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DINMICAS DE PATRIMONIALIZAO EM CONTEXTO DE
REVITALIZAO E DE GLOBALIZAO URBANA. NOTAS
SOBRE A REGIO PORTURIA DO RIO DE JANEIRO.
DYNAMICSOFPATRIMONIALIZATIONINURBANREVITALIZATIONANDGLOBALIZATIONCONTEXT.NOTES ON THEPORTAREAOFRIO DE JANEIRO.
Jrme Souty1
Resumo: Desde 2010, a regio porturia carioca alvo de grandes obras e
transformaes urbansticas, econmicas e sociais. A operao Porto
Maravilha est acelerada em funo da preparao dos megaeventosesportivos no Rio de Janeiro (Mundial de futebol e Jogos olmpicos). Esse artigo
visa analisar os modelos urbanos privilegiados pelas polticas pblicas de
revitalizao urbana nesses bairros, assim como suas aes efetivas
(restaurao arquitetural, estetizao, espetacularizao...) desenvolvidas em
prol da valorizao do patrimnio cultural e histrico na regio. Sem fornecer
uma anlise exaustiva da situao, apresento as dinmicas emergentes, e
algumas das reivindicaes e concepes de atores locais em relao ao
patrimnio.
Palavras chave: Regio Porturia. Patrimnio. Revitalizao. Globalizao. Rio
de Janeiro.
Abstract: Since 2010, the port area of Rio de Janeiro has been undergoing an
intense, large-scale urban transformation. "Porto Maravilha," as the project is
known, is driven by the preparation of the upcoming global sports mega-events
being held in Rio de Janeiro. Namely, The 2014 Football World Cup and the
2016 Olympic Games. This article aims to analyze the urban models favored by
the public policies of "revitalization", as well as their effective actions-
architectural restoration, aesthetics, spectacularization- undertaken to
commodify local cultural and historical heritage. Without providing exhaustive
analysis of the situation in these neighborhoods, I present the emerging
1 Doutor em Antropologia Social Ecole des Hautes tudes en Sciences Sociales, EHESS, Frana. Ps-doutor em Antropologia Social pela UERJ. Pesquisador (FAPERJ/CAPES) no Departamento deantropologia do PPCIS (UERJ, Rio de Janeiro). Membro do comit de redao da revista "Brsil(s)" (MSH,EHESS, desde 2011).
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dynamics in the area of heritage, as well as some of the claims and conceptions
of the local actors.
Keywords: Port Area. Heritage. Revitalization. Globalization. Rio de Janeiro.
A regio porturia do Rio de Janeiro, uma zona de cinco milhes de m2 em
torno do velho porto industrial, construdo no incio do sculo XX, composta por trs
bairros: Sade, Gamboa e Santo Cristo. Apesar de sua proximidade com os bairros de
negcios e do centro histrico (Centro), essa regio de povoamento antigo
paradoxalmente enclausurada e desligada do resto da cidade2 e sem acesso direto
orla da baa de Guanabara .
Dos anos 1940 ao incio do sculo XXI, a regio porturia foi marcada pelo
declnio econmico do velho porto industrial, pelo relativo abandono das autoridades epela sada de numerosos moradores.
Em 2009-2010, foi lanada uma operao de revitalizao urbana de grande
porte, em longo prazo: o Porto Maravilha. Tal operao est sendo acelerada por causa
da realizao, em breve, de megaeventos internacionais, em particular da Copa do
Mundo em 2014 (sediada pelo Brasil, inclusive na cidade do Rio de Janeiro) e as
Olimpadas em 2016 (inteiramente sediadas na cidade do Rio de Janeiro).
Trata-se de uma operao mista, realizada por meio da maior parceria pblico-
privada do pas. A partir de 2010, importantes obras pblicas, virias e de saneamento,comearam a ser feitas na regio porturia. Na segunda fase dessas reformas
urbansticas, o capital privado est sendo massivamente investido na construo
imobiliria. Graas a uma legislao favorvel aos interesses privados, a Prefeitura
tenta atrair capitais e investidores nacionais ou estrangeiros para a regio. Nessa
operao urbana, os poderes pblicos, proprietrios da grande maioria dos terrenos, 3
aparecem mais como agentes do que como reguladores do mercado4.
O objetivo anunciado pela Prefeitura transformar a zona em um bairro de
negcios, entretenimento e turismo internacional
5
.A operao Porto Maravilha, assim como a srie de grandes obras ligadas
organizao do evento mundial de futebol e dos Jogos Olmpicos, est remodelando e
2 Entre outras explicaes, em razo da barreira natural parcial que formam os morros da Conceio, daProvidncia e do Pinto, e em razo da deficincia da rede de transporte.
3 Particularidade: mais de 60% dos terrenos e dos prdios so pblicos (pertencem Unio, ao Estado doRio ou Prefeitura do Rio).
4 A cidade dos mega-eventos a cidade das decises ad hoc, das isenes e favores fiscais eurbansticos, das autorizaes especiais, favorveis ao setor privado. Especulao imobiliria egentrificao dos espaos so movimentos j visveis e efetivos na regio.
5 Ver o site: http://portomaravilha.com.br/
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reconfigurando completamente a aglomerao do Rio de Janeiro. Isso se inscreve no
atual esforo empregado em construir uma nova imagem internacional da cidade 6,
assim, com essa dinmica, a cidade ambiciona entrar no clube fechado das cidades
globalizadas7.Hoje, a regio porturia conta apenas com cerca de 28 mil habitantes, ou seja,
uma fraca densidade populacional constituda por pessoas pobres ou de classe mdia
baixa, com algumas excees. Os moradores, pouco articulados entre si na defesa de
seus interesses, no dialogam com as autoridades municipais por intermdio de suas
instncias locais de representao (associaes de moradores dos bairros e das
comunidades dos morros, sindicatos, Movimento Negro, etc.)8. A inteno, declarada
pelas autoridades pblicas, de fazer tambm da regio porturia um novo bairro
residencial, com cerca de 100 mil pessoas, no inclui o dilogo com a atual populaolocal.
Nesse contexto de grandes obras e profundas transformaes urbansticas,
econmicas e sociais da regio porturia, quais so os modelos urbanos e as
representaes da cidade? Quais so as concepes e vises dos diferentes atores
sociais em relao ao patrimnio cultural e histrico da regio? Que aes efetivas so
desenvolvidas em nome da valorizao do patrimnio? As polticas pblicas de
valorizao do patrimnio ecoam reivindicaes (culturais, sociais, identitrias) locais?
Traando um breve panorama da regio porturia a partir dessas temticas,apresentarei algumas dinmicas patrimoniais emergentes, sem a pretenso de
fornecer uma anlise exaustiva e detalhada da situao.
1.MODELOS URBANOS E REPRESENTAES DOMINANTES
Primeiramente, apresento as representaes dominantes e o substrato
ideolgico que hoje guiam a ao pblica dos urbanistas, planificadores, responsveis
polticos e promotores do Porto Maravilha. Assim, veremos que diferentes modelos derevitalizao urbana propostos condicionam distintos tipos de polticas pblicas em
6 O Plano Estratgico, implantado pela Prefeitura em 2009, tem como horizonte o Rio de 2020 e comoprincipal objetivo que a aglomerao do Rio seja reconhecida nessa data como a melhor cidade dohemisfrico Sul para viver, trabalhar e conhecer.
7 Ver, em particular, os trabalhos de SASSEN, Saskia. Cities in a world economy. Thousand Oaks: PineForge Press, 2011; The global city: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University Press,2001.
8 As comunidades e os habitantes locais recebem certo apoio (em particular na defesa dos direitoshumanos e das moradias populares) de membros da sociedade civil, militantes sociais, urbanistas,
intelectuais e universitrios que defendem solues alternativas quelas impostas no projeto PortoMaravilha. A rede do Frum Comunitrio do Porto, por exemplo, rene alguns desses atores.
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esforo pblico empregado na cidade para receber turistas internacionais, alm de
atrair investidores e capitais estrangeiros11.
Articulando passado e presente, interessante notar que Pereira Passos o
nome da principal agncia de urbanismo responsvel pelas atuais obras do PortoMaravilha: o Instituto Pereira Passos. Alm disso, o nome Porto Maravilha remete,
evidentemente, a Cidade Maravilhosa. Esta expresso, criada na dcada de 1930,
logo aps as grandes obras de Pereira Passos, imps cidade uma nova identidade,
visando promoo turstica e econmica internacional do Rio de Janeiro: a cidade
para ingls ver.
Na verdade, o duplo movimento sincrnico por um lado, destruio
generalizada das urbanidades locais e do patrimnio existente; por outro,
modernizao e abertura internacional recorrente em vrios momentossignificativos da histria do Rio de Janeiro. Por exemplo, a exposio universal de 1922
coincidiu com a destruio do antigo morro do Castelo, o ncleo inicial da Colnia
portuguesa12; a abertura da monumental Avenida Presidente Vargas nos anos 1940
provocou a destruio da praa Onze, um reduto da cultura afro-brasileira e bero do
samba carioca e do carnaval popular.13
Hoje, a organizao dos grandes eventos esportivos alimenta a celebrao
desse modelo urbano da tbula rasa. A maioria das provas esportivas e festividades
olmpicas sero realizadas no sudoeste da aglomerao urbana, sendo propositalmentecolocadas nesta regio afastada do Centro. Ora, a construo da Cidade Olmpica no
foi projetada por acaso na Barra de Tijuca. Esta representa o arqutipo da nova cidade
baseada na ideologia da tbula rasa, construda ex nihilo, sobre o vazio14, seguindo
modelos internacionais de urbanismo. A inspirao norte-americana visvel na
paisagem formada por grandes condomnios fechados, shopping centers e estradas de
alta velocidade15. Essa cidade dos emergentes o smbolo da cidade sem
urbanidade, organizada com base no carro individual, com formas de enclausuramento
11 Ver, entre outros, DESTINO cidade maravilha. Turismo no Rio de Janeiro. Catlogo de exposio. Riode Janeiro: Espao Cultural FGV, 2011; ABREU, Mauricio de A. 4. ed. Evoluo urbana do Rio deJaneiro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade de Rio de Janeiro/Instituto Pereira Passos, 2011.
12 Esse episdio ocorreu no Centenrio da Independncia do Brasil (1822).
13 Alis, a destruio dessa rea, localizada nas imediaes da zona porturia, pode ser vista com oltimo captulo da destruio programada da Pequena frica, essa cidade negra porturia e central.
14 Em uma rea natural (manguezal, dunas e lagoas) quase desabitada.
15Com seus 30 km de praias, a Barra da Tijuca representa a Miami dos trpicos cariocas; ela se inspiratambm na Orlando dos parques temticos, tal como foi analisado por SORKIN, Michael. Variations on atheme park: the new American city and the end of public space. New York, Noonday Press, 1992; ou
ainda na Los Angeles ps-moderna, tal como estabelecido por DAVIS, Mike. City of quartz. NovaYork/Londres: Verso, 2006.
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dos ricos (classes mdias e altas), privilegiando a privatizao e o fechamento dos
espaos como medida de segurana.
O duplo movimento sincrnico e dialtico construo/destruio, apresentado
nesta breve perspectiva histrica, aponta para uma questo: o Porto Maravilha pode setornar uma pequena Barra da Tijuca no Centro? No atual projeto de reformas
urbansticas aceleradas, a ausncia de planejamento urbano em longo prazo suscita
esta questo.
1.2. O MODELO DAS REVITALIZAES PORTURIAS NO EXTERIOR
Por outro lado, a operao do Porto Maravilha tambm se inspira em recentes
exemplos internacionais de revitalizao de waterfronts e de bairros porturios
degradados, em particular da requalificao da orla de Barcelona. O Rio pretende se
beneficiar dessas experincias estrangeiras convidando, por exemplo, responsveis
polticos, urbanistas e tcnicos estrangeiros, e arquitetos de fama internacionais, que
trabalharam nesses projetos. Inspirar-se em receitas internacionais bem-sucedidas
significa importar, copiar, adaptar o que deu certo em outros lugares, isto , adotar os
modelos de planejamento e de gesto, as tcnicas urbanas e arquitetnicas, as boas
prticas. Barcelona, seguindo esses critrios, considerada um grande sucesso. De
fato, a cidade catal, que foi a sede das Olimpadas de 1992, se transformou, em menosde duas dcadas, em uma marca conhecida e reconhecida no mundo inteiro,
entrando, assim, para o clube fechado das cidades globalizadas.
Alm da experincia de Barcelona, os urbanistas da Prefeitura carioca tambm
se inspiraram na revitalizao dos portos e waterfronts de outras cidades: Buenos
Aires, Cidade do Cabo (Cape Town), Roterdam, Hong Kong e Baltimore (ANDREATTA,
2010). Sem esquecer os exemplos de Boston, Nova York e, recentemente, da cidade de
Londres, que promoveu a revitalizao dos bairros das docas e acolheu os ltimos
Jogos Olmpicos, em 2012.Na maioria dos exemplos internacionais, os velhos portos perderam suas
antigas e clssicas funes industriais e econmicas (importao e exportao de bens
de consumo), mas mantiveram as atividades de transporte de passageiros. Isso
provocou a criao de novos portos culturais (como o Port Vell, em Barcelona). Ora,
exatamente o que est acontecendo no Rio: grande parte das atividades do velho porto
industrial migrou para o norte da cidade (em particular para o complexo do Caju),
enquanto o transporte de passageiros e o desembarque de turistas foram mantidos e
at incentivados, com crescimento significativo da quantidade de navios cruzeirosinternacionais nos cais prximos da Praa Mau (o atual terminal de desembarque ser
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ampliado com a criao de um polemico per em Y). Assistimos, sobretudo, a
emergncia do que poder, em um futuro prximo, ser chamado de porto cultural.
Esses fenmenos de culturalizao dos bairros porturios sero vistos a seguir, no
contexto das dinmicas de patrimonializao e de estetizao da regio.Para concluir esta parte, podemos dizer que as autoridades parecem oscilar
entre dois modelos de urbanizao aparentemente contraditrios. De um lado, o
desejo de tbula rasa (construir um bairro novo sem considerar o passado, o
patrimnio e a cultura locais: ou seja, fazer uma pequena Barra da Tijuca na regio
porturia). De outro lado, uma conscientizao crescente da importncia do
patrimnio e uma dinmica de culturalizao progressiva dos bairros porturios.
Inspirando-se nos exemplos internacionais citados, as autoridades perceberam que a
preservao, a restaurao e a valorizao do patrimnio e da cultura locais podemser utilizadas como poderosas ferramentas no desenvolvimento urbano e econmico.
O recente e necessrio cuidado com o patrimnio (a injuno de proteger e valorizar)
inclusive est inscrito na lei. Na operao Porto Maravilha, 3% dos recursos da venda
dos Certificados de Potencial Adicional de Construo (Cepacs16) so destinados
recuperao do patrimnio histrico, artstico e cultural da regio porturia.
Os dois modelos, aparentemente opostos, so paradigmas dominantes que no
necessariamente se excluem mutuamente. A anlise dos diferentes projetos de
revitalizao do Centro do Rio, traados nas dcadas de 1980 e 1990, mostra que aspolticas de revitalizao (voltadas oficialmente para a preservao) rimam quase
sempre com a destruio das urbanidades j existentes e da alterao dos modos de
vida, apesar de investirem na preservao parcial de patrimnio local 17.
2. DINMICAS ATUAIS NA REGIO PORTURIA:
PATRIMONIALIZAO, ESTETIZAO, ESPETACULARIZAO...
Como as caractersticas arquiteturais, as singularidades culturais e as
amenidades geogrficas particulares da regio esto sendo instrumentalizadas pela
atual operao urbanstica? Distingo seis pontos importantes nas aes e polticas
pblicas em prol da valorizao do patrimnio local.
16 Os Cepacs so ttulos que permitem adio de gabarito.
17 Como mostrou a urbanista MOREIRA, Clarissa da Costa. A cidade contempornea entre a tbula rasae a preservao. So Paulo: Unesp, 2004. Muitos desses projetos de revitalizao no foram realizados.
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2.1. RESTAURAO DE PRDIOS E MONUMENTOS HISTRICOS
Na dcada de 2000, parte do casario do morro de Conceio j tinha sido alvo
de uma primeira campanha de restaurao e o programa Favela Bairro tinha reabilitado
construes antigas (final do sculo XIX e comeo do XX) da parte de cima do morro da
Providncia18. A partir de 2011, no quadro da operao Porto Maravilha, importantes
construes histricas foram restauradas, em particular no morro da Conceio (um
importante conjunto colonial) ou comearam a ser restauradas, como nas partes baixas
dos bairros da Gamboa e Sade (igrejas do sculo XVII, conjunto de sobrados, etc).
Outros exemplos nacionais e experincias, nem sempre bem-sucedidas (em
termos estticos e de apropriao do lugar pelos citadinos), de restaurao de bairros
histricos19 oferecem reflexes crticas sobre a qualidade da restaurao arquitetural, o
risco de restaurao de fachada20e o efeito de vitrine, que denunciam o carter s
vezes pseudo-histrico e pastiche das (re)construes21...
2.2. CRIAO DE NOVOS CONES ARQUITETURAIS E DE
IMPORTANTES MUSEUS
A Praa Mau e seus arredores vo abrigar grandes edifcios e importantes
museus, alguns deles j prontos, destinados a se tornarem cones arquiteturais ereferncias simblicas, estticas e culturais na paisagem da regio. No per Mau, uma
estrela da arquitetura mundial, est sendo projetada pelo espanhol Santiago Calatrava:
um edifcio de vanguarda, repleto de novas tecnologias, que vai abrigar o chamado
Museu do Amanh. Na Praa Mau, o Museu de Arte do Rio (MAR) rene de maneira
ousada um prdio tombado, de estilo ecltico (palacete Dom Joo VI, que foi
renovado), e uma construo modernista. O grande aqurio a ser construdo prximo
praa tambm ir compor outro ponto de referncia na paisagem local. Portanto,
18 A escadaria da Ladeira do Barroso, a igreja Nossa Senhora da Penha, o oratrio da Providncia(capela do Cruzeiro), o Reservatrio dgua.
19 Ver, por exemplo, a restaurao, a partir dos anos 1990, do bairro histrico de Salvador o Pelourinho, e, mais recentemente, do velho centro de Recife. Ver, entre outras referncias, LEITE, RogrioProena. A exausto das cidades: antienobrecimento e intervenes urbanas em cidades brasileiras eportuguesas. RBCS, v. 25 n. 72, fev. 2010.
20 No sentido prprio da palavra, pois, por exemplo, nos casos dos sobrados do sculo XIX ou do comeodo sculo XX, muitas vezes somente a fachada est tombada, o resto da construo sendo danificada ouliteralmente destruda e ausente.
21 Sobre a criao de uma unidade fictcia da cidade, ver, por exemplo, as anlises de JEUDY, Henry
Pierre. Sobre a restaurao como ato de destruio, espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa daPalavra, 2005. p. 87.
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nenhum desses museus se inspira diretamente na histria local e pretende dialogar
com as prticas culturais populares ou a vida social nesses bairros22. Alm disso, no
deixa de ser uma ironia constatar que o emblemtico Museu do Amanh (ou seja,
voltado para o futuro), construdo em frente ao mar e ao horizonte, viracompletamente as costas para a regio regio cujo rico passado histrico foi negado
tanto tempo e continua sendo ignorado.
2.3. CRIAO DE NOVOS USOS COMERCIAIS E DE SERVIOS
A Praa Mau representa um ponto nodal na regio urbana. Os grandes navios
tursticos (em particular dos cruzeiros transatlnticos) desembarcam ao lado do per
Mau, na altura dos primeiros armazns e nas imediaes dessa praa. A ideia
instaurar novas prticas de lazer e de consumo cultural na regio. Nessa perspectiva, o
cais do porto, em particular a rea da praa Mau e os primeiros armazns, iro
representar um importante polo de atrao turstica e de entretenimento, com a
implantao de bares, restaurantes, boates, lugares de show e exposies, butiques,
lojas tursticas, galerias de museus, atelis-lojas, etc. Os primeiros armazns j abrigam
grandes eventos anuais (o festival de desfiles de moda Rio Fashion Week , a Feira
Internacional de Arte Contempornea ArteRio), alm de espetculos ou ensaios de
companhias de teatro e danas, bem como exposies de artes plsticas. Essa novadinmica de entretenimento cultural e turstica suscita e gera novas prticas de
consumo.
2.4. ESPETACULARIZAO E VALORIZAO DAS PAISAGENS
Os morros da regio porturia, como outros da aglomerao do Rio de Janeiro,
oferecem paisagens panormicas excepcionais. Contudo, o morro da Providncia se
destaca por ser o mais alto da regio, com vista privilegiada sobre a baa de Guanabara,
a regio porturia e boa parte da zona Norte. claro que a presena de uma favela
perigosa e violenta, pobre e segregada, dominando parte da regio porturia iria
prejudicar a revitalizao desses bairros (e, a fortiori, o movimento de gentrificao e
de especulao imobiliria indissocivel do programa Porto Maravilha). H alguns anos,
polticas pblicas j tentaram impedir essa ameaa, investindo na progressiva
transformao do lugar em ponto turstico. Nessa perspectiva, as vistas espetaculares
do morro, assim como o patrimnio arquitetural local, foram exaltadas. Assim, a partir
22 Mesmo se o Mar desenvolve uma ao educativa na escala local e do municpio.
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de 2005, no quadro do programa Favela Bairro, foram construdos no alto do morro
trs mirantes, que permitem desfrutar da paisagem, e foi criado o projeto Museu a Cu
Aberto, no intuito de promover a localidade como centro de visitao e de atrao
turstica.No entanto, a violncia que o morro continuava enfrentando ameaou o
sucesso desse programa. Assim, foi preciso esperar o novo contexto mais favorvel da
pacificao da favela (desde maro de 2010, com a chegada de um a Unidade de
Polcia Pacificadora [UPP] no morro), assim como, tambm a partir de 2010, a
combinao das obras do programa Morar Carioca e da operao Porto Maravilha, para
que essa poltica pudesse ser efetivamente desenvolvida e acelerada. A construo de
dois telefricos de grande porte est sendo finalizada23, assim como ser iniciada a
futura construo de um plano inclinado, que permitir acesso rpido e mecnico atquase o topo do morro. Alm das remoes de casas no local das obras e em reas
consideradas de risco, muitas casas na parte mais alta do morro, onde se concentram
as construes histricas mais antigas, foram marcadas pela Secretaria Municipal de
Habitao (SMH) para serem removidas. Percebem-se as intenes das autoridades:
facilitar o acesso rpido e seguro ao topo do morro e aos belvederes, abrir a
perspectiva visual e transformar a rea em um lugar de visitao. Assistimos, em uma
escala local, a implantao de uma poltica de embelezamento urbano e de criao
de uma cenografia espetacularizada, com receiturios globais. Essa construo depaisagens espetacularizadas (para retomar a expresso de Sharon Zukin) ecoa a
recente deciso internacional de inscrever a cidade do Rio de Janeiro na lista do
Patrimnio Mundial da Humanidade da Unesco como paisagem cultural urbana
(julho de 2012). a primeira vez que uma cidade ganha esse ttulo. Embora a categoria
paisagem cultural exista desde 1992, at hoje s inclua paisagens naturais
humanizadas24.
23 Abertos em 2013, esses telefricos faro a ligao entre a Central do Brasil, o morro da Providncia(Praa Amrico Brum) e a Cidade do Samba. As suas capacidades so bem superiores s necessidadesdos moradores locais, pois podero transportar at 3 mil passageiros/hora.
24 Porm, nota-se que a regio porturia no integra diretamente esse cenrio compsito e heterclito,
que formado pelos elementos seguintes: floresta da Tijuca, parque do Flamengo, praia de Copacabana,Cristo Redentor e Po de Acar.
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2.5. FOLCLORIZAO DE BAIRROS HISTRICOS E/OU
COMUNIDADES POPULARES
Vemos, com o exemplo da favela do morro da Providncia, que a intenoimplcita facilitar o acesso ao topo do morro para os turistas aproveitarem o cenrio,
mas para tambm e simultaneamente conhecerem uma favela histrica
(provavelmente a mais antiga do Rio e do Brasil) parcialmente patrimonializada 25, em
um espao delimitado para a visita (circuito marcado no cho, visitas guiadas). Uma vez
pacificada e sob controle, a favela ser parcialmente reurbanizada26 e
asseptizada27para se tornar mais apresentvel aos olhares estrangeiros. Assim, na
favela do morro da Providncia, a nfase colocada (ou ser colocada) nas vantagens
diferenciadas que representam o visual/cenrio excepcional, assim como o antigopatrimnio arquitetural e a dimenso histrica do lugar. Vemos, portanto, que no se
trata (ou no apenas) de uma mera busca do que poderia ser chamado de consumo
turstico da pobreza ou exotizao da marginalidade social, como visvel em vrias
outras favelas cariocas da zona Sul, transformadas em atraes tursticas 28.
Fora do morro da Providncia, existem na regio porturia outras dinmicas e
modalidades de folclorizao, de patrimonializao e de estetizao. Isso percebido,
em particular, no morro da Conceio, povoado essencialmente por uma populao de
classe mdia baixa ou mdia e em vias de gentrificao desde os anos 1990 (com achegada de novos moradores: artistas, intelectuais, profissionais liberais). Esse foi o
primeiro bairro da regio a ser restaurado pela operao Porto Maravilha, com nfase
nos monumentos da poca colonial. Trata-se, assim, de enfatizar e valorizar, de
maneira seletiva, a validade de certos smbolos histricos e arquiteturais (coloniais),
assim como as grifes tnicas e o tipo de convivncia popular (a aldeia portuguesa, o
velho bairro lusitano), com a tendncia e o risco de cristalizar certas memrias e
prticas supostamente tpicas, apoiando, formas possveis de retradicionalizao. As
recentes reformas e obras aceleraram a dinmica social (gentrificao) e cultural
25 Com nfase nas construes antigas (altar, igreja e capela, reservatrio...). Nessa parte mais alta doRio existiu um projeto (no quadro do programa Morar Carioca) de construir um falso cenrio histrico noestilo colonial. Ver o Plano Municipal de Integrao de Assentamentos Precrios Informais MorarCarioca. rea/projeto: Morro da Providncia Termo de referncia para execuo de obras, Prefeitura dacidade do Rio de Janeiro, 2010.
26 Obras sanitrias, de drenagem e de eletrificao.
27 As casas marcadas para serem removidas so consideradas ilegtimas (de parte dos poderes pblicos)por razes nem sempre explcitas: situadas em rea de perigo, obstruindo a vista, desqualificando oconjunto arquitetural, sendo de carter recente, etc..
28 Ver FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Gringo na laje. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
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(patrimonializao, elitizao) que est se desenvolvendo h alguns anos nesse morro.
Essa se manifesta em particular pela criao, organizao e divulgao de vrios
eventos culturais: visitas guiadas ao patrimnio e instituies histricas locais, jornadas
de portas abertas dos atelis de artistas, criao de um festival literrio, apoio sprocisses e festas culturais de bairro, etc.
2.6. ESPETACULARIZAO DO PATRIMNIO IMATERIAL E
FOCALIZAO NO MATERIAL
O carnaval e o samba carioca se tornaram provavelmente os dois principais
produtos de atrao turstica e cultural da aglomerao do Rio de Janeiro. Vale lembrar
tambm que, em 2007, o samba carioca foi oficialmente considerado patrimnio
cultural do Brasil (tombado pelo IPHAN). Ora, a zona porturia, onde nasceu a primeira
escola de samba (Vizinha Faladeira), fica nas imediaes da antiga Praa Onze (bero
do samba e do carnaval popular) e do atual Sambdromo (epicentro dos desfiles do
carnaval-espetculo), concentrando um savoir-faire nico, tanto na manuteno da
memria do samba e do carnaval como na reinveno criativa dessas prticas e desse
patrimnio29.
O projeto de extenso da Cidade do Samba (um complexo tcnico construdo
no bairro porturio da Gamboa e desconectado da vida dos bairros em torno) e de
criao de outra(s) Cidade(s) do Samba na periferia (para grupo de acesso, para as
escolas mirins); a expulso de muitas escolas de samba de segunda categoria e das
escolas mirins dos antigos galpes da regio porturia30, a reforma da extenso do
Sambdromo: todas essas recentes decises polticas mostram a vontade dos poderes
pblicos de fixar e institucionalizar essas prticas festivas e performativas. A tendncia
inscrever as prticas imateriais no material, aprision-las e enquadr-las em lugares
determinados e controlados por dispositivos de gesto pblica. A burocratizao no
indica a vontade pblica de favorecer o carnaval de rua espontaneidade dos blocos
de bairros31. Revela-se, atravs dessa poltica, uma vontade de disciplinar e domesticar
a festa, de no deixar o fervor coletivo e a criatividade popular tomarem conta dos
bairros, dos espaos pblicos urbanos.
29 Ver, entre outros, VIANNA, Hermano. O mistrio do samba. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
30 Em 2012, os galpes e armazns (utilizados, em particular, na construo e no armazenamento doscarros alegricos, nos ensaios) da regio do porto ainda abrigavam 64 barraces das escolas de samba(inclusive 15 do Grupo Especial, no complexo da Cidade do Samba).
31 Agora os blocos precisam de inscrio no registro e de autorizao da Prefeitura para desfilar, comlocal e horrio de sada determinados, etc.
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Essa viso dominante informada por uma concepo bastante esttica do
patrimnio cultural, na qual os edifcios, os monumentos, os museus e os objetos
continuam sendo tratados (e apesar das consideraes recentes sobre o chamado
patrimnio imaterial) como depsitos da tradio cultural legtima e/ou comoinstncias mediadoras de novos empreendimentos culturais e de lazer. Essa viso
dominante revela, tambm, uma concepo da cultura como algo apreensvel,
quantificvel, suscetvel de ser localizado e delimitado no espao fsico (e, portanto, de
ser transformado em produto cultural, em espetculo,em commodity).
Resumindo, o que pode ser visto atualmente (incio de 2013) em algumas reas
da regio porturia so as premissas de uma poltica dirigista de instrumentalizao de
certos patrimnios materiais ou imateriais, com efeitos de espetacularizao,
estetizao, folclorizao. Elementos do patrimnio, reapropriados como produtosatrativos, smbolos para o turismo e da construo de uma nova imagem diferenciada
dos bairros e da cidade. Essa viso empresarial, utilitarista e oportunista da cultura e
do patrimnio se torna um instrumento de revitalizao urbana. Os patrimnios so
submetidos lgica do entretenimento e/ou reduzidos a cenrios da indstria
cultural. As aes de patrimonializao so destinadas a aumentar a atratividade
desses bairros, a alimentar a futura indstria do turismo e do lazer. Para os
responsveis pelo Porto Maravilha e os para os investidores, a (futura) economia do
turismo, do divertimento e da cultura nessa regio forma um conjunto quaseindissocivel.
Algumas anlises feitas em outras megalpoles oferecem comparaes teis
para pensar o caso da aglomerao do Rio e de sua regio porturia. Nesta rea, vemos
algumas premissas da dinmica urbana comum a tantas aglomeraes
contemporneas, em contexto do capitalismo avanado. Nessa dinmica globalizada, a
perspectiva principalmente do marketing cultural e turstico: a cultura e o patrimnio
se tornam mercadorias a servio da cidade como marca32.
3. UMA DIFCIL REAPROPRIAO PATRIMONIAL
O programa geral derevitalizao da regio porturia, inscrito em uma ampla
dinmica de transformao da aglomerao urbana, no foi elaborado de maneira
32 Ver, em particular, os trabalhos de HARVEY, David. Spaces of capital: towards a critical geography.Nova York: Routledge, 2001; ZUKIN, Sharon. Naked Cities. The death and life of authentic urban places.
Oxford: Oxford University Press, 2010 ; BROUDEHOUX, Anne-Marie. Spectacular Beijing: theconspicuous construction of an olympic metropolis. Journal of Urban Affairs, v. 29, n. 4, p. 383-399.
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democrtica, por meio de consultas aos moradores33. Isso quer dizer que, at agora, as
reformas gerais da operao Porto Maravilha, basicamente executadas de cima para
baixo, nem sempre correspondem s demandas e reivindicaes dos moradores e
atores locais. As formas locais de urbanidades e de convivncia (formas populares,singulares e alternativas em relao ao modelo dominante 34) que existem na regio,
no dialogam com o modelo urbano hegemnico das grandes obras e reformas atuais.
Na medida em que os habitantes locais no so considerados como agentes ativos nas
reformas urbansticas, nem como interlocutores prioritrios dos poderes pblicos,
tornasse-lhes difcil defender suas concepes do patrimnio, da cultura e do viver
juntos.
Alm disso, e para grande parte dos atuais habitantes, em particular os mais
pobres e os inquilinos que moram em comunidades desfavorecidas, a chamadarevitalizao , sobretudo sinnimo de gentrificao. Desde 2009, visvel um
aumento exponencial do preo do imobilirio na regio, assim como do custo de vida.
Para essas populaes, isso significa (ou significar) a obrigao de procurar um
alojamento mais barato, mudando-se para a periferia. Essa situao no exclui
remoes e expulses com o uso da fora pblica35. Embora as autoridades afirmem
que o projeto Porto Maravilha vai integrar as populaes residentes, podem-se
considerar como insuficientes e pouco eficientes as medidas de acompanhamento
previstas para que essas populaes locais continuem a viver em seus bairros36
.Limito-me, nesta sesso, a evocar brevemente a questo especfica do
patrimnio afro-brasileiro. Sem nunca ter sido exclusivamente negra37, a regio
33 Em uma escala maior, o benefcio para o Rio de Janeiro dos megaeventos esportivos (e seu impacto nacidade) no est sendo questionado em praa pblica. Alm disso, as opinies divergentes ou opostas aesse projeto de transformao urbana no so favorecidas pela conjuntura particular: existe umalinhamento poltico indito (coordenao dos trs nveis de poder federal, estadual e municipal); asgrandes mdias se fazem de porta-vozes entusiastas e unnimes dessa operao de revitalizao urbana,sem balano crtico.
34 CERTEAU, Michel de. Les arts de faire. Paris: Gallimard, 1990. t. 1.
35 Em torno de 500 famlias esto sendo ameaadas com as evacuaes e destruies de habitaes emchamadas zonas de risco em reas de obras (em particular, no morro da Providncia, onde um terodas casas foi marcado pela Secretaria Municipal de Habitao). Na parte dos aterros da Gamboa e daSade, tambm j foram expulsos ocupantes de prdios urbanos. Ver o Dossi do Comit Popular daCopa e Olimpadas do Rio de Janeiro : Megaeventos e Violaes dos Direitos Humanos no Rio deJaneiro, maio de 2013. http://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/05/dossie-rio.pdf
36 O moradores de casas removidas podem receber um aluguel social (insuficiente para se manter noCentro), uma nova habitao na regio porturia (mas o programa de construo atrasou e concerne umnmero pequeno de habitaes) ou uma nova habitao na grande periferia da aglomerao. Para ascasas regularizadas, existe a possibilidade da compra assistida. Enfim, os moradores proprietrios daregio podem se beneficiar de isenes de IPTU em caso de reforma de suas habitaes.
37 A regio porturia/central tambm abrigou imigrantes judeus e rabes, ciganos. A partir das dcadas de1880/1890, chegaram em massa ao porto imigrantes europeus pobres, principalmente portugueses,italianos e espanhis.
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porturia/central, que outrora foi chamada de Pequena frica38ou Cidade Negra,39
representou um centro da histria negra e um foco da resistncia cultural negra
(africana e depois afro-brasileira). No se pode esquecer, por exemplo, que o Rio, na
primeira parte do sculo XIX, foi a maior cidade escravagista e provavelmente a maiorcidade negra do mundo40. A importncia da presena negra da regio porturia carioca
bem documentada, seja no campo religioso e ritual (os batuques, ojongo, os
primeiros terreiros de candombl carioca), artstico e festivo (os ranchos cordes
carnavalescos e folies dos primeiros desfiles de carnaval, o surgimento do samba
carioca, a inveno do espetculo do carnaval moderno), seja no campo do trabalho
escravo ou livre (na estiva, na pequena industria e no comercio formal ou informal) e
na luta pela defesa dos direitos polticos e profissionais (a capoeira, as revoltas e
insurreies populares, os movimentos sindicais).Porm, quando comecei a freqentar esses bairros, a partir de 2008, fiquei
surpreso ao constatar a ausncia quase total (ou a m valorizao, a m visibilidade e o
mau estado de conservao) de traos, vestgios, testemunhos, monumentos, lugares
de memria remetendo histria dos africanos e dos afrodescendentes... No se trata
aqui de analisar as razes desse paradoxo e dessa invisibilidade, mas de apontar (e de
comear a refletir sobre) algumas iniciativas recentes que, ao contrrio, comeam a
colocar nfase no que poderia ser chamado - talvez de maneira essencialista - de
patrimnio afro-brasileiro.Durante as obras virias no bairro da Sade, foi redescoberto o cais do
Valongo, o principal ponto de desembarque de escravos nas primeiras dcadas do
sculo XIX41. Nesse stio, que constitui um belo exemplo de palimpsesto urbano, a
38O nome Pequena frica foi criado pelo sambista e pintor Heitor dos Prazeres. Na verdade, a chamadaPequena frica (final do sculo XIX e das quatro primeiras dcadas do sculo XX) se estendia um poucoalm dos atuais bairros porturios da Sade, Gamboa e Santo Cristo (inclua a avenida Presidente
Vargas, o atual bairro comerciante Saara, o campo de Santana, a regio da praa Onze-Cidade Nova-Estcio e a regio do mangue). Ver, em particular, MOURA, Roberto Tia Ciata e a Pequena frica no Riode Janeiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
39 CHALHOUB, Sydney. Cidade febril: So Paulo, Companhia das Letras, 2006; FARIAS, Juliana Barreto;GOMES, Flvio dos Santos; SOARES, Carlos Eugnio Lbano; ARAJO, Carlos Eduardo Moreira de.Cidades negras: africanos, crioulos e espaos urbanos no Brasil escravista do sculo XIX: So Paulo:Alameda, 2006.
40 Quase a metade da populao do Rio era constituda de negros, boa parte deles concentradosjustamente nesses bairros porturios. Entre a interdio do trfico (entre 1830 e 1850) e a Abolio daescravido (1888), a regio abrigava muitos libertos e escravos de ganho fugidos das senzalas. Nasprimeiras dcadas da jovem Repblica, muitos negros ex-escravos do interior (e de outros estados),desempregados, vieram tentar a chance na capital, estabelecendo-se na regio porturia e central.
41 De 1811 a 1842, de 600 mil a um milho de africanos servis desembarcaram a, segundo diversasfontes.
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histria ressurgiu no presente de maneira surpreendente.42 A Prefeitura organizou, em
2011, um trabalho de resgate arqueolgico, com uma campanha rpida de escavaes
urgentes, e logo em seguida transformou a rea do antigo cais em um pequeno e
modesto stio a cu aberto. Porm, as numerosas e valiosas peas arqueolgicasachadas no lugar at hoje no foram expostas ao pblico43, e o stio no oferece o
aparelho explicativo necessrio, com indicaes histricas e didticas bsicas.
Em se tratando da descoberta, com repercusso internacional, de um dos mais
ricos acervos sobre negros escravos j trazidos luz, foi surpreendente a rapidez com a
qual foram encerradas as pesquisas/escavaes arqueolgicas. Como considerar essa
patrimonializao do lugar? difcil consider-la um sincero tributo s vtimas da
escravatura, uma celebrao dispora africana ou uma resposta s reivindicaes do
Movimento Negro. O lugar no foi (ou ainda no ) objeto de uma efetivareapropriao simblica e memorial dos membros da comunidade afro descendente
e/ou dos habitantes locais (apesar de existirem algumas iniciativas rituais, festivas ou
comemorativas44). O stio tambm no se legitimou (ainda?) como verdadeiro lugar de
memria45. Parece que esse espao histrico e simblico est assim apresentado
como lugar neutro, pacificado, sem conflito de memrias. A iniciativa das autoridades
municipais de patrimonializar (embora mnima) esse espao pode tambm ser vista
como uma estratgia poltica para neutralizar as eventuais resistncias e vozes
discordantes das reformas atuais46
e para minimizar as possveis formas dereapropriao poltica (Movimento Negro) e/ou popular (residentes da regio) que
venham a ocorrer no futuro. Expor o stio como objeto de atrao cultural e turstica
tambm uma maneira de diminuir seu peso poltico em possveis reivindicaes
relacionadas reparao histrica e a justia social. Trata-se de uma patrimonializao
mais voltada para o mbito internacional e para a valorizao turstica do que para
benefcios locais, que provocariam novas verses da histria nacional em suas praticas
42
Em cima do cais de desembarque dos escravos foi construdo o cais da Imperatriz, para a chegada deTeresa Cristina Maria de Bourbon para o casamento com Dom Pedro II, em 1842. O cais foi aterradodepois das reformas de Rodrigues Alves para a criao do porto industrial (1902-1906).
43 Por enquanto (comeo de 2013), no h indicaes do destino futuro desses objetos, que sodepositados em contineres na Praa dos Estivadores.
44 Como as de mes de santo e os membros do candombl que ali se reuniram para desenvolver algunsrituais.
45 Nessa perspectiva, instrutiva a comparao com o African Burial Ground National Monument, emManhattan (Nova York), stio de um antigo cemitrio de negros que se tornou um memorial, um museu eum centro pedaggico. Esse espao social e histrico se beneficiou de um amplo trabalho de pesquisa,com consulta e participao de vrios setores da sociedade civil.
46 Coincidncia? Junto ao stio, foi implantada, em 2012, uma exposio permanente sobre a operaoPorto Maravilha, verdadeira operao de comunicao e de marketing, com muitos recursos tecnolgicos.
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pedaggicas. No podemos esquecer que a histria negra da regio e seus estigmas da
escravido foram constantemente negados e ocultados, desde a Proclamao da
Repblica (1889). Alm disso, a patrimonializao dos vestgios da histria e da cultura
negra no bairro parcial (limitada a uma rea restrita) e seletiva (nem todos os stiosarqueolgicos foram escavados ou preservados).
Nos bairros da Sade e Gamboa, parte do patrimnio arquitetnico que remete
ao passado negro valorizada, mas o presente de vrias famlias em particular
afrodescendentes est sendo prejudicado pelas conseqncias das reformas urbanas
e de seus fenmenos associados (especulao, gentrificao e remoo branca,
poltica choque de ordem). A operao Porto Maravilha em nenhum momento
projeta a implantao de programas sociais e de obteno real de direitos ( moradia,
cidadania...) para os habitantes pobres da regio. Assim, enquanto, de maneiraseletiva, alguns espaos so parcialmente patrimonializados e embelezados, a
mercantilizao da cidade continua operando.
Como j dito, a tendncia das polticas pblicas patrimoniais (tanto no Porto
Maravilha como em outros contextos) de privilegiar o material, inscrever a cultura no
construdo, traando seus percursos guiados. Isso tambm visvel na recente
iniciativa da Subsecretaria Municipal do Patrimnio de organizar na regio porturia
um chamado Circuito Histrico e Arqueolgico de Celebrao da Herana Africana,
ou seja, um tipo de roteiro cultural e memorial em torno da histria do trfico, daescravido e da cultura negra. Este inclui o cais do Valongo, os jardins do Valongo47, a
sede do Afox Filhos de Gandhi48, a chamada Pedra do Sal49, os vestgios do antigo
cemitrio de escravos (no pequeno centro cultural Instituto dos Pretos Novos) 50, o
prdio do Centro Cultural Municipal Jos Bonifcio51.
Selecionar elementos materiais do patrimnio, por meio de um percurso
predeterminado e rigorosamente delimitado, tambm uma maneira de definir uma
47
Criados durante as reformas de Pereira Passo e restaurados em 2012.48 No Rio, o grupo dos Filhos de Gandhi foi criado em 1954.
49 A pequena Praa Joo da Baiana, em torno da Pedra do Sal foi historicamente freqentada pelosescravos, capoeiristas, sambistas, candomblecistas, estivadores. Representa um smbolo histrico ecultural da presena negra na regio. A Pedra do Sal j tinha sido tombada pela Prefeitura nos anos1980. Desde 2005, 25 famlias que moravam nos arredores pleitearam o pedido oficial para serreconhecidas como remanescentes do quilombo da Pedra do Sal.
50 Em 1996, durante obras de escavaes em um casaro particular da rua Pedro Ernesto (Gamboa),foram descobertos vestgios da cova rasa na qual eram jogados os corpos dos negros que chegavamfalecidos ao Brasil ou morriam nos primeiros dias de chegada. Graas iniciativa privada dos moradoresdo lugar, este se tornou um pequeno museu arqueolgico, um plo memorial e um ponto de cultura.
51 Na rua Pedro Ernesto (Gamboa). O edifcio abriga a Biblioteca Popular Municipal da Gamboa e a sededo Centro de Referncia da Cultura Afro-brasileira.
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memria autorizada, de enquadrar o imaginrio do visitante/espectador. Nota-se que,
em outros contextos, como no bairro do Pelourinho em Salvador, a explorao turstica
de imagens selecionadas da histria negra e de seu patrimnio (promovida tanto por
polticas pblicas como por iniciativas privadas) foi sistematizada e levou a formas defolclorizao e de mercantilizao52.
Podemos notar, no contexto da regio porturia carioca, que essa tendncia a
focalizar o material (vestgios histricos) no exclusiva das autoridades. Os atores do
Movimento Negro tambm tendem a valorizar o construdo, seguindo, assim, as
concepes dominantes do patrimnio. J existem, por exemplo, passeios culturais e
circuitos afro na zona porturia organizados por associaes e/ou guias de turismo e
que focalizam sua dimenso material, seus traos visveis, em particular na arquitetura.
Um coletivo reunindo diversos atores e instituies53
pretende tambm erguer umMemorial da Dispora Africana,etc.
Contudo, importante lembrar que as diversas culturas de origem africana,
reelaboradas no Brasil, se baseavam, sobretudo, na transmisso oral, na dinmica dos
rituais, nos atos performticos, nas interaes interpessoais, deixando poucos traos
materiais. As numerosas manifestaes e prticas imateriais afro-brasileiras, em
constante transformao, continuam sendo plsticas, dinmicas, sincrticas,
interativas. Nesse contexto e sem excluir a legitimidade de uma inscrio tambm
espacial, fsica e material (construes, memoriais, museus e objetos) dessas culturas edessa histria singular , podemos pensar que a emergncia de um patrimnio
material afro-brasileiro relativamente paradoxal. Ser que, neste processo, as
singularidades e especificidades do patrimnio cultural afro-brasileiro so
consideradas com base nas categorias nativas, em sua dimenso plstica e imaterial e
em seu carter dinmico?
Todavia, nestes ltimos anos, observa-se nos bairros da Sade, Gamboa e Santo
Cristo uma nova atrao pela cultura imaterialde razes africanas, em uma perspectiva
mais dinmica e inventiva. Assim, algumas manifestaes festivas, artsticas, musicais edanantes comeam a reinvestir a rua e os bairros de maneira criativa e democrtica.
Aproveitando o novo interesse do pblico por essa rea urbana, algumas
iniciativas, conduzidas geralmente por lderes culturais locais ou responsveis
associativos ou de ONGs, remetem s tradies artsticas afro-brasileiras ou evocam a
52 Essa explorao patrimonial e turstica existe h dcadas: circuito folclrico, comercializao deprodutos tnicos (suvenires, artesanato tnico, etc.), organizao de apresentaes artsticas(percusso, capoeira), rituais e religiosas (candombl), etc.
53 Unesco, Superintendncia de Igualdade Racial, Estivadores, Associaes do Movimento Negro, etc.
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histria negra da regio.54 Podemos citar, por exemplo, o surgimento de novos blocos
(os Escravos da Mau, o Cordo do Prata Preta), o movimento de revivaldos blocos
locais (o Corao das Meninas) e das rodas de samba, de capoeira, de jongo (na Pedra
do Sal, nos bares e trapiches, etc.).Observa-se tambm que, na autoafirmao do quilombo da Pedra do Sal (que
emergiu a partir de 2005) e na luta pelo seu reconhecimento jurdico, a categoria
patrimnio (mesmo sem ser necessariamente acionada sob esse termo) se tornou
um instrumento estratgico. Talvez mais do que os habituais critrios usados no
reconhecimento jurdico de um quilombo (critrios tnicos, de genealogia ou de
continuidade na ocupao do espao...), podemos pensar que o reconhecimento da
Pedra do Sal enquanto patrimnio material (a pedra em si foi tombada em 1984 e 1987
pelo Instituto Estadual do Patrimnio Cultural) e imaterial (as festas, rituais emanifestaes culturais desenvolvidas em torno dessa pedra, com nfase especial nas
rodas de samba) foi um elemento-chave no sucesso do processo de oficializao do
quilombo55. A nfase no argumento da cultura (sambista, candomblecista,
porturia56) e a gesto contnua pelos membros dessa comunidade do espao fsico e
simblico em torno da Pedra do Sal foram, e continuam sendo, elementos
determinantes57. Nota-se que, nesse caso, o processo de patrimonializao, que se
exerceu de baixo para cima em escala local, foi indissocivel de uma reivindicao
identitria, poltica e social, cuja estratgia coletiva visava (e ainda visa) garantir certosdireitos sociais e fundirios (como o acesso a alojamento e a propriedade).
Com esse ltimo exemplo da Pedra do Sal, ressalto que a instrumentalizao
dos patrimnios locais nem sempre exclusiva das atuais polticas pblicas na regio.
Em diferentes escalas, os grupos sociais locais tambm se apropriam, ainda que seja de
maneira parcial e precria, da temtica do patrimnio cultural. O patrimnio local,
assim como as tradies e o imaginrio dos lugares, pode ser utilizado de vrios
modos e em funo de diversos objetivos. Elementos especficos de determinado
patrimnio cultural e/ou de alguma tradio em particular podem ser colocados em
54 Companhia dos Mysterios e Novidades (teatro de rua, pernas de pau), o Trapiche Gamboa (samba), aONG Batucadas Brasileiras (aulas de percusso), bares musicais, etc.
55 Em vias de titulao definitiva.
56 MATTOS; Hebe ABREU, Martha. Relatrio histrico-antropolgico sobre o quilombo da Pedra do Sal.Em torno do samba, do santo e do porto. In: Pedra do Sal: relatrio tcnico de identificao e delimitao.Rio de Janeiro: Ministrio do Desenvolvimento Agrrio/Incra, 2010. p. 11-83. [redigido em 2007].
57 Para mais detalhes, ver SOUTY, Jrme. O quilombo como metfora. Espaos sociais de resistncia
na regio porturia. In: MACHADO, Carly; BIRMAN, Patricia (Org.). Dispositivos urbanos e trama dosviventes: ordens e resistncias. Rio de Janeiro: FGV, no prelo.
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cena e enfatizados, utilizados como provas de autentificao cultural com o objetivo
de (re)formular identidades ou apoiar reivindicaes polticas ou socioeconmicas.
As dinmicas locais de patrimonializao aparecem como processos complexos
que comportam diversas narrativas em disputa.58 Diferentes interpretaes damemria coletiva e de sua (re)inscrio nos espaos fsicos, em construes materiais
ou imateriais, apontam valorizaes seletivas do patrimnio, apropriaes divergentes
e at mesmo conflitos entre diversos atores.
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58 A instituio catlica Venervel Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia (VOT), ativa na regio,se ope, desde o incio, a essa tentativa de titulao do quilombo da Pedra do Sal. Ver, em particular,CCERES, Luz Stella Rodriguez. Lugar, memrias e narrativas da preservao nos quilombos da cidadedo Rio de Janeiro. (Doutorado) UFRJ, Rio de Janeiro, 2010. Alm disso, os remanescentes do quilombo
desenvolvem uma viso sobre a Pedra do Sal que no sempre compartilhada pelos outros vriosmovimentos ligados causa afro.
http://www.ufpel.edu.br/ich/memoriaemredehttp://www.ufpel.edu.br/ich/memoriaemredehttp://www.ufpel.edu.br/ich/memoriaemrede -
7/22/2019 Dinmicas de patrimonializao em contextos e revitalizao e globalizao urbana
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