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Revista Geografares, n11, p.139-168, Junho, 2012ISSN 2175 -370
Artigo recebido em: 11/12/2011 Artigo publicado em: 13/06/2012
A geogrAfiA crticA brAsileirA e o debAte sobre ontologiA do espAo: umA AproximAo
The Brazilian Radical Geography and the Debate About the Ontology of Space: an Approach
La Geografa Critica Brasilea y el Debate Sobre la Ontologa del Espacio: una Aproximacin
breno Viotto pedrosaDoutorando do Departamento de Geografia FFLCH/USP
e-mail: [email protected]
resumo
No presente artigo exploraremos aspectos desenvolvidos acerca do tema da ontologia do espao. Buscaremos explanar sobre alguns autores da geografia brasileira que se dedicaram ao assunto. Analisaremos como o tema ganha fora com a renovao da geografia crtica, de razes marxistas, atravs do itinerrio de Armando Correa da Silva, Antonio Carlos Robert Moraes, Milton Santos e Ruy Moreira. Obviamente nos dias de hoje muitos outros pesquisadores estudam a ontologia do espao. Buscamos dessa forma traar quais foram os elementos preliminares do surgimento da ideia de on-tologia no contexto da geografia crtica brasileira.
Palavras-chave: Ontologia; espao; marxismo.
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A Geografia Crtica Brasileira e o Debate sobre a Ontologia do Espao: uma Aproximao pedrosa, b.
Abstract
In this article we will explore some aspects of spaces ontology. We wil try to present some authors in brazilian geography who studied the theme. This theme is linked directly with critical geogragraphys renewal and initially has followed the itinerary of marxism. Armando Correa da Silva, Antonio Carlos Robert Moraes, Milton Santos e Ruy Moreira are the mains authors. However, in this article we will try to trace the priliminary circunstances for the rise of the idea of ontology in brasilians geography. Key-words: ontology, space and marxism.
resumen
En este artculo vamos a explorar algunos aspectos de la ontologa de espacio. Vamos a tratar de explicar acerca de los autores que se han centrado en la geografa brasilea sobre el tema. Este tema vinculado a la renovacin de la geografa crtica y el marxismo en principio sigui el itinerario de Armando Correa da Silva, Antonio Carlos Moraes Robert Milton Santos y Ruy Moreira. Es evidente que hoy en da muchos otros investigadores han estudiado la ontologa del espacio. Buscamos trazar las circunstancias que fueron previos a la aparicin de la idea de la ontologa en el contexto de la geografa crtica brasilea.
Palabras clave: Ontologa; espacio; marxismo.
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A Geografia Crtica Brasileira e o Debate sobre a Ontologia do Espao: uma Aproximao pedrosa, b.
A geografia crtica e a ontologia do espao
Neste trabalho iremos fazer uma explanao sobre a ontologia do espao dentro do mbito da geografia crtica brasileira atravs da obra
de quatro gegrafos: Armando Correa da Sil-va, Antonio Carlos Robert Moraes, Ruy Morei-ra e Milton Santos. Primeiramente, como uma
breve introduo, faremos uma digresso so-bre o processo de surgimento da geografia cr-tica no Brasil para a seguir explorarmos mais detalhadamente como a ontologia aparece na obra de cada um dos autores mencionados. Na concluso deste artigo indicaremos algumas perspectivas que ainda podem ser exploradas
na relao entre geografia e filosofia.
Existe um consenso que o tema da onto-logia ganha importncia a partir do movimen-to da geografia crtica brasileira, uma vez que
esses gegrafos se ligaram aos filsofos mar-xistas em busca de aprimoramento metodol-gico. O que entendemos por geografia crtica
nada mais foi do que um movimento de posi-cionamento intelectual que teve drsticas re-percusses institucionais, seja em instituies acadmicas, seja no ensino ou nas associa-es de gegrafos. A tentativa foi de introduzir a filosofia, a metodologia e a temtica do mar-xismo (e em parte do anarquismo) na cincia
geogrfica com o objetivo de haver um conhe-cimento mais politizado frente aos desafios de
seu tempo. Buscava-se um conhecimento en-gajado capaz de transformar o mundo que fa-ria frente ditadura militar, no caso brasileiro. No mbito mundial podemos sem mui-ta dificuldade observar os momentos de con-tinuidade e descontinuidade da geografia de
inspirao marxista e anarquista desde o s-culo XIX com Reclus, Kropotkin e Wittfogel. Este ltimo mais posteriormente no primeiro quartel do sculo vinculado escola de Frank-furt. No ps-guerra temos o grupo de gegra-fos franceses de esquerda com Pierre George,
Jean Dresch, Jean Tricart, Raymond Guglielmo
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e Yves Lacoste. Esta gerao ser uma fora impulsionadora do surgimento da geografia
crtica, pois algumas das questes que esta-riam em pauta somente aps 1968 estavam pungentes nesse grupo, como por exemplo, a preocupao com a geografia urbana ou a ge-ografia social. J nos pases anglo-saxes, nas
dcadas de 1960-1970, encontramos William Bunge, Richard Peet e David Harvey gegrafos
da nova geografia que optam pelo marxismo
na busca da crtica social. Essas geografias cr-ticas que surgem no final de 60 se relacionam
com matrizes ligeiramente distintas nos EUA e
na Frana uma vez que esses pases enfrenta-vam problemas sociais diferentes. No entanto, chegaram em resultados, temas de pesquisa
e metodologias muito prximas como, por
exemplo, o estruturalismo. O debate da geo-grafia crtica chega ao Brasil em meados da
dcada de 1970 e alguns o recebem como uma espcie de obrigao para se adequar ao que
havia de mais avanando no exterior. Outros
viram a necessidade de se engajar aps a in-troduo desse novo debate. E outros gegra-fos ainda estavam participando da luta e do debate poltico antes mesmo que essa influ-ncia cientfica adentrasse terras brasileiras
Caio Prado Jr., Orlando Valverde, Armen Mami-gonian, Manoel Correia de Andrade para citar alguns. A geografia crtica representou, em
certa medida, uma negao do que a geografia
havia construdo anteriormente como conheci-mento. Conseqentemente classificou-se, al-gumas vezes, o que havia sido feito como rea-cionrio ou como fruto das classes e ideologias dominantes. Juntamente a isso, essa geogra-fia causou uma profunda renovao dos qua-dros institucionais e das agendas de pesquisa.
Se por um lado todo o processo ofereceu uma forma de luta efetiva em prol da democracia ou a favor da construo do socialismo, de ou-tro lado permitiu que alguns intelectuais me-nos comprometidos construssem uma carreira acadmica de rpida ascenso, incorporao e
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prestgio acadmico. Aps a queda do muro
de Berlin e a dissoluo do mundo sovitico o panorama muda sendo que apenas alguns
temas e autores marxistas continuam a ter im-portncia fundamental. Muitos aproveitando o refluxo do centro do sistema optam por aban-donar o marxismo em detrimento da ps-mo-dernidade ou do ps-estruturalismo. Apesar das novas escolhas cientficas, as mudanas
institucionais geradas pela geografia crtica j
haviam se consolidado. Curiosamente o tema da ontologia persiste diante dessa mudana. Aps essa apresentao inicial vamos analisar a obra de alguns autores talvez os
que tiveram maior repercusso acerca do
tema. Cabe ressaltar a dificuldade de transitar
pelo assunto, pois o termo e as discusses da ontologia so da filosofia. Portanto temos um
intercruzamento entre um tema cientfico e fi-losfico, o que se deve ao fato do marxismo
ser um campo do conhecimento que nunca se
intimidou perante a diviso intelectual da pro-
duo do conhecimento. Ressaltamos ainda que certos autores analisados no so claros
ao versar sobre o tema misturando matrizes filosficas distintas no deixando claro seus
conceitos e categorias de anlise. Ou seja, no apresentam claramente o que seria a ontolo-gia em sua concepo. Veremos adiante como isso ocorre. Por que o tema da ontologia ganharia tamanha
envergadura no contexto da geografia brasilei-ra? Certamente devido importncia que ela
tinha entre os filsofos brasileiros como Ruy
Fausto e Arthur Giannotti. A crtica ao estru-turalismo e as leituras althusserianas de Marx os encaminhou para o tema. Assim a ontologia em Lukcs seria uma alternativa para essa si-tuao de predomnio do estruturalismo. Essa ligao com a filosofia nacional mostra a espe-cificidade que o debate obteve dentro da geo-grafia brasileira. Na geografia crtica de outros
pases nos parece que o tema ganhou outra
conotao, ou melhor ainda, teve desenvolvi-
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mentos distintos1. Para prosseguir nos cabe agora explicar
minimamente o que seria ontologia. Ao obser-var sua definio em um dicionrio de filosofia
encontramos o seguinte excerto: a teoria acerca do ser em geral, acerca do ser como tal, independentemente das suas espcies particu-lares. Nesse sentido, ontologia equivalente a metafsica, sistema de determinaes espe-culativas gerais do ser (ROSENTAL e IUDIN, 1972, p. 124). Martins em seu texto sobre o
assunto remete filosofia da antiguidade para
demonstrar como o tema surge. O debate se inicia com Parmnides que ressalta neces-sidade de tomar as coisas em geral enquan-to so, as coisas enquanto entes (MARTINS, 2007, p. 34). Os entes seriam as manifesta-es aparentes e encontraramos sua essn-
1 A referncia clssica E. Soja em seu Geografias ps-modernas. Nes-sa obra a ontologia surge do estudo da constituio do lugar. No caso de Soja a necessidade da discusso de uma ontologia se aprofunda com a vontade de transcender o marxismo e de procurar fontes alternativas para sua metodolo-gia. Outro texto que pode aproximar-nos com as discusses no estrangeiro SCHATZKI, Theodore R. Spatial Ontology and Explanation in Annals of the Association of American Geographers, vol. 81, n 4, 1991, p. 650-670.
cia atravs de seu ser. Portanto a ontologia se
debruaria na compreenso ou na resoluo filosfica da relao entre ente e do ser. Poste-riormente:
Plato integrando ao discurso ontolgico a ques-to da alteridade entre a Idia e o ente em geral para nesse caso colocar-nos que a essncia, o ser do ente, se encontra na Idia. (...) Em Aristteles, sem abandonar a posio platnica, temos uma alterao capital, pois mais que ao perguntar pelo ente verdadeiro, derivado do predicado, somos remetidos a indagar-nos sobre o ente enquanto ente. (...) [Dessa forma] Respondem no o que os entes so, e sim indicam o estar e o ter enquan-to condio do existir dos entes em geral (MAR-TINS, 2007, p. 34).
Como vemos na citao acima Plato deu uma
resoluo para o problema dizendo que o ser
dos entes estaria contido nas idias, enquanto
Aristteles colocou que o mais importante se-ria analisarmos os entes enquanto entes. Ob-servem a preocupao e a nfase no estudo do estar e ter dos entes em detrimento do ser
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(MARTINS, 2007, p. 34). Sendo assim, para o
espao no haveria um ente ou ser especifico
ele seria uma categoria que diz respeito ao es-tar e o ter de todos os entes. Seria, portanto, uma propriedade dos entes. Aps esse momento inicial de surgimen-to da ontologia vrios outros filsofos daro
solues diferentes para o problema. No caso da geografia crtica, o debate sobre ontologia
no se pautar primordialmente na filosofia
antiga, pois ele se consolida atravs da dis-cusso da ontologia marxista do ser social. Ao analisar os quatro autores escolhidos essa ideia
fica bem clara, uma vez que todos percorrem
o itinerrio filosfico de Lukcs ou de Sartre.
Isso no significa que este seja o nico cami-nho para se pensar a ontologia do espao, mas quer dizer que vrios gegrafos fizeram essa
opo. No entanto, o panorama se transforma com a insero de outros filsofos que esto
mais distantes da tradio marxista como,
por exemplo, nas discusses acerca da feno-
menologia no caso da geografia humanstica.
Curiosamente Martins (2007, p. 34-35) indica
que a geografia, contrariamente ao dito acima,
toma o espao como um ser e no como uma categoria. Talvez o debate sobre ontologia na geografia tenha corroborado com essa viso
do espao enquanto ser e no como catego-ria ou propriedade. Veremos adiante como isso ocorre. Armando Corra da Silva e a busca da to-talidade
Um dos primeiros gegrafos a tratar do assun-to foi Armando Corra da Silva a partir do con-tato com seu colega da filosofia Jos Chasin
(SILVA, 1978, p. 9 e MARTINS, 2007, p. 35).
Em funo dessa influncia, Armando Corra
inicia sua busca a partir das ideias de Lukcs sobre a ontologia do ser social. Observem, ser social e no espao. Ou ainda, no o ser em um sentido heideggeriano que abarcaria
a existncia de uma maneira geral, ou seja,
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o fundamento ontolgico do ser. importante ressaltar essa diferena para compreendermos a delimitao do escopo filosfico de Lukcs.
O interesse sobre o tema ser desdobra-do pelos seus alunos de ps-graduao Anto-nio Carlos Robert Moraes, Ruy Moreira e lvio Rodrigues Martins. Em todos os seus discpulos as ideias de Lukcs vo ser recorrentes, seja de uma maneira mais integrada ao sistema filosfico lukacsiano, seja adotando somen-te algumas de suas caractersticas. Todo este contexto est ligado diretamente ao ambiente da filosofia uspiana onde a crtica ao estrutura-lismo e obra de Althusser estava diretamen-te ligada ontologia como dissemos acima. O existencialismo de Sartre ou as reflexes epis-temolgicas de Lukcs serviriam como leitu-ras alternativas interpretao de Althusser (ARANTES, 1994, p. 302-340). Interessante-mente isso no significa que os gegrafos iro
romper totalmente com o estruturalismo ao contrrio do que acontece na filosofia marxis-
ta. Veremos que apesar de todo esse debate a
ideia de estrutura persiste. Tendo esse panorama em mente, por que o tema da ontologia ou a busca do ser (es-sncia) do espao surgiria com grande impor-tncia? Para Silva (1982, p.72), formado ori-ginariamente nas cincias sociais, esse debate seria fundamental, pois os fatos sociolgicos explicariam o ser social. Ou seja, os fenme-nos estudados pela sociologia s teriam razo de ser, s seriam explicados em sua totalidade ou constituiriam leis gerais, luz do ser social ou da essncia da organizao social. Portan-to, cabe buscar o ser do espao que explicaria
da mesma maneira os fatos espaciais ou geo-grficos.
O grande problema de nossa disciplina, que a geografia passaria pelo que Silva cha-ma de impasse aristotlico-kantiano. De um lado temos Aristteles que se debrua sobre
uma geografia emprica e lgica analisando o
movimento do ser atravs da manifestao de
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seus entes. E de outro lado Kant que coloca
como questo central o pensamento puro e
o pensamento prtico ou ainda a questo da
aparncia e da realidade atravs da criao do espao enquanto categoria bsica de orde-namento do pensamento humano2. Junta-se a isso, o fato da maioria dos gegrafos no conseguir atingir uma anlise da totalidade na opinio de Silva (1978, p. 5-6). A geografia se
caracterizaria por conceitos e categorias, mas no por um mtodo geogrfico prprio. Silva,
em dado momento, o concebe como se fosse formado a partir de uma mistura de mtodos de outras cincias. O resultado da falta de um 2 Gostaramos de esclarecer que o espao para Kant no simples-mente um quadro ou uma categoria a priori que organiza a percepo humana. Esse ponto de vista kantiano surge no final de sua longa carreira filosfica. Ao consultarmos um dicionrio de geografia fica claro que a primeira posio de Kant que a geografia seria uma cincia classificatria e descritiva. somente na Crtica da razo pura que Kant vai denotar um maior valor para a imateria-lidade do espao que organiza a atividade do pensamento subjetivo. Aqui o espao no seria nem real, nem uma substncia e nem uma relao (GREGORY et alli, 2009, p.399-400). Dessas duas posies derivam interpretaes distintas sobre a natureza da geografia. Nos parece que essa ltima concepo do espao kantiano como quadro, foi a que preponderou nas interpretaes da geografia crtica. Agrava ainda mais a situao o fato do pensamento kantiano estar as-sociado ao pensamento burgus principalmente para o marxismo ortodoxo. No fundo o impasse que Armando aponta se o espao seria um elemento exterior ou interior ao homem.
mtodo geogrfico e da especializao cient-fica seria a perda do sentido de totalidade do
conhecimento ou o que ele chama de crise da
cincia burguesa (SILVA, 1978, p. 74 e 87).
Diante dessa problemtica acrescenta--se na proposta de Armando o debate de uma srie de questes que ele julga serem atrasos
e polmicas da cincia geogrfica, como por
exemplo, o empirismo e o racionalismo dentro da geografia, as indagaes sobre a concretu-de das estruturas sociais, a natureza das re-laes na geografia3, a existncia da dialtica da natureza e at mesmo se haveria resoluo consensual para o que seria o espao (SILVA,
1982, p. 75). Ora tudo isso aparece de uma
forma ou outra ligada ao problema da ontolo-gia do espao o que dificulta e torna complexo
o entendimento do debate sob sua perspecti-va. Assim, sua busca de uma ontologia do espao que atinja a totalidade e fundamente
3 Como se dariam s relaes entre lugares e ainda se a relao entre homem e natureza seria meramente ecolgica ou dialtica.
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um campo de estudo. Outra dificuldade ao se
deparar com a obra de Silva, que apesar dele
referenciar muito bem suas fontes, h uma mistura dos problemas epistemolgicos da ge-ografia contrapondo debates de contextos e
de pocas diferentes com problematizaes de dentro e fora da disciplina. Isso tudo surge em nome de uma preocupao com a totalidade concreta e com o mtodo. Ele tenta colocar em considerao de maneira simultnea o objeto e [o] mtodo, que, como determinao, pe o problema da prxis intelectual e da legalidade do trabalho terico (SILVA, 1982, p. 76).
Sinteticamente as ideias se encaminha-ro da seguinte maneira: Silva (1982, p. 76-77) ir criticar a geografia empiricista e vai
fazer uma contraposio com aquela que bus-ca teorias gerais. Segundo o autor a anlise ontolgica busca uma soluo no sistmica para a contradio entre racionalismo e em-pirismo (SILVA, 1982, p. 82). Em seguida Ar-mando busca modelos ou teorias que realmen-
te pensem sobre a realidade social, ou seja, que no sejam meras abstraes. Nesse sen-tido Harvey e Lacoste, ambos estruturalistas,
so referncias fundamentais. De Harvey Silva
pensa a questo do espao absoluto, relacio-nal e relativo. O espao absoluto seria dotado de materialidade e o espao relacional reme-te s proposies de Leibniz que fundamen-ta o espao atravs da co-presena de diver-sos objetos ou unidades chamadas mnadas. A busca aqui por um espao que seja mais
voltado para a anlise social e que se emanci-pe de uma concepo cartesiana e geomtrica tout court. Armando indica que o espao para Harvey no visto como ser uma vez que est
ancorado nas aes e nas relaes humanas. A outra referncia fundamental a ideia de Lacoste acerca da espacialidade diferencial. Segundo Lacoste ao mudar de escalas h tam-bm uma mudana de fenmeno, sendo que a
primeira deve ser estruturada para apreender mltiplas formas de realidade (SILVA, 1982, p.
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77-78). Essas consideraes ajudaram o autor
a definir a estrutura espacial no como me-ramente uma formao ideolgica, mas como um atributo do espao. Desse conjunto Silva compe uma forma de anlise que o satisfaz
mais, enquanto Harvey remete a dialtica de
Marx ao ver o espao como resultado da ao humana, Lacoste adota o estruturalismo e ins-trumentaliza a espacialidade diferencial que
permite analisar diversos conjuntos espaciais em vrias escalas (SILVA, 1982, p. 78). A an-lise estrutural de Lacoste tambm se preocupa com os discursos, o que remete epistemolo-gia por detrs do espao, identificando as ide-ologias contidas nos objetos (SILVA, 1982, p. 78). Em outra situao Silva ainda nos coloca
que o espao se funda nas categorias de loca-lizao, situao e distribuio (SILVA, 1978, p. 11-19).
Aps essa anlise Silva quer compreen-der as especificidades da composio do co-nhecimento geogrfico no terceiro mundo. Ao
realizar essa tarefa se depara com a obra de Milton Santos que apresenta as instncias so-ciais de maneira sistmica. Demonstra que a
totalizao ou as variveis universais se do atravs da tcnica e das empresas multinacio-nais o que permite dar nfase espacial es-trutura interna de cada nao compreendendo a dinmica de fluxos e a ligao entre o total
e o local (SILVA, 1982, p. 79). O contato com
as ideias de Milton ter muita repercusso na concepo de Silva nesse momento. Armando Corra da Silva aponta ainda para uma ontologia do espao na obra de Re-clus, pois interpreta o gegrafo francs admi-tindo que o espao determina a organizao
das sociedades e que a histria humana refle-te as desigualdades sociais atravs das naes (SILVA, 1982, p. 84-85). Na nossa interpreta-o, Reclus uma espcie de inspirao sobre o que seriam os estudos com base na ontolo-gia ou como ela poderia ajudar a geografia no
tocante manifestao dos fenmenos con-
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cretos. interessante notar na obra de Silva que
mesmo inspirado pelo estruturalismo, ele no deixa de atentar para a anlise paralisante que
as estruturas poderiam proporcionar. Sartre quem lhe indica esse fato e a necessidade de
ver a sociedade em movimento provavel-mente em funo da ideia de totalizao (SIL-VA, 1982, p. 90). Nesse contexto, a obra de
Lukcs surge como soluo para a mudana de anlise entre a totalidade e o lugar, ou seja, entre o universal e o singular. A mediao e a contradio entre o universal e o singular seria o particular. Este ltimo conteria valores uni-versais, mas seria nico em sua singularidade ao mesmo tempo em que seria um momento
especfico do processo histrico (SILVA, 1982,
p. 86). Talvez essa digresso at Lukcs reflita
a busca e a necessidade pelo movimento ou pela resoluo no sistmica da relao entre o racionalismo e o empirismo. Por ltimo no poderamos deixar de fa-
lar de sua idia de subtotalidade. Silva est em busca permanente da totalidade ao mesmo tempo em que sabe que impossvel alcan--la novamente muito provavelmente em fun-o da ideia de totalizao para Sartre. Nos parece ento que Silva v a vocao para a
totalidade da geografia, mas essa seria uma
totalidade restrita aos elementos geogrficos
ou espaciais:
A idia de subtotalidade uma transposio, para a dialtica, do problema do todo e partes do estruturalismo. fcil compreender que, tratando do conhecimento em seu conjunto, a idia de sub-totalidade pode justificar a existncia de qualquer conhecimento especfico: em meu caso, da geo-grafia (SILVA, 1982, p. 80).
Talvez toda a preocupao em esclare-cer a subtotalidade seja no sentido de justi-ficar a existncia e a importncia do conheci-mento especfico da geografia. E mesmo com
sua concepo de subtotalidade a ontologia continuaria a ser um elemento universal, ou
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seja, um espcie de totalidade limitada espa-cialmente que se refere a outros elementos
menores, subordinados e dependentes. Aps todo o desenrolar do debate de Ar-mando Corra da Silva vemos a grande quan-tidade de questes que ele pretende abordar.
De um lado temos um debate da poca que diz
respeito ao estruturalismo e de outro lado te-mos uma discusso de vem desde a geografia
moderna at os dias de hoje entre racionalismo e empirismo. Queremos ressaltar que apesar
de Silva mostrar Leibniz como uma alternativa para se pensar os espaos sociais pensamos que este filsofo uma falsa alternativa. Isso
porque seu espao relativo no possui gran-des contrastes se compararmos geometria cartesiana. Sendo assim o espao relacional melhora a anlise espacial, mas no dota o espao de uma maior densidade histrica nem o aproxima de um modelo mais ligado di-nmica social. Tanto que o espao relacio-nal e o espao absoluto foram grandes motes
e instrumentos da nova geografia. Por outro
lado o tema da co-existncia social foi assunto inspirador para o desdobramento de socilo-gos muitos anos depois como A. Giddens. No
entanto, as reflexes inovadoras de Armando
Correa da Silva incorporam o espao relacional pela obra de Harvey e dotam o espao de uma
densidade histrica estrutural, alm do ser do espao remeter ao papel de produto e produ-tor da sociedade. E seguindo seu argumento a ontologia [do espao], uma vez delimitada, remete epistemologia, ou seja, s formas de constituio do conhecimento (SILVA, 1986, p. 98 e 131).
A presena seminal de Lukcs na obra de Antonio c. r. de moraes
Em 1979 na revista da Unio Paulista de Estu-dantes de Geografia, Antonio Carlos Robert de
Moraes tambm faz suas reflexes sobre uma
ontologia do espao, porm logo aps aban-donaria a ideia. Apesar disso, pensamos que
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ele um autor que ir constituir uma ideia de
ontologia do espao coesa se baseando prin-cipalmente na obra de Lukcs. A sua pergunta original sobre o assunto a seguinte:
Como realizar um estudo do espao dentro do materialismo histrico, em que ele no seja ape-nas receptculo de fenmenos determinados por outras instncias do real? Como efetivar a apro-priao total do espao, apreendendo-lhe a es-sncia? Como apreender esse ser especfico sem autonomiz-lo e sem empobrecer-lhe a singula-ridade? Como realizar um corte no real sem cair num procedimento positivista? (MORAES, 1982, p. 65-66).
Isso porque para Moraes dentro da geo-grafia o debate sobre o espao se faz sob um
ambiente lgico e no dialtico atravs de Kant e Leibniz. Por outro lado o espao social havia
sendo tratado por outras cincias de maneiras diversas como o caso, por exemplo, do urba-nismo (MORAES, 1982, p. 66).
Aps essas consideraes seu prximo passo tentar identificar os gegrafos que
versaram sobre o materialismo histrico. Cita Bertoquy um gegrafo mexicano que moda
de Pierre George tentou conciliar contradito-riamente Marx e a geografia tradicional (MO-RAES, 1982, p. 66-67). No interior do mar-xismo, o espao tambm seria relegado a um segundo plano devido citao da Ideologia alem em que Marx insinua que toda cincia histrica. Paralelamente geografia e com
base no marxismo surge a sociologia espacial:
(uma projeo das relaes sociais no espao concreto, atentando para as contradies gerais do capitalismo), reduzindo o objeto ao seu aspec-to fenomnico, assim um espao dado, determi-nado diretamente pelas leis gerais da acumulao capitalista. De um lado os lugares (locais de ocor-rncia) com seus arranjos nicos de mediaes in-cognoscveis, de outro, as leis abstratas do modo de produo. O espao como receptculo (MORA-ES, 1982, p. 68).
Mesmo nesse tipo de sociologia, na opinio do autor, o espao visto positivamente como fato. No h uma ideia real de dialtica do es-
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pao uma vez que ele ainda visto como re-ceptculo. Tudo isso se deve ao no aprofun-damento da metodologia marxista. Todavia, os marxistas que tentaram fazer sociologia
espacial tm uma contribuio concreta para pensarmos. Todo esse conjunto foi visto como ponto de partida da reflexo e no sob uma
crtica anuladora. Ao ignorarmos esses auto-res estamos fadados a cometer os mesmos equvocos.
Digresses parte, para Moraes Harvey
e Milton seriam os autores que mais teriam ca-minhado para a construo de uma concepo dialtica do espao (MORAES, 1982, p. 68).
Paralelamente a esses desenvolvimentos para
Moraes Lukcs seria um autor importante de-vido ao seu encaminhamento metodolgico. Seu mtodo seria claro e adequado para estu-dar o espao, pois versaria sobre seres indi-vidualizados, de existncias e formas de ma-nifestao especfica (MORAES, 1982, p. 68).
Reflexes que seriam aprumadas por uma dia-
ltica entre sujeito e objeto. Assim:
A proposta lukacsiana desde logo referenda (e elucida) o primado gnoseolgico da existncia re-forando o fundamento materialista da anteriori-dade do ser em relao conscincia. Assim, as coisas tm uma existncia anterior e exterior s representaes que os homens delas fazem. Esta prioridade e exterioridade do real frente ao conhe-cimento um dos pontos basilares da proposta lukacsiana (MORAES, 1982, p. 68).
O conhecimento e a realidade concreta se apresentam como momentos de particularida-des sucessivas que delineiam o movimento do
ser. Portanto, temos a aproximao possvel
de um determinado objeto em um momento concreto logo ultrapassado pelo movimento da totalidade real. Sendo assim, cabe esclarecer que o ser para Lukcs tem um aspecto diferente dos an-tigos ou de outros filsofos. O ser seria visto a partir do materialismo histrico e dialtico, e o que determinaria a dificuldade de apreenso
seria seu constante movimento (movimento
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singular e movimento da totalidade da exis-tncia) e no uma essncia eterna imutvel no
nvel das idias. O ser parte movente e parte movido sendo que sua complexidade se cons-titui a partir da origem gentica ou histrica que remete s ligaes entre os mais diver-sos fenmenos que conhecemos. A totalida-de, portanto se compe de vrios fenmenos (MORAES, 1982, p. 69). Em seguida Moraes
se refere crtica que Lukcs faz acerca da
fragmentao dos conhecimentos, e conse-qentemente dos aspectos do ser, o que reve-la uma cincia decadente e incapaz de ter uma viso total da realidade. Logo em seguida, nos coloca que o fundamento ontolgico do ser so-cial, ou aquilo que funda a sociedade ao mes-mo tempo em que permite o surgimento do
pensamento cientfico o trabalho (MORAES,
1982, p. 69). Atravs dele o pensamento hu-mano tem teleologia e h uma previsibilidade das conseqncias do ato humano, ou seja, a
capacidade de pensar o futuro. Dessa forma a
ontologia se prope enquanto base cientfico--filosfica para apreenso da realidade. Agora
que a situao se dificulta em nossa opinio:
Desde logo, devemos admitir o espao enquanto natureza em si, como existncia objetiva anterior ao homem, manifestao de formas de materia-lidade inorgnica e orgnica, engendrando numa histria natural, onde as transformaes ocorrem sem a impulso finalstica. Este espao uma rea-lidade fctica, o reino absoluto da causalidade. Em termos lgicos e histricos, admitimos que nesta realidade que se forma o ser social, forma mais elevada da materialidade. Este se transforma te-leologicamente (com finalidade) e o mundo exter-no atravs do seu trabalho. Apropria e transforma esse espao natural, imprimindo-lhe sua marca; faz dos objetos naturais formas teis vida hu-mana. O apropriar-se do espao concreto implica na elaborao de categorias lgicas sobre o espa-o. (...) Noes como distncia, extenso, fron-teira, assim como a conscincia do espao grupal e a demarcao do domnio territorial so engen-dradas no trabalho social, so ilaes da prtica (MORAES, 1982, p. 71).
Assim Moraes acredita ter desatado o que chama n grdio da geografia: para Kant
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o espao era uma mera categoria lgica do entendimento e para a geografia tradicional
o espao era somente a superfcie terrestre, uma categoria eminentemente emprica. Atra-vs de Lukcs h uma superao dessa dico-tomia, pois se demonstra como o trabalho fundador prtico das categorias de entendi-mento humano ao mesmo tempo em que
transformador (apropriador) da superfcie ter-restre (MORAES, 1982, p. 72). O espao se
apresenta como categoria histrica-concreta, remetendo a um ser em movimento. O ser j no uma natureza em si mas uma nature-za para o homem (...) e dinmica prpria da
materialidade social (MORAES, 1982, p. 72). Ao final do texto, conclui que agora nos cabe
buscar as singularidades das formaes terri-toriais, ideia que nos parece vai orientar sua
produo intelectual durante um longo pero-do. O que nos cabe perguntar diante do
exposto se Lukcs para pensar a ontologia
do espao no reproduziria viso do espa-o como um elemento exterior que oferece as
potencialidades para o desenvolvimento hu-mano? Como vimos acima Lukcs fala sobre a ontologia do ser social e no do espao. O trabalho tem claramente um papel fundamen-tal, mas o fato que Lukcs no evidencia o
papel do espao, apesar dele ser claramente uma base material. A necessidade de digresso para o de-senvolvimento do argumento filosfico faz
Lukcs cair no momento original de hominiza-o do homem que se d atravs do trabalho.
A continuao lgica do seu raciocnio hist-rico seria observar ento quais so os prxi-mos movimentos da civilizao ou da cultura humana como, por exemplo, o desenrolar dos modos de produo. Talvez seja por isso que
Moraes se debruou to longamente sobre a formao territorial e sua relao com o pen-samento geogrfico. Ou seja, como o trabalho
transforma o espao e ao mesmo tempo em
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que produz um conhecimento prtico.
A seguir aps uma rpida explanao sobre a produo de Ruy Moreira argumenta-remos como a obra de Milton Santos foi fun-damental no sentido de observar o papel das tcnicas integradas materialidade e ao pro-cesso do trabalho.
Ruy Moreira e a geograficidade
Acerca da obra de Ruy Moreira confessamos de imediato nossa grande dificuldade. Isso
porque o autor mistura uma grande quantida-de de matrizes, sistemas e obras de autores muito dspares, como por exemplo, o prprio Lukcs e Heidegger. Alm disso, o prprio pon-to de partida de sua ontologia no nos pareceu claro. O que seria a ontologia? Seria tomado a
partir de Lukcs ou da Heidegger? Apesar de
ambos darem importncia dimenso hist-rica (contraposio entre histria e historicida-de) talvez Heidegger esteja mais direcionado
ao entendimento filosfico do indivduo do que
ontologia social de Lukcs. Alm disso, para Heidegger a conscincia da morte, a presenti-ficao da existncia, o tempo vivido e o ser
decado parecem ser muito mais importantes na constituio da ontologia do homem do que
o trabalho. A discusso sobre a ontologia po-dem apresentar muitas variveis comuns en-quanto exame do ser, porm se tomarmos a
obra filosfica como um todo o sentido e as
ideias podem ser bem diferentes. O fato con-creto que Lukcs faz crticas a Heidegger em
sua obra A destruio da razo (KOLAKOWSKI, 2005, p. 1014).
Independentemente disso Moreira dedi-cou parte substancial de sua vida intelectual ao assunto. Em um de seus trabalhos mais deba-tidos Moreira traa um paralelo entre a histria da geografia e sua discusso sobre o marxismo.
Sendo assim vai at os clssicos do marxismo e aos gegrafos que versaram sobre a relao
entre geografia e marxismo para dotar-lhes de
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um sentido ontolgico4. Ao transitar por todo esse caminho se depara com a ideia de que
uma ontologia do espao seria constituda pelo que chama de metabolismo entre natureza e
sociedade. As categorias gerais do marxismo e da geografia que podem encaminhar para
uma anlise ontolgica so natureza, trabalho e o homem (MOREIRA, 2004, p. 23). O resul-tado do processo a riqueza e a produo de
valores de usos nas diversas sociedades hu-manas. Logo aps, Moreira recupera a ideia de paisagem natural e cultural para declinar de uma posio que considere a tcnica como
valor fundamental para mensurar os estados civilizatrios ou de evoluo social (MOREIRA, 2004, p. 26). Apesar dos avanos da geografia
marxista dos gegrafos franceses de meados do sculo XX para Moreira (2004, p. 28) o que
se produziu foi um conhecimento fragmentrio que no conseguiria constituir a totalidade.
4 Lembrando que esse procedimento do ponto de vista da histria das cincias pode ser acometido por uma srie de anacronismos.
Frente essa constatao Moreira recupe-ra as idias da Ideologia alem de Marx para demonstrar no apenas o carter humanizante do trabalho, mas tambm a relao entre ne-cessidade e liberdade. Ou seja, como o traba-lho consegue tornar o homem pleno em con-traposio ao papel alienante da propriedade privada, o que no exclusivo do modo de
produo capitalista. Para Moreira (2004, p.
30) essa questo se resolve ontologicamen-te. A partir dessas reflexes surge a sua ideia
de geograficidade que exemplifica a mistura
filosfica que havamos nos referido anterior-mente:
Designamos geograficidade condio espacial da existncia do homem em qualquer sociedade. O equivalente do que em filosofia Heidegger de-signa a mundanidade do homem. Ou em outro contexto Hegel designa o ser-estar do homem no mundo. O acento marxista o enraizamento des-sa mundanidade de Heidegger, desse ser-estar--no-mundo de Hegel, no mbito do metabolismo do trabalho (MOREIRA, 2004, p. 32).
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A ideia surge como num mosaico onde um autor d continuidade ao outro, porm eles possuem temticas e sistemas filosficos dife-rentes. No que eles no sejam passveis de
dilogo, mas no conseguimos compreender o desdobramento e a relao das ideias de cada pensador uma vez que elas no podem ser to-madas por partes desconexas de um sistema de pensamento maior. Talvez em algum outro lugar essas ilaes tenham sido esclarecidas. Diante da obra de Moreira a influncia
de Lukcs continua tanto na ideia do trabalho quanto na do trinmio universal-particular--singular abarcando a totalidade. A geografi-cidade aparece como sntese da essncia e da existncia, ou seja, da prpria totalidade con-creta do ser (MOREIRA, 2004, p. 34). E mais
adiante a aparncia definida como a prpria
essncia rumo sntese: A geograficidade parte do ente, vai da existncia essncia caminho mediado pela forma e pelo contedo para retornar de volta ao ente e enfim ex-
plicitar o seu ser geogrfico (MOREIRA, 2004, p. 34)5. Assim temos a impresso que devido
dificuldade de definio ontolgica se esgota
a diferena entre essncia e ente. Alm disso, na geograficidade se confunde o ser do espao
e o ser do homem que pensamos serem fe-nmenos diferentes apesar de indissociveis. O texto nos instiga indagaes do tipo: qual
a diferena entre ente e ser? Qual o mtodo para transitar entre um e outro? Em Lukcs, por exemplo, h uma coincidncia entre ser e ente? A nosso ver no, porque o ente se mani-festa enquanto momento concreto e a essn-cia se apresenta como a totalidade do movi-mento histrico dotado de uma complexidade que no tem fim, uma vez que a totalidade
concreta est sempre em movimento. Por isso,
em seu sistema filosfico a verdade datada e 5 Martins (2004, p. 41) reflete sobre essa viso de uma geografiacida-de homem-espao no sentido que A essncia do ser configurar-se- a partir de determinao geogrficas e (histricas), posto que so determinaes da existncia. O ser do homem se confundir com a mundaneidade do meio, em que a dicotomia entre homem-meio superada quando tomamos o nosso ser a partir das nossas objetivaes, e de nossas objetivaes na construo da subjetividade.
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efmera pautada nos diversos momentos his-tricos (HOLZ e KOFLER, 1969).
Em outra obra Moreira (2008, p. 135 et passim) explora novos temas da ontologia que cr possurem importncia fundamental. O pri-meiro como a modernidade modifica as re-presentaes e os arranjos espaciais causando drsticas conseqncias. Em seguida explora
a diferena individual sob um vis ontolgico e por fim versa novamente sobre a geografi-cidade e a idia lukacsiana de sociabilidade. No entanto, podemos notar que mesmo dialo-gando com outros autores a raiz lukacsiana da reflexo e a busca pela totalidade continuam
presentes.
Milton Santos e a centralidade da tcnica
O tema da ontologia est presente tambm na obra de Milton Santos e discutida mais ex-plicitamente em A natureza do espao. Apesar dessa obra ser posterior ao incio da geografia
crtica pensamos que ela reflete parte do de-bate que Milton Santos realizou em sua traje-tria. Ao olhar o ndice da obra e sua primei-ra parte fica evidente que Santos tenta dar
obra um sentido ontolgico. O autor, alm de propor uma teoria, tenta demonstrar como o espao se constitui como ser. Na primeira parte da obra a preocupa-o com a aceitao ou o uso de categorias de outros campos do conhecimento grande. E no tocante a isso que a ontologia surge:
as categorias de anlise, formando sistema, devem esposar o contedo existencial, isto , devem refletir a prpria ontologia do espao, a
partir de estruturas internas a ele (SANTOS, 2004, p. 23). Com essa perspectiva em men-te a geografia dever se apropriar enquanto
disciplina de outras categorias para explicar
a ontologia do espao a partir de suas prprias categorias internas. Seguindo esse raciocnio seguramente a tcnica tem um papel funda-mental:
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A centralidade da tcnica rene as categorias internas e externas, permitindo empiricamente assimilar coerncia externa e coerncia interna. A tcnica deve ser vista sob um trplice aspecto: como reveladora da produo histrica da reali-dade; como inspiradora de um mtodo unitrio (afastando dualismos e ambigidades) e, final-mente, como garantia da conquista do futuro, desde que no nos deixemos ofuscar pelas tcni-cas particulares, e sejamos guiados em nosso m-todo, pelo fenmeno tcnico visto filosoficamente, isto , como um todo (SANTOS, 2004, p. 23).
As tcnicas permitiram nos relacionar-mos bem com outros campos do conhecimen-to fazendo mediaes entre categorias inter-nas e externas. No podemos deixar de pensar igualmente que no existe trabalho sem tcni-ca mesmo os trabalhos mais simples. Ambos se agregam no espao e o constituem histori-camente. O que interessante nesse racioc-nio que tcnica e trabalho morto aparecem
como formas sociais que so herdadas e que
podem possuir contedos diferentes nos di-versos modos de produo. So formas que
perpassam diversos perodos histricos. Cabe ressaltar nesse momento que essa
concepo de tcnica como um dos fundamen-tos do espao est muito ligada s idias que
Santos retirou da Ideologia Alem de Marx. Lembremos que muito da teoria antropolgica
marxista da origem do homem e da sociedade foi retirada dessa obra. No nos esqueamos
tambm que nesse momento do pensamento
marxiano a idia de modos de produo est mais ligada ao nvel tecnolgico e material. somente em O Capital que Marx d uma gui-nada e pensa o modo de produo dando nfa-se s relaes de produo e de propriedade. A materialidade e o nvel tcnico guar-dam em si uma intencionalidade que por ve-zes podem exigir certas finalidades. Vejamos
o que diz o autor: noes fundadoras do ser do espao, susceptveis de ajudar a encontrar sua busca da ontologia: a tcnica, o tempo,
a intencionalidade materializados nos objetos e aes (SANTOS, 2004, p. 23-24). Apesar
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do trabalho no ser citado explicitamente, te-mos a as categorias que assentam sua ideia
de ontologia em que o espao aparece como
ser. justamente essa intencionalidade que
fundamentar a ontologia para Sartre (GILES, 1975, p. 327) fazendo confrontar e criando
contradies entre o ser em-si e o para-si, as duas regies fundamentais da conscincia (re-parem que no existencialismo a essncia s
possvel com a conscincia e a existncia; o
em-si seria idia ligada conscincia de um individuo material)6. No somente nesse caso que a relao entre Satre e Milton San-tos se estabelece, a ideia de projeto tambm evidencia a influncia sartreana em sua obra.
Claramente o projeto s se constitui se car-regado de intencionalidade e obviamente se h discrepncia formam-se conflitos (GILES,
1975, p. 340). Nesse sentido h uma dialtica
social entre a atitude solidria e a escassez 6 Agora nos cabe ter clareza que a posio filosfica de Sartre oposta a do materialismo ortodoxo uma vez que para ele a conscincia funda a exis-tncia.
latente entre os indivduos, ligada, por exem-plo, s relaes sociais do lugar no tocante a pobreza do terceiro mundo. Com a intencionalidade acrescida da ao prtica do trabalho e tendo a tcnica como o conhecimento intermediador desse processo Sartre cinde a prxis:
Mas se os homens no pudessem tornar-se uten-slios, fazendo modificaes em seu ambiente, no podiam modificar nada. No existiria a prxis. A pura cerebrao no conseguiria nada. O aspecto fsico do ser humano , literalmente, seu conta-to com o mundo; e utilizando a si prprio como instrumento, modifica as coisas. Os utenslios so simplesmente extenses das mos (GILES, 1975, p. 362).
Vislumbra-se o vulto da ideia original da prxis marxista em que a filosofia se supera
atravs da realizao prtica. A partir do elo de realizao do trabalho atravs da prxis in-termediada pela tcnica se revela a indissocia-bilidade entre o humano e o no-humano ao mesmo tempo em que se forma parte do ter-
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ritrio. Nesse momento as formas-contedos so fundamentais para a ontologia do espao: Por adquirirem uma vida, sempre renovada pelo movimento social, as formas tornadas assim formas-contedo podem participar de uma dialtica com a prpria sociedade e as-sim fazer parte da prpria evoluo do espa-o (SANTOS, 2004, p. 106). Por fim, Santos nos coloca que o espao uma sntese provi-sria muito prximo da idia de totalizao
de Sartre das formas e do contedo social.
Sociedade e espao fazem um par dialtico na medida em que mantm relaes contradit-rias e inseparveis (SANTOS, 2004, p. 109).
O processo de totalizao e sua concepo de totalidade esto ligadas a Sartre. Temos assim outra similaridade entre o fundamento do es-pao e a totalizao:
O aspecto unificador de um ato a totalizao de um ato no-terminado, mas que pode ser con-siderado assim, sinteticamente, quando conside-ramos cada parte em termos da sua relao com
todas as demais. Por exemplo, uma casa vazia um prtico-inerte, mas uma vez habitada torna--se um lar e o centro das atividades unificadoras (GILES, 1975, p. 355).
Diante do exposto nos parece que sua
obra busca em vrios momentos ter um senti-do ontolgico para fundamentar a gnese e o desenrolar do ser do espao. Ele visto como uma instncia e devemos lembrar que para
Althusser as vrias instncias compem a to-talidade. Assim Santos de uma maneira com-pletamente inovadora consegue unir o projeto estruturalista que tem suas bases nas idias
de Althusser ao existencialismo e seu foco na ao do indivduo ao modo de Sartre. Fato que
responde aos problemas que se aprofundaram
na geografia norte-americana e inglesa, mas
que no foi amplamente celebrado e debati-do no Brasil. Essa idia foi certamente inspi-rada por Sartre, pois como coloca Giles (1975, p. 352) Sartre considera que o materialismo aniquila o sujeito e at a prpria dialtica, pois
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se o sujeito apenas matria, no pode haver dialtica. Sendo assim, h uma composio como indicamos acima da viso de Sartre e Althusser. Pensamos que j temos agora elemen-tos suficientes para traar algumas considera-es finais.
Consideraes Finais
Ao retomarmos as consideraes de Ruy Moreira entre a relao da geografia com o
marxismo vamos encontrar o seguinte excer-to:
Em se tratando da condio geogrfica da exis-tncia humana, o olhar marxista que deve afei-oar-se ao arsenal categorial, conceitual e lin-gstico da geografia. Trata-se menos de fazer de Marx um gegrafo, ou esperar ver uma geogra-fia nos escritos de Marx, que fazer da geografia uma forma de olhar pelos olhos de um referen-cial marxista, mas com as formas e categorias de olhar prprias. O olhar do marxismo emprestaria o foco. (MOREIRA, 2004, p. 30).
Cremos que essa viso muito discre-pante da nossa, porque pode causar uma va-lorizao indevida da histria do pensamento geogrfico. Indevida porque vai tender a re-valorizar conceitos ultrapassados e descon-textualiz-los tentando atrel-los s temticas que no lhe so prprias. No possvel um
marxocentrismo para pensadores fora do mbito do marxismo. Ou seja, analisar e uti-lizar o gnero de vida com um olhar marxista ou com referenciais do materialismo histrico no vai resolver a questo. O que se deve fa-zer compreender os gegrafos antigos em seus contextos tentando enxergar o seu papel e sua obra intelectual como um todo. O impor-tante compreender suas influencias filos-ficas e no tentar encaixar novas influencias
que no se realizaram e que apenas se insinu-am. S assim entenderemos o desenvolvimen-to das idias e poderemos dimensiona-las na atualidade. Para ns a geografia marxista deve
procurar o pensamento geogrfico em Marx e
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nos marxistas uma vez que estes de fato mo-bilizaram categorias prprias da disciplina. Se a geografia versa sobre a existncia humana
e seguramente o faz ento as relaes en-tre homem e meio so um elemento que est
presente na obra dos marxistas. Por outro lado
os gegrafos que tentaram fazer uma aproxi-mao entre geografia e marxismo precisam
ser mais estudados com a restituio de seus contextos, com a compreenso de sua produ-o e seus avanos tericos. A relao entre geografia e marxismo ou geografia e pensa-mento crtico no se inicia em 1968. Ele come-a a se institucionalizar no final da dcada de
1960, mas existem muitas latncias anterio-res a esse perodo. Cabe observar a progres-so do pensamento geogrfico e do marxismo
suas reas de contato, paralelismos, continui-dades, descontinuidades e temas de pesquisa.
Isso nos parece ser muito mais fcil e concre-to, pois devemos compreender que mostrar a
eventual aproximao que o gnero de vida
pode ter com concepes fundadas no mate-rialismo dialtico ou no pensamento heidegge-riano sem t-lo explicitamente talvez signifi-que mistificar a histria da cincia.
O debate da ontologia surgido em par-te do marxismo, no caso da geografia, teve
muitos desenrolares como vimos. Para com-preend-lo a fundo devemos retornar aos fundamentos de Sartre, Lukcs e de Marx da Ideologia alem e dos Manuscritos filosficos. Isso porque no nosso entender Lukcs oferece
uma compreenso especfica do ser e porque
na Ideologia temos uma teoria antropolgica que nos diz muito sobre a origem da sociedade
e a apropriao da natureza ou do espao.
Com o processo da apropriao e a proprie-dade privada surgir concomitante alienao do homem. Assim, categorias como trabalho, tcnica, alienao podem constituir uma onto-logia do homem e do espao como vimos aci-ma. Martins (2004, p. 49) aponta claramente
para essa necessidade e indica a eventual pro-
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duo de uma geografia alienada a partir de
uma subjetividade humana sob a influncia do
estranhamento do modo de produo capita-lista e da propriedade privada. O pensamento sartreano tambm ofe-rece a possibilidade da constituio de uma ontologia. Quanto a isso interessante a po-sio de Milton Santos de que sociedade e es-pao so indissociveis ao mesmo tempo em que guardam um certo grau de diferenciao.
Quanto posio do espao ser uma proprie-dade ou um ser, talvez poderamos achar uma posio conciliadora. O espao um ser natural dado exteriormente, mas tambm constitudo socialmente e ao mesmo tempo diz respeito s caractersticas de outros seres ou s rela-es entre os seres. Certamente a totalidade se compe da relao entre os fenmenos que
Lukcs nos fala e que tem certa semelhana
com a transfenomenalidade de Sartre (1943, p. 28). Sartre alm de ter uma posio ontol-gica clara que faz dialogar vrios sistemas filo-
sficos coloca o espao como uma negao ou
relao entre fenmenos. Em O ser e o nada o espao no seria um ser, mas a ligao entre os fenmenos ou entre os objetos. Para Sartre
o espao remete principalmente ao para-si, ou seja, a aparncia dos seres que se contraporia
ao em-si (SARTRE, 1943, p. 220). Mesmo que
Milton tenha sido influenciado por Sartre pou-cos gegrafos se arriscaram a relacionar sua ontologia do espao com as idias deste fil-sofo at as ltimas conseqncias. Obviamen-te as consideraes sartreanas no permane-cem as mesmas ao longo de sua carreira. Em A crtica da razo dialtica surge o problema do prtico-inerte que como sabemos tem am-pla repercusso na obra de Milton. E aqui mais
uma vez ressaltamos que talvez ainda no se
tenha popularizado a idia inovadora que Mil-ton elaborou atravs do pensamento sartrea-no: a anlise da estrutura pode ser conciliada com o papel do indivduo. Assim:
Em vez de pensar a histria a partir da produo,
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para em seguida englobar as estruturas que so o grupo e a sociedade, estudando as contradies que estes impem, para afinal chegar ao Indiv-duo, Sartre, usando o que ele chama de experi-ncia crtica, parte do sujeito, do Indivduo, na sua prxis incompleta, analisa seu relacionamento com o outro, traa o crescimento do grupo e de outras formas coletivas, para terminar, afinal, no ente concreto absoluto que o homem histrico (GILES, 1975, p. 358).
Certamente a posio de Sartre sobre o espao ou a relao entre Sartre e Milton carece de um debate mais rico, o que com-pletamente possvel. Talvez o pensamento sartreano oferea novos caminhos para outras ontologias do espao e sua investigao.
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