabalho é o rio
Camarajipe, entendendo que é necessário abordar toda a bacia para
compreender os processos hídricos que influenciam e delineiam o rio.
39
OBjETiVO gERAl
validar e verificar a aplicabilidade do método ecológico07 em
uma estrutura urbana consolidada para a restauração de um rio
urbano.
OBjETiVOs EsPECÍFiCOs
• Compreender o rio como elemento estruturador da paisagem
urbana, identificando as características dos modelos de
intervenções associadas aos elementos hídricos na cidade de
salvador, contextualizando com as fases do planejamento
urbano;
• verificar os elementos fisiográficos na estrutura urbana que
influenciam diretamente na singularidade do rio Camarajipe;
• discutir a adequação do método ecológico desenvolvido por
ian McHarg na aplicação em projetos urbanos que visem
valorizar os processos ambientais com referência à bacia
hidrográfica urbana, por meio da aplicação do método numa
bacia específica – rio Camarajipe.
• analisar as diferentes situações da estrutura urbana ao longo
do rio Camarajipe, com a finalidade de restauração de um rio
urbano e seu entorno, a partir da aplicação do método
ecológico na bacia hidrográfica.
[07] Para esse estudo, o termo “método ecológico” se refere aos conceitos e práticas desenvolvidas por ian McHarg expostas no livro design With nature (1969)
40
METODOlOgiA
Para alcançar uma alternativa de análise e planejamento para
restauração do rio Camarajipe e valorização ambiental da bacia
hidrográfica em que está inserido, optou-se pela investigação e
aplicação do método ecológico desenvolvido por ian McHarg no seu
livro design With nature (1969). é pertinente pontuar que ao aplicar
um determinado método o desenvolvimento metodológico necessa-
riamente será similar.
Cabe expor os aspectos básicos do método que serviram de
balizamento para a metodologia do presente estudo: pesquisa e
levantamento dos tópicos fisiográficos e particularidades ambien-
tais; inventário ecológico apresentado em mapas temáticos que
representam a valoração dos fatores e processos naturais a partir do
cotejamento dos dados pesquisados; sistematização dos mesmos
para a sobreposição (overlay) das camadas cartográficas, resultando
em mapas-sínteses; e diagnóstico que foi entendido nessa pesquisa
como, interpretação dos mapas sínteses, levando em consideração
as zonas propícias ou restritivas para a finalidade do planejamento.
Foram realizadas pesquisas para o levantamento das carac-
terísticas fisiográficas, tais como: relevo, hidrografia, vegetação,
entre outras; entendidas como processos naturais, assim como a
identificação dos aspectos históricos, físicos, biológicos e culturais.
os dados serviram como subsídio para a elaboração de um panora-
ma geral da região em análise e para produção cartográfica.
os dados coletados e as informações foram pesquisados em
planos, artigos, dissertações, teses e publicações que tratam, direta
e indiretamente, do rio e/ou sua bacia. o cruzamento desses dados
com a iconografia e imagens aéreas possibilitou uma maior precisão
na representação gráfica da atual situação em relação aos processos
41
naturais e, sobretudo, na compreensão da interferência antrópica
nesses processos ao longo do tempo.
as imagens que serviram de suporte para a análise da evolu-
ção da estrutura urbana foram cedidas pela Companhia de
desenvolvimento Urbano do estado da Bahia (Conder). os regis-
tros aero-fotográficos foram realizados nos anos 1959, 1976 e 1992,
portanto abrangendo intervalos de aproximadamente duas décadas.
Para a representação cartográfica da área de estudo, que
compreende 35.877 quilômetros quadrados, a escala de análise foi
de 1:10.000 a 1:1.000, em diferentes formatos (.dWG, .Psd, .ai, .TiFF,
.JPeG, .PdF). a variação da escala se deve à pertinência das análi-
ses, a escala mais abrangente trata da bacia hidrográfica e as suces-
síveis aproximações são referentes ao rio e seu entorno.
Por questões técnicas, optou-se na aplicação do método ecoló-
gico representar a bacia do Camarajipe dividida em dois setores: setor
“a” e setor “B” (mapa 03). o primeiro se estende da cabeceira do rio na
região de Pirajá até as imediações do bairro do retiro, mais precisamen-
te na interseção da Br-324 com a avenida luis eduardo Magalhães.
o segundo se estende desse ponto até a foz no bairro do Costa azul.
Foi utilizado levantamento cartográfico de 1992 (siCar/
rMs)08. Contudo serviram de suporte para a atualização da base
defasada quanto à estrutura urbana atual, as imagens de satélite,
compreendendo os períodos de 2003 a 2013, disponibilizadas no
software Google Earth.
o levantamento fotográfico a partir de visitas de campo,
durante o período de 2008 a 2014, objetivou registrar as principais
vias, espaços públicos, diferentes tipos de ocupação do solo, vegeta-
ção, interferências na estrutura do rio, entre outros elementos e
fatores para melhor entendimento da diversa composição urbana ao
[08] siCar/rMs - sistema Cartográfico da região Metropolitana de salvador, elaborado e desenvolvi-do pela Conder, setor inForMes.
42
longo do curso do rio. o levantamento contribuiu para complemen-
tar as lacunas cartográficas e verificar os aspectos relacionados ao
gabarito das edificações, bem como a relação da volumetria do
ambiente construído com a topografia, além de registrar a interferên-
cia da estrutura urbana sobre os elementos fisiográficos em especial os
hídricos.
a consulta iconográfica realizada nos arquivos históricos e
órgãos de planejamento, municipal e estadual teve os seguintes propósi-
tos: compreender os aspectos físicos originais do rio e ilustrar cronologi-
camente as intervenções no seu traçado, bem como sua relação com a
km21.50
setor A
setor B
MAPA 03. DiVisÃO DA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO CAMARAjiPE EM DOis sETOREs: “A” E “B” (EsCAlA gRÁFiCA)
43
Rio Camarajipe
Principais afluentes
Malha hídrica
Antigo leito do rio Camarajipe
Vias expressas
Metrô
Terminal rodoviário
Arena fonte nova
Poligonal centro histórico
Bacia hidrográfica
Localização da imagem
baía detodos ossantos
oceanoatlântico
N
MAPA 04. ACiMA EsqUEMA siMPliFiCADO DA BACiA HiDROgRÁFiCA E sEUs PRiNCiPAis ElEMENTOs. AO lADO REDUÇÃO PADRÃO PARA sER APliCADA jUNTO COM A iCONOgRAFiA.
cidade durante o século XX. as imagens foram cedidas pela Fundação
Gregório de Matos.
Para facilitar a localização e a identificação espacial dessas
imagens, assim como a maioria apresentadas nesse trabalho passíveis de
localização, foi elaborado uma redução esquemática do mapa da bacia/
salvador e seus elementos hídricos (mapa 04), com o objetivo de sanar
uma lacuna comum nos trabalhos na área de urbanismo, que ao apre-
sentar uma fotografia do local não identifica a região e a relação com o
recorte do estudo,dificultando assim a contextualização da imagem com
a área descrita. essa representação tem o propósito de promover o
entendimento do contexto urbano com a iconografia utilizada.
as fontes bibliográficas locais perpassam dois âmbitos: o
primeiro relacionado com as características fisiográficas e ambien-
tais, sua relação com a cidade e suas singularidades geográficas e
morfológicas; o segundo diz respeito ao planejamento e teorias
relacionadas ao urbanismo de salvador, sendo fundamentais para
44
assimilar as ações de cunho sanitaristas e rodoviaristas, que tanto
influenciam na estrutura dos cursos d’água.
Para compreensão do processo metodológico presente nessa
dissertação, vale esclarecer que o método ecológico foi aplicado
não apenas no curso do rio Camarajipe e seu entorno. a atenção foi
para toda extensão da bacia hidrográfica com o intuito de identificar
as zonas com maior valor ambiental com vistas à restauração da
paisagem fluvial e os valorização dos elementos hídricos pertinentes
a esse tipo de paisagem.
Como a metodologia foi organizada segundo os conceitos do
método ecológico, elaborou-se uma metodologia específica para
análise e validação, com o propósito de examinar a aplicabilidade do
método no objeto empírico desta dissertação. esse segmento da
metodologia serviu como suporte para adequação às condições
atuais da bacia do Camarajipe. os critérios adotados foram:
analisar os aspectos conceituais e técnicos do método e
antecedentes a partir da visão de outros autores. avaliação e crítica
do método, percebendo como pode ser aplicado ou as possíveis
lacunas a serem complementadas, além de identificar imperfeições no
objetivo pretendido. optou-se por analisar previamente os principais
pontos de inflexão do método para aplicá-lo, verificando diversos
autores que usaram e questionaram o método quanto aos aspectos
práticos e teóricos.
adeQUar e complementar com outras metodologias e
conceitos para sanar as lacunas descritas no eixo anterior e para
melhor direcionamento na sua aplicação. Por meio da análise elabora-
da anteriormente foi possível perceber quais críticas e formulações
eram procedentes para o presente estudo e, consequentemente, a
adequação mais favorável ao objeto empírico.
45
validar o método após sua aplicação por intermédio da
análise do diagnóstico, conclusões e direcionamentos relacionados ao
planejamento ecológico da paisagem urbana e ribeirinha. a verifica-
ção e a avaliação permitiram algumas considerações, acréscimos e
ressalvas só identificados após a aplicação.
vale destacar que os dois primeiros critérios serviram para
aplicar o método, ou seja, foram utilizados anteriormente ao desen-
volvimento, enquanto o último critério foi empregado na etapa final,
posterior à aplicação do método. ou seja, a validação será tratada
na conclusão do presente estudo.
EsTRUTURA DA DissERTAÇÃO
esta dissertação foi estruturada em quatro capítulos além da
introdução e conclusão. o capítulo 1 discorre sobre o convívio da
cidade com seus cursos d’água e de que forma e por quais motivos
essa relação se encontra, na maioria dos casos, desequilibrada nas
metrópoles brasileiras. Foram discutidos conceitos de autores que
abordam o tema de rios, como elemento estruturador da paisagem
urbana. Tais ideias auxiliaram na conexão entre os processos naturais e
a urbe, aceitando a possibilidade do equilíbrio ambiental no contexto
urbano. dando seguimento ao capítulo, foram apresentadas alternati-
vas de reaproximação da cidade com os rios por meio dos conceitos de
restauração de rios urbanos formulados pela autora ann l. riley (1998).
o capítulo 2 introduz os conceitos e o método ecológico desen-
volvido por ian McHarg, iniciando com a consideração dos processos
naturais e sociais, além do entendimento desses como valores.
apresenta-se também a importância da compreensão entre os proces-
sos e valores, ou seja, como definir e representar a valoração no méto-
do de camadas. Foram examinados e confrontados autores que
46
abordaram os conceitos de McHarg e categorizados segundo um
padrão de abordagem: da crítica às limitações do método, legado e
evolução e utilização em planejamento e projetos. a partir das discus-
sões apresentadas foi possível verificar as lacunas, imperfeições e
limites acerca do método ecológico, com a finalidade de adaptá-lo ao
contexto do objeto de estudo.
o capítulo 3 trata da aplicação do método ecológico na bacia
hidrográfica do Camarajipe. entretanto, foi fundamental o entendimen-
to da fisiografia e fatores geográficos locais, assim como foi necessário
apresentar um panorama básico da relação da bacia com o desenvolvi-
mento da cidade. o ponto de partida foram alterações da morfologia
urbana presentes na bacia, tais como a ocupação do território e as
intervenções diretas na paisagem e, em especial, os seus rios. os fato-
res e processos foram definidos e analisados para identificar valores
para as camadas, assim como a sistematização da sobreposição.
o resultado ou camada síntese serviu de suporte para a elabo-
ração do diagnóstico ambiental da bacia com foco na aproximação da
cidade aos elementos hídricos contribuindo para o desenvolvimento do
capítulo 4. a partir das sínteses, foram verificadas as potencialidades
para restauração do rio dentro bacia, apontando a zona com maior
abrangência espacial e valores naturais e sociais propícios.
e, finalmente, a conclusão do presente estudo aborda nova-
mente o método e sua pertinência técnica e conceitual, como estraté-
gia de planejamento ecológico da bacia e ferramenta para o projeto de
restauração de rios urbanos.
CaPíTUlo 01
RIOS URBANOS: distanciamento e reaproximação
Obras na avenida San Martin (Fonte: acervo FGM/DN, data 10/09/1979)
48
PARTE 1 [TRANSFORMAÇÕES]
RElAÇÃO DOs RiOs COM A CiDADE
o presente capítulo trata dos conceitos e das ideias que
nortearam as intervenções no traçado natural dos rios urbanos. vale
salientar, nesse momento, que o objetivo desse capítulo não é inves-
tigar profundamente detalhes da evolução urbana no que se refere a
formação dos aspectos estruturais dos cursos d’água de salvador,
mas sim, destacar as principais etapas que moldaram fluvialmente a
bacia hidrográfica do Camarajipe. Compreendendo que as interven-
ções nas estruturas dos rios passam por diversos procedimentos
utilizados ao longo dos anos de expansão da ocupação urbana, a
tarefa de descrever os principais pontos do convívio entre as cida-
des e seus cursos d’água seria insuficiente e superficial em apenas
um capítulo.
Pretende também relacionar as abordagens conceituais que
resultaram das noções sanitaristas do final do século XiX e início do
XX com justificativas para ações de saneamento urbano, a partir das
quais se “impunham” normas e regras de ocupação e edificação
para eliminar as situações de insalubridade em que vivia a maior
parte da população. esse período considerado a “fase higienista” vai
imprimir a cultura das canalizações nos rios urbanos, que, apesar das
melhorias, apresentava outros problemas, tais como a supressão das
várzeas, impermeabilização das áreas verdes e intensificação das
enchentes (CosTa,2006).
a ideia subjacente era também remodelar, reformar, moder-
nizar as cidades que estavam atraindo um grande contingente da
49
população vinda do mundo rural para o trabalho nas vagas de em-
pregos que a cidade proporcionava, tanto na industria como no
comércio e serviços. essa ocupação “desordenada” implicava tam-
bém no aumento do lixo e entulho lançados nos rios e nas encostas.
Com a ocupação e consolidação do ambiente urbano houve
a necessidade de modernização da estrutura urbana defasada que
se verificava nas grandes cidades da europa e também nas jovens
cidades brasileiras. essas transformações traziam no seu bojo a
necessidade crescente de dar espaço aos deslocamentos, ou seja,
diminuir o tempo perdido nessa atividade. nesse sentido, a alternati-
va foi a ocupação das várzeas dos rios com a implantação das aveni-
das de fundo de vale. a aplicação desse modelo foi e ainda é quase
unânime nos grandes centros brasileiros.
dessa forma, os rios como elementos da paisagem urbana
vão gradativamente perdendo sua identidade e relação de proximi-
dade com a vida das pessoas. o processos de distaciamento entre
as cidades e seus rios só será interrompido e revertido quando a
sociedade envolvida alcançar um grau de comprometimento e
responsabilidade com os recursos hídricos, preocupando-se com a
degradação ambiental e a deterioração dos elementos fluviais. a
exemplo da relação do rio Tâmisa em londres, rio sena em Paris, do
rio Tibre com roma, essas cidades já interromperam o processos de
distanciamento do seus rios e atualmente estão em processo de
reaproximação.
o que antes era um convívio necessário e útil, da cidade com
seu rio, passou a ser o retrato do desequilíbrio ambiental, ou seja, o
“distanciamento” da paisagem urbana se intensificou ao longo do
século XX. ainda neste capítulo, apresentam-se as possibilidades de
reaproximações dos rios com as cidades, além das ideias e proposi-
ções para restauração de um rio urbano.
50
DA APROXiMAÇÃO COM RiOs AO DisTANCiAMENTO NA PAisAgEM
[...] as principais cidades do mundo existem com os
rios: na foz, na confluência ou limite de águas navegáveis.
Alguns são sinônimos de civilização: o Crescente Fértil -
formado pelo Tigre e Eufrates, o Nilo, o Tiber, o Yangtzé.
Os rios são fronteiras, e podem ser barreiras; pontes e
balsas permitem atravessar e marcar a passagem, real e
mítica. (SPIRN, 1998, p.140)
a citação que abre este primeiro item evidencia a importân-
cia dos rios no desenvolvimento das sociedades no extremo oriente:
a China e a índia, e nas mais ocidentais: Mesopotâmia e egito. essas
civilizações, estruturadas nas culturas agrícolas, tais como o milho, a
cevada, a ervilha, o sorgo e, predominantemente, vinculadas à irriga-
ção e ao solo fértil, permitiram o aumento da população, resultando
nas primeiras organizações sociais e econômicas - as cidades. esses
lugares sulcados por grandes rios que, além de propiciar a produção
de alimentos nas suas margens, demarcavam territórios e serviam
como vias de circulação de pessoas e mercadorias.
Como assinala Mumford (1961), os primeiros assentamentos
humanos não podiam expandir além dos limites do abastecimento
de água e das fontes de alimento. o traçado desses núcleos era
estabelecido pelas mudanças no clima, pela agricultura e, principal-
mente, pelo fornecimento de água. sobre a consolidação da socie-
dade urbana pelo acesso à água, Benevolo afirma:
O cultivo dos cereais e das árvores frutíferas nos ricos
terrenos úmidos proporciona colheitas excepcionais e
pode ser ampliado melhorando e irrigando terrenos cada
vez maiores. Parte dos víveres pode ser acumulada para
as trocas comerciais e os grandes trabalhos coletivos.
Começa, assim, a espiral da nova economia: o aumento
da produção agrícola, a concentração do excedente nas
cidades e ainda o aumento de população e de produção
garantido pelo domínio técnico e militar da cidade sobre
o campo (BENEVOLO, 2011, p.26).
51
a valorização dos rios na construção da paisagem urbana
passou por períodos que poderiam ser caracterizados como proximi-
dade, quando “os rios tinham muito a oferecer além da água: controle
do território, alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens,
energia hidráulica, lazer, entre tantos outros” (CosTa, 2006, p.10).
Mas também passou por períodos de afastamento quando rios se
tornaram verdadeiros receptores de dejetos, com o objetivo de trans-
portar o que era descartado para fora dos limites das cidades.
sobre o processo de contaminação das águas, spirn (1984)
afirma que a eliminação de resíduos no ciclo hidrológico interfere
diretamente no acesso à água potável, tornando a obtenção cada vez
mais complexa. o escoamento de excrementos nas águas próximas
transformaram biologicamente os rios urbanos e interferiram no seu
equilíbrio ambiental.
Para compreender a dinâmica das relações de proximidade do
ser humano com os corpos fluviais é preciso articular duas ações
fundamentais para a sobrevivência dos centros urbanos: abastecer e
sanear.
a primeira ação sanitária no sentido de um sistema de esgoto
foi, segundo Hough (1995), a construção da Cloaca Máxima em roma,
que se esvaziava no rio Tibre, marco do processo de utilização dos
rios no saneamento das cidades. o autor também associa ao império
romano os registros iniciais no tocante às grandes obras relacionadas
ao abastecimento (imagem 08), que datam de 312 a.C., quando foi
construído o primeiro aqueduto, trazendo a água limpa das monta-
nhas e não mais do rio Tibre.
na idade Média e na renascença não houve um desenvolvi-
mento significativo quanto às questões de abastecimento e esgoto
se comparado aos avanços praticados em roma, pois as cidades
possuíam ínfimos dispositivos sanitários.
os primeiros sistemas sanitários nos moldes dos atuais surgi-
ram no século XiX, bem como os sistemas mais elaborados de dre-
nagem que eram despejados nos rios (HoUGH, 1995).
52
o acesso à água nos núcleos urbanos provinha, em grande
parte, das fontes públicas, locais de importância nas cidades como
ponto de encontro e onde, muitas vezes, se instalavam as feiras
itinerantes. além da forte representatividade, as fontes eram os
pontos de trocas e interação da vida social da comunidade.
as primeiras intervenções nos rios se restringiam aos canais
de irrigação e navegação, assim como a construção de represas para
abastecimento de água dos aglomerados habitacionais. Contudo, o
aumento da população nos núcleos urbanos e a mudança na escala
de produção de bens de consumo, assim como as inovações na
manufatura, foram, sem dúvida, o ponto de inflexão da convivência
entre o ser humano e a natureza. e como um processo dinâmico, as
necessidades aumentaram na medida em que as cidades cresciam,
intensificando o desequilíbrio ambiental.
a desarmonia entre a cidade e os processos naturais foi se
tornando cada vez mais expressiva, seja na contaminação do solo,
na qualidade do ar, no quase desaparecimento das espécies vegetais
e da fauna, na água, porém, especificamente nos rios urbanos, esse
desequilíbrio é facilmente perceptível e o processo de degradação
pode ser considerado proporcional ao crescimento das cidades.
Fig. 08 EXEMPlO DE OBRA REAliZADA PElO iMPéRiO ROMANO PARA ABAsTECiMENTO E EXPANsÃO (BENEVOlO 2011, P. 190)
53
essa fragilidade dos ecossistemas no ambiente urbano ocorre tam-
bém devido às necessidades de abastecimento, descarte e escoa-
mento dos dejetos domésticos, comerciais e industriais nos cursos
d’água mais próximos.
Considerando os rios como elementos estruturadores da
paisagem, onde a sua forma influi, em muitos casos, diretamente no
desenho e na ocupação do solo urbano, determinando de certa
forma o volume edificado, pode se verificar que originalmente eles
influenciavam e até determinavam os elementos da paisagem da
cidade. no entanto, essa ocupação tão próxima passa a interferir e
alterar os processos naturais e a estrutura hídrica desses rios.
o entendimento das transformações nos cursos d’água
torna-se relevante para a compreensão da dinâmica da cidade. a
influência mútua entre os elementos da paisagem fluvial e o tecido
urbano pode direcionar para situações opostas e, muitas vezes,
conflituosas no que se refere à conservação dos processos naturais
pertinentes aos rios. a visão de que eles são ou podem ser estrutu-
ras de saneamento e drenagem urbana tem atingido situações extre-
mas, nas quais o rio desaparece completamente da paisagem.
Conforme comentado no início do capítulo, sobre a insufici-
ência e superficialidade em descrever os principais pontos de conví-
vio entre as cidades e seus cursos d’água em apenas um capítulo,
optou-se em descrever os momentos históricos que moldaram a
relação entre as cidades e os rios, e que tiveram rebatimento na
bacia hidrográfica do rio Camarajipe.
é preciso salientar, porém, que independente das especifici-
dades locais para o planejamento urbano, existe um eixo conceitual
similar para a abordagem projetual em ambientes ribeirinhos na
cidade. essas teorias vigentes no final do século XiX e as ideias e
54
modelos que permearam durante o século XX, trazendo experiências
cujo foco era a inserção paisagística, a partir das dimensões cultu-
rais e ambientais dos processos fluviais e de urbanização.
BREVE REVisÃO TEóRiCA sOBRE As iNTERVENÇÕEs EM RiOs URBANOs E As PROPOsTAs sANiTARisTAs
algumas questões foram determinantes para a consolidação
do ambiente urbano atual. o êxodo rural decorrente do processo de
industrialização e a crescente oferta de serviços e empregos in-
fluenciaram a ocupação das cidades de forma desordenada e inten-
sa. Consequentemente, o número de moradias insalubres e o acú-
mulo de lixo nas cidades elevaram-se, deixando o ambiente nocivo à
saúde.
a pressão ocasionada pelo aumento da população sobre os
insuficientes dispositivos sanitários acelerou o processo de degra-
dação dos cursos d’água, transformando-os em verdadeiros esgo-
tos a céu aberto, ocasionando os surtos epidêmicos frequentes no
século XiX. de fato, a ligação da água como vetor de transmissão
de doenças foi estabelecida pela investigação do médico John
snow, no ano de 1854, em londres. ele cadastrou os casos de um
surto violento de cólera em uma determinada região da cidade
(mapa 05). Tal levantamento indicou que os casos epidêmicos
estavam associados à utilização de uma bomba d´água, uma vez
que as residências não possuíam abastecimento domiciliar (sPirn,
1984).
sobre a importante investigação de snow, Tufte reitera:
55
Por que antigo mistério sobre o contagio do cólera foi
solucionado? Mais importante, Snow teve uma grande
ideia - uma teoria informal sobre como a doença se pro-
pagava - que orientou a coleta e avaliação das provas.
esta teoria desenvolvida a partir das análises médicas e
observações empíricas; mapeando epidemias anteriores,
Snow detectou uma ligação entre as diferentes fontes de
água e as taxas de casos de cólera (para a consternação
das empresas privadas de água que anonimamente fa-
ziam denuncias para impedir o trabalho de Snow). Junto
com uma boa idéia e um problema pontual, houve um
ótimo método. O trabalho de investigação cientifica de
Snow exibe uma compreensão perspicaz sobre as evi-
dências, uma lógica clara de visualização e análise de da-
dos (TUFTE, 1997, p.29).
MAPA 05. MAPA ElABORADO POR jOHN sNOw. CADAsTRAMENTO DA lOCAliZAÇÃO DOs CAsOs DE CólERA E A AssOCiAÇÃO DEssEs CAsOs COM UM DETERMiNADO PONTO DE ABAsTECiMENTO DE ÁgUA (BENEVOlO 2011, P. 563)
56
spirn (1984) destaca ainda que, durante aquele período,
sucessivas epidemias de cólera atingiram grandes cidades da europa
e das américas. Para demonstrar a gravidade do flagelo, a autora
cita o fato ocorrido no período de junho a outubro de 1832, na cida-
de de nova york, quando 3.500 habitantes perderam suas vidas
vítimas da cólera, enquanto que outros 100 mil habitantes, metade
da população nova-iorquina da época, sairam da cidade.
o espectro das epidemias transmitidas pela água assombrou
muitas cidades e só foi reduzido no restante do século passado pelo
tratamento dos esgotos e drenagem urbana. a cólera e a febre
tifoide se alastraram pelas populações vizinhas dos rios e habitantes
das várzeas. (sPirn, 1984)
no Brasil, o primeiro caso de cólera foi registrado na cidade
de Belém do Pará, em maio de 1855 e, rapidamente, o flagelo se
espalhou pelos principais portos do país. em salvador, o registro
inicial foi em julho do mesmo ano. (sanTos, 1994) além da cólera,
outras epidemias assolavam a capital baiana, tais como febre amare-
la, peste oriental e varíola. a constatação da relação entre as péssi-
mas condições de higiene e esses males, principalmente a febre
amarela que dizimou fração considerável da população soteropolita-
na em 1850, é descrita pela historiadora Consuelo novais sampaio
(2005) como o grande impulso para ações sanitaristas na cidade da
Bahia.
em salvador, as fontes eram, até a metade do século XiX, a
principal forma de acesso à água. Porém, o abastecimento até as
edificações, ou seja, a ligação entre as fontes e o consumidor final
era tarefa realizada quase que exclusivamente pelos escravos, que
ficavam encarregados pelo transporte d’água, entre outras inúmeras
funções que exerciam para o funcionamento da cidade (PinHeiro,
2011). essa afirmação auxilia na compreensão do papel imprescindí-
vel da mão de obra escrava no saneamento da cidade, pois além de
57
prover o abastecimento, também encarregava-se do descarte
dos dejetos.
vale ressaltar ainda que as fontes eram também importantes
para a atividade portuária, sendo salvador um dos portos mais
movimentados do país até meados do século XiX, abastecendo,
dessa forma, as embarcações que iriam atravessar o oceano e sa-
ciando as sedentas tripulações que chegavam após desgastante
navegação transatlântica.
no entanto, com o crescimento da cidade, o abastecimento
baseado nas fontes se tornou insuficiente para suprir a nova deman-
da. as críticas da população eram constantes quanto à salubridade
das águas e ao difícil acesso às fontes estruturalmente mais adequa-
das, que em maioria localizava-se na base da falha geológica. o
péssimo estado físico e estrutural dessas fontes também colaborava
para a depreciação do sistema. os reservatórios eram mal construí-
dos, com infiltrações, uso inadequado por parte dos donos de ani-
mais, enfim, todos esses problemas acirravam os ânimos dos que as
utilizavam, ocorrendo, frequentemente desentendimentos por vezes
fatais. (saMPaio, C. 2005)
a criação, em 1852, da Companhia de Águas do Queimado
foi importante reverberação dessa crescente preocupação com
higiene em salvador (figuras 09, 10, 11 e 12). a companhia tinha o
objetivo de elaborar estudos, implantar e distribuir água potável em
um sistema de tubulações, ligando o reservatório, situado na nascen-
te do rio Queimados (afluente do rio Camarajipe), a 22 chafarizes
distribuídos pela cidade. entretanto, esse sistema já nasceu defasado
e, rapidamente, alcançou seu limite (saMPaio, C. 2005).
Fig. 09 iMEDiAÇÕEs DA CiA. DE qUEiMADOs, 1959 (FONTE: CONDER/iNFORMEs)
Fig. 10 EVOlUÇÃO URBANA NO ENTORNO DA CiA. qUEiMADOs, ATUAlMENTE MUsEU ARqUEOlógiCO E PARqUE HisTóRiCO, AMBOs ADMiNisTRADOs PElA EMBAsA (FONTE: 2014, gOOglE EARTH)
Fig. 11 FONTE DE qUEiMADOs EXisTENTE ANTEs DA iNsTAlAÇÃO DA COMPANHiA, REsisTE ATé Os DiAs ATUAis. (FONTE: FAlCÃO EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO)
Fig. 12 VisTA gERAl DA CiA. DE qUEiMADOs (FONTE: gUilHERME gAENslY EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO)
11 12
59
algo semelhante ocorreu com a cidade de Boston, nos
estados Unidos, que na primeira metade do século XiX já sofria com
a saturação dos seus poços, tendo que recorrer a um lago fora dos
limites da cidade para obtenção de água. essa obra foi inaugurada
com grande entusiasmo que, ironicamente, argumenta spirn (1984),
20 anos depois, se apresentava obsoleta para a demanda da cidade.
em salvador, a situação era similar a outras cidades do mun-
do, pois as intervenções apenas minimizavam o problema de abaste-
cimento, que há algum tempo dificultava a vida dos soteropolitanos,
inclusive os mais abastados. o reservatório da Cruz do Cosme09,
construído alguns anos após o início da operação da Companhia do
Queimado, vinha substituir o sistema, já insuficiente, de captação e
tratamento. essa intervenção na época da sua conclusão era orgulho
dos dirigentes da companhia, por ser considerado o primeiro reser-
vatório de alvenaria do país. Todavia, se tornaria obsoleto e insufi-
ciente em poucas décadas, necessitando a construção, no início do
século XX, da barragem de Mata escura, represando o rio
Camarajipe. no entanto, a cidade continuou com deficiências no
tocante ao abastecimento de água até a metade do século XX.
(saMPaio, 2005)
Com relação ao rio Camarajipe, as intervenções nos seus
afluentes contribuíram para a alteração no processo hidrológico da
bacia. assim, é correto afirmar que o reservatório da Companhia de
Queimados, em 1852, pode ser considerado a primeira mudança
significativa na estrutura hídrica da bacia do Camarajipe, pois ali há
uma interferência direta em uma das suas nascentes, com o propósi-
to de suprir o abastecimento da cidade. Porém, a primeira alteração
[09] “o primeiro reservatório de água em alvenaria do país foi construído no início do século passado em Cruz do Cosme, atual bairro da Caixa d’Água. sob a responsabilidade da Companhia do Queimado, criada em 1852, o reservatório de Cruz do Cosme fornecia a melhor água de salvador...” (PMs-FGM, 2014)
60
estrutural no leito do rio Camarajipe foi a construção da barragem
da Mata escura (figura 13, 14 e 15), em 1880, que tinha sua água
direcionada para o reservatório do retiro e, finalmente, bombeada
até a estação de Queimados.
o aumento da população em salvador, assim como nas
principais cidades do mundo no século XiX, resultou em um novo
panorama para a demanda por recursos hídricos, com a finalidade
de suprir as necessidades crescentes por abastecimento.
Consequentemente, a crescente urbanização instalou um novo meio
ambiente hidrológico, e sobre essas transformações causadas pela
aceleração e consolidação dos processos de urbanização e a de-
manda pelo abastecimento de água domiciliar nas cidades do século
XiX, Tundisi afirma:
A urbanização avançou sobre os mananciais e dete-
riorou as fontes de suprimentos superficiais e subterrâ-
neas. Os custos do tratamento de água para a produ-
ção de água potável atingem altos valores,
especialmente se os mananciais estão desprotegidos
de florestas ripárias e cobertura vegetal suficiente nas
bacias hidrográficas e se as águas subterrâneas estão
contaminadas (TUNDISI, 2003, p.11).
Transtornos com a higiene se intensificaram com crescimento
da população nas grandes cidades do século XiX, decorrentes das
mudanças na estrutura agrária e industrial, que, além de aumentar
os problemas sanitários urbanos, acelerou o processo de degrada-
ção ambiental, tanto nas cidades como no campo.
sublinhar esse aspecto é relevante no caso da temática
abordada neste capítulo, visto que, ao justapor os problemas de
abastecimento e saneamento, tem-se um panorama das interven-
ções no traçado urbano e das questões sociais decorrentes de tais
cenários.
61
Fig. 13 ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)
Fig. 14 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)
Fig. 15 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)
62
sampaio, C. (2005) afirma que a cidade de salvador até o
século XiX dependia do trabalho escravo para o descarte de águas
usadas, bem como para o abastecimento de água. Como as edifica-
ções não possuíam fossas, a coleta era realizada por meio de barris
transportados à noite por escravos, despejados nos rios, terrenos
baldios e no mar, prática também recorrente nos outros núcleos
urbanos da colônia. a autora ressalta ainda que, além de realizar
essa atividade sanitária, os escravos eram duramente castigados
pelo descarte dos dejetos em locais inapropriados e, constantemen-
te, responsabilizados injustamente pelas péssimas condições de
higiene da cidade.
o acúmulo de lixo nas ruas era mais um fator que se somava
aos problemas de abastecimento. Para tentar remediar essa situa-
ção, a Câmara Municipal, em 1831, mandou publicar nos jornais um
código de “posturas”, ou seja, normas de conduta para o cidadão no
que se referia ao descarte de lixo. no entanto, elas tinham pouca
reverberação na sociedade baiana, pois a grande maioria dos habi-
tantes era constituída de analfabetos. nesse código são relevantes
as questões de higiene pessoal e doméstica, conforme descreve
simas Filho (1977 apud Pinheiro, 2011):
Todos são obrigados a ter sempre varrida a testada
de sua casa, limpa, derramada a sua roça; Ninguém lan-
çará de suas casas para as ruas águas de serviços delas
ou quaisquer corpos que possam enxovalhar os vian-
dantes; Todo despejo imundo das casas que não tiverem
cloacas será levado ao mar, em vasilhas cobertas, so-
mente depois das 9 horas da noite. Todos são obrigados
a vacinar seus filhos ou dar remédios antes da idade de
2 meses (Simas Filho, 1977, p. 190-110 apud PINHEIRO,
2011, p.203).
63
é relevante mencionar que o Plano de asseio de 1864, que
determinava diretrizes para a coleta de lixo, foi um dos reflexos
desse período de insalubridade na cidade. esse plano, que ordenou
o trabalho de recolhimento do lixo, determinava também que o
mesmo deveria ser realizado por carroceiros contratados pela
Câmara Municipal. Contudo, os conflitos de interesses entre a popu-
lação, carroceiros e poder público eram intensificados por: dificulda-
de de coleta pelo relevo acidentado da cidade, ruas com calçamento
irregular ou até mesmo sem nenhum calçamento, descarte do lixo
em locais inapropriados pelos moradores e pelos carroceiros, mas,
sobretudo, a ingerência do poder público (saMPaio, 2005).
essas normas, condutas e leis que surgiam nas cidades
brasileiras do século XiX eram tentativas de solucionar os problemas
de insalubridade do ambiente urbano. Tais iniciativas seguiam o
modelo das leis que estavam sendo criadas na europa para comba-
ter problemas similares. no entanto, a interferência do estado criou
um paradoxo entre a livre iniciativa capitaneada pelas ideias liberais
de adam smith10 e as medidas sanitárias adotadas pelo setor
público.
as primeiras leis sanitárias no mundo foram aprovadas,
primeiro na inglaterra, em 1848, e posteriormente na França em
1850, segundo Benevolo (2011), esses instrumentos legais podem ser
entendidos como as respostas do estado às epidemias que afligiam
as cidades europeias daquele tempo. Contudo, leis dessa natureza
provocaram alterações que foram além da busca por um ambiente
mais salubre. o grande embate, na realidade, era também a maneira
como esse “ambiente” era concebido. sobre esse conflito,
o autor acrescenta:
[10] as ideias de adam smith (1723-1790), economista escocês, influenciaram e são as bases para o desenvolvimento do capitalismo nos séculos XiX e XX, afirmando em seu livro “a riqueza das nações”, publicado em 1776, que o liberalismo econômico era a emancipação da economia das forças regulado-ras do estado. segundo ele, a prosperidade econômica e a acumulação de riquezas não são concebi-das através da atividade rural ou comercial, mas sim através do trabalho livre como valor de mercado-ria, sem nenhum agente regulador ou interventor.
64
[...] nas grandes cidades se desenvolvem as epide-
mias, que obrigam os governantes a corrigir pelo menos
os defeitos higiênicos, isto é, a se chocar com o princípio
de liberdade de iniciativa, proclamado na teoria e defen-
dido obstinadamente na prática, na primeira metade do
século (BENEVOLO, 2011, p. 567).
Questões gerais sobre as iniciativas legais higiênistas empre-
endidas pelo estado no século XiX, como à exposta por Benevolo,
exemplifica a condição conflituosa entre a construção de um novo
modelo de cidade, mais salubre, e os ideias de livre iniciativa/pro-
priedade privada.
no contexto de salvador, na segunda metade do século XiX,
as insuficientes obras para abastecimento, não alcançavam tal nível
de conflito, no que se refere à interferência da esfera pública no
cotidiano e na propriedade dos habitantes. assim, o abastecimento
continuou com graves deficiências na capital baiana e se prolongou
até meados do século seguinte. vale salientar, que conflitos como o
apresentado, gerados pelas iniciativas higienistas capitaneadas pelo
estado, era mais evidente em salvador na área da limpeza pública,
com desacordos entre a sociedade, as empresas e a Câmara
Municipal.
as ações para suprir as necessidades quanto ao consumo de
água continuaram buscando alternativas nos manaciais existentes na
cidade, ainda que de maneira insuficiente.
Para esclarecer a contínua busca por novos mananciais
Hough (1998) explica que a implantação dos sistemas de abasteci-
mento canalizado somada à “standartização” do banheiro unifami-
liar, fez o consumo de água per capita aumentar mais de 10 vezes.
Cabe salientar que as mudanças nos hábitos de higiene tinham a
finalidade de prevenir doenças e epidemias, mas também de exercer
65
um controle social sobre a população. nesse sentido, é importante
considerar a busca de soluções técnicas com vistas a solucionar os
problemas existentes, mas também que pudessem “remodelar e
modernizar” a cidade. Como afirma Pinheiro:
Uma cidade civilizada e moderna tem de ser limpa e
higiênica. Os engenheiros e os médicos estão à frente
das transformações que se produzem na área urbana,
para mudar as condições de salubridade de Salvador,
incompatíveis com os ideais de uma sociedade civiliza-
da. Mudar o aspecto de higiene da capital é um dos pas-
sos para atingir a modernidade (PINHEIRO, 2011, p.204).
nesse período, outras cidades do mundo evoluíram seus
sistemas de captação de águas usadas nas edificações. nas primei-
ras décadas do século XX, algumas cidades já se preocupavam com
a poluição dos rios. destino final do esgoto captado pelo sistema,
essa rede aumentava acompanhando o crescimento da cidade,
intensificando, dessa forma, o processo de poluição no destino final.
o tratamento da água antes da sua reinserção no ciclo hidrológico
natural era uma preocupação recorrente no início do século XX nos
grandes centros urbanos.
os problemas que acometiam os soteropolitanos, acerca da
falta de saneamento e tratamento das águas usadas, também ocor-
riam em outros centros urbanos, até em maior intensidade.
entretanto, esse obstáculo entre o crescimento urbano e a deteriora-
ção dos cursos d’água continuou a ser enfrentado em diversas
cidades.
Um exemplo marcante do processo de degradação de um rio
e posterior reabilitação ocorreu com o rio Tâmisa, na cidade de
londres(HoUGH, 1995). segundo o autor em 1900 foi possível
restaurar certa qualidade da água, mas que gradativamente foi se
66
deteriorando durante a primeira metade do século, devido ao au-
mento de descargas dos afluentes, tanto pelos dejetos domésticos
como, principalmente, pelos industriais. essa degradação começou a
chamar a atenção da população, principalmente pelo odor incômo-
do, tão comum aos cursos d`água poluídos, ou seja, o elevado esta-
do de deterioração culminava em condições anaeróbicas, formando
o sulfeto de hidrogênio que tem o odor similar ao de ovos podres.
novas iniciativas e diretrizes foram propostas para o trabalho de
reabilitação do rio, que foi concluído em 1974.
o desafio de mitigar a degradação dos corpos d’água em
outras cidades segue, em linhas gerais, a dinâmica sofrida pela
cidade de londres. no entanto, no caso de salvador, não foi um rio
que despertou a sociedade para a poluição das águas, mas uma
lagoa - o dique do Tororó11 (figura 16). a morfologia natural da
cidade, constituída de vales estreitos e de uma grande rede de
riachos e córregos que desembocam em pequenos charcos, brejos e
lagoas de retenção temporária, colaborou para a aceleração da
deterioração desses corpos d’água. a avaliação da qualidade das
águas do dique, realizada em 1899, constatou a sua contaminação,
causando a proibição da utilização das suas águas pela população
(noGUeira, 1997).
vale ressaltar a grande representatividade do dique do
Tororó e das lagoas no imaginário social, religioso e cultural da
cidade. ligação entre bairros do Tororó, engenho velho de Brotas e
[11] de acordo com a publicação o Caminho das águas em salvador (2010): “...dique do Tororó, outrora um lago natural que recebia as águas de pequenos rios e contribuía para originar o rio lucaia. alguns historiadores afirmam que o lago original ocupava uma área muito maior, sendo, porém, aterrado em vários trechos. durante muitos anos, o dique do Tororó recebeu esgotos sanitários “in natura”, provenientes dos bairros circunvizinhos.” [...]“atualmente o lago ocupa uma área de 110.000m2 e suas margens e seu entorno foram objeto de reforma urbanística e de intervenções de esgotamento sanitário, eliminando todos os pontos de lançamento de esgotos domésticos. o dique do Tororó é um lugar de culto do candomblé, morada de oxum, o orixá da água doce.” [...]“o bairro do Tororó tem um nome de origem tupi que, para Mauro Carreira, autor do livro Bahia de Todos os nomes, significa “rumor de água corrente, rio rumoroso”. Consuelo Pondé de sena, presiden-te do instituto Geográfico e Histórico da Bahia, afirma tratar-se de um “vocábulo onomatopaico que refere-se ao barulho produzido pela água”. segundo Frederico edelweiss, este bairro “tem sua história marcada por uma lagoa natural e secular que chegou a ter seis quilômetros de extensão: o dique do Tororó”. diz-se que o primeiro grande aterro do dique foi em 1810, quando foi construída a ligação – chamada de Galés – do bairro de nazaré com o bairro de Brotas. (santos et al, 2010,p.41 e 48)
67
Centro da cidade, o dique sempre foi local dos cultos da religião de
matriz africana. nesse sentido, o dique do Tororó, abastecia de água
e lendas os soteropolitanos. Foi tombado em 1986 pelo Patrimônio
Histórico e artístico nacional e reformado em 1998, com áreas de
lazer e instalação das esculturas que representam os 12 orixás do
candomblé, obra escultórica do artista plático Tati Moreno. segundo
oliveira (1997 apud dourado, 2009), originalmente as águas do
dique corriam até o rios das Tripas, um dos afluentes do rio
Camarajipe. no entanto, a expansão urbana reduziu sua extensão
nas décadas de 1950 e 60, pois grande parte foi aterrada para dar
lugar ao estádio da Fonte nova (antigo estádio octávio Mangabeira
atual arena itaipava12 Fonte nova) e as vias de acesso no seu
entorno.
o contexto da modernização urbana, as melhorias sanitárias
e início da sistematização do abastecimento de água imprimiram
intervenções drásticas nas margens dos rios, assim como na sua
composição física e biológica. no início do século XX, essas mudan-
ças intensificaram-se em salvador, tanto no abastecimento como no
descarte de águas usadas.
Protagonista dessas mudanças, o engenheiro Theodoro
sampaio ficou responsável por iniciar esse novo ciclo no saneamen-
to da cidade e foi encarregado de elaborar o projeto e executar as
obras, no prazo de quatro anos, para ampliação da rede de abasteci-
mento e implantação do sistema de esgoto, depois de ganhar a
concorrência pública no ano de 1904 (noGUeira, 1997).
os trabalhos elaborados pelo engenheiro Theodoro sampaio
em salvador, de certa forma, previam o crescimento que a cidade
iria sofrer nos anos 1940, e influenciaram de maneira direta a atual
[12] Concessão do uso do nome do estádio cedido à marca de bebida do Grupo Petrópolis (cervejas itaipava)
68
estrutura urbana e, principalmente, “moldaram a face” do saneamen-
to moderno de salvador. apesar dos embates que o engenheiro teve
com o poder público local, por conta da pouca abrangência do
plano, que atingia apenas 20% dos 250 mil habitantes em 1905, os
avanços foram notáveis e colaboraram para a modernização da
cidade. (saMPaio, T. 1919 apud noGUeira,1997)
sob o legado de Theodoro sampaio no que diz respeito ao
tratamento sanitário de salvador, o relatório Preliminar para o
Planejamento do sistema de esgoto sanitário da Cidade de salvador,
elaborado pela sudene no ano de 1968, descreve que a cidade
possuía no início dessa mesma década uma rede de 30 quilômetros
de tubulações de esgoto (mapa 06), sendo que 27 quilômetros
foram executados por Theodoro sampaio. dessa maneira, dá para
expressar a dimensão e importância do trabalho do engenheiro no
saneamento da cidade de salvador (sUdene, 1968).
Fig. 16 DiqUE DO TORORó DEsPROViDO DE gRANDE iNTERVENÇÕEs URBANAs, MAis PRóXiMO AO sEU EsTADO ORigiNAl. (FOTO: ADOlPHO MOREiRA DE OliVEiRA, DiqUE DO TORORó - 1928. FONTE: HTTP://MAisDEsAlVADOR.BlOgsPOT.COM.BR/2011/08/DiqUE-DO-TORORO.HTMl)
69
o plano inicial proposto por Theodoro sampaio era a cons-
trução de uma estação de tratamento na confluência do rio das
Tripas (escoamento natural da drenagem e esgoto do bairro Centro
Histórico de salvador) e o rio Camarajipe (figura 17, 18, 19 e 20) , que
serviria de vazamento até o oceano. vale ressaltar que as águas do
rio das Tripas já estavam comprometidas no início do século XX,
com alto grau de degradação. Como explica Milton santos:
É a cidade média na designação de Aroldo Azevedo
(1952), por posição à Cidade Alta e à Cidade Baixa.
Zona de concentração de drenagem é isso que explica
as suas sucessivas utilizações:
1. Defesa da cidade contra ataques eventuais do in-
terior, nos primeiros séculos (XVI e XVII) quando toda a
cidade se limitava à primeira linha de colinas, rodeadas
de muros: era o fosso.
MAPA 06. PlANTA iDENTiFiCANDO A REDE DE EsgOTO EXisTENTE NA DéCADA DE 1960, NO TOTAl DE 30 qUilôMETROs DOs qUAis 27 FORAM CONsTRUÍDOs PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, qUE TERiA PROjETADO MAis DE UMA CENTENA DE qUilôMETROs. (FONTE: sUDENE, 1968)
70
2. Esgoto de águas usadas, como o atesta o nome
que recebeu depois o riacho que corre nesse vale: o rio
das Tripas. Servia para escoar, com auxílio da corrente,
os restos do gado que era abatido mais em cima no
antigo matadouro do bairro de São Bento.
3. A denominação de “rua das Hortas”, dada ao seu
trecho inicial, é por si mesma eloquente: era aí que a
cidade em grande parte se abastecia de frutas e legu-
mes. Essa função, presente sobre quase toda a exten-
são da rua durante vários séculos, há somente dez anos
que desapareceu completamente.
4. O sítio, periodicamente inundável, mesmo depois
do desaparecimento das preocupações de defesa, con-
tinua a impedir uma utilização residencial, até que os
trabalhos de drenagem fossem realizados. Daí o nome
que teve a rua, a partir dessas obras: rua da Vala. (SAN-
TOS, 1952, p.175-176)
em 1906, Theodoro sampaio descreve em relatório que
salvador possuía sim um sistema de esgoto, porém precário, diminu-
to e que utilizava para escoamento os drenos destinados às águas
da chuva ou pequenos cursos d’ água. ainda em seu relatório, o
engenheiro comentava sobre a situação do rio das Tripas, afluente
do Camarajipe, que recebia dejetos de quatro freguesias da cidade,
sendo essas as mais “populares”. (saMPaio, T. 1910 apud
noGUeira, 1997).
no momento em que as obras projetadas pelo engenheiro
Theodoro sampaio estavam ganhando forma, outras importantes
intervenções urbanas estavam sendo planejadas pelo governador
J.J. seabra13, com o objetivo de “modernizar” a cidade, intensifican-
[13] “ao tomar posse do Governo do estado da Bahia, em 1912, José Joaquim seabra reúne o desejo de mudança da cidade à sua força política, às condições econômicas favoráveis e aos seus conhecimen-tos sobre intervenção em estruturas urbanas já consolidadas [..]as obras realizam-se em todas as partes. renova-se o distrito da sé, orienta-se o crescimento da cidade em direção sul, com a abertura de uma grande avenida. remodela-se e amplia-se o porto e alargam-se ruas da Cidade Baixa, uma nova avenida liga essa parte da cidade à península de itapagipe. Conquista-se o litoral, constroem-se novos edifícios e incentiva-se a construção de casas para os operários. são tempos de mudança, tempos de novidades.” (PinHeiro, 2011, p. 216 - 218)
71
Fig. 17 CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)
Fig. 18 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)
72
Fig. 19 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1992 (FONTE: CONDER/siCAR)
Fig. 20 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)
73
do a construção de obras públicas justificadas pelo estandarte sanita-
rista, seguindo, assim como outros gestores do Brasil e também do
mundo, a reorganização da cidade de cunho formal e informal.
Como a maioria das cidades do mundo ocidental, a reforma
Passos14 no rio de Janeiro seguiu o modelo haussmanniano de inter-
venção na estrutura urbana, adaptado à realidade brasileira da época.
Por sua vez, as iniciativas de “melhoramento” da cidade de salvador no
início do século, capitaneadas pelo governador seabra, eram direta-
mente influenciadas pelas transformações na capital federal
(PinHeiro, 2011).
Com o propósito de contextualizar de maneira geral as transfor-
mações que ocorreram nas cidades brasileiras no início do século XX,
assim como tornar compreensível a solução para o embate descrito
anteriormente, no qual o espírito da livre iniciativa entrava em conflito
com as leis e normas que partiam da esfera pública em busca de um
ambiente urbano mais salubre, é pertinente esclarecer que esse para-
doxo não durou muito, pois os interessados em maior flexibilidade das
decisões urbanas direcionaram suas atenções para o setor imobiliário e
a propriedade privada, criando mecanismos de desenvolvimento que
aliavam o ímpeto modernizador dos gestores públicos com as ativida-
des imobiliárias lucrativas do setor privado.(Benevolo, 2011)
ainda segundo Benevolo (2011), apesar desse modelo de gran-
des intervenções nas cidades não estar enclausurado em um período
determinado da história, ele pode ser vinculado à escala demográfica,
ocorrendo até os dias atuais nos países em desenvolvimento. as refor-
mas urbanas nas capitais brasileiras no final do século XiX e início do
XX, que interferiam em paisagens fluviais, foram e ainda são obras
quase que exclusivamente associadas ao saneamento básico e ao
embelezamento paisagístico.
[14] denomina-se reforma Passos o conjunto de intervenções urbanas na cidade do rio de Janeiro, capitaneada pelo prefeito Francisco Pereira Passos, que segundo Mauricio de a. abreu(1987), no breve período de quatro anos, entre 1904 a 1908, liderou a maior transformação do ambiente urbano carioca até então. é indiscutível a inspiração de Passos no modelo das grandes reformas parisienses planejadas e executadas por Haussmann. em relação ao tema dessa dissertação, vale ressaltar que é nesse período a canalização dos rios mais representativos da cidade, como rio Carioca, Maracanã, entre outros, com a finalidade de promover o saneamento da cidade.
74
nesse sentido, é importante assinalar um aspecto relevan-
te com relação à temática desta pesquisa no que diz respeito à
morfologia da cidade (mapa 07) e ao panorama dos problemas
sanitários. Como argumenta o geógrafo baiano Milton santos
(1958), a escolha de implantar o sítio inicial na parte superior da
encosta, tendo a falha geográfica como fortificação natural,
cumpria os objetivos iniciais de proteção, mas se apresentava
hostil quando novas funções se agregavam a essa primeira.
Como em salvador, em outras cidades brasileiras, até a
década de 1930, a proteção dos recursos hídricos tinha um caráter
de preservação dos mananciais. Porém, com a expansão da área
urbana e o esvaziamento de investimentos em infraestrutura, os
rios passaram a ser o local de descarga dos esgotos, contribuindo
para a degradação do ambiente natural e prejuízo para a cidade,
com constantes enchentes e desvalorização do seu entorno
(BriTTo, 2006).
MAPA 07. sÍTiO DE sAlVADOR ATENÇÃO PARA O RElEVO COMPlEXO PREsENTE NA CiDADE, MORROs E COliNAs sEPARADOs POR EsTREiTOs VAlEs. iNTERVENÇÃO EM COREs FEiTA PElO AUTOR DEssA DissERTAÇÃO PARA DEMONsTRAR O TRAÇADO ORigiNAl (EM VERMElHO) DO RiO CAMARAjiPE E sEUs PRiNCiPAis AFlUENTEs E REsERVATóRiOs DE CONTRiBUiÇÃO (EM AZUl). (FONTE: sANTOs, M. 1959 P.59)
75
AVENiDAs, BUlEVAREs, A CiDADE NA VElOCiDADE DO AUTOMóVEl
Com relação à bacia do Camarajipe, a intervenção na rua da vala15,
ainda no século XiX, foi, de alguma forma, uma alteração na estrutura
hídrica da bacia, atingindo a jusante o rio Camarajipe e colaborando para
o aumento da vazão. a rua da vala foi construída sobre parte do leito do
rio das Tripas, principal afluente do Camarajipe. Portanto, a interferência
estrutural naquele rio teve reflexo direto sobre a vazão na bacia e, conse-
quentemente, nos processos naturais do Camarajipe. Para melhor entendi-
mento dessa intervenção descrita acima, Pinheiro comenta que:
Dentre as mudanças realizadas na estrutura viária, a cana-
lização do Rio das Tripas, com a abertura da Rua da Vala, e a
construção da Ladeira da Montanha são as duas obras urba-
nísticas mais importantes do século XIX. A Rua da Vala repre-
senta não só a canalização de um dos rios mais infectos que
cruzam a cidade, como a utilização, pela primeira vez, de um
vale como forma de união entre os distintos núcleos existentes
sobre as colinas que formam o espaço construído. Ao utilizar
o macadame para a sua pavimentação, a Rua da Vala transfor-
ma-se numa das principais artérias, por onde transitam pesa-
dos veículos sobre rodas, como os de carga, que não conse-
guem passar pelas estreitas ruas da capital, e os bondes com
tração animal, depois a vapor e, mais tarde, elétricos. [...] a Rua
da Vala é um dos vetores mais importantes, responsável pela
expansão da cidade e pela conquista de novos espaços. (PI-
NHEIRO, 2011, p.208)
a canalização do rio das Tripas e surgimento da rua da vala (av.
J.J. seabra), foi de extrema importância na época, no que se refere as
melhorias sanitárias e a expansão urbana. seu caráter essencial era
proporcional aos desafios impostos para a sua execução, tal dificuldade
causada pelo terreno pantanoso, consequentemente insalubre, causando
elevado número de trabalhadores mortos por febre amarela e cólera,
tornando-se uma obra custosa e lenta (saMPaio, 2005). no seu livro, 50
anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX, a autora relata
que a obra só foi concluída na década de 1870, aproximadamente 20
anos após o início dos trabalhos.
[15] atual avenida J.J. seabra, popularmente chamada por Baixa dos sapateiros.
76
Contudo, por questões geoclimáticas, problemas decorrentes
das enchentes são comuns em algumas cidades brasileiras, inclusive
em salvador. e até os dias atuais, continuam acometendo perdas
materiais, causando também danos à saúde da população atingida.
de certa forma, as enchentes são, em muitos casos, potencializadas
pela ocupação do leito maior, processo bastante comum na proximi-
dade de pequenos riachos e córregos, na cidade de salvador.
em grande parte, essas regiões são vulneráveis socialmente,
desprovidas dos serviços básicos de infraestrutura. essa ausência
agrava a nocividade das inundações, pois o esgoto e dejetos que são
lançados diretamente nesses cursos d’água contribuem para a de-
gradação dos processos naturais.
diversos fatores colaboram para o aumento da recorrência
das enchentes nas cidades em períodos cada vez mais curtos. a
ocupação habitacional próximas aos leitos dos rios podem ser consi-
deradas preponderantes nesse quadro, ou seja, o volume das águas
que anteriormente era absorvido e retido pelas várzeas, precisa ser
rapidamente escoado. isso se deve, em muitas circunstâncias, ao
processo de ocupação desordenada nas grandes metrópoles brasi-
leira, onde as áreas desabitadas ou vazias disponíveis mais perto do
centro da cidade são ocupadas, independentemente de vulnerabili-
dades morfológica, como ambiental.
em salvador, essas condições ficam mais evidenciadas nas
áreas próximas aos fundos dos vales, que a princípio são “despreza-
das”, mas que acabam sendo ocupadas pela população menos
favorecida, enquanto nas partes altas, portanto livres das enchentes,
os terrenos passam a ter seu preço cada vez mais elevado no merca-
do de habitação (imagem 21). a respeito desse aspecto da ocupação
na cidade, Moura(1997) acrescenta:
77
A própria topografia forneceu as bases de um projeto
de ocupação e administração social do espaço. Os mais
ricos ocupavam a cumeeira das colinas e o centro eleva-
do; os mais pobres, o fundo dos vales e as encostas da
falha geológica.
[...] O que se verifica nos últimos 30 anos é um proces-
so perverso de disposição da população soteropolitana
entre extremos de vales, colinas e buracos, “áreas de pre-
servação” e charcos, avenidas com todas as condições
infra-estruturais e aglomerações imundas (MOURA,1997,
p. 227-228-229).
as frequentes inundações que atingiam os soteropolitanos
no início do século XX acompanhavam o processo cada vez mais
intenso de ocupação das várzeas e terrenos próximos aos fundos do
vale. Contudo, alguns planos foram elaborados na tentativa de
minimizar o problema. Conforme discutido anteriormente, as pro-
postas do engenheiro Theodoro sampaio já contemplavam diretrizes
para o sistema de drenagem, mas por questões financeiras foi
Fig. 21 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO DO sOlO EM sAlVADOR NA BACiA DO CAMARAjiPE, Os MENOs FAVORECiDOs OCUPANDO As ENCOsTAs (AUTOR, 2014)
78
apenas iniciado e pouco tempo depois interrompido. Colaborando
com esse raciocínio, Fernandes afirma:
Já em 1905, Theodoro Sampaio, em um relatório ela-
borado sobre a necessidade de infraestrutura da cidade,
no capítulo que intitula “As Ruas”, desenvolve o esque-
ma de uma proposta de plano para Salvador, onde res-
salta que as três características essenciais da cidade
moderna são o saneamento, o embelezamento e a co-
municação, deixando entrever claramente a necessida-
de de um plano (FERNANDES et al., 1995, p.756).
em 1926, o engenheiro sanitarista saturnino de Brito propõe
um novo projeto para aumentar a rede, acrescentando novos dire-
cionamentos ao projeto de Theodoro sampaio para o sistema de
abastecimento e rede de esgoto de salvador. segundo Pinheiro
(2011), saturnino de Brito recusou os dois primeiros convites para
elaborar planos de desenvolvimento do saneamento, porque discor-
dava que tais obras ficassem ao encargo de empresas privadas e por
estar envolvido no projeto para recife. Finalmente, em 1925,
saturnino de Brito aceita o convite das autoridades baianas para
elaborar um plano para a capital.
diversos estudos elaborados por saturnino de Brito com
vistas a resolver o problema das enchentes indicavam o enxugamen-
to de águas superficiais estagnadas, drenagem de valas e condutos
subterrâneos, retificação dos cursos d’ água, dessecamento de
pântanos, esgotos pluviais e sanitários, calçamento, iluminação
artificial, incineração de lixo, habitações salubres, jardins e arboriza-
ção de solos, suprimento de água potável (BriTo, 1928).
apesar do detalhado esforço de saturnino para o
abastecimento e a ampliação da rede de esgoto e sistema de drena-
gem superficial e subterrânea, o plano não chegou a ser executado.
79
Contudo, o maior legado do seu trabalho para salvador foi subsidiar
conceitualmente o planejamento da cidade na perspectiva do seu
crescimento.
os planos de saturnino de Brito vão influenciar as discussões
da “i semana de Urbanismo de 1935”16 e, consequentemente, as ações
de planejamentos delineadas pelo ePUCs17. sem dúvida, a minuciosa
análise do meio físico, das características particulares do sítio e a
relação do relevo com o sistema de drenagem foram uma importante
contribuição para o entendimento da forma urbana e a relação com o
processo de desenvolvimento.
segundo o arquiteto e urbanista antônio Heliodório sampaio
(1999), saturnino de Brito de certa forma anteviu as chamadas “aveni-
das de vale”, quando propôs um sistema de drenagem e captação das
águas articulado em canais de fundos de vales, agregando o sistema
de circulação de veículos e um tratamento paisagístico para essas
zonas de vales. esse modelo viário foi posteriormente divulgado e
enaltecido na semana de 1935 e, em seguida, planejado de fato pelo
ePUCs. as avenidas foram sendo executadas ao longo da segunda
metade do século XX, vindo a formar a maior parte da malha viária
atual, ligando os bairros da cidade.
Para efeito de esclarecimento, os conceitos sobre as avenidas
drenantes formulados pelo engenheiro saturnino de Brito, tornaram-se
referência nos estudos de saneamento de cidades, incorporando solu-
ções urbanísticas que articulavam circulação viária com saneamento e
[16] a semana de urbanismo de 35, que aconteceu de 20 a 27 de outubro de 1935, foi organizada pela Comissão do plano da cidade de salvador. Foi uma série de fóruns e palestras sobre a cidade, seus problemas e possíveis soluções. antônio Heliodoro l. sampaio(1999) afirma sobre esse período: “o certo é que a i semana de Urbanismo, de 1935, fecha e abre um novo ciclo, demarcando a passagem para um outro ideário, não mais centrado naquela visão parcelar ou setorial da cidade, aqui nominado de “urbanis-mo tópico”, de viés sanitarista e estético-viário, introduzindo outras questões, que vão provocar uma crítica às práticas de então.”(saMPaio, H. 1999, p.174)
[17] o escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do salvador (ePUCs), iniciou suas atividades na primeira metade da década de 1940, exercendo protagonismo no planejamento urbano da cidade e a ajudou a solidificar as bases da arquitetura moderna na Bahia.
80
drenagem. as aplicações postas em prática na cidade de salvador,
como em outras cidades brasileiras, dos conceitos das avenidas de
fundo de vale, não se alinhavam com as ideias de saturnino, pois as
questões acerca do saneamento e drenagem eram colocadas em
segundo plano, em detrimento dos aspectos viários.
Um exemplo nacionalmente conhecido desse desequilíbrio
conceitual foram as obras de retificação do rio Tiête, que estavam
incorporadas aos Planos das avenidas, elaborado por Francisco
Prestes Maia. entretanto, é importante salientar a diferença entre o
modelo executado por Prestes Maia e os conceitos de saturnino de
Brito (figura 22). expondo de forma simplificada, o plano proposto
por saturnino se aprofundava nas questões hídricas, respeitando as
planícies de inundação e, de alguma maneira, os meandros tão
característicos dos rios paulistas.
Fig. 22 PlANO ElABORADO PElO ENgENHEiRO sATURNiNO DE BRiTO PARA MElHORAMENTOs DO TiETÊ, 1925 (FONTE: HTTP://UsP.BR/FAU/DOCENTEs/DEPPROjETO/C_DEAk/CD/5BD/1RMsP/PlANs/H1sATURN/iNDEX.HTMl)
81
sEMANA DE 35, EPUCs E Os PlANOs FUsiONAis
Como visto nos tópicos precedentes, uma série de medidas
foram tomadas na tentativa de solucionar os problemas urbanos de
salvador, como intervenções urbanas tópicas e a criação de meca-
nismos de controle higiênico. segundo Fernandes et al (1995), a
constituição do urbanismo na cidade é configurada por duas verten-
tes: técnica, essencialmente na busca por salubridade, e estética, na
perspectiva de uma nova cidade.
esse era também o cenário que marcava os planos e projetos
para as cidades europeias e americanas. no Brasil, em algumas
cidades, a atuação do urbanismo como disciplina iniciava-se como
protagonista no planejamento das cidades, materializando-se em
ações concretas. sobre esse novo momento na abordagem do
estudo e desenvolvimento das cidades, secchi comenta:
[...] Nunca, como no século vinte, o fenômeno urbano
foi tão extensamente estudado. Como um desvio sensí-
vel em relação ao século dezoito e dezenove , quando
quem se ocupava das cidades eram principalmente os
médicos, higienistas, engenheiros ou estudiosos das de-
nominadas ciências de polícia, novas disciplinas, desta-
cando-se de um tronco principal, com uma divisão e es-
pecialização do trabalho, o assumem como próprio e
específico objeto de pesquisa, cada uma se subdividin-
do em áreas mais específicas como, por exemplo, a ge-
ografia urbana, a história urbana, a sociologia urbana, a
economia urbana e as ciências regionais (SECCHI, 2009,
p.41).
Pode-se dizer que a primeira “experiência” urbanística moder-
na em salvador tem seu foco em três grandes intervenções: a moder-
nização do Porto (1906-1921), a remodelação e ampliação do centro
de negócios (Cidade Baixa)e a abertura da avenida sete de setembro
(Cidade alta). Todas essas obras são da primeira gestão do
82
governador J.J. seabra (1912-1916). o projeto de remodelação da
cidade ficou a cargo do engenheiro alencar lima, e “implicou a
destruição (total ou parcial) de inúmeros prédios antigos, incluindo a
demolição da igreja Matriz de são Pedro” (Fernandes, 1995).
a derrubada da sé Primacial do Brasil, em 1933, significou um
ponto de inflexão preponderante nos conceitos que visavam a mo-
dernização da cidade. no bojo das discussões sobre o acontecimen-
to, como apresentado anteriormente, instala-se a semana de
Urbanismo, em 1935, com a finalidade de “elaborar o plano de remo-
delação, embelezamento e expansão da cidade do salvador”. a
realização tinha à frente a Comissão do Plano da Cidade do salvador.
Três pontos fundamentais se identificam nas propostas da
semana: 1º) um plano para regular o crescimento da cidade; 2º) a
definição de um zoneamento como instrumento do urbanismo; 3º) a
preocupação com o patrimônio histórico e com as suas instituições,
este último o reflexo direto das preocupações oriundas da demolição
da catedral da sé (Fernandes et al,1995).
Para o plano urbanístico, a proposta credenciada é a apresen-
tada pelo engenheiro Mario leal Ferreira, em 1944, dando início à
constituição do ePUCs, em 1946. segundo Fernandes (1995), a
atuação pode ser sintetizada por: intervenção urbanística com co-
nhecimento prévio global da cidade, de acordo com os fatores cons-
tituintes (físicos, sociais e econômicos); uma metodologia interdisci-
plinar e multidisciplinar – com influência do “comprehensive
planning” (americano) e “town planning” (inglês) –, trazendo as
marcas das zonas concêntricas de Burgess, radiocêntrica de Hénard,
articuladas às teorias de Patrick Geddes.
nesse sentido, como já comentado, as vias de fundo de vale
(figuras 23 e 24) e de cumeadas tinham suas articulações ligadas aos
fluxos de movimento centro-bairro e bairro-bairro. as experiências
83
av. bonôco
rot. abacaxi
shop. iguatemi
t. rodoviário
novo canal
rio camarajipe
antigo leito
shop. iguatemi
t. rodoviário
av. bonôco
rot. abacaxi
novo canal
rio camarajipe
antigo leito
Fig. 23 AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, REgiÃO DA TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). iMPlANTAÇÃO DAs AVENiDAs DE VAlEs EM sAlVADOR, PROPOsTAs PElO EPUCs. PRiMEiRO PlANO(TRACEjADO) O lOCAl DE DEsViO DO DO RiO CAMARAjiPE, POssÍVElMENTE DéCADA DE 1960 ( FONTE: ACERVO FgM/PMs, sEM DATA)
Fig. 24 EVOlUÇÃO URBANA DA REgiÃO DA AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, sUPREssÃO DAs VÁRZEAs MAjORiTARiAMENTE OCORRiDA PElA iMPlANTAÇÃO DO sisTEMA ViÁRiO DE AlTA CAPACiDADE ( FONTE: gOOglE EARTH, 2012)
84
levadas a cabo pelo ePUCs não foram concluídas em todas as eta-
pas propostas, entretanto marcaram as bases e as linhas norteado-
ras para as pesquisas, planos e futuras intervenções na cidade.
apesar do empenho de Mario leal Ferreira e, posteriormente,
do arquiteto diógenes rebouças na direção do ePUCs, no sentido
de uma iniciativa de planejamento inédita na cidade, isso não foi
suficiente para dar respostas imediatas ou acompanhar o inchaço
populacional em salvador no período de atividade do escritório.
sobre a pressão migratória e a relação com a habitação na cidade, a
arquiteta angela Gordilho souza afirma:
Em relação aos movimentos sociais por moradia em
Salvador, no ínicio da década de 1940, com forte crise
habitacional que se estabeleceu na cidade, surgiram as
primeiras invasões, promovidas por movimentos de ocu-
pação coletiva das massas migratórias, observando-se
que, apesar de intervenções repressivas do Estado, des-
de o surgimento do fenômeno até os dias atuais, na sua
maioria se consolidaram, fortalecendo os chamados
movimentos sociais urbanos (GORDILHO,1990 apud
GORDILHO,1997).
enquanto as ideias e planos eram elaborados pelo ePUCs a
industrialização no país ganhava forma em escala nacional, soman-
do-se à desmobilização da antiga estrutura agrária, culminando
numa pressão migratória sobre as cidades, pois as indústrias eram
implantadas também próximas aos grandes portos que invariavel-
mente estavam no núcleo central das grandes cidades costeiras. o
processo de industrialização vai se firmar a partir de 1930, saindo do
foco a agricultura cafeeira e se preparando para a industrialização
em uma nova etapa, com a instalação da indústria automobilística,
entre as décadas de 1950 e 60 (MariCaTo, 2000).
salvador sofreu o impacto da industrialização com a instala-
ção na região metropolitana do Centro industrial de aratu, Petrobrás
e principalmente o Polo Petroquímico de Camaçari em 1978, que
85
provocaram fluxos migratórios vindos do interior e que passaram a
ocupar regiões carentes de infraestrutura para atender a essa nova
demanda. nesse sentido, a ocupação territorial em áreas menos
nobres e, principalmente, nas margens dos rios (figura 25) e fundos
dos vales ou, como se diz popularmente, perto do valão, acarretou
grandes problemas sociais e ambientais.
Fig. 25 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO iNFORMAl NO FUNDO DOs VAlEs, BAiRRO DE BOM jUÁ. ( FONTE: ACERVO FgM/PMs, 1981)
de acordo com a citação de Gordilho (1997) sobre o cresci-
mento da cidade entre 1940 e 1950, sampaio H. (1999) relata que
nesse período a cidade teve um incremento de 127 mil pessoas,
saltando de 290 mil habitantes em 1940 para 417 mil no final da
década (saMPaio, H. 1999).
entre as décadas de 1940 e 1980, o exôdo rural definiu o
perfil da sociedade brasileira de rural para urbana. Para rolnik
(2008), tal movimento socioterritorial resultava de um modelo de
desenvolvimento urbano no qual as faixas de menor renda eram
desassistidas de condições básicas de urbanidade e de inserção
efetiva na cidade.
86
as avenidas de vale passaram a ser importantes referências de
espaço para a implantação do sistema viário urbano. segundo oseki e
estevam (2006):
A implantação das avenidas de fundo de vale representa-va importante mudança nas referências espaciais da cidade, unindo loteamentos antes separados por córregos e trazen-do uma grande quantidade de pessoas e mercadorias circu-lando por estas modernas vias.[...] Posteriormente, isto ainda foi associado a programas de relocação habitacional de po-pulações invasoras das margens de rios, o que possibilitava à administração pública marcar presença, “saneando”, am-bientalmente e socialmente, vários setores da cidade com
consequente dividendos políticos” (OSEKI et al, 2006, p.83).
esse amplo programa de ampliação da rede viária que teve início
na década de 50, e se estende os dias de hoje (2014), representa o gran-
de marco das ações de engenharia para canalização e retificação dos
cursos de água (figura 26), da abertura das avenidas de vale, mas tam-
bém do encapsulamento dos córregos, da supressão das várzeas, do
Fig. 26 EXEMPlO DE sUPREssÃO DE VÁRZEA EM sAlVADOR, RETiFiCAÇÃO DO RiO CAMARAjiPE NA AVENiDA ANTôNiO CARlOs MAgAlHÃEs (FONTE: ACERVO FgM/PMs)
87
aumento das enchentes, do comprometimento da relação entre a socieda-
de e a natureza e, consequentemente, da quase ausência ou até distancia-
mento do rio na paisagem urbana.
O DEsViO DO RiO E O sURgiMENTO DO CANAl
em relação ao objeto de estudo, sem dúvida o estabelecimento de
uma nova foz para o Camarajipe foi a mais drástica interferência da estru-
tura urbana em cursos d’água em salvador, marcando profundamente e
definindo a atual composição hídrica da cidade. durante o desenvolvi-
mento desse trabalho, algumas intervenções já foram descritas e contex-
tualizadas em relação à cidade, como também no que diz respeito aos
conceitos urbanísticos vigentes que influenciaram essas ações. Porém, a
relevância das transformações na estrutura urbana, impostas pelo desen-
volvimento da região onde rio sofreu o desvio, merece maiores
esclarecimentos.
a área em questão compreende o epicentro do vetor norte de
expansão, mais especificamente a região do iguatemi. no PddU18 de 2012
é descrita como CMC19(mapa 08), contudo anteriormente era considerado
como o sub-centro do Camarajipe (PlandUrB, 1978). essa região já
estava sob posse das empresas do setor da construção civil, que se
“adiantaram” em antever o futuro vetor de crescimento da cidade, cap-
tando assim grande porcentagem do direito de uso do solo dessa nova
área a ser desbravada, defendendo, com os mais diversos argumentos e
instrumentos, a rentabilidade do investimento e o crescimento no sentido
vetor norte. dessa forma, delineando o futuro da estrutura urbana de
acordo com os interesses econômicos dessas corporações.
esse empenho em salvaguardar a área pode ser identificado em
alguns documentos institucionais, como o relatório de Planejamento Geral
[18] Plano diretor de desenvolvimento Urbano de salvador.
[19] CMC - Centro Municipal Camaragibe, no plano diretor considera-se que a cidade possui três centros urbanos. (PddU, 2004)
88
OCEANOATLÂNTICO
LAURODE FREITAS
BAÍA DETODOS OSSANTOS
1.400m0
PARQUE DEPITUAÇU
PARIPE
SÃO TOMÉDE PARIPE
PERIPERIVALÉRIA
PARQUE DEPIRAJÁ
PARQUESÃO BARTOLOMEU
PLATAFORMA PIRAJÁ
RIBEIRA
BONFIM
URUGUAI
CALÇADA LIBERDADE
CX. D'ÁGUA
IAPI
PAUMIÚDO
CIDADE NOVA
COMÉRCIO BARBALHO
SÉNAZARÉ
CAMPOGRANDE
BARRIS
GARCIAVITÓRIA
GRAÇA
BARRA
ONDINA
FEDERAÇÃO ENGENHO VELHODA FEDERAÇÃO
RIOVERMELHO
AMARALINA
NORDESTE
ALTO DASANTA CRUZ
ITAIGARA
PARQUEDA CIDADE PITUBA
COSTAAZUL
STIEP
BOCADO RIO
IMBUÍ
PATAMARESCABULA VI
SABOEIRO
BEIRU /TANCREDO NEVES
ENGOMADEIRA
CONJ. ACM
RESGATE
PERNAMBUÉS
IGUATEMICOSME DEFARIAS
BROTASENG. VELHODE BROTAS
MATAESCURA
NOVASUSSUARANA
PAU DALIMA
SÃOMARCOS
VILACANÁRIA
CAJAZEIRA
JD DASMARGARIDAS
PARQUE SÃOCRISTOVÃO
MUSSURUNGA
SÃOCRISTOVÃO AEROPORTO
FLAMENGO
STELLAMARIS
PARQUEDO ABAETÉ
ITAPUÃPIATÃ
CANABRAVA
CASTELOBRANCO
ÁGUASCLARAS
CEASA
IPITANGA I
REPRESAIPITANGA II
PARQUEDE EXPOSIÇÕES
CAB
FAZENDAGRANDE
SÃOCAETANO
MASSARANDUBAMONTESERRAT
CAPELINHA
LOBATO
MARECHALRONDON
SETEDE ABRIL
ITACARANHA
COUTOS
PALESTINA
PARQUESÃO PAULO
PRAIAGRANDE
BOCADA MATA
PLACAFORD
COSTAVERDE
CALABETÃO
ÁGUA DEMENINOS
BOA VIAGEM
ESCADA
DIQUE DOTORORÓ
REPRESADO COBRE
LAGOADA PAIXÃO
FAZENDACOUTOS
DOMAVELAR
ALTO DASTA.TEREZINHA
ITAPAGIPE
MARES
SANTAMÔNICA
SÃOPEDRO
CAMINHODAS ÁRVORES
ARMAÇÃO
NOVABRASÍLIA
PITUAÇU
NOVABRASÍLIA
JARDIMNOVA ESPERANÇA
SUSSUARANA
VILALAURA
IPITANGA
BICODOCE
LEGENDA
Centro Municipal Tradicional - CMT
Centro Municipal Camaragibe - CMC
Vias a serem construídas
Vias existentes
Vias Expressas existentes
Vias a serem duplicadas
REDE VIÁRIA ESTRUTURAL
CENTROS MUNICIPAIS
Metrô
Rio Camarajipe
Antigo leito
HIDROGRÁFIA
Novo canal
Malha hídrica
Zonas de inundaçãoque foram sanadascom o desvio
Ponto da Intervençãocurso do rio
PRAIAARMAÇÃO
PRAIA DAPACIÊNCIA
ALTO DA
SÉSÉ
SÃOSÃOPEDRO
SÉSÉSÉ
PEDRO
BARRIS
PEDROSÃOSÃOPEDROSÃOPEDRO
SÃO
CAPELINHA
LOBATO
MARECHALRONDON
CONJ. ACM
MATAESCURA
CALABETÃO
FAZENDAGRANDE
CAETANOSÃOCAETANO
GRANDE
LIBERDADE
CX. D'ÁGUA
IAPI
PAUMIÚDO
CIDADE NOVA
COSME DECOSME DEFARIAS
SANTAMÔNICA
VILALAURA
CONJ. ACM
RESGATE
PERNAMBUÉS
RESGATE
PERNAMBUÉS
BARBALHO
PERNAMBUÉS
BROTAS
GRANDE
CX. D'ÁGUACX. D'ÁGUA
IAPI
CX. D'ÁGUACX. D'ÁGUACX. D'ÁGUA
PAU
BARBALHO
NAZARÉ
BARBALHO
BROTAS
NAZARÉSÉ
NAZARÉSÉSÉ
NAZARÉ
PEDROPEDRO IGUATEMIIGUATEMICAMINHODAS ÁRVORES
IGUATEMICAMINHO
IGUATEMI
PITUBA
CAMINHODAS ÁRVORES
ITAIGARA
PITUBAPITUBA
COSTACOSTAAZULAZUL
STIEP
ARMAÇÃO
DAS ÁRVORES
IGUATEMIIGUATEMIIGUATEMICAMINHODAS ÁRVORESDAS ÁRVORES
IGUATEMIIGUATEMIIGUATEMICAMINHO
MAPA 08. lOCAliZAÇÃO NA CiDADE DO CMC (CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE ) sisTEMA ViÁRiO EXisTENTE, lOCAl DO DEsViO NO CAMARAjiPE E O NOVO CANAl E O ANTigO lEiTO (FONTE: PDDU 2012. ElABORADO PElO AUTOR)
89
do sistema de esgoto sanitário da Cidade de salvador(PGsesCs) de
1968, contratado pela sUdene, que registra a suposta e inesperada
valorização imobiliária dessa região, relatando os problemas da implanta-
ção de um emissário submarino e, consequentemente, a construção de
uma estação de tratamento na região em questão. descreve-se assim no
relatório:
Há que considerar, também, a valorização dos terrenos vizi-
nhos à foz do rio, no Chega Negro. A construção do Colégio
Militar na Pituba e a implantação do Jóquei Clube, próximo ao
povoado de Pernambués, trouxe uma súbita e forte valorização
de toda a área. Hoje, desde o ponto da bifurcação do rio até o
Chega Negro, os terrenos custam, em média NCr$ 30,00 por
metro quadrado, tornando quase que proibitiva a reserva da
área requerida para uma estação de tratamento completo.
Além disso, a presença de tal estação, nas imediações de uma
zona residencial, traria prejuízos consideraveis aos proprietá-
rios atuais, pela desvalorização de seus terrenos (SUDENE,
1968, PGSESCS, Volume 02).
observando a indicação do relatório, pode-se afirmar que, invaria-
velmente, muitas decisões de cunho urbanístico foram direcionadas por
questões econômicas/especulativas, sobrepondo-se aos argumentos
técnicos. a exemplo de como as grandes corporações influenciaram a
forma urbana, temos o documento da empresa odebrecht, que, de forma
“gentil”, disponibiliza para a Prefeitura de salvador o estudo para a urba-
nização desse trecho do novo centro. Tal documento exemplifica as inten-
ções sobre esse novo centro em consolidação, em detrimento do centro
tradicional, visto nesse momento como local “ultrapassado” e inadequado
às novas demandas. seguem fragmentos do documento original (figura
27), pesquisado na FMlF.
a criação e ocupação desse novo centro foram determinantes no
retrato atual da metrópole, mas, para que houvesse viabilidade econômica
e urbanística dessa área, alguns entraves precisaram ser solucionados.
os principais obstáculos a serem superados na conquista desse
território foram os problemas relacionados ao saneamento e à vulnerabili-
dade a enchentes. esse último impedimento era causado pelo vetor de
circulação e expansão e muitas glebas ocuparem a planície de inundação
Fig. 27 DOCUMENTO ElABORADO PElA ODEBRECHT PARA A PREFEiTURA DE sAlVADOR CONTENDO EsTUDO DE URBANiZAÇÃO DE TRECHO NO ENTORNO DO CAMARAjiPE, REgiÃO DO CMC (FONTE: FMlF, 1978)
91
do rio Camarajipe, sendo necessário sanear a região para prevenir
futuros transtornos que o rio poderia causar com as enchentes. vale
ressaltar que essa situação não atinge o ponto de calamidade se os
ciclos hidrológicos forem respeitados, compreendendo, assim, as
zonas suscetíveis às inundações naturais e fazendo uso compatível
com essa pré-condição. além disso, outras áreas, como o bairro do
rio vermelho, a jusante pré-desvio, já vinham sofrendo com os efeitos
danosos da ocupação das várzeas.
Para vencer esse entrave sanitário e hídrico, foi proposta e
executada uma das mais drásticas mudanças na estrutura do rio
Camarajipe, alterando profundamente a composição das bacias
hidrográficas do município. Pode-se afirmar que essa intervenção teve
um alto grau de desestruturação do rio Camarajipe, pois, além de
transferir o local da sua desembocadura, inverteu-se a direção de um
afluente, via dragagem, com o objetivo de re-direcionar o seu fluxo
para uma outra direção, utilizando o leito desse afluente conjugando-
-o ao rio Chega negro, pertencente a outra bacia hidrográfica.
o rio passou a ter dois pontos de desague: o natural, repre-
sentado no mapa 09, cartografia do ano de 1952, que confirma o
curso original e desague próximo ao largo da Mariquita (Praia de
Paciência) no bairro do rio vermelho e o novo, na praia homônima ao
rio Chega negro20. atualmente, o desague é feito exclusivamente
através desse último. Compreendendo que a partir do ponto de
desvio (figuras 28 a 31) as águas seguem pelo canal do Camarajipe e
o antigo leito do rio, por possuir fluxo proveniente de afluentes a
jusante do desvio, ainda é chamado de Camarajipe e ainda desagua
na antiga foz. o resultado dessa intervenção, isto é, a estrutura urbana
em desenvolvimento prevalecendo sobre o ambiente natural, acarre-
tando uma nova composição das bacias hidrográficas do
município(mapas 10 e 11): a do rio Camarajipe, que se conjugou à
bacia do Chega-negro, e o surgimento da bacia do rio lucaia, inter-
venção que influiu diretamente na estrutura hídrica da cidade.
[20] Praia do Chega-negro no bairro Costa azul, conhecida atualmente como praia de armação
92MAPA 09. CARTOgRAFiA DE 1952, O
TRAjETO DO RiO CAMARAjiPE é REPREsENTADO ANTERiOR AO REDiRECiONAMENTO, PORéM NEssE ANO O RiO PROVAVElMENTE jÁ TiNHA sOFRiDO O DEsViO.(FONTE: HTTP://www.CiDADE-sAlVADOR.COM/sECUlO20/MAPA-1952.HTM, CiRCUlO AMARElO iNTERVENÇÃO DO AUTOR iDENTiFiCANDO O lOCAl DO DEsViO)
MAPA 10. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs ANTEs DO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)
MAPA 11. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs APós AO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)
4km2
4km2
Centro histórico
trecho redirecionadosentido do fluxo d’água
Local do redirecionamentoBacia hid. Camarajipe
Bacia hid. do rio Chega Negro
Atual bacia hid. rio Lucaia
93
t. rodoviário
shop. iguatemi
novo canal rio camarajipe
anti
go
leit
o
t. rodoviário
shop. iguatemi
novo canal
rio camarajipe
antig
o le
ito
Fig. 28 ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1959, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MU-NiCiPAl CAMARAjiPE. A iMAgEM DEMONsTRA qUE, APEsAR DO AlTO gRAU DE CON-sERVAÇÃO DOs PROCEssOs NATURAis E A NÃO OCUPAÇÃO PElA EsTRUTURA URBANA, AlgUMAs iNTERVENÇÕEs URBANÍsTiCAs jÁ EsTÃO EM CURsO iNTERFERiNDO NOs PRO-CEssOs NATURAis, EM EsPECiAl Os AsPECTOs HÍDRiCOs. O RiO NEssE MOMENTO jÁ ENCONTRAVA-sE RETiFiCADO E REDiRECiONADO (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1959)
Fig. 29 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1976, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE. iNTENsA iNTERVENÇÃO EM CURsO, PARA ADEqUAR A ÁREA COM O OBjETiVO DE FORMAR NOVO CENTRO DE ATiViDADEs DE COMERCiO, sERViÇO E EMPREsARiAl. TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi (sHOPPiNg igUATEMi) iNsTAlADOs. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1976)
94
t. rodoviário
shop. iguatemi
novo canal rio camarajipe
antig
o le
ito
t. rodoviário
shop. iguatemi
novo canal rio camarajipe
antig
o le
ito
Fig. 30 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1992, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). ÁREA COM AlTO gRAU DE CONsOliDAÇÃO DA EsTRUTURA URBANA, CANAl COM sUAs CAlHAs REVERTiDAs DE ARgAMAssA ARMADA. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1992)
Fig. 31 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 2014, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi).CONsOliDAÇÃO DA OCUPAÇÃO E iNTERVENÇÕEs ViARiAs. (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)
95
não se sabe ao certo a data dessa intervenção, a publicação
O Caminho das Águas de Salvador (sanTos, H, et al,2010) considera que
essa obra foi feita na década de 1970 pelo extinto dnos. entretanto, e de
acordo com a aerofotografia do ano de 1959 cedidas pelo inForMs/
Conder (figura 28), é correto afirmar que essa intervenção foi anterior a
essa data, pois é possível identificar nessa imagem o redirecionamento do
seu curso. além disso, o Plano de saneamento de 1968 informa que:
Mais para jusante, na altura do povoado de Pernambués, o
Camorogibe foi dragado e desviado para o vale do riacho
Chega Negro, ficando assim, com duas desembocaduras.
Esse desvio processou-se inicialmente pelo vale do riacho
Pernambués e venceu, com pequena escavação, o divisor de
águas desse riacho com o Chega Negro. É por ai que escoa
hoje a maior parte da descarga do Camorogibe (SUDENE,
1968, PGSESCS, Volume 02).
ao longo dessa pesquisa o questionamento sobre a época dessa
intervenção ficou sem uma resposta aceitável, o que dificultou a elabora-
ção do panorama das ações de planejamento sobre o rio e sua bacia,
principalmente por se tratar de uma intervenção de grande magnitude,
não só no processo natural do rio Camarajipe como em boa parte da
estrutura hídrica da cidade. Por bem, no decorrer da elaboração deste
trabalho, em meio a inúmeras pesquisas sobre o rio e a bacia hidrográfi-
ca, ficou claro que algumas informações deveriam conter a forma da
grafia antiga ou diferente da adotada nesse estudo. numa pesquisa com
a grafia utilizada no Plano de saneamento citado acima, foi encontrada
uma reportagem do jornal carioca o Correio da Manhã do ano de 1948,
contendo uma pequena nota sobre a contratação de máquinas para a
dragagem do leito do rio Camarajipe (figuras 32).
esse fragmento ajudou a suscitar a questão sobre a data da obra
de transferência de desembocadura sofrida no curso do Camarajipe.
Portanto, para este estudo, aceita-se que a intervenção urbanística que
alterou o curso natural do rio foi executada entre o final da década de
96
1940 e os primeiros anos da década de 1950. Já que a manchete da
reportagem é bem direta: “Um novo canal substituirá o leito do rio.”
afirma-se na nota que: “…sua dragagem tem a dupla finalida-
de de urbanizar e sanear um dos mais aprazíveis bairros da cidade
do salvador. virá depois a expansão, a valorização e loteamento de
suas terras.” este trecho vem reiterar a afirmação colocada anterior-
mente sobre direcionamento dos interesses econômicos nas priori-
dades urbanísticas com finalidade de valorizar o patrimônio dos
interessados, reiterando que, as questões econômicas sobrepõem-se
Fig. 32 RECORTEs DO PERióDiCO CORREiO DA MANHÃ DE 13 DE OUTUBRO DE 1948 COMUNiCANDO A liBERAÇÃO DOs sERViÇOs PARA DRAgAgEM DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: ACERVO DA FUNDAÇÃO BiBliOTECA NACiONAl EM BiBliOTECA NACiONAl DigiTAl BRAsil, HEMEROTECA DigiTAl BRAsilEiRA HTTP://MEMORiA.BN.BR/DOCREADER/DOCREADER.AsPX?BiB=089842_05&PAgFis=43822)
97
em detrimento de argumentos técnicos. observando grafia do nome
do rio, é possível compreender essa confusão quando, nesta nota da
edição de 13 de outubro de 1948, o Correio da Manhã apresenta três
formas diferentes o nome do rio, “Camorejipe”, “Camorogibe” e
“Camorogipe”.
Para efeito de esclarecimento, o trecho do antigo leito do
Camarajipe ainda permanece com fluxo, porém não recebe contri-
buição de volume a montante do ponto de desvio, mas de afluentes
ativos a jusante desse ponto. dessa forma, esse trecho não pode ser
considerado como um “braço morto” do Camarajipe, mas deve ser
tratado como um outro rio, como demonstrado nos mapas 10 e 11,
que ilustram as transformações na composição das bacias hidrográ-
ficas, assim como nos rios e córregos.
a partir da década de 1990, esse quadro tem outro revés
com a instalação da estação de captação em tempo seco no local do
desvio. essa captação teve o proposito de direcionar o volume de
estiagem para a estação de condicionamento prévio Parque Paulo
Jackson no lucaia, bairro do rio vermelho. refazendo o caminho
natural do rio por meio de tubulações.
ENTRE A ENCOsTA E O RiACHO: A APliCAÇÃO TARDiA DE iDEiAs URBANAs sUPERADAs
as grandes concentrações urbanas, e o impacto da industriali-
zação provocaram mudanças no perfil da sociedade da área rural
para urbana. em decorrência do desenvolvimento tecnológico, ocor-
reu uma grande concentração de problemas: aglomerados urbanos,
pobreza, violência, criminalidade, situações de riscos e degradação
ambiental, deficiência de serviços e infraestrutura, de saneamento e
de habitação. a história das cidades nada mais é que uma sucessão
98
de “camadas temporais”, resultado do acúmulo de percepções, senti-
dos sociais, econômicos e ambientais construídos.
ainda segundo Maricato (2000), as assim chamadas “décadas
perdidas”, os anos 1980 e 90, são definidas pela marcante concentra-
ção da pobreza na área urbana. a autora declara ainda que é justa-
mente nesse período que estão as origens da tragédia urbana brasi-
leira: enchentes, desmoronamentos, poluição dos recursos hídricos,
poluição do ar, impermeabilização da superfície do solo, desmata-
mento, congestionamento habitacional, retorno de epidemias, violên-
cia etc.
o Brasil também, ainda nos dias atuais, não difere do cenário
observado no que tange aos rios urbanos. a explosão demográfica,
os processos migratórios internos e externos, transformaram as pe-
quenas vilas em núcleos urbanos intensamente adensados devido ao
incremento dos pólos industriais. essas considerações podem ser
vistas como uma amostra dos debates e controvérsias que, de forma
reincidente, evocam as preocupações quanto ao processo de urbani-
zação, com cidades “tentaculares”, “difusas”, megacidades onde
emergem temas-problemas que merecem atenção no contexto
urbano.
acerca do processo de intensificação das grandes interven-
ções na cidade de salvador na segunda metade do século XX, for-
mando o aspecto da cidade “moderna”, Muñoz comenta:
O processo de modernização e expansão urbana que se
inicia nos anos 60 em Salvador, caracteriza-se pela emer-
gência de novos bairros, adaptação de infra-estrutura exis-
tente, substituição de volume edilício e implementação de
um novo sistema viário.
[...] as grandes transformações urbanas da década de
’60. A construção do sistema de avenidas proposto pelo
EPUCS (Escritório do Plano Urbano da Cidade do Salva-
dor), implementação tardia do Plano Urbano dos anos 40,
determinou alterações no tecido existente, modificações
nos padrões de uso do solo, reformulação das linhas de
transporte e, a partir destas, a criação de novos valores lo-
cacionais. (HERNÁNDEZ MUÑOZ,1999)
99
esse processo de transfromação urbana seguindo modelos ultra-
passados, não é exclusivo de salvador. de forma geral, é possível obser-
var que se a cidade altera dinamicamente a sua forma, sua ocupação é
resultado de constantes mudanças induzidas por condições econômicas,
sociais, políticas e demográficas - a decadência dos bairros centrais, a
ocupação difusa pelos arredores invadindo a antiga área rural e velhos
edifícios substituindo os novos (HoUGH, 1998, sarGolini, 2013).
embora a questão da ocupação do solo urbano contenha os
debates já conhecidos, na medida em que articula com superfícies im-
permeáveis, o sistema de drenagem que leva os excessos de água da
chuva para fora da superfície urbana, e principalmente a evidência de
que o ciclo hidrológico natural foi interrompido, resulta frequentemente
em inundações instantâneas e erosões. desse modo, Hough afirma que:
As inundações são causadas por grandes áreas de pavi-
mentação impermeáveis e pela concentração de correntes de
água em pontos específicos. Quanto maior a corrente que
provoca a tormenta, maior é o crescimento dos rios e a mag-
nitude da inundação. Ao contrário, quanto maior é o volume
de água que corre, menos passa para as águas subterrâneas
e para os riachos (HOUGH, 1998, p.39-41,).
Como bem assinala Mumford (1961), “o que caracteriza a cidade é
a sua complexidade social de propósitos”. o ambiente urbano tem se
reconfigurado e as mudanças surgem não só na paisagem física, mas
também na percepção das pessoas que ali habitam. o distanciamento
dos aspectos ambientais, a imersão na tecnologia cujos fins são econô-
micos desnaturalizam a relação do ser humano com o meio ambiente. o
ocultamento da paisagem natural afasta o habitante das cidades dos
processos naturais.
é essencial, portanto, entender a cidade como uma forma deriva-
da em primeiro lugar, da evolução geológica e biológica, que existe como
uma soma de processos naturais e que tem sido adaptada pelo homem, e
em segundo lugar, também é necessário perceber o desenvolvimento
histórico da cidade como uma sucessão de adaptações culturais, que se
100
refletem no plano da cidade e nos edifícios. nesse sentido, algumas adapta-
ções são boas e permanecem, outras não. aquelas que perduram fazem
parte do inventário de valores, outras vão sucumbir como adaptações
desafortunadas (MCHarG, 2000).
Para finalizar a primeira parte, no que se refere as transformações,
optou-se por expor uma linha do tempo (figura 33), localizando os momen-
tos principais tratados, que de maneira direta ou indireta influenciaram o
panorama atual da bacia hidrográfica e, consequentemente, o rio
Camarajipe (itens em vermelho).
1800
1810
1820
1830
1840
1850
1900
1950
2000
1860
1870
1880
1890
1910
1920
1930
1940
1960
1970
1980
1990
1852 • IMPLANTAÇÃO DA CIA. DE QUEIMADOS
1852 • INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DO
RESERVATÓRIO DA CRUZ DO COSME,
REPRESANDO O RIO QUEIMADOS AFLUENTE
DO CAMARAJIPE
1853 • CRIAÇÃO DA JUNTA DE HIGIENE
1855 • INÍCIO DO SURTO CÓLERA
1864 • PLANO DE ASSEIO DA CIDADE,
DIRETRIZES PARA DESCARTE E COLETA
DE RESÍDUOS
1899 • PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO D’ÁGUA
DO DIQUE DO TORORÓ, CONSTATAÇÃO
ATRAVÉS DE EXAMES E PESQUISA
1905 • CONTRATAÇÃO DO ENG.
THEODORO SAMPAIO PARA AMPLIAÇÃO
DE REDE DE ABASTECIMENTO E
IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTO
1943 • INSTALAÇÃO DO EPUCS
1992 • IMPLANTAÇÃO DA ESTAÇÃO DE
CAPTAÇÃO EM TEMPO SECO
DÉCADA 1980 • REPRESA DE MATA ESCURA
DESATIVADA PARA ABASTECIMENTO
PÚBLICO DE ÁGUA, COMPROMETIMENTO DA
QUALIDADE DE SUA ÁGUA
* INÍCIO DA DÉCADA
**FINAL DA DÉCADA DE 1940 E INÍCIO DA DÉCADA 1950
1831 • PUBLICAÇÃO DO CÓDIGO DE POSTURAS,
TRANSMITIR CONCEITOS DE HIGIENIZAÇÃO
1850*/1870* • INTERVENÇÃO NA RUA DA
VALA, CANALIZAÇÃO DO RIO DAS TRIPAS
PRINCIPAL AFLUENTE DO RIO CAMARAJIPE
1880* • LIGAÇÃO DA REPRESA DE MATA
ESCURA AO SISTEMA DE
ABASTECIMENTO. REPRESAMENTO DO
RIO CAMARAJIPE. AMPLIAÇÕES ATÉ 1900*
1933 • DEMOLIÇÃO DA IGREJA DA SÉ
1935 • SEMANA DE URBANISMO
1950** • INÍCIO DAS OBRAS DE
REDIRECIONAMENTO DO RIO CAMARAJIPE,
INVERSÃO DE UM AFLUENTE E SURGIMENTO
DO CANAL CAMARAJIPE SOBRE ANTIGO
LEITO DO CÓRREGO CHEGA NEGRO
1925 • ENG. SATURNINO DE BRITO PROJETA A
EXPANSÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO
DE ÁGUA E REDE DE ESGOTO
Fig. 33 liNHA DO TEMPO DEliMiTANDO Os MOMENTOs qUE FORMARAM O PANORAMA ATUAl DA BACiA HiDROgRÁFiCA E O RiO CAMARAjiPE
101
PARTE 2 [LIMITE]
“COMO As CiDADEs HABiTAM Os RiOs?” - CONCEiTOs E PROCEssOs DE REsTAURAÇÃO DE UM RiO URBANO
a questão colocada no primeiro capítulo da publicação Rios e paisa-
gens urbanas, organizada por lucia Costa (2006, p. 10), acerca dos conflitos
entre os processos fluviais e os de urbanização, é o eixo conceitual utilizado
nesta parte do presente capítulo. abordando como a cidade de salvador tem
habitado o seu rio mais significativo - o rio Camarajipe, que delimita os espa-
ços entre a antiga ocupação urbana e os novos tecidos. Para entender as
alterações no seu traçado, foi necessário compreender como as ideias que
vinham de outras experiências de rios urbanos influenciaram essas interven-
ções e qual a relação dessas com o crescimento da ocupação urbana. o
descompasso entre as ações de planejamento e o acelerado processo de
urbanização das cidades resultaram, em muitos casos, em um elevado com-
prometimento ambiental dos territórios ocupados, como demonstrado na
imagem 34.
Fig. 34 TiPOlOgiA DE OCUPAÇÃO NO lEiTO DO CAMARAjiPE, BAiRRO DO RETiRO (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2013)
102
o rio que desagua no mar, na praia de armação, que a popu-
lação já nem sabe mais se é mesmo um rio ou um canal de esgoto,
tal o seu nível de degradação, - cheiro fétido, inexpressividade como
elemento estruturador da paisagem, - só é protagonista nas man-
chetes dos jornais na estação chuvosa, quando suas águas transbor-
dam e inundam as vias públicas, por vezes impedindo a circulação
de veículos e pedestres.
Contudo essa situação não é exclusividade de salvador, pode
ser considerada como regra nas metrópoles brasileiras. Como pon-
dera Costa (2006), “ a relação de intimidade entre rios e cidades
brasileiras, entretanto, não tem se dado sem conflitos”, pois o que se
vê são suas margens tomadas por habitações informais, transforma-
das em recipientes de lixo e esgoto doméstico e industrial. as en-
chentes periódicas têm sido a reação ao descaso, ao aprisionamen-
to, ocultamento e, principalmente, a ocupação das várzeas.
esse cenário transcende fronteiras e nacionalidade, estando
vinculado ao padrão de desenvolvimento urbano conjuntamente ao
nível de desenvolvimento social. em todo mundo modelos e projetos
para reaproximação dos rios com as cidades, nas quais representam
elementos estruturadores da paisagem, têm sido propostos e alguns
são efetivamente realizados. no entanto, nas cidade brasileiras, em
sua maioria, persiste o descaso.
se o rio Camarajipe foi relegado a um curso d´água inexpres-
sivo e sem identidade na paisagem próximo da sua foz, esse cenário
é diverso se o considerarmos em toda a sua extensão, pois próximo
à nascente, ainda é possível observar meandros, densa vegetação
riparia, edificações unifamiliar margeando o estreito córrego e, em
algumas áreas, conjuntos significativos de vegetação de grande
porte que servem de sombra para pessoas que se utilizam para o
ócio ou lazer.
103
Talvez nesses lugares seja possível pensar em restauração de
um rio urbano e permitir que a cidade possa habitá-lo!
Para alcançar um dos objetivos específicos, que é direcionar
o planejamento para a restauração de um rio urbano, é preciso
considerar as noções e ideias que permeiam o conceito ou termo
“restauração”.
alguns termos têm sido adotados para designar as ações em
rios urbanos. Cabe ressaltar que, na literatura sobre o assunto en-
contram-se vários termos para designar o processo de tornar os
cursos d´água mais saudáveis, promovendo quase sempre, ainda
que de forma parcial, sua integração à paisagem urbana.
os termos reabilitação, recuperação, revitalização e
restauração, advindos seja do próprio urbanismo, ou de outras
áreas do conhecimento, são unânimes em identificar a inclusão
do tempo no espaço. isto é, tentar recuperar ou reaver o esta-
do original, recuperando, por meio de documentos e registros
fotográficos, o traçado primevo e de tecnologias à despoluição
de suas águas.
essas terminologias oriundas das diversas cartas (de atenas,
de veneza, de lisboa, do rio) orientavam as ações para intervir no
espaço construído, combinando-se aos conceitos que ”foram trans-
portados de um campo de conhecimento para outro”
(vasConCellos e Mello, 2006).
Quando as intervenções nos rios urbanos surgem, também
há essa mistura de conceitos, mas o que está sendo considerado é a
restauração com o objetivo de tornar o ambiente alterado próximo
das condições originais.
104
Portanto, a apropriação do termo e do conceito aqui utiliza-
dos está sendo o definido por a. riley, na publicação “restoring
streams in cities: a guide for planners, policymakers, and citizens”
(1998). Para a autora, o uso da palavra restauração, no que tange aos
rios urbanos, é de forma simplificada : “a alteração de sua largura,
profundidade ou meandro para ajudar a restaurar o equilíbrio entre a
carga de sedimentos que o rio carrega e a velocidade que seu fluxo
precisa para transportar através do sistema” (riley, 1998, p.29).
a autora afirma que a restauração tambem é “a construção
de pequenas estruturas para escoadouro na parte superior da bacia
hidrográfica para controlar a erosão instável a montante. além de
continuar declarando o que é e o que não é restauração”(idem),
riley indica alguns “ganchos” ou motivos que podem ser usados
para envolver as comunidades nos projetos de restauração de um
rio, tais como: revegetação, construção de trilhas ou projetos de uso
do solo, ou parques de recreação.
Como visto no início do presente capítulo, os projetos de
engenharia ou buscavam alternativas para “corrigir” o traçado dos
rios com a finalidade de proteger a população do entorno das cons-
tantes inundações, ou eram projetos que, por meio de intervenções,
ganhavam espaço às margens dos rios para o alargamento de vias
para dar vazão ao fluxo de tráfego de veículos.
desse modo, as antigas concepções de planejamento que
viam nos rios apenas corredores de saneamento foram paulatina-
mente sendo substituídas por projetos com vistas a uma maior
valorização ambiental e social dos rios urbanos (BriTTo;
CosTa,2006).
os planos ordenadores que buscavam minimizar os danos
sofridos pela população com as enchentes e epidemias com obras
105
de engenharia, cuja finalidade era retificar e canalizar, faziam com que
o “desaparecimento” de alguns desses rios se transformasse em
sistema de drenagem subterrâneo (BriTTo, 2006, riley, 1998).
spirn (1984) revela que a existência dos riachos, ribeirões e
rios que foram “banidos do mapa das cidades contemporâneas,
sepultados e esquecidos, velhos rios” ainda percorrem a cidade nos
canais subterrâneos, mas que “seu murmúrio abafado” vem à tona nos
dias chuvosos. “eles são invisíveis, mas seu poder se manifesta em
plena tempestade”, quando transbordam em intensidade e afloram à
superfície. essa descrição feita por spirn ocorre em inúmeras cidades
pelo mundo, podendo ser verificada na bacia hidrográfica em estudo,
no caso do rio Campinas um dos afluentes do Camarajipe (figuras 35,
36 e 37).
os autores são unânimes em apontar os seguintes fatores que
causam danos aos rios: o desaparecimento de espécies da flora e da
Fig. 35 RETiFiCAÇÃO DO RiO CAMPiNAs, UM DOs PRiNCiPAis AFlUENTEs DO RiO CAMARAjiPE. OBRAs DE CONsTRUÇÃO DA AV. MARiO lEAl FERREiRA E MElHORiAs sANiTÁRiAs PARA sANAR PROBlEMAs COMO ENCHENTEs (FONTE: ACERVO PMs/FgM)
106
Fig. 36 ENCAPsUlAMENTO DO RiO CAMPiNAs PARA CORREDOR EXPREssO DE ôNiBUs EM 1988 (FONTE: FOTógRAFO lÁZARO TORREs, ACERVO PMs/FgM)
Fig. 37 EsTADO ATUAl DO RiO CAMPiNAs, ENCAPsUlADO E sOBRE A COBERTURA qUE COBRE O lEiTO ÁREA DEsTiNADA A lAZER. EsTRUTURAs DE sUPORTE DA liNHA DO METRô ACOMPANHA TODO O sEU CURsO.(FONTE: PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014.)
107
fauna, a contaminação, o ocultamento da paisagem natural, a altera-
ção do canal original que o danifica ecologicamente, a drenagem de
áreas alagadas, que elimina o componente chave dos ecossistemas
aquáticos, o desmatamento do solo que inibe a recarga natural dos
aquíferos, a introdução de espécies exóticas, que elimina as nativas e
altera os ciclos de nutrientes e os ciclos biológicos com a perda da
biodiversidade natural e estoques genéticos (HoUGH, 1998;
TUndisi, 2003).
no entanto, é preciso lembrar ainda que, dentre esses danos,
o que precariza a vitalidade dos cursos d’água e dos ecossistemas
fluviais urbanos são as condições da ocupação desordenada, muitas
vezes rápida e intensa. a falta de abastecimento de água, de servi-
ços sanitários e de limpeza pública que ocorreu nas cidades, ocasio-
nou várias epidemias, como febre tifoide, cólera, febre amarela,
varíola, entre outras.
as obras e soluções de engenharia para controlar os riscos
de inundações e erosões, aplicadas desde 1930, consistiam basica-
mente em retificar o rio, abolindo os meandros, canalizando e colo-
cando-o em galerias, desobstruindo a vegetação das margens. esse
conjunto de ações direcionadas aos rios foi objeto de protestos na
década de 1960, no entanto, esses conflitos ainda permanecem
(riley, 1998).
a partir da década de 1960, começou a surgir, em cidades da
europa e dos estados Unidos, uma preocupação crescente com a
poluição dos rios. a degradação dos cursos d’água no meio urbano
ocasionou impactos ambientais, tais como enchentes, epidemias,
comprometimento dos mananciais adequados para prover a popula-
ção nas cidades, acrescentando a todos esses elementos de risco, o
empobrecimento da paisagem fluvial (GorsKi, 2010).
108
o modelo de ocupação urbana, o crescimento das metrópo-
les, a visão dos rios como “corredores de saneamento”, vias de
drenagem (figura 38), ações de caráter imediatista para conter as
enchentes, eliminação dos meandros e comprometimento da quali-
dade das águas, têm ocasionado um cenário conflituoso entre a
cidade e os rios. Como argumenta Hough (1998) sobre o projeto de
recuperação do rio don, no Canadá:
[...] a água de chuva está acompanhada por extremos
de inundação e baixo fluxo. As velocidades de descarga
são também mais altas que em condições normais. [...]
As soluções tomadas rio abaixo, para problemas causa-
dos rio acima, são cada vez mais difíceis e custosas
(grandes esgotos/alvenarias, proteção das planícies ur-
banizadas de inundação, e o alisamento e estabilização
das margens da corrente) (HOUGH, 1998, p.39-41).
a recuperação de rios como o sena, o Tâmisa e o don são
casos de estudos nos quais se revela a importância dessa reaproxi-
mação. esses rios eram vistos antes como natureza enclausurada,
Fig. 38 TÍPiCA sOlUÇÃO DE ENgENHARiA PARA CONTER iNUNDAÇÕEs, COMO TAMBéM PROPiCiAR “EqUilÍBRiO” PARA A OCUPAÇÃO URBANA sUBsEqUENTE. iNTERVENÇÃO NO RiO CAMARARAjiPE PARA RETiFiCAÇÃO E CONsTRUÇÃO DE PONTEs. (FONTE: ACERVO DN/FgM, AV. ANTôNiO CARlOs MAgAlHÃEs - PONTE DO DETRAN. 24/04/1975)
109
retificada, canalizada, desprovida de seu habitat natural, de sua
dinâmica, dos meandros, das plantas que margeiam e retem sedi-
mentos, rios quase mortos.
siTUAÇÕEs E MOTiVAÇÕEs PARA REsTAURAÇÃO DE UM RiO URBANO
as práticas de restauração para com os rios urbanos são
apresentadas a partir de determinados motivos e situações específi-
cas, tais como controle de enchentes não debeladas pelas interven-
ções de retificação e canalização, recuperação de várzeas, enquanto
áreas de descarga das cheias pluviométricas; qualidade das águas;
restauração do ecossistema; recomposição paisagística e
recreacional.
Como comentado na introdução, os conceitos de ann l. riley
sobre restauro de cursos d’água em cidades serviram como referên-
cia para esse estudo, no que se refere, ao procedimento adequado
para resgate de uma paisagem fluvial em meio urbano.
Compreendendo o posicionamento extremo de riley sobre o que é
restauro de um rio, conforme o estudo e publicação: restoring
streams in Cities (1998), esse conceito peremptório refere-se ao
restabelecimento integral das características físicas originais do
curso d’água sujeito ao restauro. a utilização do seu guia (21), tornou
nítida a impossibilidade de desassociar o rio de sua bacia hidrográfi-
ca, seja como objeto de planejamento, bem como para estudo e
pesquisa.
riley (1998) aponta três situações que podem tornar um rio
“saudável” do ponto de vista ambiental: regulação do uso do solo
para prevenir erosão, conciliando o rio com a estrutura existente; uso
110
de tecnologias apropriadas para proteger o rio; remover os revesti-
mentos que comprometem o fluxo das águas e despoluição. Para tal,
a autora reitera que é importante a interação com profissionais de
diversas áreas, com diferentes perspectivas e práticas: planejadores,
engenheiros hidraulicos, biólogos, geólogos, entre outros.
Contudo, riley afirma que o conceito de restauração de
cursos d’água, diferente do que muitos pensam, não está relaciona-
do com a despoluição das águas. apesar da qualidade da água ser
de extrema importância na vitalidade do rio, ela relaciona a restaura-
ção de rios com “trazer de volta” os atributos físicos para um estado
original do curso d`água, ou mais próximo disso. ela sustenta que, se
os atributos forem restaurados, ou seja, desenterrar os que se en-
contram encapsulados no subsolo, remover as retificações, calhas de
concreto, devolver seus meandros, restituir sua vegetação de borda,
é provável que a qualidade das águas melhorem.
o Manual de Técnicas de restauração de rios (2012), publi-
cado pelo Centro de recuperação de rios, da inglaterra, aponta os
seguintes benefícios ambientais e sociais para o espaço urbano,
entre eles: espaços verdes, parques, promover a capacidade de
escoamento das cheias nas várzeas para reduzir os riscos de en-
chentes, recomposição da biodiversidade; locais de transporte
alternativo nas margens: ciclovia e passeios para pedestres; melhoria
da qualidade da água; revigorar a área para atrair investimentos etc.
Para riley (1998), é necessário conhecer a dinâmica do rio a
ser restaurado e só então aplicar as informações da melhor forma.
ela acrescenta ainda que o princípio básico usado inicialmente é :
111
Determinar a margem ideal do canal com relação à lar-gura e profundidade;
Determinar o declive da várzea e o grau de declividade do canal do rio;
Determinar se o rio está no início, médio ou fim do ciclo de maior ajustamento da urbanização;
Selecionar os trechos de aferição (realizado no trabalho de campo);
Recolher os dados do rio nas áreas urbanizadas e que aparentam ser possível restabelecer condições de equi-
líbrio (RILEY,1998,p.154).
Com base nas indicações da autora, a prática da restauração
requer considerações que indiquem o processo “histórico” das
intervenções no rio, a formação natural, a ocupação humana e,
fundamentalmente, antes de propor um projeto de restauração de
um rio, é fundamental “familiarizar-se” com os problemas físicos da
bacia hidrográfica. sobre esse levantamento “histórico” da bacia e
do rio, ela aconselha:
Mapas topográficos e fotografias aéreas são ferra-
mentas essenciais para projetos de restauração de cur-
sos d’água urbanos. Mapas históricos de topografias as-
sim como fotografias históricas, desenhos de mapas
antigos, podem fornecer informações importantes de
como a bacia hidrográfica e os cursos d’água eram antes
dos impactos da urbanização. Estes mapas históricos
podem mostrar, por exemplo, que o que agora é um leito
era na verdade uma baixada com um brejo alagado, pos-
suindo ao mesmo tempo um fluxo. […] Apesar desses
mapas representarem momentos passados cujos fluxos
geralmente não podem ser reproduzidos em áreas urba-
nas do presente, eles podem nos fornecer um caminho
para os objetivos da restauração (RILEY,1998,p.119).
112
A BACiA HiDROgRAFiCA URBANA NA PERsPECTiVA DA REsTAURAÇÃO DE UM RiO
[...] não podemos diagnosticar o curso d’ água para pres-
crever um antídoto, sem compreender quais partes da bacia
hidrográfica estão contribuindo para o problema
(RILEY,1998,p.117).
riley (1998) destaca que a bacia hidrográfica deve ser definida
como uma unidade de planejamento que inclui rio acima e abaixo, várzea,
terrenos altos e baixos, platôs, vales, pântanos, rios, afluentes, meio am-
biente ripário, entre outros. a relação entre as características ecológicas e
geomorfológicas que permitirá uma avaliação para o desenvolvimento de
um plano de gestão desses recursos naturais.
a instabilidade do traçado urbano em expansão e a heterogenei-
dade das características dos rios urbanos necessitam de rearranjos cons-
tantes para estabelecer os processos urbanos e naturais. nessa direção,
uma base ecológica para a estrutura urbana deve reafirmar a importância
da bacia hidrográfica mediante o conhecimento da função do ciclo hidro-
lógico para a alcançar resposta para os problemas de restauração dos
cursos d’água, além revelar a paisagem cultural da cidade.
as bacias apresentam diferentes problemas e soluções, tais como
poluição, redução de riscos de inundação, erosão, restauração ecológica,
recuperação e proteção da flora e da fauna. Conjuntamente, um plano
abrangente para a bacia hidrográfica deve responder às necessidades
econômicas e socias da comunidade associadas a uma abordagem ecoló-
gica, principalmente quando se trata de bacias em áreas urbanas.
segundo riley (1998), os projetos de restauração de rios estão
diretamente associados com a gestão das bacias hidrográficas (proteção,
controle de erosão, plantio de árvores, controle hídrico, monitoramento de
todos cursos d’água entre outros). isto é, deve haver um conhecimento
prévio da história da bacia, como proceder na preservação do seus recur-
sos naturais, o entendimento da ocupação urbana, assim como a compre-
ensão da rede de drenagem e do sistema de esgotamento sanitário.
Conhecendo, interagindo e propondo ações para mitigar os danos, é
possível integrar o rio na paisagem urbana.
113
os impactos sobre os ciclos hidrológicos acarretam a elevação dos
investimento a cada ano, ocasionado principalmente pelo incremento do
consumo, e consequentemente, o aumento da distância dos mananciais de
água “limpa” capaz de suprir o acréscimo na demanda.
outra questão é sobre o comprometimento da qualidade das águas.
se a bacia hidrográfica está quase completamente urbanizada, como é o
caso da bacia hidrográfica do Camarajipe, o principal rio e seus afluentes
estão sujeitos a diversas fontes de contaminação. vale ressaltar que na
bacia em questão encontram-se 27% dos domícilios da cidade de salvador
(sanTos et al, 2010) (figura 39).
Com base nesses aspectos, McHarg foi pioneiro na aplicação do
conceito de planejamento ambiental com vistas à bacia hidrográfica.
Utilizando o método de planejamento ecológico na bacia hidrográfica do rio
Potomac, em Maryland, estados Unidos, ele formulou um amplo exemplo
com princípios e objetivos. seguindo as etapas básicas, ele inventariou:
geologia; fisiografia; hidrologia; solo; flora e fauna; recursos culturais, mine-
rais, hídricos e uso do solo. o escopo do seu método permitiu analisar quais
recursos poderiam ajudar a determinar ou eliminar diferentes usos do solo,
a incompatibilidade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas
consequências.
somente a partir da década de 1960 é que os urbanistas vão intensi-
ficar soluções abordando a bacia hidrográfica como unidade de planeja-
mento, considerando a relação dos processos naturais com a dinâmica
urbana. sobre as enchentes que ocorrem nas cidades brasileiras, o que se
observa é:
As enchentes ampliadas pela urbanização, em geral, ocorrem
em bacias de pequeno porte, de alguns quilômetros quadrados.
Nas grandes bacias, existe o efeito da combinação da drenagem
dos vários canais de macrodrenagem, que são influenciados pela
distribuição temporal e espacial das precipitações máximas. A ten-
dência da urbanização é de ocorrer no sentido de jusante para
montante, na macrodrenagem urbana, devido às características de
relevo. Quando um loteamento é projetado, os municípios exigem
apenas que o projeto de esgotos pluviais seja eficiente no sentido
de drenar a água do loteamento. Quando o poder público não con-
trola essa urbanização ou não amplia a capacidade da macrodre-
nagem, a ocorrência das enchentes aumenta, com perdas sociais e
econômicas. Normalmente, o impacto do aumento da vazão máxi-
ma sobre o restante da bacia não é avaliado pelo projetista ou
114
exigido pelo município. A combinação do impacto dos diferen-
tes loteamentos produz aumento da ocorrência de enchentes
a jusante. Esse processo ocorre através da sobrecarga da dre-
nagem secundária (condutos) sobre a macrodrenagem (ria-
chos e canais) que atravessa as cidades. As áreas mais afeta-
das, devido à construção das novas habitações a montante,
são as mais antigas, localizadas a jusante. As consequências
dessa falta de planejamento e regulamentação são sentidas
em, praticamente, todas as cidades de médio e grande porte
do país. Depois que o espaço está todo ocupado, as soluções
disponíveis são extremamente caras, tais como canalizações,
diques com bombeamentos, reversões e barragens, entre ou-
tras. (TUCCI,1995,p.16-36)
existe uma tendência evidente do desenvolvimento urbano de
contaminar a rede de escoamento superficial com despejos de esgo-
tos cloacais e pluviais, de forma a inviabilizar o manancial, exigindo
novos projetos de captação em áreas mais distantes, não contamina-
das, ou o uso de tratamento de água e esgoto mais intensivo, o que
envolve custos maiores (TUCCi, 1993).
no entanto, o processo crescente de urbanização nas cidades
levou a uma série de estratégias inovadoras para controlar os riscos e
danos causados pelas inundações.
Fig. 39 AlTO ÍNDiCE DE URBANiZAÇÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA E NAs MARgENs DO RiO CAMARAjiPE(FONTE: EsTA FOTOgRAFiA FOi PRODUZiDA PElO PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014)
115
a proposta de criar parques nas margens dos rios tem servido a
múltiplos propósitos e estratégias endereçadas à restauração ambiental,
à recuperação dos valores sociais dos rios e ao fornecimento da infraes-
trutura urbana considerando os recursos sociais e ambientais
(CosTa,2010).
a ideia é manter sempre as várzeas livres para possíveis inunda-
ções sazonais, onde o solo poderia absorver a água sem causar maiores
danos. Considerando que o rio e as várzeas são uma unidade, as áreas
baixas a serem alagadas permitirão ao rio mover-se, adaptando-se aos
meandros e depositando os sedimentos (sPirn,1984).
em uma abordagem convergente entre projetos de restauração
de rios, o conhecimento e gestão da bacia hidrográfica impulsiona uma
aproximação estratégica para o desenvolvimento de uma proposta de
planejamento com o propósito de reestruturar os processos e valores
ambientais na paisagem urbana.
o conceito de bacia hidrográfica como unidade de planejamento
teve mais reverberação entre os envolvidos nas questões urbanas no
Brasil a partir de década de 1990 (Cunha e Coelho,2003 apud
Costa,2010) a lei federal 9433/97 que dispõe sobre o gerenciamento de
recursos Hidrícos elege, entre outros itens, a bacia hidrográfica como
unidade de gestão e institui os comitês de bacias hidrográficas.
as dificuldades de reconciliação da cidades com seus rios encon-
tra obstáculos na múltipla gama de interesses presentes na complexida-
de do sistema de bacias hidrográficas urbanas. esses interesses não
envolvem apenas as questões relativas à restauração das características
físicas rios, mas também dos sistemas de drenagem, conservação das
nascentes, períodicidade e volume das enchentes, nível de poluição das
águas, uso do solo nas proximidades dos cursos d’água, recuperação da
116
vegetação e, essencialmente, reaproximação dos processos naturais aos
habitantes com a finalidade de melhorar a qualidade de vida nas
cidades.
Muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje são de tal complexidade que exige a máxima dedicação e esfor-ço para reunir os dados necessários, analisarmos para então fornecer soluções. Felizmente, existem outros problemas nos quais um mínimo de percepção pode produzir resulta-dos surpreendentes. Se aceitarmos a máxima de que a natu-reza é o cenário das nossas vidas sendo indispensável o mí-nimo conhecimento dos seus processos para sobreviver, ou até mais, para existir, gozar de boa saúde e desfrutar disso, ficaríamos surpreso ao descobrir que muitos problemas apa-rentemente complicados têm soluções simples (McHARG, 2000, p.07).
a carência de um ambiente fluvial adequado nas metrópoles
brasileiras nesse início do século XXi é um fato observável. entretanto,
também é perceptível, nesse aspecto de escassez, uma situação de
limite, no que concerne a fragilidade da condição urbana, tanto nos
aspectos climáticos, como os relacionados a saúde física e mental de
parcela considerável dos habitantes. nesse panorama a adequação da
estrutura urbana, no sentido de equalizar, a relação entre processos
naturais e urbanos se faz necessária. a valorização dos aspectos hídri-
cos nos grandes centros, além de acrescer mais amenidades ambientais,
também é capaz de favorecer o fortalecimento de características resi-
lientes em meio urbano.
117
CaPíTUlo 02
MÉTODO ECOLÓGICO
Tamponamento do rio Campinas na Av. Mario Leal Ferreira, Bonocô (Fonte: acervo FGM/PMS, data 09/09/1988, fotógrafo: Lázaro Torres)
118
Em Design With Nature, McHarg escreveu um dos
manifestos mais sutis sobre como a cultura e natureza
poderiam coexistir (Rem Koolhaas, 2014, p. 62).
o presente capítulo busca delinear as bases do método
aplicado ao planejamento ecológico desenvolvido pelo arquiteto
escocês ian McHarg, professor do departamento de arquitetura da
Paisagem, na Universidade da Pensilvânia, estados unidos. na déca-
da de 1960, os conceitos adotados pelo autor de design With
nature, publicado em 1969, foram temas das aulas e, portanto,
formataram as bases teóricas do seu método, bem como os projetos
desenvolvidos pelo seu escritório de arquitetura Wallace, McHarg,
roberts e Todd (WMrT) 21 que era onde ele aplicava suas ideias no
âmbito do planejamento ecológico regional.
inicialmente, apresentam-se os conceitos que resultaram na
articulação entre ecologia e urbanismo, possibilitando a noção de
um planejamento ecológico de determinado território. e na sequên-
cia, uma justificativa para a escolha do método a ser aplicado em
uma bacia hidrográfica urbana, buscando o entendimento dos con-
ceitos e categorias de análise do lugar: processos e valores sociais e
ambientais considerados pelo autor. além disso, foram confrontados
outros autores que utilizaram o método proposto por McHarg em
projetos, bem como o legado, as críticas e limitações.
a partir das considerações, com ressalvas e esclarecimentos,
foram destacadas as possibilidades de se usar o método em uma
bacia hidrográfica urbana. Também foram eleitas algumas ações
[21] escritório formado no ano de 1963 por quatro membros do corpo docente da Universidade da Pensilvânia, foram incentivados a usar parte do tempo com consultoria afim de ensinar os estudantes a partir de experiências praticas. (roberts, W et al, The founding four and our multidisciplinary roots. em: http://www.wrtdesign.com/offsite/117, acessado em 07/08/2014)
119
apropriadas para a sua aplicação e que perpassam a metodologia
desta dissertação. dito de outro modo, pretendeu-se considerar o
que na introdução é explicitado como requisitos metodológicos, a
fim de analisar, adequar e validar o método ecológico aplicado ao
objeto dessa pesquisa.
CONTEXTO HisTóRiCO E CONCEiTO TEóRiCO
as ideias que nortearam o delineamento do método ecológi-
co abordado neste capítulo resultaram de estudos que evidenciavam
a convergência dos pontos de vista de especialistas de todas as
ciências e humanidades para a integração do homem com a nature-
za. Um conjunto de publicações da década de sessenta apresentava
conceitos e definições sobre os desequilíbrios e transtornos causa-
dos pelo ser humano na paisagem, e muitos desses trabalhos investi-
gativos buscavam a aplicabilidade para a resolução de problemas
ambientais. a confluência dessas visões sobre o ambiente natural
mostrava as múltiplas compreensões e interpretações sobre a bioge-
ografia, com ênfase no estudo da sociedade humana.
Cabe sublinhar que as emergentes das críticas ambientalistas
eram direcionadas ao modelo capitalista de desenvolvimento, o qual
se assentava no paradigma do crescimento econômico ilimitado e no
progresso tecnológico.
o título desse capitulo considera o termo método ecológico
como sendo a metodologia de análise aplicada ao planejamento,
definida e conceitualizada pelo arquiteto ian McHarg no seu livro
Design With Nature, publicado em 1969. nesse livro, o autor buscava
evidenciar a conflituosa relação entre o homem e a natureza, e como
a paisagem natural poderia indicar as diretrizes para o planejamento
no qual os valores sociais e ambientais estivessem integrados.
120
o reconhecimento de que os recursos naturais e o espaço
vital do ambiente são questões interrelacionadas representou uma
“postura revolucionária” histórica na primeira metade do século XX,
no qual o dilema população e poluição não poderia ser solucionado
somente pela tecnologia. acrescente-se o impacto causado pela
industrialização no século XiX, pela crise econômica de 2922, pelo
uso da tecnologia para fins bélicos e as modificações geopolíticas
que ocorreram depois da segunda Guerra Mundial.
a emergência dessas preocupações, além do uso indiscrimi-
nado dos recursos naturais, a aplicação das tecnologias com pouco
conhecimento dos prejuízos futuros e a ameaça de destruição do
ambiente natural provocada pelo ser humano, resultaram em estu-
dos e publicações. dentre elas: Silent Spring(1962), de rachel
Carson que denunciou o uso do ddT como responsável pela extin-
ção dos pássaros em Cape Cod/Usa, a publicação do a Sand
County Almanac, de aldo leopold(1949), considerado pioneiro das
ideias conservacionistas, entre outras, e, vale ressaltar ainda, o
Appalachian Trail: a Project in Regional Planning, de Benton Mackey,
em 1925 (lUCCarelli,1997).
nesse sentido, a abordagem ecológica passou a ser um
modelo para entender o impacto do homem na paisagem e uma
proposição de possíveis diretrizes para os efeitos problemáticos da
industrialização, do esvaziamento do mundo rural e da expansão das
cidades. vale salientar que a denominação método ecológico já
estava sendo adotada por eugene odum, na sua publicação
Fundamentos da Ecologia (1953), para abordar as disciplinas que
buscavam entender a ecologia humana aplicada.
[22] Quebra da bolsa de nova york em 1929, primeira grande crise do sistema capitalista. início do período chamado pelos americanos de a “grande depressão”.
121
Tais publicações e estudos refletiam e representavam o
ideário dos novos movimentos sociais no final das décadas de 60 e
70, que culminaram com o surgimento de uma consciência ecológica
e ambiental, cujo foco era a proteção e conservação dos espaços e
recursos naturais. esses movimentos não deixam de ser relacionados
e por trás deles existiam certas ideias em comum, como o cresci-
mento das metrópoles, a migração do campo, o estudo social das
regiões, as mudanças sociais e políticas ocasionadas pela economia
de mercado, a degradação do meio ambiente, a necessidade de
restabelecer o equilíbrio entre a natureza e o ser humano.
a heterogeneidade desses questionamentos e possíveis
interpretações apontam particularmente para o esgotamento de um
modelo social vigente que trazia questões múltiplas, mas também
buscavam respostas pragmáticas para as condições da modernida-
de. a contribuição efetiva da escola de sociologia urbana de Chicago
e as teorias de lewis Mumford, ambas influenciadas pelas ideias de
Patrick Geddes, vão se constituir no arcabouço do movimento para
repensar a complexidade tanto do ambiente urbano quanto rural.
segundo Turner(1996), l. Mumford era influenciado e seguia
os conceitos tratados por Patrick Geddes e identificava no livro de
McHarg, desdobramentos das ideias de Geddes expostas na publica-
ção Cities in Evolution(1915). Mumford como autor do prefácio do
livro de McHarg elogia os “fundamentos empíricos do método ecoló-
gico” presente em Design With Nature(1969).
assim, nos estudos do sociólogo e jornalista lewis Mumford
estão as bases dos conceitos de regionalismo ecológico que tam-
bém vão influenciar McHarg sobre o entendimento da paisagem
enquanto sistema ecológico, no qual geologia, topografia, aquíferos,
uso do solo, vegetação, vida selvagem e clima são decisivos para o
planejamento. Mumford introduz uma nova maneira de olhar o
122
ambiente, integrando conceitos de conservação ambiental, sociolo-
gia, paisagismo, urbanização e economia. Para o autor, o regionalis-
mo é um princípio que une três ideias: a adaptação das novas tecno-
logias para a proposta de restaurar o ambiente natural; o
organicismo, que seria restaurar a influência da natureza na cultura,
através da literatura, arquitetura e ambiente construído; e a comuni-
dade - isto é, a recuperação em escala humana disposta em uma
ordem social (lUCCarelli,1977).
influenciado pela visão do planejamento regional de Patrick
Geddes, Mumford define o conceito de regionalismo ecológico como
a estrutura social e política atrelada aos fatores ambientais e cultu-
rais de uma determinada região, como forma de preservar os valores
sociais com a aplicação de novas tecnologias-neotécnicas para
recuperar o ambiente natural. essas foram as diretrizes específicas
que nortearam o projeto de McHarg para a Bacia Hidrográfica do rio
Potomac, em Maryland, nos estados Unidos (lUCarelli,1977).
no âmbito científico, os conceitos tratados pelo biólogo e
geógrafo escocês Patrick Geddes, no seu livro Cidades em evolução
(Cities in Evolution), publicado em 1915, foram fundamentais para
ampliar e conceber a unidade da cidade e da região como princípio
básico para o planejamento. Precursor do planejamento regional, ele
propunha uma maior integração das pessoas, comércio e uso da
terra com base no equilíbrio ecológico. Para ele, a expansão desor-
denada das áreas urbanas – conurbação (termo criado por Geddes)
poderia desequilibrar a vida nas áreas rurais. apesar da diversidade
das ideias em seu aspecto inovador para a época, a noção de regio-
nalismo de Geddes vai influenciar as ideias de lewis Mumford e,
consequentemente, de ian McHarg.
123
Geddes propõe um “levantamento das Cidades”, isto é, a
identificação de diversos aspectos: geográfico, econômico, antropo-
lógico, histórico, demográfico e eugênico - “a cidade como um todo”.
seus conceitos foram apresentados na Mostra de Planejamento
Urbano de 1911 -que incluía a Mostra de edimburgo de 1910- Cities and
Town-Planning exhibition (Geddes, 1994, Hall, 2011).
serão essas abordagens “ecológicas” que irão caracterizar o
inventário ecológico proposto por McHarg para o planejamento regio-
nal. o que se buscava, como propõe Mumford (1961) no que concerne
ao regionalismo ecológico, era uma visão orgânica que pudesse avivar
a cultura contra “as soluções tecnológicas que abafam a complexidade
tanto do espaço urbano quanto rural” (MUMFord, 1961).
em 1923, Mumford com um grupo de arquitetos americanos,
entre os quais se destacam stein e Benton MacKaye, criaram a rPaa
(Regional Planning Association of America) com a finalidade de
propor um plano nacional com vistas ao desenvolvimento de regiões
delimitadas com base em entidades geográficas naturais. essas
regiões apresentavam problemas com a fixação da população e as
propostas apresentadas consideravam estratégias para o desenvol-
vimento de estratégias econômicas que minimizassem o êxodo rural.
além disso, Mumford declarava que só o planejamento regional
poderia evitar o crescimento desordenado das metrópoles que as
transformava em “cidades dinossauros” (Hall, 2011).
em 1938, Mumford publica The Culture of Cities, no qual
expõe suas ideias sobre o adensamento das cidades e o esvaziamen-
to das zonas rurais como tópicos a serem repensados no contexto
do planejamento regional. a publicação editada no período entre as
duas grandes guerras mundiais apresenta a preocupação com as
“forças destruidoras da civilização” e a crescente possibilidade de
ganharem espaço e força onde certamente a cultura urbana seria
124
atingida. sua proposição aponta para o planejamento regional no
sentido de integrar o campo e a cidade, adensada pela recente
industrialização e pelo esvaziamento das zonas rurais, a partir de um
cenário contínuo, respeitando a infinita variedade da natureza e dos
valores humanos, preservando ao máximo possível de recursos
naturais colocados à disposição com escalas de distinções e utilida-
de com vistas ao equilíbrio humano em tais regiões
(MUMFord,1961).
Foram, portanto, diversas críticas feitas ao modelo de de-
senvolvimento da sociedade ocidental vigente, como também emer-
giram estudos e proposições para um futuro viável integrando cres-
cimento econômico e proteção do ambiente. secchi (2009)
argumenta que, na década de 1950 e 1960, emerge uma postura
mais reflexiva em relação ao futuro, e que a ideia de uma separação
entre natureza e arquitetura e urbanismo, vigente no movimento
moderno, preocupado apenas com problemas de habitação e equi-
pamentos públicos, não procede, pois o século XX buscou uma
reaproximação entre a natureza e a cidade ainda que de forma
diversa e até construindo “uma rede ecológica capaz de dar forma e
estrutura a uma cidade que se dilatava cada vez mais” (seCCHi,
2009, p.194-195).
a partir das décadas de 1960 e 1970, são realizados diversos
encontros mundiais com o propósito de discutir a problemática
ecológica-ambiental. dentre elas, Mumford, no prefácio do livro de
McHarg cita a Conference The Conservation Foundation - Future
environments of north america, em 1965, da qual participou ian
McHarg, entre ecólogos, planejadores regionais, economistas, juris-
tas e conservacionistas. Todos esses encontros, posteriormente
culminaram com a i Conferência sobre o Meio ambiente Humano,
125
em estocolmo, em 1972, influenciando no Brasil a constituição de
uma Política nacional de Meio ambiente, em 1981.
Cabe salientar que no campo dos estudos em paisagismo e
ecológicos no Brasil, o livro Design With Nature, de ian McHarg
representa as bases para uma postura projetual a partir da conside-
ração dos processos naturais (FaraH et al, 2010).
Com base nesses apontamentos iniciais, o presente capítulo
concentra-se na decisão de aplicar o método (ou metodologia ado-
tada para o planejamento ecológico por McHarg) numa bacia hidro-
gráfica urbana com possibilidade de indicar direcionamentos para
um planejamento ecológico. nesse sentido, cabe destacar as motiva-
ções que levaram à escolha do método e suas características essen-
ciais, evidenciando a relação entre a cidade e o rio, a partir da apli-
cação na bacia hidrográfica.
A EsCOlHA DO MéTODO
a escolha do método ecológico desenvolvido por McHarg
nesta pesquisa reside não apenas quanto ao aspecto técnico, mas
principalmente pelos conceitos ecológicos e a abordagem no tocan-
te à adoção dos valores ambientais de uma bacia hidrográfica.
a base conceitual que suscitou a escolha do método foi, sem
dúvida, a possibilidade de visualizar um cenário no campo do plane-
jamento capaz de minimizar o conflito existente entre os processos
fluviais e a urbanização que, por meio das estruturas da cidade,
interferem na dinamica hídrica e na estrutura ambiental do rio
Camarajipe. Mas, fundamentalmente, a possibilidade da consolida-
ção do aspecto ecológico com vistas a uma melhoria da condição
ambiental na bacia hidrográfica e consequentemente no seu
126
principal rio, enlaçando a elevação qualitativa de uma paisagem
urbana e a vida dos habitantes.
ainda que os aspectos técnicos sejam relevantes para a
compreensão do método e para aplicação no presente estudo (ela-
boração e sobreposição dos mapas/camadas temáticas) é necessá-
rio o entendimento dos elementos que representam valores sociais
que vão influenciar diretamente no direcionamento do planejamento
ecológico para a bacia do Camarajipe.
em relação ao contexto do planejamento da paisagem, uma
abordagem diferente das convencionais utilizadas em diversos
planos é fundamental para a análise e eleboração dos planos regio-
nais de intervenção e direcionamento com ênfase nas questões
ecológicas. acerca desses aspectos, as teorias desenvolvidas por
McHarg apresentavam as seguintes inovações: uma nova relação
entre a natureza, a ciência e o planejamento da paisagem, um méto-
do cartográfico, uma abordagem diversa e distante do zoneamento
convencional e diretrizes específicas para operacionalizar o processo
de planejamento. no seu tempo, essas ideias inovadoras atraíram
cientistas de diferentes áreas do conhecimento com o objetivo de
pensar a interação do ser humano com a natureza, com foco especí-
fico no planejamento ecológico da paisagem a partir da valoração
dos processos ambientais e socioculturais (sPirn,2000;
HerrinGTon,2010).
a importância dos conceitos tratados na obra Design
With Nature, como ressalta lewis Munford na introdução da primeira
edição, se apresenta não só como uma chamada para ação, mas
oferece um redirecionamento para cooperação entre o homem e os
elementos biológicos. ao incorporar a natureza em sua totalidade,
indica para formação do planejamento e renovação de um mundo
“dominado pelas máquinas, desumanizado, ameaçado por
127
explosões.[...] que está desintegrando e desaparecendo diante de
nossos olhos” (MCHarG, 1969).
reiterando o aspecto referencial do método desenvolvido
pelo arquiteto ian McHarg, Pellegrino et al (2006, p. 62) declaram
que:
[...]infelizmente, ainda muitas vezes desconsiderado
[o método ecológico] pelos planejadores, urbanistas e
arquitetos que acabam por utilizar apenas critérios só-
cioeconomicos, desconsiderando a base natural e as re-
lações ecológicas que as novas estruturas projetadas
passam a definir com ela.
nesse sentido, o método proposto objetiva a interação entre
a natureza e a ocupação territorial, considerando a complexidade
dos fatores naturais, tais como o clima, água, a vegetação, os ani-
mais e etc, os quais vão se constituir em valores determinantes para
as ações humanas integradas à natureza.
Como se pode compreender a partir da citação acima de
Pellegrino e das considerações de McHarg (1969), se um determina-
do lugar ou território é a soma de processos naturais e se os proces-
sos são constituídos por valores sociais, pode-se concluir que o uso
que se pretende dar ao lugar, tem a finalidade de assegurar a integri-
dade dos valores sociais positivos.
os princípios tomados da ciência ecológica e aplicados em
processos e projetos da arquitetura da paisagem, como as ideias de
processos e valores, fisiográficos, sociais e ambientais, presentes no
método de McHarg, são considerados radicais por alguns planejado-
res. entretanto, a utilização desses princípios são práticas contempo-
râneas, ainda que essas concepções, por outro lado, também encon-
trem resistência daqueles que vêem a arquitetura da paisagem como
poética e expressão estática (sPirn, 1998).
128
através do enfoque ecológico, que permitia a combinação e
sobreposição de camadas para identificar os lugares mais adequa-
dos a um objetivo especifico para o planejamento, criando transpa-
rências, nas quais as zonas mais escuras seriam mais propícias e as
mais claras mais restritivas. assim, é possível afirmar que o método
depende da indentificação correta e precisa dos processos e fatores
para responder adequadamente e fornecer alternativas para o plane-
jamento ambientais. Herrington(2010) auxilia a compreensão acerca
dos nuances técnicos do método quando explica:
O método de sobreposição de mapas era a chave do
método ecológico de McHarg. Este processo espacial-
mente referenciado inventariava os dados que sistemati-
zados tinham uma importância proporcional para a aná-
lise. Originalmente, o sistema de sobreposição de mapas
envolvia camadas de películas transparentes sobre o
mapa base. Outros tipos de materiais transparentes, e
eventualmente o computador, recolocou as películas em
camadas. Cada uma delas era dedicada a um fator in-
ventariado, tais como a topografia ou lugares históricos,
nos quais eram avaliados os valores segundo altos ou
baixos. Os tons com gradação mais escuras representa-
vam as área com alto valor e os tons mais claros indica-
vam as áreas com mínimo valor significativo. Todos os
mapas das camadas eram então sobrepostos para criar
um mapa síntese o que nas palavras de McHarg poderia
ser visto como um “complexo raio X fotográfico com
tons escuros e claros” (HERRINGTON, 2010, p.5).
diversos trabalhos realizados por planejadores e pes-
quisadores que utilizaram o método, revisaram e adaptaram para
situações diversas. o avanço da tecnologia no campo da computa-
ção gráfica reduziu o tempo despendido no processo de aplicação
do método, minimizando ou até corrigindo possíveis incoerências.
Conforme comenta o autor:
129
Existem certos problemas técnicos inerentes ao método.
O primeiro é a garantia da igualdade dos fatores. Os resulta-
dos se misturam se os fatores têm muita importância. Tam-
bém existem limites na resolução fotográfica de muitos fato-
res [...] O problema de transformar os tons cinzas em uma cor
do do mesmo valor é difícil, o mesmo acontece com a combi-
nação de tons. Pode ser que os computadores resolvam este
problema ainda que nesse momento não se atingiu o nível de
perfeição (McHARG,2000 p.115).
o uso e aplicação do método ecológico na Bacia Hidrográfica do
Camaragipe justifica-se pela possibilidade de decomposição do território
em camadas, compreendendo os processos naturais e sociais como um
processo interativo e dinâmico, de forma a interpretar como um sistema
de valores, combinando com o uso mais ou menos adequado do uso do
solo e com indicações e direcionamentos para a qualidade ambiental da
Bacia e possível restauração do rio. a utilização método como uma
ferramenta que conecta a bacia e o rio permite detectar tanto as tensões
entre a expansão urbana e fragilidades ambientais (figura 40).
Fig. 40 EXEMPlO DE siTUAÇÃO DE FRAgiliDADE, REsPOsTA DAs TENsÕEs PROVOCADAs PElA EXPANsÃO URBANA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)
130
A NECEssiDADE DE UMA ABORDAgEM ECOlógiCA PARA A ANÁlisE DA BACiA HiDROgÁFiCA URBANA
os fatores: físicos, biológicos e culturais fazem parte de um
mesmo sistema, segundo McHarg, as intervenções sem considerar as
questões ecológicas são fragmentadas e tendem a sofrer alterações
que vão se sobrepor às outras intervenções, uma vez que não se inven-
tariou os processos, os valores, os benefícios e os custos econômicos e
sociais.
[...] o processo natural, cujo caráter é unitário, deve ser
considerado como tal no processo de planejamento; isto
é, as mudanças realizadas em partes do sistema afetam
necessariamente o sistema inteiro, pois os processos na-
turais representam valores e esses valores deverão ser
considerados mediante um sistema único (MCHARG,
2000, p.65).
a intenção, portanto, de se escolher essa abordagem é obser-
var o rio Camarajipe e a bacia hidrográfica como um processo interati-
vo, interpretando seus aspectos a partir de um sistema de valores de
forma a indicar um uso mais adequado para sua restauração e reinser-
ção na paisagem. a adoção do método ecológico tem como ponto
central e objetivo inicial colocar em evidência o rio como elemento
estruturador da ocupação urbana, com respectivos destaques para os
processos naturais e valores onde a natureza estaria a serviço do
homem (McHarg, 2000).
Para alcançar os objetivos propostos, a abordagem gráfica
introduzida pelo método orienta no sentido de organizar as informa-
ções e apresentá-las segundo uma distribuição espacial, utilizando o
método que o autor denominava “adequação da análise” (suitability
analysis), que se estruturava em mapas sobrepostos (layer cake ou
overlay mapping) (figura 41) para representar a área de estudo. desse
modo, a representação em camadas (relevo, hidrologia, vegetação, uso
do solo entre outras) resulta no modelo ou síntese descritiva dos as-
pectos biofísicos, para identificação das áreas mais propícias ou restri-
tivas para uma determinada intenção (McHarg, 2000).
131
o método ecológico pode ser caracterizado como o entendi-
mento dos processos e valores que configuram as paisagens e a
utilização desses como fundamento das análises e premissas concei-
tuais para o planejamento. nesse sentido, o planejamento ecológico
analisa os sistemas biofísicos e socioculturais do lugar para apresen-
tar onde e como devem se estabelecer os usos específicos.
Fig. 41 EXEMPlO DA sOBREPOsiÇÃO DE CAMADAs REsUlTANDO NO MAPA sÍNTEsE, As CAMADAs DEMONsTRADAs NEssE DiAgRAMA sÃO REFERENTEs à APliCAÇÃO DO MéTODO NO PREsENTE EsTUDO (ElABORADO PElO AUTOR)
camada 01
camada 02
camada 03
camada 04
camada 05
camada 06
camada 07
mapa síntese
132
assim, a aplicação do método tem como foco fornecer
um conjunto de alternativas para um planejamento rural ou
urbano. Considera, desde sua utilização até sua conclusão, os
processos naturais como um sistema dinâmico e mutável, inter-
conectado aos processos físicos e vitais da terra - clima, água,
as plantas, a fauna como valores determinantes para a vida,
além de representar valores cênicos e sociais dos elementos da
paisagem (HoUGH, 2004).
no método a avaliação dos processos naturais não fica
restrito à representação de um guia para a gestão dos recursos
naturais; também tem influência nos direcionamento envolven-
do questões econômicas, culturais e principalmente sociais.
os processos naturais: relevo e geologia do subsolo;
águas superficiais e subterrâneas; planícies de inundação; solos
(impermeabilidade e permeabilidade); zonas arborizadas são
mapeados em escala de valores, com camadas justapostas que
resultam em um mapa síntese, revelando as áreas de maior e
menor valor social .
após um inventário do ecossistema e seus processos
naturais - geologia, hidrologia, edafologia, ecologia vegetal e
fauna, uso do solo, serviços, acessibilidade -, se estabelece um
elenco de valores de cada recurso intrínseco (figura 42). vale
ressaltar que as zonas ou lugares, edifícios ou espaços aprecia-
dos pela comunidade podem ser incorporados ao sistema de
valores (McHarg, 2000).
ainda segundo o autor, o método ecológico para plane-
jar a paisagem necessita de uma normativa para que a própria
sociedade aprenda a proteger os valores da natureza e, conse-
quentemente, a si própria. desse modo, os espaços, lugares ou
133133
territórios caracterizados pelos valores e/ou restrições indicam os
melhores lugares que a cidade precisa para promover o encontro
do ser humano com a natureza.
o reconhecimento da atual situação de fragilidade dos
ecossistemas em diversas cidades brasileiras mostra o quão atuais
são as ideias de McHarg e a pertinência da aplicação do método.
Contudo, é importante a atenção nas características do local no
qual ele será adaptado, e em especial com que finalidade ele será
aplicado. é relevante observar que o uso estendido do inventário
da paisagem acontece no processo de mapeamento, sendo que o
mapa em camadas é a chave para o entendimento do método
ecológico.
as etapas básicas para o desenvolvimento do plano ou
modelo ecológico são constituídas de um inventário das
Fig. 42 CONjUNTO DE CAMADAs REPREsENTANDO VAlOREs DAs CATEgORiAs DE FATOREs NATURAis E sOCiAis. (FONTE: MCHARg, 2000, P.111)
134
características e recursos naturais. essa etapa permite distin-
guir as áreas sujeitas a riscos naturais, tais como: desmorona-
mento, erosão, inundação entre outros. o sistema foi posterior-
mente aprimorado e popularizado através do desenvolvimento
do programa de computador Gis - Geographic Information
Systems. entretanto, é válido afirmar novamente que, apesar
da relevância das questões práticas, isto é, a sistematização
das camadas, a grande virtude das ideias de McHarg é a consi-
deração dos processos naturais e fatores fisiográficos no
planejamento.
é significativo, para não dizer emblemático para esse
estudo, como o uso do método ecológico foi fundamental no
planejamento de uma bacia hidrográfica, a do rio Potomac, em
Maryland, Usa. seguindo as etapas básicas, McHarg inventa-
riou a geologia, fisiografia, hidrologia, solo, flora e fauna, re-
cursos culturais, minerais, hídricos e uso do solo. o escopo do
seu método permitiu analisar quais recursos poderiam ajudar a
determinar ou eliminar diferentes usos do solo, a incompatibili-
dade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas conse-
quências. em relação às questões ligadas ao curso d’água,
riley(1998) comenta que, no caso do projeto para a bacia do
rio Potomac, a gestão das águas competia e até conflituava
com outros recursos que não eram o ponto focal do projeto.
os processos reorganizados como valores indicam as
zonas aptas para cada um dos fatores escolhidos como funda-
mentais ao projeto. os valores utilizados colocam em evidência
as zonas mais adequadas para proteção ao meio ambiente e
podem ser um exemplo de aplicação do método.
135
lEgADO E CRÍTiCA
Há quase quarenta anos, Ian McHarg propôs uma teo-
ria ousada e um conjunto de métodos de planejamento
ecologicamente conexos em Design With Nature (1969).
Embora a dimensão prática proposta por ele tenha sido
incluída em projetos e práticas de planejamento subse-
quentes, as implicações teóricas ainda não foram com-
pletamente realizadas. Formas atualizadas do modelo
incluem o almálgama “urbanismo paisagístico”, com seu
foco em infraestrutura e ecologia urbana, uma disciplina
híbrida que se deve indiscutivelmente a McHarg, embora
dele se distinga pela maneira como evita os efeitos mais
ousados de sua proposta”. (Fredrick R. Steiner, “The
Ghost of Ian McHarg”, Log, 2009 apud Rem Koolhaas,
2014, p.62)
as ideias que representavam o arcabouço do método ecoló-
gico de McHarg se reproduziram até, pode-se dizer, de forma extra-
ordinária através de seus alunos da Penn University-Usa e de outros
arquitetos e urbanistas. é surpreendente que a relação de suas
teorias, que tentavam articular planejamento e ecologia, tenham sido
criticadas e, muitas vezes, rejeitadas, ainda que seu método tenha
sido o esboço teórico inicial para que o projeto da paisagem possa
se constituir a partir dos processos naturais.
no entanto, algumas críticas solicitavam um aprofundamento
e uma abertura para possíveis questões não resolvidas tanto por
suas ideias quanto em seus projetos, tais como: como reconciliar
valores ambientais e necessidades humanas; como materializar
processos e valores ecológicos; como conceber as ações locais no
contexto regional (Franklin,1997;olin,1995 apud sPirn, 2000).
a teoria de Mcharg começou a ser utilizada a partir do final
da década de 1960 e início dos anos setenta. desde então, podemos
observar duas principais vertentes: como conceito e como prática.
136
a técnica de sobreposição de mapas, a qual McHarg reivindicava
como sua criação (sPirn,2010) motivou os estudos de steinitz et al
(1976), que culminaram no artigo Hand-Drawn Overlays: Their
History and Prospective Uses. neste, demonstram que essa técnica,
havia sido usada inicialmente em 1912 por W. Manning e F. olmsted,
como também por J.Tyrwhitt, em 1950, na publicação Town and
Country Planning Textbook - a primeira descrição do processo de
sobreposição de mapas no planejamento; seguido por P. lewis, que,
em 1962, usou mapas compostos com os diferentes elementos para
avaliar os recursos naturais no estado de Wisconsin-Usa.
steinitz et al (1976), no entanto, consideram que o processo
de combinar o conjunto de camadas e “fotografias”(as transparên-
cias em claro e escuro dos valores), desenvolvido por McHarg, repre-
senta o mais bem elaborado exemplo de análise de sobreposição de
mapas- suitabily maps - que servem a uma ampla gama de classifica-
ção, seja para áreas de conservação, urbanização ou recreação.
Quanto aos conceitos de planejamento ecológico, o autor
tem sido questionado por alguns críticos do método que alegam
uma concepção positivista para elaboração dos planos ou até “uma
tirania”, como assinala Corner( apud Herrington, 2010), pois o méto-
do implica um determinismo ecológico, ou seja, para o autor de
Recovering Landscape e do artigo The Agency Mapping, Terra
Fluxus, os processos naturais são dinâmicos.
seguidores de McHarg, como ex-alunos e colaboradores, ann
spirn e Michael Hough, foram expressivos representantes do legado
de McHarg, ainda que tenham introduzido novos modos de aplicar
os conceitos do método ecológico. escapando da esteira do mestre
em ecologia da paisagem e do seu determinismo ecológico, de visão
idílica da sociedade pré-industrial, esses seus discípulos trouxeram
137
contribuições significativas para a interação entre ecologia e o
urbanismo.
Michael Hough, arquiteto, urbanista e paisagista canadense
foi um dos que utilizaram a teoria de McHarg em suas pesquisas e
em atividades profissionais, avançando em relação aos conceitos,
principalmente na relação entre cidade e natureza. ele destaca o
livro Design With Nature como um uma obra essencial de influência
determinante no planejamento ambiental moderno (HoUGH, 1998)
segundo Gorski(2010), Hough é um dos principais seguidores que
vêm fortalecendo a relação do método de análise do lugar com o
projeto.
no prefácio do livro de Michel Hough, Cities and Natural
Process(1995), Grady Clay declara que o autor vem seguindo os
passos de seu mestre, aprofundando assim suas ideias e contribuin-
do para “reinventar as formas vernaculares e práticas rurais” que
passam a definir um novo modo de ver e pensar a cidade. seguindo
a tradição de Geddes(1915), Hough observa que a interdependência
entre a paisagem e a forma construída como elementos dão identi-
dade ao tecido urbano.
nesse sentido, para Hough (1998), uma nova visão ecológica
deve abranger tanto a paisagem urbana como também as pessoas
que nela habitam. essa nova perspectiva deve incluir os espaços
sociais desestruturados, assentamentos irregulares. Quanto aos
cursos d´água, declara ainda que “temos que tirar a máscara atual
da paisagem alterada do rio - as mudanças estruturais que foram
impostas sobre sua forma original - para revelar seus processos e
padrões originais.” a dependência de um sistema de vida com outro,
o desenvolvimento interconectado dos processos físicos e vitais da
terra, o clima, a água, as plantas e os animais, a contínua transforma-
ção e reciclagem dos materiais vivos e não vivos, são os elementos
138
da auto suficiência da biosfera que permitem a vida na terra e que
dão lugar à paisagem física (HoUGH, p. 5, 1998).
Tendo como foco de seu trabalho a cidade, Hough (1998,
p.31) declara que “ nossa primeira preocupação é como conseguir
que a cidade seja, tanto ambientalmente como socialmente, mais
saudável; como transformá-la em um lugar para viver.”
o autor canadense propõe alguns princípios baseados na
ecologia urbana como uma linguagem alternativa de projetos, entre
eles destacam-se: os conceitos de processo e mudança; a economia
dos meios através do mínimo esforço e energia; a diversidade am-
biental; as conexões que permitem e reconhecem a interdependên-
cia entre a vida humana e não humana; a visibilidade dos processos
que mantêm a vida; a educação ambiental do local para o global; e a
integração do ser humano com os processos naturais - e, essencial-
mente, uma:
linguagem que restabeleça o conceito de paisagens
multifuncionais, produtivas e operativas que integrem a
ecologia, as pessoas e a economia (HOUGH,1998, p.31).
vale salientar ainda os estudos e projetos de Hough para o
rio don, no Canadá, seguindo e acrescentando contribuições advin-
das das teorias de McHarg.
anne W. spirn aluna e posteriormente indicada por McHarg
para substituí-lo no departamento de planejamento e arquitetura da
paisagem na Universidade da Pennsylvania-Usa, no período de 1986
a 2000, deu continuidade às suas ideias acrescidas de uma visão da
cidade enquanto elemento da paisagem. na década de 70 trabalhou
no escritório de arquitetura Wallace,McHarg roberts and Todd
(WMrT) em diversos projetos para a região e parques urbanos, e
desde 2000 está no MiT-Massachusetts institute of Technology.
139
spirn (2000) comenta que, por 18 anos, o conflito existente
entre as teorias desenvolvidas no departamento de arquitetura da
Penn University, o qual McHarg criou o departamento de arquitetura
da Paisagem e a atividade prática do escritório de arquitetura de
McHarg (WMrT), induziu inovações no método e o que parecia ser
um caminho inovador atualmente tornou-se uma prática usual. no
seu ensaio Ian McHarg, Landscape Architeture, and Enviromentalism:
ideas and Methods in Context, spirn (2000, p. 97) argumenta que o
conflito remanescente dos conceitos de McHarg são de alguma
forma inerente à atividade profissional, ou seja, “as tensões entre
preservação e gestão, natureza e cultura, tradição e invenção, teoria
e prática.”
ainda segundo spirn (2000), a posição de McHarg no depar-
tamento da Penn Univ. permitiu desenvolver suas ideias sobre o
ambientalismo e arquitetura da paisagem, além de convidar pales-
trantes sobre diversos temas, tais como: Jack Fogg, botânico;
Gordon Cullen, l.Mumford, aldo van eick, Margaret Mead, rené
dubos, entre outros. além das contribuições interdisciplinares,
McHarg foi convidado pela rede televisiva CBs, da Philadelphia para
a série (baseada no seu curso) “The House We Live In”, no período
de 60-61.
dois grandes projetos são emblemáticos para o método
ecológico de McHarg, o primeiro deles, proposto em 1962, era o
“Plan for the Valleys”, que abrangia uma área de 70 milhas quadra-
das do vale no norte de Baltimore, em Maryland. Com base na análi-
se dos recursos naturais da região, e organizando os aspectos fisio-
gráficos, segundo o termo mcharguiano “determinismo fisiográfico”,
recomendava um novo desenvolvimento no planalto aberto e encos-
tas arborizadas, onde os vales seriam preservados. segundo McHarg,
“ a área é bonita e vulnerável, o desenvolvimento é inevitável e deve
ser planejado” (McHarG,1969 apud sPirn,2010).
140
o outro projeto de grandes dimensões no qual ele utilizou seu
método com aperfeiçoamento das camadas foi para o Potomac River
Basin Study, sendo o primeiro projeto no qual integram a região fisiográ-
fica e a bacia hidrográfica, sumarizando modelos de topografia, geologia,
solo, hidrologia, vegetação, uso do solo e uso potencial para futuras
instalações. Tal projeto possui algumas perspectivas (figura 43) que
auxiliam no entendimento da vocação das diferentes áreas e que se
assemelha muito à seção do vale de Geddes (1915) (figura 44), conforme
assinalado no início do capítulo.
esse projeto, desenvolvido no período de 1965-66, apresentava
“500 mapas e quilos de relatório” (mapa 12), segundo um exaustivo
inventário que, para o autor, representava o pré- requisito para uma
intervenção e adaptação para a área do projeto (sPirn,2010).
Fig. 43 PERsPECTiVA DA sEÇÃO DO gRANDE VAlE NO EsTUDO PARA A BACiA DO RiO POTOMAC (FONTE: MCHARg, 2000, P.148)
Fig. 44 sEÇÃO DE UMA REgiÃO DE VAlE NA EUROPA, PARA EXPOsiÇÃO CiTiEs AND TOwN-PlANNiNg 1911. (FONTE: gEDDEs, 1994, P.198-199
141
spirn e Hough trouxeram para suas atividades profissionais
as ideias de McHarg, sem contudo pactuar com seu pessimismo com
relação às cidades, incorporando a dimensão social, pois para am-
bos na cidade residem os maiores desafios para o estabelecimento
do equilíbrio entre o construído e o natural. spirn apresenta suas
ideias no livro The Granite Garden: Urban Nature and Human Design
(1984) - para a autora, os edifícios e toda a cidade constituem a
paisagem. enfatizando os conceitos de saúde, segurança e bem-
-estar, a publicação causou polêmica por afastar a visão estética, ou
seja, o embate entre aqueles que viam paisagem enquanto arte e
aqueles cuja enfase estava na importância do método ecológico.
(entrevista spirn, 2001 para o architeture Boston review).
MAPA 12. AVAliAÇÃO DOs FlUXOs E CONTAMiNAÇÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO POTOMAC, UM DOs MUiTOs MAPAs DO EXAUsTiVO iNVENTÁRiO CiTADO POR sPiRN (FONTE: MCHARg, 2000, P.136)
142
vale salientar o caráter referêncial para a presente disserta-
ção da proposta para o córrego Mill ( Restoring Mill Creek:
Landscape Literacy, Environmental Justice and City Planning and
Design, 2005), conduzida por a. W. spirn junto com seus alunos da
Penn Univ. e a vizinhança do West Philadelphia23. segundo a autora
uma área adensada e com constantes problemas de enchentes.
No entanto, algumas divergências ou até polêmicas
como relação ao método ecológico aplicado ao planeja-
mento mostraram-se positivas e outras não, entre elas o
argumento de que a arquitetura da paisagem pode ser
uma forma de arte,outros consideram que os mapas, exi-
bindo ou ocultando aspectos, servem para legitimar o po-
der; ou que os dados utilizados para elaboração de mapas
podem ter sido inexatos (WELLER, 2006, HARELEY, 1989,
MONMONIER, 1996 apud HERRINGTON, 2010).
Um dos aspectos críticos do método é apontado por Turner
(1996), que observa existir uma contradição no método mcharguia-
no quanto ao significado de “natureza”. Pois, se o ser humano é
parte dessa natureza, é uma contrasenso declarar que esse ser é
capaz de danificá-la em seu próprio interesse. então “suas teorias
estão em oposição à vida humana”, sendo difícil esperar que esse ser
seja capaz de construir um lugar para habitar equilibrado com essa
mesma natureza.
outro enfoque proposto por Turner (1996) é digno de consi-
deração. referente à técnica do inventário/análise/planejamento
(survey-analysis/design-sad) (figura 45) – esse método tem carac-
terísticas funcionalistas, utilizado no planejamento proposto no
método ecológico mcharguiano. o resultado desse processo é
denominado pelo próprio McHarg como “determinismo ecológico”.
isto é, se o método tem como base a natureza e seus processos, por
dedução, qualquer profissional que inventariar todos os fatores
[23] Mais detalhes sobre as proposições dos estudantes para restoring Mill Creek em: http://www.wplp.net/courses/waterdesign.php
143
propositivos e restritivos deve alcançar
sempre as mesmas conclusões e resulta-
dos (MCHarG, 1971 apud TUrner, 1996).
Portanto, o aspecto dedutivo do método
é reconsiderado por alguns planejadores,
que afirmam que, se o planejamento da
paisagem é uma arte, então não é reco-
mendável usar uma metodologia determi-
nista (TUrner, 1996).
ao abandonar o método sad, por
conta da sua abordagem determinista,
alguns planejadores optam pelo método
metafórico, ainda que esse tenha um
aspecto subjetivo quanto ao seu uso.
nesse método, aspectos como, a dinâmi-
ca da paisagem e, principalmente, a
singularidade do lugar são
imprescindíveis.
Considerando a importância das
reflexões sobre o determinismo e a rigi-
dez que esse fato acarreta aos resultados alcançados e, portanto,
com base nessa constatação, é possível, através da seleção das
camadas a serem inventariadas, elaborar uma pré-triagem, levando
em consideração os aspectos particulares de cada região e a dinâ-
mica da paisagem.
segundo lyall (1998), o trabalho de McHarg sobre a paisa-
gem em larga escala e planejamento ambiental trouxe o conceito de
que o paisagismo é bem mais que uma coleção de plantas arranja-
das e topografia. o que ele realmente introduziu foi a noção de ética
ambiental. Como toda a ciência social que emergia naquele período
Fig. 45 EXEMPliFiCAÇÃO DO MéTODO DE PlANEjAMENTO (s.A.D) sURVEY-ANAlYsis-DEsigN [lEVANTAMENTO/ANÁli-sE/CONCEPÇÃO] (FONTE: TURNER, 1996, P.146)
144
havia a necessidade de estabelecer credibilidade. desse modo, os
conceitos de McHarg buscavam algo análogo à ciência, suscetível de
estabelecer objetivos, análise e síntese como as disciplinas acadêmi-
cas. isto naturalmente implicava uma visão utilitária (e modernista),
portanto se a paisagem trabalha com um sistema ecológico ela neces-
sariamente trabalha com um sistema estético. igualmente questionável
era a posição da Penn school que considerava a própria natureza o
único possível modelo de design de paisagem. numa era de pluralismo,
essa posição se apresentava, um tanto quanto, incoerente com o
contexto daquela época.
no Brasil, a vertente ambientalista, no sentido da preservação
do meio ambiente, tem como principal expoente roberto Burle Marx.
em conferências proferidas entre 1976 e 1983, ele chamava a atenção
para a busca de soluções de intervenção no espaço sem agredir o
meio ambiente. nesse período, surgem diversos projetos com foco na
questão ambiental, envolvendo arquitetos paisagistas. Também ocor-
rem nesse período as primeiras iniciativas no sentido de criação das
aPas (áreas de proteção ambiental) (FaraH, 2010).
Um dos projetos no qual foi aplicada a metodologia de
Ian McHarg foi da paisagista Rosa Kliass, em 1977, para a
cidade de Salvador que tinha como foco um estudo dos
sistemas de espaços livres, além de “levantar o potencial
paisagístico do município e indicar os critérios a serem
adotados na ocupação do sítio e uso do solo.” (Fiaschi,
1986, apud FARAH,2010).
em outro projeto de paisagismo com relação à aplicabilidade
técnica do método de planejamento ecológico, a proposta do Plano da
Paisagem Urbana para a cidade de são luis do Maranhão (figura 46), a
arquiteta e paisagista brasileira rosa G. Kliass utiliza o método de
sobreposição de camadas cartográficas predominantes para elabora-
ção do mapa síntese, resultado da sobreposição. o ponto de partida
145
do projeto paisagístico foi a “montagem de um quadro de situação/
inventário, seguida de análise e diagnóstico da problemática e do
potencial paisagístico”. no caso de são luis, a autora propõe o
desenvolvimento do projeto em cinco etapas: i. inventário; ii. análise,
iii. diagnóstico, iv. propostas e v.diretrizes para planos e projetos
específicos (Kliass, 2006).
Também Fernando Chacel, utilizou da metodologia de análise
de ian McHarg, “realizando inventários de solo, de vegetação e do
restante da parte biótica, numa primeira experiência que viria a
repetir-se em outros projetos similares”, (FaraH,2010, p.109). Por
Fig. 46 CONjUNTO DE MAPAs DAAPliCAÇÃO DO MéTODO ECOlógiCO PARA O DEsENVOlViMENTO DO PlANO PARA PAisAgEM URBANA DE sÃO lUÍs, MA (FONTE: kliAss, 2006, P.48-49)
146
exemplo, o método, foi aplicado no loteamento veleiros de
ibiúna, em são Paulo, buscando manter as características topo-
gráficas e cobertura vegetal de valor ecológico.
Para a aplicação do método ecológico, ian McHarg
considera necessário três etapas fundamentais: o inventário, a
análise e o diagnóstico. Considerando a aplicação do método
no presente estudo, buscou-se sobrepor o método e metodo-
logia, isto é, a consideração das etapas do metodo, como o
convencional e divisão do inventário em levantamento e inven-
tário. essa etapa acrescentada foi relativa ao recolhimento e
organização de dados da bacia hidrográfica, para posterior se
constituir o inventário (como proposto pelo no método ecoló-
gico) para a restauração do rio Camarajipe.
levanTaMenTo - observando as etapas do método,
verifica-se a importância da pesquisa e levantamento dos
dados na identificação dos processos e suas respectivas valo-
rações na representação dos mapas. Possíveis equívocos ou
até mesmo omissões ocasionais vão refletir diretamente no
etapa final do processo, ou seja os mapas sínteses vão conter
distorções, prejudicando interpretação e aplicação no desen-
volvimento do projeto. no prefácio, o autor reitera que é fun-
damental um processo inter e multidisciplinar para o levanta-
mento de dados.
invenTÁrio - após a etapa do levantamento, a cata-
logação dos processos naturais relevantes ao local ou região
deverão ser classificados segundo uma escala de valores.
segundo McHarg(2000), a capacidade de constituir um inven-
tário ecológico consiste em avaliar e colocar em hierarquia a
147
importância dos valores naturais, estéticos e sociais. desse
modo, serão elaborados os mapas temáticos que sobrepostos
resultam nos mapas sínteses - produto final do inventário.
anÁlise - essa etapa não necessariamente é posterior
ao inventário. em certo sentido, elas são complementares e
justapostas, pois, quando na etapa anterior há uma valoração,
pressume-se que está sendo feita uma análise. Contudo, a
finalidade é desenvolver o diagnóstico.
diaGnósTiCo - outro ponto fundamental na teoria
presente em Design With Nature é o papel do diagnóstico
prévio à intervenção projetual. isso não significa que essas
etapas não façam parte do planejamento, pois são etapas
iniciais do planejamento que precede o projeto especifico.
o diagnóstico no campo do urbanismo foi difundido
por Patrick Geddes na sua obra City in evolution de 1915, na
qual ele descreve um paralelo ao diagnóstico realizado na
medicina para demonstrar a sua importância, afirmando que o
direcionamento do tratamento e posologia só acontecerá após
um diagnóstico prévio.
salientando a importância do diagnóstico defendida por
Geddes, spirn(2000) afirma, sobre a teoria de McHarg, “que o
inventário ecológico é a sistemática compreensão e a relação
de diferentes aspectos do ambiente, que aplicado corretamente
é como uso do diagnóstico em medicina […] o inventário é
também uma ferramenta e uma lista de sistemas
interrelacionados.”
148
nas etapas iniciais dessa pesquisa, constatou-se que a
relevância das teorias de Mcharg e a difusão dos conceitos e dos
critérios de análise regional poderiam servir de parâmetro para o
presente estudo. a ênfase ecológica apresentada no livro Design
With Nature mostra um embasamento teórico-prático do planeja-
mento e projeto da paisagem, considerando os processos e recur-
sos naturais, elementos capazes de indicar uma opção para análise
da bacia hidrográfica e do rio Camarajipe.
nesse sentido, a escolha por aplicar o método ecológico,
adaptando aos aspectos fisiograficos, sociaisculturais, estéticos da
bacia hidrográfica e do rio apresenta-se como um caminho para
compreender, diagnosticar e direcionar ações de planejamento
com a finalidade de restaurar valores já perdidos, reforçando seu
potencial como elemento estruturador da ocupação no seu entor-
no, além de valorizar seu traçado na paisagem soteropolitana.
CaPíTUlo 03
BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE(aplicando o método ecológico na bacia do Camarajipe)
Avenida Antônio Carlos Magalhães, ACM. Rio Camarajipe canalizado (Fonte: acervo FGM/PMS, data 10/06/1988, fotógrafo: Agilberto Lima)
150
em relação ao contexto hídrico, salvador está inserida na região
hidrográfica do atlântico leste, mais especificamente na região
de Planejamento e Gestão das Águas do recôncavo norte e
inhambupe. a água que abastece a capital vem da Barragem de
Pedra do Cavalo, no rio Paraguaçu, e dos rios Joanes e ipitanga,
esses dois últimos localizados na região Metropolitana de
salvador. ou seja, a cidade não consome nenhuma gota de água
dos rios do próprio município.
a cidade de salvador é constituída por diversas bacias de
drenagem pluvial e bacias hidrográfica. essas últimas são: seixos-
Barra/Centenário, Camaragipe, Cobre, ipitanga, Jaguaribe, lucaia,
ondina, Paraguari, Passa vaca, Pedras/Pituaçu, ilha de Maré e ilha
dos Frades (sanTos, 2010).
localizada no miolo da cidade de salvador, a Bacia do rio
Camarajipe possui uma área de 35,877km2 (o que corresponde a
11,62%do território municipal de salvador), sendo a terceira maior
bacia em extensão do Município. encontra-se limitada ao norte
pela Bacia do Cobre, a leste pela Bacia Pedras/Pituaçu, a oeste
pela Península de itapagipe e ao sul pela Bacia do lucaia. Com
uma população de 668.871 habitantes, que corresponde a 27,3%
da população de salvador e densidade populacional de
18.643,37hab./km2 (iBGe, 2010), é a mais populosa bacia do
Município, embora apresente um ritmo de crescimento relativa-
mente pequeno, em virtude da consolidação do seu processo de
ocupação. Possui 180.074 unidades habitacionais, que correspon-
dem a 27,3% dos domicílios de salvador (sanTos, 2010).
o principal curso d’água da bacia, o rio Camarajipe, nasce
no bairro alto do Cabrito. em relação ao contexto metropolitano,
151
a região da nascente está localizada entre a enseada dos
Tanheiro, a rodovia Br-324 e o parque são Bartolomeu no subúr-
bio Ferroviário de salvador. as águas da bacia do Camarajipe
foram os principais mananciais de abastecimento da cidade, do
final do século XiX até meados do século século XX.
o rio Camarajipe tem o seu nome associado à existência,
em suas margens, de uma planta chamada Camará, Lantana ca-
mara, Lantana aculeata ou ainda Lantana brasiliensis, (figura 47)
arbusto de folhas aromáticas e frutos vermelhos, que eram abun-
dantes nas imediações desse rio (sanTos, 2010).
o “caminho natu-
ral” do Camarajipe de-
sembocava no largo da
Mariquita, no bairro do
rio vermelho, tendo como
seu último afluente o rio
lucaia, proveniente do
dique do Tororó, pela av.
vasco da Gama, que o
margeia (sanTos, 2010).
Porém como visto nesse estudo, o Camarajipe foi redire-
cionado nas imediações do shopping iguatemi, desaguando
atualmente no bairro do Costa azul.
ao longo do seu trajeto, fica evidente o grande comprome-
timento da qualidade das suas águas provocado por décadas de
lançamento de esgotos sanitários in natura, além da presença de
diversos outros processos antrópicos, da ausência de controle e
Fig. 47 Lantana camara, sEgUNDO sANTOs et aL. é A PlANTA qUE DÁ ORigEM AO NOME DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: HTTP://gOO.gl/17D4XY)
152
gestão dos recursos hídricos em grande parte da bacia, tanto em
seu leito, quanto em suas margens.
na década de 1980, foram desativadas para fins de abasteci-
mento público de água, as represas do Prata e da Mata escura, em
virtude da degradação da qualidade de suas águas devido ao rece-
bimento de esgotos sanitários e efluentes provindos de pequenas
indústrias. vale ressaltar que, nas imediações da represa do Prata,
ainda existe uma mancha quase contínua de remanescentes de
florestas em estágio médio e avançado de regeneração, com área
de, aproximadamente, 84ha.
segundo relatos de residentes mais antigos da região e da
cidade, nas águas do rio Camarajipe havia peixes e crustáceos
(pitús) até o início do século XX. Hoje, em péssimo estado de con-
servação (figura 48), seu ecossistema encontra-se totalmente degra-
dado, sobretudo em seu trecho final. observa-se a olho nu que a
qualidade de suas águas é ruim, com baixa transparência, odores
desagradáveis, presença de lodo escuro e resíduos sólidos
flutuantes.
Fig. 48 O ATUAl(2014) EsTADO DEgRADAÇÃO AMBiENTAl DO RiO CAMARAjiPE, PERDA DE qUAliDADE DA ÁgUA E COMPROMETiMENTO DA EsTRUTURA FÍsiCA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)
153
MODERNiDADE: CiDADE X RiOs
a situação dos rios urbanos é extremamente delicada, sendo
que a maior parte das bacias hidrográficas urbanas sofrem severas
interferências no tocante aos seus processos naturais pela contìnua
evolução da estrutura urbanização. a ausência ou ineficiência do
saneamento básico, carências e inadequação das infraestruturas,
intensa especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte
e periferização da parcela da população socialmente vulnerável,a
soma desses fatores, acarretam a degradação dos processos sociais,
e consequentemente dos fatores ambientais pertinentes aos rios e às
bacias hidrográficas.
essa situação é exemplificada na análise da situação da
qualidade das águas dos rios soteropolitanos que são, em sua maio-
ria, condutores de esgoto. Conforme monitoramento em estudo da
UFBa (CiaGs, 2010), nenhum dos 12 principais rios da cidade apre-
sentou índice de Qualidade ambiental (iQa) ótimo. somente os rios
Cobre e o ipitanga atingiram o índice regular e bom.
a sobrecarga populacional na infraestrutura existente no
meio do século na capital baiana contribuiu para desgaste e degra-
dação do meio ambiente na cidade. exemplo dessa degradação são
assentamentos irregulares ou aglomerados subnormais (invasões ou
favelas) em áreas de encostas e fundos de vales. o crescimento da
cidade ao longo da segunda metade do século XX não foi acompa-
nhado de melhorias na infraestrutura urbana e, menos ainda, na
diminuição do déficit habitacional, colaborando assim para degene-
ração do meio ambiente e de seus processos.
ainda mais significativa para a rápida transformação da
forma urbana é a construção de inúmeros edifícios residenciais,
organizados muitas vezes em condomínios ou conjuntos de lotes
154
que acompanham características dos diversos núcleos residenciais
das classes alta/média que surgem todos os dias nas grandes cida-
des brasileiras.
esses novos empreendimentos estão ocupando de forma
arbitrária as poucas áreas verdes da cidade de salvador, sendo a
maior concentração ao longo do vetor de crescimento sentido norte
da cidade (Mendes, 2006).
essas modificações urbanas são claramente potencializadas
por alterações “obscuras” nas leis do uso do solo24 e o confuso
comércio de títulos, conhecido como TransCon25 (transferência
do direito de construir), saciando a curto prazo o apetite interminá-
vel por novos empreendimentos por parte das grandes corporações
imobiliárias. Portanto, a pressão imobiliária sobre o solo soteropoli-
tano atualmente é quem define, em grande parte, a forma urbana e a
[24] lei n. 8.167/2012 dispõe sobre a lei de ordenamento do uso e da ocupação do solo do município de salvador e dá outras providências. Câmara - Para dar seu voto em favor da concessão da medida cautelar, o desembargador-relator do processo,José edivaldo rocha rotondano, evocou principalmen-te a ausência de participação da sociedade civil na discussão da loUos, antes de ser votada pela Câmara de vereadores de salvador, o que se configura inconstitucionalidade. Também “os danos irreversíveis (ambientais,urbanísticos, financeiros) que ainda podem ocorrer com a lei em vigência”. a louos foi aprovada em 29/11/2011 sem ter passado por audiências públicas ou comissões técnicas da Casa legislativa. rotondano citou, ainda, que a associação de dirigentes de empresas do Mercado imobiliário (ademi) o procurou como “amigo da corte” – denominação jurídica que se dá a quem quer contribuir com informações e ou documentos para processos. reportagem do jornal atarde, TJ sUsPende eFeiTo da loUos eM CarÁTer liMinar regina Bochicchio, quarta , 27/06/2012
[25] TransCon significa Transferência do direito de Construir e foi instituída em Chicago em 1973 com o nome de “espaço flutuante” (space adrift). era um instrumento de planejamento urbano que se destinava a transferir o potencial de construção de áreas com perspectiva de grave adensamento para zonas onde havia infraestrutura subutilizada. servia também para transformar baldios em praças e parques urbanos sem desembolso municipal e compensar proprietários de edifícios tombados situados em meio a zonas verticalizadas podendo usá-los ou vende-los para aumentar o potencial de construção em zonas que se queria desenvolver, tudo regulado pelo Plano diretor local. Quando se tratava de baldios ou áreas verdes estas passavam automaticamente para o patrimônio municipal.este instrumento foi introduzido no país, no inicio da década de 80, em Curitiba, cidade totalmente planejada, e “macaqueada em salvador”, comunidade como se diz hoje, sem planejamento nem infraestrutura ociosa pela lei 3885/87, con_rmada pela lei orgânica do Município, de 1990.o estatuto da Cidade, lei 10.257 de 2001, regulamentou a questão nos artigos 28, que trata da “outorga onerosa”, já descrita em artigo anterior neste jornal, e 35 que trata do TransCon. os nossos TransCons se devem a compensações milionárias pagas pela Prefeitura a proprietários que supostamente tiveram suas terras invadidas. (aZevedo, Paulo ormindo, iaB, 2013) – Boletim iaB e Jornal a Tarde-seção: opinião. 20/01/2013. os prédios que utilizaram Transferência do direito de Construir (Transcon) na orla marítima de salvador correm risco de demolição, caso o Plano diretor de desenvolvimento Urbano (PddU) seja aplicado com rigor. essa é a avaliação do diretor da Faculdade de direito da Ufba e doutor em direito público, Celso Castro.reportagem do jornal a tarde,UTiliZação de TransCon na orla é ileGal, aFirMa JUrisTa vítor rocha, seg , 23/08/2010
155
estrutura da cidade do amanhã, distanciando cada vez mais o letár-
gico poder público e os órgãos relacionados da fiscalização do uso
do solo, relegados ao papel de coadjuvantes a esse modelo de
crescimento urbano.
em paralelo a essas transformações de caráter privado,
houve uma intensificação de obras públicas, mesmo que em ritmo
mais lento ao da iniciativa privada, porém extremamente decisivas
para consolidação da estrutura urbana futura.
no entanto, esses esforços das diferentes esferas governa-
mentais qualitativamente são questionáveis. entre eles destacam-se,
primordialmente, empreendimentos viários, protagonizado pelo
complexo viário Bahia de Todos os santos (via Portuária, figura 49),
o qual o governo estadual, através da secretaria de Comunicação,
intitula: “a maior obra viária dos últimos 30 anos em salvador”.
na contramão de algumas cidades do mundo que estão
retirando suas estruturas viárias elevadas, salvador no período de
2002 a 2012 viu ser materializada a maioria das presentes estruturas
elevadas existentes no tecido urbano. exemplos disso são a já citada
via expressa, que em parte é elevada, possuindo 14 viadutos e,
principalmente, o metrô, que em seu maior trecho é elevado, entre-
cortando um tecido urbano com alta densidade habitacional, em sua
grande maioria socialmente vulnerável, contribuindo assim para a
degradação do ambiente urbano.
essa intervenção, assim como outras, é a comprovação que
as ações de planejamento ainda estão impregnadas da matriz rodo-
viárista para resolver os problemas de mobilidade presente na cida-
de. é possível afirmar que esse paradigma está distante de ser
superado, tanto nos setores governamentais que determinam o
planejamento da cidade, como na base conceitual e nos métodos
utilizados por esses atores responsáveis pelo futuro das cidades
brasileiras.
156
Fig. 49 A OBRA DA ViA EXPREssA iNTERFERiU DiRETAMENTE NA TOPOgRAFiA DE UMA EXTENsA REgiÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA DO CAMARAjiPE, CONsEqUENTEMENTE, TAMBéM iNTERFERiU NA DiNâMiCA DE EsCOAMENTO DAs ÁgUA PlUViAis. AssiM COMO, A iNTERVENÇÃO NA EsTRUTURA NO lEiTO DO RiO DAs TRiPAs, PRiNCiPAl AFlUENTE DO CAMARAjiPE. A CONsTRUÇÃO DA ViA EXPREssA, COMO TODA gRANDE iNTERVENÇÃO ViÁRiA, iNTERFERE NA EsTRUTURA HÍDRiCA ADjACENTE, REsUlTANDO NO ACRésCiMO DO FlUXO EM DiAs DE CHUVA EM REsPOsTA A MAiOR ÁREA DE iMPERMEABiliZAÇÃO. AssiM COMO MODiFiCAÇÕEs NO DEsEMPENHO DO EsCOAMENTO DEViDO AO AMPlO CONjUNTO DAs 10 FAiXAs DA ViA EsTÁ iMPlANTADO, EM PARTE, NOs FUNDOs DE VAlEs. MOsAiCO DE iMAgENs DA ViA EXPREssA BAÍA DE TODOs Os sANTOs. PEÇAs PUBliCiTÁRiAs DE DiVUlgAÇÃO DA OBRA (Fig. 01 E 02), iMAgENs DA sECRETARiA DE COMUNiCAÇÃO DO gOVERNO DO EsTADO (Fig. 03, 05 E 06) E FigURA 04 ACERVO PEssOAl DO AUTOR.
157
esse cenário de grandes transformações na estrutura urbana é
o pano de fundo para situar e contextualizar esse trabalho, pois, tal
como o sistema viário, também os rios, elementos da estrutura urbana,
foram objeto de transformações agudas no período de 2002 a 2012.
exemplo nítido dessa mudança é o estabelecimento de uma
nova relação com o tecido urbano adjacente que está se delineando, e
uma grande parcela dessa relação tende a ser desequilibrada e, em
alguns casos, culminam com a “morte” e o “sepultamento” (tampona-
mento) de seus rios, córregos, riachos dentro da paisagem urbana.
o resultado dessas transformações é a formação de um novo
ambiente que tem como características a falta de variação topográfica,
tornando as antigas margens um local essencialmente plano, com um
repertório paisagístico limitado, rarefeito e, por vezes, inadequado ao
tipo de solo presente. a descaracterização é de tal forma que restam
poucos indícios de que naqueles locais já existiu um curso d’água.
Tais ações entram em conflito com o conceito de visibilidade
defendido por Hough(1995), onde os processos naturais e humanos
que sustentam a vida devem estar visíveis por questões de ordem
econômica, educacional e ambiental, enriquecendo sensorialmente a
paisagem.
observa-se que a lógica da aplicação de grandes esforços
priorizando o sistema viário, em particular o veículo individual, com o
objetivo de minimizar os problemas de mobilidade que os grandes
centros urbanos enfrentam, ainda é imperativo na concepção do
planejamento urbano. assim, é possível compreender, como já foi dito,
que o paradigma rodoviarista está arraigado nas ações de planejamen-
to envolvendo os vales da cidade, e consequentemente, os cursos
d’água, estando longe de ser superado na realidade das principais
cidades brasileiras, no que se refere às intervenções urbanas próximas
aos cursos d’água.
158
O “ DEsAPARECiMENTO” DOs RiOs sOTEROPOliTANOs
levando em consideração a “intensidade” das intervenções em rios e
canais na cidade de salvador e o modelo em que essas se conjugam, e estão
sendo concebidas e executadas, o principal ponto para o aprofundamento do
estudo se constituiu na relação entre a cidade e seus rios. esse modelo de
intervenção envolvendo cursos d’água intensificou-se a partir da primeira
década do século XXi e se estende até o momento em que este estudo está
sendo elaborado, período de 2012 a 2014.
no que concerne ao enfoque adotado pelos projetos, é pertinente
salientar que os mesmos têm provocado significativo grau de alteração físico-
-ambiental dos rios, modificações que priorizam a drenagem urbana, melhora-
mento paisagístico e aproveitamento da projeção horizontal do leito para,
sobre novas estruturas, servirem para diferentes usos. Porém, em nenhum
desses projetos foi priorizado o resgate de valores pertinentes aos processos
naturais dos rios.
esses rios apresentam importância histórica e cultural relevante para a
identidade da Cidade do salvador, como é o caso do rio dos seixos, mais
conhecido como Canal da avenida Centenário, que foi totalmente encapsulado
para sobre suas lajes de concreto para abrigar um parque urbano. Como
comentado sobre o não suplantar do paradigma rodoviarista, nesse caso do rio
do seixos é legítimo concluir que intervenções com viés sanitarista, após quase
2 séculos da expansão do modelo Haussmanniano26, ainda permanece como
matriz conceitual na elaboração dos planos e projetos envolvendo rios
urbanos.
Para esse estudo, foi imprescindível a reflexão crítica sobre as ideias
que influenciaram conceitualmente estas intervenções nos rios soteropolitanos.
Compreendendo de que maneira, obras de tamponamentos/encapsulamento
contribuiram para a reconfiguração ou, até mesmo, ruptura entre a cidade e
seus rios. Tais intervenções transformaram os antigos leitos em galerias fecha-
das de águas fluviais, esgoto e escoamento pluvial, criando sobre a área veda-
da de seu leito, parques lineares, área de esporte, área de lazer e, até mesmo,
alargamento de vias existentes.
[26] Pinheiro, eloísa Petti. “europa, Francia and Bahía: diffusion and adaptation of urban european models.”
159
o presente estudo baseia-se na afirmação de que, através de uma
abordagem do planejamento urbano, em consonância com valores ambien-
tais e respeito aos processos naturais dos rios, é possível direcionar o plane-
jamento urbano com vistas ao restauro de uma paisagem fluvial que possa
reconciliar o rio e a cidade.
PANORAMA ATUAl DO RiO CAMARAjiPE
desde análises feitas em 1986, o Cra já afirmava que o rio
Camarajipe não possuía condições nem vazão suficiente para a autodepura-
ção da carga orgânica lançada sem prejuízo ou comprometimento da quali-
dade de suas águas. essa situação foi, e ainda é, agravada pelo crescimento
urbano desordenado na área da sua bacia de drenagem. as obras do
Programa de saneamento ambiental Bahia azul foram insuficientes para a
redução da carga orgânica. o Camarajipe na década de 1990, sofreu inter-
venção, como comentado anteriormente foi instalado uma estação de inter-
ceptação em tempo seco nas imediações de onde houve o redirecionamento
na década de 1950. assim, o seu fluxo, em tempo seco, é encaminhado para
a estação de Condicionamento Prévio, localizada no rio lucaia, operada pela
embasa. após esse ponto o rio segue para o mar pelo emissário submarino
do rio vermelho (rossi et al, 2012). em outras palavras, o rio, no periodo de
estiagem voltou a percorrer no sentido original, entretanto com uma peque-
na elevação do seu nível o fluxo volta para o canal Camarajipe.
o rio Camarajipe está estrategicamente posicionado, entrecortando
os principais bairros que possuem alta densidade habitacional e margeia
equipamentos de interesse público e privados. a região em questão repre-
senta a principal nova centralidade da cidade como indica Mendes:
[...] Salvador é apresentada como uma cidade polinucleada,
descentralizando em alguns subcentros mais dinâmicos, so-
bretudo o de Camurugipe (Região do Iguatemi), as suas ativi-
dades econômicas distribuindo-as pelo porte e pelos tipos de
comércios e serviços. (MENDES, 2006, 172).
no vetor que se estende da avenida aCM, na altura do deTran,
passando pela avenida Tancredo neves e vai até a avenida Magalhães
160
neto, é possível inferir que o rio Camarajipe, devido a sua posição
geográfica estratégica na cidade, estará na pauta das futuras inter-
venções, seguindo o modelo já adotado no rio do seixos (2008)
(figura 50), rios das Pedras(2010) e rio lucaia (2012): tamponamen-
to devido ao seu elevado estado de eutrofização e pela localização
ao longo de vias já saturadas pelo tráfego de veículos particulares e
de transporte coletivo.
Fig. 50 RiO DOs sEiXOs NA AV. CENTENÁRiO iMAgENs (01 E 02) ANTEs DE sER TAMPONADO E (03, 04 E 05) iMPlANTAÇÃO DE PARqUE liNEAR sOBRE A lAjE qUE O RECOBRE. (FONTE: iMAgEM 01: HTTP://s45.PHOTOBUCkET.COM/UsER/gABViANA2/MEDiA/DsC04293.jPg.HTMl. iMAgEM 02: HTTP://AVENiDACENTENARiO.BlOgsPOT.COM.BR/2010_06_01_ARCHiVE.HTMl. iMAgEM 03, 01 E 05: HTTP://www.BRAZAO.ARq.BR/174318/1800600/PROjETOs/PROjETO-AV-CENTENARiO )
161
Um dos pontos relevantes que justificou o presente estudo é,
sem dúvida, a vulnerabilidade de equipamentos urbanos importantes
para cidade que margeiam o rio. destaca-se a estação acesso norte,
principal estação do metrô de salvador. outros equipamentos urba-
nos relevantes e também vulneráveis são a estação de transbordo do
iguatemi, juntamente com a estação de ônibus intermunicipal, assim
como as avenidas que recebem o maior fluxo de veículos da cidade
(av. Tancredo neves e av. aCM), além de centros comerciais de
grande fluxo de pessoas presentes na área adjacente ao rio.
a vulnerabilidade acima citada é decorrente de dois fatores: o
natural, no que se refere ao extravasamento das águas do rio decor-
rente de intensas e duradoras precipitações coincidindo com marés
altas que formam uma barreira física para escoamento do excedente.
e o fator humano, promovido pela crescente ocupação de espaços
livres que possuíam cobertura vegetal, a exemplo de dois grandes
loteamentos de edifícios(Horto Bela vista e vila Privillege) somados a
um grande centro comercial (shopping Bela vista) (figuras 51 e 52). o
Fig. 51 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMRAjiPE (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)
162
aspecto negativo desse fator não é relativo ao uso do espaço livre
urbano, mas sim ao modelo de implantação desses projetos que
visam o máximo aproveitamento da superfície do terreno, transfor-
mando a área que outrora apresentava cobertura vegetal significativa,
em locais com quase nenhuma permeabilidade e com baixo valor
paisagístico. os empreendimentos citados estão situados na bacia
hidrográfica em questão.
o corolário da substituição da superfície de absorção da água
da chuva e da vegetação, que exerce o papel de elemento mitigador
dos efeitos das chuvas pelas superfícies impermeabilizadas desses
novos loteamentos, certamente, atuará na elevação do volume a ser
escoado pelo rio no período de intensa precipitação, acentuando,
desse modo, situações de desastres ao longo da bacia hidrográfica,
transformando cada vez mais o rio numa ameaça à cidade.
Portanto, a necessidade de revisão na abordagem projetual
para com os rios urbanos e bacias hidrográficas apresenta-se relevan-
te, buscando restaurar a paisagem, qualidade de vida e a interação
entre ambientes urbanos e natureza.
162
Fig. 52 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: ÁlBUM DE FOTOs DO gOVERNO DA BAHiA, HTTP://gOO.gl/qOUXgi, 2011)
é importante esclarecer que antes da aplicação do método
dois aspectos devem ser considerados. o primeiro se refere à delimi-
tação dos bairros que compõem a bacia para dar suporte ao entendi-
mento da localização dos mesmos para a explicitação das camadas
de valoração. Quanto a esse aspecto se adotou a tipologia do estudo
O Caminho das Águas de Salvador ( sanTos et al, 2010). o outro a
ser considerado foi a situação topográfica da bacia, que serviu de
base para esclarecimento de toda ordem, tais como: escoamento,
inclinação da declividade, várzeas, localização dos cursos d’ água,
entre outros, demonstrados no mapa de relevo.
MAPA 13. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR A
MAPA 14. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR B
MAPA 15. RElEVO DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR A
MAPA 16. RElEVO DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR B
168
MÉTODO ECOLÓGICO NA BACIA HIDROGÁFICA DO CAMARAJIPE
VAlOREs HÍDRiCOs
a definição dos valores dos elementos fluviais tem como
objetivo fundamental destacar os principais cursos d’água e suas
nascentes, independente do seu aspecto estrutural. ou seja, não foi
levado em conta se o rio ou córrego está tamponado, canalizado
ou ainda possui suas margens preservadas, mas apontar os compo-
nentes essenciais da malha hídrica. esse procedimento é justificado
por entender que o rio Camarajipe compõe e delimita a bacia
hidrográfica, com o conjunto dos afluentes e seus diversos elemen-
tos, como por exemplo, os brejos, lagoas e áreas úmidas. assim,
fica evidente a compreensão da natureza como um sistema único e
interativo, que a ação em um dos componentes se reflete em todo
o conjunto (MCHarG, 2000; HoUGH, 1995; sPirn, 1994).
o desafio na definição dos elementos de maior e menor
valor foi, sem dúvida, a identificação dos leitos dos pequenos
córregos e os locais próximos as suas nascentes, principalmente
onde existe elevado grau de ocupação e interferência da estrutura
urbana. esse processo de definição foi descrito no final do capítulo
02.
após a etapa de reconhecimento da malha hidrográfica
básica, definindo essa como o maior valor dentre todos na camada
dos processos hídricos, foram determinados os dois outros critérios
de valor.
169
a importância da planície de inundação, como já foi visto
nesse trabalho, foi a diretriz para a definição da segunda escala de
valor. a atenção para essas áreas é justificada pelo papel que
exercem no equilíbrio da dinâmica fluvial, além de estarem direta-
mente conectadas com o sistema de drenagem urbano.
o terceiro valor, inferior aos dois primeiros, se refere especi-
ficamente às zonas de escoamento de drenagem, “o caminho” que
as águas das chuvas percorrem entre as cumeadas e os vales,
alimentando os cursos d’água.
Portanto, os critérios de valoração foram:
• alTo - grau alto de influência hídrica.
• Médio/alTo - influência hídrica de grau médio para alto.
• reGUlar - influência hídrica de grau regular para irrelevante
MAPA 17. VAlORAÇÃO AsPECTOs HÍDRiCOs - sETOR A
MAPA 18. VAlORAÇÃO AsPECTOs HÍDRiCOs - sETOR B
172
VAlOREs ACERCA DA EsTRUTURA FÍsiCA DOs RiOs
Como já verificado nesse estudo, uma das definições de
riley(1998) para restauração de um rio urbano é promover o resta-
belecimento de um estado anterior próximo ou igual ao original, no
que se refere às características físicas do rio. Com base nessa defini-
ção, foi ajustado o critério de valoração dos aspectos físicos dos
cursos d´água, compreendendo que a situação mais próxima a um
estado original ou que não foi descaracterizado por ações de toda a
sorte, representaria o caminho para salvaguardar a integridade
ambiental do elemento fluvial e ponto de partida para iniciativas de
restauro.
os córregos, riachos, rios, brejos e as zonas alagáveis que
não sofreram intervenções ou que sofreram alguma, mas resguar-
dam ainda algum traço de um estado nativo(original), foram classifi-
cadas como trechos mais aptos ao restauro, sendo considerados de
alto valor (figura 53). Também é relevante a proximidade das
Fig. 53 TRECHO DO RiO CAMARAjiPE COM AlTA VAlORAÇÃO REFERENTE A EsTRUTURA FÍsiCA (FONTE: ACERVO PEssOAl DO AUTOR, 2014)
173
nascentes, em especial os afluentes adjacentes ao trecho inicial do
rio Camarajipe.
aqueles cursos d’água ou elementos fluviais que estão retifi-
cados e canalizados, contudo visíveis, ou seja, interagem de alguma
maneira com a estrutura urbana, foram classificados como de valor
Médio/alTo. essa escala de valor teve por base o princìpio de
visibilidade definido por Hough (1998), que afirma a sua importância
diante dos processos naturais em detrimento dos que permanecem
ocultos.
o critério com valoração inferior (regular) foi definido para
aqueles cursos d’água ou trechos deles que estão com extensões
consideráveis de canalizações ou encapsulados. esses últimos se
encontram “invisíveis” em períodos de estiagem, porém podem
“despertar” e emergir de forma dramática, se fazendo visíveis em
ocasião de índices pluviométricos acima das médias históricas.
Contudo, nem todos foram classificados nesse critério, mas sim os
que possuem algum tipo de representatividade, devido a sua impor-
tância hídrica na bacia quanto ao aspecto geofísico. a exemplo
daqueles presentes nos grandes vales ou os que estão adjacentes, a
montante e a jusante, de trechos de valoração mais elevada.
assim, os níveis de valores acerca da estrutura física dos rios
foram legendados como:
• alTo - estrutura do curso d’água próxima ao original.
• Médio/alTo - interferências urbanísticas relevantes na
estrutura do curso.
• reGUlar - rio com representatividade, porém com alto grau
de desestruturação (em grande parte oculto em galerias).
MAPA 19. VAlORAÇÃO DA EsTRUTURA DOs RiOs - sETOR A
MAPA 20. VAlORAÇÃO DA EsTRUTURA DOs RiOs - sETOR B
176
VAlOREs REFERENTEs à ÁgUA sUBTERRâNEA
o propósito da camada de valoração da água subterrânea foi
a representação do potencial de recarga e vazão nos diferentes
locais da bacia. sobre essa questão, relacionada à capacidade de
fluxo do aquífero em salvador, o geólogo sérgio a. de Morais (2010)
comenta:
O Sistema Aquífero da parte alta da cidade de Salva-
dor não é homogêneo, visto que apresenta característi-
cas hidrogeológicas diferentes entre as coberturas in-
tergranulares e o embasamento cristalino embora esteja
intrinsecamente interligado do ponto de vista hidráulico.
Geomorfologicamente é constituído por quatro blocos
topográficos bem distintos que formam o planalto cos-
teiro dissecado e a região de mares de morros, limitados
pelas falhas geológicas de Salvador, do Iguatemi e do
Jardim de Allah, respectivamente, com direções varian-
do de N15° a N30° e pelo fraturamento transversal leste-
-oeste que passa pelo vale do Terminal Rodoviário de
Salvador. O bloco situado à NW apresenta a maior alti-
tude, sendo responsável pelas nascentes dos maiores
rios que drenam Salvador, destacando-se o Camarujipe,
o Pituaçu e o Jaguaripe. Nesse bloco encontram-se os
mais altos valores potenciométricos da água subterrâ-
nea cujo fluxo segue para leste e sul em direção ao Oce-
ano Atlântico e para norte, em direção à bacia do rio
Ipitanga (MORAIS, 2010, p. 145).
a região próxima à nascente do rio Camarajipe possui o mais
alto valor no que se refere às águas subterrâneas, uma vez que o local é
como um “divisor de águas” (mapa 21), onde se encontram as cabecei-
ras dos principais rios do município. Portanto, a região com maior
capacidade de fluxo será a com maior valoração.
os demais critérios acompanharam a lógica de ser mais apto
ou não para a recarga e vazão do aquífero. os elevados índices de
pluviosidade conjugados aos altos volumes de contribuição dos
177
dejetos domésticos e as perdas nas redes de abastecimento são
fatores que corroboram para a condição de constante recarga do
aquífero (Morais, 2010).
sobre o embasamento cristalino, local onde se encontra a
nascente do rio Camarujipe, o pesquisador afirma:
[...] o alto do embasamento cristalino com menor
magnitude é verificado no trecho que vai do bairro da
Graça ao Centro Histórico da cidade. Nesse alto, nascem
alguns rios de pequeno porte, destacando-se entre eles
o Lucaia, cuja nascente está localizada na região do vale
dos Barris próximo à Estação da Lapa. Alguns afluentes
da margem direita do rio Camarujipe, como é o caso dos
riachos Campinas e das Tripas também nascem a partir
desse alto do embasamento cristalino (MORAIS, 2008,
p.61).
MAPA 21. POTENCiOMETRiA E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NO AlTO CRisTAliNO EM sAlVADOR -BA (FONTE: TEsE DE DOUTORADO: DiAgNósTiCO HiDROgEOlógiCO, HiDROqUÍMiCO E DA qUAliDADE DA ÁgUA DO AqUÍFERO FREÁTiCO DO AlTO CRisTAliNO DE sAlVADOR - BAHiA, séRgiO AUgUsTO DE MORAis NAsCiMENTO, 2008, P. 62) (liNHA VERDE, iNTERFERÊNCiA sOBRE O MAPA iNDiCANDO A BACiA DO RiO CAMARAjiPE, ÁREA MAis ClARA CiRCUNsCRiTA)
178
na legenda do mapa as escalas de valoração foram assim
definidas:
• alTo - valor elevado para a recarga e vazão do aquífero.
• Médio/alTo - valor de alto para regular, para a recarga e
vazão do aquífero.
• reGUlar - valor de regular para baixo, para a recarga e
vazão do aquífero.
é imperativo o monitoramento e proteção das regiões com
mais potencial de recarga e vazão portanto, mais sensíveis no que se
referem às águas subterrâneas, uma vez que a:
[...] reserva reguladora ou renovável é o volume hídri-
co acumulado no aqüífero em decorrência da porosida-
de efetiva e do coeficiente de armazenamento, que varia
anualmente em decorrência de aportes sazonais de chu-
vas (MORAIS, 2008, p. 96)
sobre a relação da urbanização com a degradação das água
McHarg acrescenta:
A contaminação das águas subterrâneas pode afetar
as águas superficiais e inversamente; a urbanização afeta a
taxa de escoamento, de erosão e sedimentação, torna tur-
va a água, diminui os organismo aquáticos reduzindo as-
sim a depuração natural. Tudo isso resultara em custos
para dragagem do canal, como também na potabilização
das águas e, possivelmente, terá rebatimento no regime de
secas e inundações. (MCHARG, 2000, p.56)
MAPA 22. VAlORAÇÃO DA ACERCA DA lOCAliZAÇÃO E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NA BACiA - sETOR A
MAPA 23. VAlORAÇÃO DA ACERCA DA lOCAliZAÇÃO E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NA BACiA - sETOR B
182
VAlOREs DE FlORA E FAUNA
a camada que representa os valores de flora e fauna teve
como principal suporte para sua elaboração os espaços livres sem
ação antrópica ou com intervenção reduzida. as ferramentas
utilizadas para identificação desses espaços foram visitas ao local
e a utilização das imagens de satélite atualizadas (2013/2014).
o critério para a valoração mais elevada considerou aque-
les espaços livres sequenciais que possuíssem vegetação forman-
do um conjunto considerável entre ambientes aquáticos e flora e,
consequentemente, a fauna. assim, os locais contíguos ao leito
dos rios que apresentam cobertura vegetal menos alterada, con-
tribuindo para os atributos positivos do processo hídrico, foram
aqueles melhor valorados.
a região denominada como “miolo de salvador”27 apresen-
ta importante extensão de cobertura vegetal preservada. dentre
esses vales se destacam aqueles que integram parte da bacia
hidrográfica do rio Camarajipe. Certamente, entre os conjuntos de
vegetação nessa área, que atendem aos requisitos de maior valo-
ração dentro da bacia, destacam-se três grandes conjuntos.
o primeiro é a área das antigas represas do Prata e Mata
escura (figura 54), localizada entre os bairros homônimos a essa
[27] o Miolo de salvador é assim denominado desde os estudos do Plano diretor de desenvolvimento Urbano para a Cidade de salvador (PlandUrB) da década de 1970. este nome se deve ao fato da região situar-se, em termos geográficos, na parte central do município de salvador, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 115 km, ele está entre a Br 324 e a avenida luiz viana Filho, mais conhecida como avenida Paralela, estendendo-se desde o bairro da saramandaia até o limite norte do Município.
a região vem sendo aceleradamente ocupada por população de baixa renda, tanto através de programas governamentais como pela ocupação espontânea. é também objeto de grandes investi-mentos dos setores secundário e terciário da economia. Contudo, apesar de sua expressividade e importância, não é muito conhecido pela maioria da população soteropolitana (Fernandes, r.,2004).
183
Fig. 54 ÁREA COM VAlOR ElEVADO DE COBERTURA VEgETAl (sEMiNATURAl E NATURAl) NAs iMEDiAÇÕEs DA ANTigA REPREsA DE MATA EsCURA E PRATA (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)
segunda, e o Cabula, local de importantes nascentes de afluentes do
lado direito do rio Camarajipe. esse conjunto é intrínseco estoque
biológico e essencial para o equilíbrio de um futuro corredor biológi-
co formado pela restauração do Camarajipe. sobre essa região, o
PddU de 2002 destaca:
Os conjuntos vegetais, nos seus diferentes estágios de
regeneração, bem como a vegetação antropizada, contri-
buem para a qualidade urbano-ambiental, na medida em
que aumentam a permeabilidade do solo com reflexos
para a recarga de aqüíferos e para a redução das inunda-
ções. Propiciam a contenção das encostas, amenizam as
condições mesoclimáticas, filtram o ar, reduzindo o monó-
xido de carbono e proporcionam conforto visual em áreas
ocupadas. A vegetação modifica as características dos
ventos, intercepta a radiação solar, reduz a incidência da
precipitação sobre o solo e altera a concentração da umi-
dade na atmosfera e nas superfícies adjacentes (PDDU,
2002, apud MORAIS, 2008, p. 56).
184
o segundo (figura 55) e não menos importante, é o conjunto
de vegetação que margeia a avenida luís eduardo Magalhães e
avenida luiz vianna Filho (avenida Paralela). esse está em área de
domínio do 19º Batalhão de Caçadores(exército). apesar da maior
parte dessa região não estar inserida na bacia ela é de extrema im-
portância pelo alto grau de conservação (porém já antropizado) e
extensão como conjunto de vegetação significante. é um excelente
repositório biológico e fundamental para formação de corredor bioló-
gico, além de ser nascente de cursos d’água tributários da bacia. a
flora e fauna têm alta valoração nessa região, como relata a reporta-
gem do jornal a Tarde, de julho de 2012:
Militares já testemunharam na área pertencente ao
19º BC: tamanduás, tatus, antas, araras-azuis pequenas,
gaviões e muitos outros. Além disso, é possível avistar
palmeiras, begônias, jacarandás, figueiras e uma série
de espécies nativas da mata atlântica. “Um patrimônio
genético que pode, posteriormente, ser usado em pes-
quisas diversas”,alertou o professor de ecologia e
184
Fig. 55 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA CONsiDERÁVEl, ÁREA DO 19º BC, AV. lUÍs EDUARDO MAgAlHÃEs ADjACENTE A UM AFlUENTE DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014.)
185185
Fig. 56 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA NA CABECEiRA DO RiO CAMARAjiPE. POssÍVEl OBsERVAR iNTERVENÇÃO ViÁRiA, EXPREssANDO O CARÁTER DE FRAgiliDADE (gOOglE EARTH, 2014)
pesquisador da Unijorge, Edinaldo Luz das Nevez. (COR-
REIA, 2012)
o último conjunto e o mais sensível é a região próxima a
nascente do rio Camarajipe (figura 56). essa fragilidade é decorrente
de pressão habitacional e vulnerabilidade física e social da ocupa-
ção. esse espaço é potencialmente relevante para iniciar o processo
de restauro do rio Camarajipe.
a respeito da interrelação entre flora e fauna e a importância
das zonas ripárias nos processos hídricos riley(1998) declara:
[...]Zonas ripárias com água corrente, solos úmidos,
ricos em nutrientes possuem produtividade relativa-
mente elevada de vegetação, sendo verdadeiros corre-
dores para migração e transporte ecológico, tal comple-
xidade estrutural contribui para a diversidade
paisagística dessas regiões.[...] As características dos
diversos habitat mudam drasticamente com apenas pe-
quenas variações topográficas, como o gradiente do
186
canal de água corrente no curso d’água com densa flo-
resta no leito; a duração e época das enchentes pode ser
fundamental para os tipos de espécies e densidades.
Tais mudanças nessa dinâmicas devem ser permitidas
afetar essas comunidades vegetais e animais, ou vamos
perdê-las. Importante para a produtividade biológica
dos rios e planícies de inundação essa dinâmica foi de-
nominado o pulso de inundação. As planícies aluviais
não são apenas uma características físicas do rio, é Im-
prescindível para a diversidade biológica, mas também
tem relação com o calendário e a frequência sazonais da
cheias ao longo das margens, aonde os fluxos e inunda-
ções das várzeas podem afetar profundamente o siste-
ma ecológico. Quando tais pulsos naturais de água são
alterados por canalização, drenagem, barragens ou ou-
tras influências, foram encontradas mudanças nas co-
munidades de plantas e diferentes composições de es-
pécies (RILEY,1998,p.96-97).
o segundo critério de valoração se refere às áreas de cober-
tura vegetal reduzida e com vegetação não uniforme, abrangendo as
“bordas” ou contornos das zonas com maior valoração.
Compreende-se que essa “borda” é fundamental para formar uma
espécie de gradiente com as zonas de baixo e alto valor.
o critério subsequente é relativo às áreas com potencial para
beneficiar os processos hídricos. nelas foram incorporadas regiões
de conexão entre as zonas com maior valoração. Áreas das cumea-
das também se destacam nesse critério, pois nesses espaços a
vegetação tem o potencial de maior permeabilidade e penetração
das águas no solo, retardando, desse modo, o escoamento das
partes mais altas para as baixas. além disso os talvegues nas proxi-
midades dos cursos d’água fazem o escoamento das partes mais
187
altas. é importante enfatizar que essa última escala de valoração é
referência enquanto potencialidade e não uma condição existente.
descrição da escala de valores na legenda:
• alTo - área de flora/fauna em extensão considerável próxima
a cursos d’água.
• Médio/alTo - área de flora/fauna de menor extensão, com
valor médio para os processos hídricos.
• reGUlar - área com potencial para flora/fauna com vistas a
melhoria dos processos fluviais.
MAPA 24. VAlORAÇÃO DA FlORA E FAUNA - sETOR A
MAPA 25. VAlORAÇÃO DA FlORA E FAUNA - sETOR B
190
VAlOREs UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO
Quase em toda a extensão, o rio Camarajipe possui sua
planície de inundação ocupada e o uso solo apresenta variações de
três principais tipos: sistema viário, ocupação de grandes lotes para
fins comerciais e serviços e institucional. na cabeceira do rio é
possível verificar um padrão habitacional de regu-
lar para baixo no que se refere à vulnerabilidade
social e ausência de infra-estrutura urbana.
entre esses tipos, podemos destacar uma
zona pela nocividade que causa ao rio Camarajipe,
sendo, consequentemente, um local imprescindível
para uma abordagem no que tange à restauração.
na região do bairro retiro, o uso do solo é predo-
minantemente de serviço e comércio (figura 57). a
especificidade do tipo de uso não é compatível
com os processos hídricos, principalmente por
intensificar a degradação das águas do Camarajipe.
a deterioração ambiental ocorre por esta-
rem instaladas naquele local as empresas de ôni-
bus do transporte coletivo da cidade, além de
outras relacionadas às atividades do setor automo-
tivo. esse uso é caracterizado como nocivo pela
proximidade do leito do rio. assim, a drenagem
desses pátios, bem como as áreas de oficinas de
manutenção e locais para lavagem, escoam para
rio, além de algumas empresas não terem implan-
tado um sistema de ligação à rede de esgoto
urbana, desaguando os dejetos diretamente no
curso d’água.
no entanto, nesse espaço onde se apresen-
ta uma situação ambientalmente desfavorável
pode-se perceber áreas com excelentes Fig. 57 PADRÃO DE UsO OCUPAÇÃO
NO BAiRRO DO RETiRO, PREDOMiNANTEMENTE, gAlPÕEs E ARMAZéNs [EM VERMElHO]. (FONTE: iNTERVENÇÃO DO AUTOR sOBRE gOOglE EARTH, 2014)
191191
Fig. 58 PADRÃO DE UsO OCUPAÇÃO NO BAiRRO DO RETiRO, COTA DE ElEVAÇÃO DOs lOTEs PRóXiMA à liNHA D’ÁgUA (FOTO DO AUTOR, 2013)
oportunidades no que se refere à requalificação do tipo de uso do
solo ao longo do rio, com vistas ao restauro da paisagem fluvial. o
potencial dessa área é justificado pela cota de elevação dos lotes que
está próxima à linha d’água com pouca variação topográfica (figura
58) e, principalmente, por extensão de aproximadamente 700.000m2.
a maior parte é ocupada por edificações de comércio e serviço, com
grandes galpões e armazéns, com lotes e edificações de grande
volume e baixa densidade construída, sendo potencialmente relevante
no caso de relocação e remodelação do terreno visando à restaura-
ção da planície de inundação e do próprio leito do rio.
além da ocupação dessa área que, de certa forma, potenciali-
za a degradação das águas, outros espaços possuem valoração alta
do uso do solo em relação ao potencial para restauração de rio urba-
no. essas zonas acompanham o critério de valoração que exprime
possibilidades de restauro da paisagem fluvial, ou aquelas que depen-
deriam de menor esforço para a visíbilidade dos processos fluviais,
beneficiando assim os processos hídricos na estrutura urbana.
192
os critérios de médio, alto e regular seguem essa lógica.
Portanto, essas escalas são gradações de uso do solo referentes à
potencialidade para o restauro do rio Camarajipe e revitalização
hídrica da bacia. o exemplo de critério adotado para definição das
zonas médio/alta foi a identificação dos espaços livres e menos ocu-
pados que, apesar de não serem tão extensos se comparados com os
de maior valoração, possuem relação indireta com a dinâmica fluvial.
é possível reconhecer nesses espaços de médio/alto valor a possibili-
dade de requalificação do uso do solo, porém não como os de maior
valoração, outra característica de algumas das áreas médias/altas é a
proximidade, isto é, áreas no contorno das zonas de maior valoração.
a escala de menor valoração, ou com potencial menos eleva-
do em comparação com as outras áreas aqui comentadas, são as
identificadas como regular. esses espaços foram valorados dessa
maneira pela interferência regular na dinâmica fluvial dos cursos
d’água na bacia hidrográfica, a exemplo das áreas com habitações
que margeiam o rio, com construções ou os “fundos”, isto é as
paredes externas descem até o leito do curso d’água ou até mesmo
sobre o leito, obstruindo-o. os espaços entendidos como conexão
entre os de valoração superior também foram incorporado nessa
escala.
a legenda das pranchas de uso e ocupação do solo foi assim
definida:
• alTo - espaços livres ou com potencial elevado para
desapropriação, próximos aos cursos d’água e propícios para
o restauro e valorização dos elementos hídricos.
• Médio/alTo - pequenos espaços livres ou com potencial
mediano para desapropriação, próximos aos cursos d’água e
propícios para o restauro e valorização dos elementos
hídricos.
• reGUlar - zonas de conexão entre as de valores alto e
médio-alto e com interferência regular na dinâmica fluvial.
observando todo o prisma no qual se insere o uso e ocupa-
ção, é pertinente como consideração final sobre esse tema, a requa-
lificação do uso do solo em alguns pontos chave na bacia se apre-
senta como instrumento imprescindível para as potencialidades de
restauro do rio Camarajipe.
MAPA 26. VAlORAÇÃO REFERENTE AO UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO - sETOR A
MAPA 27. VAlORAÇÃO REFERENTE AO UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO - sETOR B
196
VAlOREs RECREATiVOs E CÊNiCOs
é inegável que a cidade de salvador tem no oceano o cerne
da sua identidade simbólica hídrica. dessa forma, a influência das
duas frentes marítimas, a orla atlântica, “desbravada” com mais
intensidade a partir do século XiX e, principalmente, a Baía de Todos
os santos, mais antiga, sítio inicial e âmago do crescimento mononu-
cleado que perdurou até meados do século XX. essa frente, em
particular, detém proeminente valor histórico nacional. assim, ques-
tões relacionadas à recreação, lazer, esportes, ócio contemplativo,
fundos cênicos, entre outros, estão diretamente ligadas às regiões à
beira mar ou locais de atrativo visual de paisagem com elementos
marítimos ou o próprio mar.
Porém, outros elementos hídricos possuem representativida-
de para a população soteropolitana, a exemplo das lagoas e as
diversas fontes d’água. esse destaque imagético dos outros elemen-
tos hídricos advém em grande parte dos cultos religiosos da matriz
africana e da forte ligação que se estabelece com a natureza. não
seria prudente descrever a relação entre os cultos religiosos afro-
-brasileiros e os elementos da natureza, em especial as águas, por
ser esse um tema bastante complexo e que exigiria um maior apro-
fundamento. Compartilha-se da opinião de Hough (1995) acerca da
simbologia do elemento água sobre o qual ele afirma:
[...] que a água, talvez mais do que qualquer outro
elemento da paisagem, tem um significado espiritual e
simbólico profundamente enraizado, ao qual o planeja-
mento deve responder. Como um elemento de grande
poder sensorial, a água tem sido historicamente maneja-
da e moldada para criar lugares agradáveis e belos; tam-
bém tem sido reflexos das atitudes culturais em relação
à natureza (HOUGH, 1995, p.81).
197
a utilização dos elementos hídricos como lagoas, brejos,
cursos d’água e as áreas adjacentes a esses, para lazer, recreação,
atividades esportivas diversas, afirmação cultural através de cultos e
rituais religiosos e valorização do potencial cênico na cidade foi o
objetivo principal na elaboração dessa camada.
os potenciais descritos acima possuem uma dupla função.
além de favorecerem a qualidade de vida dos habitantes e valoriza-
ção de zonas socialmente vulneráveis, esses atrativos e atributos
foram considerados fundamentais para a restauração do rio, compre-
endendo que essa dupla função pode ser harmoniosa e complemen-
tar ao objetivo de melhoria ambiental e restauração dos rios urbanos.
Compreendendo o protagonismo das frentes marítimas em
relação ao tema da camada em questão e o potencial para o lazer,
recreação e oportunidades cênicas dos espaços próximos aos cursos
d’água, é importante esclarecer dois pontos sobre esses espaços e
essa valoração na bacia:
• o primeiro é sobre o aspecto da ocupação da região do “miolo”
de salvador como áreas adjacentes, no que se refere à localização
geográfica na cidade desse conjunto de ocupação. são áreas
densamente habitadas, distantes das frentes marítimas o que
caracteriza a carência de espaços aprazíveis, atributos cênicos
positivos, assim como há escassez de áreas destinadas ao lazer e
recreação.
• o outro é relativo às mesmas localidades citadas acima, porém
referente ao padrão de ocupação, pois essa zonas possuem um
elevado grau de vulnerabilidade social e desestruturação dos
elementos urbanos e dispositivos sanitários. a fragilidade social,
urbana e ambiental dessas localidades guarda também em si um
potencial contido no que se refere à insuficiência de atributos de
lazer e recreação.
198
não obstante, existem locais livres próxi-
mos a essa área com vulnerabilidade social e
carência de espaços para lazer, fundos cênicos e
recreação, que poderiam agregar tanto atividades
relacionadas a essas necessidades, como a possibi-
lidade de incrementar atributos visuais já existen-
tes. o direcionamento do planejamento teria reba-
timento imediato nos cursos d’água presentes
nesses espaços, estabelecendo um conjunto de
novos atributos relacionados ao lazer e a recrea-
ção, potencializando, desta forma, a restauração
dos rios que integram a bacia.
a valoração desses espaços livres tem
como finalidade o incremento desses atributos
comentados, assim como o fim da ociosidade
dessas regiões, estabelecendo usos e salvaguar-
dando os valores ambientais dessas áreas.
Compreendendo a instabilidade com relação às
pressões habitacionais (figura 59), em decorrência
do déficit nesse setor em salvador, essa insuficiên-
cia, no que diz respeito à moradia, tem reflexo
direto nos espaços livres com atributos ambientais
positivos, transformando rapidamente áreas “ver-
des” em assentamentos consolidados pelas “
invasões” (aglomerados habitacionais subnormais).
os critérios estabelecidos para os valores
mais elevados das camadas foram determinados
pelos espaços que apresentam atributos positivos
para as atividades recreativas e de lazer, como
também para afirmar uma composição cênica Fig. 59 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO
“EsPONTâNEA”, FORMAÇÃO DE AglOMERAÇÃO HABiTACiONAl sUBNORMAl, TRACEjADO VERDE. (FONTE: gOOglE EARTH, 2005, 2007, 2008, 2012 E 2014)
199
capaz de valorizar aspectos da natureza presentes nessas áreas, refor-
çando a identidade e consolidando valores culturais, ambientais e
sociais da cidade.
o critério médio/alto identificou os espaços que estão conjuga-
dos aos territórios com maior valoração e que detêm alguma possibili-
dade de reforçar a aproximação dos habitantes com zonas destinadas
ao lazer, recreação e/ou fortalecendo também os espaços com atribu-
tos cênicos positivos, bem como os locais possíveis de estabelecer
conexão entre os de maior valoração, de modo a servir como “ponte”
entre as zonas com a escala mais alta.
o último parâmetro estabelecido foi das zonas que não pos-
suem atributos favoráveis, contudo apresentam potencial para valori-
zação dos processos hídricos.
a escala de valores referente à camada de recreação e atribu-
tos cênicos foi assim descrita na legenda:
• alTo - área com grau elevado para recreação e lazer conjugado
aos cursos d’água. alto valor cênico intrínseco.
• Médio/alTo - área com valor passível para recreação e lazer.
valor cênico mediano, espaços estritamente de conexão entre
as zonas com alto potencial.
• reGUlar - área com potencial cênico e/ou para recreação/
lazer com vistas à valorização dos processos fluviais.
MAPA 28. VAlORAÇÃO DAs OPORTUNiDADEs RECREATiVAs E CÊNiCAs - sETOR A
MAPA 29. VAlORAÇÃO DAs OPORTUNiDADEs RECREATiVAs E CÊNiCAs - sETOR B
202
VAlOREs DE RisCO E VUlNERABiliDADEs
indubitavelmente, a inserção dessa camada se fez necessária
logo nos primeiros momentos ao definir e aplicar o método ecológi-
co na bacia, por estar diretamente ligada às tragédias ocasionadas
pelas enchentes recorrentes no período chuvoso, com grandes
repercussões nas áreas do entorno ao rio e, por rebatimento, em
outras áreas da cidade.
a interação da natureza com os habitantes, na maioria das
vezes, ocorre de forma não harmoniosa no ambiente urbano.
segundo Forman (2010), existem quatro formas de descrever essa
interação, sendo as duas primeiras as pessoas interferindo na natu-
reza de forma positiva e negativa e as outras duas, a natureza inter-
ferindo na vida das pessoas de forma negativa e positiva. ainda
segundo o autor, o impacto humano sobre a natureza tem poucas
consequências positivas, que podem se mostrar úteis, sobretudo,
quando a natureza foi ou está aviltada. o resultado da interação da
natureza sobre as pessoas tem uma importância geral intermediaria,
tanto para efeitos positivos quanto negativos. Contudo, algumas
dessas consequências são bastante consideráveis, tais como as
catástrofes naturais (ForMan, 2010)
a gravidade das interações negativas da natureza com a vida
humana, que resultam muitas vezes em perdas materiais, apontam
para a importância dessa camada ao se aplicar o método ecológico.
sobre os efeitos negativos das enchentes na bacia hidrográfica do
Camarajipe, dias (2003) afirma:
A maior incidência de inundações encontrou-se na
área de Baixa do Camarajipe onde 26,3% dos domicílios
eram inundados no período de fortes chuvas. Vale res-
saltar que esta área possui na sua parte mais baixa uma
considerável extensão do rio Camarajipe que sofreu as-
soreamento e alterações na sua configuração natural,
203
Fig. 60 MAPEAMENTO DOs PONTOs DE iNUNDAÇÕEs. REgisTROs DA CODEsAl ENTRE Os ANOs DE 2005 A 2013. (FONTE: MAPEAMENTO PElO AUTOR DAs OCORRÊNCiAs DisPONiBiliZADA PElA CODEsAl gOOglE EARTH, 2014)
além de ser indevidamente utilizado como local de des-
carte dos resíduos sólidos gerados pela população local
(DIAS, 2003).
na elaboração da presente camada foram definidos como
valores mais altos, aqueles locais em situação de vulnerabilidade e
risco mais elevado no que se refere às enchentes. Para determinar as
zonas mais vulneráveis foi considerado o arranjo entre os pontos de
ocorrência das enchentes sobrepostos às zonas de influencia fluvial,
isto é, locais com elevação adjacente às margens dos cursos d’água.
os pontos de ocorrência foram disponibilizados pela Codesal, com
o registro das inundações ocorridas no período de 2005 a 2013,
esses locais foram mapeados (figura 60) e sobrepostos às zonas de
influência dos cursos d’água.
o critério de valoração relativo às áreas vulneráveis conside-
rou a elevação do nível dos cursos d’água, diferente da valoração
204
mais elevada que considera os pontos que já foram atingidos por
enchentes. nesse sentido, o critério atual é determinado por aquelas
regiões que podem sofrer com possíveis aumento do nível d’água,
tanto pelas enchentes históricas como por ocasião da elevação das
águas pelo ritmo das marés. as regiões que foram acolhidas nessa
escala de valoração são, principalmente, aquelas que estão próximas
às elevações topográficas nas margens dos cursos d’água, em outras
palavras, ocupação das planícies de inundação.
o último critério da escala de risco e vulnerabilidade refere-
-se à suscetibilidade ao deslizamento de encostas, uma vez que
salvador apresenta um histórico considerável de tragédias decorren-
tes da vulnerabilidade da ocupação desordenada nas encostas.
Para a elaboração desse critério, tomou-se como base o
mapa de riscos geológicos relacionados a encostas do Pde (2004)
(mapa 30), reconhecendo e acolhendo os locais suscetíveis a
MAPA 30. RisCOs gEOlógiCOs RElACiONADOs A ENCOsTAs, iNTERFERÊNCiA DO AUTOR sOBRE O MAPA iNDiCANDO A BACiA DO RiO CAMARAjiPE, ÁREA MAis ClARA CiRCUNsCRiTA (FONTE: PlANO DiRETOR DE EsNCOsTAs, sECRETARiA MUNiCiPAl DO sANEAMENTO E iNFRA-EsTRUTURA URBANA 2004, P.45)
escorregamento de encostas. essas áreas apresentam relação direta
com os processos hídricos no que concerne à vulnerabilidade em
momentos de alta precipitação, afetando os cursos d’água com o
transporte de sedimentos, com reflexo no assoreamento dos leitos
devido ao acúmulo de sedimentos provindos dos deslizamentos das
encostas.
a legenda do mapa representando a valoração das áreas de
vulnerabilidade e risco foi assim definida:
• alTo - pontos de ocorrências de enchentes próximos aos
cursos d’água. alta vulnerabilidade
• Médio/alTo - cotas próximas aos rios (planícies de
inundação) vulneráveis às cheias históricas e zonas suscetíveis
aos deslizamentos das encostas próximas aos talvegues.
• reGUlar - áreas com risco de deslizamento de encostas.
MAPA 31. VAlORAÇÃO DOs RisCOs E VUlNERABiliDADEs - sETOR A
MAPA 32. VAlORAÇÃO DOs RisCOs E VUlNERABiliDADEs - sETOR A
A RESPOSTA DO MÉTODO ECOLÓGICO PARA A BACIA E O CAMARAJIPE
MAPA sÍNTEsE
MAPA 33. MAPA sÍNTEsE - sETOR A
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MAPA 34. MAPA sÍNTEsE - sETOR B
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212
sOBRE A sÍNTEsE
após a definição das escalas de valoração das 07 camadas, o
passo seguinte foi a sobreposição com a finalidade de estabelecer
um mapa síntese, ou seja, a imagem que emerge das vantagens
ecológicas e sociais. segundo a aplicação do método ecológico de
McHarg, para essa etapa foi estabelecido que as camadas apresen-
tassem um mesmo tom (em escala de cinza) e a opacidade relativa
ao resultado da soma das camadas, ou seja, os valores mais altos
quando sobrepostos alcançariam a tonalidade mais escura. assim,
quando valores mais elevados coincidem em todas as camadas
numa mesma área, o resultado seria o mais escuro.
inicialmente, tal representação da síntese pode parecer
confusa e sem um sentido definido, uma vez que se diferencia das
representações convencionais de zonas bem delimitadas. sobre essa
questão, McHarg(1969) argumenta:
A aparência anárquica se deve por estarmos acostu-
mados a monótona regularidade do zoneamento, pois
não estamos habituados a perceber a verdadeira diver-
sidade do meio natural, nem a responder com os nossos
planos a esta diversidade (MCHARG, 2000, p.115).
Para a análise do mapa síntese, foram consideradas as
manchas mais escuras que possuem dimensão considerável. desse
modo, mesmo que uma área seja identificada com o tom mais escu-
ro na escala de tons de cinza, isto é, as zonas mais propícias, não
necessariamente vão ser avalizadas, pois a extensão da área tam-
bém foi considerada como critério para as zonas mais bem
avaliadas.
213
o resultado da sobreposição ou mapa síntese forneceu duas
condições fundamentais para o direcionamento acerca do planeja-
mento da bacia hidrográfica do rio Camarajipe:
• o primeiro se refere à bacia hidrográfica e à capacidade de valori-
zação ambiental, indicando áreas propícias para a revitalização,
valorização e preservação dos processos hídricos, a fim de cola-
borar com o restauro do principal curso d’água da bacia, o rio
Camarajipe. Zonas de sUPorTe definem as áreas identificadas
na síntese com a capacidade de fornecer o amparo ecológico e
hídrico estando aptas a estabelecer conexão entre o rio e as di-
versas zonas de suporte.
• o outro sentido se refere ao rio, em particular sua várzea e os ele-
mentos da paisagem fluvial do Camarajipe, identificando áreas
mais propicias ou idôneas para o restauro, compreendendo o res-
tauro como a ação de retornar a um estado anterior ou a re-natu-
ralização do rio. TreCHos de resTaUro são aqueles mais favo-
ráveis ao restauro, com vocação para deixar de ser um local
degradado, com baixo valor ambiental, nocivo no que se refere à
insalubridade sanitária. Como também foco de desastres devido
às enchentes, para se tornar um cenário onde o rio se integra a
paisagem, no que concerne a visibilidade, catalisador e semeador
educacional para uma reformulada abordagem para com os cur-
sos d’água. reaproximando o rio Camarajipe ao ambiente urbano,
com o intuito de fomentar melhorias ambientais em salvador.
assim, as respostas que o mapa síntese apresenta nesse
estudo correspondem à valorização ambiental na bacia, identifican-
do as possíveis zonas de suporte hídrico e biológico para o rio
Camarajipe, buscando a formação de um corredor gênico interligan-
do as zonas de maior valor ambiental. Para viabilizar esse corredor
ecológico, é necessário que o percurso (rio) ofereça condições
214
ambientais favoráveis para esse objetivo. dessa maneira, o restauro
do curso d’água e suas margens é imperativo. Consequentemente, a
utilização da síntese auxiliou na identificação dos trechos do rio com
requisitos positivos para o restauro.
o mapa (resumo de avaliação) exposto a seguir é tão somen-
te a interpretação e simplificação da síntese, porém representado
sem a distinção entre as zonas de suporte e os trechos de restauro.
a definição de apresentar o mapa sem divisão teve como propósito
a exposição do panorama geral, isto é, a composição resultante
desses dois tipos de vertentes, entendendo essas como um conjunto
interdependente, representando o mais elevado potencial ambiental
na bacia hidrográfica do rio Camarajipe.
215
MAPA 35. REsUMO DE AVAliAÇÃO
216
ZONAs DE sUPORTE
as zonas de suporte identificadas no mapa com o mesmo
nome foram destacadas para definir as áreas com potencial de
valorização ambiental para estruturar e melhorar biologicamente os
processos fluviais que envolvem o rio Camarajipe. o mapa síntese
revelou regiões mais relevantes. o critério para o destaque dessas
zonas é a concentração das manchas mais escuras, ou seja, peque-
nas manchas isoladas não foram consideradas nessas etapa.
Contudo é notória a importância ambiental dessas pequenas ilhas.
nessa análise foram consideradas as manchas conectadas e de
grandes proporções com relação à escala urbana.
Com vistas ao “reequilíbrio” ambiental e hídrico da bacia, as
zonas de suporte estão diretamente ligadas à capacidade do rio
Camarajipe responder às ações de restauro, acelerando, intensifi-
cando e garantindo o reequilíbrio enunciado, visando a recuperação
da dinâmica biológica e hídrica de outrora.
outros aspectos pertinentes a maior parcela dessas zonas de
suporte, dizem respeito à fragilidade ambiental frente às mudanças
impostas pelos constantes avanços e transformações da estrutura
urbana sobre essas áreas. a emergência do planejamento ecológico
direcionando a aplicabilidade do uso dessas zonas de suporte,
compreendendo o potencial ambiental pertinentes a elas, se faz
categórica. a urgência é justificada quando a intensidade da fruição
urbana compromete a integridade dessas zonas, já tão rarefeitas, na
bacia hidrográfica. a instabilidade das áreas de suporte, exemplifica-
das nas (figuras 61 a 62), confirma a fragilidade sob constante pres-
são da estrutura urbana sobre os locais seminaturais. esse processo
se apresenta como uma constante nas cidades brasileiras. a
Fig. 61 MOsAiCO EXEMPliFiCANDO FRAgiliDADE DAs ZONAs DE sUPORTE DEViDO OCUPAÇÃO iNFORMAl E EVOlUÇÃO DA iNFRAEsTRUTURA ViÁRiA, ÁREA ADjACENTE AO RiO CAMARAjiPE(AZUl/BRANCO), PERÍMETRO TRACEjADO EM VERMElHO sÃO PERDAs DE COBERTURA VEgETAl (FONTEs: 1959, iNFORMEs/CONDER. 2008, 2005 E 2014 iNTERVENÇÃO DO AUTOR sOBRE iMAgENs DO gOOglE EARTH)
2008
2005
1959
2014
Fig. 62 OCUPAÇÃO “lEgAl E FORMAl” DEsCONFigURANDO ÁREAs COM COBERTURA VEgETAl RElEVANTE E ZONAs úMiDAs (PEqUENO BREjO). COMPROMETiMENTO DE UMA DAs NAsCENTE DO CAMARAjiPE, iNTERFERÊNCiA NA DiNâMiCA HiDRiCA. (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014
218
descrição de Pellegrino(2006) é pertinente para se entender o
modelo vigente:
Sabe-se que os processos de desmatamento com a re-
tirada de vegetação original, o reafeiçoamento topográfi-
co para implantação de vias e edificações, a impermeabili-
zação do solo e a implantação de obras de drenagem
convencionais modificam hidrologicamente uma bacia hi-
drográfica aumentando a velocidade de escoamento das
águas para o seu curso principal, contribuindo para o
agravamento das inundações e a poluição difusa das
águas. Contudo, reduções significativas da cobertura ve-
getal são intrínsecas ao estabelecimento das áreas urba-
nas, proporcionalmente à ampliação dos processos de im-
permeabilização do solo (PELLEGRINO et al, 2006 p.58).
essas zonas, em sua maioria, estão localizadas na adjacêcia das
regiões da cidade com médio a baixo padrão habitacional e de estrutura,
formada principalmente por aglomerados habitacionais sub normais com
nítida vulnerabilidade social (figura 63). nesses locais é inegável o poten-
cial que as zonas de suporte resguardam, pois nelas observam-se duas
necessidades: a urgência para preservação das poucas áreas semi natu-
rais e naturais que ainda restam na bacia e a escassez das áreas de ame-
nidade, para as atividades recreativas, lazer e reaproximação dos habitan-
tes com a natureza.
Fig. 63 AglOMERADOs sUBNORMAis ADjACENTEs As ZONAs DE sUPORTE, REgiÕEs VUlNERÁVEis AMBiENTAlMENTE, PORéM COM POTENCiAl PARA CONjUNÇÃO ENTRE RECREAÇÃO E PREsERVAÇÃO.(FOTO DO AUTOR, 2013)
219
MAPA 36. ZONAs DE sUPORTE
220
TRECHOs DE REsTAURO
Como mencionado no capitulo 01, o distanciamento entre as
cidades e seus rios não é exclusividade de salvador, e sim uma
constante nas grandes cidades brasileiras. após aceitar essa realida-
de, é necessária a compreensão do grau de distanciamento que as
diversas regiões da cidade ao longo do Camarajipe se encontram.
assim, o entendimento do fato que, mesmo estando a bacia hidro-
gráfica ambientalmente fragilizada e seu principal rio deteriorado,
quase ocultos, sem qualquer valor simbólico, ambiental ou mesmo
paisagístico, é pertinente a investigação com objetivo propositivo
para o direcionamento do planejamento considerando os valores
ecológicos.
o procedimento para identificar os trechos mais propícios
para o restauro foi conduzido de maneira similar aos das zonas de
suporte. desta forma, é possível afirmar que, mesmo tendo alcança-
do valorações elevadas, graficamente evidenciadas pelos tons mais
escuros, ao longo de todo o seu curso, optou-se aqui por destacar as
áreas com extensão significativas no contexto da bacia. essa rele-
vância é relativa às áreas com tonalidades mais escuras adjacente às
margens, compreendendo assim que os trechos de restauro se
apresentariam mais relevantes próximos ou conjugados às zonas de
suporte.
o “diálogo” entre os trechos de restauro e as zonas de supor-
te é categórico no que se refere ao possível êxito de qualquer ação
advinda de plano e diretrizes especificas objetivando o restauro do
rio. a união dessas duas condições conceituais (trechos de restauro
e zonas de suporte), aqui determinadas como linha condutora da
análise e direcionamento da síntese, fortaleceria ambas. isso porque
221
MAPA 37. OCUPAÇÃO URBANA E CONDiÇÃO DE HABiTABiliDADE EM sAlVADOR(FONTE: gORDilHO-sOUZA, ANgElA, liMiTEs DO HABiTAR, 2008. EM RElATóRiO DO DiAgNósTiCO DOs sERViÇOs DE DRENAgEM PlUViAl URBANA DE sAlVADOR, 2010)
a natureza, seus processos e suas interações, podem ser considera-
dos como um sistema único. assim, intervenções para a valorização
ambiental e de restauro de curso d’água influenciariam positivamen-
te de maneira mútua (MCHarG, 2000; HoUGH, 1995; sPirn, 1994).
outro aspecto que se apresenta similar ao encontrado nas
áreas de suporte é a emergência, no que tange à fragilidade estrutu-
ral, ambiental e, principalmente, hídrica. apenas dois dos seis tre-
chos de restauro destacados não estão localizados próximos a
regiões de maior concentração habitacional subnormal (mapa 37),
ou seja, socialmente vulneráveis. são áreas com pouca ou até des-
providas de infraestrutura básica, além de diminutos espaços ou
equipamentos para lazer e recreação. Portanto, a vulnerabilidade
relativa aos espaços ao longo do rio que alcançaram as maiores
valorações torna eminente uma abordagem ecológica para o plane-
jamento dessas.
222
a suscetibilidade à degradação, pertinente a tre-
chos de margens e algumas áreas da planície de inunda-
ção, é decorrente do fato que esses lugares conservam
ainda características próximas ao do seu estado original.
entretanto, a qualidade da suas águas e o potencial de
auto-depuração não acompanha esse quadro, estando
excessivamente comprometido, independente dos estado
das margens.
essa situação é análoga às zonas de suporte:
degradação social e ambiental, escassez de área destinada
à recreação e pouca relação do ambiente urbano com
elementos da natureza (figura 64).
outra preocupação enfrentada desde o início
desse estudo foi a compreensão da bacia do rio
Camarajipe e qual seria o procedimento adequado para
minimizar impactos de enchentes, tanto nas regiões aden-
sadas com baixo padrão habitacional e nos equipamentos
da infra-estrutura vitais para o funcionamento da cidade.
vale salientar que próximo ao leito do Camarajipe mar-
geiam as avenidas com maiores fluxos da metrópole, além
do principal acesso rodoviário a salvador e de importantes
instalações de mobilidade intra e interurbana, a exemplo
do terminal rodoviário. devido a esses fatores foi verifica-
da a possibilidade de confrontar a restauração do rio e
compreender como essa poderia ter efeito na mitigação
dos impactos das enchentes.
apropriando-se dessas variáveis provindas dos
impactos negativos da interação da natureza sobre a
cidade, lembrando que esses impactos também são uma
espécie de resposta para as ações agressivas e contínuas
222
Fig. 64 PANORAMA DA OCUPAÇÃO URBANA, PRiMEiRO PlANO gAlPÕEs NO BAiRRO DO RETiRO, sEgUNDO PlANO REgiÃO DO BAiRRO DO PAU MiúDO (ACERVO DO AUTOR, 2014)
223
da estrutura urbana sobre a natureza, foi estabelecido que, além do
restauro questões acerca da capacidade da cidade resistir a esses
impactos deveriam ser consideras nas ações de planejamento. a
figura 65 ajuda a visualizar a real possibilidade de elevação no núme-
ros de inundações, representando assim um risco real para as regiões
contíguas aos cursos d’água.
Para responder essas considerações, foi verificada na síntese
a possibilidade de conjugar o restauro a outras soluções, tais como,
o uso de espaços de armazenamento temporário do volumes pluvio-
métricos acima da capacidade de escoamento do rio Camarajipe. ao
longo da aplicação do método e de visitas in loco foi verificado que
algumas zonas já exerciam, de certo modo, a atribuição de espaços
inundáveis, funcionando como uma espécie de reservatório regula-
dor de fluxo. nesse sentido, a apropriação desses espaços, adequan-
do e potencializando sua capacidade, se apresenta como uma possi-
bilidade de articulação para o restauro.
após a aplicação do método e a interpretação do mapa
síntese, a expressão “determinismo fisiográfico”, descrita por
McHarg, se tornou mais inteligível, pois as mesmas áreas que apre-
sentaram as características descritas anteriormente coincidiram com
as manchas de valoração mais elevada na síntese, em particular o
Fig. 65 NúMERO DE REgisTROs DE DEsAsTREs. (FONTE: COMO CONsTRUiR CiDADEs MAis REsiliENTEs. UM gUiA PARA gEsTOREs PúBliCOs lOCAis, THE UNiTED NATiONs OFFiCE FOR A DisAsTER Risk REDUCTiON EMDAT-CRED, BRUXElAs. NOVEMBRE DE 2012.)
224
conjunto entre T02(trecho de restauro) + Z08(zonas de suporte),
além da T01+(Z02+Z04+Z05+Z06) e a Z09. estes conjuntos seriam
positivos para redução de danos nas regiões predominantemente
habitacionais.
Já o conjunto do T04+T03, imediações do bairro do retiro,
foi compreendido como a região com o maior potencial para mitigar
inundações prevenindo danos para a infraestrutura e equipamentos
urbanos. entretanto, diferentente daquelas zonas acima citadas, não
exerce a função de armazenamento temporário, apesar de possuir
predicados para essa função. Por apresentar uso do solo incompatí-
vel para essa atribuição, isto é, atualmente as inundações nessa
localidades são danosas aos que ali estão estabelecidos, é necessá-
ria uma requalificação fundiária através de relocações.
o mosaico da figura 64 ratifica a situação de vulnerabilidade
no que diz respeito à suscetibilidade a danos causados por enchen-
tes aos equipamento urbanos, como mostram os registros fotográfi-
cos, onde se vê a perigosa aproximação entre a estação intermodal
acesso norte (metrô e ônibus) e o leito do rio Camarajipe. nas
imagens também é possível visualizar o já referido T04(trecho de
restauro 04).
nesse trecho fica evidente que a junção das caracteristicas
relativas aos lotes, isto é, lotes de grandes proporções com a presen-
ça de tipologias de edificações exclusivamente compostas por
galpões, somando-se ao padrão de uso do solo, predominantemen-
te, comercial e de serviços, indica a intenção defendida nesse estudo
para com a requalificação fundiária urbana com vista o restauro do
rio Camarajipe. doravante a valorização e aproveitamento paisagís-
tico do local propiciará um reencontro da cidade com seus rios, no
caso, o Camarajipe.
Fig. 66 MOsAiCO DE FOTOs sOBRE A siTUAÇÃO DE VUlNERABiliDADE DE EqUiPAMENTO URBANO DE gRANDE FlUXO: PROXiMiDADE ENTRE O lEiTO DO RiO CAMARAjiPE E A EsTAÇÃO iNTERMODAl ACEssO NORTE DE METRô E ôNiBUs (FONTEs: 01 ACERVO DO AUTOR, 02 A 04 ÁlBUM DE FOTOs DO gOVERNO DA BAHiA, HTTP://gOO.gl/qOUXgi, 2011)
226
o potencial de utilização desse trecho para atividades recreativas
e de lazer(figura 64), restaurando valores ambientais das paisagens
fluviais, vem se somar à importância da utilização desse local como
exemplo, ou passo inicial, para acrescentar a salvador características de
uma cidade resiliente.
sobre o restauro do rio Camarajipe e a relevância de se estabele-
cer um diálogo com os atores diretamente envolvidos, riley(1998) pro-
põe alguns ganchos para o imprescindível envolvimento da comunidade
no processo de elaboração das estratégias para o restauro. Por exemplo:
o controle da erosão e redução dos danos causados por inundações,
melhoria dos bairros envolvidos e recriação do senso de comunidade,
preservação e valorização histórica e cultural, surgimento e acréscimo
das atividades esportivas e recreativas envolvendo as imediações de
cursos d’ água, oportunidades educacionais, implantação de trilhas e
“greenways” (corredores verdes urbanos), mudanças no uso do solo para
mitigar, recuperar, restaurar valores ecológicos no tocante a qualidade
das águas.
Fig. 67 TRECHO DE REsTAURO (T04), POTENCiAl PARA ATiViDADEs RECREATiVAs E DE lAZER CONjUNTAMENTE A AÇÕEs DE REsTAURO. (ACERVO DO AUTOR, 2014)
227
MAPA 38. TRECHOs DE REsTAURO
228
CONEXÃO ENTRE VAlORAÇÃO E REsTAURO
as ações de planejamento tendem a enfrentar os fatores
ambientais e as questões ecológicas como obstáculos para o desen-
volvimento da cidade e estabelecimento da estrutura urbana sobre o
ambiente natural. Com o objetivo de mensurar esses “obstáculos” os
atores envolvidos nas ações de planejamento tendem a utilizar parâ-
metros oriundos do monitoramento de séries históricas, tais como;
recorrências periódicas, médias anuais e valores máximos e mínimos.
Como por exemplos: as médias pluviométricas dos meses, divisão
entre períodos de estiagem e chuvas, como também a relação da
frequência de inundações, que descrevem a recorrência dos maiores
índices, e elevações de “X” em “X” anos.
esses dados não devem ser desconsiderados ou menospreza-
dos nas ações de planejamento, porém, é imprescindível uma reflexão
sobre a utilização desses parâmetros e até que momento eles serão
eficazes e confiáveis. Questões referentes aos ciclos de medições que,
de qualquer modo, representam uma parcela pequena de tempo
consideram a dinâmica dos ecossistemas e as respostas que esses
dão após a interferência humana.
é fundamental uma transformação dos fundamentos básicos
do planejamento para a utilização da ecologia como veículo conceitu-
al nos planos, ações e intervenções nas cidades.(HoUGH, 1995) nesse
sentido, é necessário considerar possíveis oscilações no panorama
urbano influenciados pelas mudanças climáticas, pela elevação dos
níveis dos oceanos, alterações no regime das chuvas, elasticidade dos
períodos de recorrências de inundações, assim como também altera-
ções dos limites máximos e mínimos que mensuram os diversos fato-
res naturais.
a transformação dos fundamentos citados acima perpassa um
novo olhar sobre o ambiente urbano e a compreensão de que a
229
natureza não existe ou “desapareceu” da cidade. na visão do autor
deste estudo, a abordagem mais adequada para com os processos
naturais, no contexto da bacia do Camarajipe, é a compreensão de um
estado de latência da natureza em detrimento da supremacia do
ambiente edificado ou artificial.
a evolução da estrutura urbana na bacia hidrográfica objeto
do presente estudo acarretou no isolamento de áreas naturais ou
seminaturais, essa dinâmica foi influenciada por diversos motivos.
desses destacam-se uma característica que, até certo ponto, salva-
guarda essas áreas é a suscetibilidade a risco de desastres naturais
que essas regiões representam, ou seja, essas “ilhas” de ecossistema
preservados, ainda que isoladas dos aglomerados são importantes
ecologicamente.
no entanto, Pellegrino(2006) chama a atenção para esses
espaços fragmentados, pois a quebra de continuidade dos ecossiste-
mas naturais podem resultar em pequenas áreas sem conectividade.
os fluxos biológicos entre os aglomerados de zonas de supor-
te (d.06)29 podem sugerir que os sistemas de espaços livres – infra
estrutura verde – indiquem funções mais apropriadas, tais como
circulação e acessibilidade, locais de recreação ou mera contempla-
ção da paisagem.
a conexão entre os aglomerados por intermédio do rio (d.05 e
d.06) permite a proximidade (percolação) entre as manchas ou frag-
mentos de ecossistemas naturais. (Pellegrino et al, 2006). os corredo-
res ou rede de vias lineares conectando ainda diferente dos espaços
próximos podem conectar fragmentos e zonas anteriormente unidas.
nas áreas urbanas adensadas as áreas naturais e seminaturais
conectadas pelos corredores verdes, além de via de acesso para
[29] o prefixo “d.” refere-se a etapa do diagrama (d.), representado na figura 68
230
moradores, e recomposição da fauna e flora(espécies de animais e
plantas) e da água (córregos, canais ou rios), melhorando as condições
inerentes à dinâmica hídrica(d.07 e d.08), potencializam o restauro e a
qualidade das águas próximas.
interessa também ressaltar o conceito da rede esmeralda (ou
emerald necklace-colar de esmeradas), as nascentes (pérolas) ou zonas
de suporte (d.02) isoladas, mesmo não formando aglomerados (d.03)
elas potencializam o ecossistema. segundo Forman(2014), “os corredo-
res incluem faixas verde-azuis (rios e córregos), faixas verdes e fios
verdes(trilhas), os quais se tornam ainda mais profícuos quando conec-
tam pequenas áreas verdes (perolas)”
ainda segundo Forman(2014) três componentes da rede esme-
ralda possibilitam resistir a ação humana nos sistemas naturais, pela
urbanização contínua:
(1) grandes áreas naturais (por seu tamanho e integrida-
de); (2) corredores fluviais (a maior parte dos rios é forte
demais para ser coberto ou desviado permanentemente, e
as grandes infraestruturas geralmente são paralelas aos
rios); e (3) um cordão de pérolas (um trajeto bem utilizado,
conectando parques locais, e que recebe apoio político).
(FORMAN, 2014, p.317)
Cabe então salientar que as ações de planejamento urbano
voltadas para uma economia verde, ou aplicação de um método ecoló-
gico com vistas à mitigação de impactos ambientais, na perspectiva do
estudo em questão, indica que as zonas de suporte e os trechos de
restauro devem compor uma rede multifuncional de fragmentos perme-
áveis e vegetados para restabelecer a dinâmica hídrica, a interligação
de parques- corredores verdes, recomposição das matas ciliares para
deter as águas de chuvas, com objetivo de restaurar o rio e sua
paisagem.
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Z19
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9
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Fig. 68 DiAgRAMA DE CONEXÃO ENTRE VAlORiZAÇÃO E REsTAURO
Considerações Finais
foto Vicente Sampaio
234
ao longo da realização das análises empreendidas no pre-
sente estudo, alguns elementos precisam ser retomados com o
propósito de expor considerações sobre o uso do método ecológico
em uma bacia hidrográfica urbana bastante adensada, com o propó-
sito de indicar possibilidades de restauração de um rio urbano.
a intenção dos planos e projetos que alteraram o curso do
rio Camarajipe tiveram quase sempre como pano de fundo objetivos
que estavam distantes de considerar o rio um sistema vivo, ou se-
quer pensar o rio como parte de algo maior, a bacia hidrográfica.
nesse sentido, a busca por constituir uma visão, ainda que provisó-
ria, dos aspectos ambientais para indicar o restauro de um rio urba-
no, cujo traçado percorre uma zona adensada e com estratos sociais
diversos, apresentou-se como um desafio, mas que continha a possi-
bilidade de inaugurar uma percepção diferente do rio Camarajipe.
a pretensão inicial desse estudo, ao considerar o rio uma
artéria viva apontou para a abordagem do planejamento com vistas
à natureza desenvolvida por ian McHarg, no seu livro design With
nature (1969).
Para McHarg, o modelo da natureza não era uma sugestão,
mas um imperativo, uma ordem a seguir. essa proposta determinista
deve ser entendida no contexto dos anos 1960, quando a ciência era
entendida como a panacéia global. sua interpretação de “oportuni-
dade” ecológica para um bom planejamento significava que a leitura
correta da paisagem deveria necessariamente estabelecer um dese-
nho apropriado, onde forma e função são indissociáveis.
(lisTer,2006)(tradução livre do autor)
dessa forma, é preciso demarcar a importância do método
mcharguiano como ferramenta de trabalho no sentido de aprender e
compreender os processos físicos e biológicos como etapas
235
indispensáveis para uma proposição de mudanças no planejamento
urbano com viés ecológico. no entanto, a aplicabilidade do método
ao “urbanismo contemporâneo exige uma perspectiva multifocal,
que abarque as noções de forma, função espaço e fluxos através de
camadas dinâmicas” (lisTer, 2014,p.538).
entretanto, conforme o delineamento da pesquisa que tinha
sido empreendido, algumas questões emergiram, tais com o impasse
entre a visão do método de McHarg(1969) e as situações apontadas
por riley(1998) para restauração de um rio urbano. segundo riley,
as mutipropostas constitutivas do planejamento ecológico de
McHarg perpassam outros objetivos e articulam diferentes aborda-
gens, e diferentes agentes que requisitam e financiam o
planejamento.
especificamente no que diz respeito à restauração de um
curso d´água, a autora enfatiza a importância do envolvimento da
comunidade adjacente ao rio a ser restaurado e de se estabelecer
junto com as pessoas qual o objetivo e a finalidade da ação.
segundo riley(1998), é importante inventariar, mapear, mas, mais
ainda, “capturar a imaginação das pessoas”, no sentido de que a
restauração de um rio é também um resgate da identidade cultural
da comunidade do entorno.
então, a questão colocada a partir da visão macro e determi-
nista de McHarg e a visão micro de restauração de rios e córregos
de riley, o que esse estudo permitiu concluir ou considerar?
no capítulo que trata dos rios urbanos pretendeu-se recolher
ou inventariar o “processo histórico” das intervenções no rio
Camarajipe, conforme riley aponta como etapa fundamental para
compreender a dinâmica do rio a ser restaurado com a finalidade de
236
indicar as condições de equilíbrio que antecediam as mudanças no
seu percurso.
a solução conciliatória para articular a abordagem teórica de
McHarg e as ações operativas de restauro de riley, a partir das
análises e da revisão bibliográfica, tornou evidente a necessidade de
aplicar o método ecológico na bacia hidrográfica. no sistemático
trabalho de mapeamento dos processos naturais é possível indicar
nas manchas ações de restauro do rio. Portanto, o estudo aqui
desenvolvido buscou analisar e adequar a compreensão do método
ecológico de McHarg com vistas a constituir uma escala passível de
valoração ambiental da bacia hidrográfica para possibilitar ações
futuras de restauro do rio Camarajipe, considerando o rio como
elemento estruturador do seu entorno e garantir a sua sobrevivência,
a partir de sua importância e sua relação com a cidade.
Há, no entanto, uma questão eminente que é o estado de
degradação atual do rio, mesmo nos trechos ambientalmente sensí-
veis, o que indica o estado de negligenciamento e comprometimen-
to ambiental e visual, em detrimento da ocupação urbana e da
expansão do sistema viário.
se, ao longo dos anos, seu curso foi alterado, reconduzido
para uma nova foz, sua sobrevivência atual como sistema vivo en-
contra-se comprometida frente ao modelo de intervenção que vem
se sucedendo nos últimos anos na cidade do salvador, como por
exemplo, retificações, canalizações e principalmente encapsulamen-
to, ou seja, o desaparecimento total dos rios e córregos da paisagem
urbana.
237
a proposição do presente estudo é que as considerações
possam abrir novas perspectivas, colaborando nesse momento
(2015), em que a crise hídrica ganha contornos preocupantes, para
as reflexões sobre o convívio das cidades com suas águas. Bem
como, as questões aqui discutidas e analisadas, mesmo aquelas que
não foram respondidas, possam demarcar a intenção e sentido no
tocante à importância da visibilidade do rio nas paisagens urbanas
brasileiras. abordando o restauro como possibilidade de reequilíbrio
ambiental, com o propósito central de intensificar a reaproximação
entre as cidades e seus rios.
238
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMOPrograma de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB