O Conto
✤ Os textos podem ser agrupados segundo algumas características comuns.
✤ Diante de um texto desconhecido, a pergunta o que é? leva-nos a uma primeira resposta que se fundamenta, muitas vezes, em uma indicação que diz respeito ao gênero: um romance, um poema, uma crônica etc.
Classificação dos Gêneros Literários
✤ LÍRICO: Caracteriza-se basicamente por se tratar de uma manifestação do eu do artista, sendo, por isso, uma expressão de seus sentimentos e de suas emoções: o seu mundo interior. A palavra lírico deriva de lira.
Principais formas: soneto, canção, ode etc.
Efeito: emoção, simpatia, exaltação.
✤ ÉPICO: aspecto narrativo e pela sua vinculação a fatos históricos ou às realizações humanas, revelados pelo autor como observador que transforma em sua obra o mundo exterior.
Principais formas: diferentes tipos de romance, epopeias (narram histórias de um povo ou de uma nação, envolvendo aventuras, guerras, viagens, gestos heroicos etc).
Efeito: admiração, surpresa, orgulho.
✤ DRAMÁTICO: tem sua manifestação mais viva no trágico e no cômico e procura representar o conflito dos homens com seu mundo. Apresenta heróis e também personalidades tolas, ambiciosas, cômicas ou ridículas etc.
Principais formas: Peças de teatro, monólogos dramáticos.
Efeito: piedade, revolta.
O Conto
Não sendo por acaso seu nome, o conto teve início junto com a civilização humana. As pessoas sempre contaram histórias, reais ou fabulosas, oralmente ou por meio da escrita. O conceito de conto, hoje em dia, foi ampliado, porque escritores passaram a adotar esse tipo de texto como uma forma de escrever, e essa tentativa tem sido promissora. Além de utilizar uma linguagem simples, direta, acessível e dinâmica o conto é a narração de um fato inusitado, mas possível, que pode ocorrer na vida das pessoas embora não seja tão comum.
Toda história é um encadeamento de fatos, e que estes ao serem narrados vão conferindo sentido ao enredo e envolvendo o leitor mediante os acontecimentos.
Características do conto
Há algumas características que podem nos ajudar a identificar um conto:
✤ É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa.
✤ A linguagem é simples e direta, não se utiliza de muitas figuras de linguagem ou de expressões com diversos sentidos.
✤ Todas as ações se encaminham rumo ao desfecho.
✤ Em geral há um só conflito.
✤ Envolve poucas personagens, e as que existem se movimentam em torno de uma única ação.
✤ As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e um só conflito.
✤ A habilidade com as palavras é muito importante, principalmente para se utilizar de alusões ou sugestões, frequentemente presentes nesse tipo de texto.
Um Apólogo
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando…
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima…
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
Machado de Assis
Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
O que é um apólogo?
✤ Apólogo é uma narrativa que busca ilustrar lições de sabedoria ou ética, por meio de personalidades de índole diversa, imaginárias ou reais, com personagens na maioria das vezes inanimados.
Contexto
✤ O conto Um Apólogo foi publicado em 1896, no livro Várias Histórias, uma coletânea de contos de Machado de Assis.
✤ Quando publicado, o Brasil estava numa nova fase: fim da escravidão, proclamação da república, início da economia cafeeira e a chegada de imigrantes europeus.
✤ Machado é conhecido por analisar e criticar os valores da sociedade de sua época.
Vamos analisar:
✤ Foco narrativo: no conto lido, o foco narrativo é em terceira pessoa; ou seja, o narrador não participa da história, ele limita-se a contá-la.
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha…
Depois, mais adiante, o narrador volta a dar o ar da graça:
Não sei se disse que isso se passava em casa de uma baronesa.
E por fim volta a marcar presença:
Contei esta história a um professor de melancolia…
Tipos de discurso
✤ Discurso Direto: as personagens ganham voz. É o que ocorre normalmente em diálogos. Isso permite que traços da fala e da personalidade das personagens sejam destacados e expostos no texto. O discurso direto reproduz fielmente as falas das personagens. Verbos como dizer, falar, perguntar, entre outros, servem para que as falas das personagens sejam expressas:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima…
✤ Discurso Indireto: O narrador conta a história, reproduz fala e narra as atitudes e reações das personagens. Em geral é em em terceira pessoa. Nesse caso, o narrador se utiliza de palavras DELE para reproduzir o que foi dito pela personagem. A fala do personagem é expressa pelo narrador.
“Elisiário confessou que estava com sono.” (Machado de Assis)
Mariana perguntou o que podia fazer para ajudar.
Descartes afirmou que pensava, logo existia.
Personagens
✤ Temos dois personagens principais nesse conto: a agulha e a linha. O conto é sobre elas, que são mencionadas logo no primeiro parágrafo.
✤ Os outros personagens são secundários: alfinete, professor, costureira, baronesa, modista.
Espaço
✤ Na narrativa, o espaço físico é o lugar em que as personagens circulam, onde as ações são realizadas e a história é ambientada.
✤ Em Um Apólogo não há uma ambientação detalhada, mas o narrador nos informa de que as cenas de discussão entre a agulha e a linha ocorrem na casa da baronesa.
✤ O que podemos concluir é que se passa numa casa de um aristocrata, por ali residir uma baronesa — a modista e a costureira iam até a casa dela para preparar o vestido que a baronesa usaria no baile.
Considerações
✤ O que podemos concluir sobre a agulha e a linha é que elas agem como humanos agiriam movidos pelo orgulho, vaidade e arrogância, a fim de provarem que uma é mais importante que a outra.
✤ Costureira x Baronesa
✤ E o alfinete?
✤ E a Baronesa e o novelo?
Quem vai ao baile?
E o professor?
✤ O professor é o profissional que alavanca todas as demais profissões e não é reconhecido por isso. Ao ler o conto sobre a Agulha e o Alfinete, ele reconhece a si mesmo no texto como sendo uma Agulha que por meio da qual os outros são reconhecidos.
Temas
✤ Existem pessoas que facilitam a vida de outras, ajudando, abrindo caminhos, e, na hora da conquista, quem recebe os benefícios é aquela que foi ajudada.
✤ Valores como superioridade, inferioridade, vaidade.
✤ É possível viver sem a ajuda de ninguém?
Tarefa para a próxima aula
Leia os contos…
✤ Feliz Aniversário, de Clarice Lispector, e Moça Tecelã, de Marina Colasanti — ambos integram o livro Contos Brasileiros Contemporâneos.
✤ Em seguida, responda às seguintes perguntas com base nos textos lidos:
1. Quais são os personagens principais?
2. O que acontece na história?
3. Em que tempo e em que lugar se passa a história narrada?
4. Quem narra? De que jeito? O narrador conta como se estivesse fora da história ou ele também é um dos personagens?