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França e Brasil:realidades distintas da proteção social,
entrelaçadas no fluxo da história*
France and Brazil: different social security realities interwoven in the historical flow
Elaine Rossetti Behring**
Resumo: Esteartigoanalisaadestinaçãoderecursosdosorçamen-tosnacionaisdoBrasiledaFrançanoanode2010,comdestaqueparaaseguridadesocial,mostrandotendênciasdaalocaçãodofundopú-blico,oimpactodadinâmicadadívidapúblicaedafinanceirizaçãonoconjuntodasdespesase,sobretudo,assemelhançasediferençasentreasexperiênciasecondiçõeshistóricasdistintasdeumpaíscapitalistaperiféricoeoutrocentral,masqueseentrelaçamnatotalidade.
Palavras-chave:Fundopúblico.Orçamentopúblico.Seguridadesocial.França.Brasil.
Abstract: Thisarticleanalyzestheallocationofresourcesof2010’sBrazilianandFrenchnationalbudgets,withemphasisonsocialsecurity,byshowingtrendsintheallocationofpublicfunds,theimpactofthedynamicsofpublicdebtandthefinanceofallexpenditure.Aboveall,itanalyzesthesimilaritiesanddifferencesbetweenthedifferenthistoricalexperiencesandconditionsofaperipheralcapitalistcountryandacentralone,whichare,however,involvedinthewholecapitalistlogic.
Keywords:Publicfund.Publicbudget.Socialsecurity.France.Brazil.
*Opresenteartigoéumasíntesedosprincipaisresultadosdenossosestudosquandodarealizaçãodopós-doutoradonaUniversidadedeParisVIII,Cresppa-CSU,apartirdagentilrecepçãodoprof.YvesSinto-mer—aquemexpressomeuagradecimento—,ecomsuportedaCapes—Brasil,desenvolvendoprojetointituladoFundoPúblico,OrçamentoeSeguridadeSocial:umestudocomparadoBrasil—França.
**DoutoraemServiçoSocial(UFRJ)eprofessoraadjuntadaUniversidadedoEstadodoRiodeJa-neiro(UERJ),Brasil.Éautoradeváriostrabalhossobreotemadapolíticasocial.CoordenadoradoGrupodeEstudosePesquisasdoOrçamentoPúblicoedaSeguridadeSocial—Gopss—CNPqebolsistadepós--doutoradodaCapesnaUniversidadedeParisVIII,Cresppa-CSU.E-mail:[email protected].
ARTIGOS
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Introdução
A proteçãosocialestá,nestemomentohistóricodecrisedocapitalismo,noolhodofuracão,tantonoespaçogeopolíticoondemaissedesen-volveu,aEuropa,comotambémnoBrasiledemaispaísesdaAméri-caLatina.Novelhocontinente,acrisesemanifestahoje1 de forma
contundentepormeiodadívidadosEstados,queevoluiudemaneiraexplosivaapósasoperaçõesdesalvamentodasinstituiçõesfinanceirasentre2007e2009.2 A res-postaaessecrescimentodadívida,ilegítimaeodiosa,dependendodahistóriadospaíses(Chesnais,2011),vemsendoprogramasdeausteridade,oqueincluicortesouredimensionamentosdosgastospúblicos,comdestaqueparaossociais,proces-soqueunificaonovoeovelhocontinente.Masincluitambém,edestacadamente,processosdemercantilizaçãoeprivatizaçãonessecampo,sendoestesúltimosumaespéciedemarcadoperíodo.
Esteéummomentoemqueestãoexponenciadasasexpressõesdaquestãosocial,comdestaqueparaodesempregoendêmicoqueassolaaEuropa,3acompanhadodaprecarizaçãoesuperexploraçãodotrabalho.Nessaregião,aeradoplenoempregocombinadoàpolíticasocialabrangente,edeumcapitalismosupostamentecontrola-doeorganizado,pareceumaespéciedemiragem,desonhocadavezmaisdistante.Atendênciadapolíticasocialtemsidodeslocar-separapolíticasdecombateàpo-breza,estaúltimaemvisívelcrescimento.Atransferênciaderendasubmetidaatetos,critériosderendaecontrapartidas“ativas”tornou-seumcarro-chefe,emdetrimentodoempregoedauniversalizaçãodoacessoaserviçosgratuitos,emboraessadireção
1.Játivemosaoportunidadedediscutirociclolongodeestagnaçãodocapitalismoquesearrastadesdeoiníciodosanos1970,adotandoaanálisedeErnestMandel.Portanto,acrisenãoérecente,mascoloca-secomotendênciadelargaduração,deperíodo.Contudo,inúmerasanálisesmostramasuaintensificaçãobrutalapartirde2007,tendocomopolodinâmicoospaísesdocentrodocapitalismo,especialmenteosEstadosUnidos,eocapitalfinanceiro.ConferirMandel,1982enossasanálisesemBehring,1998,2008ae2010.
2.Arelaçãodívidapúblicabruta-PIBnospaísesdazonaeuro(dezessetepaíses)evoluiude69,2%em2000para87,2%,em2011.Omomentoexplosivoapósumperíododeoscilaçõesfoiexatamenteapassagemde2007(70,2%)para2008(80%),apartirdoqualessarelaçãonãoparoudecrescerglobalmenteeemalgunspaísesde formadestacada,aexemplodaGrécia,cuja relaçãodívida-PIBpassoude103,4para165,3%.Disponívelem:<http://epp.eurostat.ec.europa.eu>.Acessoem:28maio2012.
3.Emmarçode2012,ataxadedesempregonazonaeuro(dezessetepaíses)encontra-senamédiade10,9%dapopulaçãoeconomicamenteativa,segundoadefiniçãodaOIT,masemalgunspaísesultrapassaamarcados20%,aexemplodaEspanha(23,8%)edaGrécia(21,4%).Disponívelem:<http://epp.eurostat.ec.europa.eu>.Acessoem:28maio2012.
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sejadisputadaemcadaespaçonacionalemediadapelahistóriadecadapaís.Assim,produziram-semúltiplas realidadese cenáriosdaproteção social,ou seja,háumefeitodeheterogeneizaçãodaproteçãosocial,numadireçãogeraldemenosproteçãosocialuniversal,emvezdosentidosocial-democrataclássicodosanosdecrescimen-to.OanunciadofimdoEstadoSocialnãoocorreucomoprevisto,mascertoníveldedesmontefoiinevitávelnocontextodaofensivaneoliberal.4
Poroutroângulo,seoEstadoSocialeuropeudosanosdopós-guerratinhaseufundamentonoplenoemprego(emsentidokeynesiano),tambémotinhanaslutasdostrabalhadores,jáqueosdireitossociaistêmumanaturezacontraditóriaeresultamdaspressõesecontrapressõesdalutadeclasseseseussegmentos(BehringeBoschetti,2006).Anosdeneoliberalismofragilizaramasorganizaçõespolíticasdos trabalhadores,derruindoa resistênciaàperdadedireitosnosváriospaíses,aindaquedeformadiferenciada.Asdeslocalizações(Chesnais,1996)eareestru-turaçãoprodutivaproduziramfortesimpactosnaconsciênciaeorganizaçãopolíti-caemtodososespaçosnacionais(Antunes,2009).OquedizerdocrescimentodadireitamaisreacionárianaÁustriaenaFrança?5Afragilidadedaforçapolíticadocampodotrabalhoimplicaavulnerabilidadedosdireitosedaspolíticassociais,produzindoprocessosdeexpropriaçãocontundentes(Fontes,2010),6inclusivecomamercantilizaçãoclaradosserviçosdesaúdeeeducação,alémdocrescimentodaprevidênciaprivadaabertaefechadaemarticulaçãocomasinstituiçõesfinanceiras.Ostemposcontrarreformistas7(Behring,2003)insistememperdurareatéseapro-
4.EstudodeBoschetti(2012)sobreascontrarreformasnaEuropamostraclaramenteastendênciasemcursocommudançasregressivasnaesferaprevidenciáriaedasaúde,eocrescimentodasprestaçõessociaissubmetidasacritériosderenda,diga-se,assistenciais,nosentidobrasileiro.
5.Naseleiçõespresidenciaisfrancesas,apesardadébâcledeNicolasSarkozybastantecomemoradanasruasedocrescimentoevitórianosegundoturnodacandidaturadeFrançoisHollande,doPartidoSocialista,foipreocupanteainserçãonashostespopularesdacandidaturadeMarineLePen,querepresentaumadireitareacionáriaecomforteconotaçãofascistanoespectropolíticofrancês.HouvereflexodessecrescimentonaslegislativascomoretornodaFrontNacionalaoParlamentoapós24anosdeausência,masregistrandoqueoPSconquistoumaioriaabsoluta,oqueofereceàHollandeumafortebaseparlamentardesustentação.
6.ValeapenaconferiraricaeinteressantepolêmicaentreFontes(2010)eHarvey(2004)emtornodacaracterizaçãodesteúltimodequeestaríamosnumprocessodeacumulaçãoporespoliação.Adiscussãoenvolveaatualidadedoconceitodeacumulaçãoprimitivadocapital.AmbosestãofocadosemcompreenderadinâmicacontemporâneadaacumulaçãonumdiálogocomMarx,mas,porcaminhosanalíticosdiferentes,esclarecemosprocessosqueatingemduramenteascondiçõesdevidaetrabalhodasmaiorias,incluindoasperdasnocampodosdireitossociais.
7.Outrosautoresdaliteraturafrancesautilizamessacaracterização:Chesnais,2011,Duval,2008eBensaid,2009;Dourille-Feeretal.(2011).
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fundar no contextoda crisedo capital—que ademaisvaimuito alémdeuma“crisedafinança”oudeuma“desordemfinanceira”comoqueremfazercreralgunsanalistaseperiodistas.8
Omomentoquemaisrequisitaumchoquedecivilizaçãoerupturasprofun-dascomalógicamercantiléexatamenteaqueleondesãoaplicadoschoquesdebarbárie.Exemplodissosãoosplanosdeajustegrego,9espanholeirlandês,im-postospelatroika,10diga-se,UniãoEuropeia(EU),BancoCentralEuropeu(BCE)eFundoMonetárioInternacional(FMI),emnomedoequilíbriodascontaspúbli-cas,masparaefetivamenteassegurarofluxoderecursosparaocapitalfinanceiro.Sabemosqueessasmedidasimplicamcontinuarrealizandoumadramáticapunçãodo fundopúblico (Behring, 2010) para especuladores e proprietários, alémdequadrosintermediáriosquesebeneficiamdessaconjunturaparaseusluxospessoais(Lordon,2008).11
8.ArevistabrasileiraCarta Capitalpublicourecentementeumdossiêsobrea“desordemfinanceiramundial”(27/5/2012).Pelaviaacadêmico-profissional,muitossãoostrabalhosquecaracterizamomo-mentocomocrisedafinança.DestacamosotrabalhodeFrédéricLordon,quetemosugestivotítuloJusqu’à quand? Pour en finir avec les crises financières (RaisonsD’Agir, 2008.Tradução:Até quando? Paraacabarcomascrisesfinanceiras).Trata-sedeumaimprescindívelpesquisaeanálisecríticasobreouni-versodafinança,suadinâmicainternacompetitivaedestrutiva,suanovilínguaeseuethos.Apesardasprecauçõesdoautoraoadmitirquealógicaatualdafinançasejaumsintomaporexcelênciadeumacriseestrutural(2008,p.202),elenãofogeaduastentações:deprescrevermedidasderegulaçãoparaacabar comascrisesfinanceiras;edeautonomizarafinançada,equivocadamente,chamadaeconomiareal,oquelimitasuaanálise.Noentanto,asmedidassugeridassãoimportantesnumaperspectivadetransiçãoparaoutrasociabilidade,considerandoosimpactosquepoderiamtersobreadinâmicacontemporâneadoca-pitalismo.LordonéumdossignatáriosdoManifesteD’EconomistesAtterrés,articulaçãodemaisde600economistasfrancesesqueidentificadezfalsasevidênciasnodiscursoeconômicocorrenteepropõeumprogramaderupturacomessalógica,apartirde22orientaçõesdemedidas.É,anossover,umaperspecti-vaquevaimuitoalémdasocial-democracia,aindaquenãoassumaclaramenteumaperspectivaanticapi-talista.UmavisitadetidaaoManifesterevela,naverdade,umconjuntomuitointeressantedemedidasdetransição.
9.ArespeitodosimpactosdacriseedoplanodeausteridadenaGrécia,consultaroexcelentedocumen-tárioDebtocracy(direçãodeArisHatzistefanoueKaterinaKitidi,2011).Umdebatesobreaquestãodadí-vidaodiosaesobreaestratégiadasauditoriasdasdívidastambémécentralnestapelícula.
10.Sobreatroika,osmesmosdiretorescitadosnanotaanteriorrealizaramoimprescindíveldocumen-tárioCatastroika(2012),quemostraapilhagemneoliberalaoredordomundo,pormeiodasprivatizações,atéchegaràGréciadehoje,comimpressionanteriquezadedetalhesedados.
11.Ocinema,maisumavez,produzumafortemetáforadabarbárie:Cosmopolis,deDavidCronenberg(2012),éumimpactanterelatosobreoethos docapitalismocontemporâneoeosobscuroslugaresobjetivosesubjetivosaquepodelevaradinâmicadotempopresente,apartirdofrioolhardeumespeculadorquepraticamenteviveerealizasuasoperaçõesemumalimusinenasruasdeNovaYork.
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Enquantoisso,oBrasilapareceaomundocomoum“eldorado”,12 terra do novodesenvolvimentismo,ondepartedapopulaçãopobremigrouparaaclassemédia,13resultadodepolíticaspúblicasconsistentes,edeumapolíticaeconômicabemconduzidaepoucovulnerávelaosfortesabalosexternos,comosustentamogoverno, agências internacionais e alguns intelectuais.Cabeproblematizar essenovomitobrasileiro,14eoquantodeverdadeedemerapropagandaexisteemsuadifusão.EocaminhodemostraroqueéefetivamenteinvestidoempolíticassociaispeloEstado,bemcomoalógicapersistentequepresideaconstruçãodoorçamen-topúbliconoBrasilháalgunsanos,ébastanteprofícuo.Afinal,atarefadaciência,especialmentedopensamentosocialcrítico,éadeiralémdasaparências,descon-fiardasopiniõesformadasedesconcertá-las,desnudaraaparenteirracionalidadededeterminadosprocessos,desmistificarosfetichismosqueperdurameserenovam.
Nossopercursoiniciacomentandoalgunstraçosgeraisdosdoispaíses,cons-truindoumpatamardeobservaçãosobreadinâmicadaalocaçãodofundopúbliconoanode2010,escolhidocomomarcodapesquisaporseroúltimoanocomdadoscompletosdisponíveisdaprestaçãodecontasdosdoisEstadosnacionais.Emse-guidarealizamosumaincursãosobreadinâmicadoorçamentopúblicoedofinan-ciamentodaspolíticaspúblicasnosdoispaíses,emcomparaçãocomacargadadívidapública,paranasequênciacompreenderaconstruçãodopadrãodeproteçãosocialedaseguridadesocial,eseufinanciamentonosdoispaíses.Veremosqueaevoluçãorecenteexpressatendênciasgeraisparaapolíticasocialnocapitalismocentraleperiférico,mediadasporsuasparticularidades.OdebatesobreoBrasil15
12.Consultar,porexemplo,publicaçãosobreoBrasil, intituladaBrésil — Um géant accessible,daChambredeCommerceetd’IndustriedeParisdestinadaaosinvestidoresfranceses,ondeestetermoaparecemaisdeumavez,apesardasrecomendaçõesdeprudência(CCIP,2010).
13.SegundoojornalFolha de S.Paulo(29maio2012),aSecretariadeAssuntosEstratégicosdaPre-sidênciadaRepúblicadefiniu:“aspessoascomrendafamiliarper capitaentrecercadeR$291eR$1.019sãoasqueformamaclassemédiabrasileira”,oquerepresenta54%dapopulação.Osdadosestãodisponíveisem:<http://sae.gov.br/novaclassemedia/numeros/>.Apublicação francesa citadananota14 também fazreferênciaaessemesmotermo.ConsiderandoopoderdecompradessecortederendaeosserviçospúblicosdisponíveisnoBrasil,bemcomoaelevadíssimaconcentraçãoderendaeriqueza,énomínimosurpreenden-tee,nolimite,constrangedoraessacaracterizaçãooficialamplamentedifundidanomundodosnegócios,comoolharvoltadoparaacapacidadedeconsumo.
14.Nãoéoprimeironemoúnico.ConferirobelolivrodeMarilenaChaui,2000,lançadoporocasiãodos500anosdodescobrimento,equeutilizaacategoriademitofundadorparaexplicardinâmicasrecorrentesnahistóriabrasileira.
15.Apartirdosestudosquevimosdesenvolvendodesde2003noGrupodeEstudosePesquisasdoOrçamentoPúblicoedaSeguridadeSocial(Gopss),FSS-UERJ,CNPq.
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serápontuadoaolongodotexto,buscandoelementoscomparativos.Essaopçãodeperscrutaraproteçãosocialfrancesaepontuarcorrelaçõescomabrasileiradeve-seaonossoprópriomovimentointelectual,quebuscouapreenderadinâmicafrance-sadeformamaissistemática,considerandooconhecimentomaisbemconsolidadoquedispomossobreaproteçãosocialbrasileiraeseufinanciamento.Aolongodotextovamosestabelecerinferênciaserelaçõesentreessasduasexperiênciashistó-ricastãodiferentes,masquesearticulamnadinâmicacomplexadocapitalismocontemporâneo,apartirdeseuslugaresdiferenciadosnahierarquiadospaísesnaeconomiapolíticamundial.
Noentanto,cabeaquiumaadvertência.Paraestabeleceraproximaçõescom-parativas,énecessáriodelimitarocampoefetivamentecomparável.OestudodeElbaum(2011)chamaaatençãoparaaprudênciaqueascomparaçõesinternacionaisrequisitam,poissobosnúmerospodemnãoestarosmesmosconceitosecritérios—eemgeralnãoestão.Portanto,faz-senecessárioharmonizarosconceitosparadelimitarocampomaiscomumpossível,apartirdoqualserádesdobradaaanálise.AreferidaautoraestádiscutindoacomparaçãoentrepaísesdaUniãoEuropeia,masentendemosqueocuidadodeveserredobradoquandoestãoemfocoexperiênciashistóricastãodísparesquantoafrancesaeabrasileira.Eaquiencontramosproble-masreaisnonossocaminhodepesquisa,poisacomplexidadedosistemafrancêsdeproteçãosocialfazopesadelodospesquisadoresestrangeiros(BarbiereThéret,2009,p.16),tornandoárduososestudoscomparadosecolocandoemquestãoos“modelos”quevêmorientandoboapartedessesestudos.16Hádiferençassignifica-tivasentreopadrãodeproteçãosocialfrancêsebrasileiro,especialmentenoque-sitofinanciamento,masnãosó.Estasdificultamsobremaneiraacomparaçãodeseustraçosgeraisquantoàconcepção,coberturaefetiva,relaçãoentredireitosepolíticas,eestruturainstitucional;bemcomoquantoàsincidênciasdasorientaçõesneoliberaisparaapolíticasocialnoperíodoeimpactosdacrise.Noentanto,emquepesemessasdificuldades,oestudocomparativopermiteidentificartendências
16.EmgeralasgrandesreferênciassãoosparâmetrosdeTitmuss(1974)edeEsping-Andersen(1991).Denossaparte, jáfizemos referênciaà importânciadebuscarnas relaçõesentreasclasses,naestruturaprodutiva,naconfiguraçãodoEstado,naculturapolítica,enfim,nahistóriadas formaçõesnacionais,asraízesdastrajetóriasdapolíticasocialemcadapaís,semabrirmãodasuarelaçãocomatotalidadedavidasocial,políticaeeconômicaquemarcaosváriosperíodoshistóricos.Ainserçãodasexperiênciasparticularesnatotalidadeéoquepermiteinferênciascomparativas(Cf.Behring,1998eBehringeBoschetti,2006).Aintrincadalógicafrancesaconfirmaqueesseéumcaminhomaisfecundoqueodostiposideais,aindaquepermaneçanaliteraturaajustificaçãoedefesadesuautilidade(Elbaum,2011,p.49-60).
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gerais,estabelecercorrelações,apanharmediaçõesqueseproduzemnatotalidadeconcreta,eidentificarnovoselementosapartirdeumpatamardeobservaçãore-posicionado.
Opresentetrabalhoresultadeumapesquisasobreoeixodofinanciamento,masparaavançarmosfez-senecessáriomapearodesenhoespecíficodaproteçãosocialàfrancesa(BarbiereThéret,2009,p.7),buscandoeventualmentetraçarlinhasdeencontroedesencontroentreestaeoquetemosnoBrasil.Veremosquedeter-minadaslógicaspercorremaexperiênciafrancesacontemporâneaeabrasileira,jáqueessespaísesconstruíramexperiênciashíbridasdeproteçãosocial,desdobradasdaquelesdoismomentosoriginários(bismarckianoebeveridgeano),oquetambémosaproxima,àdespeitodasdiferenças.
1. França e Brasil: parâmetros constitutivos da análise
Estamosaquitratandodepaísesqueocupamlugaresdiferenciadosnaecono-miaenageopolíticamundial:aFrançaentreospaísesdocentrodocapitalismo,segundaeconomiadaZonaEuroemembrodoG7;eoBrasil:naperiferiaimedia-tadomundodocapital,integrandoogrupodosmercadosemergentes,oschamadosBrics17(Brasil,Rússia,Índia,ChinaeÁfricadoSul),membrodoG20,consideradocomoasextaeconomiadomundo,comumPIBpujante,porémcombinadoàaltaconcentraçãodariquezaeàdesigualdadeperene.Algunselementossãoilustrativosdolugardiferenciadoedarelaçãodesigualentreessesdoispaísesquepossuemumpartenariat stratégique (parceriaestratégica) e liens irréversibles (ligaçõesirrever-síveis),dopontodevistaeconômico.Enquantoexistemcercade450empresasfrancesasemaçãodiretanoBrasileessepaíséoquartoouquintofornecedordemercadorias,emgeralbensmanufaturados,oBrasiléo15.fornecedordaFrança,emgeraldematérias-primas,epossuipoucasempresasatuandoemsolofrancês(EntrevistadoembaixadorPhilippeLecourtier,In:CCIP,2010).
AFrançatinha,em2010,umapopulaçãode64,7milhõesdehabitantes,comumPIBper capitaemtornode€29.900,00(Eurostat,5/6/2012).OBrasilcon-tavanomesmoano,com190,7milhõesdehabitanteseumPIBper capita de
17.Termocriadoem2001peloBancoGoldmanSachsequesetornoucorrentenomainstream econô-mico(cf.Rol,2010,p.112,In:CCIP,2010).
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R$19.073,26(IBGE,3/3/2011),ouseja,paraefeitodecomparação,oPIBper capitabrasileiroemeurospodesercalculadoem€8.562,06.18Sabemosqueoscálculosper capita são sempre limitados, já quequase nada revelam sobre oefetivoacessoàriquezasocialmenteproduzidaeàpropriedade,considerandoasclasseseseussegmentos.Deoutroângulo,nasituaçãoemfoco,abordamospo-deresdecompradiferentesdasduasmoedas.19Contudo,essedadotornaeviden-teque, comumPIBmenor, um territóriodedimensões continentais e longasfronteiras, e umapopulação quase três vezesmaior e commais necessidadeshistoricamenteinsatisfeitas,oBrasil,apesardasaspiraçõesdepotênciaeconô-micahojemaispróximasdesuarealização,estálongedecondiçõesdevidaetrabalhodignasparaamaioriadeseushabitantes.
AFrançaconviveucomoplenoempregofordista-keynesiano(Harvey,1993)dopós-guerraedesenvolveuumEstadoSocialcomamplacoberturaedireitos,mesmoconsiderandoanaturezahíbridadeseupadrãodeproteçãosocial,queire-moscomentaradiante.Nocontextodahegemonianeoliberaledaondalongadeestagnaçãoabertanosanos1970,houveperdasdedireitos,crescimentododesem-pregoeaumentocontundentedapobreza.Nosúltimosanos,noápicedacrise,ataxadedesempregooscilouentre9%e10%daPEA(emjunhode2012,segundodadosdoEurostat), chegandoem9,4%daPEA (estaúltima, em tornode28,1milhõesdepessoasentre15e64anosem2010),20oquecorrespondeacercade2,6milhõesdedesempregados,21dadoqueseria impensávelnoschamadosanosdeouro.Em1975,ataxadedesempregonaFrançaerade3,5%daPEA.22Quantoàpobreza,cujarelaçãocomacondiçãodotrabalhoédecisiva,tem-sequeaspessoas
18.Datadacotaçãoutilizada:31/12/2010.Taxa:2,228reais,Brasil(790)=1Euro(978),BancoCentraldoBrasil.Acessoem:5jun.2012.
19.Vamosutilizarnotextoacomparaçãosimplescombasenataxadecâmbionoúltimodiadoanoemfoco,2010.AOCDEvemdesenvolvendoumindicadorparaanálisesinternacionaiscomparadas,oPPA—ParitédePouvoird’Achat(SchcreyereKoechlin,2002),quenãoseráutilizadonestetrabalho,considerandoacomplexidadedeseucálculoeaplicação.OEurostattambémfornecedadossobreíndicesdepreçoscombasenesseindicadoremsuabaseestatística.NãoencontramosestudossobreoBrasilemcomparaçãocomoutrospaísescombasenesseíndice.
20.Disponível em:<http://www.insee.fr/fr/themes/tableau.asp?reg_id=0&ref_id=NATCCF03170>.Acessoem:7jun.2012.
21.Disponível em:<http://www.insee.fr/fr/themes/tableau.asp?reg_id=0&ref_id=NATASF03362>.Acessoem:7jun.2012.
22.Disponível em:<http://www.insee.fr/fr/themes/tableau.asp?reg_id=0&ref_id=NATnon03337>.Acessoem:7jun.2012.
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quepossuíamum rendimento abaixode 60%damédia nacional (parâmetro: €876,00),em2009representavam18,4%dapopulaçãoeem2010,19,3%(Eurostat,14/6/2012),oquerevelaumatendênciaascendenteevisível,sobretudonoespaçourbanofrancês.
OBrasil não conheceu a situação de pleno emprego fordista-keynesiano,aproximando-se,namelhordashipóteses,doquealgunseconomistasregulacionis-tascaracterizaramcomofordismoperiférico(Lipietz,1988,eSaboia,1988).Estetermo-sínteseprocuramostrarqueaapropriaçãodosganhosdeprodutividadenosacordoscoletivosdetrabalhofoisempreparcialoumesmoresidualnoBrasil,emvirtudedeumacorrelaçãodeforçasbastantedesfavorávelaotrabalho,especial-mentenoaugedestaexperiência,oregimemilitarpós-1964.Acrescente-sequeoacessoaosserviçossociaisedireitosfoisemprelimitado,porlongotemposegmen-tado,deixandolargasparcelasdapopulaçãosemqualquerproteçãomesmoapósaConstituiçãode1988,queinstituiaseguridadesocialnopaís(cf.Boschetti,2003;BoschettieSalvador,2006;eLopes,2011).Naverdade,existeumaforteinforma-lidadenomundodotrabalhoegrandeprecariedadedoemprego,comrepercussõesduradourasnaproteçãosocialbrasileira,sejadopontodevistadaarrecadação,sejadacobertura,considerandoaintrínsecarelaçãoentretrabalhoeproteçãosocial,tantodoladodadespesa,quantodareceita,paraapolíticasocial(Boschetti,2003e2006;Mota,1995).Poroutrolado,osindicadoresbrasileirossobreaquestãodoempregosãopolêmicos.OIBGE,institutopúblicooficialqueproduzoCensoeamaiorpartedosdadosestatísticosdopaís,indicava,emnovembrode2010,umataxadedesocupaçãode5,7%,referenteaumuniversodeseisregiõesmetropolita-nas do país, e não ao conjunto da população economicamente ativa.Envolve,portanto,cercade1,5milhãodedesocupados(masembuscadeocupação)e22,3milhõesdepessoasocupadas,dasquaiscercade10,3milhõespossuemcarteiraassinada,oquesignificaempregocomdireitos,aindaquedentrodascondiçõesdeproteçãodopaís. Istosignificaqueaproximadamente50%daforçade trabalhoocupadaseencontraemcondiçõesprecárias,nainformalidadeesemdireitosad-quiridosdeproteção social.ODieese, órgãode assessoria e estudos ligado aomovimentosindical,porsuavez,consideraseteprincipaisregiõesmetropolitanaseoperacomumconceitomaisamplodedesocupação,oquelevaanúmerosdife-rentese,anossover,maispróximosdarealidade.Segundoessainstituição,existia11,9%dedesempregoabertoemrelaçãoàPEAemseteregiõesmetropolitanas,numcontextodetendênciadequedadodesemprego,secomparadocomoutrosanos.Nãoexisteumcálculoglobalunificadodataxadedesempregonopaís,pos-
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sivelmenteemvirtudedasdificuldadesgeradaspelaaltaocupaçãonainformalida-deenaprecariedade.MasoDieese23revelaumaPEAde107milhõesdepessoasentredeze65anos.Aosubtrairdessaconta1,7milhãodecriançaseadolescentesentredezecatorzeanos,quenãodeveriamserconsideradascomoemcondiçõesdetrabalhar,24teremosumaPEAde105,3milhõesdepessoas,oquemostraafra-gilidadedosnossosindicadoresdedesempregonoscálculosdasduasinstituições,osquaisabrangemcercadeumquintodaPEA,aindaqueestasejaumaamostrasignificativa,deregiõesmetropolitanasimportantes,equereveletendências.
NoqueserefereàpobrezanoBrasil,diretamenterelacionadaàcondiçãodotrabalho,oIBGE(novembrode2011)25esclareceoscritériosparasuaapuração:oProgramaBolsaFamília,detransferênciaderenda, consideraextremamentepobresfamílias com renda domiciliar per capitadeatéR$70,epobres,aquelascomatéR$140.OBenefíciodePrestaçãoContinuadadaAssistênciaSocial(BPC-Loas),programaconstitucionaldetransferênciaderendaquedádireitoaumsaláriomíni-moparaidososepessoascomdeficiência,estabelececomocritériodeacessoumrendimento domiciliar per capitainferioraumquartodesaláriomínimo,tambémdepobrezaextrema.OPlanoBrasilSemMiséria,recentementelançadopelogo-vernoDilmaRoussef,combinaalinhadeR$70derendimentodomiciliarper ca-pita comoutrasdimensões, como faltade saneamentobásico.O IBGE informaaindaque:“ovalordemeiosaláriomínimoper capita,porsuavez,éovalorrefe-rencialnoCadastroÚnicoparaProgramasSociaisdogovernofederal,queconsi-deraapobrezaabsoluta.Jáospaíseseuropeus,emgeral,publicamindicadoresdepobrezamonetáriaapartirdovalorde60%darendamediananacional”.Evidente-mente,nossoscritérios levamàconstataçãodopauperismoextremoeabsoluto,orientandopolíticasfortementefocalizadaseseletivas,oqueinstituiumadiferençaconceitualcentralaserconsideradaemqualqueranálisedosdoisuniversosaquipesquisados,aFrançaeoBrasil.Osaláriomínimolegaléumparâmetroparaaferirapobreza,bemcomoparadestinarprestaçõessociaisnosdoispaíses.Vejamosseuvalorem2010:naFrança,€1.343,77(Eurostat,18/6/2012);noBrasil,R$510,00,
23.Disponívelem:<http://www.dieese.org.br/anu/AnuTrab2010/Arquivos/indicadores_mercadotraba-lho_estruturamerctrabalho_t47.html>.Acessoem:30jun.2012.
24.Oqueconsideramosinjustificávelnasestatísticasoficiaisbrasileiras,especialmenteapósaentradaemvigor,em1990,doEstatutodaCriançaedoAdolescente.
25.DocumentodoIBGE(Brasil)intitulado“IndicadoresSociaisMunicipais2010:incidênciadepo-brezaémaiornosmunicípiosdeportemédio”,nov.2011.Disponívelem:<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2019&id_pagina=1>.Acessoem:14jun.2012.
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oquecorrespondea€228,90.26TemosentãoqueosaláriomínimonaFrançaé5,87vezesmaiorqueobrasileiro.Estaéumadiferençamarcante,mesmoconsiderandoqueosaláriomínimobrasileirorecuperouparcialmenteseupoderdecompranosúltimosanoscomaumentosacimadainflação,baseinclusivedamelhoriasuavedosindicadores sociais brasileiros noúltimoperíodo.Este impactonos indicadoressociais(ex.coeficientedeGini)deu-seinclusiveporqueosaláriomínimoéindexa-dordasaposentadorias,pensõesedoBPC,oqueevidentementenão justifica,anossover,aexistênciadeumanovaclassemédiabrasileira.27Poroutrolado,poder--se-iaargumentarumcustodevidamenornoBrasil.Sobreisso,cabeponderarqueaofertadeserviçospúblicosnaFrança,aexemplodaáguaedossuportesàmoradiaetransporte,educaçãoelazer,bemcomoasalocaçõesfamiliaresparainfânciaedependência,tornamuitofrágiloargumento.Opesodessesitensnoconsumodiá-riodostrabalhadoresbrasileiroséefetivamentemuitomaior.
Paraadensarnossareflexãoacercadasdiferençasentrelaçadas,cabeconside-raralgunstraçosdoprocessohistóricodaformaçãosocialdosdoispaíses.AFran-çarealizouumarevoluçãoburguesaclássica(MooreJr.,1983),comumconjuntodeimplicaçõeseconômicas,políticaseculturaisdelongaduraçãodaídecorrentes.Existenopaísumimpregnadosentidorepublicanodenação,decidadaniaeauto-nomia,eumarelaçãocomomundodotrabalhomarcadapelocontratosocial(nomaisprofundosentidorousseauniano),epordireitosadquiridoseasseguradospeloEstado,mesmocomasreconhecidasperdasrecentes.Éumpaísquerealizouumareformaagráriaampla,éestruturadosobreapequenaemédiapropriedaderural,emarticulaçãocomumaforteindústriadepontademanufaturados.Poroutrolado,aintensaexperiênciahistóricadaslutasdeclasse—aRevoluçãode1789eseusdesdobramentos,aslutasde1848,aComunadeParisem1871,oMaiode1968,agrevegeralde1995,entreoutras—marcaprofundamenteavidapolíticaeaslutassociais,comintensosdebatesnacionais.Hágrandesmanifestaçõesderua,àesquer-daeàdireita,numasociedadeondeessestermosguardamsentido,mesmocomtodososesforçosempreendidosparadiluiressasfronteiras,nocontextodoneoli-beralismoedarestauraçãocapitalistanoLesteeuropeu.MashátambémgrandeseviolentosparadoxosnaterradenascimentodaDeclaraçãodosDireitosdoHomem,
26.Datadacotaçãoutilizada:31/12/2010.Taxa:2,228reais,Brasil(790)=1euro(978).27.Éimpressionantecomoessaconstruçãoideológicada“novaclassemédiabrasileira”setornouuma
espéciedeverdadecorrente,emespecialnacaracterizaçãodomundodosnegócios,queveemestessegmentospoucoacimadaslinhasdraconianasdepobrezacomonovosconsumidores.Cf.Rol(In:CCIP,2010,p.121).
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aexemplodogovernocolaboracionistadeVichy,duranteaocupaçãonazistanaFrança,oudarelaçãocomosargelinosduranteaguerradeindependênciadessepaís,entre1956e1962,entreoutros.Assim,nãosepodenemromantizaraFrançanemsubestimaropotencialdemudançaquealutadeclassesdesencadeianopaís,todavezquevemàtonacomsuasbarricadas.28Essascaracterísticas,váriasanálisesindicam (Duval, 2008;Barbier eThéret, 2009), tiveramnoúltimoperíodoumpapelimportanteemcertacontençãodaofensivaneoliberalsobreosdireitossociaiseaspolíticasquelhesdãomaterialidade,aindaquetenhamocorridoperdas.
OBrasil,porsuavez,chegouàmodernidadeporumavianãoclássica,umaespéciederevoluçãoburguesasemrevoluçãoepeloalto,repletadeprocessosdemodernizaçãoconservadorapelomenosatéaautocraciaburguesade1964-84(Fer-nandes,1987).Suasmarcasdelongaduraçãosão:opesodoescravismo,especial-mentesobrearelaçãocomaforçadetrabalho,localizadaentreatutelaeaforça;aheteronomiaeadependência,queexpressamumsentidodeinserçãonaeconomia--mundovoltadoparaforaenãoparaummercadointernodemassas,esteúltimosemprecontido,diantedesuaspotencialidades;umaculturapolíticaantidemocráti-ca,antipúblicaepatrimonialistanarelaçãocomoEstado,profundamenteenraizadanaburguesiabrasileira,comdesdobramentosparaoconjuntodasociedade(PradoJr., 1942 e2011;Fernandes, 1987; eBehring, 2003).Essesprocessosdeixaramfulcrosimportantesnomundodotrabalho,ondeoconformismoeacooptaçãoto-marametomammuitasvezesolugardaresistência,aindaqueestaúltimaexista.Sãomarcasquefragilizamalutapelosdireitoseparaalémdeles.TaiscaracterísticaspropiciaramobstáculosaosavançosdemocráticospreconizadospelaConstituiçãode1988,queforamatropeladospelacontrarreformaneoliberalavassaladoraapartirde1995,comotivemosaoportunidadededemonstrar(Behring,2003),dentreosquaisaconstituiçãodeumpadrãodeproteçãosocialefetivamenteabrangente.
Essestraçosgerais,equejágeraramtratadosinteiroseclássicossobreosdoispaíses,sãoaquiapenaspontuados,comoobjetivodeconstituirnossopatamardeobservaçãoparaaanálisedalógicadaalocaçãodofundopúblico,29realizadapor
28.Tiveaoportunidadedetraçaralgumaslinhassobremeurecenteaprendizadoacercadosparadoxosfrancesesem:“Outubro.1961.OsilênciosobrearepressãoàresistênciaargelinaemParis”,publicadonoblogMídiaeQuestãoSocial,em7/4/2012,aconvitedeMioneHugon.Disponívelem:<http://midiaeques-taosocial.blogspot.com.br/2012/04/editoria-volta-do-mundo-mundo-da-volta.html>.
29.Sobreofundopúblico,vimosadensandoestacategoriaapartirdeumacompreensãodeseulugarestruturalnocircuitodovalor,tendocomoreferênciaacríticamarxistadaeconomiapolítica.ConferirBehring,2008a,2010e2012a[noprelo].
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meiodoorçamentopúbliconosdoispaíses,quenãopodeservistasemadinâmicadapolíticaedacultura.Afinal,sobosnúmerosdoorçamentopúblicoencontram-sedisputastensaseintensasentreasclasseseseussegmentos.
2. A lógica da alocação do fundo público: orçamento no Brasil e na França
Estabelecidososparâmetros,trata-seagoradeperscrutarsemelhançasedife-rençasnaorganizaçãodoorçamentopúblico,oqualrevelaosentidodaalocaçãodofundopúbliconosdoispaíses,buscandoidentificarospesospercentuaisdasdespesaspúblicasemalgunsitenscentrais,bemcomoalgumascaracterísticasdasreceitas.Nossoobjetivoéodeidentificartendênciasdacomposiçãoedaalocaçãoderecursos,naperspectivadeobservarondeessasexperiênciasseentrelaçameseafastam.
NoEstadonacionalfrancês,desde2006,entrouemvigoraLolf(LoiOrgani-queRelativeauxLoisdeFinances),queregeaconstruçãodoorçamentoeapres-taçãodecontas,reformandoumaleide1959queatéentãoorientavaesseprocesso.SegundoaLOLF,oorçamentoéconstruídoapartirdemissions(missões),omaiornívelde agregaçãodedespesas, seguidodeprogrammes (programas) eactions (ações),níveisdeagregaçãomenores, emescaladecrescente.Essaorganizaçãogeralcorrespondeàsfunçõesnoorçamentobrasileiro,àsquaisseseguemassubfun-çõeseprogramas,que,porsuavez,sedesdobramemprojetos,atividadeseações.ExistemnaFrança32missões,123programaseemtornode500ações(Didier,2011,p.9;Baslé,2004,p.26-7).JánoBrasil,temos28funções,43subfunções,eapósesseníveldedesagregação,osdiversosprogramasseguidosdeatividades,projetoseações(MTO,2010,p.108-111).Paraefeitodecomparaçãogeraldaló-gicadealocaçãodofundopúbliconosdoispaíses,vamosestabelecercorrelaçõesentreos níveismaioresde agregaçãodos recursos, ou seja,missões e funções,podendorecorrereventualmenteaosníveisimediatamentesubsequentesparaes-clarecerdinâmicasdeterminadasouaproximaragregadosentreosdoispaíses.
DiferentedoBrasil,ondeexistemtrêsorçamentosquecompõemoOrçamen-toGeraldaUnião (OGU)desdeaConstituiçãoFederalde1988—OrçamentoFiscal,OrçamentodaSeguridadeSocialeOrçamentodasEstatais—,aFrançaadotaumorçamentodoEstadoNacional,denaturezafiscal.ASécuritéSociale,cujacomplexidadeseráabordadanoitemsubsequentedestetexto,possuiumor-
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çamentoseparadoereguladopelaLOLFSS(LoiOrganiqueRelativeauxLoisdeFinancementdeLaSecuritéSociale),queorientaasLFSS(LoisdeFinancementdeLaSecuritéSociale), leisanuais tambémaprovadasnaAssembleiaNacional(Parlamentofrancês),mascujotrâmiteédiferentedaLoidesFinances.NoBrasil,criou-se,naConstituiçãode1988,umOrçamentodaSeguridadeSocialemsepa-rado,sobgestãodoEstado,masquesofrefortementeasinjunçõesdasdisponibili-dadesdecaixa,oquesignificaestaremseparadoma non troppo (masnãomuito!),apesardosdesejosconstituintes. Explicamo-nos:asincidênciasdosajustesfiscaisbrasileiros,aexemplodapersistênciadaDesvinculaçãodeReceitasdaUnião(DRU)edosuperávitprimário,atingemprofundamenteosrecursosdaSeguridadeSocialbrasileira.30IstonãoocorrecomaSécuritéSocialefrancesa,emqueessesmeca-nismosdepunçãoexclusivamentefiscalderecursosnãoexistem,pelocontrário,háinversãocrescentederecursosfiscaisparaamesma.Essadinâmicatemrelaçãocoma concepçãodaSécuritéSociale naFrança, comoveremos adiante.Mas,quantoaoBrasil,tallógicaguardaraízesprofundasnoseulugarsubordinadonaeconomia-mundo,suavulnerabilidadeexternae,dopontodevistapolítico,suasdificuldades—quetemorigemnadinâmicadasclassessociais—deexercíciodasoberania,considerandoaspressõesheteronômicasaquefizemosreferênciaante-riormente.Porfim,quantoàprestaçãodecontas,aFrançacontacomumaCourdesComptes,equivalenteaoTribunaldeContasdaUniãonoBrasil,ecomobjetivosbastantepróximos:subsidiaroParlamentonaaprovaçãoounãodascontaspúblicas,apartirderelatóriosconsubstanciadosglobaisouparciaisepareceres.
Ocicloorçamentáriofrancêstemduraçãodetrêsanos,envolvendooDOB(Débatd’OrientationBudgétaire),queinicianoParlamentoemjunhonoanoante-rioraoexercício,egeraaapresentaçãopeloexecutivodoPLF(ProjetdeLoideFinances)emoutubro,culminandocomaaprovaçãoemdezembrodaLFI(LoideFinances Initiale).No anode exercícioo orçamento é executado,mas existe apossibilidadedeproporretificaçõesaoorçamento,pormeiodaapresentaçãoaoParlamentodeumaLFR(LoideFinancesRectificative).Concluídaaexecução,háaLR(LoideRèglement),quemostraomontantedefinitivodedespesasereceitase fechaociclo (Didier,2011,p.11;Baslé,2004).Estaúltimaéequivalenteao
30.VimosmostrandoessadinâmicaapartirdaspesquisasdesenvolvidasnoâmbitodoGrupodeEstu-dosdoOrçamentoPúblicoedaSeguridadeSocial(GOPSS),acompanhandooOrçamentoGeraldaUniãodesdeoanode1997.Conferir:Behring,2008b.Vertambém:publicaçõesdeAnálisedaSeguridadeSocialdaAnfip,disponíveisem:<http://www.anfip.org.br/>eBoschettieSalvador,2006.
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BalançoGeraldaUnião(BGU)eessessãoosdocumentosbaseparaotrabalhodostribunaisdecontasdosdoispaíses.
Ambososciclosorçamentáriossãomistos,propostospeloExecutivoeapro-vadospeloLegislativocomsuportedoTribunaldeContas,epossuemumadinâmi-caanualsemelhante:aLDOequivalendoaoDOB,mascomcaracterísticadeLei;aLeiOrçamentáriaAnual equivalendo àLFI, inclusive comapossibilidadedemudançasretificadoras;eoBGUequivalendoàLR.Porémocicloorçamentáriobrasileirotemalgunstraçosdiferentes,quandocomparadoaofrancês.AConstitui-çãode1988introduziuoPlanoPlurianual(PPA),queenvolveumplanejamentodosinvestimentospúblicosemetasfísicasporumperíododequatroanos,orientandoaformulaçãodasleisanuais.Apenasrecentemente,emfunçãodeexigênciasdaUniãoEuropeia(EU),aFrançaintroduziunocicloorçamentárioumaLoideProgramma-tiondesFinancesPubliques,comvigênciadequatroanosequeorientaaconstruçãodosciclosanuaiseaanálisedaprestaçãodecontas(CourdeComptes,maio2011).Aexistênciadosjáreferidosorçamentofiscal,daseguridadesocialedasestatais,edeumvolumemaiordeprogramas,desagregadosemníveisaindamenoresdealo-caçãoderecursostornaoorçamentopúblicobrasileiromaiscomplexo.PensamosquehouvenoBrasilumalouvávelbuscanotextoconstitucionaldeassociarplane-jamento,orçamentoecontinuidadedeações,numpaísqueprecisa induzir esseprocessopeladificuldadedeenraizamentodosentidodepúblicoemsuaburocraciaenasociedade—emespecialseconsideramosqueaConstituiçãode1988marcaofimdevinteanosdeopacidadedaditaduramilitar-civil.Mas,aomesmotempo,permanecegrandeafragmentaçãodosrecursos,oquetornaárduooacompanha-mentoorçamentário,mesmocomosavançostecnológicosnonívelfederaleemalgunsentesfederativossubnacionais.31
Paraosobjetivosdeste estudo, tendo emvista realizar reflexões sobre aalocaçãodofundopúblico,comdestaqueparaosgastossociais,noBrasilenaFrança,vamosobservaroanodeexercíciode2010nosdoispaíses,analisandosuasprestaçõesdecontasnacionais,apartirdasgrandeslinhas,ouseja,dasmis-sionsedasfunções,queindicamtendênciasgeraisdogastopúblico.Evidente-mentenãoépossívelestabelecercorrelaçõesapartirdevalorescorrentes,consi-
31.OsestadosemunicípiosbrasileirosnãotêmamesmatransparênciadoOrçamentodaUnião,oquetornabastantedifíceisoscaminhosdaspesquisasnessesníveisdafederação.Valelembrarqueapenasem2002oconjuntodosmunicípiosbrasileirospassouporforçalegalaadotarocicloconstitucional,aquiapresentado.
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derando que não trabalhamos aqui com o poder de compra das respectivasmoedas noperíodo estudado.Estabelecemos termosde comparaçãopossíveisentrepercentuais,utilizandooeuro(€)comoreferência,ouseja,convertendoosvalorescorrentesemreaisparaoeuro.Analisaremososdadoslevantadossobreaexecuçãoorçamentárianoanode2010,apartirdospercentuaisemmissions e funçõesmaisimportantesecomparáveisentresi,comopartedogastototalefe-tivamentealocadonoanodeexercíciode2010peloEstadoNacionaleadminis-traçãodaSécuritéSociale—RégimeGénérale(França)epelaUnião(Brasil),considerandoOrçamentoFiscaledaSeguridadeSocial,sendoqueesteúltimoenglobaoRegimeGeraldaPrevidênciaSocial(trabalhadoresdosetorprivado).Assim,éimportantedeixarclaroquenãoestamosconsiderandoaalocaçãodere-cursos dos entes subnacionais, o que tem algumas implicações, a exemplo dasaúde,daassistênciasocialedaeducaçãonoBrasil,bemcomoemaide e action sociale,entreoutras,naFrança,querecebemrecursosimportantesdosentesfede-rativossubnacionais,aindaqueessefatonãoalteregrandestendências,cujaiden-tificaçãoéoqueperseguimosnesteestudo.Nãoestamosconsiderando tambémregimesespeciaisdeprevidênciaedofuncionalismopúbliconosdoispaíses,masoregimegeral,queademaisreúneamaiorpartedosrecursospúblicosemPrevi-dênciaSocial(assurance)nosdoispaíses.Analisemos,então,asTabelas1e2,naspáginasseguintes.
ATabela1consideraaexecuçãoorçamentáriadoanode2010,tomandocomofontesosdadosdaLR,aanálisedaCourdeComptes(maiode2011)edocumentosoficiais sobreaprestaçãodecontasdaSécuritéSociale—RegimeGéneral,naFrança,comdestaqueparaLesChiffresClésdeLaSécuritéSociale2010(Drees,2011).NoBrasil,trabalhamoscomosdadossistematizadosnoBalançoGeraldaUnião—BGU(OrçamentoFiscaledaSeguridadeSocial),aanálisedoTCUeoutrosdocumentoscomplementares,paramostraropesodedeterminadasdespesasdoorçamentonacional,comparáveisentreosdoispaíses,sempreconsiderandoosvalores efetivamentedespendidosno ano, ou seja, osCrédits dePaiements surfactures(CP)naFrança,easDespesasRealizadas(Brasil).Realizamosoesforçodereunirdespesasqueequivalemaummesmouniversonosdoispaíses,deformaque,nocasofrancês,somamosoorçamentodoEstado(fiscal),de€412,6bilhõeseodaSécuritéSociale—RegimeGeneral,de€306,5bilhões,quenãoaparecemassimreunidosnascontasnacionais,aocontráriodascontasbrasileiras.ATabela2relacionaosmesmosdadoscomoPIBdosdoispaísesdoanode2010,deformaquepodemosvislumbrarogastopúblicocomopartedariquezanacional.Estedado
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23Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 7-52, jan./mar. 2013
éimportanteporquerefleteapartedariquezanacionalqueéinvestidaemdetermi-nadoseixos,dizendosobreoníveldecoberturasocializadadasnecessidadessociaisesobreaapropriaçãodariquezanacionalpelasclasseseseussegmentos.Apartirdosdadossistematizadosnasduastabelas,podemosdesdobraralgumasconsidera-çõesanalíticas.
Aprimeiraédenaturezageraleumtantoóbvia:apesardealgunsdadosquan-titativosseremaparentementepróximos—háumadiferençadecerca100bilhõesdeeurosentreumorçamentoeoutro(amaisparaaFrança),apósaconversãodoorçamentobrasileiroparaoeuro—nãosepodeperderdevistaqueoimpactodogastopúblicofrancêsserámaior,considerandootamanhodapopulação,ograudeconsolidaçãodaspolíticaspúblicas,deestabelecimentodeacordoscomospartenai-res sociaux (empregadoresetrabalhadores),32edecontinuidadeadministrativa.Secalcularmosovolumederecursosorçamentáriosper capitainvestidosnaFrançaenoBrasilem2010,chegamosaovalorde€11,2mil(França)para€3,5mil(Brasil),ouseja,aFrançainvesteaproximadamentetrêsvezesmaisqueoBrasilporhabitan-te.Masesseéumdadomuitogeral,poisnãorevelaefetivamenteaquaissegmentossedestinamosrecursos.Paraextrairelementosmenossuperficiaisprecisamosnosaproximarmaisdosdados.
Nossaatençãovolta-seentãoparaopesodadívidapúblicanosorçamentosdosdoispaíses.Arelaçãodívida/PIBtemsidoumimportanteindicadordesaúdeeconômicanacional,sobretudoquandosetratadefornecerindicadoresaomerca-dofinanceiroeaplicarpolíticasdeausteridade,justificadasemnomedocontroledosgastospúblicospororganismoscomoFMIouBancoMundial.Arelaçãodí-vida/PIBdaFrança,em2010,encontrava-senamarcade82,3%esaltoupara86%,em2011(Eurostat,11/6/2012).EssemesmoindicadorparaoBrasilfoi,segundooRelatóriodoTCUsobreoano-exercíciode2010,de55%,considerandoocon-ceitodeDívidaBrutadoGoverno-Geral(envolvendoUnião,estadosemunicípios,masexcluindoestataiseoBancoCentral),ede40,3%conformeoconceitodeDívidaLíquidadoSetorPúblico(envolvendoapenasaUniãosemasempresasestataisfederais).OutrosnúmerossobreoBrasilaparecemconsiderandoconcei-tosdiferenciados:78%em2011,segundoaAuditoriaCidadãdaDívida;3366,1%
32.Otermo,muitoutilizadonodebatefrancês—acadêmicoemidiático—sobreapolíticasocial,refere-seaoconjuntodeorganizaçõesenvolvidasnagestãodamesmaeemmesasdenegociação.Nocasoda Sécurité,trata-sedasorganizaçõespatronaisedostrabalhadores,bemcomodoEstado.
33.Conferir:Os números da dívida(FattorellieÁvila,2012).
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Cultura
2,9
0,4
1,4
0,63
0,09
Écologie,développementet
aménagem
entdurables
Gestãoam
biental
15,4
2,1
3,7
1,66
0,24
EngagementsFinanciersd
el’É
tat
(Program
me:Chargedeladetteet
trésoreriedel’É
tat)
Encargosespeciais***(subfunções
relacionadasàcargadadívidapública)
40,5
5,6
581,3₃
260,91
38,6
Enseignementscolaireetrechercheet
enseignementsupérieur*
Educação
73,8(61,6e12,2)
10,2
48,5
21,77
3,22
Justice
JudiciáriaeEssencialàJu
stiça
6,9
0,9
22,8e5,4
Total:28,2
12,66
1,87
Rechercheetenseignem
entsupérieur**
CiênciaeTecnologia
34,6
4,8
7,5
3,37
0,49
Regimesso
ciauxetderetraite
PrevidênciaSocial(R
GPS)
5,6(LR)95,3(BrancheVeillesseRegimeGeneral)
7,9(BrancheAT-MPRegimeGeneral)Total:108,8
15,1
326,5
146,54
21,69
Santé
Saúde
1,1(LR)142,1(B
rancheM
aladie,
RegimeGeneral)Total:143,2
19,9
61,8
27,74
4,1
Solidarité,insertionetégalitédechancesAssistênciaSocialeDireitosd
aCidadania
12,6(L
R,incluindoRSA
)41,9(BrancheFam
ille,
RegimeGeneral)Total:54,5
7,5
39,1e1,8
Total:40,9
18,36
2,71
Sport,jeunesseetvieassociative
Desportoelazer
0,8
0,1
10,45
0,06
Villeetlogement
Habitaçãoeurbanism
o8,6
1,2
0,17e4,8
Total:4,97
2,23
0,32
Défense
DefesaNacional
39,1
5,4
32,2
14,45
2,13
Travailetemploi
Trabalho
14,7
231,4
14,09
2,08
Sécurité
Segurançapública
16,3
2,2
9,7
4,35
0,64
Autresm
issions
Outrasfunções
159
22,6
325,8
146,23
21,76
Orç
amen
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tal
412,6(LR)306,5(R
GSS)Total:719,1
100
1504,9
675,45
100
Font
es:ParaaFrança,consideramosasinformaçõesdaLR
2010edosseguintesdocum
entosoficiais:D
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edereceitas,queestãodistribuídasem
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pensões),m
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P(acidentesdetrabalho)efa
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iliares).Estasúltimasforamaquiequiparadascom
aassistênciasocialbrasileira,m
asverem
osadiantequeoBrasildesconheceesse
conjuntodedireitoseprestaçõesqueestãoentreosegurocontributivoeprestaçõesdeajudasocial.N
ocasodoBrasil,utilizamososdadosdoOrçam
entoFiscaledaSeguridadeSocialdoBalançoGeraldaUnião
(BGU,2010).Elaboraçãoprópria.
*Paraefeitosd
ecomparaçãodoconjuntodoorçam
entoparaaEducaçãonaFrançaincluímosoProgram
aFormationsSuperieuresetR
echercheUniversitaire(F
ormaçãosu
periorepesquisauniversitária).
**Datadacotaçãoutilizada:31/12/2010.Taxa:2,228reais,Brasil(790)=1euro(978).BancoCentraldoBrasil.Disponívelem:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>.
***Contabilizadosap
enasosgastoscom
encargoseam
ortizaçõesdad
ívidap
úblicainternaeexterna.AfunçãoEncargosE
speciaisincluiosgastosprevidenciáriosdaU
niãoetransferênciasaosdem
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eenglobouem2010um
volum
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Sécurité
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entoFiscaledaSeguridadeSocialdoBalançoGeraldaUnião
(BGU,2010).Elaboraçãoprópria.
*Paraefeitosd
ecomparaçãodoconjuntodoorçam
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aFormationsSuperieuresetR
echercheUniversitaire.
**Datadacotaçãoutilizada:31/12/2010.Taxa:2,228reais,Brasil(790)=1euro(978).BancoCentraldoBrasil.Disponívelem:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>.
***Contabilizadosap
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niãoetransferênciasaosdem
aisentesfederativos
eenglobouem2010um
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![Page 20: ARTIGOS França e Brasil - SciELO · Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 7-52, jan./mar. 2013 7 França e Brasil: realidades distintas da proteção social, entrelaçadas no fluxo](https://reader035.vdocuments.mx/reader035/viewer/2022071223/607eb89f2b709b008e4aff55/html5/thumbnails/20.jpg)
26 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 7-52, jan./mar. 2013
em2010,conformeoFMI;34e40,2%conformeestudodaOCDE35edeclaraçõesdogovernonaimprensa,provavelmentereferindo-seaosegundoconceitocitadopeloTCU.Comosepodeidentificar,sãoíndicesdísparesequerevelamumpro-blemadefaltadeconsensoedetransparênciadodado.Porém,aquestãocentralé:apesardeasaúdeeconômicabrasileiraapresentar-se,segundotodososíndices,aparentementemelhor,opaíscanaliza38,6%36de seus recursosorçamentáriosparaopagamentodejuros,encargoseamortizaçõesdadívidapública,conside-randonafunção“Encargosespeciais”assubfunçõesquesereferemaos“Serviçosdasdívidasinternaeexterna”eaorefinanciamentodeambas(Tabela1).ComoproporçãodoPIB,trata-sedeumcomprometimentode15,81%,em2010(Tabe-la2),anoemqueoPIBteveumaltoeatípicocrescimentode7,5%,dandoaim-pressãodequeoBrasilpassariaincólumeàcrise,oquenãoseconfirmounase-quência,quandovoltouaumcrescimentodoPIBemtornode2,7%,em2011(TCU,RelatórioAno-Exercício2011).
AFrançarealizouumdispêndiode5,6%deseuorçamentopúblicoquantoaosseuscompromissoscomadívidanomesmoanode2010(Tabela1),oquerepresentou2,09%doPIB(Tabela2).NoBrasil,osencargoscomadívidasãoo primeiro item do gasto público, estando à frente da seguridade social.NaFrança,estespassaramaserosegundomaioritemnogastofiscal(OrçamentodoEstado),depoisdaeducaçãonacional.Se incluímosaSécuritéSociale—RegimeGeneral,osencargoscomadívidacaemparaoquintolugar.Mesmoassim,aevoluçãodoendividamentoeseupesonogastofiscalcausampreocupa-çãoeinquietaçãonaFrança,ondetambémexistemmovimentosorganizadosemtornodaauditoriadadívidapública,especialmentenoquedizrespeitoàsope-
34.FMI,Perspectives de l’Économie Mondiale. Reprise, Risques et Réequilibrage,out.2010.35.OCDE,EstudosEconômicosdaOCDEBrasil,out.de2011.Disponívelem:<http://fgvprojetos.fgv.
br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/Overview%20Brasil%202011%20%28port%29_1.pdf>.Acessoem:11jun.2012.
36.PublicaçãodaAuditoriaCidadãdaDívidaestimoupara2010umpesodadívidanoorçamentopúblicode44,93%(InformativodaAuditoriaCidadãdaDívida,Brasília,2011),maiorqueodadoaquien-contrado.Noentanto,vamosoperaraquicomodadoapartirdasfontesoficiais,oquenãoalteraastendên-ciasquevamosapontar.Estaimportanteorganizaçãotemrealizadoumtrabalhoincansáveldeesclarecimen-to e denúncia do odioso endividamento brasileiro. Seu cálculo da relação dívida/PIB considera juros,encargos,amortizaçõesearolagemdadívida,oqueimplicaumdadomaiorqueooficialsobreessarelação,masquetornamaistransparenteopesodoendividamentodopaís.Cabeesclareceraindaqueafunção“En-cargosespeciais”englobaoutrosgastos,aexemplodastransferênciasconstitucionaisaestadosemunicípios,quenãoentraramnessaconta.
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27Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 7-52, jan./mar. 2013
rações de salvamento das instituições bancárias na sequência do estouro dacrise,em2008(Chesnais,2011).
EstesnúmerosnosmostramqueaFrançaeoBrasilestãoenvolvidosnopro-cessoglobaldepunçãodofundopúblicopelocapitalfinanceiro(Behring,2010),masemescalasecompatamareselevadíssimosdecomprometimentodosrecursosorçamentáriosdiferentesecomimpactostambémdiferenciadosnasociabilidade.Ou,melhordizendo:níveisdesiguaisdesocializaçãodoscustosdesseprocesso.AFrança,aoquetudoindica,realizaumagestãocommaiorsoberaniadesuadívida,dispondodemargensdemanobradiferenciadasemaiores,inclusiveporquecompõeosnúcleosdecisóriosdasinstituiçõesmultilaterais,comrelaçõesvisceraiscomoscredores.Outroaspectoquepossivelmentecorroboraparaessamargemmaiordemanobraéanaturezadadívidafrancesa,demédioelongoprazo,emenossensívelàespeculação,emquepeseasagênciasdenotaçãoderiscodesferiremdurosgolpessobreopaísnoúltimoperíodo,amplamentedivulgadosnaimprensa.UmregistrofundamentaléodequeaFrançanãopraticataxasdejurosescorchantes:astaxasdejurosestiveramem2010fixadasem0,75%emcurtoprazo,eem3,11%emlongoprazo.37Essamesmaorientaçãonãoseaplicaaospaísesperiféricos,dentreosquaisoBrasil,quevemmantendotaxasanuaisdejurosempatamareselevadís-simosparamanterseusníveisdeatratividadedoscapitais,comforteimpactonadívidapúblicaeprivada.Astaxasdejurososcilaram,em2010,entre8,65%(janei-rode2010)e10,66%(dezembrode2010).38
AFrançanãocompromete,tãointensaediretamentecomonoBrasil,ofinan-ciamentodaSécuritéSocialeedeoutraspolíticaspúblicasnesseprocessodefavo-recimentoaorentismo,aindaquedestineumvolumederecursosorçamentáriossignificativoparaessessegmentos.Poroutroângulo,épossívelafirmarqueháumcomprometimentoindireto,aumavisívelerosãoedecadênciadepolíticaspúblicasantesconsistentes,bemcomoaprofundamentodadesigualdadenosacessosantesconcebidosparaseruniversais.HáestudosquemostramoimpactodaspolíticasneoliberaisnaFrança,aindaquetalvezsejaopaísquemaisresistiuaessaspolíticas.Vejamosalgunselementosqueilustramosimpactosemimportantespolíticaspú-blicas.AFrançaadotouumapolítica,nocontextodacontrarreformadoEstado,de
37.Insee,Tauxd’intérêtàcourtetàlongtermeparpays.Disponívelem:<http://www.insee.fr/fr/themes/tableau.asp?ref_id=CMPTEF08205®_id=98>.Acessoem:11jun.2012.
38.ConferirBancoCentraldoBrasil,HistóricodasTaxasdeJuros.Disponívelem:<http://www.bcb.gov.br/?COPOMJUROS>.Acessoem:11jun.2012.
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nãosubstituiçãodosfuncionáriosaposentadosnaproporçãodeumparacadadois,extinguindopostospúblicosdetrabalhoemnomedogerenciamentodoscustosdepessoalparadiminuirodéficitpúblico.ACourdeComptes(2011)ponderasobreaeficáciadessapolítica,masnãopeloaspectoquevemsendosinalizadonasaná-lisesmaiscríticas: suapreocupaçãoécomanãoocorrênciadasaposentadoriasprevistaseaausênciadeumapolíticacoordenadacomasremunerações.Dopontodevistadoacessoaosserviçospúblicos,oimpactodessamedidafoi,porexemplo,asupressão,entre2007e2012,de80milpostosdetrabalhonoensinoescolar,oquesetornouumaquestãocandentenodebatedasrecenteseleiçõespresidenciais.Numaclaracombinaçãocomoprocessodeempobrecimentodapopulação,esinaldequeaspolíticasdeproteçãoemcursonãoestãoconseguindofazerfrentedeformasuficiente,hánaFrançaoreaparecimentodefocosdedoençaserradicadas,aexemplodatuberculoseemClichy-sous-Bois,noticiadoemtomdedenúnciapeloLe Monde(29/9/2011).Nessemesmomês,oLe Monde(21/9/2011)sinalizavaumaumentode4,6%donúmerodedetentosnosistemacarcerário—emtornode63.602pessoasem2011,segundoojornal.Masaquestãoquechamaaatençãonessamatériaéadiminuiçãodonúmerodefuncionáriospúblicosesuascondiçõesdetrabalho,considerandooaumentodademanda,quemostraafacedacriminali-zaçãodospobres.Outraquestãoemfoconopaíséamoradia.EstudodaFondationCopernic(2012)mostraqueaFrançaviveumaespéciedeboomdeespeculaçãoimobiliáriadesde2000,comumaaltadospreçosdosaluguéisemtornode118,2%quenãofoiacompanhadapelarendadasfamíliasdoslocatários.Oresultadofoiumcrescimentode96,6%nonúmerodeexpulsõesdefamíliasdehabitaçõesentre2000e2010.Omesmoestudomostraos superlucrosdo setor imobiliário, quecrescerammuitoacimadaevoluçãodoPIBeforamalimentadostambémporme-didasfiscaisfavorecendoosetor.39ACourdeComptesrecomendava,emfinsde2011,umaportederecursosdeurgênciaparaossemteto(Le Monde,16/12/2011),criandomaisvagassociaisnaszonasurbanassobfortetensão.Enquantoisso,osmovimentossociaisdenunciamaexistênciade2,12milhõesdehabitaçõesvazias,dadooficialdoInsee,oquemostraafaltadeaplicaçãodaleiderequisiçãoetam-bémodesengajamentofinanceirodoEstado,apartirdobaixofinanciamentodahabitaçãosocialedasalocaçõesdehabitação.Defato,observa-senaTabela1queaMissionVilleetLogementconsomeapenas1,2%dadespesapúblicafrancesa,oquecorrespondeaapenas0,44%doPIB.Aindaassim,oaportepúblicoémaior
39.Esteseoutrosdadospodemserencontradosem:<www.contrelelogementcher.org>.
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quenoBrasil,ondeospercentuais são0,32%doorçamentoe0,13%doPIBeexistempolíticasbastanteresiduais,mesmocomseugigantescodéficithabitacional,umadasrazõesdeexistênciadasconhecidasfavelasbrasileirasedeumsem-nú-merodehabitaçõeschamadassubnormais.
Emquepeseessesimpactos,aFrançanãoimplementaosuperávitprimáriocomooBrasil,ondeasconsequênciassãoevidentementemaisdramáticas.OSol-deBudgétairePrimaire(SBP)éumparâmetroeconômicoenãoumaobrigaçãoasercumpridaaqualquercusto,mesmocomosdraconianosindicadoresdesusten-tabilidadedaCommissionEuropéene(Elbaum,2011,p.455-457).Osaldoprimá-riodaFrançavemsedeteriorandotantoquantoosaldoglobal(CourdeComptes,2011,p.34),masnãoimplicaumaescolhapolíticadedeliberadamenteproduzirumsaldopositivoparasinalizaraomercadocondiçõesdepagamentodedívida.UmmecanismotãoperversocomoaDesvinculaçãodeReceitasdaUnião(DRU)nãoexistenaFrança.ADRUalimentaosuperávitprimárionoBrasil,retirando20%dasreceitasdeimpostosecontribuiçõessociais,sendoqueestasúltimasfi-nanciamaseguridadesocial(paraalémdascotizaçõesdeempregadoseemprega-dores),paracomporasreservasnacionaisoupagardiretamentejuroseencargosdadívidaqueestãoexpressosnestepercentualde38,6%doorçamentofederal.Sãomedidasinjustaselesivas,quevêmsendoadotadasnoBrasildesdeoacordocomoFMIde1999(casodosuperávitprimário),edesdeoPlanoReal(1994),quandofoicriadooFundoSocialdeEmergência,depoisFundodeEstabilizaçãoFiscal,ehoje,DRU,mecanismocujoúnicoobjetivo—aindaquealegislaçãoquearegulaaponteoutrositens—temsidoodegarantirreservascambiaisqueasseguremoscompromissoscomoscredoresnacionaiseinternacionais,queespeculamcomorisco-paísatribuídopelasagênciasdenotaçãodetítulos,40deformaquequalqueralteraçãonessaarquiteturaperversaproduzfortesabalosnavulneráveleconomiapolíticabrasileira(FilgueiraseGonçalves,2007).
Destacamosaindaoutrosdadosparaanálise.Asdespesascomeducaçãoepesquisacientíficasãocentrais,jáquesãoestruturantesparaaautonomiadequal-querpaís,hajavistaoacessoà informação,a formaçãoda forçade trabalhoe,muitoespecialmente,olugardaspatentesnaeconomiamundo(Chesnais,1996).AFrançaalocou10,2%deseuorçamentonacionalemeducação,considerandoaquiostrêsníveisdeensinoe4,8%empesquisa(comrecursosparaasuniversidadese
40.Paraumaleituracríticadopapeldessasagênciasmantidaspelograndecapitalfinanceiroeoimpac-todesuaconsultorianaeconomia-mundo,consultarChesnais,2011;Didier,2011eLordon,2008.
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centrosdepesquisa),ouseja,essesdoisitensreunidosenglobam15%doinvesti-mentopúblico(Tabela1)eenvolvem5,78%doPIB(Tabela2).OBrasildestinou3,22%dosrecursosorçamentáriosfederaisparaaeducaçãoe0,49%paraciênciaetecnologia,oqueresultaem3,71%dadespesatotaldoanode2010(Tabela1),que equivale a1,51%doPIBnasduas rubricas (Tabela2).Enquanto aFrançagastaduasvezesmaiscomeducaçãoeciênciaetecnologiaquecomadívidapú-blica,oBrasilgastadezvezesmenoscomeducaçãoeciênciae tecnologia,emcomparaçãocomosencargosdadívida.Alémdoevidentereforçodaheteronomiabrasileira,esseelementosignificamaisduasconstataçõessobreoBrasil:aconde-naçãoàcondiçãodedependênciaehipotecadeseufuturo,bemcomooenormecampoabertoparaamercantilizaçãodaeducação,diretamenterelacionadoàbaixaofertadaeducaçãopública.Naverdade,éaofertaprivadaquecresceexponencial-mente,oqueapontaumgraveproblemadeacesso,sobretudoaoensinosecundárioeuniversitário.ExistemercantilizaçãodaeducaçãoemcursotambémnaFrançadehojeemumaescalaquenãotivemoscondiçõesdeaferir,masqueévisívelnosgrandescentrosurbanos,emgeralarticuladaàempregabilidade,equeatinge,so-bretudo,oensinosuperior,apósosacordosdeBolonha.Comodissemos,essaéumamarcadeperíodoequeserelacionaaosprocessosdesupercapitalizaçãoana-lisadosporMandel(1982).Noentanto,obaixograudeofertapúblicanoBrasil,correspondeaumboomdaofertaprivada,muitasvezesdebaixaqualidade,espe-cialmentenosníveismédioesuperior.Portanto,seamercantilizaçãoéumproces-soqueentrelaçaosdoispaíses,aofertapúblicanessecampoosdiferenciaabsolu-tamente,jáquenaFrançaaescaladadamercantilizaçãonaeducaçãopermanecesendoresidualeencontrafortesresistências.Podemoschamaraatençãotambémparaogastocomacultura.Osvaloressãobaixosparaosdoispaíses,masaindaassimaFrançainvesteotriplodosrecursosalocadosnoBrasil:0,4%doorçamen-toe0,14%doPIB,naFrança;e0,09%doorçamentoe0,03%doPIBnoBrasil.Evidentemente,osbensculturaissemosuficienteaportepúblicosãoapropriadospelaindústriaculturalepordinâmicasprivatistasedoespetáculonosdoispaíses,oqueincluirenúnciafiscalparaosmecenasdaarte,dentreosquaismuitasinsti-tuiçõesfinanceiras.NocasoespecíficodaFrança,oenormefluxodoturismocul-turaleumadinâmicadeproduçãoculturalmuitoconsolidadapermitem,apartirdopagamentodetaxas,receitasdemanutençãodoimensoeimpressionantepatrimô-nioartísticoeculturaldopaís.NoBrasil,sãobastanteconhecidasasdificuldadesdeconduzirumapolíticaculturalconsistenteequeapoiemaculturapopular—que
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ademaispossuiumcomponentederesistêncianopaís—emantenhamopatrimô-niohistórico,artísticoeculturalnumpaísdedimensõescontinentais.
Seobservarmosaindaaquestãomilitar,veremosqueessetambéméumele-mentoasercomentadonogastopúblicodosdoispaíses.Peloseulugarnageopo-líticamundial,alémdaquestãodosterritóriosdeultramar,herançadocolonialismo,aFrançadestina5,4%deseuorçamentoparaadefesa.JáoBrasildestina2,13%derecursosnessarubrica,ouseja,duasvezesmenosrecursos,aindaqueapartici-paçãobrasileiranasmobilizaçõesdeforçasinternacionaistenhacrescido(Tabela1).ComoparceladoPIBdosdoispaíses,temosqueaFrançadestina2,01%,eoBrasil, 0,87% (Tabela2).Exemplodessenovo lugardoBrasil é apresençadeforçasbrasileirasnoHaitiháoitoanoseseuesforçodiplomáticoparacomporoConselhodeSegurançadaONU.Masessaparticipaçãoaindapodeserconsidera-daresidualfrenteàpresençafrancesanoAfeganistão,dentreoutrasguerraslocali-zadas,muitasdelasrelacionadasdesde2001aoambientede“guerraaoterrorismo”induzidopelapolíticanorte-americana,comoapoiodoG7.
Porfim,umbrevecomentáriosobreaquestãoambiental.NoexatomomentoemqueescrevemosestaslinhasacontecenoBrasilaConferênciaRio+20,ondeseconstataqueapenasquatrodasnoventametasambientaisdoplanetaobtiveramavançosnosúltimosquarentaanos(Carta Capital,12/6/2012).Poisbem,nessecontexto,aFrançadestinounoanoanalisado2,1%(Tabela1)deseusrecursosparaa ecologia eodesenvolvimento sustentável, oque significouumpercentual de0,79%doPIB(Tabela2).OBrasil,comaresponsabilidadeambientaldedispordeumaflorestatropicalcomoaAmazôniaedeumdosmaioresreservatóriosdeáguadomundo, investe na gestão ambiental 0,24%doorçamento (Tabela 1), o queimplica0,1%doPIB(Tabela2).Sãocifraspífiasnosdoispaísessepensarmosnaimportânciadaquestãoparaahumanidade(Löwy,2011).Secomparadascomovolumederecursoscapturadospeloluxodosburgueses,especialmentesuafraçãorentista,vemo-nosdiantedaracionalidadeperversadovalor,daexpropriação,daapropriaçãoprivadadariquezaquehojeenveredaporumalógicadestrutivaquepodelevaracaminhossemretorno.Talracionalidade,ademaisirracional,41seex-pressanoorçamentodos estadosnacionais, quandodestinamum insignificantevolumederecursosparaaquestãoambiental,aexemplodaFrançaedoBrasil.
41.Goyadiznumadesuasmaisimportantesgravurasqueo sono da razão produz monstros.Elefaziaumtristelibelocontraaguerra,maspensamosqueafraseaquiseaplicaperfeitamente.
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Dopontodevistadareceita,naFrança,asprincipaisfontesdoorçamentodoEstadosão,porordemdeimportância:aTVA(taxasobrevaloragregado),oIm-postosobreaRenda,ImpostosobreasSociedades,OutrasReceitasFiscaiseTaxassobreProdutosPetrolíferos(CourdeComptes,2011,p.90).ATVA,quecorres-pondeuem2010a50%daarrecadaçãolíquida,temcomocaracterísticaoimpactonoconsumo,ouseja,éumimpostoregressivo,oqueécompensadopelacapacida-deextrativasobrearenda,associedadesedemaisimpostos.EstequadrodepesossemanteveproporcionalmentenoprojetodeLoideFinancesde2012,conformenoticiava o Le Monde,em29desetembrode2011.DopontodevistadaSécuritéSociale—RegimeGeneral,areceitaadvém,porordemdepesoem2010:59%decotizaçõessociaisdeempregadores(45%)eempregados(45%);21%daCSG—umacontribuiçãosocialqueincidebasicamentesobrearendatrabalhadores,ematé7,5%,apartirdedeterminadospatamares (Elbaum,2011,p.425);11%emimpostosetaxasdiversos(tabacoeálcool,porexemplo);6%detransferências;e3%,outros.Trata-sedeumaestruturafiscalqueincidefortementesobreostraba-lhadores,especialmentepelocrescimentodaTVAedaCSG.
NoBrasil,aestruturafiscalestáconstituídaemgrandesagregados,segundodocumentodoMinistériodaFazenda(2011),queanalisaodesempenhode2010.OOrçamentoFiscalarrecadou25,04%dosimpostosfederais,naseguinteordemdepeso: ImpostodeRenda18,23%(comdestaqueparapessoa física retidonafonteem9,48%epessoajurídicaem7,43%);oImpostosobreProdutosIndustria-lizados(IPI),com2,63%;eoImpostosobreOperaçõesFinanceiras,comapenas1,82%.Nasequênciaaparecemoutrosváriosimpostosquesomam,noconjunto2,36%daarrecadação.QuantoaoorçamentodaSeguridadeSocial,estearrecadou,em2010,37,28%dosrecursosfederais,sendoasprincipaisfontes:ascontribuiçõesdeempregadoseempregadores(17,24%),aCofins(10,99%)eaCSLL(4,13%).Asdemaisfontesreúnemapenas4,92%dosrecursos.Comosepodeobservar,aSeguridadesocialarrecadamaisqueoorçamentofiscalnoBrasiloquetemgeradomecanismosdetransferênciaderecursosdaseguridadeparaoorçamentofiscal,emespecialparaopagamentodeencargosdadívida,pesadoscomovimos,econsti-tuiçãodereservas,viasuperávitprimário.
Masoquechamaaatençãonoconjuntodosdestaquesquefizemosacimaéquearelaçãodívida/PIBbrasileiraémenornosvárioscálculosdisponíveis.Oquepermiteconcluirqueoimpedimentodaexpansãodaeducaçãopública,doinvesti-mentodemaioresrecursosparaaculturaeodesenvolvimentointensivodetecno-logiasedaciêncianoBrasilésuacondiçãonaeconomia-mundo,subordinadado
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pontodevistamilitar,depatentesepeloendividamentoilegítimoeodioso.En-quantoaFrança,paraalémdacapacidadedeostrabalhadoresfrancesesresistiremàsinvestidasneoliberaismesmonaeraSarkozy,temmelhorescondiçõesestruturaisehistóricasdeautodeterminaçãoesoberanianageopolíticamundial.Retomaremosesteelemento-chavenaconclusãodesteartigo.
Vejamosentão,deformamaisdetida,aquestãodofinanciamentoeasdespe-sasdeproteçãosocialnosdoispaíses.
3. Financiamento da proteção e da Seguridade Social: elementos para reflexão
ASécuritéSociale(ouSécu,comoatratamcomintimidadeosfranceses)éocoraçãodopadrãoousistemadeproteçãosocial,masnãoseconfundecomele.DesdeoplanoLaroque,de1945,aFrançaconstruiuumhíbridobastanteoriginalentreasfundadorasexperiênciasbismarkiana(1883)ebeveridgeana(1942),42 com fortes raízes em suahistória. Sendoherdeiro demuitas tradições, o sistemadeproteçãosocialfrancêsnutriu-sedeinfluênciasquepassampelascorporaçõesdeofícioeaRevoluçãoFrancesa(Duval,2008,p.46-7;BarbiereThéret,2009,p.19;Elbaum,2011),parecendoperseguiratéhojeobjetivosbeveridgeanoscommétodosbismarckianos (Palier,2005).Assim,oconceitodeproteçãosocial englobaumespectroamplodeinstituições:oconjuntodosregimesdesegurossociaisobriga-tórios,dentreelesaSécuritéSociale—RegimeGenerale,osregimesdesegurodosfuncionáriospúblicos,osregimescomplementaresdeseguro,asprevidênciasprivadas,oseguro-desempregoeasintervençõessociaisdoEstado,oqueincluiasprestaçõessociais,dentreelasparaahabitação,eaçõesassistenciais.Esteconjun-tocobreosriscosdedoença,envelhecimento,maternidade,emprego,moradiaepobreza.Emboraastentativasdeconstruçãodostiposideaisdesistemasdeprote-çãosocialtentemenquadraraexperiênciafrancesa,aexemplodeseuencaixenoconceitodemodelocorporativo-conservadorporEsping-Andersen(1991),elatemmostradoqueascoisasnãosãotãosimples.Opilardoseguroedocorporativismo(bismarckiano)temsereveladoumelementoderesistênciaàspolíticasneoliberais,
42.Paraumacompreensãomaisdetalhadaacercadestesdoisgrandesparâmetroshistóricosdaproteçãosocial,ver:BehringeBoschetti,2006;Boschetti,2006;eBoschetti,2003eoclássicoPolanyi,2000.
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apesardaexistênciadeperdadegenerosidadedosistema(BarbiereTherét,2009,p.23),eparticipadaofertadoconjuntodasprestaçõessociais,detendênciabeve-ridgeana,aoladodoEstado.Poroutrolado,osistemadeproteçãosocialfrancêsvemdesenvolvendoumaespéciedecapacidadeadaptativadiferenciada,nocon-textodaondalongadeestagnação,gerandofontesfiscaisdefinanciamentoglobalecriandoprestaçõesedireitos,naperspectivadeacompanharnovasnecessidades(ouriscos).EsteselementosfazemcomquetesessobreodesmontedoEstadosocial,oucrisedoEstadoprovidência(Rosanvallon,1981),quetiveramressonâncianosanos1980,oudeumacontrarreformatãoprofundaapontodeaproximaressepadrãoda experiência anglo-saxônica, sejamnomínimodiscutíveis, apesardasperdasreaisexistentes(Duval,2008).
Nãohádúvida,portanto,sobreanaturezahíbridaecompósitadaproteçãosocialfrancesaedequeanecessidadedeacordoscomospartenaires sociaux,ar-ticuladaàculturapolíticaeàs lutasde rua—aproteçãosocialéenraizadanoimagináriocoletivoeemcomunidadespolíticashistoricamenteconstituídas(BarbiereTherét,2009,p.24)—foramelementosdepreservaçãodesuacoberturaeespe-cialmentedeumespraiarresidualdosprocessosdesupercapitalizaçãonocampodosseguros.Exemplodissoéqueosfundosdepensãoeasprevidênciasprivadas,queoperampormeioderegimesdecapitalização,comfortevínculocomosmer-cadosfinanceiros,nãotiveramcrescimentodestacadonessepaís,onderepresenta-vamapenas1%doPIBnofinalde2007,mesmocomaconversãodossocialistasaomonetarismonosanos1980,43queefetivamentefragilizouosprocessosdere-sistência,aindaquesuapresençatenhafeitoalgumadiferença(Duval,2008).JáemoutrospaísesdaEuropa,aexemplodosPaísesBaixos,com179%,eReinoUnido,com79%,enosEstadosUnidos,77%,essecrescimentofoiestrondoso.Mantiveram-senaFrançaosregimesporrepartiçãoeasolidariedadeintergeracio-nalquantoàsaposentadorias,ouseja,aFrançaclaramenterecusouaestratégiadacapitalização, fazendo comquehoje tenhamelhoresmargensdemanobra paramanejarosefeitosdacrise,sejanocampodascoberturassociais,sejanocampo
43.Paracompreenderaconversãosocialistaecertareproduçãouníssonadedeterminadosaxiomasnaesquerdaenadireitafrancesas,conferirainteressantepesquisadeHartmann(2011),quemostraosprocessosdeformaçãoedecirculaçãointernacionaldaselitespolíticaseuropeias,aqualtivemosaoportunidadedeconhecer em seminário realizadonoCresppa-CSU, em24/1/2012.No caso francês,Hartmann constatagrandehomogeneidadeeconcentraçãodesseprocessodeformação,nasgrandesescolasdeeliteedepeque-noporte.Nocasodosquadrosdaadministraçãopública,80%destaérecrutadanumapequenareserva,temorigemburguesaoupequeno-burguesa,comfortepredominânciadeParis.
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dosriscosfinanceirosrelacionadosàdinâmicadaprevidênciacomplementarporcapitalização(Cornilleauetal.,2010,p.35;Boschetti,2012).
Emborasejafundamentalexplicitaroconceitodeproteçãosocialparacom-preendermelhor os desenvolvimentos da política social naFrança, nãovamosadotá-loglobalmentecomoocampoempíricodapesquisa,44nosentidodeperseguiraperspectivacomparadadeuniversosconceitualmentemaispróximos.Paraesseobjetivo,cabedelimitaraSeguridadeSocialcomouniversoquepossuinaFrançaenoBrasilcaracterísticassemelhantes.Ademais,segundoBarbiereThéret(2009),aSécuritéSocialeabsorvia,em2006,80,8%dasdespesasdeproteçãosociale83,1%doconjuntodasprestaçõessociais.
ASécuritéSociale,portanto,éumpilardecisivodosistemadeproteçãosocialfrancês,cobrindograndesriscosrelacionadosaotrabalho,jácitadosanteriormente,namaiorpartedasvezessobaformadoseguro.Trata-sedeumconjuntoinstitu-cionalcomplexoefragmentado,porémunificado.Suaunidadedebaseéoregime,eexistemhojenopaísmaisdequinhentosregimes,aindaqueamaiorpartedapopulaçãoestejavinculadaaoRégimeGeneral,queenglobaoconjuntodostraba-lhadoresdosetorprivado(comonoBrasil)equeestaránocentrodenossaanáliseadiante.Estesregimessãogeridosporcaixas,sobtuteladoEstado,equepossuemrepresentaçãodospartenaires sociaux, queefetivamentedecidemsobreseusrumoserealizamcotidianamenteagestãodosrecursos.ASécuritéSocialeédivididaemquatrograndes ramos (branches): família, envolvendoasprestações familiares;seguro-doença (saúde); acidentes de trabalho; e seguro-velhice, relacionado àsaposentadoriasepensões.Ofuncionalismopúblicopossuiregimesespeciais,pro-cesso que advém tambémdo espírito republicano daRevoluçãoFrancesa, queatribuíaàfunçãopúblicaumlugardiferenciado.Oseguro-desempregoégeridoporumacaixaprópriapelospartenaires sociaux,aUnedic,cujosaportesderecursossãoasseguradospeloEstadoepelaSécuritéSociale—RegimeGeneral,com99%emcotizaçõesdeempregadoseempregadores,commaiorpesoparaessesúltimos,segundoElbaum(2011,p.420).Noentanto,háimportanteaportederecursospara
44.MesmoporqueosestudosfrancesesparecemnãoterchegadoaumconsensosobreosuniversosenglobadospelosconceitosdeEstadoSocial,ProteçãoSocialeSeguridadeSocial.Hámomentosemqueosdoisprimeirossãoutilizadosnumsentidomaisamplo,masnãoficaclaraa razãodenãoconstituíremomesmouniverso(Elbaum,2011).Háoutrosemqueosdoisúltimosparecemconstituiromesmouniverso(BarbiereTherét,2009).Paraefeitodesteestudo,quenãopretendeesgotarumdebatequepareceestarlongedofim,vamosdelimitarocampodaSécurité Sociale — Regime General,tomandocomoreferênciaaprestaçãodecontasoficial,segundoaLFSS,masemdiálogocomesteseoutrosautores.
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políticasrelacionadasaodesemprego,oudeativaçãodoempregoeformaçãopro-fissional,naMissionTravailetEmploi,comopudemosconstatarapartirdasínte-sedeAubin(2011,p.71-86).
Ooutro pilar da proteção social francesa e que deve ser considerado nocampoempíricodesteestudo,levandoemcontaacorrelaçãocomoconceitobra-sileirodeSeguridadeSocial,éaajudaeaaçãosociais,quepoderiaserequipara-doaoquechamamosnoBrasildeassistênciasocial,45mascomalgumasprecauções.Istoporque,naFrança,háumconjuntodedireitosmuitodiversificado,envolven-doprestaçõessociaiseações,financiadopeloorçamentofiscal,mastambémpelaSécurité Sociale,egeridonamaiorpartedasvezespelosentesfederativossubna-cionais(Départements e Communes),46 distribuídosem27regiões.OschamadosmínimossociaisnaformadetransferênciaderendasãodistribuídospelaSécuritéSociale,aindaquefinanciadospeloorçamentofiscal.Estesegmentodaproteçãosocialfrancesaconsumiacercade10%dasreceitasfiscais,em2006(BarbiereThéret,2009,p.12).OBrasilnãoconheceumsistemadeprestaçõesfamiliarescomoofrancês,queenvolvehabitação,educaçãoprimária,aexemplodesuportesparamaterialescolarnoiníciodoanoletivo,entreinúmerasoutrasnecessidadesreconhecidascomodireitos.EstasprestaçõessãofinanciadaspeloEstadoepelascotizaçõesepoderiamestarclassificadasexatamenteentreoseguroeaassistência.Vão,portanto,muitoalémdatransferênciaderendaassistencial—queademaisémuitomaisconsistentenaFrançaqueoBolsaFamíliabrasileiro,edosserviçossociaismaisoumenoscomplexos,quenoBrasilcorrespondemaoSuas.Tendoemvistaadificuldadecomparativaaqui,optamosporrelacionarabranche famille (ramofamília)eamission Solidarité, insertion et égalité de chancescomafunçãoAssistênciaSocialnoBrasil,mascomplenaconsciênciadequeosconceitossobosnúmerossãonestecasomuitodiferentes,aocontráriodaSaúdeedaPrevidên-ciaSocial.
AlémdaSécuritéSocialeedaajudaeaçãosocial,hásistemasmutuaisedeprevidênciaprivadafacultativosevoluntáriose,aprincípio,comfinsnãolucrativos.
45.Háumaforterejeiçãodotermoassistênciasocialnodebatefrancês,renomeadaaide sociale desde 1953(BarbiereThéret,2009,p.86).Nainterpretaçãocorrentenestepaís,otermoassistênciasocialremeteàindignidadeeàausênciadodireito.Porém,eventualmente,osautoressereferemaesteramodaproteçãocomoassistência,aexemplodeElbaum(2011).Essarelaçãotensa,derejeiçãoeinterpenetração,entreas-sistênciaeprevidência,fundadanacondiçãodotrabalho,éanalisadaemBoschetti(2003e2006).
46.OequivalenteaosestadoseprefeiturasnoBrasil.AFrançacontahojecom36.781Communes,e101 Départements,incluindoosterritóriosdeultramar.
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São herdeiros das estruturasmutualistas do séculoXIX e assumemumpapelcrescentementeimportantenocampodasaúde.Osautoresfrancesessãobastantecuidadososaoqualificaressesetorcomoprivado,jáquehápresençadegrandesmutuais de funcionários públicos.Contudo, é evidente que existemno últimoperíodofortespressõesdocapitalfinanceiroparaumaparticipaçãomaiornosis-tema,considerandoovolumederecursosquemobilizam,especialmentenessasgrandescaixasdofuncionalismopúblicoeoapetitequeestesdespertamnomer-cadodecapitais.Duval(2008,p.40)mostraosesforçosparaintroduzirumadosedecapitalizaçãonosistema francês,especialmentenacontrarreformade2003,comacriaçãodosplanosdepoupança-aposentadoriaindividuais(Perp)ecoletivos(PPESVR),inclusivecomincentivosfiscais.Noentanto,conformedadoacimacitado,vimosqueseuimpactonãoésignificativo.Essecamponãoseráconside-radoempiricamente,paraefeitodosobjetivosdestetexto.
Sobreaquestãodofinanciamento,éexatamenteaquiquecabefalardeumsistemadeproteçãosocial,apesardasuafragmentaçãoinstitucional.Aunidadeeacoberturauniversaldosistemasãoasseguradaspelofinanciamento cruzado(Bar-biereThéret,2009,p.15):hátransferênciasdecompensaçãoentreEstadoeregimesdesegurosocial,paragarantiracobertura,suprindoascrescentesnecessidadesdefinanciamento; e há uma espécie de solidariedade interprofissional, quandooscruzamentossefazementreosregimesdesegurosocialdecategoriasdiferentesdetrabalhadores.Essamigraçãopermanentederecursosparaasseguraracoberturadosdiversosdireitosconstituiumaefetivasolidariedadenacional.Assim,estãoempermanenteconvivênciaduaslógicas:adoseguroeadasolidariedadenacional(BarbiereThéret,2009,p.15).CabelembrarqueaSécuritéSocialenãofazpartedoorçamentodoEstado,sendoregidaporlegislaçãoprópria,aLeideFinancia-mentodaSeguridadeSocial(LFSS).HáprevisãoderecursosdoorçamentofiscalnasMissionsSantéeRegimesSociauxedeRetraite,comomostramasTabelas1e2,mascomoelementocomplementar.
Dopontodevistadareceita,amaiorpartedosrecursoséasseguradapelascotizaçõesdos trabalhadores e empregadores fundamentalmente, aindaquenosúltimosanostenhamsidocriadosmecanismosuniversaisdefinanciamento,quetransferemrecursosorçamentáriosfiscaisparasuasustentação.BarbiereTherét(2009)mostramquetemocorridoumadiminuiçãodacontribuiçãodostrabalhado-res,emfunçãodadinâmicadomercadodetrabalhoeespecialmentedodesempre-go,acompanhadodecertaconstânciacomlevetendênciadebaixadacontribuiçãodos empregadores, o quevem sendo acompanhadopelo aumentodo aporte de
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impostosetaxasespecificamentecriadosparadarsuporteàpolíticasocial.ExemplodissoéaContributionSocialeGénéralisée(CSG),criadaem1991,eque incidesobrearendaem7,5%apartirdeumdeterminadopatamar(Elbaum,2011,p.425),equenãocompõeoorçamentodoEstado(LFI),masdaSécuritéSociale(LFSS).ACSGcresceuemimportânciacomomecanismodefinanciamentodaproteçãosocialfrancesa,acentuandoumladobeveridgeanodesolidariedadenacional.Em2010,aCSGfinanciou21%daSécuritéSociale,aoladodascotizações(59%),impostosetaxas,especialmentesobretabacoeálcool(11%),transferências(6%)eoutrasre-ceitas (3%) (Drees, 2011).Essa composiçãomostra a importância crescente deimpostosecontribuiçõesemdetrimentodascotizações.Apesardosmecanismosdefinanciamentocruzado,aSécuritéSocialevemmantendoumdesempenhonegativo,ouseja,naFrançatambémháumfortedebatesobreotrou de la Sécu (déficitdaSeguridadeSocial),especialmentecomasorientaçõesdeMaastricht,segundoasquaisosEstadosnacionaisdevemmanterumdéficitpúblicode,nomáximo3%,doPIB, implicandoverdadeirasbatalhaspolíticasdesdeosanos1990,ondeofalsoargumentodafatalidadedemográfica(Duval,2008,p.35)érecorrentementereivin-dicadoparasinalizarapossívelfalênciafuturadosistema.
Nessesentido, temosumambientebastantesemelhanteaenvolverosdoispaíses,pressionandopeloestabelecimentodetetosecontrolesdasaposentadorias,hajavistaaquantidadedepublicaçõesematériasdemídianessesentido.Duval(2008)fazuminteressanteapanhadodessadinâmicanaFrança,criticandobrilhan-tementeatransformaçãodaSécuritéSocialeemumaquestãotécnicadeequilíbriodecontas,cujagestãodeveriasersemelhanteàempresa,quandonaverdadesetratadeumaquestãodeeconomiapolíticaedeescolhaspolíticasesociais.Paraoautor,estedebateacontecenocontextodeumaofensivaideológicaquepersegueoobjetivodemudarapercepçãodaproteçãosocial.Desloca-seoconceitodene-cessidadesdefinanciamentodaSeguridadeSocial—necessidadesgeradaspeladinâmicadedesempregoebaixadarendanomundodotrabalho,queprovocamquedadas receitas combinadaà altadasdespesas,produzidapeloaumentodasnecessidadessociais—paraaideiadedéficit.Taldeslocamentovisaresponsabi-lizarosdireitosdeSeguridadeSocialpelasdificuldadesdasfinançaspúblicasedoinvestimento,mastambémpelasdeslocalizaçõeseodesemprego,apartirdodis-cursocorrentesobreoaltocustodotrabalho(Idem,p.21),oquetambémunificaosdoispaíses.Emvezdepropiciar aproteção, aSécuritéSociale torna-seumfardo,eemvezdedireitos,essediscursopreconizacontratos.Comojádissemos,osucessodessapressãotemsidoapenaspontualnaFrança,emcomparaçãocom
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outrospaísesdaEuropa(Boschetti,2012).Masháumaampladifusãodessesargu-mentos,especialmenteparaaperiferiadocapitalismo,naqualprincípiosliberaiscomoaneutralidadeatuarialvemcolocandogovernosdedireitaedecentro-esquer-danummesmodiapasão:ododéficitdaPrevidência.
ConsiderandoessestraçosgeraisdaproteçãosocialedaSeguridadeSocialfrancesa,querelações,alémdasqueprocuramosapontaratéaqui,sepodeefetiva-mentetraçarentreesteseaexperiênciabrasileira?NoBrasil,temos,desdeaCons-tituiçãode1988,estabelecidoqueaSeguridadeSocialenvolvepolíticasedireitosrelacionadosàPrevidênciaSocial,àSaúdeeàAssistênciaSocial,47políticaspúbli-cas que foramposteriormente reguladas por leis orgânicas complementares.AConstituição tambémfirmouoOrçamentodaSeguridadeSocialcomopartedoorçamentodoEstado,eforamcriadosmecanismosdeinspiraçãobeveridgeanaparaseufinanciamento,paraalémdacontribuiçãodeempregadoseempregadores,deinspiraçãobismarckiana.ExemplodissofoiacriaçãodaContribuiçãoparaoFi-nanciamentodaSeguridadeSocial(Cofins)edaContribuiçãoSocialsobreLucroLíquido (CSLL).Posteriormente, foi criada tambémaContribuiçãoProvisóriasobreMovimentaçãoFinanceira(CPMF)eháoutrosmecanismosfiscaiscomin-cidênciamaisresidualnofinanciamentodaseguridadesocialbrasileira.AspolíticaseosrecursossãogeridospelaUnião,queconcentraamaiorpartedacargatributá-riadopaís:69,91%em2010.Acargatributárianacionaltotalrepresentou,em2010,33,56%doPIB, sendo que 23,46%concentraram-se naUnião, o que justificanossomovimento de considerar para efeitos da análise os recursos federais noBrasil.Ogoverno federal transfere recursos, porobrigaçãoconstitucional, paraestadosemunicípios,masestesúltimostambémalocamrecursosfiscaisprópriosnaspolíticassociais,sobretudonaSaúde,AssistênciaSocialeEducação,masquenãosãoconsideradosnoâmbitodesteestudo.Paraviabilizaragestãodaspolíticaseas transferênciasparaosentes federativossubnacionais foramcriados fundosespeciais,nosquaissãoalocadososrecursosorçamentários.Foramcriados,porfim,instrumentosdecontroledemocráticodaspolíticasdeSeguridadeSocial,os
47.HáumlongoeinteressantedebatesobreautilizaçãodotermoeopróprioestatutodaAssistênciaSocialnoBrasil,quediferedareflexãofrancesaanteriormentecitada.Então,desdeaConstituiçãode1988eaLeiOrgânicadaAssistênciaSocial,de1993,fala-sesobreaassistênciacomodireito.Evidentemente,estaéumaconstruçãohistóricaatravessadapormuitastensões.Paraestedebate,daamplabibliografiadisponível,destacamos:Sposatietal.(1985);Yasbek(1993);Boschetti(2003e2006);Motaetal.(2010).Dopontodevista institucional, há ampladocumentaçãodisponível hoje noMinistériodoDesenvolvimentoSocial eCombateàFome(MDS).
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conselhoseconferências,eperiodicamentesãorevistososplanosnacionaisesub-nacionaisreferentesàspolíticasdeSeguridadeSocial.48
OdesenhodosistemadeSeguridadeSocialbrasileironãoenvolvedireitosreferentesàmoradia,osquaissãoextremamentefrágeisnoBrasil,comorevelaadestinaçãoorçamentária(Tabelas1e2)edesconheceaschamadasprestaçõesfami-liaresdo sistema francês, comoexplicitamosanteriormente.Outraquestãoa serressaltadaéqueoorçamentodaSeguridadeSocialenvolveoseguro-desemprego,queéumdireitoconstitucionaldeseguridade,temsuportedoFundodeAmparoaoTrabalhador, recolhe recursosdoPIS-Pasep,dosquais60%sãodestinadosparaaqueleprogramaeoutrosdegeraçãodeempregoeformaçãodaforçadetrabalho,e40%sãodestinadosaoBNDESparaprogramasdedesenvolvimento(Santos,2006).
Apartirdessasconsideraçõesgeraissobreaproteçãosocialeseufinanciamen-tonosdoispaíses,podemosavançarnaanálisecomparadadasdespesasnessecampo,considerandonasTabelas1e2osconceitossemelhantes.VejamosentãoaTabela3,aseguir,ondedesagregamosaquelesdadosparadaraelesmelhorvisibilidade.
ATabela3reúneasdespesasnacionaisemPrevidência,Saúde,AssistênciaSocialeTrabalhonosdoispaíses,naperspectivademostraragregadosquerepre-sentamuniversossemelhantesdecoberturadaspolíticassociais.NoBrasil,adeli-mitaçãodesteuniversoérelativamentemaissimples,poisoconjuntodosdadosestánoorçamentofederal.Nocasofrancês,considerandoafragmentaçãodosistemadeproteçãosocial,optamosporanalisaroagregadomaiorderecursos,diga-se,oRe-gimeGeneraldaSécuritéSociale,somadoaoaportedoEstadonacional.Essaopçãolevaaumdadocujaanáliseprecisasermuitocuidadosa:odequeaFrançainvestemaisemSaúdequeemPrevidênciaSocial.Naverdade,asdemaisassurances com-plementaires,incluindoosregimesparticulareseespeciais,nãoestãocompondoodado.Comisso,onossouniversodelimitadolevaaumgastomaioremSaúdequeemPrevidêncianaFrança,oquenãoéconfirmadopelasanálisesqueconsideramoconjuntodaproteçãosocial,ondeaPrevidênciaétambémamaiorrubricadegasto.PodemexistirtambémgastoscruzadosdePrevidênciaeSaúde,considerandoquesãoduaspolíticasprofundamenteimbricadasnocontextodosregimesedofinan-ciamentocruzado.OEurostat(acessoem21dejunhode2012),cujosdadossobreaproteçãosocialestãoatualizadosaté2009, indicaumacoberturanaFrançade
48.SobreaSeguridadeSocialbrasileiraháinúmerostrabalhosdereferência,masdestacamosaqui:BehringeBoschetti(2006);Boschetti(2003e2006);Mota(1995);Salvador(2010);CFESS(2001);Fleury(1994e2004);Teixeira(1990)eVianna(1998e1999).
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33,05%doPIBnaqueleano,sendo14,5%emaposentadoriasepensões,ouseja,umimpactobemmaiordoqueoidentificadoapartirdabaseempíricaaquitratada.Noentanto,ascontasdoEurostatconsideramoconjuntodogastosocial,oqueincluioEstadonacional,osentessubnacionais,eoconjuntodasassurances.Nossocuidado,então,deveserodenãosuperestimarasdespesasdeSaúdeousubestimarasdespe-sasdePrevidêncianaFrança,explicitandoqueestamosnosaproximando,noâmbi-todesteestudo,deumuniversosemelhanteentreosdoispaísesemfoco,oquenoslevouadelimitaradespesafederale,nocasodaFrança,oRegimeGeneraldeSé-curité,quereúneamaiorpartedasdespesas,cobrindo75%dapopulaçãoaposenta-da(BarbiereThéret,2009,p.50).Oeixodotrabalhofoiserevelandoimportante,considerandoo pesodo seguro-desemprego e das políticas ativas de formaçãoprofissionalegeraçãodeempregoerenda.NoBrasil,estafunçãoéfinanciadaba-sicamentepeloOrçamentodaSeguridadeSocial,emboratenhaumafonteespecífi-ca,enaFrança,peloBudgetdeL’ÉtateporcotizaçõesespecíficasparaaUnedic,deformaqueincluímosesseeixonanossabasededados.
Postas essas questões preliminares, observemos o campo delimitado.NaFrançaoconjuntodessesgastosnacionaisrepresentou16,56%doPIB,em2010,e44,5%dascontasconsideradas(LR2010econtasdaSécuritéSociale—RegimeGeneral2010).ParaoBrasil, temosqueogovernofederalaloca12,52%comoproporçãodoPIBe30,58%doorçamentofederalnosquatroeixos.AFrançain-vestequaseametadedosrecursosaquicomputados,lembrandosemprequeestevolumeéaindamaioremgastossociaistipicamentedeSeguridadeSocial,enquan-tooBrasil,comumPIBpoucomenor,ecomumamargemmenosalargadadeexpansãodeste número, se consideramososmesmos critérios daFrança, alocapoucomaisqueumterçoderecursosparaumapopulaçãotrêsvezesmaior,comovimosantes.Sãonúmerosquedescortinamaexistênciadeumaproteçãosocialestruturadaefundadanoplenoempregoenoreconhecimentodedireitos,àfran-cesa,mesmocomosdesgastesdoperíodo,eafragilidadedaproteçãosocialnoricopaíspobre,queéoBrasil,submetidohistoricamentenahierarquia-mundoacons-trangimentoseconômicosesociais,comoconluiointernodasclassesdominantes,equedelineiatardiamenteaSeguridadeSocialforadeumcontextodeplenoem-pregoesemumaculturadedireitosefetiva,mascomosavançosconstitucionaisde1988,adespeitodaofensivacontrarreformista.
Osdadosrevelamumfortedesníveldogastosocialbrasileiro,considerandoopesodaPrevidênciaSocial(8,88%doPIBe21,69%doorçamento)edosdemaiseixosnoorçamentoenoPIB(Tabela3),enquantoaFrançaguardaumequilíbrio
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maior entrePrevidência eSaúde, fortementemarcadospela lógicado seguro, epossuiumaaide sociale commenos recursosqueasdemaispolíticas,mascomcrescenteimportânciahojeemvirtudedoempobrecimentodapopulação,e,clara-mente,commaiorvolumederecursosquenoBrasil,equeenvolveadiversidadedebenefíciosnaformadasprestaçõessociaisfamiliares,umelementodefortedi-ferenciaçãoentreumpadrãodeproteçãoedegastopúblicoeoutro.Ogastoprevi-denciáriobrasileirofederal,quetemcomoprincipalfontederecursosacontribuiçãodeempregadoseempregadores,émaiorqueofrancês, inclusivepelareferênciacitadaacimadoEurostat.Noentanto,acoberturaprevidenciáriabrasileiraémenorqueafrancesa,considerandoaPEAeosdadosdeempregosinalizadosanteriormen-te,ecujaanálisedetalhadaedensapodemosencontraremLopes(2011),quemostraquecerca50milhõesdaPEAficamforadosistemanoBrasil,semnecessariamentecumprirosrequisitosdeacessoaosprogramasassistenciaisultrafocalizados(ex.ProgramaBolsaFamília).Ambosossistemasprevidenciários,porseuturno,sãoorganizadossobalógicadoseguro,contributiva,aindaquecontemcomaportesfiscais.Comoexplicar,então,essadiferença?UmaincidêncianestedadoéadequeoRegimeGeralbrasileirotemumacoberturadecercade20milhõesdeaposentados,enquantonaFrançasãocercade10milhões,aproximadamente,vinculadosaoRe-gimeGeneral,oquetemrelaçãocomotamanhodapopulaçãoeconomicamenteativadosdoispaísesemuitoclaramentecomograudeassalariamentodapopulação,muitomaiornaFrançaquenoBrasil,mesmonocontextodacrise.Poroutrolado,comohipótese,podemincidirtambémquestõesrelacionadasàestruturaderendaedecontribuiçãoquenãoteremoscondiçõesdeexploraraqui.
Emcontrapartida,considerandoapopulação,osindicadoressociaishistori-camentemaisfrágeis,eadimensãocontinentaldoterritório,éevidenteosubinves-timentobrasileiroemsaúde,quasecincovezesmenorquenaFrança,considerandooorçamento,equatrovezesmenor,combasenoPIB.CaberefletirqueasaúdenoBrasilnãoépautadapelalógicadosegurocomonaFrança,oquerequisitariaumaportederecursosmuitomaiorparaqueodireitoàsaúdefosseefetivamenteuni-versalizado,emboraosejanomarcolegal.Aexistênciadeumapotenteredepriva-da—porexemplo,69%doshospitaisbrasileirossãoprivados,eoferecemapenas38%devagasaoSistemaÚnicodeSaúde(SUS),combaseemconvênios,segun-doAlmeida,201149—edeplanosdesaúdeparaosquepodempagar,mostrao
49.InformeENSP,de30/6/2011.Disponívelem:<http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/26264>.Acessoem:21jun.2012.
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quantoosubfinanciamentodessapolíticadábasematerialàmercantilização,jáqueaprecariedadeemparcelasignificativadosistemapúblico,asfilas,afaltacrônicadematerial,dentreoutros,minamaconfiançanoSUS.Aindaassim,oSUSatendeacercade75%dapopulaçãobrasileirasemcondiçõesdeacessoaosplanospriva-dos.ASaúdenaFrança articula-se a uma lógica contributiva, sendo, portanto,muitosensívelàdinâmicadotrabalho.Nessesentido,aSaúdeéapolíticaquemaisrequisitaaexpansãodemecanismosfiscaisdefinanciamento,bemcomorecebepressõesparaauniversalizaçãodaoferta,sobretudodasbaixasrendas,queresul-taramnacriaçãodaCovertureMaladieUniverselle(CMU),assegurandoacessoàsaúdeaosquenãopodemdefatopagarumaassurancemaladie,edaCovertureMaladieUniverselleComplementaire(CMU-C)aosquetemmenorescondiçõesde contratar a assurance,assegurandoreembolsosdecuidadosmédicos.Poroutrolado,háhojepressõesprivatistasimportantesnaFrança,sejaporpartedosetormédicoliberal,sejapelocrescimentoexponencialdasmuttueles santé,especial-mentenocontextodoneoliberalismo.Senocampoprevidenciárioosfundosdepensãoearepartiçãonãoprosperaram,naSaúdehouveumcampodeexpansãomaiordamercantilização.BarbiereThéret(2009,p.66)caracterizamqueaSaúdeoscilaentreaprivatizaçãolimitadaeacoberturauniversal,sendoqueoRegimeGeneralassumecercade82%dassuasdespesas.
NaAssistênciaSocialencontramosumadespesaquasetrêsvezesmenornoBrasil,emcomparaçãocomaFrança,considerandooorçamentoeoPIB.SenoBrasiltemosodesenvolvimentodoSistemaÚnicodeAssistênciaSocial(Suas),vale lembrarquemaisde90%doorçamentodaAssistênciaSocialdestina-seàtransferênciaderenda.Contudo,estamoslongedeconstituirosuporteemmínimossociais(emnúmerodenove,segundoBarbiereThéret,2009,p.88)edealocaçõesfamiliares (CNAF,Sécurité Sociale) disponíveis naFrança.Alémdisso, se naFrançaavançaramosprogramasqueexigemcomprovaçãoderenda,oscritériosestãodistantesdeseremtãodraconianosquantoosbrasileiros,comovimosacimaaocomentarasmedidasdapobrezanoBrasil.
Quantoaoeixotrabalho,osdoispaísesinvestemumvolumesemelhantederecursos,masesteétambémumdadoqueprecisasermediadopeloselementosquelevantamosno item1deste texto,quedelineiamascaracterísticasdomundodotrabalhonosdoispaíses,ouseja,existemnecessidadesmuitodiferentesnumpaísqueviveuoplenoempregokeynesianoequeapesardacrisemantémfortescarac-terísticasdachamadarelaçãosalarial,eoutroquenãoconheceuessaexperiêncianasuahistóriaecujaforçadetrabalhoseencontraemcercade50%nainformalidade,
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semdireitosesemcontribuiçãoparaaproteçãosocial,oquedemandaumforteinvestimentonesseconjuntodepolíticassociaisdeSeguridadeSocialeemoutraspolíticaspúblicas,masencontrafortesobstáculosnumaeconomiapolíticaperiféri-cadeexpandi-lo.
Breve conclusão
Esteartigoéoresultadodeumaaproximaçãoqueestálongedeseresgotada.Noentanto,aincursãorealizadapermitefinalizarchamandoaatençãoparaaper-versidadedosmecanismosdeajustefiscalbrasileiros,quedefatoconstrangemaspossibilidadesdeexpansãodaproteçãosocial,considerandoopesodadívidapú-blica,osuperávitprimárioeosmecanismosqueretiramrecursosdaSeguridadeSocial.50Poroutrolado,aausteridadefiscalrondaaEuropajáháalgumtempo,cortandopostosdetrabalhoerealizandocontrarreformasimportantes,mesmoqueresistênciaspolíticasefiltroshistórico-estruturaisseinterponhamcomonocasofrancês.Portanto,essadinâmicacontemporâneadocapitalismocomandadapelahegemoniadafinança,entrelaçaosdoispaíses.Entretanto,háqueobservaroquedifereestruturalmente.
Eumelementocentraldediferençaéoespantosodadodopesodadívidanoorçamentopúblicobrasileiro—comaproduçãodosuperávitprimárioetodososmecanismosdaídecorrentes—,apesardeumarelaçãodívida/PIBmenorqueafrancesa,mesmoantesde2007.Esteelementorequisitaalgunscomentáriosfinais.Dourille-Feeretal.(2011)nosajudamapensarsobreaquestão.Partemdaconsta-taçãodequeháummomentofavorávelaospaísesemdesenvolvimentoquantoaorefinanciamentodasdívidasexternas,emfunçãodasbaixastaxasdejurospratica-dasaonorte,oquetornaadívidadessespaísesaparentementesustentávelepro-movecertaeuforianosgestores.Oexemplobrasileiroécitadoaquiexplicitamen-te (Idem,p.29).Naverdade,essasustentabilidade temumcusto,eessaéumaescolhapolítica:comprimirasdespesassociaisparadestinarrecursosaoscredores.Os demais elementos que dão a aparência da sustentabilidade são o preço das
50.QuevãoalémdaDRU.Naverdade,háinúmerosmecanismosderenúnciafiscalqueincidemsobrefontesdefinanciamentodaSeguridadeSocialbrasileiraequeforamampliadosnocontextodoPlanodeAceleraçãodoCrescimento(PAC),comotivemosaoportunidadededemonstraremBehringetal.,2007.
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matérias-primaseofluxodecapitais(asseguradopelasaltastaxasdejurosprati-cadas).Sãotrêsdimensõesextremamenteconjunturaiseque,arigor,nãopoderiamestarrelacionadasaotermosustentabilidade.Quandosepensaparaalémdadívidaexterna sobreadívida total, considerandoocrescimentoexponencialdadívidainterna,aconjuntura favorável se tornabastante frágil.Umfatoque tornaessecontextomaiscomplexoparaospaísesemdesenvolvimentoéaformaçãodebolhasespeculativasnaChina,queimportaboapartedasmatérias-primasdessespaíses,incluindooBrasil.Paraosautores,aconjunturafrágil,masaindafavorável,deve-riaincentivaratitudessoberanasdosEstadosnosentidodeauditarecontestartotalouparcialmenteadívida.Atéporqueseoscredoresaonorte,detentoresdetítulosdadívidapúblicadessespaíses, foramcapazesde lidarcomasenormesperdasrecentesnocontextodaespeculação.Nãoseriamperdasmuitomenoresglobalmen-tequeiriamdesestabilizaredeixarnervosososmercados,queodigaoClubedeParisemsuaestacionadarelaçãocomaArgentinaapós2001(Idem,p.39).Noentanto,éessasangriaseguraecotidianaoverdadeiroalimentodoscredores:apunção demais-valia socialmente produzida, sustentada pela submissão, pelachantagemespeculativa,pelasrelaçõesdesiguaisecombinadasnahierarquiamun-do,comaaquiescênciainternadasclassesdominantes.Trata-setambém,eviden-temente,deassegurarapossibilidadedeaquisiçãodepatrimônio,deativos,hajavista o gigantescomovimento patrimonial engendrado com as privatizações(Behring, 2003).Assim, existem condições político-econômicas diferenciadasentreoBrasileaFrança,emboraambosospaísesestejamvivendoàsuamaneiraapunçãodocapitalfinanceiro.Easescolhasfeitasno terrenodapolíticaedaspressõesdalutasocialsãodecisivasnesseterreno.
Observamostambém,comocampocomummediadopelasdiferenças,oam-bientedepressõespelamercantilizaçãodaspolíticassociaisemvariadasformas.Háaindaocrescimentodepolíticassociaisqueexigemcomprovaçãoderenda,bemcomoquepassamestímuloaoconsumo,típicasdocampodaassistênciasocial.Deoutroângulo,háelementosasermaisbemexploradosequeinstigamacontinuida-dedaspesquisas,aexemplodeummergulhodetalhadonaestruturafiscalquenospermitadiscutirosproblemasdaredistributividadeounão.Chesnais(2011,p.15)apontaumenfraquecimentodosimpostosdiretos(rendaelucrosdasempresas)efortalecimentodosindiretos,aexemplodaTVA.Dourille-Feeretal.(2011)dizemdospresentesparaosricosapartirdarenúnciafiscal,oschamadosniches fiscales naFrança,oque tambémésublinhadoporFranchet (2011)e reconhecidopelaprópriaCourdesComptes(2011).AcompanhamosnaFrança,em2011e2012,o
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debatesobreoaumentodaTVA,umimpostonitidamenteregressivo,inclusivecomodiscursodeumaTVAsocialparaenfrentarodéficitdaSécuritéSociale,elemen-toquepolarizouaseleiçõespresidenciaisfrancesas.ParaChesnais,oendividamen-todoEstadofrancêstemumdeseusfundamentosnaevasãofiscalenafraquezadacapacidadeextrativadiretadoEstado(rendaeempresas),quevemlançandoaFrançanaestratégiadosempréstimosparafinanciarseuscompromissos.
Aolongodoperíododepós-doutoramento,estivemosnasruasemváriasma-nifestaçõesdostrabalhadoresemovimentossociaisnaFrança,nosquaisaSécuritéSocialeapareceexplicitamentecomopauta,ondesedenunciouamercantilizaçãodasaúdeeexigiu-semaisemelhoresalocações,especialmenteparaamoradia.Fi-nalizamosessasíntesefinalreafirmandoqueportrásdosnúmerosdoorçamentoestáapolítica(grandeepequena,nostermosgramscianos).Portrásdamaioroumenorautonomiafrenteaosditamesdolucroestáalutadeclasseseseussegmentos.AscondiçõesdeoBrasilenfrentarseusdilemasestruturaisestãodiretamenterelacio-nadasàspressõesdos trabalhadorespormedidasdeexpansãodosdireitosedosgastossociais,semoqueelespermanecerãoparcos,administrandoougerindoapobreza,contentando-secomresultadospífiosedelargoprazoquantoàdesigual-dadeprofundaquemarcaestepaís.Parece-nosqueascondiçõesnaFrançatêmsidomaioresemelhoresparadefendersuasconquistas,mesmocomanosdeumgovernodedireita,apesardoambienteneoliberaldasúltimasdécadasedacrise.OsdireitosestãoenraizadosnaculturapolíticaenocotidianofrancêscomoexigíveisdoEstado.Isso faze fará todaadiferença, especialmente sea classe trabalhadora francesaencontrarformasdeunificaraslutasaindamaisfortesqueasdisponíveishojeeparaalémdosorganismostradicionaiseinstitucionaisdalutapolíticafrancesa.
Recebido em 28/6/2012 ■ Aprovado em 10/12/2012
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