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8/17/2019 Diário de Um Bebê
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PRIMEIRA PARTE
oMUNDO
. DOS SENTIMENTOS:
~ JOEY
COM SEIS SEMANAS
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I
Entre no primeiro mundo de Joey e recorde aquilo que você real-
mente jamais esqueceu. Imagine que nenhuma das coisas que você vê,
toca ou ouve têm nome 9JJ.Junção, e poucas evocam lembranças. Jo-
ey vivencia objetos e fatos principalmente em termos de sentimentos
que esses lhe evocg.. Não os vivencia. como objetos em e por si rnes-'
moa.ou por aquilo que fazem ou são chamados. Quando seus pais 6
chamam de amorzinho , ele não sabe que amorzinho é uma palavra ~
que se refere a ele. Nem observa particularmente a palavra como um -:
. ~distinto de um toque ou de um raio ci~ luz. M ã s atenta cuiôã.ôOsâ-
mente para o modo como o som flui sobre ele. Sente sua leveza, tran-
qüilidade e doçura, acalmando-o; ou sua fricção, turbulência e agitação,
tornando-o mais alerta. C_adê experiência é assim, com seu próprio tom
emocional. especial - tanto para bebês quanto para adultos. Mas nós
prestamos menos atenção a estas sutilezas. Nosso senso de existência
não está focalizado sobre isso como o de Joey está': ----,'-.
Agora, finja que a temperatura é o único meio. Finja que as cadei-
ras, as paredes, a iluminação e as pessoas formam todos um panora-
ma ligado à temperatura, um momento especial de um dia ou noite,
seu tom e força singulares derivando-se de sua própria combinação
de vento, iluminação e temperatura. E finja que não existem objetos a
serem influenciados pela temperatura; não há árvores a serem sopra-
das, não há plantações ou campos a serem regados pela chuva. E, fí- :
nalmente, finja que não existe você
à
mercê da temperatura e a obser-
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var o que acontece. Você é parte deste quadro. O tom e força predo-
minantes podem vir de dentro de você e modelar ou colorir tudo que
você vê lá fora. Ou então, podem começar fora e ressoar dentro de
você. Ni':Ly:?rdade,a distinção elJJrgQ interno e O externo ainda é va-\
ga: ambos podem ser Vistoscomo parte de um único
e S p a ç o
contínuo ..
Como adultos,- temus ma1tosmomentos em que-os mundos ínterior e
exterior parecem influenciar um ao outro diretamente, parecem qua- T
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.
se que fluir livremente um para dentro do outr
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Um
Reflexo
de Sol:
7h min
Joey recém despertou. Ele fixa seu olhar em um reflexo de sol
na parede atrás de seu berço.
Um espaço brilha ali
Um mã gentil âtrai para capturá-lo.
O espaço está tornando-se mais quente
e
tomando vida.
Dentro dele forças começam a girar uma em torno da outra
em uma lenta dança.
A dança aproxima-se mais e mais.
Tudo corre ao seu encontro.
Ela continua vindo. Mas jamais chega.
A
excitação
se
desvanece.
Para Joey, a maioria dos encontros com o mundo é dramática e emo-
cional - um drama cujos elementos e natureza não são óbvios para
nós, adultos. De todas as coisas no quarto, é o reflexo de sol que atrai
e mantém a atenção de Joey. Seu brilho e intensidade são cativantes.
Com seis semanas de idade, ele pode ver bastante bem, embora ain-
da não perfeitamente. Ele já tem consciência das diferentes cores, for-
mas e intensidades. E nasceu com fortes preferências sobre o que dese-
1~ver, sobre o que o agra
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.está no topo da lista. E o elemento mais importante nesta cena. O sis-
tema nervoso de u m bebê está preparado paELÇl.valiarLmeºJatamen-
te a intensidade de urna h.gj'y_msom, um toque de qualquer coisaa~'
sível aum de seus sentidos. A intensidade de sua emoção sobre alg u
ma coisa é provavelmente o primeiro indício disponível a ele, que lhe
.avísa se deve abordá-Ia ou permanecer afastado. A intensidade pode
levá-Ia a tentar proteger-se. Pode orientar sua atenção e curiosidade
e determinar seu nível interno de excitação. Se algo é apenas leve-
mente intenso (como uma lâmpada acesa durante um dia claro), sua
atenção a esta é fraca. Se algo é muito intenso (como a luz solar dire-
ta), ele a evita. Mas se é moderadamente intenso, como um reflexo
de sol, ele fica extasiado. Esta intensidade apenas toleravet-óexéHã.
Ele imediatamente se altera em resposta a ela. Aumenta sua anima-
ção, ativa todo o seu ser. Sua atenção torna-se mais aguçada. O refle-
xo de sol é um frná gentil cuja força ele sente. -
Nesta idade Joey também é atraído para as áreas inclusas em
uma mold.l :ª claramente demarcada. As bordas que emolduramo re-
flexo de soe atraem seu olhar na linha onde a parede mais clara e
mais-escura se encontram. De certo modo, a luz solar atrai e as bor-'
das prendem sua atenção.
Como Joey sabe que o espaço brilhante está ali ? Como sabe
que não está, por exemplo, aqui , ao alcance da mão? Mesmo sen-
do tão jovem, Joey é capaz de calcular distâncias e quadrantes de es-
paço. Logo, ele dividirá todo o espaço em duas áreas distintas: um
mundo próximo, d~ntro do alcance de seu braço estendido, e um mun-
do mais distante, além de seu alcance. Apenas dentro _de alguns me-
ses Joey será capaz de buscar e segurar o que deseja com precisão.
Contudo, éle está se préparando,com seis semanas, para diferenciar
entre o espaço atingível e o inalcançável desta forma. (Esta capacida-
de o ajudará a aprender o ato crucial de alcançar algo, definindo pa-
ra ele que coisas estão realmente dentro de seu alcance. Não seria na-
da prático se ele tentasse alcançar a lua - ou mesmo coisas num can-
to distante do quarto). Seu espaço nã; é contínuo e uniforme como
o de um adulto. É como se fosse uma bolha que se formasse a~
redor no raio da extensão de seu braço. Mesmo os bebês cegos, quan-
-do corneçando oestáqio de alcançar, buscam um objeto que produza
sons apenas quando este entra neste raio de alcance. Eles medem a
distância do mesmo modo que os bebês que enxergam, mas com seus
ouvidos, e não com seus olhos. Assim, estando o reflexo de sol além
do alcance de Joey, está ali .
Por que o reflexo de sol toma vida para Joey e lhe revela for-
ças que giram uma em torno da outra em uma dança lenta? Estes efei-
tos dependem do modo como Joey explora o reflexo de sol com seus
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Daniel N. Stern
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olhos e sua atenção. Nesta idade, os bebês freqüentemente olham pa-
ra as coisas como se seu olhar tivesse realmente sido capturado e fos-
sem obrigados a fixar o olhar em determinado ponto. Um bebê nesse
estado parece, como Joey, Jê§r mentalmente ativo - não perdido em
um devaneio vago, como um adulto poderia
estar.
Os pais podem sentir-se intrigados, até mesmo incomodados por
tais momentos na vida de um bebê. Imagine-se segurando seu bebê
de seis semanas de idade em seus braços. Vocês estão face a face. Vo-
cê deseja brincar, mas sua garotinha está extasiada pelo ponto onde
sua testa e seus cabelos se encontram. Você, desejando que ela olhe
em seus olhos, sorri e tenta desviar seu olhar. Mas seu sorriso não ob-
tém sucesso. Você pode - como a maioria dos pais faz - continuar ten-
tando desviar a atenção da filha daquele ponto. Você pode fazer care-
tas ou mesmo embalar seu bebê, esperando que este movimento des-
prenda seu olhar dali. Mas ela poderá muito bem continuar olhando
para a linha onde seus cabelos começam. Muitos pais interpretam es-
sa aversão 90 olhar corno uma re_aLrgj~içã.Q, podem até mesmo desis-
tir de tentar fazer contato ocular por algum tempo. Contudo, isto não
representa qualquer espécie de rejeição, mas sim um fenômeno nor-
mal. Tem-se chamado a isso de
atenção obrigatória.
Algumas vezes, porém, você consegue mudar e-capturar o olhar do
. seu bebê; outras vezes, não. Mas mesmo quando você não consegue -
mesmo quando-ela não abandona visualmente a linha de seus cabelos,
a borda onde esta encontra sua testa - você freqüentemente tem a
impressão de q\le, de alguma forma, ela está assimilando seus esforços.
E está mesmo. Ela eStá prestando atenção ao seu rosto, mas periferica-
mente. Está extesiada pela moldura, não pelo quadro. E este é o ponto.
Joey está olhando fixo para a borda formada pelo quadrado dê
luz contra a parede. Mas o simples fato de estar olhando para um pon- \..
to da borda do reflexo de luz não quer dizer que está prestando aten-
ção somente àquele ponto. Embora, geralmente não tenhamosconstt- '
ênCla:disso, podemos facilmente separar nosso foco de visão (exatamen-
te-aquilo para o que estam os olhando) de nosso
foco de atenção
(exata-
mente aquilo a que nossa mente está prestando atenção). Imaqirié-sê
dirigir um automóvel. Seus olhos estão fixos na estrada à sua frente,
mas sua atenção pode vaguear de um lado a outro (para objetos na
visão periférica) ou para longe ou para o passado. Ou, melhor, escolha
um ponto em uma página em branco e fixe aí seu olhar. Após alguns \
momentos, quando o ponto torna-se enfadonho, seu foco de atenção,
mas não seus olhos, começará a desviar do ponto fixado para outras
áreas em torno dele. À medida que sua atenção fixa-se sobre estas no-
vas áreas, elas parecem modificar, até mesmo desaparecer. As cores
podem começar a mudar. O que inicialmente parecia completamente;
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branco, agora assume um matiz de verde ou vermelho. E estas duas
cores podem alternar-se. Ou ainda, o brilho e as sombras das áreas
podem mudar como um lento jogo de luz recaindo sobre uma monta- '
nha, através de nuvens que se deslocam. Ou ainda, a página lisa po-
de parecer mudar sua forma em torno do ponto de fixação: pode en-
vergar-se, ou desfazer-se, ou curvar-se. Estas ilusões ocorrem quan-
do nossa atenção focal e nossa fixação visual separam-se e agem uma
sobre a-outra .----.----~-
Joey também logo ficará aborrecido olhando para o mesmo PQn-
to na borda do reflexo de luz. Provavelmente sua visão focal fixa-se
em um ponto, enquanto seu foco de atenção come-ça a desviar para
fora dele. Ele começa a explorar, com sua aten-ção, o interior do refle-
xo de sol que aparece em sua visão periférica. E, tão logo faça isso,
experimenta ilusões como aconteceria com um adulto. O reflexo de
sol começa a tomar vida para ele. Começa a mover-se, a mudãr
aecor
e de forma. Ele não sabe que isso é apenas um truque exerci-
do pelamgnte, pela tensão entre visão e atenção. Para Joey,
6
-relle-
xo de sol, ao tomar vida, revela um jogo de forças. Ele vê uma dan-
ça. Ele entra em um relecionamento
dlriámícócôif
o reflexoGeSõI,
cada um agindo sobre o outro. Todas as percepções de Jo~y_são as-··
sim. Não existem objetos mortos , inanimados, ali. Existem apenas
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periências onde o estímulo e a excitação .acuIllillam-se -se não são
muito ráRiciosou muito intensos. (Quando você deseja chamar e mante?
a 'atenção de seu bebê, você instintivamente aumentao ritmo
dg
sua
voz' e expressões faciais). E os bebês tendem a se entediar e a seafas-
tar de situações nas quais o estímulo é baixo ou pára de se transfor-
mar. Assim, após alguns momentos, Joey entendia-se pelo jogo das
aparências que vê no reflexo de sol. Sua.aproximação infinita deixa
de s~r:._algo..novoe cheio de suspense. Sua atenção subitamente desva-
nece-se e ele olha para outro lugarpara ter uma experiência diferente.
Neste ponto, ele afasta sua cabeça e seu olhar da parede iluminada pelo sol.
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I
Diário de um
Bebê /
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Canções do Espaço:
7h 7min
Joey recém afastou seu olhar da parede iluminada pelo sol e ago-
ra olha as grades de seu berço e além destas, para a parede mais dis-
tante e mais escura.
Subitamentéum pedaço
do
espaço destaca-se.
É um pilar fino e liso.
Permanece imóvel e entoa uma brilhante melodia.
Agora ali perto diferentes notas reúnem-se.
Há por perto um outro pilar de espaço.
Esse também entoa uma canção - mas em harmonia com
a primeira.
As
duas melodias fundem-se
em
um duelo afinado uma
me
lodia alta a outra suave.
Longe volumes amplos
e
delicados agora se mostram.
Eles soam um ritmo mais lento mais profundo.
O
dueto próximo brilhante surge e desaparece
do
ritmo
distante e lento.
Os
dois espaços tramam-se um no outro em uma única can-
ção que preenche
o
mundo.
Então
de
algum outro lugar soa uma nota diferente.
Uma estrela cadente seu clarão passa
e
rapidamente desapa-
rece.
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Tão logo Joey vira sua cabeça, é confrontado e mesmo afronta-
do pela barra do berço, brilhante e escura mais próxima de seu rosto.
Se; esta saltou ali por si mesma ou apareceu ali apenas quando Joey
virou sua cabeça para encontrá-Ia, isso ainda não preocupa Joey. Ele
tem consciência da barra -
subitamente
em sua frente e no pla-
no próximo, e não naquele mais distante.
Esta barra destaca-se como algo diferente da parede sombreada
e de outros espaços além.
É
feita de madeira escura envernizada. Pren-
de facilmente sua atenção. Primeiro, porque está próxima dele, pare-
ce bem definida, mais nítida, mais condensada, mais vívida. Nesta ida-
de, Joey consegue ajustar apenas parcialmente o foco de seus olhos
para acomodar os objetos em
várias
distâncias. Uma vez que ainda
não consegue ver claramente através da sala, as áreas maiores da pare-
de mais afastada parecem confusas, mas ainda visíveis - como os deta-
lhes de uma paisagem distante são vagos para os olhos de um adulto.
, Para Joey, a barra do berço não
é
apenas um objeto de madeira.
<
E uma espécie particular de volume que existe entre muitos outros volu- o
mes e espaços à sua volta. l'1ª.S_abarra do berço tem um tom ernocio-
L o
nal ..diferente do resto deste espaço. O termo tom
emocional denotáôs
vários sentimentos que a barra do berço poderia evocar em alguem o
que a vivencia não como uma parte menor de uma Reça de mobilia
do quarto infantil, mas como um objeto em si e por sf
mesmoi-
cõrrio
nÓs poderíamos experimentar, digamos, uma peça abstrata de escultu-
o
ra. Como-podemos imaginar isso?
No jogo de salão de Botticelli, a pessoa escolhe em segredo al-
guém em que esteja pensando e depois declara: Estou pensando em
uma pessoa . Os outros jogadores tentam adivinhar quem é esta pes-
soa, indagando um tipo especial de questão: Se a pessoa fosse um te-
cido, como seria tocá-lo? Se fosse uma cor, que cor seria? Se fos-
se uma nota musical, que nota seria? Se fosse uma canção, quem a
teria tocado ou composto? , Se fosse um momento do dia, que hora
seria? Se fosse uma temperatura, uma estação do ano, um pala-
dar ... e assim por diante.
Para jogar, os participantes devem compartilhar entre si mais do
que um conhecimento da pessoa cuja identidade tentarão adivinhar.
Devem ser capazes de apreender certas qualidades da experiência: ten-
são,_r.igid~z_,harmonia, aspereza, maciez, clareza, brilho, intensidade,
velocidade. E devem ser capazes de compreender estas
qualidadestr
partir do exercício de quaisquer dos sentidos: visão, paladar,
toque.eu
dição e olfato. Além disso, devem ser capazes détraauzira qüã1i.ôãde
extraída de uma modal idade sensorial - digamos, a visão - e r~g-
cê-la
de qualquer outro modo - digamosvouvindo. Alguns dos mais ri-
cos efeitos da poesia estão nesta capacidade intuitiva para a tradução
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entre os sentidos, como nestas linhas extraídas de Correspondances
de Baudelair (1857):
Existem odores frescos como a pele de um bebê
Doces como flautas verdes como qualquer grama
E
outros corruptos ricos
e
triunfantes.
Os bebês nascem com a capacidade para jogar Botlicelli. Seus
sistemas nervosos são planejados de tal modo que podem fazer isso
sem uma experiência anterior. Naturalmente, a experiência também
ajuda. Por exemplo, um bebê de três semanas que é vendado e rece-
be um bico de um formato que jamais tocou ou viu antes, sugará pa-
ra sentir como esse lhe parece. Quando removemos o bico de sua bo-
ca e o colocamos próximo a um outro bico que o bebê também ja-
mais viu, e lhe tiramos a venda, ele passará um tempo muito maior
olhando para o bico que recém chupou, de modo que podemos infe-
rir que agora diferencia e reconhece este bico em relação ao outro.
Em outras palavras, o bebê é capaz de abstrair do toque que (sugan-
do) a forma do bico e de transferir para o modo visual o conhecimen-
to desta forma. Assim, um bebê começa a saber como o objeto suga-
do poderia parecer. O bico torna-se visualmente familiar .
Agora,para Joey, a barra do berço tem certas qualidades abstra-
tas: é reto; é uma forma alongada e fina; tem reflexos brilhantes on-
de o verniz reflete a.luz; alta densidade; vividez da forma ou contor-
no contra um tundo mais difuso e assim pordiante. Uma vez que ca-
da uma destasqualidades abstratas evoca um sentimento em Joey,-a
barra oferece uma experiência emocional. Exatamente como os aâüf-
tos, ao jogarem Botticelli com suas percepções e sentimentos, tentam
apreender uma experiência essencial , também Joey assim o faz com
a barra do berço: seessa fosse urriâcançáo, soaria como uma corne-
ta e um oboé em uma íntima e vivaz harmonia. Essa é a melodia ale-
gre que a barra canta, Estes tons emocionais que cativam Joey
não
~ : ~ o
iferentes dos nossos; a única exceção é que temos os siqnifica-
dos e diversidade de,experiências pelas quais traduzi-Ias e expressa~lãs.·
Agora, ali perto, diferentes notas reúnem-se . Joey está come-
çando a perceber que existe mais do que uma barra no berço. Ele pro-
vavelmente não a percebe imediatamente próxima; em vez disso, sua
presença entra sutilmente em sua consciência. Ver a primeira barra
There areodors fresh as the skin of an infant,
Sweet as flutes, green as any grass,
And others, corrupt, rich and triumphant.
32 /
Doniel
N.
Stern
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prepara-o para perceber a segunda. É como nossa experiência comum
. de encontrar uma nova palavra e depois vê-Ia com uma freqüência sur-
preendente nos próximos dias, como se ela não fosse tão incomum afi-
nal de contas. Não está claro por que isso ocorre. Mas.J>.ro\'.avelm~te
~.alg0-ªg;iII ': aprimeira barraque Joey vê {ou a nova palavra que ou-.
vimos ~staQelece padrões específicos de ativação visual, bem corno -
emocional, que incluem o tom emocional da barra. Enquanto estes 00-
vos padrões permanecem ativados, Joey está propenso (assim como
nós) a encontrar algo no mundo exterior que combine
êõm
eles. Assim,
õ lf iT if ar para a percepção da segunda barra, comparado com os outros
objetos em torno dele, foi diminuído.
Joey então muda seu olhar para q.próxima barra do berço e o pri- .
melro drama inicia-se para ele: o drama de avaliar se duas coisas são .
__a.rne?m9. o.1Lnão._Asegunda.barra.cria_uma~xperiência similar;- esf~ /
cantando uma canção similar, mas não idêntica . Os.º.~bês~
r~eJevados a explorars~.9_~~xp-eriê[email protected],.~~ºjdêl1: t~as,ou simila-
res-Ú .. [email protected]:iª-Ǫº)u cºmpJ~taTD.~Di~,_~s. Aqui, Joey sentê üffía
diferença entre as barras, embora seja uma diferença pequena: distân-
cia, sombreado, ângulo de visão e assim por diante. Para ele, as duas
barras estão em harmonia - na verdade, em um dueto afinado , afi-
nado , porque as duas melodias são demasiadamente pareddas.
As barras podem estar em harmonia apenas se Joey pode manter
, ambasem mente ao mesmo tempo. Se ele não consegue fazê-lo, ouvi-
rá um solo e então, um momento mais tarde quando muda a direção
d e seu olhar, um segundo solo, similar. Mas não haverá um verdadei-
ro dueto. Até que os bebês tenham três a quatro meses de idade, eles
RÊreceIT}focalizar ~t~nção somente em l}m9coisa de cada vez. E
quando focalizam novamente sua atenção sobre um segundoõbjeto,
parecem esquecer o primeiro. É algo bastante estranho o bebê não
tentar fazer conexões entre as duas barras. Na maioria das situações,
portanto, Joey não deverá experimentar duetos, pelo menos não ain-
da. Em uma situação como esta, entretanto, onde ele está simplesmen-
te recebendo estímulos sensoriais, presumo que cada impressão senso-
rial deixe uma espécie de resquício na memória, de modo que a segun-
efá--'jmpressão está ainda, por um breve instante, imérsa na ·pri 'ffeíra. ./
É por isso que o dueto consiste de uma melodia alta, a outra baixa .
Afinal, ele vê os dois objetos simultaneamente, mesmo quando está fo-
calizando o olhar apenas sobre um deles.
A interação emergente entre as barras do primeiro plano.e a pare-
de do fundo forma o segundo drama para Joey. Tanto os bebês quan-
~
-- _ ..... ----
to os adultos vêem objetos e o espaço em termos da freqüência espa-
c@LEor exemplo, uma cerca de estacas-fim 'um certo .númerod~'ull~ã-
des (estacas) para cada unidade do campo visual (o panorama visto).
Diário de um Bebê 33
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A densidade das unidades forma sua
freqüência espacial.
Um grupo
de três garotinhos espalhados ao acaso em frente à cerCa de estacas,
terá uma freqüência espacial diferente. O quadro dos meninos e da
cerca é composto de suas freqüências espaciais superpostas. Como
adultos, nós facilmente
distinquirnos.rnenininhos.das
estacas da cerca,
ou-barraa.d ..~Lberços das paredes ou portas. Também Joey faz isso.
Porém, ele o faz porque a freqüência espacial das barras do berço é
mais rápida (mais densa) e mais regular do quea~deãerun-
do ou da porta, não por causa do queeJas são como objetos. O fãto
de as barras estarem mais próximas tambêm ajuda.
É o contraste das freqüências espaciais (rápJdas_fU.egul~=-
, s'ys lentas e irregulares) e de qualidades (lisa, brilhante e clara versus
frouxa, difusa, delicada e aÍ(~nuaaãr que dá origem à canção próxi-
ma e brilhante e a outra, distante e mais lenta, cada uma existindo
em diferentes planos do espaço. A conexão entre as duas canções,
os dois planos do espaço, está no âmago do segundo drama. À medi-
da que a atenção de Joey alterna-se entre o primeiro plano e o pla-
no de fundo, a harmonia rápida, regular e simples das barras do ber-
ço é conectada ao ritmo lento e frouxo da parede e porta mais afasta-
das. Algocriativo deve. ocorrer na alternância aparentemente sem ob-
jetivo do olhar de Joey. O primeiro plano, mais rápido, pode projetar
_em~med.i.QGs-Glaras.e...regulares a modificação vaga do plano de fundo .
Ou ainda, o plano. do fundo com sua cadência mais ampla pode
mari
, ter e unir os vários pedaços do primeiro plano. Cada reversão do fo-
to fãz com qu.e o plano oposto torne-se mais vívido. Quando Joey fo-
caliza seu olhar sobre um, ainda pode ouvir o eco ou enxergar traços
do outro. Um...m.vnd_o-p-rQ.ximoum mundo mais afastado estão a jun-
tar-se e o espaço em torno de Joey lentamente tornando-se unifica-
do em sua mente. .. .../
Então, de algum outro lugar, soa uma nota diferente. Uma estre-
la cadente, seu clarão ~~ e rapidamente desaparece . Nesta ida-
dê, Joey tem pouco controle sobre os movimentos de seu braço. Quan-
do ele está observando atentamente e é excitado pelo que vê, seus
braços podem balançar rapidamente e realizar movimentos espasmó-
dicos inadvertidamente. Neste momento, um de seus braços lançou-
se para a frente, para dentro de seu campo visual e depois rapidamen-
te voltou e desapareceu. Todos os bebês são extremamente sensíveis
às coisas em movimento. Na verdade, sua
visão periférica
(o que se
vê nos lado~) é a mais sensível para a captaçãõcle-mov'imentõs:J\Vj::-
sã~( ou forealT é melhor para a compreensão da forma. Isso
faz sentido porque, como animais vigilantes, nossa seguránça e bem-
estar dependem de nossa capacidade para perceber movimentos fo-
ra de nossa linha direta de visão. Quando percebemos um movimen-
.~4 /
Daniel
N.
Stern
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to periférico, podemos virar a cabeça e olhos diretamente nesta dire-
ção para vermos o que realizou o movimento, e depois decidir se deve-
mos fugir ou perseguir.
A nota diferente é a mão do próprio Joey que, lançando-se den-
tro e depois fora de sua visão periférica, desviou parcialmente sua aten-
ção das barras de seu berço. Ele não sabe, obviamente, que é a sua
mão. Percebe apenas um movimento. Esta estrela cadente vem de
algum outro lugar - isto é, a periferia - e é diferente do que ele ob-
servava, em velocidade e duração. '----,
A partir de tais percepções o bebê constrói um mundo unificado \
formado de muitas espécies diferentes de acontecimentos. A nota dife-
. rente é o próprio início de uma outra integração que JoéYlàgoterá
- - .-
que fazer: 'perceber que amão em movimento que ele observa é a mes-
ma que ele sentee que pretende mover. --
Assim, um bebê ingressa na imensa tarefa de extrair um sentido
de diferentes partes do mundo, quase todas ao mesmo tempo.
~.
.