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VALRIA FARIA CARDOSO
ASPECTOS MORFOSSITTICOS DA LGUA KAIOW (GUARAI)
Tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial
para a obteno do Ttulo de Doutora em Lingstica.
Orientadora: Prof.Dr. Lucy Seki
CAMPINAS
2008
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ii
Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp
C179a
Cardoso, Valria Faria.
Aspectos morfossintticos da lngua Kaiow (Guarani) / Valria Faria Cardoso. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008.
Orientador : Lucy Seki.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Estudos da Linguagem.
1. ndios Kaiow - Lnguas. 2. ndios - Lnguas - Morfossintaxe.
3. Gramtica comparada e geral - Casos. 4. Voz inversa. I. Seki,
Lucy. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos
da Linguagem. III. Ttulo.
tjj/iel Ttulo em ingls: Morphosyntactic aspects of Kaiow (Guarani) language.
Palavras-chaves em ingls (Keywords): Indians Kaiow Language; Indians Language Morphosyntax; Grammar, comparative and general Case; Inversion voice.
rea de concentrao: Lingstica.
Titulao: Doutor em Lingstica.
Banca examinadora: Profa. Dra. Lucy Seki (orientador), Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira, Prof. Dr. Frantom Bezerra Pacheco, Profa. Dra. Tnia Maria Alkmin, Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti. Data da defesa: 08/08/2008. Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Lingstica.
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v
MINHA AMADA ME LLLLUZIAUZIAUZIAUZIA (IN MEMORIAM);
AOS MEUS AMADOS: PAI AAAANTNIONTNIONTNIONTNIO E IRMOS WWWWELITONELITONELITONELITON E FFFFBIOBIOBIOBIO;
E AOS MEUS AMADOS FILHOS: SSSSOFIAOFIAOFIAOFIA E JJJJOO OO OO OO VVVVITORITORITORITOR; DEDICO.
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AGRADECIMETOS
Aos Kaiow, pela acolhida em suas comunidades e pela generosidade ao transmitirem
ensinamentos sobre a cultura e a histria de seu povo. Em especial, Floriza de Souza
Filho (Nhandesy), ao Helio Jorge da Silva (Nhanderu), ao Ernesto Fernandes Ortiz, ao Eliel
Benites e Zlia Regina Benites Duarte, informantes, amigos e colaboradores da pesquisa.
minha orientadora, Profa. Dra. Lucy Seki, que entendendo as particularidades dos
momentos vividos ao longo do processo, soube ser paciente e consentir, soube ser amiga e
incentivar. Com carinho e admirao, meus sinceros agradecimentos.
Profa Dra. Cristina Martins Fargetti e ao Prof. Dr. Frantom Bezerra Pachco, pelas
vrias sugestes e preciosa participao na banca de qualificao da tese.
s Profas. Dras. Maria Bernadete Marques Abaurre e Maria Filomena Sndalo e ao Prof.
Dr. Angel Cobera Mori, pela orientao e valiosas sugestes feitas na qualificao fora de
rea de tese, rea de Fontica e Fonologia.
Aos Profs. Drs. Dercir Pedro de Oliveira, Frantom Bezerra Pachco, Angel Humberto
Corbera Mori, Jonas Arajo Romualdo e s Profas. Dras. Cristina Martins Fargetti, Tnia
Maria Alkmin e Maria Bernadete Marques Abaurre, por terem aceito compor a banca de
defesa desta tese.
Aos Profs. Drs. Angel Corbera Mori, Jairo Morais Nunes, Lucy Seki, Mary Kato, Maria
Bernadete Marques Abaurre, Maria Filomena Sndalo, Ingedore Koch, Edwiges Morato e
Eduardo Guimares, professores da Unicamp, pela ampla contribuio para formao
lingstica.
Ao amigo Antnio Jos Filho, pela apresentao ao povo Kaiow.
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Ao Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira, pela amizade e pelo apoio e incentivo desde o
mestrado na UFMS.
Aos companheiros de rea de pesquisa: Ilda de Souza, Antnia Alves Pereira, Raynice
Geraldine Pereira da Silva, Mnica Veloso Borges, Frantom Bezerra Pacheco, Glucia
Vieira Cndido, Flavia Alves, Maria Pankararu, Nambl Gakran, Rogrio Vicente Ferreira,
Vitria Spanghero-Ferreira, Mateus Coimbra de Oliveira, Walquria Neiva Praa, Manoel
Gomes dos Santos, entre outros, pelos bons momentos no IEL.
Ao setor de Ps-Graduao do IEL/Unicamp, pelo competente desempenho de suas
funes.
CAPES, pelo auxlio concedido (Bolsa PQI), que permitiu o desenvolvimento das
atividades desta pesquisa.
Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), pela concesso de licena e pelo
incentivo para cursar o doutorado, e aos colegas de trabalho do Departamento de Letras do
Campus Universitrio de Alto Araguaia.
Profa. Cssia Regina Tomanin, pela amizade, pela leitura e sugestes oferecidas ao
trabalho.
Aos amigos: Marlon Leal Rodrigues, Roberto Leiser Baronas, Hlio Clementino dos
Santos, Osmar Quim, Albano Dalla Pria, Edileusa Gimenes Moralis, Rosimar Rodrigues de
Oliveira, Cssia Regina Tomanin, Gislaine Aparecida de Carvalho e Gilberto Cardoso da
Fonseca, pela torcida e pelo companheirismos de sempre.
s amigas de sempre: Maria da Conceio Carvalho dos Santos, Ilda de Souza, Vanilda
Guimares, Custdia de Souza e Marinalva Corra pelas preces e pelas palavras de
encorajamento.
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xi
Aos meus pais: Antnio Tiburcio Cardoso e Luzia de Faria Cardoso (in memoriam), por
todo amor consagrado e pela compreenso e incentivo que souberam dedicar sempre.
Ao meu irmo Weliton Cardoso, pelo estmulo, pelo carinho e pelo exemplo de dedicao
aos estudos.
Ao meu irmo Fbio Augusto Cardoso, minha cunhada Amanda Zotelli e minha
sobrinha Lorena Zotelli Cardoso, pelo carinho, incentivo e apoio de sempre.
Aos meus amados filhos: Sofia Cardoso Gergen e Joo Vitor Cardoso Clementino, pelo
amor dedicado, pela companhia e pela felicidade proporcionada cotidianamente.
E, principalmente, ao meu Deus, o meu Senhor.
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xiii
RESUMO
A presente tese tem por objetivo oferecer uma descrio e anlise de aspectos
fundamentais da morfossintaxe do Kaiow (Guarani), que permita um conhecimento
plausvel de sua gramtica. Inicialmente, a tese traz consideraes respeito do povo
Kaiow e sua lngua, alm de tratar da metodologia empregada na pesquisa lingstica de
campo. Posteriormente, apresentada a descrio seguida de anlise gramatical do Kaiow
que projetou a pesquisa a uma anlise primeira da marcao de caso e de voz inversa. Neste
trabalho, defende-se a idia de que o Kaiow uma lngua Ativa/Inativa (Ciso
Intransitiva), e que a marcao de caso intra-clausal apresenta cises motivadas por
operaes morfossintticas e pela pragmtica, o que resulta em diferentes configuraes da
marcao de caso na lngua: nominativo/acusativo, ergativo/absolutivo ou
ergativo/acusativo. Quanto voz inversa, pode-se concluir que a anlise sobre inverso
proposta por Payne (1994) para as lnguas Tupi-Guarani, aplica-se ao Kaiow, e, pelo que
se observa pelas anlises, essa uma lngua de inverso semntica motivada pela hierarquia
de pessoa.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Kaiow (Guarani); 2. Lnguas Indgenas; 3. Morfossintaxe; 4. Caso;
5. Inverso.
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xv
ABSTRACT
In this dissertation a description and an analysis of fundamental aspects of Kaiow
(Guarani) morphosyntax are presented. It results in a plausible knowledge of the grammar
of this language. First, considerations on Kaiow people and its language are made. It is
also presented a discussion on the methodology adopted in the fieldwork of linguistic
research. Second, the description is presented followed by grammatical analysis of Kaiow
that projected the research to a first analysis of case marking and inverse voice. In this
dissertation, the idea of Kaiow as an Active/Inactive (Split-S) is claimed. Splits motivated
by morphosyntatic operation and by pragmatics are presented in intra-clausal case marking.
It results in different configurations of case marking in the language:
nominative/accusative, ergative/absolutive or ergative/accusative. Concerning the voice
inverse its is possible to conclude that Paynes (1994) analysis of inversion on Tupi-
Guaran languages is to Kaiow. The semantic inverse motivated by the person hierarchy
was also reveled through the analysis.
Key-words: 1. Kaiow (Guaran); 2. Indigenous Language; 3. Morphosyntax; 4. Case; 5.
Inversion.
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xvii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Consoantes 26
Quadro 2. Vogais 27
Quadro 3. Realizao e representao dos fonemas 27
Quadro 4. Categoria de posse 34
Quadro 5. Pronomes clticos 35
Quadro 6. Prefixos relacionais 38
Quadro 7. Tipos semnticos de adjetivos 62
Quadro 8. Sries de prefixos e clticos pronominais marcadores de pessoa 67
Quadro 9. Categoria de Voz 80
Quadro 10. Organizao dos morfemas de Tempo 89
Quadro 11. Aspecto 90
Quadro 12. Advrbios temporais 99
Quadro 13. Advrbios locativos 100
Quadro 14. Advrbios Interrogativos 101
Quadro 15. Pronomes pessoais e Pronomes Clticos 104
Quadro 16. Pronomes Diticos 107
Quadro 17. Pronomes interrogativos 108
Quadro 18. Posposies em posio de adjunto 111
Quadro 19. Posposies em posio de complemento 114
Quadro 20. Sries de prefixos e clticos pronominais marcadores de pessoa e caso 140
Quadro 21. Prefixos da srie I e relacionais marcadores da no-pessoa do discurso e caso 140
Quadro 22. Marcadores de pessoa no predicado 167
Quadro 23. Sries de marcadores de pessoa e caso 168
Quadro 24. Alinhamento em Guarani Antigo 170
Quadro 25. Portmanteau 171
-
xix
Quadro 26. Marcadores de caso 177
Quadro 27. Estratgias de codificao de caso 178
Quadro 28. Codificao de (A) e (O) 183
Quadro 29. Ciso de caso e inverso semntica em Kaiow 184
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xxi
ABREVIATURAS E SMBOLOS
A sujeito de predicados transitivos
Abs absolutivo
Acus acusativo
Adv advrbio (adverbial)
Alat alativo
Asp aspecto
At ativo
aten atenuativo
Benif benefactivo
cf. confira
Caus causativo, causa
Comit comitativo
Compl completivo
Cons consecutivo
Cop cpula
Dat dativo
Desc descritivo
Det determinante
dim diminutivo
Dir direcional
Erg ergativo
excl exclusivo
Foc foco
Fut futuro
hip hipottico
Imin iminentivo
Imp imperativo
-
xxiii
Inat inativo (estativo, descritivo)
incl inclusivo
ind indefinido
Iness inessivo
Inf informante
Int intensificador
Inter interrogativo
Instr instrumental
Loc locativo
N nome
Nom nominativo
neg negao
O objeto
OI objeto indireto
Ptc partcula
Pass passado
Perl perlativo
Perm permissivo
Pres presente
pl plural
Pont pontual
poss posse (possessivo)
Posp posposio
rec recproco
refl reflexivo
rel relacional
rem remoto
rep reportivo
sg singular
S sujeito intransitivo
-
xxv
Sa sujeito intransitivo ativo
SAdj sintagma adjetival
SAdv sintagma adverbial
SN sintagma nominal
So sujeito intransitivo descritivo
SP sintagma posposicional
SV sintagma verbal
Subj subjuntivo
T tempo
TAM tempo, aspecto e modo
Top tpico
V verbo
Vintr verbo intransitivo
1 zero (morfema) ou categoria vazia (ncleo de sintagma)
[ ] realizao fontica
/ / representao fonolgica
{ } morfema
cliticizao
- fronteira de morfema
/ >/ (obstruinte glotal)
* agramatical
~ variao, alternncia
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xxvii
SUMRIO
Resumo
Abstract
Lista de Quadros
Abreviaturas e Smbolos
1 ITRODUO 1
2 KAIOW: O POVO E SUA LGUA 5
2.1 Os Guarani 5
2.2 Os Kaiow: demografia e localizao 8
2.3 Aspectos scio-histrico-culturais dos Guarani Kaiow 10
2.4 Os Kaiow e sua nova realidade 13
2.5 Filiao gentica e estudos lingsticos prvios sobre o Guarani e o Kaiow 16
2.5.1 Estudos realizados sobre o Guarani 18
2.5.2 Estudos lingsticos sobre o Kaiow 19
3 COSIDERAES SOBRE A PESQUISA LIGSTICA 23
3.1 Metodologia e Tcnicas da Pesquisa de Campo 23
3.1.1 O Corpus 25
3.1.2 Colaboradores 25
3.2 Apresentao dos dados no corpo do trabalho 26
4 CLASSES DE PALAVRAS 31
4.1 Nomes 32
4.1.1 Categoria de Posse 33
4.1.1.1 Pronomes clticos marcadores de pessoa e nmero 35
4.1.1.2 Prefixos Relacionais 36
-
xxix
4.1.2 Categoria de Nmero 41
4.1.3 Categoria de Gnero 42
4.1.4 Marcao de Caso 44
4.1.5 Breves consideraes sobre a Categoria de Tempo Nominal 47
4.1.6 Outras operaes derivacionais 51
4.1.7 Propriedades estruturais dos nomes 53
4.1.8 Propriedades distribucionais dos nomes 54
4.1.9 Negao do nome 58
4.2 Verbos 59
4.2.1 Tipos de verbos 59
4.2.1.1 Verbos Transitivos 60
4.2.1.2 Verbos Intransitivos 60
4.2.1.2 Verbos Intransitivos Ativos 60
4.2.1.3 Verbos Intransitivos Inativos 61
4.2.1.4 Cpula 66
4.2.2 Categoria de pessoa e nmero 66
4.2.2.1 Marcadores de pessoa e nmero no verbo transitivo 67
4.2.2.2 Marcadores de pessoa e nmero no verbo intransitivo 72
4.2.2.2.1 Marcadores de pessoa e nmero no verbo intransitivo ativo 72
4.2.2.2.2 Marcadores de pessoa e nmero no verbo intransitivo inativo 73
4.2.2.2.3 Marcadores de pessoa e nmero no verbo copulativo 75
4.2.3 Prefixos de Relacionais: uma outra alternativa de anlise 77
4.2.3.1 Prefixos Relacionais: como Categoria de Voz em verbos transitivos 77
4.2.4 Categorias de Tempo, Modo e Aspecto (TAM) 80
4.2.4.1 Categoria de modo 81
4.2.4.1.1 Indicativo 81
4.2.4.1.2 Imperativo 82
4.2.4.1.3 Subjuntivo 84
4.2.4.1.4 Consecutivo 85
-
xxxi
4.2.4.2 Tempo 85
4.2.4.2.1 Tempo Passado 85
4.2.4.2.2 Tempo Futuro 87
4.2.4.3 Aspecto 90
4.2.4.3.1 Aspecto Pontual {ma} j 90
4.2.4.3.2 Aspecto Completivo {-pa} com variao alomrfica {-mba} acabar, terminar 91
4.2.4.3.3 Aspecto Iminentivo {-pota} querer, poder 91
4.2.4.3.4 Aspecto Permissivo {-katu} poder 92
4.2.4.3.5 Aspecto Atenuativo {mi)} por favor 92
4.2.5. Outros morfemas afixados no verbo 93
4.2.5.1 Morfema Causativo {-mo} Transitivizador 93
4.2.5.2 Morfema Causativo Comitativo {NweRe- ~ Re-} com verbos copulativos 93
4.2.5.3 Morfema Causativo {-uka} com verbos transitivos 94
4.2.5.4 Morfema descontnuo de negao {na- ... -i} 95
4.2.5.5 Morfema desiderativo {-se} 96
4.2.6 Propriedades estruturais dos verbos 97
4.3 Advrbios 98
4.3.1 Subclasses de Advrbios 99
4.3.1.1 Temporais 99
4.3.1.2 Locativos 100
4.3.1.3 Advrbios interrogativos 101
4.4 Pronomes 103
4.4.1 Pronomes pessoais 103
4.4.2 Pronomes pessoais clticos 105
4.4.3 Pronomes diticos 107
4.4.4 Pronomes interrogativos 108
4.5 Posposies 110
4.5.1 Tipos de posposies 110
4.5.1.1 Posposies em posio de adjunto 110
-
xxxiii
4.5.1.2 Posposies em posio de complemento 113
4.6 Partculas 116
4.6.1 Partcula {ete} de verdade, mesmo, realmente 116
4.6.2 Partcula {Re} a toa, sem razo, por nada 117
4.6.3 Partcula {eteRe} intensiva 117
4.6.4 Partcula {tee} prprio, verdadeiro 118
4.6.5 Partcula {te} foco 118
4.6.6 Partcula {awe} tambm 119
4.6.7 Partcula {hikwa} todos 119
4.6.8 Partcula {hina)} continuativo 119
4.6.9 Partcula {kweR} pluralizadora 120
4.6.10 Partculas {ani )} negao 120
4.6.11 Partculas {t(po)}, {pa}, {nipo} interrogao 121
4.6.12 Partculas inter-clausais {wa/e}, {Ramo )}, {RiRe} e {ha} 122
4.6.13 Partculas de tempo/aspecto {mo)/a)}, {kuRi}, {aRa)}, {mi )} e {ma)} 123
5 MORFOSSITAXE ITRA-CLAUSAL 125
5.1 Identificao de Predicados 125
5.1.1 Predicados Verbais 125
5.1.1.1 Predicado Verbal Transitivo 126
5.1.1.2 Predicado Verbal Intransitivo 127
5.1.1.2.1 Predicado Verbal Intransitivo Ativo 127
5.1.1.2.2 Predicado Verbal Intransitivo Inativo 128
5.1.1.3 Predicado Verbal Copulativo 129
5.1.2 Predicados No-Verbais 130
5.1.2.1 Predicados Possessivos 130
5.1.2.2 Predicados Equativos 131
-
xxxv
5.1.2.3 Predicados Locativos 131
5.2 Identificao dos Argumentos 132
5.2.1 Funes Gramaticais Nucleares dos SNs 132
5.2.1.1 Funes gramaticais nucleares internas dos SNs 133
5.2.1.1.1 SN em funo de (A) 133
5.2.1.1.2 SN em funo de (Sa) 134
5.2.1.1.3 SN em funo de (O) 135
5.2.1.1.4 SN em funo de (So) 138
5.2.1.2 Funes gramaticais nucleares oblquas do SN 139
5.2.2 Funes Gramaticais Perifricas dos SNs 141
5.2.2.1 SN em funo de tpico 141
5.2.2.2 SN em funo de foco 142
5.3 Ordem dos Constituintes 143
6 MORFOSSITAXE DA SETEA 147
6.1 Oraes Independentes 147
6.1.1 Oraes Declarativas 147
6.1.1.1 Oraes Declarativas Afirmativas 147
6.1.1.2 Oraes Declarativas Negativas 149
6.1.2 Oraes Interrogativas 150
6.1.3 Oraes Imperativas 153
6.2 Oraes Dependentes 154
6.2.1 Completivas 155
6.2.2 Relativas 156
6.2.2.1 relativizao de (S) 156
6.2.2.2 relativizao de (A) 157
6.2.2.3 relativizao de (O) 157
6.2.2.4 relativizao de Oblquo 157
6.2.3 Adverbiais 158
6.2.3.1 Temporais 158
-
xxxvii
6.2.3.2 Causais 159
6.2.3.3 Condicionais 160
6.2.4 Coordenadas 160
6.2.4 1 por justaposio (parataxe) 160
6.2.4 2 por partcula coordenativa {ha} 160
6.2.4.2.1 Conjuntiva 161
6.2.4.2.2 Disjuntiva 161
6.2.4.2.3 Coordenao de Constituintes 161
7 CISES A MARCAO DE CASO E IVERSO SEMTICA 163
7.1 Sistema Ativo/Inativo, Split-S, Ativo/Agentivo 163
7.2 Marcao de caso entre predicados bi e monoargumentais em Kaiow 165
7.3 Marcao de Caso Intra-clausal 168
7.3.1 Aspectos morfossintticos dos prefixos da srie III 171
7.3.2 Ciso acusativa e o caso marcado pela srie III 173
7.3.3 Estratgias de marcao de caso intra-clausal 176
7.3.3.1 Marcadores de pessoa e caso 177
7.3.3.2 Cises no caso morfolgico 177
7.4 Inverso Semntica em Kaiow 180
8 COSIDERAES COCLUSIVAS 187
REFERCIAS 191
APDICE 201
Sistematizao da Fonologia Kaiow: nasalizao e/ou oralizao 203
AEXOS 249
Anexo A: Mapa - Localizao das reas Kaiow/Guarani no MS 251
Anexo B: Texto Kaiow 253
Anexo C: Fotos Kaiow 259
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1 ITRODUO
A cincia da linguagem, tendo como objetivo a compreenso da natureza da linguagem humana, fenmeno que se caracteriza pela unidade na diversidade, manifestando-se em cada lngua de forma particular, deve apoiar-se em ampla base emprica, partindo-se do princpio de que para conhecer a linguagem humana necessrio conhecer os limites de sua variao, o que pode ser alcanado atravs do estudo de suas diferentes manifestaes. O conhecimento dos fenmenos de novas lnguas ou leva confirmao de princpios estabelecidos com base em dados de lnguas j estudas, ou, ao revelar a existncia de fenmenos no considerados nas formulaes tericas, contribui para o desenvolvimento da cincia ao possibilitar, com a incorporao destes fenmenos, a introduo de reajustes e/ou reformulaes de hipteses e teorias. (SEKI, 2003 p.2).
A presente tese tem por objetivo oferecer comunidade acadmica uma proposta de
descrio e anlise de aspectos fundamentais da morfossintaxe do Kaiow1 (Guarani), que
lhe permitam um possvel conhecimento de sua gramtica. Com o desenvolvimento desta
pesquisa, buscamos contribuir para o conhecimento de dialetos e lnguas indgenas da
Famlia Tupi-Guarani, bem como de outra filiao gentica, alm de procurarmos cooperar
com o desenvolvimento de novas formulaes tericas, ou ainda, possibilitar (...) reajustes
e/ou reformulaes de hipteses e teorias (Seki, op. cit).
Com este trabalho de documentao de aspectos gramaticais do Kaiow, esperamos
tambm subsidiar a elaborao de dicionrios, gramtica de referncia e materiais de leitura
visando auxiliar trabalhos em escolas de educao bilnge das comunidades indgenas de
Mato Grosso do Sul e de outras localidades.
A descrio e anlise de aspectos fundamentais da morfossintaxe do Kaiow
projetaram-nos a uma anlise primeira de seu sistema de marcao de caso e de marcao
de voz. A abordagem lingstica que nos propomos seguir se fundamenta na perspectiva
terica tipolgico-funcional, e deste ponto de vista, a lngua tomada como um sistema de
ao social comunicativa. De tal modo, a lngua tanto uma ferramenta usada pelas pessoas
num processo comunicativo, como um sistema simblico formal. Portanto, a
1 O termo Kaiow uma variao de kaagwa habitantes da mata. Observamos grafias alternativas para o nome Kaiow: Caiu, Kaiw, Kaajova e Kaiov.
-
2
conceptualizao e a descrio de uma lngua envolvem analisar suas propriedades
sistemticas formais e sua interpretao, levando em conta o carter comunicativo e
interacional da linguagem.
Nossa proposta de analisar aspectos morfossintticos da lngua Kaiow, numa
abordagem tipolgico-funcional, ampara-se, basicamente, nos trabalhos de: Givn (1984,
1990, 1994); Andrews (1985), Dixon (1979, 1994); T. Payne (1997); D. Payne (1994); Seki
(2000); Palmer (1994); Comrie (1989); Croft (1991); entre outros.
Como o trabalho consiste na descrio de aspectos da gramtica Kaiow, no h, a
rigor, uma ordem temtica a ser obedecida. Assim, as anlises morfossintticas apresentam-
se divididas em tpicos que constituem quatro captulos desta tese, seguindo os dois
captulos introdutrios: Kaiow: o Povo e sua Lngua e Consideraes sobre a Pesquisa
Lingstica; findando com o captulo que traz as consideraes conclusivas, alm do artigo
Sistematizao da Fonologia Kaiow: nasalizao e/ou oralizao (Cardoso, 2007), em
apndice, que resultado da qualificao em Fontica e Fonologia, sob orientao da Profa.
Dra. Maria Bernadete Marques Abaurre (IEL/Unicamp). A proposta de sistematizao da
Fonologia Kaiow no integra como captulo desta tese, por entendermos que o aporte
terico (no-linear) destoe da perspectiva tipolgica-funcional que ampara o presente
trabalho. A necessidade de anexar a referida anlise fonolgica est no fato de a utilizarmos
na apresentao dos dados do Kaiow (cf. 3.2 e apndice).
Desta forma, o texto que ora se inicia, apresenta-se da seguinte maneira:
No captulo intitulado Kaiow: o Povo e sua Lngua, apresentamos fatos da
histria do povo Guarani e de suas disperses do ponto de vista geogrfico, demogrfico e
lingstico, alm de tratamos de estudos precedentes que, na rea da linguagem, referem-se
ao Guarani e ao Kaiow, para, posteriormente, tratarmos da distino entre lngua e/ou
dialeto Kaiow. Estes aspectos so baseados, principalmente, em trabalhos de historiadores
e antroplogos, como: Schaden (1974), Mlia (1992), Brand (1997, 1998), Vietta (1998),
Pereira (1999), entre outros, e de lingistas como Rodrigues (1984/5, 1994), Grannier
(2002), Guedes (1991), entre outros.
No captulo Consideraes sobre a Pesquisa Lingstica, tratamos aspectos
relacionados metodologia e tcnicas de pesquisa de campo, coleta de dados, ao corpus
-
3
utilizado na descrio e anlise lingstica, alm de referirmos apresentao desses dados
no corpo do trabalho.
No captulo de nmero quatro, desenvolvemos a caracterizao formal das Classes
de Palavras do Kaiow, a partir de propriedades morfossintticas prototpicas apresentadas
por Payne (1997): as propriedades estruturais e as propriedades distribucionais.
As propriedades estruturais, por meio do exame das operaes flexionais e
derivacionais, exibem a estrutura interna de diferentes categorias (ou classe de palavras)
como razes e seus marcadores gramaticais. As propriedades distribucionais fazem com
que as categorias sejam distribudas em sintagmas, clusulas e textos. Por exemplo, o nome
serve como ncleo de sintagmas nominais, sujeitos e objetos de clusulas e tpicos de
textos.
O captulo quinto, intitulado Morfossintaxe Intra-clausal, tratamos de identificar
predicados e constituintes sintagmticos (argumentos) de oraes independentes. Com
relao aos constituintes sintagmticos, mais especificamente sobre as funes gramaticais
dos SNs, tomamos por base terica o trabalho de Andrews (1985) que, em seu texto
intitulado The major functions of the noun phrase, identifica funes gramaticais internas
(nucleares e oblquas) e funes gramaticais perifricas (presas e livre), co-relacionadas s
funes semnticas e pragmticas. As relaes gramaticais esto, freqentemente, sendo
pensadas como relaes entre argumentos e predicados em nvel de estrutura lingstica,
independentes de influncias semnticas e pragmticas. Entretanto, para a descrio
lingstica, o importante reconhecer que as relaes gramaticais tm funes universais
na comunicao e, que ao mesmo tempo podem ser definidas em termos de propriedades
formais especficas de cada lngua. As propriedades formais mais diretamente ligadas s
relaes gramaticais so as seguintes: a marcao de caso; a concordncia verbal (ou cross-
reference) e a ordem de constituintes.
No sexto capitulo, tratamos de aspectos elementares da morfossintaxe da sentena.
Apresentamos uma descrio dos tipos de oraes independentes seguida das oraes
dependentes, apontando para a existncia de morfemas nominalizadores e de partculas que
incidem em oraes subordinadas e/ou coordenadas. As estratgias de combinaes e de
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4
contrastes entre oraes principais e subordinadas necessitam de trabalhos aprofundados e
no configuram como objeto do presente trabalho de tese.
No stimo captulo, Cises na Marcao de Caso e Inverso Semntica,
analisamos as estratgias de marcao de caso intra-clausal, tendo como apoio terico,
basicamente, os trabalhos de Dixon (1979 e 1994). Quanto a proposta de anlise de
construes inversas e diretas para o Kaiow, apoiamo-nos no texto de Payne (1994) e nos
trabalhos de Givon (1994) e Gildea (1994). De acordo com Dixon (1994), os termos
referentes marcao de caso: ergativo e ergatividade, assim como, acusativo e
acusatividade, podem ser usados: i ) para descrever o caminho que as funes sintticas
(gramaticais) so marcadas em clausulas simples (oraes independentes) transitivas e
intransitivas, que podem ser ergativamente morfolgica ou acusativamente morfolgica (ou
intra-clausal), e ii ) para descrever contrastes sintticos numa lngua em que se pode
combinar clausulas simples com sentenas complexas, por meio da coordenao,
subordinao, complementao, etc, caracterizando-a como acusativa sinttica ou ergativa
sinttica (ou inter-clausal). O primeiro destes dois caminhos o que basicamente norteia
trabalho da presente tese.
Nas Consideraes Conclusivas, resumimos os principais pontos discutidos na
tese.
O trabalho inclui ainda trs Anexos, contendo: no anexo A- mapa da localizao
das reas Kaiow/Guarani; no anexo B - o texto Kaiow: mi )) ))ta )) )) kua )) )) ha aNNNNwaRRRRete A
menina (moa) e a ona, com glosas e traduo livre; e no anexo C Fotos de ambientes e
pessoas das comunidades indgenas: Jaguapiru e Boror (Dourados-MS), Amambai
(Amambai-MS) e Caarap (Caarap-MS).
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2 KAIOW: O POVO E SUA LGUA
Neste captulo trazemos informaes gerais a respeito da comunidade indgena
Guarani. Fatos da histria desse povo e de suas disperses do ponto de vista demogrfico,
geogrfico e lingstico, que decorreram nos seguintes grupos Guarani: Mby, Nhandewa e
Kaiow (Brasil).
2.1 Os Guarani
Na poca da chegada dos primeiros europeus ao Brasil, o nmero de lnguas
indgenas era em maior nmero do que hoje. A causa maior desta reduo foi o
desaparecimento dos povos que as falavam, em conseqncia das campanhas de extermnio
ou caa a escravos, movida pelos europeus, ou em virtude das epidemias de doenas
contagiosas trazidas por estes, deflagradas involuntariamente (em alguns casos
voluntariamente) no seio de muitos povos indgenas; ou pela reduo progressiva de seus
territrios de coleta, caa e plantio, ou, ainda, pela assimilao, forada ou induzida, aos
usos e costumes dos colonizadores.
Cada lngua indgena brasileira no s reflete, assim, aspectos importantes da viso de mundo desenvolvida pelo povo que a fala, mas constitui, alm disso, a nica porta de acesso ao conhecimento pleno dessa viso de mundo que s nela expressa. As mltiplas vises de mundo dos povos indgenas brasileiros - com todo o complexo cultural, social e emocional a elas associado - tm importncia crtica para o conhecimento humano por se ter desenvolvido, durante alguns milhares de anos, com total independncia histrica em relao s tradies culturais asiticas e europias, que caracterizam a civilizao ocidental. (RODRIGUES, 1994. p. 27)
Historicamente, os Guarani mantiveram contato com os europeus nas duas primeiras
dcadas do sculo XVI e esse convvio foi se ampliando e intensificando nas dcadas
seguintes. Os colonizadores portugueses os contataram, primeiramente, no litoral sul de So
Paulo e, a partir da, foram desbravando as comunidades mais meridionais, at a costa sul
de Santa Catarina.
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6
Os exploradores e colonizadores espanhis tiveram contato com grupos Guarani
tambm na costa catarinense e, posteriormente, entrando pelo Rio da Prata, na confluncia
dos rios Paraguai e Paran e, mais ao norte, na regio de Assuno.
Em meados do sculo XVI, os espanhis instituram, no Paraguai, o sistema de
encomiendas2, legtima escravizao dos ndios, provocando as primeiras revoltas
indgenas do Cone Sul e movimentos messinicos dos Guarani.
Nos dois sculos que se seguiram, grupos Guarani foram alvo de prticas de
escravizao, caa por bandeirantes e objeto de ao missionria, sobretudo no sistema
jesutico das Redues3. Esses aspectos reunidos e associados aos diversos movimentos
migratrios dos Guarani, configuraram diferenas lingsticas e culturais que permitem
distinguir, entre os Guarani atuais, pelo menos quatro grandes grupos e dialetos: os
Nhandewa, os Mby e os Kaiow, presentes no territrio brasileiro, e os Chiriguano,
presentes na Bolvia.4 H grupos Mby, tambm, na Argentina, alm de no Brasil e no
Paraguai.
Segundo Schaden (1974), Os Guarani do Brasil Meridional podem ser divididos
em trs grupos: os andva (aos quais pertencem os Apapokva, que se tornaram famosos
pelo trabalho de Curt Nimuendaj), os Mb e os Kayov.5 Estes grupos so tambm
denominados no Brasil e no Paraguai, como Kaiow ou Pai-tavyter; Mby ou Kaygu;
Nhandeva ou Chirip Guarani.
2 O termo encomiendas refere-se ao sistema cuja finalidade era organizar a utilizao da mo-de-obra indgena. (...). Esse sistema, que regulamentava os servios prestados pelos ndios aos conquistadores, teria representado uma ruptura nas relaes menos normatizadas e pautadas por mecanismos de aliana e parentesco, que at ento vigia entre os poucos espanhis e os muitos Guarani (Necker 1979). A implantao das encomiendas talvez responda, assim, pela intensificao das rebelies indgenas, que j haviam sido violentamente reprimidas desde, pelo menos, o incio dos anos 1540. (FAUSTO, 2005). 3 Redues eram aldeamentos indgenas controlados por padres jesutas com a finalidade de desenvolver o trabalho de disseminao de hbitos e de costumes europeus e a catequese. A reduo era uma forma de retirar os ndios de seu convvio comum e natural entre os nativos e lhes dar a oportunidade de se transformarem em bons cristos. 4 Informaes obtidas no site: http://www.labeurb.unicamp.br/elb/indigenas/guarani.html e registradas por Wilmar da Rocha DAngelis. (acesso em 25 de outubro de 2007). 5 A grafia do alfabeto Guarani usada nas 22 reas indgenas da regio da Grande Dourados emprestada do Guarani Paraguaio. Assim sendo, vale elucidar que as palavras andva, Mb e Kayov, expressas por Schaden, tm as respectivas correspondentes: Nhandewa, ou ainda, Nhandewa/Chirip; Mby e Kaiow.
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7
Os grupos Guarani, aqui tratados como Nhandewa, Mby e Kaiow so tidos,
respectivamente, por Meli (1992) como: Av kat et, Mby e Pai -Tavyter6.
Ressaltamos que, no Paraguai tambm se fala o Guarani Jopara, o Guarani
mesclado como o Castelhano, que falado, sobretudo, pela populao camponesa.
No Brasil, esses grupos Guarani vivem nos estados de Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro e Esprito Santo.
A presena de ndios Guarani em regies to extensas se explica por uma tradio
de migrao atribuda busca da Terra Sem Males7, informa Meli (1992). Essa ampla
disperso populacional denuncia conseqentemente que a disperso da lngua Guarani no
um fato contemporneo.
(...) do ponto de vista geogrfico e demogrfico, o Guarani era, s vsperas da chegada dos europeus neste continente, a lngua mais geral que se falava na bacia do Rio da Prata (...). Alm de, no sculo XVI, dominar tambm vasta regio do interior dos atuais estados do Sul do Brasil (MELI, 1992, p.37).
Pela disperso acima descrita, difcil estabelecer o nmero de falantes do Guarani
(mesmo excluindo-se o Guarani paraguaio). Segundo Almeida & Mura (2003)8, h no
Brasil perto de 90 reas Guarani oficialmente reconhecidas, afora dezenas de outras com
maior ou menor informao e que, somente, em territrio brasileiro, as estimativas da
populao Guarani giravam em torno de 34 mil pessoas para o comeo desta dcada.
Citamos:
6 A palavra Pa }i-tavytera ) faz (...) clara alusion a su modo de ser reliogioso: pa }i sera el ttulo com que dioses y habitantes Del paraso saludan y se dirigen la palavra, y tavyter: (los futuros habitantes del poblado del centro de la tierra). (MELI, 1992, p. 247). 7 Paraso mtico Guarani localizado ao leste, ao sol nascente, segundo definio de Borges (2000). 8 Estas e outras informaes de Almeida e Mura (2003) podem ser obtidas no site de ISA:
http://www.socioambiental.org/pib/epi/guarani_kaiowa/pop.shtm, acesso em novembro de 2007.
-
8
Apesar da ausncia de recenseamentos ou pesquisas demogrficas mais acuradas, h indcios, por amostragem de reas onde foi possvel censo bem aplicado, de que os Guarani apresentem, de um modo geral, altas taxas de fecundidade e crescimento populacional. No Brasil, tomando-se por base, sempre, clculos aproximados, haveria aproximadamente 34.000 indivduos, sendo entre 18.000 e 20.000 Kaiowa, entre 8.000 e 10.000 andeva e entre 5.000 a 6.000 Mbya, localizados principalmente no Mato Grosso do Sul. Na Argentina a populao guarani quase exclusivamente Mbya e concentra-se na provncia de Misiones em torno de 4.000 pessoas. A populao Mbya atual estaria, segundo essa projeo, em torno de 14.000 a 15.000 pessoas. Cada subgrupo e cada regio dentro dos territrios guarani apresentaro, no entanto, especificidades quanto a sua situao demogrfica ou na relao entre espao disponvel a uma determinada comunidade e a extenso de terra existente. (ALMEIDA & MURA, 2003, p.1)
2.2 Os Kaiow: demografia e localizao
A populao Guarani (Kaiow e Nhandewa) em Mato Grosso do Sul, segundo
Brand (1998), est distribuda em oito reservas e quatorze aldeias, totalizando 22 reas
indgenas e estimada em 25 mil pessoas. Essas reas indgenas esto situadas em uma
faixa de terra de cerca de 150 quilmetros de cada lado da regio de fronteira do Brasil com
o Paraguai, o que compreende, hoje, a poro leste setentrional do Paraguai e o Mato
Grosso do Sul.
O mapa abaixo aponta para a regio sul do Mato Grosso do Sul, na fronteira do
Brasil com a Paraguai, e a imagem captada por satlite delineia o territrio tradicional do
povo Kaiow.9
9 A pgina do site da FUNAI da qual retiramos o referido mapa e a imagem de satlite: http://www.funai.gov.br/ultimas/Brasil%20Indigena/Revista%20Funai_01.pdf
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9
Fonte: FUNAI (2008).
Num outro mapa (Anexo A), podemos observar a localizao (com a denominao)
de cada uma das reas indgenas Kaiow/Guarani no Mato Grosso do Sul.
Vale ressaltar que temos a presena de grupos familiares Nhandewa em
praticamente todas as reservas10 e aldeias da regio da Grande Dourados11, especialmente
em duas reservas Porto Lindo, Jacare e Piraju. Os Nhandewa so os nicos que se
autodenominam Guarani.
10 Segundo Brand (1998, p.21), o termo reserva designa extenses de terra demarcadas pelo governo brasileiro entre os anos de 1915 a 1928. 11 L-se em Brand (1998, p. 21): A regio da Grande Dourados compreende aqui um total de 30 municpios, localizados hoje dentro do que, historicamente, considerado territrio tradicional Kaiow/Guarani.
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10
2.3 Aspectos scio-histrico-culturais dos Guarani Kaiow
Historicamente, os Kaiow tm buscado refgio nas regies de mata, onde
constroem suas aldeias. A destruio destas aldeias est relacionada diretamente ao avano
do desmatamento e implantao das fazendas.
Segundo Almeida e Mura (2003), os Guarani jamais se organizaram no espao
territorial de forma homognea, estruturados em aldeias redondas, semicirculares ou em
fileiras de casas como concebido no imaginrio do homem ocidental. Os ava
contemporneos esto assentados em ncleos comunitrios constitudos idealmente por
3 a 5 grupamentos macro familiares que conformam divises autnomas por eles
denominadas, hoje em dia, de tekoha.12
Por intermdio de documentos da FUNAI (BRASIL, 2004), referimos que:
Os Kaiow vivem organizados em parentelas (te'yi). Essa unidade pode ser descrita como: a) um grupo de residncia, j que ocupa uma parte das terras de uma aldeia -tekoha e detm uma noo clara da poro de terra que ocupa; b) um grupo de atuao econmica, pois no seu interior desenvolve-se intenso intercmbio de bens e servios, dentro dos princpios que regem a economia de reciprocidade kaiow; c) um grupo de atuao poltica, pois a base do sistema de representao por intermdio do cabea de parentela (hiu), que rene seus descendentes e aliados pelo carisma, representa-os e por eles fala nas reunies gerais (aty), as quais renem os representantes de todas as parentelas (teyi) que dividem uma mesma aldeia (tekoha), devendo defender os interesses do seu grupo familiar acima de qualquer outro interesse. (BRASIL, 2004)
12 De acordo com o documento da FUNAI (BRASIL, 2004), a palavra tekoha, etimologicamente, composta pela fuso de teko, sistema de valores ticos e morais que orientam a conduta social, ou seja, tudo o que se refere natureza, condio, temperamento e carter do ser e proceder Kaiow, e ha, que como sufixo nominador, indica a ao que se realiza. Assim, tekoha, pode ser entendido como o lugar (territrio), no qual uma comunidade Kaiow (grupo social composto por diversas parentelas) vive de acordo com sua organizao social e seu sistema cultural (cultura). (FUNAI 2004). Para o antroplogo Pereira, o tekoha um espao prenhe de significados. Fora dos limites do seu tekoha, sim, tudo est repleto de vazios, no h vida Guarani. (PEREIRA, 1995, apud BRAND, 1998, p.23). Para alm deste tekoha estaria apenas um lugar da imortalidade, a chamada Terra sem Mal yvy mar ey, espao onde a condio humana abandonada, para que, no homem, possa realizar-se a condio de deus (MELI, 1989, apud. BRAND, 1998, p 23).
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11
Informamos o que acrescenta Pereira (1999) a respeito do tekoha:
No discurso dos kaiow, os parentes consangneos aparecem como os principais operadores na constituio e manuteno de uma parentela teyi e mesmo do tekoha. Os casamentos realizam alianas com outros grupos familiares, o que resulta na sua consolidao, ampliao e fortalecimento. (PEREIRA, 1999, p.97).
Entre estes tekoha e por todo o territrio Guarani, processam-se as mais variadas
formas de efervescente movimento de traslados, orientados por relaes familiares. Esse
constante caminhar (oguata) pode representar visitas, mudanas, passagem, casamentos
etc. Entretanto, esta movimentao no deve ser confundida com migrao ou
nomadismo.
Na Aldeia Jaguapiru, circunvizinha cidade de Dourados (MS), pudemos conhecer
uma moradia tipicamente Kaiow, a casa grande, denominada pela comunidade de
tap////i gwasu (cabana grande) ou oga dZZZZekutu (casa fincada). (cf. Foto de Cardoso, 2006).
A casa grande, construo tpica de numerosas tribos do grupo Tupi-Guarani, dos elementos
mais imponentes da cultura material dos Kayov. (SCHADE. 1974, p. 26).
FOTO: por Valria Faria Cardoso (2006).
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12
Tradicionalmente, os Kaiow so agricultores de floresta tropical, praticando a caa
como principal fonte de alimento protico, sendo a pesca e a coleta, atividades subsidirias.
O desenvolvimento de atividades produtivas est diretamente conectado com as unidades
sociolgicas a partir das quais essa sociedade est organizada.
De acordo com seus saberes tradicionais, os Kaiow conhecem e fazem uso de
recursos de fauna e flora que ainda esto presentes no ambiente. O grupo menciona e
classifica em sua prpria lngua um grande nmero de animais e plantas, especificando suas
caractersticas, propriedades e formas de uso.
O calendrio econmico anual est intrinsecamente relacionado ao calendrio das
festas e rituais religiosos. Alm do milho e da mandioca, cultivam amendoim, alguns tipos
de feijes, cana-de-acar, cars, batatas, mbakuku (uma espcie de tubrculo), e algumas
plantas frutferas como o mamo, a melancia e plantas introduzidas como a manga, a
laranja e a banana. Cultivam tambm algumas espcies no comestveis como o urucum, o
fumo e o algodo.
Os Kaiow so reticentes ao dar informaes sobre sua vida cerimonial, mas
algumas cerimnias continuam a ser efetuadas, como ni )) ))mo )) ))ngarari, festa dos primeiros
frutos, realizada em janeiro. Tradicionalmente, ocorre a Festa da Chicha que d-se por
meio de trabalhos coletivos que renem elementos de vrias famlias. A chicha uma
bebida fermentada, de baixo valor alcolico, feita de milho, ou ainda, de caldo de cana
fermentado, misturado com milho ou batata.
Segundo Schaden, o cultivo do milho, entre os Guarani, assume importncia
incomparavelmente superior a qualquer outra espcie vegetal, uma vez que, Todas as
atividades que se referem produo de milho constituem ou podem constituir ensejo para
cerimnias religiosas, mormente entre os Kayov. [...] Em suma, tudo o que diz respeito ao
milho se associa ao mundo sobrenatural. (SCHADEN, 1974, p. 37)
A tinta do urucum (RRRRuku }) tambm considerada sagrada entre os Kaiow, que
ponderam sobre seu uso, uma vez que, o abuso pode acarretar sanes sobrenaturais.
Schaden menciona o fato de que:
-
13
Todos os objetos cerimoniais dos Kayov, inclusive a cruz (kurus) usada pelos homens e o basto (taku) das mulheres, o banquinho (apyk) e o altar (yvyr), so esfregados com urucu depois de se raspar um pouco a superfcie das peas para a tinta pegar melhor. (SCHADEN, 1974, p.45).
Por fim, registramos o fato de que os Kaiow, em suas cerimnias religiosas,
colorem tambm o rosto com uma camada de urucum.
2.4 Os Kaiow e sua nova realidade
O confinamento da populao Kaiow e Nhandewa dentro destas reservas e aldeias
tem demonstrado ser uma poltica altamente desastrosa, no s para este, mas tambm para
outros grupos indgenas, pois o crescimento demogrfico e sua superpopulao aumentam a
presso extrativista dos recursos naturais, principalmente para o preparo das roas
itinerantes que, aos poucos, vo extinguindo a vegetao natural, provocando a degradao
do meio ambiente.
Conforme Teodoro (1998):
A situao dos Kaiow/Guarani modificou-se no momento em que suas terras foram invadidas pela populao no-ndia: primeiro a explorao da erva mate, pela Mate Laranjeiras e depois, a criao da poltica do povoamento, promovida, pelo SPI a partir de 1915. Mais tarde, o governo Vargas implantou um processo de colonizao dessas reas, no projeto conhecido como marcha para o oeste, com o intuito de proteger essas terras contra o avana dos estrangeiros. O propsito era, tambm, o de incrementar a produo agrcola. Terras indgenas invadidas, ataques armados por vingana, ndios escravizados por fazendeiros, vivendo em condies subumana, foi o resultado desse projeto governamental. (TEODORO, 1998, p.136)
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14
De acordo com Brand13:
O confinamento dentro das Reservas, que atinge seu auge nas dcadas de 1980 e 1990, cria uma realidade altamente complexa, onde se destacam problemas novos como a superpopulao, a sobreposio de aldeias e chefias, a restrio na mobilidade geogrfica, o gradativo esgotamento dos recursos naturais, entre outros. Estes elementos colocam em cheque antigas prticas e vivncias sociais, gerando a necessidade de reordenao do modelo de organizao social, tendo em vista absorver esta nova realidade. (BRAND, 2007. p.1).
e, assim sendo, Brand complementa que:
... junto com a perda do territrio, vieram as escolas e as Igrejas Evanglicas, em especial as Igrejas Neopentecostais, preocupadas em ajudar os ndios a viverem, ou melhor, a sobreviverem em um cenrio no qual o seu modo de vida e seus saberes historicamente acumulados pelos antepassados tornaram-se suprfluos e imprestveis. Este processo histrico, extremamente desfavorvel aos Kaiow/Guarani, est na base dos inmeros problemas atualmente vivenciados por eles, destacando-se o intenso consumo de bebidas alcolicas e o elevado nmero de suicdios. (BRAND, 2007, p.1)
Na opinio de Vietta, trata-se de:
... repensar o estatuto das lideranas polticas, as prticas religiosas, a produo econmica, a concepo da famlia extensa como elemento estruturador, frente a emergncia de um novo modelo de organizao que se impe. Ou seja, procurar novos lugares para as coisas, dar significado prprio a nova realidade. (VIETTA, 1997, p.70).
A atual situao vivenciada, pelos Kaiow/Guarani de extrema dificuldade, pois
so inmeros os problemas relacionados, particularmente, com a quebra de valores e papis
tradicionais. Citamos:
13 O texto intitulado: Memria e Histria como elementos fundamentais na formao dos professores indgenas Kaiow e Guarani de Brand, est disponvel no site: http://www.mestradoeducacao.ucdb.br/projeto21.htm. Acesso em dezembro de 2007.
-
15
... alto ndice de suicdio e alcoolismo; a reproduo da organizao familiar; as dificuldades para garantir a produo econmica, o que gera um alto ndice de desnutrio, especialmente entre as crianas, bem como a permanncia de um quadro generalizado de doenas relacionadas direta ou indiretamente, baixa qualidade alimentar; a macia entrada das Igrejas Neopentecostais, especialmente nestes ltimos anos, frente desestruturao das prticas religiosas tradicionais; o papel da escola formal e o baixo aproveitamento de seus alunos, entre outros. (VIETTA & BRAND, 1998, p.11).
Os Kaiow/Guarani exercem trabalho assalariado realizado sob forma de contratos
coletivos em usinas de produo de lcool, como cortadores de cana-de-acar, ou ainda,
em fazendas (fora das reas indgenas), como cultivadores de roas.
De acordo com Vietta & Brand (1998), os problemas atualmente vivenciados pelos
Kaiow/Guarani esto intimamente ligados ao extremo contato deles com a sociedade
envolvente, tendo, como conseqncias mais comuns: a perda de parte significativa do
territrio tradicional; o confinamento de um grande contingente populacional nas reservas
indgenas; a degradao ambiental das reas ocupadas e; conseqentemente, a necessidade
de garantir a maior parte da economia fora da aldeia.
Gressler, em seu texto intitulado Aspectos histricos do povoamento e da
colonizao do Estado de Mato Grosso do Sul de 1988, afirma que:
Politicamente, os Kaiows (sic) nunca foram uma unidade, no sentido em que encaramos um grupo como um todo, com um chefe nico. O poder poltico estava diretamente relacionado s lideranas religiosas, lideranas essa a cargo dos chefes de famlia extensas, ou seja, quanto maior a famlia, maior o prestgio de seu lder, prestgio este ampliado, se o lder fosse um grande Pa (chefe religioso), cantador e curador. Assim, o poder poltico estava dividido, embora essa organizao no implicasse num enfraquecimento do grupo como totalidade. Com a penetrao das frentes econmicas da sociedade nacional em sua rea, um desses lderes era escolhido para servir de intermedirio entre Kaiows (sic) e civilizados, tomando, posteriormente, o ttulo de Capito. (GRESSLER, 1988, p. 49).
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16
Vietta (1998) confere representao simblica das aldeias, para as comunidades
indgenas Kaiow/Guarani14, como sendo um espao que no oferece mais as condies
necessrias para a reproduo das relaes sociais que ainda esto presentes no imaginrio
destas comunidades. Segundo a autora:
Neste novo quadro, os caciques passam a ocupar uma posio secundria, no lhes cabendo mais o envolvimento em questes polticas ou de carter mais estrutural. Nas reservas, e menos nas aldeias menores, os rituais (rezas) que deveriam ser cotidianos acontecem com pouca freqncia, e quando ocorrem, atraem um pequeno nmero de pessoas, na maioria, ligadas ao grupo familiar do rezador. (...) Os rituais de passagem foram abandonados e o papel dos rezadores nas prticas de cura tambm foi profundamente relativizado. Alguns atribuem o abandono das rezas ou prticas de cura ao fato dos caciques utilizarem bebidas alcolicas industrializadas durante os rituais, porm, este apenas um dos elementos neste quadro de mudana. (VIETTA, 1998, p. 56-57).
2.5 Filiao gentica e estudos lingsticos prvios sobre o Guarani e o Kaiow
Do ponto de vista gentico15, o Kaiow considerado dialeto da lngua Guarani,
pertencente ao subgrupo I da famlia Tupi-Guarani. Esta famlia constituda de um
conjunto de lnguas que se reconhece descenderem de uma lngua anterior, neste caso pr-
colombiana e no documentada historicamente. Convencionou-se chamar Proto-Tupi-
Guarani a lngua ancestral da famlia Tupi-Guarani, sendo sua existncia concluda a partir
de correspondncias sistemticas entre os sons, as gramticas e os vocabulrios das lnguas
desta famlia.
A famlia Tupi-Guarani e outras nove famlias lingsticas indgenas so
reconhecidas como aparentadas geneticamente num nvel mais remoto, constituindo um
conjunto adjacente, a que se chama tronco lingstico, nesse caso o tronco Tupi.
14 Vietta (1998), ao utilizar a expresso Kaiow/Guarani, refere-se aos aspectos comuns aos dois grupos Guarani que vivem no Mato Grosso do Sul, os Kaiow e os Nhandewa. 15 Critrio lingstico que permite classificar as lnguas em conjuntos com origem comum mais prxima ou mais remota, as 180 lnguas indgenas brasileiras se distribuem por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma dar o nome de famlias lingsticas. (Rodrigues, 1999).
-
17
No que se refere lngua Guarani, devemos considerar a priori a distino
comumente feita entre Guarani Antigo e Guarani Atual.
Grannier, em sua tese intitulada Aspectos da morfossintaxe do Guarani Antigo,
assume o termo Guarani Antigo como sendo:
... a denominao corrente para as variedades da lngua Guarani faladas e documentadas nos sculos XVII e XVIII em regies sob o controle da Coroa Espanhola, que correspondem hoje ao norte da Argentina (Provincia de Misiones), ao Paraguai e ao oeste do Sul do Brasil (Estados do Paran a Rio Grande do Sul). (GRANNIER, 2002, p. 5).
Devido disperso geogrfica, demogrfica e lingstica do Guarani, acreditamos
no ser possvel estudar o Guarani Atual, seno tratando de cada falar especificamente: o
dos Kaiow, dos Nhandewa ou dos Mby.
Segundo Rodrigues (1984/5a), a famlia Tupi-Guarani um grupo de moderada
diferenciao interna, dentro do qual se podem distinguir pelo menos oito subgrupos. O
primeiro subgrupo da famlia Tupi-Guarani constitudo pelo Guarani Antigo e pelas
lnguas e/ou dialetos Mby, Xet, Nandva, Kaiw, Guarani Paraguaio, Guayab, Tapiet,
Chiriguano e Izoceo. (RODRIGUES, 1984/5, p.27)
Para alm da classificao gentica do Guarani, tido como lngua, e do Kaiow, tido
como dialeto desta lngua, podemos considerar relevantes outros critrios em busca de uma
melhor definio para o que vamos considerar o Kaiow, lngua ou dialeto.
Consideramos que em se tratando de linguagem indgena, a distino entre lngua e
dialeto necessita ter seus termos revistos. Guedes (1991) afirma que: "em relao aos povos
autctones ou s minorias tnicas do Brasil dificilmente questes relativas distino entre
lngua e dialeto so colocadas. Assume-se que so lnguas"
Ao tratar das classificaes genticas das lnguas indgenas do Brasil, Rodrigues
expe que: Se as lnguas de um mesmo subgrupo, ou mesmo de subgrupos distintos
devem ser chamadas de "lnguas" distintas ou de "dialetos" de uma mesma "lngua"
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18
questo muito relativa, porque relativos so os conceitos de "lngua". (RODRIGUES,
1984/5b, p.1). 16
Do ponto de vista poltico-social, a relatividade entre considerar o Kaiow uma
lngua ou um dialeto Guarani, assume propores nada relativas, uma vez que a
denominao do falar assume um papel importante nas reivindicaes culturais e polticas
dos povos indgenas. Citamos alguns aspectos que esto diretamente ligados identificao
da linguagem dos Kaiow e que devem ser garantidas: a reconquista de terras, a busca da
auto-identificao, a valorizao de sua cultura e o desenvolvimento de sua lngua.
Como se tem visto, a questo da delimitao lngua/dialeto mais uma questo
poltica do que lingstica, ou seja, o que faz uma variedade lingstica adquirir status de
lngua o desenvolvimento cultural e o reconhecimento do povo que a utiliza.
Ressaltamos, aqui, que os Kaiow auto-denominam sua fala como sendo lngua
Kaiow. Assim sendo, doravante, assumimos que a variedade falada por 20 25 mil
Kaiow, que vivem no Mato Grosso do Sul (Brasil), a lngua Kaiow.
2.5.1 Estudos realizados sobre o Guarani
Os primeiros estudos da lngua Guarani datam j do sculo XVI, mas o primeiro
trabalho publicado, e de grande envergadura, foi a obra do missionrio jesuta Antonio Ruiz
de Montoya, distribuda em dois conjuntos: Tesoro de la lengua Guarani (Madrid, 1639) e
Arte y Vocabulario de la lengua guarani (Madrid, 1640). A Arte de Montoya serviu de
base para publicaes de uma nova gramtica do Guarani, nas prprias misses jesuticas,
em 1724, por obra de Pe. Paulo Restivo (cf. Meli, 1992). O Guarani, da poca das misses
jesuticas, operou como lngua geral em uma significativa parcela dos domnios espanhis
at o sculo XVIII, includo parte do sul do Brasil.
16 O texto intitulado: As Lnguas Gerais Sul-Americanas. de Aryon Rodrigues (1984/5b), est disponvel no
site: http://www.unb.br/il/lablind/lingerais.htm, acesso em: 20 de novembro de 2007.
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19
Segundo Grannier (2002), na primeira metade do sculo XX, foram publicadas
diversas gramticas e dicionrios do Guarani, como por exemplo, El Idioma Guarani, do
padre Antonio Guasch, em 1944, no Paraguai; Breve Diccionrio Guaran-Castellano
Castellano-Guaran, de Antonio Ortiz Mayans, em 1941, na Argentina; El idioma guarani
metodo practico para la enseanza elemental, de Eduardo Saguier, em 1946, na Argentina.
De acordo com Grannier (op. cit), nas ltimas dcadas, outros dicionrios e
gramticas foram publicados sobre a lngua Guarani: Diccionrio guaran-espaol y
espaol-guaran, de Peralta e Osuna (1950); La Gramtica de la Lengua Guarani, de
Krisvoshein de Canese (1983); Gran Diccionario, de Ortiz Mayans (1990); Guarani a su
alcance, de Meli (et. al. 1992) e a importante obra La lengua guarani del Paraguai
(1992), tambm de Meli. Para a autora, nessa obra Meli faz um admirvel estudo da
histria da lngua guarani, analisando as mudanas sociolingsticas ocorridas no Paraguai
em conseqncia do contanto com o guarani e o espanhol. (GRANNIER, 2002, p 35).
Num outro texto intitulado: O Guarani: uma bibliografia etnolgica, Meli, Saul &
Muraro (1987, apud GRANNIER, op. cit) elencam vrios tipos de estudos e a quantidade
de publicaes disponveis sobre o Guarani.
No que se refere a outros trabalhos de anlise do Guarani realizados com objetivos
cientficos, destacamos aqui o trabalho de Emma Gregores e Jorge Surez, publicado em
1967, com o ttulo A Description of Colloquial Guarani, referente ao Guarani paraguaio, o
de Maura Velzquez-Castillo, tambm sobre o Guarani paraguaio, publicado em 1996, o
livro intitulado The Grammar of Possession: Inaliability, Incorporation and Possessor
Ascension in Guarani e os trabalhos de Grannier: Fonologia do Guarani Antigo, de 1990 e
Aspectos da Morfossintaxe do Guarani Antigo, de 2002.
2.5.2 Estudos lingsticos sobre o Kaiow
Atualmente, as comunidades indgenas da Regio da Grande Dourados, em suas
escolas de ensino bilnge, utilizam a Conveno Ortogrfica Guarani adotada pelo
Ministrio de Educao do Paraguai (oficializada neste pas na dcada de 50), alm de
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tomarem gramticas oriundas desta lngua17 como modelo no processo ensino
aprendizagem, o que evidencia a necessidade de se consolidar um estudo sistemtico do
dialeto Kaiow, que busque fundamentar o fortalecimento da identidade cultural deste
povo.
Os estudos lingsticos sobre o Kaiow, de modo geral, so poucos. Os principais
materiais existentes foram escritos por membros do Summer Institute of Linguistics (SIL).
No Brasil, os principais estudos lingsticos realizados pelos missionrios so: Bridgeman
(1960, 1961 e 1981) e Harrison & Taylor (1958 e 1971) e Taylor & Taylor (1966a) e um
vocabulrio mdico pode ser encontrado em Garcia (2000). Narrativas em Kaiow podem
ser encontradas em Taylor & Taylor (1966b), em Taylor (1997) e em Garcia (2003).
Apresentamos, sumariamente, os assuntos tratados em alguns destes textos, dentre outros.
Bridgeman escreveu os artigos intitulados: Kaiw (Guarani) phonology (1961) e A
.ote on Stress in Kaiw (1960). Naquele, a autora trata de vrios aspectos da estrutura
fonolgica, tais como: os fonemas com atestao, descrio, especificao inter-fonmica,
aspectos da prosdia, fatores paralingsticos, acento, ritmo, entre outros; neste, Bridgeman
discute a tenso entre acento lexical e acento sentencial de discursos (textos) em
Kaiow.
Bridgeman escreveu o livro O Pargrafo na fala dos Kaiw-Guarani (1981), em
que descreve aspectos relativos ao discurso (texto), perodo e pargrafos gramaticais do
Kaiow, com enfoque tagmmico.
John Taylor, em 1984, publica dois artigos sobre o Kaiow, um intitulado
Marcao temporal na lngua kaiw e outro A interrogao na lngua kaiw. Num outro
artigo intitulado .asalization in Kaiw (1971), Taylor trabalha com Harrison, e fazem
referncia ao processo de retrocesso de nasalizao em Kaiow, isto , as vogais orais que
antecedem uma vogal nasal tnica no se nasalizam. Para esses autores, nasalidade tida
como um trao pertencente aos morfemas, tidos como unidades super-segmentais.
17 Citamos algumas destas Gramticas do Guarani do Paraguai: Guasch (1996); Ortiz (1994) e Guasch & Ortiz (1991).
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Harrison & Taylor antes de tratarem de aspectos relativos ao processo de
nasalizao em Kaiow, escreveram o texto intitulado Kaiw phonemes and syllable
struture, em 1958.
O livro intitulado .hande rembypy: Nossas origens, organizado por Garcia (2003)
compe transcries e tradues de textos da cultura Guarani, produzidos pelo ndio
Kaiow, Aniceto Ribeiro.
Temos o conhecimento de dois livros produzidos por falantes Kaiow/Guarani: o
primeiro livro18: Upicha rohai: ore kuatia e'e peteha, por Gonsalves et al. (1993)
constitudo de 35 textos que abrangem aspectos histricos, sociais e culturais dos falantes
desta lngua e o segundo: Tesai ome' vy'a: sade d alegria, por Peralta et al. (1998)
disserta, basicamente, sobre a preveno da populao indgena quanto contaminao por
doenas sexualmente transmissveis.
Em Cardoso (2001), sob o ttulo Um estudo de categorias sintagmticas da lngua
Kaiow/Guarani, realizamos um estudo sobre categorias sintagmticas amparada no
modelo de Princpios e Parmetros da Teoria da Gramtica Gerativa (Chomsky, 1986),
correlacionando-o aos estudos sobre a tipologia das lnguas (Greenberg, 1966). Neste
trabalho, tomamos como objeto especfico de estudo a ordenao paramtrica (Stowell,
1989) das categorias sintagmticas lexicais: SN, SV, SA e SP, e funcionais: SFl (SAgr e
ST) e SDet.
Em 2005, Jos Filho defende a tese intitulada A Performatividade na Linguagem
da resistncia Kaiow/Guarani, na qual trata da resistncia cultural e lingstica
implementada pelos Kaiow como objeto de anlise no domnio da performatividade da
linguagem.
Lembramos, tambm, dos trabalhos de anlise lingstica realizados para o Mby,
por Guedes (1991) e por Martins (1996 e 2003) e para o .handewa, por Costa ( 2003a e
2003b) e por Dooley (1982a, 1982b, 1991a, 1991b e 1999).
Destacamos, por fim, que a anlise dos dados, a formulao e a verificao de
nossas hipteses teve o suporte terico lingstico baseado na j mencionada perspectiva 18 Os autores dos livros em Kaiow, assim como, as escolas indgenas da Regio da Grande Dourados adotam uma grafia semelhante grafia do Guarani paraguaio de forma consensual e no convencionada.
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tipolgico-funcional, e que a pesquisa lingstica, tambm, contou com leituras sobre outras
lnguas amerndias, tais como: Kamaiur, por Seki (2000, 1990); Ikpeng, por Pachco
(2001); Guarani Antigo, por Grannier (2002); Tupinamb, por Rodrigues (1990, 1996);
Panar, por Dourado (2001); Aguaruna, por Corbera (1994, 1998); Kadiwu, por Sndalo
(1997 e 2004); Av-Canoeiro, por Borges (2006); Shanenaw, por Cndido (2004);
Wapixana, por Santos (2006); Kinikinau, por Souza (2008); Satere-Maw, por Silva
(2005); Asurini do Xingu, por Pereira (2004); entre outros.
No captulo que segue, tratamos da metodologia e tcnicas utilizadas na pesquisa
lingstica de campo.
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3 COSIDERAES SOBRE A PESQUISA LIGSTICA
A pesquisa lingstica realizada in loco baseada numa metodologia de trabalho de
campo proposta por autores descritivistas como: Kibrik (1977); Comrie & Smith (1977);
Bouquiaux (1992); Samarin (1967); entre outros.
Segundo Samarin (1967), o trabalho lingstico de campo , principalmente, um
modo de obter dados para a anlise de fenmenos lingsticos, que envolve consideraes
sobre os aspectos: comunidade comportamento scio-cultural; participantes o(s)
informante(s) (falante nativo) e pesquisador lingstico envolvidos por meio de contato
social, alm de consideraes a cerca da metodologia a ser usada durante a pesquisa de
campo.
Acreditamos que o corpus lingstico no deve ser reduzido a processos mecnicos
para a anlise de estruturas gramaticais, bem como os textos coletados no devem obter
tradues literais. Primamos pelos diferentes tipos de obteno de dados em busca da mais
completa caracterizao do corpus lingstico.
3.1 Metodologia e Tcnicas da Pesquisa de Campo
Nossa pesquisa lingstica sobre a lngua Kaiow foi realizada junto s
comunidades indgenas Jaguapiru e Boror, ambas aldeias circunvizinhas ao municpio de
Dourados, e na reserva indgena de Caarap. O povo Kaiow vive em 22 comunidades
indgenas na Regio da Grande Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul (Brasil). Segundo
Brand (1998), a populao Kaiow, no estado, estimada entre 20.000 e 25.000 pessoas.
As tcnicas de coleta de dados envolvem sempre a observao e compreenso
seletiva por parte do investigador, no entanto, especificamos melhor outros aspectos das
tcnicas que foram por ns utilizadas nesta etapa da pesquisa:
i ) tcnica de elicitao de nomes de objetos e conceitos que pertencem
competncia do informante. Tal tcnica valoriza a nomeao por meio de palavras
contextualizadas;
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ii ) tcnica de elicitao interativa, que possibilitara a coleta de textos por meio de
perguntas de tipo: O que isto?; Como feito isto?; Como chama esta parte?; A mulher
pode usar isto?; entre outras;
iii ) tcnica de elicitao por meio de questionrio previamente elaborado. Tal
questionrio possibilitou a coleta de paradigmas mais completos cerca da morfologia
flexional de nomes e verbos Kaiow; entre outros, e
iv) tcnica de utilizao de material de apoio que permitam a coleta de maior
variedade na nomeao, como por exemplo: livros com imagens do corpo humano; fotos de
familiares; livros com imagens diversas, entre outros;
Destacamos que a coleta de dados foi realizada, principalmente, por meio de
gravaes de textos produzidos numa situao bastante natural, pois assim, nos
asseguramos do real uso da intuio lingstica do falante. Entre os tipos textuais podemos
mencionar os mitos, as histrias pessoais, costumes, relatos do cotidiano da comunidade,
entre outros.
Por fim, vale mencionar que, por meio da tcnicas (no. iii ), coletamos dados de
assuntos especficos, cuja anlise ainda no estava suficientemente esclarecida.
Fez parte de nossos procedimentos metodolgicos a seleo de informantes, pois os
falantes, com os quais realizamos a pesquisa lingstica, foram aqueles que se auto-
identificaram como pertencentes ao grupo indgena Kaiow.
Realizamos a gravao de nossos dados com o auxlio de diferentes tipos de
equipamentos. Utilizamos, simultaneamente, um gravador analgico, com uso de fitas
cassetes; um gravador digital e um notebook, no qual instalamos o programa computacional
audacity19, que nos possibilitou a coleta de dados em wave, esse operando como elemento
facilitador na etapa de transcrio dos dados. A utilizao precavida de diferentes tipos de
equipamentos nos permitiu a obteno de dados com qualidade acstica, uma vez que,
falhando um dos equipamentos, o(s) outro(s) continuava(m) a captar os dados.
Coletamos dados falados por pessoas do sexo feminino e masculino, de diferentes
faixas etrias. Num segundo momento, realizamos, em conjunto com professores indgenas
19 Este programa computacional pode ser obtido por meio do site: http://audacity.sourceforge.net/download/.
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bilnges, parte da transcrio e da elaborao de glosas lingsticas e, por fim, a anlise
dos dados pode ser feita como o apoio destes profissionais. Ressaltamos, por fim, a
generosidade e a sabedoria deste povo.
3.1.1 O Corpus
O corpus utilizado na anlise consiste em um conjunto de dados coletados em
diferentes momentos da pesquisa de campo. Dados coletados, entre os anos 1998 a 2000,
foram, previamente, por ns utilizados na anlise resultante na dissertao de mestrado
intitulada Um estudo de categorias sintagmticas da lngua Kaiow/Guarani, (Cardoso,
2001). Estes dados, especificamente, foram coletados junto aos falantes Kaiow que vivem
na Reserva Indgena Caarap, municpio de Caarap-MS. Os dados coletados, entre 2003 a
2006, foram coletados junto a falantes Kaiow das aldeias Jaguapir e Boror,
circunvizinhas cidade de Dourados-MS e junto a uma informante da comunidade indgena
de Amambai, municpio de Amambai-MS.
O conjunto de dados coletados em pesquisa lingstica de campo incluem textos,
questionrios previamente elaborados e dados elicitados, o que gera um relevante banco de
dados da lngua Kaiow.
3.1.2 Colaboradores
Para obteno de dados lingsticos contamos com o apoio e auxlio de vrios
falantes da lngua Kaiow, todos bilnges (Kaiow Portugus). Em relao coleta de
dados coletados na Reserva de Caarap, pudemos contar com o auxlio dos professores
Kaiow:
1. Alcio Soares Martins (professor da Escola Mbokaja)
2. Rogrio V. Mota (professor da Escola Loides Bonfim)
3. Eliel Benites (professor da Escola .handejara)
4. Ldio Cavalhero Veron (professor da Escola Mbokaja)
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Quanto obteno de dados nas aldeias circunvizinhas cidade de Dourados,
pudemos contar com outros colaboradores tambm bilnges (Kaiow Portugus):
5. Helio Jorge da Silva (.ha)nderu - chefe espiritual de uma parentela)
6. Floriza de Souza Filho (.ha)ndesy auxiliar em trabalhos espirituais e esposa do
.ha )nderu)
7. Ernesto Fernandes Ortiz ( Professor da Escola Ara Por)
Em Amambai, contamos com a colaborao da professora Kaiow:
8. Elda Vasques Aquino (nica informante da aldeia de Amambai-MS)
3.2 Apresentao dos dados no corpo do trabalho
A presente tese conta com dados do Kaiow transcritos foneticamente, na primeira
linha. Na segunda, apresentamos uma transcrio morfofonolgica, em que as palavras
morfossintticas esto separadas por espaos, os morfemas afixais por hfen (-) e os clticos
por meio do sinal (). Por fim, a terceira linha traz as glosas e uma traduo livre que se
encontra alinhada direita, entre aspas simples.
Como mencionamos anteriormente, nossa proposta de sistematizao da fonologia
Kaiow (Cardoso, 2007) encontra-se em anexo. Por ora, expomos quadros snteses desta
proposta.
O sistema fonolgico consonantal do Kaiow constitudo de quinze fonemas,
sendo: cinco obstruntes, cinco sonorantes e outros cinco fonemas contnuos. Apresentamos
o lugar de articulao de cada fonema no quadro (1) abaixo:
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Quadro 1. Consoantes
O Kaiow tem um sistema de seis vogais que podem ser orais ou nasais:
Quadro 2. Vogais
VOGAIS ORAIS VOGAIS NASAIS
Anterior Central Posterior Anterior Central Posterior
Fechada i u
Aberta e a o
Fechada i )) )) )) )) )) )) )) )) u )) )) )) ))
Aberta e )) )) )) )) a )) )) )) )) o )) )) )) ))
No quadro (3), apresentamos os fonemas, seus fones (ou alofones) e exemplos
respectivos realizao de cada um desses fones.
Quadro 3. Realizao e representao dos fonemas
Fonema Fone/alofone Realizao Fontica e Fonolgica traduo
/ p / [ p ] [p/eta] /p/eta/ caracol
/ t / [ t ] [taRavE] /taRawe/ barata-do-mato
/ k / [ k ] [m )k )j )] /moko ) / dois
/ kw / [ kw ] [kwaa] /kwaa/ saber
/ / / [ / ] [s/] /so/o/ carne
/ m / [ m ]
[ mb ]
[ b ]
[ku)nu)mi] )
[tuku)mb]
[bopiRi] ~ [mbopiRi]
/kunumi)/ /tuku)mo/
/mopiRi/
menino
corda
morcego
/ n / [ n ]
[ nd ]
[ d ]
[Si)Ri)no )]
[ma )nddZu]
[de] ~ [nde]
/SiRino )/
/ma )niu/
/ne/
beija-flor
algodo
vo