Download - Dissertação I - páginas iniciais e índices
Dissertao I - pginas iniciais e ndices
O ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE: O MTODO PORTUGUS EM TIMOR E A IMPORTNCIA DO
TTUM (L1) NA AQUISIO DO PORTUGUS (L2)
Ana Sofia Rodrigues dos Santos
Dissertao de Mestrado em Ensino do Portugus como L2 e LE
FEVEREIRO DE 2009
Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau
de Mestre em Ensino do Portugus como L2 e LE,
realizada sob a co-orientao cientfica do Professor Doutor Paulo Jos Tente da Rocha
Santos Osrio e da Professora Doutora Maria do Rosrio Monteiro.
DECLARAES
Declaro que esta Dissertao se encontra em condies de ser apreciada pelo jri a
designar.
A candidata,
_____________________________________
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2009
Declaro que esta Dissertao se encontra em condies de ser apresentada a provas
pblicas.
Os orientadores,
_________________________ _________________________
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2009
DEDICATRIA
luz que sempre iluminou e iluminar o meu caminho, A minha linda av Maria.
AGRADECIMENTOS
A todos os que de alguma forma ajudaram na elaborao deste trabalho, este o
momento de agradecer. Com todos vs, este trabalho tornou-se menos pesado.
O Professor Doutor Paulo Osrio, meu orientador, merece o primeiro agradecimento.
Sempre disponvel para retirar dvidas (mesmo distncia), sempre preocupado em
seguir o meu trabalho e as minhas preocupaes, foi uma pedra basilar dando-me sempre
vontade de avanar. Tambm a Professora Doutora Ana Madeira merece um
agradecimento especial pela constante ajuda na rea da Aquisio de L2, sem esquecer
tambm todo o apoio fora do mbito desta dissertao.
E, como a universidade no se esgota nos professores, necessrio tambm agradecer a
todos os colegas que, de uma forma ou de outra, me ajudaram neste processo de
crescimento.
No posso tambm deixar de agradecer a todos os que me ajudaram na minha formao
acadmica e profissional anterior ao mestrado, especialmente s minhas queridas
orientadoras de estgio pedaggico na rea da Lngua Portuguesa e amigas, a Mestre Ana
Teresa Neto e a Professora Doutora Ana Isabel Mata, esta ltima tendo-me aberto as
portas a Timor-Leste.
Ao Instituto Cames, com destaque especial para a equipa IC-Dli de 2004-2006
(Adriana Gesteiro, Flvia Ba, Nelson Gonalves, Jos Ado, Joo Paulo Esperana,
Professora Maria Jos Albarran de Carvalho e Professor Jos Mattoso, D. Helena e co-
docentes), por terem sido a melhor famlia que eu poderia ter tido nesses meus dois anos
de Timor.
No posso deixar de agradecer aos meus queridos alunos da Universidade Nacional de
Timor Lorosae pela sua preciosa colaborao no estudo que com eles pude desenvolver.
Obrigadu barak ba imi!
Todos os familiares foram tambm importantes no apoio, pacincia, fora e coragem.
Aos meus pais, meus exemplos de vida e minha fora motriz; ao meu mano pela amizade
e companheirismo; ao meu primo Quim pelo constante incentivo e acompanhamento; aos
sempre presentes Adede, Alfra, Carlo, Mint e Rita, Rui, Tony, Zito e sobrinhos, pelo
carinho e momentos constantes de alegria. restante famlia, a minha gratido.
s minhas amigas, que o so e sero para sempre, e que, por isso, merecem um lugar
especial nestes agradecimentos: Ana Morais, Maria Tavares, Ana Loureiro, Noelia
Alcarazo.
Ao Hlio, que me apoia sempre incondicionalmente em qualquer deciso que eu tenha
que tomar, que me guia, que me d a mo quando pareo desfalecer e cair. Ao meu porto
de abrigo, meu refgio e meu amor Muito obrigada!
minha av materna, minha av Maria, a quem dedico este trabalho, por me ensinar
tudo o que sei, por fazer de mim tudo o que sou, atravs do seu exemplo de humildade,
de coragem, de esprito de sacrifcio e de fora guerreira de mulher. Sei que neste
momento est contente comigo. E sei que o Cu partilha da alegria dela!
RESUMO
Esta investigao, inserida no mbito do mestrado em Ensino do Portugus como
Lngua Segunda e Lngua Estrangeira, pretende examinar o enquadramento da Lngua
Portuguesa e a sua actual situao de ensino em Timor-Leste, relevando, de forma
particular, o perodo desde que foi elevada a lngua co-oficial e a partir do qual se lanou
o Projecto de Reintroduo da Lngua Portuguesa. Para tal, objectiva-se compreender
em que contexto surgiu o mtodo de ensino Portugus em Timor, especificamente
concebido para o panorama de ensino timorense.
Para alcanar estes objectivos, procede-se a uma anlise descritiva do mtodo,
tomando em considerao o quadro metodolgico que est na sua base, a forma como
desenvolve as mltiplas competncias da lngua e como veicula os seus contedos
gramaticais e lexicais, bem como apurando a sua organizao interna e as tcnicas
utilizadas para monitorizar as aprendizagens e comparando-o ao mtodo original, o
Portugus Sem Fronteiras.
Aps esta fase, esta investigao observa a influncia da L1 na aquisio da L2, em
particular averiguando a transferncia de parmetros morfolgicos e sintcticos do Ttum
para as gramticas dos estdios inicial e final. Baseando-se em trs hipteses de
gramticas de L2 condicionadas ou no-condicionadas pela Gramtica Universal (GU), a
saber a Hiptese da Diferena Fundamental de Bley-Vroman e Yoshinaga (1992), a
Hiptese das rvores Mnimas de Vainikka e Young-Scholten (1994 e 1996) e a
Hiptese do Acesso Pleno / Transferncia Plena de Schwartz e Sprouse (1994 e 1996),
pretende este estudo avaliar estas hipteses, visualizando concretamente a influncia da
L1 em relao realizao do sujeito e flexo verbal na gramtica de L2. Depois de
uma abordagem descritiva destas propriedades gramaticais em Ttum e em Portugus,
apresenta-se o estudo realizado, o qual se baseia em textos produzidos por dois grupos de
alunos em nveis distintos de Lngua Portuguesa (inicial e final).
Os resultados obtidos sugerem que h transferncia das propriedades da L1 no
estdio inicial, estando estas propriedades j adquiridas no estdio final, o que constitui
uma evidncia para a verificao da Hiptese do Acesso Pleno / Transferncia Plena.
Segundo esta hiptese, sempre que existe input lingustico da L2, o aprendente analisa-o
com base na sua gramtica da L1. Quando este input incompatvel com a sua L1, o
aprendente vai reestruturar a sua gramtica de interlngua com recurso GU. Assim,
estes resultados comprovam igualmente que a L1 dos alunos dever ser ponderada no
ensino de LP como L2 e/ou LE e que esta considerao dever reflectir-se nos manuais, e
no processo de ensino em geral, como elemento facilitador das aprendizagens.
Atravs deste estudo, confirma-se que o mtodo PET espelha na perfeio a atitude
eurocntrica dos agentes de ensino responsveis pela implementao do ensino do
Portugus em Timor-Leste e verifica-se tambm que esta atitude de ignorncia quanto
realidade lingustica, cultural e socioeconmica dos alunos timorenses dever ser
desafiada e alterada com urgncia, de forma a que o Projecto de Introduo da Lngua
Portuguesa seja bem sucedido naquele pas.
PALAVRAS-CHAVE: metodologias de ensino PLE / PL2, manuais escolares PLE /
PL2, Timor-Leste, aquisio L2.
ABSTRACT
This study, which is part of the Masters Degree in Teaching Portuguese as a
Second and a Foreign Language, aims to examine the current teaching situation in East
Timor with regards to Portuguese, specifically considering the period since it was chosen
as a co-official language and also since the launch of Project for the Reintroduction of the
Portuguese Language. To achieve this goal, we will seek to understand how the
Portugus em Timor textbooks were conceived, focussing on the Timorese teaching
situation.
To achieve these aims, we will undertake a descriptive analysis of the textbooks,
taking into account the methodological framework underpinning them, and the way in
which they develop language skills and teach grammar and lexis. Added to this, we will
examine the internal organization of the books and the techniques used to supervise
learning. The textbooks will be compared to the original Portugus Sem Fronteiras.
This investigation will then analyse the role played by the L1 in L2 acquisition, in
particular morphological and syntactical parameter-transfer from Ttum into the initial
and final state grammars. This study examines three different L2 grammar hypotheses,
conditioned or not by Universal Grammar (UG), namely the Fundamental Difference
Hypothesis by Bley-Vroman and Yoshinaga (1992), the Minimal Tree Hypothesis by
Vainikka and Young-Scholten (1994 and 1996) and the Full Access / Full Transfer
Hypothesis by Schwartz and Sprouse (1994 and 1996). These hypotheses will be
assessed, examining expressly the L1 influence on subject realization and on verbal
inflection during the initial and final states of L2 grammars. After a descriptive analysis
of these grammatical features in Ttum and in Portuguese, we will present the
investigation we undertook, which was based on texts written by two different groups of
students at different levels of Portuguese (initial and final).
The results of our study indicate that the transfer of these L1 features occurs in the
initial state and that these features have already been acquired in the final state of L2
acquisition, which leads us into validating the Full Access / Full Transfer Hypothesis.
According to this hypothesis, whenever L2 linguistic input exists, the learner will analyse
it with reference to his L1 grammar. When this input is incompatible with his L1, the
learner will restructure his interlingual grammar, accessing the UG. Therefore, these
results confirm that the students L1 should be taken into account when teaching
Portuguese as a SL and/or a FL, and that this consideration should be reflected in
textbooks, and in the teaching process generally, as something which makes the learning
process smoother.
Through our analysis, we could prove that the Portugus em Timor method is a
perfect example of the eurocentric attitude of those responsible for the implementation
of the teaching of Portuguese in East Timor. Also, we could verify that this position of
ignorance concerning the linguistic, cultural and socioeconomical reality of Timorese
students should be immediately challenged, in order to benefit the Project for the
Reintroduction of the Portuguese Language.
KEYWORDS: PFL / PSL teaching methodologies, PFL/PSL textbooks, East Timor, SL
acquisition.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS USADAS
APP: Associao de Professores de Portugus
CIDAC: Centro de Informao e Documentao Anti-Colonial
CNRT: Congresso Nacional da Reconstruo de Timor
CPLP: Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa
GU: Gramtica Universal
IC: Instituto Cames
IIE: Instituto de Inovao Educacional
L1: Lngua Materna
L2: Lngua Segunda
LE: Lngua Estrangeira
LM: Lngua Materna
LNM: Lngua No Materna
LP: Lngua Portuguesa
LS: Lngua Segunda
ONU: Organizao das Naes Unidas
PET1: Portugus em Timor 1
PET2: Portugus em Timor 2
PL2: Portugus Lngua Segunda
PLE: Portugus Lngua Estrangeira
PRLP: Projecto de Reintroduo da Lngua Portuguesa
PSF1: Portugus Sem Fronteiras 1
PSF2: Portugus Sem Fronteiras 2
RDTL: Repblica Democrtica de Timor-Leste
SIMELP: Simpsio Mundial de Estudos de Lngua Portuguesa
UNTAET: United Nations Transitional Administration in East Timor
UNTL: Universidade Nacional de Timor Lorosae
NDICE
Introduo.................... p.1
Captulo 1: Enquadramento histrico e cultural do Portugus e do seu ensino em Timor-
Leste...... p.6
1. As noes de Lngua Materna, Lngua Segunda e Lngua Estrangeira................ p.6
2. A Lngua Portuguesa em Timor-Leste... p.8
Captulo 2: Anlise dos manuais Portugus em Timor 1 e 2............................................. p.17
1. Quadro terico e metodolgico (anlise das caractersticas)............................. p.17
2. Descrio e anlise da sua organizao e consequncias para as aprendizagens
....... p.21
3. Aprendizagem das competncias e contedos lingusticos....................... p.23
A. Aprendizagem da leitura.. p.23
B. Aprendizagem da escrita.. p.26
C. Aprendizagem da oralidade.. p.28
D. Aprendizagem do lxico.. p.30
E. Aprendizagem da gramtica..... p.34
4. Presena de actividades de monitorizao da aprendizagem............. p.35
Captulo 3: Adaptao do mtodo Portugus Sem Fronteiras ao ensino em Timor-Leste
... p.37
1. Contexto de lanamento do mtodo Portugus em Timor............................ p.37
2. Anlise comparativa dos mtodos Portugus Sem Fronteiras e Portugus em Timor
... p.38
Captulo 4: Estudo de caso: A influncia da LM na aquisio e na aprendizagem da
L2... p.42
1. Fundamentao terica.............................. p.43
2. A realizao do sujeito e a flexo verbal em Portugus Europeu e em Ttum...... p.46
3. Antecipao dos resultados possveis, considerando as predies das hipteses
tericas investigadas.. p.48
4. Metodologia................................... p.49
5. Apresentao e anlise dos resultados....... p.50
6. Consideraes finais...................................... p.53
Concluso.................................................................................................................. p.57
Bibliografia... p.61
Anexos... p.69
ndice de Anexos Anexo A: Mapa de Timor-Leste............................................................................................ I
Anexo B: Mapa Lingustico de Timor-Leste. I
Anexo C: As pginas iniciais (ndice, prefcio e tbua de matrias) e a primeira unidade do manual
Portugus Sem Fronteiras 1.............. II
Anexo D: As pginas iniciais (ndice, prefcio e tbua de matrias) e a primeira unidade do manual
Portugus Sem Fronteiras 2.. XIII
Anexo E: As pginas iniciais (ndice, prefcio e tbua de matrias) e a primeira unidade do manual
Portugus Em Timor 1... XXVIII
Anexo F: As pginas iniciais (ndice, prefcio e tbua de matrias) e a primeira unidade do manual
Portugus Em Timor2.... XXXIX
Anexo G: A unidade de reviso das unidades 1 a 5 do manual Portugus em Timor 1........LIV
Anexo H: Os apndices gramaticais do manual Portugus em Timor 1............................... LVIII
Anexo I: Os apndices lexicais do manual Portugus em Timor 1....................................... LXIV
Anexo J: Pginas do manual Portugus em Timor 2 em que surgem fotos alusivas ao contexto
timorense................................................................................................................................ LXXVIII
Anexo K: Pgina do manual Portugus em Timor 2 em que surge um grfico.................... XC
Anexo L: Actividade de desenvolvimento da competncia de leitura.. XCI
Anexo M: Actividade de desenvolvimento da competncia de escrita..... XCVI
Anexo N: Actividade de desenvolvimento da competncia de oralidade. XCVIII
Anexo O: Exemplos diversos de possveis exerccios de lxico decorrentes da explorao de textos
... XCIX
Anexo P: Pginas do manuais PET1 e 2 em que se desenvolve a aprendizagem lexical.. CII
Anexo Q: Exemplo de exerccio de gramtica, segundo o mtodo indutivo. CVII
Anexo R: Exemplos vrios de exerccios de gramtica dos manuais PET1 e 2CIX
Anexo S: Pginas iniciais das Unidades 20 dos manuais PSF1 e PET1, respectivamente... CXVII
Anexo T: Pgina que compe a unidade 9 do manual PET1, relativa alimentao... CXIX
Anexo U: Pgina que compe a unidade 13 do manual PET2.. CXX
Anexo V: Pgina que compe a unidade 15 do manual PET2.. CXXI
Anexo W: Pgina que compe a unidade 15 do manual PET1. CXXII
Anexo X: Pgina que compe a unidade 18 do manual PET1.. CXXIII
Anexo Y: Pgina que compe a unidade 20 do manual PET2...... CXXIV
Anexo Z: Pgina que compe a unidade 2 do manual PET1................................................ CXXV
ndice de Figuras
Figura 1: O Presente Simples do Indicativo do verbo falar em Portugus Europeu e em
Ttum. p. 47
Figura 2: Resultados obtidos quanto realizao do Sujeito....... p. 51
Figura 3: Resultados obtidos no primeiro grupo quanto concordncia verbal.. p. 51
Figura 4: Resultados obtidos no segundo grupo quanto concordncia verbal............... p. 51
1
INTRODUO
Poema do Pacto de Sangue
Nobres h muitos. verdade. Verdade. Homens muitos. muito verdade.
Verdade que com um leno velho As nossas mos foram enlaadas.
Ns, como aliados, eu digo. Panos, s um, tal qual afirmo.
A lua ilumina o meu feitio. O sol ilumina o aliado.
gua de Hler! Pelo vaso sagrado! Nunca esquea isto o aliado. Juntos, combater, eu quero!
Com o aliado, derrotar, eu quero!
A lua ilumina o meu feitio. O sol ilumina o aliado.
Poderemos, talvez, ser derrotados Ou combatidos, mas somente unidos.
Ruy Cinatti1
Ruy Cinatti foi meteorologista, secretrio do governador de Timor, onde viveu
durante alguns anos aps a II Guerra Mundial, chefe dos Servios Agronmicos de
Timor e investigador da Junta de Investigao do Ultramar. Entre muitas outras
actividades, esta personalidade, de nacionalidade portuguesa, desenvolveu um
trabalho potico notvel, expressando nele a sua imensa amizade e admirao pelo
povo timorense e o seu amor Ilha do Sol Nascente, chegando mesmo, em 1971, a
receber o Prmio Camilo Pessanha com Uma Sequncia Timorense. Durante uma das
suas estadas em Timor, Ruy Cinatti celebrou um pacto de sangue com o chefe de uma
linhagem timorense, como smbolo da sua profunda unio cultura e ao povo
timorenses, na sequncia do qual surge este admirvel poema.
A unio referida, como mostraremos adiante, desde h muitos sculos se sente
entre os povos portugus e timorense. Nos momentos de maior sofrimento do povo
timorense na sua luta pela liberdade e nos momentos de maior necessidade na
consolidao da sua independncia, Portugal sempre procurou demonstrar esses laos
importantes e o apoio com o qual Timor-Leste poderia sempre contar, apesar de ter
1 Cf. o stio electrnico http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/ruicinatti.htm, acedido em Fevereiro de 2009.
2
sido o pas que o colonizou por aproximadamente 450 anos. Este apoio foi
especialmente sentido em 1975, em que Portugal acolheu as enormes vagas de
imigrao timorense, que fugiam, na altura, ocupao indonsia; em 1999, data em
que se lutou pela independncia da ilha em relao a essa mesma nao; e a partir de
2002, altura em que Portugal assumiu a misso de reintroduzir progressiva e
eficazmente a Lngua Portuguesa no territrio.
Por conseguinte, torna-se fundamental reflectirmos cuidadosamente sobre a
misso de difundir novamente a LP em Timor-Leste e sobre os objectivos a cumprir
pela mesma, de modo a perspectivar-se, com sucesso, o Portugus, enquanto lngua de
escolarizao no pas. Sendo esta a meta a atingir, mltiplos so os objectivos que se
devero delinear para alcan-la. Assim, dever visar-se, primeiramente, a criao de
competncia em LP, em todos os seus contextos de uso, o que de importncia
central. Em segundo lugar, dever esta misso formar profissionais para o ensino de
Portugus, objectivo este tambm primordial, visto que o mesmo ser a garantia da
continuidade alicerada da lngua no territrio. Do mesmo modo, dever tambm
objectivar-se o reforo da convico de que o Portugus tem valor para usos
cientficos e tcnicos, para que ele se assuma progressivamente, por um lado, como
lngua segunda (L2) num pas em que lngua co-oficial e, por outro, para que
enriquea o lxico de lnguas nacionais, nomeadamente do Ttum-praa que se tem
vindo a perspectivar como um crioulo de base lexical portuguesa. Finalmente, dever
ser um objectivo desta misso o desenvolvimento do estudo das lnguas nacionais do
pas, visto que esta se apresenta como uma opo importante e vantajosa para a
aquisio da LP. De facto, justifica-se que as lnguas maternas (LM) dos alunos sejam
formalmente ensinadas a par do Portugus, o que no pode ser observado como um
acto que retire importncia a esta lngua co-oficial, mas deve ser analisado como um
factor de interaco entre lnguas e culturas, interaco esta que se perspectiva como
extremamente necessria para facilitar as aprendizagens e a aquisio da lngua.
As ideias acima delineadas por Maria Helena Mira Mateus (e por ns
comungadas) foram comprovadas durante a sua comunicao sob o tema da Difuso
da Lngua Portuguesa, no 1 SIMELP2, em que apontou inclusivamente estratgias
concretas para que o Portugus se assuma como lngua de escolarizao, a saber: i) a
investigao sobre as lnguas nacionais; ii) a formao de professores de Portugus
2 O 1 SIMELP foi realizado em So Paulo entre os dias 1 e 5 de Setembro de 2008.
3
como L2; iii) o enriquecimento dos lxicos de especialidade; iv) o apoio
governamental a projectos dinamizadores de aces conjuntas e de parcerias com
pases em que o Portugus L2 (caso de Timor-Leste); v) a preparao e produo de
materiais didcticos de Portugus como L2, que primem pela qualidade e relevncia
didctico-pedaggica.
Neste sentido, desenvolve-se a presente dissertao no mbito do Mestrado em
Ensino do Portugus como Lngua Segunda e Lngua Estrangeira, com o intuito de a
mesma constituir uma abordagem ao estatuto do Portugus desde a sua introduo no
territrio timorense at aos dias de hoje, bem como em efectuar uma anlise exaustiva
do primeiro mtodo didctico produzido por especialistas portugueses para o ensino
da lngua especificamente para o contexto de Timor-Leste, com o ttulo de Portugus
em Timor (PET), do qual apenas dois nveis foram at data editados. A presente
dissertao visa, ainda, apresentar um estudo de caso, no tocante influncia da LM
dos alunos (Ttum) no seu processo de aquisio de L2 (Portugus) e importncia
que aquela lngua poder assumir nos materiais didcticos que almejam assumir-se
como veculos facilitadores de aprendizagens.
Convm, neste ponto, explicitar dois aspectos importantes. Primeiramente,
importa referir que, quando mencionamos a Lngua Ttum, ao longo deste estudo,
bem como de toda a dissertao, nos referimos variedade do Ttum de Dli, tambm
conhecido como Ttum-praa. Tal como aponta Hull (2005), o Instituto Nacional de
Lingustica:
() reconhece o ttum-praa (o dialecto ttum de Dli, agora considerado
segunda lngua em todo Timor-Leste) como a base da lngua literria nacional,
hoje em dia apelidado ttun nasionl.3
Assim, embora reconheamos a existncia de outras variedades de Ttum no
territrio de Timor-Leste, como o Ttum-trique (falado nas regies de Soibada, Suai,
etc.) ou o Ttum ocidental ou Beluns (que de influncia malaia e falado na
regio oriental do Timor indonsio e nos distritos de Balib e Suai), ao Ttum-Dli
3 HULL (2005), p. XVI.
4
que damos relevncia no presente texto, por se assumir como lngua franca, nacional e
co-oficial.
Por outro lado, importa mencionar que esta lngua , efectivamente, LM da
totalidade dos alunos que integraram a nossa investigao, embora estes pudessem
estar em contacto com diversas outras lnguas, as quais se assumem como suas L2, no
sentido de terem sido aprendidas aps a sua LM, como o caso do Portugus, do
Malaio-Indonsio e de outras lnguas nacionais, as quais so lnguas faladas, em
muitos casos, pelos seus ascendentes.
No que respeita metodologia adoptada neste estudo, iniciaremos a nossa
anlise por enquadrar histrica e culturalmente a LP e o seu contexto de ensino em
Timor-Leste, distinguindo antecipadamente as noes de Lngua Materna, Lngua
Segunda e Lngua Estrangeira. Aps esta fase, a observao dos manuais acima
mencionados constitui um objectivo fundamental deste estudo, atravs da abordagem
crtica do seu quadro terico e metodolgico, da sua organizao das aprendizagens,
bem como das suas opes quanto ao desenvolvimento das mltiplas competncias da
lngua. Do mesmo modo, integraremos nesta anlise um captulo que ter o intuito de
comentar a adaptao dos manuais intitulados Portugus sem Fronteiras (PSF) 1 e 2
aos manuais PET 1 e 2. No s abordaremos o contexto de lanamento do mtodo
PET, como focaremos o ajustamento de um mtodo criado especificamente para o
contexto europeu e norte-americano ao contexto particular de Timor-Leste. Aps a
anlise didctico-pedaggica dos manuais em estudo, objectiva-se abord-los,
igualmente, de um ponto de vista lingustico, isto , averiguando at que ponto a LM
poder ser utilizada nos manuais como facilitadora da aquisio e aprendizagem da
L2.
Com o objectivo de verificarmos a influncia da LM na aquisio da L2 e a
sua pertinncia nos manuais em anlise, procedemos a um estudo lingustico deste
teor que se integra nesta investigao. Este estudo pretende, assim, observar e
verificar a influncia da L1 na aquisio da L2, em particular, averiguando a
transferncia de parmetros morfolgicos e sintcticos do Ttum para as gramticas
dos estdios inicial e final do Portugus em aprendentes timorenses.
Baseando-se em trs hipteses de gramticas de L2 condicionadas ou no-
condicionadas pela GU, a saber a Hiptese da Diferena Fundamental de Bley-
5
Vroman e Yoshinaga (1992), a Hiptese das rvores Mnimas de Vainikka e Young-
Scholten (1994 e 1996) e a Hiptese do Acesso Pleno / Transferncia Plena de
Schwartz e Sprouse (1994 e 1996), visa o presente estudo avaliar estas hipteses,
examinando concretamente a influncia da L1 em relao realizao do Sujeito e
flexo verbal nas gramticas dos estdios inicial e final de L2.
Aps uma abordagem descritiva das propriedades gramaticais em anlise em
Ttum e em Portugus, evidenciar-se-, nesta pesquisa, a investigao efectuada com
estudantes timorenses, aprendentes de Lngua Portuguesa na Universidade Nacional
de Timor Lorosae. Ao longo do nosso estudo, desenvolveu-se uma anlise de textos
produzidos por dois grupos de alunos em nveis distintos de LP (inicial e final), cujos
resultados sero apresentados a posteriori, no sentido de procurarem constituir uma
evidncia para verificar a influncia que, de facto, a L1 poder ter na aquisio da L2
e na eficaz promoo das aprendizagens respeitantes Lngua Portuguesa, sobretudo
atravs da insero adequada e inteligente do Ttum nos manuais escolares.
Finalmente, apresentaremos as concluses da nossa investigao, tentando
contribuir, assim, para uma reflexo sobre o ensino da LP em Timor-Leste e,
particularmente, sobre a feitura de manuais didcticos para contextos em que a LP
LS, os quais se evidenciem pela sua qualidade e relevncia didctico-pedaggica.
6
CAPTULO 1
ENQUADRAMENTO HISTRICO E CULTURAL DO
PORTUGUS E DO SEU ENSINO EM TIMOR-LESTE
1. As noes de Lngua Materna, Lngua Segunda e Lngua Estrangeira
No incio deste captulo, e antes de debatermos a situao especfica da LP em
territrio timorense, importa que nos demoremos um pouco sobre as situaes de
contacto com a mesma, de forma a podermos ajuizar mais claramente sobre o seu
contexto de aprendizagem em Timor-Leste.
A Lngua Materna (LM) perspectivada como sendo a primeira lngua
adquirida, atravs da qual o indivduo se expressa de forma natural e compreende o
meio que o envolve. An (1999), citando W. Mackey (1992), demonstra que este
investigador:
() props trs critrios para definio da lexia lngua materna, segundo
os pases em que desenvolveu o seu estudo: primazia, a primeira lngua
aprendida e a primeira lngua compreendida (), domnio, a lngua que se
domina melhor (), associao, pertena a um determinado grupo cultural ou
tnico.4
Por conseguinte, entende-se o conceito de LM como um elemento de identidade,
o qual no s proporciona ao sujeito um conjunto de ferramentas de comunicao
essenciais, como lhe propicia igualmente um sentimento de propriedade e de pertena
a um determinado contexto cultural e social. A este propsito e reforando esta ideia,
afirma Crispim (1999) que:
() a lngua materna aprende-se na famlia e na vizinhana e aprofunda-
se, quando isso acontece, na escola.5
4 AN (1999), p. 15. 5 CRISPIM (1999), p. 20.
7
Assim, a LM percepcionada como aquela que utilizamos em primeiro lugar e
atravs da qual nos inserimos nos contextos mais imediatos, como o daqueles que nos
so mais prximos. A sua aprendizagem formal, a nvel escolar, poder, portanto, ter
lugar posteriormente ou no. Se tiver, poder inclusivamente coincidir com a
aprendizagem de outras lnguas, as quais denominamos genericamente por Lnguas
No-Maternas (LNM), por serem aquelas que so adquiridas numa instncia
subsequente da LM.
Neste sentido, torna-se relevante distinguirmos dentro das LNM, as noes de
Lngua Segunda e de Lngua Estrangeira. Convm, para esse efeito, distinguir duas
noes de LS, como nos indica An (1999), apoiada em Ngalasso (1992):
() surgem claramente duas definies, uma cronolgica e outra institucional:
a primeira assenta em critrios psicolingusticos e tem a ver com a ordem pela
qual a lngua adquirida, isto , lngua segunda, lngua adquirida em segundo
lugar, a seguir materna; a segunda definio, baseada em critrios
sociolingusticos, aponta para uma lngua internacional, que recobre as funes
sociais consideradas oficiais, num pas dado.6
, portanto, no seguimento destas duas definies que nos parece possvel
distinguir LS e LE, visto que ser o estatuto da lngua que nos permitir tal disjuno.
No seguimento desta ideia, atesta-nos Leiria (2004), apoiada em Stern (1983:16), o
seguinte:
() hoje consensual que, se se quer estabelecer o contraste entre LS e
LE, o termo LS deve ser aplicado para classificar a aprendizagem e o uso de
uma lngua no-nativa dentro de fronteiras territoriais em que ela tem uma
funo reconhecida; enquanto que o termo LE deve ser usado para classificar a
aprendizagem e o uso em espaos onde essa lngua no tem qualquer estatuto
sociopoltico.7
Por conseguinte, referimo-nos a uma lngua como LS quando esta oficial ou
co-oficial num dado territrio. A presente lngua assume-me como lngua da
6 AN (1999), p. 16. 7 LEIRIA (2004), p. 1.
8
administrao e do Estado, o que nos leva a assumir que, para que seja adquirida, no
ter necessariamente que ser atravs de um processo de aprendizagem formal, visto
existir um contexto de imerso lingustica que fornece ao falante um elevado input.
Da, por exemplo, o falante no-nativo aprender a lngua com as caractersticas que
esta possui no local em que ele se encontra em situao de imerso lingustica.
Desta forma, pode perspectivar-se a LS como sendo lngua oficial e lngua
utilizada como meio de escolarizao, o que no se aplica noo de LE. Esta, por
sua vez, cinge-se aos limites do espao da sala de aula, como nos comprova An
(1999):
Lngua Segunda lngua oficial e escolar, enquanto lngua estrangeira,
apenas espao da aula de lngua.8
Assim, LE a lngua que se aprende apenas no contexto de sala de aula (,
portanto, inexistente a situao de imerso lingustica), no sendo oficial no pas em
que se aprende, nem sendo a a lngua de escolarizao. Da mesma forma, so
tambm os objectivos para a sua aprendizagem distintos, como indica Leiria (2004):
LE, pelo contrrio, pode ser aprendida em espaos fisicamente muito
distantes daqueles em que falada e, consequentemente, com recurso,
sobretudo, a ensino formal. () Aprende-se uma lngua para ler textos literrios
ou cientficos, para visitar o pas e poder contactar com os seus habitantes.9
Se tomarmos, ento, em considerao o espao em que a lngua adquirida,
bem como o estatuto que a detm, estes critrios permitir-nos-o realizar uma
distino mais clara entre os diversos contextos de aprendizagem de uma lngua.
2. A Lngua Portuguesa em Timor-Leste
Parece-me que o papel central da lngua portuguesa na civilizao
timorense completamente inquestionvel. Em poucas palavras, se Timor-Leste
8 AN (1999), p. 16. 9 LEIRIA (2004), p. 4.
9
deseja manter uma relao com o seu passado, deve manter o portugus. Se
escolher outra via, um povo com uma longa memria tornar-se- numa nao de
amnsicos, e Timor-Leste sofrer o mesmo destino que todos os pases que,
voltando as costas ao seu passado, tm privado os seus cidados do
conhecimento das lnguas que desempenharam um papel fulcral na gnese da
cultura nacional.10
A histria passada, presente e, seguramente, futura de Timor-Leste espelha
claramente o enlaar profundo das culturas maubere e portuguesa (entre outras) no
territrio. Este enlace reforado, de uma forma mais consistente e profunda, atravs
da comunho da Lngua Portuguesa. Apraz-nos, todavia, olhar brevemente a histria
deste jovem pas para que se possa ter uma viso mais abrangente desta comunho
que, para alm de lingustica, sobretudo histrica e cultural.
Timor-Leste , na verdade, uma ilha qual nos podemos referir, de entre os seus
fenmenos mais antigos, como sendo um agrupamento de pequenos reinos locais
reunidos em dois conjuntos, o dos Belos, a Oriente da ilha, e o do Servio, a
Ocidente. Quando os portugueses aportaram ilha no sculo XV, mais
especificamente ao que hoje em dia denominado por enclave de Oecussi, a fim de
negociarem sndalo, ao se aperceberem desta diviso, foram mantendo relaes
cordiais com os reis locais liurais em Ttum , o que lhes permitiu uma
colonizao mais efectiva e eficaz. Na verdade, aponta Batoro (2007a), citando
Thomaz (2000: 31):
Defende-se que a influncia cultural portuguesa foi proposta e no
imposta, ao contrrio do que aconteceu com a influncia indonsia, imposta
pela lngua, presena militar, estratgia demogrfica e fora econmica do pas
vizinho. Esta particularidade deve-se, em primeiro lugar, ao facto de Portugal
contar com mais de 400 anos de presena religiosa e cultural, a qual precedeu
em mais de um sculo a presena poltica. Por outro lado, Timor no foi
10 HULL (2000), p.39.
10
conquistado, foi abordado por mercadores privados, sendo o catolicismo aceite
independentemente de qualquer relao de dominao.11
Apesar de negativa, como qualquer processo ocupacional, a colonizao do
territrio timorense caracterizou-se por ser francamente distinta da operada, por
exemplo, pelos australianos comunidade aborgene, isto , os portugueses
envolveram-se a vrios nveis com o povo timorense e procuraram que este
mantivesse e preservasse, de uma forma geral, os seus traos culturais, bem como os
seus hbitos e costumes tradicionais. Houve, contudo, algumas tentativas de
aculturao da populao timorense, tentando incutir-se nela padres culturais
ocidentais, facto sugerido no seguinte episdio da obra Crnica de Uma Travessia. A
poca do Ai-Dik-Funam de Lus Cardoso:
J havia directrizes oficiais no sentido de os funcionrios pblicos
tomarem como vesturio roupa ocidental, de acordo com as funes que
exerciam e chegando a haver prerrogativas extensivas aos respectivos
familiares. Minha me j se revoltara com o facto, quando, um dia, o meu pai,
de regresso a casa com a prestao mensal do ordenado na mo, a informou que
os chefes lhe haviam comunicado que as mulheres dos funcionrios deveriam
substituir o seu traje tradicional pelos vestidos ocidentais. Ela respondeu que h
um tempo na vida em que a mudana s pode significar catstrofe. Que no se
sentia trajada para o ridculo, vestida de vestido e mascando a masca.12
Todavia, como se compreende, estas tentativas revelaram-se infrutferas, tendo
os colonos optado por no impor a sua cultura eurocntrica a um povo com
caractersticas to prprias e to profundamente enraizadas.
Por conseguinte, esta diviso do conjunto da ilha de Timor, em duas regies, foi
reforada a partir do princpio do sculo XVIII pela submisso da parte Ocidental aos
holandeses e da parte Oriental aos portugueses (bem como da ilha de Ataro, do ilhu
11 BATORO (2007a), p. 5. 12 CARDOSO (1997), p.52.
11
de Jaco e do enclave de Oecussi), a qual, desde sempre, foi encarada como mais
prxima a este povo:
...a Ponta Leste. Uma terra que tinha como lema um dito de Cames: O
sol logo em nascendo v primeiro.13
As prticas administrativas portuguesas exerceram o papel de coordenao dos
pequenos reinos de liurais e a funo de apaziguamento dos seus conflitos
permanentes. Concomitantemente, a vitria dos aliados, no fim da 2 Guerra Mundial,
reforou o prestgio dos timorenses fiis aos portugueses e, por isso, contribuiu para
aprofundar a diviso entre o Timor portugus e o Timor holands, visto este
ltimo ser favorvel aos japoneses. Desta forma, s razes estruturais, que foram
contribuindo para a manuteno dos laos de solidariedade criados pela colonizao
portuguesa, juntaram-se razes histricas, quer dizer, acontecimentos colectivos
vividos em comum e que foram a base de uma memria comum. Neste sentido, a
conscincia colectiva favoreceu, de certo modo, o aparecimento da noo de
timorenses como ns mesmos, tendo, no final da guerra, esta mesma noo ficado
associada ideia de fidelidade aos portugueses.
A memria colectiva uma componente verdadeiramente importante da noo
de identidade nacional, tendo sido reforada, de forma decisiva, pelos acontecimentos
vividos em Timor-Leste entre os anos de 1974 e 1999. Tendo os antigos
colonizadores oferecido ao pas a possibilidade de obter a independncia, os
violentos conflitos, que eclodiram entre os partidos polticos timorenses, serviram de
pretexto para a invaso e ocupao da nao pela Indonsia em 1975. Os
acontecimentos seguintes foram ainda mais decisivos para a formao da memria
colectiva, visto que todo o povo timorense viveu na pele a brutalidade de uma das
mais cruis ocupaes militares de um territrio por um pas estrangeiro. Na verdade,
o uso da fora bruta e o desrespeito pelos usos e costumes culturais timorenses pelo
invasor contriburam para dar um sentido colectivo resistncia, a qual utilizou, entre
outros instrumentos, a Lngua Portuguesa como baluarte da sua luta pela
independncia. Este feito foi alcanado em 1999, aps a realizao de um referendo
13 CARDOSO (2002), p.83.
12
pela Organizao das Naes Unidas (ONU), cuja deciso foi oficializada a 20 de
Maio de 2002, com a criao do mais jovem pas do Mundo na altura.
Aps a independncia nacional, criou-se uma comisso especial da ONU a
UNTAET para se efectuar a transio do territrio para um Governo e um
Parlamento nacionais. Por conseguinte, a partir da entrada da ONU em Timor-Leste,
inmeros estrangeiros aportaram ao territrio, o que transformou a sociedade
timorense, mais do que antes, num verdadeiro melting pot de lnguas, origens e
culturas. Estas culturas trocam entre si traos, valores e bens. Para Fernand Braudel,
natural que esta troca exista, visto que este dar e receber de experincias culturais
sucede com todas as civilizaes que procedem a contactos mtuos entre si:
A fixidez dos espaos solidamente ocupados e das fronteiras que os
limitam no exclui a permeabilidade dessas mesmas fronteiras perante as
mltiplas viagens dos bens culturais, que no cessam de as atravessar.
Todas as civilizaes exportam e recebem bens culturais.14
Na verdade, no podemos encarar estas trocas de bens culturais como
pejorativas para a comunidade timorense. Pelo contrrio, o contacto com outras
culturas, que do a conhecer a existncia de outras realidades a um povo oprimido
durante vinte e quatro anos e castrado de qualquer contacto produtivo com o exterior,
extremamente positivo. Alis, partilhamos da opinio de Cndido, uma personagem
de Pepetela em Lueji O Nascimento de um Imprio, que considera a cultura como
um organismo vivo, em constante mudana. Se essa mudana uma adulterao,
como julga Olga (outra personagem desta obra), ento, partilhando da posio de
Cndido, encaramo-la como uma adulterao positiva e enriquecedora para os povos
que nela esto envolvidos:
Cndido O homem acaba por no contar, um joguete das foras
superiores. Se o homem no conta, como vai mudar a sociedade e
aperfeioar os mtodos de trabalho? S a educao pode mudar as
14 BRAUDEL (1989), p. 26.
13
coisas, mas uma educao vista em termos globais, de cultura. o
que fazemos l.
Olga Talvez tenhas razo.
Cndido Devemos aproveitar os cnticos, as danas, as outras artes
tradicionais. Mas depurando-as das crendices obscurantistas.
Olga O que significa adulterar a cultura, pois esta um todo.
Cndido Qualquer aperfeioamento uma adulterao. E nenhuma cultura
se mantm parada. Isso queriam os nossos tradicionalistas, para
no perderem os privilgios.
Olga Talvez.
Cndido No te chateio mais. Pe msica. Tens Vivaldi?15
A cultura timorense sofreu, efectivamente, ao longo dos tempos, influncias
vrias, provenientes do prprio continente asitico onde se insere, do continente
europeu e de outros continentes, cujos cooperantes (voluntrios ou no) aportaram ao
territrio nacional. Esta presena multicultural no pas influenciou profundamente,
para alm da populao, as lnguas nacionais.
Com efeito, existe uma considervel diversidade de lnguas e de dialectos no
territrio de Timor-Leste16, embora pouco sobre esta realidade lingustica timorense se
conhea em Portugal e nos outros pases que constituem a CPLP. Das 16 lnguas
existentes, as mais faladas so o Ttum, o Mambae, o Tokodede, o Kemak, o Fataluku,
o Galoli, o Makasae e o Bunak, sendo que, quando os portugueses aportaram ilha no
sculo XV, j o Ttum era utilizado como lngua de comunicao entre os mltiplos
reinos. Este estatuto do Ttum foi reforado durante o perodo da presena
portuguesa, tornando-se a lngua franca por excelncia, mas a lngua de administrao
ou por esta imposta era o Portugus, que passou a ser usado por uma reduzida
percentagem de timorenses em diferentes regies. Durante este perodo, assistiu-se a
uma grande interaco entre as duas lnguas, tendo o Ttum absorvido diverso
vocabulrio da Lngua Portuguesa, o qual passou a ser utilizado diariamente.
15 PEPETELA (1997), p.456. 16 Ver mapas disponveis nos anexos A e B.
14
Durante a ocupao indonsia, sobretudo a partir da dcada de oitenta, a Lngua
Portuguesa tornou-se lingua non grata, desconhecida e repudiada pelos indonsios,
transformando-se na lngua da resistncia armada. O mesmo confirmado por
Carvalho (2001):
(...) Sobretudo, foi a lngua da resistncia, rede comunicativa de maior
valor simblico.17
Por imposies polticas, o Bahasa Indonesia passou a ser a lngua oficial em
Timor-Leste e o Ttum tornou-se na lngua da Igreja Catlica. Nesta altura, o
Portugus passou a ser falado apenas em determinados contextos muito restritos: em
casa (clandestinamente e maioritariamente pelas camadas mais velhas, educadas no
perodo colonial portugus); na missa da nica igreja em Dli que dele no abdicou
a Igreja de Motael; na resistncia armada, como referimos; e em alguns registos
escritos.
Aquando da independncia, os timorenses optaram, em primeiro lugar, por
manter o Ttum e tambm por elevar o Portugus a lngua oficial (em lugar do Ingls
ou do Bahasa Indonsia), escolhendo, simultaneamente, aderir Comunidade de
Pases de Lngua Portuguesa (CPLP). Para justificar a opo pela lngua de Cames, o
povo timorense apelou a valores culturais e histricos, os quais esto profundamente
relacionados com a sua prpria memria colectiva, como atesta Batoro (2007a):
(...) a escolha da Lngua Portuguesa como lngua oficial de Timor-Leste
() vista pelas prprias autoridades timorenses no apenas em funo do
grande enraizamento da herana histrico-cultural portuguesa, mas tambm (e
sobretudo) por uma deciso poltico-estratgica de marcar a identidade nacional
timorense diante da Indonsia e da Austrlia e de ressaltar a sua especificidade
no contexto regional do Sudoeste Asitico e Ocenia.18
17 CARVALHO (2001), p.70. 18 BATORO (2007a), p.4.
15
No seguimento desta opo nacional, os professores e educadores timorenses
sentiram uma grande necessidade de revitalizarem todos os seus conhecimentos em
Lngua Portuguesa, quer do ponto de vista puramente lingustico, da sua prpria
proficincia no uso da lngua, quer do ponto de vista didctico-pedaggico, com a
transmisso dos contedos das suas prprias disciplinas atravs do uso dessa lngua.
Com efeito, so mltiplas as dificuldades dos educadores timorenses, como confirma
Batoro (2008):
Este professor [timorense] trabalha muito, tem grande fora de carcter e
dedicao, muita motivao e vontade, mas no dispe de bases cientficas,
culturais ou educativas, nem sequer de recursos para exercer as suas funes
profissionais de um modo criativo e independente. Vive num pas
predominantemente rural, pobre, com corrupo, sem recursos e com tecnologia
arcaica, sem garantias de emprego. () Alm disso, apresentam especificidades
que podero ser explicadas pela interferncia do Indonsio, lngua de forte
imposio formal, alfabetizao e instruo obrigatrias, ao longo de quase um
quarto de sculo.19
Assim, urgiu a existncia de materiais pedaggicos para o ensino iminente do
Portugus como lngua que, embora se quisesse Segunda, no passava de Estrangeira
para a maioria da populao, visto que, apesar de ser elevada a lngua co-oficial, a
situao de imerso lingustica era (e ainda ) inexistente, sendo o input desta lngua
fora do contexto de sala de aula praticamente nulo. Todavia, materiais e manuais
desta ndole eram totalmente inexistentes em Timor-Leste data da escolha das
lnguas oficiais.
Neste sentido, e para alm de todo o Plano de Reintroduo da Lngua
Portuguesa (PRLP) conduzido pelo Ministrio da Educao e pelo Ministrio dos
Negcios Estrangeiros (este ltimo atravs do Instituto Cames), o Ministrio da
Educao do Governo de Timor-Leste requisitou junto da editora portuguesa Lidel,
editora esta especializada em manuais de ensino do Portugus como Lngua Segunda
19 BATORO (2008), p.5.
16
e Estrangeira, a produo de manuais de Lngua Portuguesa especficos para o
contexto de Timor-Leste.
No seguimento deste pedido, a editora Lidel desenvolveu um mtodo
pedaggico denominado Portugus em Timor, o qual constitudo por um conjunto
de trs livros do aluno, de nvel bsico (1), intermdio (2) e avanado (3), cassetes
udio e livros do professor correspondentes. O Portugus em Timor , assim, a
adaptao ao contexto timorense de um mtodo j existente em Portugal, a saber o
mtodo Portugus Sem Fronteiras.
Nos captulos seguintes deste estudo passaremos anlise dos manuais de nvel
bsico e intermdio Portugus em Timor 1 e 2 respectivamente20, que compararemos,
tambm, com o mtodo em que se baseiam, ou seja, com o Portugus Sem Fronteiras
1 e 221. Do mesmo modo, observaremos, atravs de um pequeno estudo de caso, que
pertinncia tem, para o ensino da LP em Timor-Leste, a incluso do Ttum nos
manuais e a sua considerao por parte dos professores em contexto de sala de aula.
20 O terceiro nvel ainda se encontra no prelo. 21 Para uma melhor percepo destes manuais e da sua anlise nos captulos seguintes, disponibilizamos, nos anexos C, D, E e F, as pginas iniciais e a Unidade 1 de cada manual, a saber, PSF1, PSF2, PET1 e PET2.
17
CAPTULO 2
ANLISE DOS MANUAIS PORTUGUS EM TIMOR 1 E 2
1. Quadro terico e metodolgico (anlise das caractersticas)
Considerando o quadro terico e metodolgico relevante para o processo de
ensino-aprendizagem lingustico, e aps um olhar analtico e crtico dos manuais em
estudo, revela-se clara a opo das autoras pelo Mtodo Expositivo na didctica da
Lngua Portuguesa em Timor-Leste.
Vejamos atentamente os factores que nos levam ao enquadramento e incluso
destes manuais no mbito do mtodo expositivo.
O mtodo expositivo baseia-se no conceito de estrutura do conhecimento, com
base em Bruner22, que implica que aos estudantes sejam apresentadas as ideias-chave
de uma determinada temtica e no conhecimentos fragmentados, e ainda com base
no conceito de aprendizagem significativa, nos termos de Ausubel23, ou seja, de que o
significado de novas matrias s pode emergir se a elas se ligarem estruturas
cognitivas j existentes (para ajudar, sugerido o uso de organizadores prvios:
afirmaes feitas antes da exposio da matria, mas ligadas informao
subsequente).
Por conseguinte, estamos perante um mtodo centrado nos contedos (saber-
saber), mtodo este em que a comunicao se efectua unilateralmente, em que a
relao entre professor e aluno uma relao de carcter formal e em que os alunos
assumem um papel absolutamente passivo na sua aprendizagem.
As fases do mtodo expositivo apresentam-se na sequncia seguinte: i)
apresentao de objectivos para preparar a aprendizagem; ii) apresentao de
organizadores prvios, interligando o que os alunos sabem e o que vo aprender; iii)
exposio da matria, assegurando-se o professor (neste caso, tambm o autor) de
uma sequncia lgica e preocupando-se com o seu significado para os alunos; iv)
consolidao e generalizao do raciocnio. 22 Cf. BRUNER (1966). 23 Cf. AUSUBEL (1978).
18
No seguimento deste olhar descritivo sobre o mtodo expositivo, pode concluir-
se que os manuais Portugus em Timor 1 e 2 se enquadram nesta metodologia
didctica. Uma abordagem mais prxima de cada uma das unidades que os constitui
leva-nos a essa percepo24. Cada unidade destes manuais apresenta objectivos
funcionais que se pretendem atingir ao longo da mesma, se bem que esta lista de
objectivos surge sempre a posteriori, no final da unidade e no no incio, percebendo
o aluno, apenas no final, os objectivos que se pretendia que atingisse. Todavia, esta
fase existe nos manuais, ainda que numa ordem diferente da estrutura apresentada
com o mtodo expositivo.
No incio das unidades, deparamo-nos sempre com uma pequena rea em que se
elencam as reas gramaticais ou estruturais a trabalhar, recebendo o aluno informao
acerca dos conhecimentos sintcticos que ir apreender. Note-se que so
disponibilizadas apenas informaes acerca de conhecimentos sintcticos a adquirir e
nunca de reas lexicais, o que nos faz prever uma lacuna nos manuais, mas trataremos
desta questo noutro captulo deste trabalho.
Da mesma forma, assistimos constantemente apresentao de um texto
(concebido para uma situao em especfico), apresentao de um item gramatical e
a exerccios de aplicao desses mesmos contedos. Aps cada conjunto de cinco
unidades, o aluno poder sempre fazer reviso dos contedos apreendidos, atravs de
exerccios de consolidao de conhecimentos, que reforam esta ltima fase do
mtodo25.
A utilizao do mtodo expositivo num manual didctico apresenta algumas
vantagens, como i) a apresentao de contedos de uma forma controlada pelo autor;
ii) a apresentao de mltiplos contedos de um modo uniforme a todos os alunos; iii)
a existncia de uma sequncia de ensino lgica em que todos os alunos realizam
exerccios de aplicao, aps a exposio dos contedos.
Todavia, este mtodo tambm nos proporciona algumas inconvenientes
desvantagens, como i) a incerteza por parte do professor da aquisio vlida dos
contedos pelos seus alunos, pois os exerccios de aplicao no garantem que a
utilizao das estruturas apreendidas seja correctamente realizada na produo escrita
ou oral e, assim, no garantem uma aprendizagem eficaz; ii) a passividade dos
aprendentes na aprendizagem dos contedos, isto , a inexistncia de interveno do
24 Ver, para o efeito, os anexos E e F. 25 Ver, para tal, o anexo G.
19
aluno no seu prprio processo de aprendizagem; iii) o possvel desinteresse e/ou
desmotivao dos aprendentes no processo de aprendizagem, devido sua no-
participao ou passividade durante o mesmo.
As desvantagens do mtodo expositivo, acima referidas, poderiam ser
colmatadas nos manuais atravs de uma conjugao desta com outras metodologias
didcticas, tais como o mtodo da descoberta (ou modelo crtico, nos termos de
Arends26).
Um estudioso que defende notoriamente o mtodo da descoberta (em
detrimento do mtodo expositivo) Jerome Bruner, focando a importncia que dever
assumir a descoberta no processo de aprendizagem, bem como a relao prxima
entre conhecimento e aco. No seguimento desta ideia, Bruner (1965) procede a uma
crtica das metodologias expositivas, considerando que o processo de aprendizagem
mais eficaz se envolver os alunos no processo de descoberta e no uso de metodologias
cientficas prprias de cada cincia:
Julgamos que, logo de incio, o aluno deve poder resolver problemas,
conjecturar, discutir da mesma maneira que se faz no campo cientfico da
disciplina.27
Os objectivos do mtodo da descoberta so ajudar os alunos a formular
problemas, a procurar respostas para as suas interrogaes, a aprender a reflectir e a
adquirir competncias de pesquisa autnoma. Tendo em conta o alcanar destes
objectivos, apresenta o mtodo da descoberta quatro fases especficas no processo de
aprendizagem, a saber28: i) Professor - seleco do tpico a trabalhar; estudo e
aprofundamento do mesmo num grau superior ao da aula; reunio e organizao dos
dados lingusticos mais significativos: elaborao de um corpus; ii) Turma
descrio dos dados, agrupamento dos mesmos e deteco de regularidades. A turma
convidada a uma generalizao descritiva com a ajuda do professor, para que seja o
mais clara possvel; iii) Turma realizao de exerccios propostos pelo professor
(diferentes tipos), com e sem recurso a materiais auxiliares na aula e em casa; iv)
26 Cf. ARENDS (1997). 27 BRUNER (1965), p.1014. 28 Cf. DUARTE (1998).
20
Turma e Professor avaliao dos conhecimentos apreendidos sobre o tpico
gramatical estudado.
No entanto, devemos salientar que, embora a autonomia progressiva do aluno no
seu processo de aprendizagem seja um dos objectivos deste mtodo, o professor
assume um papel basilar ao longo do mesmo, visto ser ele a entidade a ministrar ao
aluno um acompanhamento adequado nas suas descobertas, acompanhamento este
que dever ser discreto ou forte, dependendo da observao do processo e das
dificuldades de cada aluno, no podendo, em momento algum, correr-se o risco de
que o aluno se sinta desacompanhado e, por consequncia, desmotivado.
No que respeita ao processo de ensino-aprendizagem do Portugus, a adopo
deste mtodo nos manuais em estudo seria, do nosso ponto de vista, extremamente
positiva, visto que conduziria a uma aprendizagem mais slida e segura dos
contedos. O simples facto de serem os alunos a analisar dados lingusticos
apresentados nos manuais, a encontrar neles regularidades e, por fim, a sistematiz-las
em concluses e na construo de regras gramaticais (colocando em prtica uma
experincia directa de aprendizagem) leva-nos a assumir que os contedos so, assim,
adquiridos de uma forma mais convincente.
Todavia, parece assistir-se constantemente a uma resistncia por parte dos
professores e autores de manuais quanto utilizao deste mtodo. Esta atitude
advm, provavelmente, do facto de estarmos perante um mtodo que implica um
grande esforo e um grande investimento pessoal e profissional por parte de
educadores e autores de materiais didctico-pedaggicos. No entanto, se a actividade
desenvolvida por estes visa uma aprendizagem consistente e vlida dos contedos
pelos seus aprendentes, ento tal investimento representar uma condio sine qua
non para o sucesso dos mesmos na aprendizagem da lngua.
Finalmente, resta-nos reflectir sobre um ltimo ponto respeitante ao quadro
terico e metodolgico dos manuais em anlise. Tendo em conta a nossa reflexo at
este ponto quanto s metodologias adoptadas nos manuais Portugus em Timor 1 e 2,
apraz-nos salientar que consideramos a adopo de apenas um mtodo ou de outro
uma opo negativa, no sentido em que a utilizao de apenas um dos mtodos
defectiva para o processo de aprendizagem. Ausubel29 chama precisamente a ateno
para esta questo, salientando as desvantagens de uma sobrevalorizao da
29 Cf. AUSUBEL (1978).
21
experincia directa como processo de aprendizagem de conceitos, uma vez que a
aplicao do mtodo indutivo no suficiente para aprender cincias. Se se optar
apenas por este mtodo (como Bruner defende nas suas teses), a aprendizagem de
factos, noes e teorias ser limitada, devendo-se, ao invs, conjugar esta metodologia
com as metodologias expositivas, a fim de que se consigam cumprir programas sem
que haja lacunas de informao. Partilhando precisamente desta posio, afirma
Roldo (1994) o seguinte:
Os mtodos de pesquisa, que podero ser certamente muito apropriados
em inmeras situaes de ensino e aprendizagem, no deveriam ser, quanto a
mim, limitados a uma suposta reproduo de uma abordagem empirista do
mtodo cientfico.30
Por conseguinte, a escolha isolada de uma das metodologias parece-nos uma
opo castradora da eficcia das aprendizagens. Ao invs, a adopo conjunta de
ambas as metodologias (mtodo expositivo e mtodo da descoberta) emerge como
sendo a escolha mais sensata, tendo em conta a inteno de se conseguir, com
sucesso, a obteno de aprendizagens slidas e que visem uma atitude autnoma e
activa por parte dos aprendentes.
2. Descrio e anlise da sua organizao e consequncias para as
aprendizagens
Nos manuais Portugus em Timor 1 e 2 ( imagem dos manuais PSF1 e PSF2),
as autoras optaram por um alinhamento organizacional por unidades. Em cada
manual, os contedos a trabalhar so expostos atravs de vinte unidades didcticas,
trabalhando cada uma delas reas lexicais e gramaticais especficas, para alm de
procurarem desenvolver as diversas competncias da lngua.
No incio de cada manual, depois do ndice e ainda antes da primeira unidade,
foi introduzido o prefcio redigido pelas autoras e a tbua de matrias. De seguida,
afiguram-se os contedos didcticos em blocos de cinco unidades, sendo estas sempre
intervaladas por uma unidade de reviso, a qual oferece aos aprendentes exerccios 30 ROLDO (1994), p.65.
22
prticos, tendo em conta as reas gramaticais trabalhadas anteriormente. Aps as vinte
unidades didcticas e a ltima unidade de reviso, deparamo-nos, ento, com alguns
apndices que resumem e sistematizam alguns aspectos lexicais e gramaticais. No
manual Portugus em Timor 1, surgem apndices gramaticais (uma lista de verbos no
Presente e no Pretrito Perfeito Simples do Indicativo; as Conjugaes Perifrsticas; o
Imperativo; os Pronomes Pessoais; o Plural dos Substantivos e Adjectivos) e lexicais
(uma lista de vocabulrio e uma lista de expresses, sendo ambas as listas bilingues:
Portugus / Ttum). No manual Portugus em Timor 2, no consta j qualquer
apndice gramatical, mas somente lexical (novamente uma lista de vocabulrio e uma
lista de expresses, sendo ambas as listas tambm bilingues: Portugus / Ttum). 31
Decompondo cada unidade de ambos os manuais separadamente, notamos que
todas apresentam uma estrutura semelhante, isto , todas as unidades (excepto as
unidades de reviso) so inauguradas por uma ilustrao alusiva a actividades em
Timor ou relativas vivncia timorense, as quais esto intimamente relacionadas com
o primeiro texto apresentado na unidade, que consiste invariavelmente num dilogo.
Para terminar a primeira pgina de cada unidade, entre a ilustrao e o primeiro texto,
sempre disponibilizada meia pgina que nos d conta das reas ou estruturas
gramaticais a trabalhar ao longo da mesma.
O trabalho sugerido durante as vrias unidades quanto ao texto inaugural
invariavelmente sempre o mesmo, ou seja, aps o texto so expostos um ou vrios
itens gramaticais, os quais so trabalhados atravs de um conjunto de actividades de
oralidade.32
De uma forma redundante, a segunda parte de cada unidade surge tambm com
a introduo de uma ilustrao, de uma fotografia alusiva ao contexto timorense33 ou
inclusivamente de um grfico34, com o fim de se proceder a uma anteviso do tema do
segundo texto. Este texto seguido de actividades de compreenso da leitura e de
escrita. Finalmente, rematando cada unidade, apresentado um sumrio com os
objectivos funcionais da unidade e com um glossrio do vocabulrio a reter pelos
alunos, o qual foi utilizado ao longo da mesma. Este glossrio subdivide-se em
31 Ver, a ttulo de exemplo neste ponto, os anexos H e I. 32 No captulo seguinte, analisaremos a forma como as competncias so desenvolvidas nos manuais. 33 Mais frequente no segundo manual do que no primeiro, em virtude de ter obviamente existido mais tempo para pesquisa de materiais com o intuito de os incluir no Portugus em Timor 2. Vejam-se, a ttulo de exemplo, as pp. 32, 38, 46, 59, 65, 72, 85, 102, 110, 120, 128 ou 174 deste ltimo manual, no anexo J. 34 Veja-se a p. 94 da unidade 11 do manual de nvel 2, no anexo K.
23
substantivos e adjectivos, em expresses e em verbos, aparecendo num formato
bilingue, isto , em Portugus e em Ttum.
Considerando cada manual como um todo e a estrutura de contedos escolhida
pelas autoras, devemos reconhecer que, aps as primeiras unidades, esta organizao
se torna demasiadamente previsvel, tendo em conta que deveremos estimular e
motivar os alunos no seu processo de aprendizagem. Para alm da estrutura
organizativa dos manuais no que aos contedos diz respeito, de notar que, no que
toca s actividades a realizar, o panorama no reflecte melhorias. Na verdade, as
actividades so reiteradamente sempre as mesmas, esperando-se com toda a certeza
que ao professor caiba a rdua tarefa de diversificar as actividades para
desenvolvimento das competncias da lngua ou para ensino da gramtica e lxico, os
temas a explorar em sala de aula ou mesmo as tipologias textuais, visto que nenhuma
destas categorias apresentada nos manuais de uma forma rica, variada e motivadora.
Embora no esperemos que o manual constitua o centro da aula e saibamos
reconhecer que este constitui apenas um outro material ao qual o professor poder
recorrer, devemos convir que, se o mesmo apresentar uma organizao de contedos
que auxilie no ensino e actividades estimulantes e motivadoras para os alunos, este
assume certa e naturalmente uma importncia extrema no que respeita eficcia e
destreza dos alunos nas suas aprendizagens.
Um ltimo ponto que convm focar diz respeito ao facto de os objectivos
funcionais a atingir em cada unidade de aprendizagem se apresentarem a posteriori e
no aquando do incio do estudo da unidade. Se, antes do incio das aprendizagens, os
professores no alertarem os seus alunos para esses mesmos objectivos, este
desconhecimento partida poder lev-los claramente a um sentido de desorientao
e/ou de no-motivao em relao s novas aprendizagens que se adivinham. Sendo
um pormenor to simples de resolver editorialmente, ele assume uma importncia
capital na eficincia do ensino da lngua e poderia melhorar certamente o valor
didctico dos manuais em estudo.
3. Aprendizagem das competncias e contedos lingusticos
A) Aprendizagem da leitura
24
O desenvolvimento da competncia de leitura por aprendentes de uma LS ou LE
assume, naturalmente, objectivos distintos quanto ao aperfeioamento que desta
competncia se faz em LM. Na verdade, no ensino da LM, no constitui um problema
capital para o professor, esperemos, o domnio que os seus alunos faro do
vocabulrio do texto, enquanto esta uma preocupao constante em L2 e/ou LE.
Assim, antes de se passar etapa de anlise e crtica textuais, existe uma fase prvia
de trabalho a nvel lexical, que assume contornos completamente dspares nos dois
mbitos do ensino de lngua. No entanto, todo o trabalho a realizar, no que respeita
competncia de leitura (posterior a esta fase inicial da compreenso lexical), adopta
caractersticas idnticas nos dois contextos de ensino.
Neste sentido, o que se entende por desenvolvimento da competncia de leitura?
Nos programas de LP do ensino secundrio, afirmado o seguinte:
A competncia de leitura desenvolve-se em vrios nveis de proficincia a
partir do convvio reflectido com os textos e outras mensagens grficas. A
compreenso do texto a ler pressupe a apreenso do significado estrito do texto
que envolve o conhecimento do cdigo lingustico, o funcionamento textual e
intertextual.35
Desta forma, podemos constatar que o termo leitura se alargou, no
constituindo apenas o acto de ler em si, mas compreendendo outras etapas em que o
aluno ter que laborar para se tornar proficiente. Assim, inicialmente h a chamada:
decifrao e reconhecimento elementar, seguidamente uma
apreenso informada e, s depois, uma apreenso analtica e crtica.36
Na competncia de leitura, podemos contar com as modalidades de leitura
funcional, leitura analtica e crtica, mas tambm com a leitura recreativa, qual,
muitas vezes, nos esquecemos de apelar no contexto de sala de aula.
Concomitantemente, em cada uma destas modalidades, podemos optar por
estratgias de antecipao, skimming e/ou scanning. Contudo:
35 Programas A e B, Programas 10, 11 e 12 anos (2002), p.22. 36 AMOR (1997), p.82.
25
Seja qual for a modalidade pedaggica ou estratgia/actividade escolhidas
para abordar um texto, o que importa fazer do aluno um leitor activo, capaz de
seleccionar informao, formular hipteses, construir sentidos (...) tornando-se
progressivamente mais competente como leitor.37
Neste sentido, h que, igualmente, dar relevo no processo de ensino ao uso de
tipologias textuais diversificadas, ou seja, h que dedicar um espao para a leitura de
textos autnticos, literrios ou no-literrios, os quais se enquadrem em campos to
variados como a publicidade, a banda desenhada, o conto, o romance, o teatro e
outros, de modo a que tornemos o aluno progressivamente num leitor polivalente.38
Os manuais em anlise, no que respeita rea dedicada competncia de
leitura, so, de facto, extremamente defectivos, visto apresentarem um trabalho de
compreenso da leitura francamente repetitivo e, por consequncia, limitado.
Os textos apresentados ao longo de ambos os manuais so, na sua totalidade,
textos produzidos especialmente para situaes concretas, ou seja, no dispomos
nunca de textos autnticos com os quais os alunos possam contactar, de forma a
diversificarem o leque de tipologias textuais a trabalhar e, tambm, a alargarem a
familiaridade com autores fundamentais da literatura de expresso portuguesa, no que
aos textos literrios diz respeito.
Por outro lado, devemos apontar, igualmente, que o trabalho de compreenso a
desenvolver invariavelmente idntico em todas as unidades de ambos os manuais,
isto , os alunos no realizam outras actividades que vo alm da resposta a cinco ou
seis questes elementares sobre o texto, no se executando, em altura nenhuma, uma
leitura crtica de textos, ou mesmo, uma leitura funcional dos mesmos39. A leitura
recreativa (ou inclusivamente propostas para a mesma) no igualmente considerada
ao longo dos manuais, nem para o contexto de sala de aula, nem para o contexto extra
sala de aula.
Desta forma, se, na verdade, o objectivo para a compreenso da leitura tornar o
aluno num leitor activo e competente, estes manuais no cumprem o pretendido, no
existindo sequer oportunidade para que haja, atravs da leitura, uma abertura dos
alunos para outras realidades a nvel mundial. Tendo em conta que esta abertura
37 Programas A e B, Programas 10, 11 e 12 anos (2002), p.24. 38 Ver, no anexo L, um exemplo para uma actividade de leitura. 39 Vejam-se, a ttulo de exemplo, as pp. 32 e 85 do manual PET2, inseridas no anexo J.
26
assumiria uma extrema importncia, especialmente porque nos referimos a alunos de
um contexto to limitado como o timorense, ter o professor que suprir estas
necessidades com actividades prprias, no sentido de colmatar lacunas to srias dos
manuais.
B) Aprendizagem da escrita
No mbito da aprendizagem desta competncia, uma ideia que parece muitas
vezes formada a priori, por educadores e por educandos no processo de ensino-
aprendizagem da lngua, a ideia de que a escrita pode e deve ser encarada como um
produto resultante de um acto e no como um processo, o qual engloba etapas
especficas que precisam de ser exercitadas de forma constante e gradual.
Na verdade, a escrita um processo delicado que precisa de ser treinado pelos
alunos. Alis, espera-se, durante o decurso da aprendizagem, que os alunos entendam
claramente que a escrita no um produto, mas um processo complexo, com uma
metodologia prpria, sendo composta pelas fases de planificao, textualizao,
reviso e reescrita. Embora a fase de planificao seja considerada como pouco
relevante pelos alunos (os quais normalmente a ignoram e subvalorizam) e at, por
vezes, pelos professores, ela assume uma vital importncia na aprendizagem da
escrita e requer um treino adequado e contnuo, estando na base do trabalho de
textualizao que lhe sucede. Aps a etapa de textualizao, seguem-se as fases de
reviso e reescrita (caso haja pontos a rever). No ensino de LNM, estas ltimas fases
assumem uma especial relevncia, visto ser ao rever e ao reescrever o seu prprio
texto que os alunos se apercebem dos seus problemas lingusticos, reflectindo
explicitamente sobre os mesmos e procurando a sua superao.
Para alm de se procurar fomentar nos alunos este reconhecimento da escrita
como um processo que se decompe em diversas fases, h que laborar tambm no
sentido de os tornar competentes na produo de textos pertencentes a tipologias
mltiplas, atravs da promoo de tarefas de escrita criativa, expressiva e ldica, de
escrita orientada e tambm de escrita para apropriao de tcnicas e modelos.
Se tivermos em conta todos estes objectivos para a competncia de escrita e
analisarmos paralelamente os manuais Portugus em Timor 1 e 2, verificamos, com
facilidade, que as tarefas de escrita so medocres, seno nulas. Ao longo de todas as
unidades dos manuais so apontadas tarefas de desenvolvimento da escrita apenas no
27
que ao segundo texto diz respeito. Concomitantemente, as actividades de escrita que
so propostas no passam de meros exerccios gramaticais em que tero que
preencher espaos em branco, que colocar palavras na ordem correcta, de forma a
constiturem frases com sentido, ou que formular frases como resposta a perguntas
simples40.
Desta forma, ser que poderemos esperar que estas actividades desenvolvam a
competncia de produo escrita dos alunos? No nosso entender, a resposta ser, de
acordo com o explanado anteriormente, um absoluto jamais. Se compararmos estes
exerccios ditos de desenvolvimento da escrita com os exerccios de prtica
gramatical propostos pelos manuais, no encontramos diferenas surpreendentes. As
actividades de escrita colocadas disposio nestes manuais so completamente
incoerentes com o que se pretende no desenvolvimento da competncia de escrita, no
constituindo as mesmas um trabalho de todo adequado, de modo a que os alunos se
tornem proficientes na produo de textos escritos de tipologias variadas.
Reconhecendo o professor estas lacunas graves dos manuais em estudo, ele ter
naturalmente que encontrar estratgias alternativas de desenvolvimento da
competncia em causa, como possivelmente as oficinas de escrita a realizar em sala
de aula ou, posteriormente, fora dela41.
O trabalho do texto semelhana de um trabalho oficinal assume uma
importncia substancial, visto que o aluno dispe de um acompanhamento atento por
parte do professor, sentindo-se, por conseguinte, mais confiante e motivado no seu
escrever, e pode analisar a sua escrita atravs de actividades de reflexo lingustica,
que o levam progresso consciente na sua aprendizagem, como assim nos comprova
Lusa lvares Pereira (2001):
Sesses de formao em trabalho oficinal, solicitando aos formandos a
reescrita de textos autnticos de alunos no sentido de os melhorar e pondo
depois em comum as estratgias mobilizadas constituem tambm modos
formativos que permitem a interaco com exerccios prticos, pelo
reconhecimento de estratgias para manipular os textos (suprimir, substituir,
modificar, acrescentar). Isto tanto mais importante quanto algumas
40 Veja-se para este efeito, as pp. 11 e 12 da Unidade 1 do manual PET1, inseridas no anexo E. 41 Ver, no anexo M, um exemplo para uma actividade de oficina de escrita, em que se sugere tambm o preenchimento de uma ficha de tipologia de erros, durante a fase de reviso.
28
investigaes ditam que os mesmos exerccios postos em prtica por diferentes
professores so potenciados de maneira diferente, consoante a
consciencializao que se tem ou no de tudo aquilo que o exerccio em si pode
acarretar em termos de aprendizagem. Deste trabalho oficinal decorre,
idealmente, a possibilidade de construir nos formandos representaes da
complexidade dos factos de lngua e dos processos implicados no acto de
escrever, representaes necessrias para uma interveno didctica eficaz.42
C) Aprendizagem da oralidade
semelhana das outras competncias lingusticas, o objectivo da
aprendizagem neste campo tornar o aluno oralmente competente. Contudo, quando
poderemos afirmar que um aluno oralmente competente?
O domnio da oralidade uma competncia transversal que deve permitir
ao aluno a sua afirmao pessoal e a sua integrao numa comunidade, ora
como locutor eficaz, ora como ouvinte crtico, ora como interlocutor, em suma,
como cidado.43
Segundo a noo que acabamos de ler, um aluno oralmente competente
dever ser um locutor eficaz, bem como um ouvinte crtico. Na verdade, a
competncia da oralidade possui uma dimenso bipartida, ou seja, divide-se nas reas
da compreenso (OUVIR) e da expresso (FALAR), as quais possuem caractersticas
prprias que os alunos devero dominar para se tornarem proficientes nas mesmas.
No ensino da lngua, deparamo-nos com um equvoco frequente no que toca
forma de percepcionar a oralidade, entendendo-se o oral apenas como interaco
verbal (verbalizao simples e imediata) em sala de aula e valorizando-se a
comunicao unidireccional em detrimento da interaccional. Numa aula comum, o
professor fala incessantemente, utilizando o seu discurso para ensinar (atravs da
exposio directa e/ou do interrogatrio), e o aluno quase no precisa de falar,
respondendo mais do que fala. Esta percepo do desenvolvimento da competncia de
42 PEREIRA (2001), p.46. 43 Programas A e B, Programas 10, 11 e 12 anos (2002), p.18.
29
oralidade traduz um claro monologismo no discurso pedaggico e uma falta de
clareza na distino entre o que se entende por comunicao legtima e
comunicao marginal em sala de aula.
Desta forma, caber ao professor, com a ajuda de propostas de actividades que
devero constar do manual, o dever de promover um trabalho sistemtico e orientado
para o oral em sala de aula, procurando levar os seus alunos a ultrapassar os
problemas que normalmente se colocam aos aprendentes, como os bloqueios
generalizados quanto ao exerccio da palavra, as dificuldades respeitantes ao uso da
palavra em situaes particulares, os receios em manifestar a opinio, o medo de cair
no ridculo, as dificuldades no campo lingustico-discursivo ou, at mesmo, as
dificuldades no plano da construo e coerncia discursivas.
Ao atentarmos nos manuais em anlise no presente estudo, compreendemos
claramente que o trabalho ao nvel da competncia de oralidade, semelhana das
outras competncias, um trabalho defectivo, visto abarcar apenas o campo da
compreenso oral e no existir um nico exerccio ao longo de ambos os manuais que
impulsione a produo oral dos alunos.
Para alm desta grave lacuna, o trabalho que diz respeito compreenso oral
tambm no ajustado para o desenvolvimento da mesma. Os exerccios sugeridos
nos manuais so repetidos ao longo de todas as unidades, focando-se os mesmos no
preenchimento de espaos em branco, a partir do que se ouve (atravs da cassete
udio) ou a partir de informao prpria dos alunos, e na simples repetio oral de
frases apresentadas nos manuais (actividade geralmente denominada de drilling)44.
O ttulo escolhido pelas autoras para encabear este tipo de exerccios o de
Oralidade. Promovero estas actividades, na verdade, o desenvolvimento da
competncia de oralidade? A resposta negativa claramente a que se impe, no
seguimento do que j analismos. Como trabalhar, ento, o oral?
Devero ser introduzidos nas aulas de Lngua Portuguesa espaos de
ensino-aprendizagem da lngua portuguesa-padro, do oral reflectido e de
gneros pblicos e formais do oral, tanto ao nvel da compreenso como da
produo, instituindo o aluno como ouvinte activo e locutor de pleno direito.45
44 Consultar, a este propsito, as pp. 9-14 da Unidade 1 do manual PET2, disponveis no anexo F. 45 Programas A e B, Programas 10, 11 e 12 anos (2002), p.18.
30
De facto, dever naturalmente o trabalho de oralidade dinamizar actividades que
fomentem o oral espontneo e o oral preparado, bem como os seus registos formais e
informais ao nvel tanto da compreenso como da produo46. Ao perceberem os
alunos as fases que compem as actividades de compreenso e de produo orais e ao
receberem neste processo o acompanhamento apropriado por parte do seu professor,
torna-se facilitada a tarefa essencial de tornar os alunos em ouvintes activos e
locutores de pleno direito.
D) Aprendizagem do lxico
O ensino do lxico no contexto do Portugus LNM , evidentemente, distinto do
ensino experimentado ao nvel da LM. Na verdade, o professor de LNM no poder
conceber para si que os seus alunos, ao contactarem com textos e materiais vrios,
dominem partida o significado das palavras naqueles contidas.
Quando se ensina o Portugus como LNM, o primeiro grande objectivo de
qualquer professor ou de qualquer manual , para alm do desenvolvimento das
competncias de compreenso e produo orais e escritas dos seus alunos, a aquisio
por parte destes de um lxico bsico e de uma gramtica essencial, ou seja, de um
conjunto de estruturas basilares da lngua. Por conseguinte, tanto nas aulas preparadas
pelo professor como nos manuais, h que buscar um equilbrio entre o ensino do
lxico e o ensino da gramtica. Esta aquisio tem uma importncia vital na
aprendizagem, visto condicionar fortemente o desempenho do aprendente nas diversas
competncias da lngua e criar uma estrutura fundamental para que, a partir dela, ele
construa os seus conhecimentos.
No que rea do lxico diz respeito, h que primeiramente distinguir as noes
de vocabulrio e de lxico. Segundo Mrio Vilela:
O lxico o geral, o social e o essencial; o vocabulrio o particular, o
individual e o acessrio. 47
46 Ver, a este respeito, o anexo N, em que proposta uma actividade de produo em oral preparado. 47 VILELA (1995), p.13.
31
Assim, no mbito do ensino da lngua, saber vocabulrio implica conhecer a
palavra num contexto especfico, ao passo que saber lxico releva o conhecimento que
se detm de muitas outras caractersticas da palavra. Como aponta Isabel Leiria
(2001):
() saber uma palavra consiste em saber os seus possveis significados,
as suas extenses metafricas, as suas restries pragmticas, a categoria a que
pertence e as restries sintcticas a que est sujeita numa frase ou num
enunciado, as suas caractersticas fontico-fonolgicas, a sua estrutura
morfolgica, formas derivadas e flexo, e as suas relaes paradigmticas e
sintagmticas com outras. E, no caso de sujeitos escolarizados, a tudo isto se
junta saber escrev-la. 48
No seguimento desta ideia, h certamente que trabalhar as palavras no contexto
em que estas surgem, mas h tambm que procurar alargar o conhecimento dos alunos
para outros possveis sentidos (os quais podem ser adquiridos pela sua insero em
contextos diferentes ou mesmo pelo seu enquadramento em expresses particulares da
lngua) e outras inmeras caractersticas das mesmas.
Na verdade, h que delegar momentos especficos da aula de LNM para a
aprendizagem especfica do lxico, devendo-se, para isso, ter necessariamente em
conta as grandes reas temticas da lngua que os alunos precisaro de dominar, bem
como as caractersticas prprias dos mesmos e o nvel de aprendizagem em que se
encontram, de forma a que as escolhas realizadas pelo professor possuam um carcter
flexvel e eficaz.
Na aula de LNM, como apontmos, caber ao professor a criao de momentos
de aprendizagem particular do lxico. Esta aprendizagem ser tanto mais motivadora
para os alunos quanto mais lugar se der promoo de tarefas de aprendizagem por
descoberta, com exerccios vrios de brainstorming (com ou sem o professor), de
trabalhos de grupo, de pesquisa temtica (com ou sem o dicionrio) ou outros, os
quais concedam aos alunos gradualmente uma maior autonomia. Estes exerccios
podero ser dinamizados no seguimento de uma aula de aprendizagem especfica de
lxico ou podero decorrer de tarefas que se proporcionem a partir de um texto
48 LEIRIA (2001), p.123.
32
trabalhado em aula49. Todavia, tanto o primeiro tipo de trabalho ao nvel do lxico,
como o segundo, so tarefas que devero constar dos manuais produzidos no mbito
do ensino da lngua no materna, para que este seja potenciador da concretizao dos
objectivos a alcanar nesta rea da lngua. No nos devemos esquecer, contudo, que
os exerccios sugeridos nos manuais tero que ser obviamente diversificados, mas
tambm devero conduzir o aluno aprendizagem de vrias caractersticas da palavra,
pois, como sugere Isabel Leiria (2001):
() apren