II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro.
CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA DA PAISAGEM DA AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO DO MÉDIO ALTO
URUGUAI, RS1
Flamarion Dutra Alves2
Vera Maria Favila Miorin3
RESUMO
Considerando os estudos já realizados na Região e que exibiram o diagnóstico
de sua realidade e o valor de seus recursos naturais, humanos e econômicos, em nível
qualitativo e quantitativo, destacando a cana-de-açúcar, selecionada no estudo como um
elemento importante para a definição dos territórios, acrescentou-se a este um outro
elemento: a estrutura fundiária das propriedades rurais na região do Médio Alto
Uruguai. Como metodologia, utilizou-se informações dispostas no Banco de
informações BNAF/ LEPeR sobre os produtos do meio rural, referentes ao instrumento
de pesquisa aplicado em 2001/2003 nos municípios estudados. O uso deste
procedimento também contribuiu para demonstrar o comportamento dos elementos
humanos e de sua ação relacionados com os recursos naturais que compõem o
geossistema regional. No tocante a estrutura fundiária, os Imóveis Rurais dos
municípios correspondem a um expressivo número de imóveis com pouca dimensão de
área, determinados pelas classes minifúndio e pequena propriedade. Em muitos
municípios a grande propriedade praticamente inexiste e a média propriedade tem pouca
significância no conjunto das propriedades existentes, sendo que a distribuição
fundiária, por categoria de imóveis exploráveis na região do Médio Alto Uruguai,
apresenta as seguintes características: a classe minifúndio representa 80,36% dos
imóveis, a classe pequena propriedade representa 19,03% dos imóveis e, somando o
minifúndio e a pequena propriedade, tem-se quase que todos os imóveis da Região, isto
1 Pesquisa desenvolvida no LEPeR/GCC/CCNE/UFSM com bolsa PIBIC/CNPq 2003/2004
2 Bolsista PIBIC/CNPq, aluno do Curso de Geografia LEPeR/GCC/CCNE/UFSM e-mail<[email protected]>
é 99,39%. A média propriedade representa 0,53% dos imóveis e a grande propriedade
representa 0,08% dos imóveis. (INCRA, 2000). Após constatar a predominância da
pequena propriedade rural na região, analisou-se o principal produto cana-de-açúcar
produzido nos municípios selecionados para o estudo permitindo organizar a identidade
da Região.Como alternativa sugere-se que os agricultores adotem a pluriatividade como
saída para a realização socioeconômica.
ABSTRACT
Considering the studies done in the region and that show the diagnosis of its
reality and the value of the natural, human and economic resources, in the qualitative
and quantity level, emphasizing the sugar cane, selected in the study as an important
element to the definition of the territories, adding to this another element: the landed
structure of the rural properties in the Médio Alto Uruguai (Medium High Uruguay)
region. Information disposed in the Bank of Information BNAF/LEPeR of the products
in the rural area was used as methodology, referring to the research instruments applied
in 2001/2003 in the studied cities. The use of this procedure also contributed to
demonstrate the behavior of the human elements and of its action related to the natural
resources that compound the regional geo-system. Related to the landed structure, the
landed properties in the rural area of the cities correspond to an expressive number of
small landed properties, classified as very small and small properties. In many cities the
big properties almost does not exist and the medium property does not have much
significance in the group of the existing properties, in a way that the land distribution
for the explorable landed property category in the Médio Alto Uruguai region, present
the following characteristics: the very small properties category represents 80,36% of
the landed properties, the small property has almost all landed properties in the Region,
that is, 99,39%. The medium properties represent 0,53% of the landed properties and
the big properties represent 0,08% of the (INCRA, 2000). By checking the
predominance of the small rural properties in the region, the main product, the sugar
cane, produced in the selected cities to this study was analyzed, which allowed the
organization of the identity of the region. As an alternative, we suggest that farmers
adopt the pluriactivity as an issue to the socioeconomic realization.
3 Orientadora, Prof.ªDr.ª LEPeR/GCC/CCNE/UFSM
INTRODUÇÃO
A competitividade de determinados setores da economia nacional, em particular
devido às redes de produção que se desenvolvem a partir de cada um dos produtos da
agropecuária depende, portanto, não só de sua própria intensidade de produção e de
qualidade, mas da produtividade e da qualidade dos segmentos que as antecedem nas
distintas redes produtivas, além da maneira como se integram os componentes de um
determinado sistema agroalimentar, incluindo toda a gama de serviços privados e de
políticas públicas complementares e/ou de sistemas de produção.
Considerando o sistema agroalimentar e nele destacando o setor agroindustrial
existe um número razoável de ofertas de produtos que concorrem entre si e com os
importados, exibindo níveis bastante diversos de capacitação de recursos humanos,
adequação tecnológica, tamanho, capacitação gerencial para empreender estratégias
empresariais que empregam desde tecnologias artesanais até as de ponta na geração e na
produção dos bens de consumo. Por outro lado, as pequenas economias procuram
acelerar seus processos produtivos como garantia para se manterem nos mercados frente
à concentração do processo de desenvolvimento sustentável, alicerçado na
competitividade, na busca da eqüidade social e na proteção ambiental. Em decorrência
destes níveis propõe-se que o desenvolvimento seja expresso pela capacidade das
sociedades locais em se organizarem de modo eficiente e econômico, atreladas ao
potencial de recursos naturais e tecnológicos que possuem, os quais se tornam
condições de garantia do sustento das gerações atuais e futuras.
Seguindo nesta reflexão, entende-se que existe uma estrutura paisagística com
tendência a produção de certas especificidades rurais. Visto assim discute-se as
oportunidades em torno de planos de desenvolvimento rural que possam manter a
“ecologia da paisagem”, a qual para muitas unidades familiares é o elemento suficiente
para assegurar suas economias e dar a elas certa competitividade.
Analisando a agroindústria familiar rural, observa-se que ela tem como
características uma das mais elevadas taxas de informalidade, pouco aporte tecnológico
e gerencial e um enfoque empresarial voltado para a produção. Em decorrência dessas
características, encontram dificuldades de adaptação às mudanças de ambiente
econômico mesmo durante períodos de relativa estabilidade do mercado. Elas acabam
fechando seus negócios devido à ocorrência de mudanças acentuadas nas estruturas de
oferta e demanda.
A diversificação das atividades rurais é definida, hoje, pelos seguintes itens:
emergência da agricultura familiar, multiplicação das atividades não agrícolas no espaço
rural e formação de novas unidades produtivas diferenciadas e crescentemente
identificadas com a agregação de valor a produção das famílias rurais (Schneider,
1999). A respeito disso o autor salienta que a pluriatividade é uma estratégia de
reprodução social das unidades que se utilizam o trabalho da família, em contextos onde
sua integração à divisão social do trabalho não decorre, exclusivamente, dos resultados
da produção agrícola, mas, sobretudo, dos recursos das atividades não agrícolas e
mediante a articulação com o mercado de trabalho.
Dentro desse mesmo assunto Schneider aborda a pluriatividade como uma
estratégia de reprodução social de unidades que se utilizam fundamentalmente do
trabalho da família, em contextos onde sua integração à divisão social do trabalho não
decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, através do
recurso às atividades não agrícolas e mediante a articulação com o mercado de trabalho.
Nesse sentido, assim argumenta-se, embora integradas ao ordenamento social e
econômico, as formas familiares encontram espaços e mecanismos não apenas para
subsistir, mas muitas vezes para afirmar uma forma social de características variadas e
diversas em um regime social capitalista.
A renda auferida na produção é o elemento preponderante para que a agricultura
familiar possibilite a permanência do homem no campo, pois a renda da produção
representa a base da sobrevivência nas pequenas unidades familiares.
Deve-se considerar que a produção familiar, devido a sua importância e
capacidade em obter produtos que identificam sua dimensão criativa, se destaca em
esfera regional como alicerce de produção e como fonte de referência para os mercados
artesanais. Com isso o desenvolvimento local se torna o elemento primordial na
definição de metas da produção familiar e exerce influência sobre as decisões na
formação da paisagem regional.
Considerando os estudos já realizados na Região e que exibiram o diagnóstico
de sua realidade; o valor de seus recursos naturais, humanos e econômicos em nível
tanto qualitativo quanto quantitativo; os graus tecnológicos aplicados e em uso corrente
em seu território. A seleção neste estudo do produto cana-de-açúcar vem permitir
compreender uma realidade até aqui considerada promissora, mas pouco conhecida, e
que é capaz de, através de seu potencial, alicerçar programas como o de Segurança
Alimentar desenvolvido pelo Governo Federal, porém necessitando de aportes
tecnológicos que permitam sobrepor a produção à exigüidade de área disponível como
bem demonstrou o estudo referente a sua estrutura fundiária.
Para estabelecer esse conhecimento regional foram abordadas as dimensões
geográficas quantificáveis e de equilíbrio, expressas pela divisão territorial do trabalho,
pela estrutura fundiária regional além dos intercâmbios econômicos e das forças de
trabalho produtivo existentes. Aceitando-se que o desenvolvimento seja expresso pela
capacidade das sociedades locais em se relacionarem com o ambiente e se organizarem
de modo eficiente do ponto de vista produtivo, atreladas ao seu potencial de recursos
naturais, humanos e tecnológicos que se tornam condição de garantia e de sustento para
os mercados existentes e de melhoria de condições para as comunidades. Assim posto, o
estudo permitiu reconhecer o potencial possível à integração sustentável das
comunidades determinado em sua natureza imediata, enquanto recursos técnicos e as
possibilidades de produção econômica e de reprodução social.
Nesta pesquisa se procurou interpretar o espaço da produção e das relações de
reprodução social e econômica que se desenvolvem segundo uma relação íntima com os
recursos naturais promovendo a valorização da paisagem ao mesmo tempo em que a
altera. Para isto foram traçados determinados objetivos como o de definir a
espacialização territorial das atividades de produção e de transformação do produto
mais importante, analisar a estrutura fundiária dos municípios abordados utilizando as
variáveis qualitativas e quantitativas que, em interação com elementos sociais e
econômicos, determinam o caráter de sua territorialidade; além de identificar os
derivados mais importantes nas atividades agroindustriais da agricultura familiar, além
de apontar os avanços técnicos e sua inserção nos mercados urbanos, bem como revelar
os problemas e desafios a serem superados na direção da organização espacial.
1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS
1.1 Agricultura familiar e sustentabilidade
O estímulo à diversificação dos sistemas produtivos goza de plena unanimidade
entre aqueles que se preocupam com a sustentabilidade da agricultura. Provavelmente, o
padrão sustentável substituirá em larga escala os sistemas simplificados ou
monocultores por outros diversificados que permitam ainda integrar a produção animal
a vegetal. É claro que essa possibilidade não deve ser apontada como “receita”
generalizada. Existem diferentes meios de se promover a diversificação de um
agrossistema, desde o chamado “manejo do mato”, isto é, manutenção controlada de
plantas invasoras em meio às lavouras, passando pelas consorciásseis e pelas rotações
de culturas indo até os sistemas agroflorestais. O desafio, portanto, é conhecer não
apenas as características dos agrossistemas, mas também as formas mais apropriadas de
diversificá-las.
A forma de ocupação da terra e sua distribuição entre os produtores rurais
assumem importância no entendimento e conhecimento da estrutura fundiária de uma
localidade ou região, o qual permite a realização de “diagnósticos” que indicam as
dificuldades, os embaraços e, até mesmo, os impedimentos encontrados e que se
relacionam com a estrutura fundiária, explicando as causas das profundas desigualdades
sociais, pobreza e miséria, nas áreas onde a presença de terras disponíveis é condição
determinante para a reprodução social e econômica dos grupos familiares.
As discussões em torno da agricultura sustentável apontam, de forma
inequívoca, os agricultores familiares como sujeitos preferenciais e com maior aptidão
para a consecução dos preceitos da agricultura sustentável. É necessário, entretanto,
precisar o significado da expressão agricultor familiar. A caracterização deste sujeito
dada pelo adjetivo familiar, passa a ser feita por um conceito sociológico, que
representa papéis diferentes em função do contexto espaço-temporal da sociedade em
que está inserido e necessita ser mais bem entendida.
Como é comum em tais circunstâncias, a própria noção de agricultura
sustentável envolve diversos dilemas teóricos e práticos, fazendo com que proliferem as
tentativas de conceituá-las. Estão disponíveis dezenas de definições que se diferenciam
mais pela ênfase em determinado aspecto, do que pela exclusão de algum atributo de
durabilidade dos agrossistemas. Pode-se dizer que todas as definições transmitem a
visão de um sistema produtivo de alimentos e fibras que seja capaz de garantir:
- a manutenção, em longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade
agrícola;
- o mínimo de impactos adversos ao ambiente;
- retornos adequados aos produtores;
- otimização da produção com um mínimo de insumos externos;
- satisfação das necessidades humanas de alimentos e rendas;
- atendimento às demandas sociais das famílias e das comunidades rurais.
Não será fácil implantar uma agricultura que preserve os recursos naturais e o
meio ambiente, já que as soluções consideradas sustentáveis são específicas dos
ecossistemas e exigentes em conhecimento agroecológico, portanto, de difícil
multiplicação. São raras as práticas sustentáveis que podem ser adotadas em larga
escala. Existe, portanto, uma relação dialética entre inovação e conflito, estando em
questão não apenas o ritmo das inovações, mas, também, as modalidades de regulação
dos conflitos, tanto para a força das tendências inovadoras quanto para os tipos de
inovação. É provável que a transição seja mais rápida em ecossistemas menos
permeáveis às variedades de alto rendimento, engendrando uma diversidade de
ecossistemas agrários comparável à que prevalecia no início do século.
A agroecologia evoca a noção de uma agricultura menos agressiva ao meio
ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas
para aos agricultores. A agroecologia está vinculada à oferta de produtos “limpos”,
ecológicos, isentos de resíduos químicos, em oposição àqueles característicos da
Revolução Verde. Portanto, a Agroecologia nos traz a idéia e a expectativa de uma nova
agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio ambiente como um todo,
afastando-nos da orientação dominante de uma agricultura intensiva em capital, energia
e recursos naturais não renováveis, agressiva ao meio ambiente, excludente do ponto de
vista social e causadora de dependência econômica (CAPORAL & COSTABEBER,
2002).
É preciso entender que sustentabilidade significa preservação do capital
ambiental oferecido pela natureza, os possíveis usos ou funções do entorno físico, as
dificuldades da aplicação prática da definição e os problemas de sua vinculação à idéia
de desenvolvimento devem ser vistos como desafios, não como expedientes que possam
diminuir seu valor heurístico e seu profundo sentido ético. Parece fundamental que os
grandes conjuntos de agrossistemas sejam tratados separadamente, pois sua dinâmica e
seus ritmos de transição serão necessariamente diferentes. Deve-se esclarecer que a
diversidade interna desses conjuntos poderá destacar os diferentes graus de
especificidade (ou universalidade) dos problemas ambientais intrínsecos aos sistemas de
produção que predominam nos macro conjuntos de ecossistemas.
A discussão a respeito da agricultura sustentável é recente, gerando várias
posições frente ao seu conceito e, até mesmo, de seus objetivos, não havendo uma
homogeneidade no meio científico acerca desta abordagem. A este respeito Gómez
(1996, p. 153) considera que: “o conceito de sustentabilidade significa uma
reorganização das relações essenciais da sociedade e uma redefinição das ações dos
governos, das empresas e das instituições de pesquisa e de ensino”.
Na visão de alguns autores, como Ehlers (1999) e Gómez (1996), a agricultura
sustentável terá sérias dificuldades e entraves em sua consolidação em função das
características específicas de cada ecossistema. Mas é consenso no meio científico que o
atual modelo agrícola mundial tornou-se inviável, tanto ecológica como socialmente.
Para Gómez (1996, p. 159) “os estudiosos do tema parecem concordar em que, no
processo de transição do modelo vigente para um modelo sustentável, é necessário
adotar uma estratégia que possibilite a combinação adequada dos recursos naturais,
genéticos e humanos”.
Para consolidar o desenvolvimento rural sustentável uma das metas a ser
atingida é a eqüidade, conceito que se refere ao bem-estar da população. Para a
EMATER (1996), eqüidade é entendida a partir da distribuição da renda, dos
indicadores de saúde, dos níveis de nutrição, habitação, educação, como também, dos
graus de emprego e mobilidade social da população.
Dessa forma é na contradição das relações e na produção de relações
insustentáveis que se manifesta a necessidade de se propor o desenvolvimento
sustentável, que segundo Almeida (1997) “tem como uma de suas premissas o
reconhecimento da ‘insustentabilidade’ ou inadequação econômica, social e ambiental
do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas”.
Seguindo esta linha de pensamento, Gómez (1995, p. 108-109) salienta que: “No
debate sobre a agricultura sustentável, predominam os argumentos que associam o
desenvolvimento sustentável à agricultura familiar...”, “é capaz de realizar a transição
com maior facilidade para um modelo de desenvolvimento sustentável”.
A pequena propriedade rural, que historicamente se preocupou em produzir para
o seu sustento, vendendo apenas o excedente, precisou ampliar seus conhecimentos para
competir no mercado, conhecer os mercados e os consumidores, detendo informações
acerca dos produtos e serviços disponíveis e dos hábitos e necessidades dos
consumidores.
Desta forma, os produtores rurais, de trabalho familiar, procuram obter os
conhecimentos necessários e estabelecem novas estratégias de melhoria das condições
competitivas. Obedecendo a estas mudanças, a competitividade, que pode ser definida
como sendo a participação e o desempenho de uma unidade produtiva no mercado, em
um dado tempo, foi obtida através de fatores como preços, qualidade do produto e de
transformação, habilidade de servir o mercado e a capacidade de diferenciação de
produtos. Segundo Ferraz (1997) a competitividade também pode representar a
capacidade da unidade de produção em formular e implementar estratégias de
concorrências de forma duradoura, isto é, uma posição sustentável no mercado.
Essa necessidade de tentar solucionar as relações entre ambiente e
desenvolvimento, fez surgir uma nova expressão “Desenvolvimento Sustentável e/ou
Sustentabilidade”, onde o desenvolvimento deve conciliar o crescimento econômico e a
conservação dos recursos naturais.
Assim, inúmeras organizações não governamentais (ONGs) passaram a criticar
os efeitos do processo de desenvolvimento da agricultura intensiva em relação ao uso de
capital, insumos químicos e mecanização, e divulgando uma nova proposta sustentável
para os processos produtivos da agricultura , principalmente a agricultura familiar como
uma alternativa de equilíbrio entre o meio ambiente e o homem, gerando recursos,
produtividade e condições de competitividade com qualidade.
De acordo com Ehlers (1996), a agricultura sustentável abrange os seguintes
itens:
• Manutenção, em longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade
agrícola; o mínimo dos impactos que degradam os recursos naturais – ecossistemas;
• Motivação e retorno adequados aos produtores – unidades de produção;
• Otimização da produção das culturas com a utilização mínima dos insumos
químicos nas áreas agricultáveis;
• Satisfação das necessidades humanas de alimentos para toda a humanidade e
de renda suficiente;
• Qualidade sustentável das condições de qualquer trabalho que necessite da
força humana;
• Vitalidade, organização social e cultura da vida rural;
• Melhoramentos tecnológicos adequados às conexões ecológicas conforme as
exigências locais;
• Atender às necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais;
• Especificação de políticas direcionadas e voltadas para a realidade social rural.
Além disso, a sustentabilidade envolve diretamente a manutenção das unidades
familiares de produção distinguindo os planos: econômico, ecológico, social e cultural,
isto é, a busca do equilíbrio ideal da vida.
Sustentabilidade econômica é à base do equilíbrio na distribuição da renda
nacional: trabalho e salários dignos;
A sustentabilidade social e cultural é a base da educação, saúde, nível de vida,
não a passividade das causas sociais;
Dentro deste contexto surge o conceito de sustentabilidade da agricultura
familiar. A sustentabilidade da agricultura se constitui em um novo paradigma que
busca uma ampla aplicabilidade de conhecimentos, na produção como redutor de custos
e na distribuição, favorecendo a distribuição dos incentivos, aproximando mais o
consumidor do produtor, e atendendo um novo segmento de consumidores. (Silva,
1998).
1.2 Os derivados da agroindústria familiar
A agricultura familiar está de uma ou outra forma vinculada aos processos de
transformação de sua matéria-prima e interligada a complexos agroindustriais, ou a
experiências individuais e/ou coletivas de industrialização ou ainda, através do
fornecimento da mão-de-obra.
Os aspectos que envolvem as relações de produção dos agricultores familiares
integrados aos complexos agroindustriais através da produção e/ou do beneficiamento
das matérias-primas, como aves, suínos, leite, fumo, frutas, entre outros, são específicos
como também o são as experiências associativas ou cooperativas de
agroindustrialização construídas e geridas por agricultores familiares em suas
organizações.
A agroindústria rural de pequeno porte do tipo familiar tem se caracterizado
como uma importante atividade para o desenvolvimento sustentável, através da
agregação de valor aos produtos agropecuários, pois neste momento se discute um novo
papel para o meio rural, não mais visto apenas como produtor agrícola de matéria-
prima. A agroindústria é um termo usado para designar diversas atividades produtivas
que utilizam matéria-prima originária da agricultura, e vem adquirindo importância no
meio rural, com impactos diretos no desenvolvimento rural brasileiro.
Com o desenvolvimento do processo de valorização dos mercados de produtos
alimentícios provenientes das zonas rurais, antigas áreas coloniais, abrem-se novas
oportunidades para a produção da agricultura familiar, especialmente para o leite e seus
derivados nos mercados urbanos. Deste modo é possível prever novas estratégias de
produção e incorporá-las ao gerenciamento da produção e na administração técnica
rural.
Por sua vez os mercados consumidores são acionados resultando teoricamente
no aumento de renda rural e urbana, maximizando o setor da produção e da circulação.
Isto traz vantagens comparativas para as populações do meio rural, principalmente das
unidades produtivas familiares, até então marginalizadas pelos modelos
macroeconômicos vigentes. Deve-se considerar, portanto, a necessidade em pressupor a
ocorrência de novos paradigmas para o desenvolvimento, devendo eles estarem
alicerçados na competência das empresas agrícolas em vencer os limites das fronteiras
municipais ou até mesmo rurais, quebrando, assim, as dificuldades de domínio do
conhecimento técnico e de informação que se apresentam como desafio às
administrações municipais.
1.3 Estrutura Fundiária
Alguns conceitos e definições são pertinentes para a melhor compreensão da
estrutura fundiária brasileira, segundo o INCRA:
• imóvel rural: para fins de Cadastro Rural, é o prédio rústico, de área
contínua, formado de uma ou mais parcelas de terra, pertencentes a um mesmo
proprietário, que seja ou possa ser utilizado em exploração agrícola, pecuária,
extrativa vegetal ou agro-industrial, independentemente de sua localização;
• módulo fiscal: unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada
município, considerando os seguintes fatores:
- tipo de exploração predominante no município;
- renda obtida com a exploração predominante;
- outras explorações existentes no município que, embora não predominantes,
sejam significativas em função da renda e da área utilizada; e
- o conceito de propriedade familiar.
• minifúndio: conceito oriundo do Estatuto da Terra, Lei n.º 4.504, de 30
de novembro de 1964, que definia minifúndio como o imóvel rural com dimensão
inferior a 1 (um) módulo rural. Por definição, o módulo rural é a área máxima fixada
para cada região e tipo de exploração. Com o advento da Lei n.º 6.746/80, que estava
diretamente vinculada ao ITR, o módulo considerado passou a ser o módulo fiscal,
estabelecido para cada município e que contempla: o tipo de exploração predominante
no município, a renda obtida no tipo de exploração predominante, outras explorações
existentes no município e o conceito de propriedade familiar.
• pequena propriedade: o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e
4 (quatro) módulos fiscais;
• média propriedade: o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15
(quinze) módulos fiscais;
• grande propriedade: o imóvel rural de área superior a 15 (quinze)
módulos fiscais;
• área cadastrada: é o somatório das áreas de todos os imóveis rurais
cadastrados no INCRA;
• área explorável: área com culturas permanentes, reflorestadas com
essências nativas, culturas temporárias, horticultura, extração vegetal, pastagens
naturais, pastagens plantadas, pastoreio temporário, exploração granjeira ou agrícola e
aproveitável mas não utilizada;
• área explorada: área com culturas permanentes reflorestadas com
essências nativas, culturas temporárias, horticultura, extração vegetal, pastagens
naturais, pastagens plantadas, pastoreio temporário, exploração granjeira ou agrícola, do
total de imóveis cadastrados;
• área das propriedades produtivas: área dos imóveis que atingem 80% de
Grau de Utilização da Terra-GUT e 100% de Grau de Eficiência na Exploração-GEE.
Não sendo computadas as áreas exploradas dos imóveis classificados como não
produtivos;
• estabelecimento agropecuário (Censo Agropecuário de 1985): todo
terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou rural),
formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processe
uma exploração agropecuária, ou seja: o cultivo do solo com culturas permanentes ou
temporárias, inclusive hortaliças e flores: a criação, recriação ou engorda de animais de
grande e médio porte; a criação de pequenos animais; a silvicultura ou o
reflorestamento e a extração de produtos vegetais. Excluindo-se da investigação os
quintais de residência e hortas domésticas.
1.4 Identificação de territórios
Sobre a dinâmica territorial identificam-se, pelo menos, duas perspectivas de
valorização das diferenças e especificidades territoriais, no atual quadro de forças. Uma
investe-se de caráter eminentemente instrumental e é predominantemente movida por
interesses externos ao território sobre o qual se pretende atuar; outra emerge de forma
mais comprometida com objetivos de desenvolvimento local e endógeno. Tais
perspectivas podem até ser complementares, mas há sempre o predomínio de uma
lógica sobre a outra. Elas representam orientações distintas nas formas de estruturar,
gerir e intervir sobre o território, apresentando reflexos e implicações diferenciados
sobre o mesmo.
De acordo com Albagli (2002), sobre a perspectiva instrumental, o território
constitui peça-chave para a reprodução do capital, que, se hoje exige ser globalizada,
também necessita de ancoragens físicas para os empreendimentos produtivos, ao mesmo
tempo em que requer uma fronteira em constante movimento que atenda às contínuas
transformações nas condições de sua reprodução. Diferenciação e especificidades
territoriais são aqui vistas fundamentalmente como formas de atrair investimentos e
gerar novas lucratividades; por sua vez, a territorialidade é valorizada como mero objeto
de interesse mercantil e especulativo. Essa forma de abordar e atuar sobre o território
tende a apropriar e a consumir, de forma predatória, logo insustentável em longo prazo,
aquilo que a territorialidade pode significar e gerar como ganhos econômicos em curto
prazo. O resultado tende a ser um tipo de exploração econômica corrosiva da
territorialidade, destruidora do capital social e depredadora do meio ambiente e dos
recursos naturais locais.
Na perspectiva do desenvolvimento local o território atua como elemento de
transformação sócio-político-econômica, representando o locus privilegiado para novas
formas de solidariedade, parceria e cooperação entre os diferentes agentes econômicos,
políticos e sociais. Constitui-se em espaço para o estabelecimento de redes sociais
fundadas em novas territorialidades e estabelecendo uma dinâmica virtuosa entre o
moderno e o tradicional. Essa perspectiva pode contribuir para desenvolver e fortalecer
a territorialidade, fazendo-a reverter em favor do dinamismo e da sustentabilidade
social, econômica e ambiental.
Segundo a autora, como passos fundamentais, a serem considerados para as
organizações que desejem atuar no fortalecimento da capitalização na formação de
territórios em favor do desenvolvimento local e sustentável, recomenda-se:
1. Identificar as unidades territoriais pertinentes, enquanto áreas passíveis de
desenvolverem ações que permitam promover o “empreendedorismo” local com base
em potencialidades endógenas, pautadas nessa "unicidade" territorial. Trata-se de
reconhecer seus contornos geográficos, a partir das territorialidades já existentes, do
senso de identidade e pertencimento territorial, da concepção de exclusividade e/ou de
tipicidade, tipos e intensidades de interações entre atores locais. E, ainda que
entendendo que o território e a territorialidade não são dados, nem predeterminados por
divisões político-administrativas, é normal tê-los como ponto de partida, por serem
relativamente mais estáveis e de mais fácil visualização e reconhecimento e, por serem
já objetos de estratégias territoriais que propiciam o desenvolvimento dessas unicidades
e territorialidades decorrentes.
2. Gerar conhecimento sobre o território, enquanto sistema de objetos e sistema
de ações e relações. Trata-se de identificar e caracterizar aquelas especificidades que
melhor traduzem e distinguem o território, bem como as que representam
potencialidades de vantagens comparativas, de dinamismo socioeconômico local e de
desenvolvimento sustentável. Este conhecimento pode se estruturar a partir das quatro
dimensões, as quais já referidas anteriormente. De forma inicial e como tentativa,
sugere-se considerar nos estudos:
a) a configuração natural e física - a base de recursos naturais e infra-estrutura
disponível;
b) a configuração político-institucional-organizacional de quem faz o quê (os
atores e suas práticas territoriais); quais processos levam a essas ações localizadas (suas
motivações); suas redes de relações (com quem e como desenvolve ações de
cooperação; hierarquias, conflitos e desigualdades);
c) a dimensão simbólico-cultural definida pelas crenças, mitos, representações,
valores, símbolos, que lhes dão sentido de identidade e pertencimento;
d) a dimensão econômica determinada pelas potencialidades e tipicidades; a
base técnica; base de conhecimentos (tácitos e codificados); estrutura produtiva local.
3. Promover sociabilidades, identificando e mobilizando particularmente
aqueles atores e segmentos sociais locais que imprimem um dinamismo local e que se
caracterizam por serem genuínos e com tradição. Buscar possíveis modalidades de ação
coletiva.
4. Estimular o reconhecimento e valorização da formação territorial, como
elemento não apenas de dinamização produtiva e comercial, mas como forma de
desenvolvimento local sustentável. Resgatar e valorizar imagens e símbolos. Definir
níveis de intervenção dos poderes públicos e organizações locais. Estabelecer
parâmetros de qualidade e de sustentabilidade em todos os níveis.
1.5 Do desenvolvimento local à segurança alimentar
Apesar de se referirem a idéias diferenciadas, os conceitos de desenvolvimento
agrícola, desenvolvimento rural, desenvolvimento local, desenvolvimento local baseado
na agricultura familiar, e outros similares são utilizados na linguagem coloquial de
modo pouco diferenciado. Para melhor entendimento das idéias é interessante esclarecer
estes conceitos. O conceito de desenvolvimento agrícola pode ser entendido como o
enfoque tradicional, ou produtivista, que é hegemônico no setor técnico e na
administração pública desde a Era Vargas e focaliza o aumento da produção e da
produtividade agrícola. Já o conceito de desenvolvimento rural é bem mais abrangente,
englobando fatores econômicos, fatores sociais, políticos e, ainda, elementos não-
agrícolas, como, por exemplo, o turismo rural. O conceito de desenvolvimento local
surge do entendimento de que o meio rural, exatamente por não ser apenas agrícola,
engloba também as pequenas cidades que apesar de constituírem o espaço urbano,
estão, via de regra, essencialmente ligadas ao meio rural e dele dependendo para
sobreviver e para ele prestando todo o tipo de serviços. O IPEA, por exemplo, trabalha
para as pequenas áreas urbanas no meio rural com os conceitos de microaglomeração,
ou microurbano rural, uma sobreposição dos espaços urbano e rural que caracteriza a
maioria dos municípios que contam em média com menos que 20.000 habitantes.
Os adjetivos que atualmente costumam ser acrescentados ao conceito de
desenvolvimento, como: sustentável, integrado, participativo, baseado na agricultura
familiar ou outros, na verdade deveriam estar já contidos no conceito. No geral, como
Brose (1999) afirma, ao se referir aos indicadores de impacto nos projetos e programas
de fortalecimento do desenvolvimento local determinados pela manutenção e criação de
postos de trabalho, início de novas atividades econômicas, pluratividade na agricultura
familiar, estabilidade na renda familiar, manutenção de uma paisagem rural equilibrada,
ativa participação da população nas decisões nos seus espaços econômicos, novas
formas de gestão pública, entre outros.
A definição de desenvolvimento local, integrado e sustentável, deve ser vista
como uma nova dinâmica sócio-econômica capaz de partir de encontro de ações do
Estado e da sociedade, potencializar resultados em virtude das parcerias
interinstitucionais que ali podem ser acordadas e da convergência e integração das
políticas e programas que acabam coincidindo no espaço local, mencionado
(Comunidade Solidária, 1998), o que pode remeter às políticas públicas adotadas pelo
Governo Federal.
Sobre o futuro de programas como o de segurança alimentar e as condições de
reprodução do meio rural em regiões do Rio Grande do Sul, pode demonstrar o
tratamento conferido a espaços geográficos detentores de um setor rural significativo e
estruturado na produção familiar.
A descoberta de regiões que possuem um mercado para os produtos advindos
das Unidades de Produção da Agricultura Familiar em áreas tipicamente definidas e
baseadas na diversificação da produção, do emprego da força de trabalho familiar e
apresentando condições de colaborar no abastecimento interno com a geração de
alimentos, faze parte das metas a serem atingidas pelo Projeto “Fome Zero”. Com isso
os alicerces de produção dos produtos da agricultura familiar devem estar
eminentemente ligados à paisagem cotidiana de sua região.
2 A REGIÃO DO MÉDIO ALTO URUGUAI, RS
2.1 Histórico da estrutura fundiária na Região Sul do Brasil:
Essa é a região mais ocupada do Brasil, do ponto de vista fundiário, mesmo
tendo sido colonizada há quase duzentos anos, mais tarde do que as regiões Nordeste e
Sudeste, e tendo por experiência de colonização por estrangeiros italianos e alemães,
principalmente, nas três últimas décadas do século XIX.
A superfície total da região Sul é de 57,5 milhões de hectares, dos quais 39,8%
milhões de hectares estão cadastrados no INCRA/92, o que representa 69,0% de toda a
superfície. Esta é a maior taxa de ocupação do País. Do ponto de vista territorial, é a
menor região do País, possuindo somente 6,7% do território nacional. Mas, em
compensação, em área cadastrada, dobra a sua representação, para 12,8%, em relação ao
total de área cadastrado do País.
A alta ocupação evidencia-se, ainda mais, considerado o número de imóveis. A
região Sul possui 1,0 milhão de imóveis, o que representa 35,5% do total de imóveis
cadastrados no Brasil. Desses, praticamente a metade está no Rio Grande do Sul.
A área explorável, na região Sul, representa 84,0% da área cadastrada, num total
de 33,6 milhões de hectares. E a área explorada, totaliza 32,6 milhões de hectares e
representa 97,1% da área explorável. Esse indicador esgota a demonstração da alta
ocupação agrícola da região Sul, ou seja, do que nela é "explorável", (97,0%), e o que
está sendo "explorado".
A distribuição fundiária, por categoria de imóveis, na região Sul tem as
seguintes características:
O "minifúndio" representa 61,0% dos imóveis e ocupa 15,4% da área cadastrada.
Participação significativa só, levemente, superada no Nordeste. Mas a pequena
propriedade, que representa 30,9% dos imóveis, ocupa 26,8% da área cadastrada. Juntos
- minifúndio e pequena - tem a maior representação em termos de área, de uma região:
31,3% (INCRA,1998).
A "grande propriedade", na região, em torno de 18 mil imóveis, representa, tão
somente, 0,9% dos imóveis. Mas, ocupa 36,5% da área cadastrada. Mesmo assim, é a
menor representação regional da grande propriedade, tanto em número de imóveis,
quanto em área cadastrada.
Como se evidencia, a característica fundamental da região Sul, é sua alta taxa de
ocupação, e também, a ocupação é altamente produtiva. Com base nas declarações dos
proprietários rurais, temos que, na região Sul, 46,6% das pequenas propriedades são
consideradas "produtivas". Para as médias propriedades, esse índice é de 45,5% e das
grandes propriedades, 53,8% são classificadas como "produtivas", com uma área de
59,0% do total. Temos que, nas três categorias de imóveis, a representação das
"produtivas" sobre o total, tanto em termos de número de imóveis, como em área, é a
maior do País.
2.2 Características do Rio Grande do Sul
Esta Região localiza-se na porção norte do Estado do Rio Grande do Sul, entre
as coordenadas geográficas de 52º43’4” a 53º44’34” de longitude Oeste (W) e 27º5’1” a
27º47’31” de latitude Sul (S). (Figura 01).
Figura 01 - Mapa de localização da região do Médio Alto Uruguai, RS
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A ciência geográfica estuda as estruturas, as relações e sua dinâmica, bem como
as inter-relações do homem com a natureza e dos homens entre si, sobre o espaço,
definindo o que denominamos de espaço geográfico. É também do campo de estudo da
ciência geográfica a organização resultante destas relações, sejam elas de caráter
natural, determinadas pelos elementos naturais, isto é, oriundas da ordenação dos
elementos em seu ecossistema (sistemas ambientais primeira natureza) e as definidas
pelas relações dos homens entre si, (segunda natureza).
A ação humana em busca de sua sobrevivência tem se reproduzido sobre o
modelado da superfície terrestre determinando momentos de produção de forças e de
meios produtivos, bem como de mudanças e transformações sobre a superfície da terra
caracterizada pelas diferentes paisagens, cuja Geoecologia revela as interações sociais e
naturais. O termo Geoecologia da paisagem, ao estudar a interação Natureza-Sociedade
em seu aspecto estrutural-funcional e das relações objeto-sujeito, concentra sua atenção
nas paisagens como ecossistemas antrópicos, procurando não somente descrever a
partir da observação, mas explicar os processos naturais e humanos que se interligam e
se influenciam uns aos outros de maneira a conceber uma considerável malha de
características particulares de uma determinada área.
As mudanças que ocorrem modificando lugares também influem na evolução de
outros elementos geográficos (funções e formas) que estão no espaço em análise e,
portanto, tornam-se componentes fundamentais na alteração da totalidade social
(relações sociais, econômicas e políticas) e em seus movimentos.
Nesta perspectiva o enfoque geossistêmico assume dimensões amplas ao se
transformar em instrumento de trabalho para estudos que envolvam as relações homem
e natureza, pois eles, ampliando a totalidade social, colocam mais um componente, o
meio-ambiente. Portanto, pode-se determinar que geossistema é um sistema espacial
compreendendo os diferentes elementos do meio natural em sua interação com
elementos da totalidade social.
Nos últimos anos, o estudo dos geossistemas tem ganhado relevância frente à
consciência adquirida sobre conservação e uso racional dos recursos naturais e
tecnológicos tendo como fim o bem estar e o desenvolvimento da sociedade que vive
neste meio. Deste modo, as atividades rurais, principalmente o uso da terra determinado
pelas atividades agrícolas e pelo criatório, são entendidas como um sistema complexo e
aberto no qual seus subsistemas são interativos e permeados por outros sistemas
externos, os quais podem se integrar ao geossistema em questão.
Em estudos anteriores sobre a compreensão do Sistema da Agricultura Familiar,
dos quais foram retiradas as informações necessárias ao desenvolvimento deste
trabalho, foi possível confirmar a caracterização para as relações que se estabelecem na
Região como um Sistema Complexo e Aberto, como mostra a figura 2 e denominado
Sistema Maior.
Figura 2 – Sistema da Agricultura Familiar: Estabelecimentos Rurais dos Municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS. (Modelo de Entrada e Saída).
Fonte: Instrumento de Pesquisa: Estabelecimentos Rurais Organização: Campos, F.M., LEPeR/UFSM, 2001.
O estudo sobre o Sistema Agricultura Familiar: Estabelecimentos Rurais dos
Municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS, constituiu-se de quatro subsistemas:
subsistema I, Informante; subsistema II, Produção; subsistema III, Transformação;
subsistema IV, Mercados, desenvolvidos em projetos anteriores e que fizeram parte do
projeto Desenvolvimento sustentável de Oportunidades de Mercado para Produtos “in
natura” e Agroindustrializados (semitransformados e transformados) da Região do
Médio Alto Uruguai – RS.
Para este trabalho, utilizou-se somente Variáveis do tipo: Estabelecimentos
Rurais (subsistemas I e II), onde há informações dispostas no Banco de informações
BNAF/LEPeR sobre os produtos do meio rural, produzidos da cana-de-açúcar,
horticultura, fruticultura, leite e suinocultura e dos seus derivados. Outra variável
utilizada no trabalho se refere ao tamanho da propriedade. O resultado da aplicação do
instrumento sobre os 926 estabelecimentos rurais gerou 1.126 informações pertinentes
para a elaboração dos resultados, porém, neste trabalho, abordou-se apenas a situação da
cana-de-açúcar e tamanho da propriedade, sendo esta estudada através da estrutura
fundiária de acordo com os dados coletados junto ao INCRA/RS sobre os municípios da
Região, procurando além da espacialização já realizada e que trabalhou o fenômeno
definindo a região da produção e da transformação da cana-de-açúcar atrelada à
pequena propriedade, para caracterizar a sua paisagem; destacou-se o estudo da
estrutura fundiária, que se torna um empecilho ao desenvolvimento da produção, que já
INPUT
SUBSIST. I
INFORMANTES
SUBSIST. III TRANSFORMAÇÃO
SUBSIST. IV MERCADOS
SUBSIST. II
PRODUÇÃO
atinge alto grau de qualidade. O uso de procedimentos, estatísticos, georeferenciais e
dados coletados em órgãos específicos contribuiu para a demonstração do
comportamento dos elementos humanos, sua ação sobre o espaço e para que se
determinasse os limites do uso dos recursos naturais que compõem o geossistema
regional.
Deve-se ressaltar que a construção do sistema de estudo seguiu as orientações
de Christofoletti (1982), lembrando que modelo é uma estruturação simplificada da
realidade apresentando, supostamente, características ou relações de forma
generalizada. Obviamente não se pode esquecer que os modelos são aproximações,
altamente subjetivas, no sentido de incluírem todas as observações e medições
associadas, mas, como tais, são valiosas em ocultar detalhes secundários permitindo o
aparecimento dos aspectos fundamentais da realidade.
O procedimento adotado na classificação do sistema, neste estudo, está apoiado
na característica fundamental dos modelos como construção, a qual implica em uma
atitude altamente seletiva em relação às informações, pois não só as interferências
como os sinais menos importantes são eliminados a fim de permitir que se observe algo
da intimidade das coisas. Portanto, como aproximações seletivas, permitem a
eliminação de detalhes acidentais, possibilitando o aparecimento de alguns aspectos
fundamentais, relevantes ou interessantes do mundo real de forma generalizada.
As análises obtidas resultaram no zoneamento, representado através de
Cartogramas temáticos confeccionados no Programa O-CAD, para assim ser
visualizado o território formado pelas conclusões finais do presente trabalho.
A paisagem constituída na agricultura familiar na Região do Médio Alto
Uruguai, RS, pode dar início à construção da identidade da produção da agricultura
familiar regional, visando a contribuir com as políticas que irão garantir a segurança
alimentar através da determinação da espacialidade do território e de seu zoneamento,
constituído pelos sistemas de produção especializados e existentes usando as técnicas
estatísticas e software que permitam a formação de cartogramas como ferramenta que
irá facilitar as administrações públicas municipais e COREDE regional.
Obteve-se em cada município o destaque de um produto derivado da cana-de-
açúcar considerado como o mais importante no conjunto da produção e da
transformação no interior das unidades de produção da agricultura familiar local,
permitindo reconhecer as zonas de seu predomínio na Região de estudo.
4 CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E PROPRIEDADE RURAL
A complexidade da paisagem rural em áreas de agricultura familiar deve-se a
diversidade do uso dos recursos naturais (terra, água, flora e fauna) em função da
prioridade que é dedicada à produção em benefício da reprodução humana segundo seus
valores sociais, antropológicos, culturais, políticos e econômicos, enfim, de seu modus
vivendi (La Blache, 1922). A presença de diferentes tipos de agricultores, com sua
própria história carregada de uma cultura particular aciona interesses e ações
particulares de sobrevivência e de produção que respondem diferentemente aos desafios
e ao que é entendido como obstáculo à realização da reprodução humana. As diferenças
de paisagens aguçam o profissional da geografia a reconhecer e determinar este novo
território da agricultura familiar buscando seu entendimento a partir do conhecimento
de suas características e determinando a paisagem da agricultura familiar na Região de
estudo definindo seus subsistemas ambiental, social e econômico e analisando os
elementos componentes destes subsistemas segundo as dimensões geográficas
quantificadas, (de ordem ambiental que tem reflexo no quadro social e econômico) e o
equilíbrio expresso por seus atributos (produtos agropecuários) aprofundando o
conhecimento do território da agricultura familiar.
Parte importante da economia do norte do Rio Grande do Sul estrutura-se sobre
a base da pequena propriedade, explorada através do uso intensivo da mão-de-obra
familiar, voltada para a produção de carne de origem suína e de aves, além da produção
de leite, de frutas e de fumo. Outra parte da área é ocupada pelas médias e grandes
propriedades, produtoras de grãos de trigo, de soja e de milho, adotando técnicas de
produção intensivas em capital. Os resultados atingidos até o momento indicam que a
agricultura familiar regional apresenta um comportamento diversificado de produção
em relação a seu meio ambiente e que vem produzindo e agregando valor aos produtos
através da introdução de processos artesanais de transformação, principalmente para
derivados de cana-de-açúcar, produto este que terá maior destaque nos resultados desta
pesquisa. Porém, produtos da horticultura, fruticultura, leite e suínos também terão
transformação com menor destaque, assim como a cana-de-açúcar. Com base na
produção diversificada, estruturou-se na Região um setor de beneficiamento da
produção agropecuária que se constitui na porção mais importante da geração de
alimentos. Concomitantemente destaca-se a sua importância social, como fonte
geradora de empregos em um ambiente cada vez mais intensivo de mão-de-obra
familiar e como fonte de interiorização das economias, além de permitir a criação de
condições para o desenvolvimento da agroindústria familiar de pequena escala e de
transformação dos produtos em variados graus de aplicação tecnológica.
Através de dados fornecidos pelos estabelecimentos rurais da Região, acerca do
tamanho das propriedades, foi possível verificar o montante da produção entre os
derivados obtidos a partir dos produtos “in natura”: frutas, cana-de-açúcar, hortaliças,
leite e suínos e verificar o tamanho das propriedades para assim constituir a formação
do território que identificará a produção familiar na Região.
4.1 Espacialização do nível do desenvolvimento local da produção na
agricultura familiar da região do Médio Alto Uruguai
A necessidade em espacializar a produção da Região exigiu o emprego da
instrumentalização básica do profissional da geografia determinada pela cartografia,
cujas funções se prestam a este fim como coloca Berger (2001): “a cartografia tem,
entre outras, a função de representar a superfície terrestre de forma clara e precisa,
possibilitando, através da linguagem cartográfica, a identificação das características
geométricas, da natureza e de outras particularidades dos objetos e fenômenos
observados naquela superfície”.
A representação gráfica torna-se, portanto, um veículo que favorece o destaque
da utilização de mapas temáticos como meio de representar no espaço não apenas os
fenômenos, mas de dar também condições de interpretar seu comportamento e
processos atuantes contidos em um território determinado a que chamamos de região,
conforme Martinelli (1991, p. 9):
...as representações gráficas fazem parte do sistema de sinais que o homem construiu para se comunicar com os outros. Compõe uma linguagem gráfica, bidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobre as demais, pois demanda apenas um instante de percepção. Até mesmo se esta representação obtiver um tema a ser exposto numa construção de imagem...
Nesse contexto, a análise dos Gráficos de Coluna de produção dos
estabelecimentos rurais, em cada um dos municípios da região do Médio Alto Uruguai,
permitiu a criação de Cartogramas para representar os produtos com significação nos
municípios estudados, nos quais a agricultura familiar encontra-se diversificada e
agregando valor aos produtos “in natura”. A representação cartográfica também
auxiliou no entendimento da distribuição do fenômeno no espaço permitindo a
compreensão do atual processo de transformação da produção rural nos municípios da
Região de estudo e da distribuição quantitativa e qualitativa deste fenômeno entre os
municípios.
Apresentando elevado índice de registros, o açúcar mascavo caracteriza-se
como a maior produção dos municípios de Caiçara, Frederico Westphalen, Planalto,
Rodeio Bonito, Seberi e Vicente Dutra, os quais, por apresentarem contigüidade
espacial constituem uma zona homogênea definida por esta produção e chamada de
Primeira Zona de Transformação de Produtos da Agricultura Familiar. Outro derivado
da cana-de-açúcar, igualmente importante entre os municípios é o melado, que tem
maior significância nos municípios de Erval Seco e Pinheirinho do Vale, localizados na
contigüidade dos municípios da Primeira Zona, e formando uma Segunda Zona de
Produtos da Agricultura Familiar, porém de menor dimensão espacial. Estas duas
zonas de transformação da produção da agricultura familiar constituem o que se pode
denominar como o território da cana-de-açúcar, no contexto de região do Médio Alto
Uruguai.
Embora o estudo tenha como objetivo específico a produção de cana-de-açúcar,
deve-se mencionar a importância para os municípios de Cristal do Sul, Liberato Salzano
e Vista Alegre da presença do produto Banha (derivado do suíno), sendo o mais
produzido, mas que não se constitui em uma zona de transformação da produção
familiar por não haver contigüidade entre os municípios. Outro produto que apresenta
importância elevada é o queijo (derivado do leite) presente nos municípios de Alpestre e
Pinhal, mas, também, não constituem uma zona de transformação da produção familiar
pelas mesmas razões do caso anterior, não há contigüidade entre os municípios
produtores de queijo.
Portanto a inexistência de uma zona de transformação dentro dos outros
produtos “in natura” na agricultura familiar confirma que significativa parte dos
municípios alicerça sua produção em torno da cana-de-açúcar, justificando a
importância deste estudo para o desenvolvimento local e regional.
Examinando-se o contexto da região do Médio Alto Uruguai, observa-se que o
conjunto regional determina-se pelo processo de transformação da cana-de-açúcar e em
seu entorno ocorrem outros processos produtivos, cuja variação pode ser analisada na
figura a seguir.
TABELA 1 – Tabela dos produtos derivados, mais significativos na agricultura familiar
dos municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS.
Produto Derivado Municípios
Açúcar Mascavo Vicente Dutra ; Caiçara ; Frederico Westphalen ; Seberi ;
Rodeio Bonito e Planalto
Melado Erval Seco e Pinheirinho do Vale
Banha Liberato Salzano ; Cristal do Sul e Vista Alegre
Queijo Alpestre e Pinhal
Fonte: Banco de Informações, BNAF/LEPeR, UFSM, 2000.
4.2 Estrutura Fundiária na Região do Médio Alto Uruguai:
Segundo as divisões e aglutinações de municípios, considerados pelo INCRA e
em obediência aos critérios mencionados é possível encontrar na Região do Médio Alto
Uruguai duas Zonas Típicas de Módulo (ZTM), a saber: uma ZTM de módulo fiscal
igual a 16 ha e outra com ZTM igual a 20 ha.
Conforme o INCRA, denomina-se minifúndio àquele imóvel que possui menos
de um módulo fiscal; como pequena propriedade o imóvel que possui um ou até quatro
módulos fiscais; é classificado como média propriedade o imóvel que possui mais de
quatro ou até quinze módulos fiscais e; classificado como grande propriedade o imóvel
com mais de quinze módulos fiscais.(Quadro 1)
Quadro 1- Distribuição da estrutura fundiária nos municípios da Região do
Médio Alto Uruguai, RS.
Municípios ZTM
(ha)
Minifúndio
(%)
Pequena
Propriedade
(%)
Média
Propriedade
(%)
Grande
Propriedade
(%)
Alpestre 20 86,5 13,4 - -
Caiçara 20 73,07 25,64 1,29 -
Erval Seco 20 73,6 23,67 2,23 0,5
Frederico
Westphalen
20 81,85 18,15 - -
Liberato
Salzano
20 84,3 15,52 0,18 -
Pinhal 16 69,07 29,93 0,5 0,5
Pinheirinho
do Vale
20 86,66 13,34 - -
Planalto 20 89,6 10,24 0,08 0,08
Rodeio
Bonito
20 88,68 11,24 0,08 -
Seberi 20 77,7 20,86 1,36 0,08
Vicente Dutra 20 79,9 19,89 0,21 -
Vista Alegre 20 83,5 16,5 - -
Fonte: Estatísticas Cadastrais – Municipais, Volume 1. INCRA, 1998.
A análise da dimensão dos Imóveis Rurais dos municípios estudados possibilitou
verificar a presença expressiva do número de imóveis com pouca dimensão de área,
determinados pelas classes minifúndio e pequena propriedade.
Em muitos municípios a grande propriedade não existe e a média propriedade
tem pouca significância no total das propriedades existentes, sendo que a distribuição
fundiária, por categoria de imóveis exploráveis na região do Médio Alto Uruguai tem as
seguintes características:
- A Classe minifúndio representa 80,36% dos imóveis e ocupa 55,56% da
área explorável. A maior representação em termos de imóveis e área da região
(figura 16).
- A classe pequena propriedade representa 19,03% dos imóveis e ocupa
37,94% da área explorável.
Somando-se minifúndio e pequena propriedade ambos detêm a representação
quase que absoluta dos imóveis e área explorável da região, 99,39% e 93,5%
respectivamente.
A classe média propriedade tem 77 imóveis na região, e representa, 0,53% dos
imóveis e 3,5% da área explorável. A classe grande propriedade destaca-se como a
menor representação, tanto em número de imóveis quanto em área explorável tendo 17
imóveis, que representam, 0,08% dos imóveis e 2,9% da área explorável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para atender aos objetivos da pesquisa, a qual se propôs a reconhecer as zonas
de concentração da produção agropecuária da agricultura familiar, definindo o produto e
o território formador da paisagem da Região. Estes elementos foram importantes para
identificação da cana-de-açúcar como produto de grande importância para a atividade
agroindustrial, para assim gerar um desenvolvimento local, bem com no Médio Alto
Uruguai.
Para isso devemos considerar que a presença de uma dimensão dos
estabelecimentos agropecuários classificados como de pequeno porte, provocou uma
organização no processo de comercialização e beneficiamento dos produtos sob a forma
de cooperativas e/ou associações dando origem ao maior associativismo do Estado.
Outro elemento, que analisado permite discussões e reflexão sobre a temática
“Conseqüência da estrutura fundiária na ecologia de Paisagens” é a renda da terra, e esta
análise na Região exibe uma heterogeneidade detectada através de distintos parâmetros
definidos pela renda, pelos intercâmbios dos recursos tradicionais e pela valorização dos
meios de produção, os quais dependem das condições locais específicas e do nível de
escassez ou de abundância dos recursos que podem ser ampliados, dependendo dos
interesses dos que têm sua possessão.
No entanto, é preciso observar na interface natureza e sociedade o papel dos
agentes produtores do espaço, os quais ocasionam diferentes formas de organização
espacial baseada na produção socioeconômica. Esses distintos parâmetros são
determinados pela renda, pelas trocas dos recursos tradicionais e pela valorização dos
meios de produção, definidos pela matéria-prima empregada e pelo grau de tecnologia
adotado, dependendo das condições locais específicas e do nível de escassez ou de
abundância dos recursos que podem ser ampliados de acordo com os diferentes
interesses da sociedade.
As relações existentes nos espaços socioeconômicos assumem importância no
planejamento de área e, por se tornarem complexas, exigem equilíbrio em sua interação,
traduzido pela sustentabilidade necessária ao processo de transformação, quando este se
realiza através da exploração dos recursos naturais.
Igualmente devido ao papel social que assume este segmento do setor rural
como fonte geradora de emprego e como fonte de interiorização das economias,
destaca-se a necessidade de criação de condições para a constituição e o
desenvolvimento da agroindústria familiar de pequena escala em nível de transformação
artesanal, auxiliando no abastecimento interno alimentar de inúmeras regiões e de
garantindo a segurança qualitativa dos alimentos.
Sabendo-se da existência de um grande número de famílias em uma área
“saturada” onde o minifúndio se sobressai em relação aos demais tipos de propriedades,
é preciso gerar alternativas para estas famílias, que possuem pouca terra, para
desenvolver uma sustentabilidade econômica e melhoria social. Com investimentos no
setor da produção familiar, deve-se aprofundar os estudos nesta área para que se
dinamize este setor e se reconheça a área para implantação e criação de Associações de
produção. Tal situação reforça a idéia do associativismo como necessária à permanência
dos produtores familiares no mercado, quer pela quantidade de produção ofertada, quer
pela qualidade do produto frente à concorrência.
Por isso a análise municipal esteve baseada nos dados obtidos através das
entrevistas desenvolvidas e cujos dados foram submetidos a procedimentos estatísticos,
permitindo a quantificação e a obtenção de resultados sobre o tipo de produto
característico da Região e a identificação dos processos atuantes nas relações rururbanas
no que se refere à oferta dos mesmos.
A necessidade de se regionalizar este fenômeno nos remete às palavras de
Haesbaert (1995), “denominamos rede regional, sem ignorarmos que regiões
tradicionais, moldadas pelos regionalismos, construídos frente ao Estado-nação, ao
contrário do que afirmam muitos autores, não desapareceram (e algumas vezes até se
fortalecem, como em algumas regiões no interior do Brasil)”.
Neste sentido, a Região, objeto particular da Geografia, dentro da discussão
fundamental de seu conceito, permite criar a contigüidade e a identidade, unir e separar,
criar e recriar, organizar e desorganizar a si mesma. Tendo-se como base as diferentes
concepções sobre o tema em abordagem, percebeu-se que a regionalização realizada
permitiu identificar que existe uma sub-região constituída por municípios contíguos
pela estrutura fundiária e definida pelo derivado açúcar mascavo presente em nove
municípios da Região, que são: Caiçara, Erval Seco, Frederico Westphalen, Pinheirinho
do Vale, Planalto, Rodeio Bonito, Seberi e Vicente Dutra. Este é produzido nos
estabelecimentos, pelas famílias que buscam incrementar sua renda e ocupando a força
de trabalho ociosa no intervalo de tempo que é dado à lavoura ou à criação. Os produtos
transformados identificam a presença de um processo industrial de caráter familiar não
convencional, mas que poderá se estender para níveis elevados de produção.
A partir da análise das variáveis selecionadas, fornecidas pelos estabelecimentos
rurais familiares foi possível identificar as perspectivas em torno da cana-de-açúcar
como produto imediato de aplicação de recursos financeiros para a elevação da
agroindústria regional, elevando a renda no meio rural assim como buscando
alternativas viáveis ao crescimento da renda municipal e acrescentando qualidade de
vida aos grupos socioeconômicos da agricultura familiar.
É importante destacar a Região como produtora de cana-de-açúcar e entender as
vantagens de retorno para as famílias que não podem arriscar seus investimentos, pois
estudos de menor amplitude difundem a idéia de que o Médio Alto Uruguai é uma
região produtora de leite e de seus derivados.
Portanto, não podemos esquecer que a natureza que serve de suporte aos
processos de desenvolvimento humano do universo de estudo mostra que devem ser
preservadas as relações existentes de produção em benefício da reprodução humana que
guarda seus valores sociais, suas relações antropológicas e, principalmente sua cultura
relacionada à natureza a que está locada. As relações políticas e econômicas
desenvolvidas por estes grupos humanos residentes, mantêm a mais profunda inter-
relação com o meio ambiente, a qual foi estabelecida ao longo de um tempo onde a
marca da sociedade se confunde com o lugar, como bem lembrava Ratzel, (1912), ao se
referir sobre a importância do lugar na formação da própria história humana, esta
sempre carregada de uma simbologia cultural particular.
Nesse caso a Região do Médio Alto Uruguai, determina-se como uma
espacialidade capaz de responder às políticas de segurança alimentar e de
desenvolvimento das áreas produtoras de gêneros alimentícios. O estudo deste trabalho
mostra a importância do território como elemento definidor da ecologia desta paisagem.
Adotando os procedimentos sistêmicos e como ferramenta de análise o
geoprocessamento será possível empregar uma técnica em nível municipal e regional
visando colaborar com a tarefa de reconhecimento das capacidades regionais para assim
poder definir o pólo agroindustrial na Região, fortalecendo o cooperativismo bem como
o associativismo para com o mercado deficiente destes produtos, compatibilizando-se
com os objetivos das políticas imediatas que estão preocupadas em atender às
necessidades do Projeto Fome Zero – Uma Proposta de Política de Segurança
Alimentar para o Brasil, 2001.
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