Download - Apostila 1 geopolítica
Fonte “O Estado de São Paulo”
CENTENAS DE MILHARES PROTESTAM NO
ORIENTE MÉDIO E NORTE DA AFRICA.
MANIFESTANTES NO IRAQUE – IÊMEN –
BAHREIN – EGITO – TUNÍSIA – JORDÂNIA,
EXIGEM PRESTAÇÃO DE CONTAS DE
LÍDERES E SE SOLIDARIZAM COM LÍBIA.
02 – allencar rodriguez
Centenas de milhares de
manifestantes saíram às ruas no Oriente
Médio e norte da África para exigir a
prestação de contas de seus líderes e
expressar solidariedade ao levante na
Líbia que o líder Muamar Kadafi está
tentando suprimir pela força.
No Iraque, manifestações reivindicando melhores serviços públicos
saíram do controle em muitos lugares. Os manifestantes
queimaram prédios, e a forças de segurança atiraram contra a
multidão em Bagdá, Mossul, Ramadi e na Província de Salahuddin,
no norte da capital, deixando pelo menos cinco mortos.
Manifestantes e policiais entram em
choque em Bagdá, no Iraque.
Passeatas em grande escala no Iêmen
pareceram preceder marchas mais pacíficas e
até mesmo festivas. Mais de 100 mil saíram às
ruas depois que o presidente prometeu não
reprimir as demonstrações.
No Egito, dezenas de milhares se concentraram na praça Tahrir do
Cairo, que virou símbolo da revolta que forçou a renúncia de Hosni
Mubarak em 11 de fevereiro. Os manifestantes exigem a formação
de um novo governo e o julgamento do ex-presidente egípcio, que
se retirou para a cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, na Península do
Sinai.
crise árabe - 03
O Egito vive um período de transição política
após a renúncia, mas a maioria dos ministros e
o chefe do gabinete, Ahmed Shaifg, procedem
do regime anterior.
“Não precisamos desse governo, queremos um novo que possamos
escolher”, disse o jovem manifestante Omar el-Guendi.
A concentração coincidiu com as orações do meio-dia de sexta-
feira, a celebração religiosa semanal mais importante para o mundo
muçulmano. Os manifestantes levavam bandeiras e cartazes, e
muitos deles estavam com as caras pintadas com as cores da
bandeira egípcia.
No Bahrein, manifestações pró-democracia
bloqueou quilômetros das estradas e rodovias
centrais em Manama, capital. Em uma
mudança em relação à terça-feira, quando os
manifestantes antigoverno atraíram mais de
100 mil para a Praça Pérola.
Nesta sexta foram os líderes religiosos que convocaram a
população a tomar as ruas. Isso pode mudar a dinâmica no
Bahrein, onde os xiitas são a maioria, mas os governantes
pertencem à maioria sunita.
Na Jordânia, milhares saíram novamente às ruas de Amã e outras
cidades para exigir reformas políticas, entre elas a dissolução da
Câmara baixa do Parlamento. A principal manifestação ocorreu na
capital e saiu da Grande Mesquita de Hussein, onde se reuniram
líderes opositores, sindicalistas e ativistas independentes.
Os participantes da manifestação cantaram
palavras de ordem para exigir reformas
políticas, o fechamento da embaixada
israelense em Amã e a restauração da
Constituição de 1952, que previa a formação
de governos representativos.
04 – allencar rodriguez
Os manifestantes também traziam cartazes em apoio às revoltas
contra o regime de Muamar Kadafi na Líbia. Os protestos na
Jordânia começaram há seis semanas no calor das revoltas do Egito
e da Tunísia, e as exigências da população se centram
principalmente em reformas como a modificação da Lei Eleitoral,
muito criticada pela oposição. Diante da pressão das ruas, o rei
Abdullah 2º formou um novo governo, pedindo que promova
reformas políticas reais e rápidas, e que dialogue com todas as
forças políticas.
Na Tunísia, onde começaram em dezembro os protestos que
serviram como um rastilho de pólvora no mundo árabe, milhares se
concentraram na frente do Palácio de Governo, no centro de Túnis,
para pedir a renúncia do Executivo de transição tunisiano e do
primeiro ministro Mohamed Ghannouchi.
A praça da velha Medina de Túnis se
transformou poucos dias depois da fuga do
presidente deposto no centro dos protestos
populares contra o governo, especialmente dos
habitantes das regiões mais abandonadas do
interior do país como Sidi Buzid e Kaserin.
PROTESTOS NO MUNDO ÁRABE ABALAM ISRAEL
APESAR DA CRISE ENTRE ISRAEL E PALESTINOS NÃO
ESTAR NO FOCO DAS REVOLTAS NO MUNDO ÁRABE, APOIO
À CAUSA PALESTINA PODE CRESCER
crise árabe - 05
As antigas certezas sobre o Oriente Médio foram reviradas e Israel
encontra muitos dos seus parceiros mais confiáveis abalados ou
derrubados pela agitação popular. O Egito foi por muito tempo um
dos mais importantes aliados de Israel, e seus laços com a Tunísia
também eram discretamente fortes. Com as manifestações por
mudanças abalando também Jordânia, Bahrein e Marrocos, Israel se
encontra em dificuldades.
Os israelenses temem que os movimentos pela democracia árabe
acabarão por ser dominados por extremistas, como aconteceu no Irã
após a revolução de 1979 que derrubou o antigo xá. Eles se
preocupam com a transição caótica entre a revolta e a estabilidade
democrática, se ela vier. Eles vêem a Irmandade Muçulmana do
Egito, mesmo que permaneça como uma minoria, como um grupo
que fará pressão para uma maior solidariedade com os palestinos e
o Hamas, o ramo palestino da Irmandade. E temem que seus
parceiros regionais no controle do Irã estejam sob ameaça ou em
queda.
Analistas árabes avaliam que as novas realidades e democracias
na região devem ser abraçadas por Israel. A nova geração árabe
compartilha muitos dos mesmos valores de Israel e do Ocidente.
Eles argumentam que não há apoio entre os líderes do Egito para a
revogação do Tratado de Paz de 1979, embora ele não seja popular
com o público. O exército não irá prejudicar a política externa.
Mas os novos governos são mais suscetíveis a aumentar seu apoio
à causa palestina, como o Egito já reabrindo a passagem para a
Faixa de Gaza governada pelo Hamas. Essa nova atitude pode
pressionar Israel a fazer mais para encontrar uma solução para o
problema, alguns analistas argumentam. A maioria dos outros
acredita que Israel, ao contrário, deve resistir, alegando que eles
não podem fazer concessões porque está cercada por vizinhos mais
hostis.
06 – allencar rodriguez
"A indignação generalizada sentida pelos egípcios, que se veem
como os carcereiros de Gaza em nome de Israel e Washington, dará
lugar a uma política realista na qual os egípcios usam os seus laços
com Israel para pressionar o país a adotar uma postura mais
respeitadora da lei em relação aos palestinos, sírios e libaneses",
escreveu Rami G. Khouri, analista da Universidade Americana de
Beirute, no Yale Global Online. "O Egito irá manter a paz com Israel,
mas também deve elevar a temperatura em questões de interesse
nacional profundo para os árabes".
A questão entre Israel e palestinos não foi importante para as
revoltas democráticas, disse Marwan Muasher, ex-ministro dos
Negócios Estrangeiros da Jordânia e seu primeiro embaixador em
Israel. Mas ele disse que isso pode mudar no futuro. "Não resolver a
questão Israel e palestinos hoje vai complicar as relações entre os
governos emergentes árabes e seu povo de um lado e o Ocidente do
outro", disse Muasher, agora vice-presidente da Fundação Carnegie.
"Nesse ambiente de liberdade, será muito difícil para os novos
governos árabes ignorar a ocupação".
Olivier Roy, professor do Instituto Universitário Europeu, na Itália,
também espera que um novo governo egípcio terá "uma política mais
aberta em relação aos palestinos, ajudando mais os habitantes de
Gaza através de doações e transportes". Mas ele argumentou que
isso "não será muito", apesar de muitos israelenses preferirem uma
Gaza dependente do Egito a uma voltada ao Irã.
Enquanto os israelenses se preocupam com a Irmandade
Muçulmana, Roy afirma que a revolta surpreendeu e marginalizou o
grupo. "A Irmandade ficará muito feliz em representar algum tipo de
oposição", disse. “Eles não querem estar na linha de frente. Portanto,
não prevejo uma grande mudança geoestratégica", disse Roy. "Já os
sauditas e israelenses estão convencidos de que haverá uma”.
crise árabe - 07
Outros analistas veem uma grande oportunidade para Israel. ''É
uma situação totalmente nova, que está sendo descoberta agora",
disse Gilles Kepel, um estudioso do islã no Instituto de Estudos
Políticos de Paris. "Eu acredito que há uma abertura grande e a bola
está no campo israelense”.
Os militantes islâmicos da região estão divididos entre os radicais e
os 'participacionistas‟, cujo modelo é o partido governista da
Turquia", disse Kepel. "Eles vão ter de lidar com a democracia e ver
seus compromissos ideológicos se corroerem”.
Mas os israelenses estão ansiosos, especialmente sobre a Jordânia,
onde o rei parece incerto tanto sobre a Irmandade Muçulmana quanto
sobre as vozes seculares de esquerda do Egito. O embaixador de
Israel nos Estados Unidos, Michael Oren, elogiou a democracia egípcia
em um artigo de opinião no New York Times, mas observou com
preocupação que “o líder reformista, Ayman Nour, declarou que „a era
de (Acordos de) Camp David acabou‟”.
Os israelenses também notaram a presença de Youssef El-
Qaradawi, um teólogo islâmico egípcio que havia sido exilado por
Mubarak, na praça Tahrir na última semana e a disposição do
Exército egípcio em deixar alguns navios de guerra iranianos
passarem pelo Canal de Suez.
Não são apenas os israelenses que estão preocupados, observou
Heller em Tel Aviv, apontando para o protesto das mulheres na
Tunísia no último fim de semana, preocupadas que suas liberdades
existentes possam estar em risco em uma nova democracia mantida
por muçulmanos mais radicais.
O debate principal é saber se Israel deveria ''permanecer imóvel,
vendo o quão confiáveis são nossos parceiros", ou se Israel deveria
"tirar a si mesmo da equação ao fazer algum progresso na questão
palestina", disse Heller, que descreveu a segunda solução como a
mais difícil. "E claro, em Washington o debate é o mesmo”.
08 – allencar rodriguez
Dore Gold, ex-embaixador israelense na ONU e ex-assessor do
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que a
democracia árabe poderia tornar Israel um país mais seguro.
''Durante anos, os líderes árabes que pensavam ter problemas de
legitimidade porque não foram eleitos pelo povo usaram diversos
argumentos diante de sua população, como a unidade árabe, a
solidariedade islâmica e, o mais importante, a luta contra Israel",
disse ele. "Então, se você tiver regimes legitimados por eleições
democráticas e um governo responsável, eles vão depender menos
do conflito para a sua própria situação interna”.
Mesmo assim, ''a transição para a democracia está cheia de todos
os tipos de armadilhas”, disse Gold, argumentando que a
desestabilização regional ajudou o Irã, uma ameaça que Israel
considera mais importante.
O próprio Irã, é claro, tem sofrido com suas próprias divergências
internas, mas os analistas israelenses não veem o governo como
atualmente vulnerável. Os israelenses se preocupam em estarem
cercados por militantes islâmicos apoiados pelo Irã - o Hezbollah ao
norte, o Hamas ao sul e a Irmandade Muçulmana no Egito - e os
oficiais israelenses acreditam que terão novos problemas de
segurança caso haja um colapso na partilha de informações com o
Egito e o aumento do contrabando de pessoas, armas, dinheiro e
bens em todo o Sinai.
Muitos analistas veem um papel crescente para a Turquia, uma
democracia muçulmana com um Exército forte e laços com os
Estados Unidos, Israel e o Ocidente. ''A Turquia será beneficiada com
a democratização árabe, conforme sociedades mais abertas e
dinâmicas aprendam com o país e sua famosa mistura entre
islamismo e secularismo”, Khouri escreveu.
O modelo turco seria um bom resultado para Israel, muitos
israelenses concordam. Mas, como eles também notaram, as relações
com a Turquia têm sido profundamente prejudicadas por sua
proximidade a vizinhos muçulmanos como o Irã, o Hezbollah e o
Hamas.
crise árabe - 09
INTERNET FAVORECE MOBILIZAÇÃO EM
REGIME FECHADOS.
Manifestante mostra cartaz que diz “Facebook contra todos
os injustos” durante protesto no Cairo contra o presidente do Egito, Hosni Mubarak.
Rede ajuda articulação de cidadãos comuns, mas também é utilizada
por governos autoritários para monitorar dissidência.
Na tentativa de explicar o que levou milhares de manifestantes a
lotar as ruas de países do mundo árabe nas últimas semanas,
analistas internacionais citaram, além da insatisfação popular com
as dificuldades econômicas e a falta de liberdade política, vídeos no
YouTube, posts no Twitter e relatos no Facebook. Em países como
Tunísia e Egito, a internet ajudou a compor movimentos
heterogêneos, apartidários e sem lideranças claras.
Atribuir as históricas revoltas no mundo árabe somente à circulação
de informação na internet é ignorar as dificuldades econômicas e
políticas de países que há décadas estão sob regimes autoritários.
Na Tunísia, o primeiro a levar a insatisfação às ruas, a população
jovem foi motivada a protestar principalmente por causa do
aumento nos preços dos alimentos, a alta taxa de desemprego e a
falta de oportunidades em uma sociedade extremamente fechada.
Mas, utilizando a internet, eles conseguiram mais do que divulgar
datas e locais de protesto: organizaram um movimento forte e
multiplicaram a repercussão de suas ações.
10 – allencar rodriguez
Um dos estopins dos protestos na Tunísia foi a divulgação de um vídeo no qual um vendedor imola-se na cidade de Sidi Bouzid, em protesto contra o confisco de suas mercadorias por policiais. Filmado por tunisianos que estavam no local munidos de seus telefones celulares, o vídeo foi publicado no YouTube, compartilhado em redes sociais e transmitido pela emissora Al-Jazeera, alcançando grande número de espectadores árabes e, depois, ganhando o noticiário internacional. Sem a liderança de um partido ou organização específica, milhares se revoltaram contra o governo.
Para Faraz Sanei, pesquisador da organização
Human Rights Watch, a internet impulsiona esse tipo de movimento sobretudo em países sob regimes
políticos fechados, onde grupos opositores que
poderiam liderar os protestos não têm permissão para atuar ou são vistos como pouco confiáveis. “Em locais
onde é difícil emergir um líder natural, a internet
facilita a mobilização dos cidadãos comuns”, afirmou, em entrevista ao iG.
O professor David Anderson, que leciona Política Africana na
Universidade de Oxford, no Reino Unido, concorda. “No Egito e na
Tunísia, a oposição é fragmentada e muito fraca. Por isso, os
movimentos sociais oferecem uma base mais coerente para
dissidência e protesto”, explicou.
Segundo ele, nos últimos dois anos a internet e os telefones
celulares tiveram importância na organização de movimentos sociais
em diferentes partes da África e no mundo árabe. Ele recomenda,
porém, “cautela” ao analisar “onde esse tipo de mobilização pode
nos levar”. “Esses movimentos carecem de coerência política, e não
está claro se as alianças criadas durante os protestos vão se traduzir
em algo concreto”, afirmou.
No Egito, o passo posterior à revolta parece ser a preocupação de
grande parte dos manifestantes. “Onde isso vai dar?”, questionou o
ativista egípcio Gasser Abdel-Razeq, em entrevista ao jornal
americano “The New York Times”. “Como criar uma liderança que
possa representar essas pessoas sem dividi-las?”
crise árabe - 11
Até agora, grupos opositores como a Irmandade Muçulmana e
líderes como o Prêmio Nobel da Paz de 2005 Mohamed ElBaradei
ocuparam papel coadjuvante nos protestos. “Aqui todo mundo está
andando sozinho e falando por si próprio, porque não há nenhum
grupo que nos represente”, disse o manifestante Mohammed Nagi.
Censura online
O principal indicador de que a internet facilitou a mobilização
popular no Egito foi a decisão do governo de interromper os serviços
de telefone por mais de 24 horas e derrubar os provedores de
internet por vários dias. Diante do bloqueio, os egípcios utilizaram
máquinas de fax e aparelhos de rádio para circular informações
sobre protestos, além de dicas sobre como usar modems discados
para acessar a internet. O Google também desenvolveu uma
ferramenta especial com a qual a população publicava conteúdo no
Twitter por meio de mensagens de voz.
Outros governos já derrubaram a internet de todo o país para
frear protestos, como Mianmar em 2007 e Nepal em 2005. Mas a
maioria dos países, como China e Irã, usam formas mais sofisticadas
de censura online, bloqueando endereços específicos e filtrando o
conteúdo de sites de busca.
Ações como essas levam analistas como Evgeny Morozov, nascido
na Bielo-Rússia, a rejeitar a ideia de que a internet seja uma
ferramenta a favor da democracia. No livro “The Net Delusion: The
Dark Side of Internet Freedom” (“A Ilusão da Rede: O Lado Negro da
Liberdade na Internet”), ele argumenta que sites como Facebook e
Twitter ajudam governos autoritários a monitorar dissidentes,
conhecer seus hábitos e coletar informações sobre seus parentes e
familiares.
O pesquisador da Human Rights Watch também vê o lado
potencialmente perigoso das redes sociais. “Quando você posta algo
no Twitter ou no Facebook, deixa um rastro eletrônico”, explicou
Sanei. “Seus amigos podem ler o que você escreve, mas o governo
também pode.”
12 – allencar Rodriguez
Sanei, que estuda a situação dos direitos humanos no Irã,
afirma que o governo do país aprimorou consideravelmente suas técnicas de monitoramento de cidadãos pela internet
desde 2009, quando foi “pego de surpresa” pela imensa
quantidade de informações compartilhadas nas redes sociais
sobre os protestos contra a reeleição do presidente
mahrmoud Ahmadinejad.
Hoje, a Guarda Revolucionária, principal força econômica e política
que protege o regime, afirma ter um “Exército virtual” capaz de
tornar conexões mais lentas, bloquear e até derrubar sites
considerados indecentes por ter conteúdo pornográfico ou
propaganda de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Segundo Sanei, a mesma tecnologia é usada para punir
dissidentes. “A Guarda Revolucionária monitora indivíduos nas redes
sociais, que muitas vezes são perseguidos, presos e processados por
crime contra a segurança nacional”, afirmou.
O pesquisador lamenta que a forte repressão nas ruas tenha
sufocado os protestos sociais no Irã e o aumento da censura tenha
limitado a ação dos dissidentes na web. “O fato de a internet ser
algo relativamente novo não significa que disseminar e acessar
informação online não seja um direito fundamental”, afirmou.
crise árabe - 13
RESPONDA: QUAIS SÃO OS EFEITOS DAS MANIFESTAÇÕES?
RESPONDA: O QUE OS REVOLTOS BUSCAM NA REALIDADE DE SUAS AÇÕES?
14 – allencar rodriguez
ARTIGO DE OPINIÃO
Faraós, califas, mulás, sovietes e mandarins
26 de fevereiro de 2011 | 0h 00
A revolta que assombra os países islâmicos coloca uma questão:
as respectivas sociedades, em que pese a diversidade delas, na
Tunísia, no Egito, na Argélia, no Iêmen, no Irã, na Líbia, no
Marrocos, no Bahrein, etc., buscam uma coisa: melhores condições
de vida, liberdade e participação. Tudo isso comunicado, em rede,
pelas pessoas, driblando controles policiais e censuras. Um primeiro
capítulo dessa onda libertária ocorreu no final do século passado,
quando desabaram as ditaduras da União Soviética e do Leste
Europeu e quando os cubanos fugiram em massa para Miami, no
episódio conhecido como os "Marielitos", na época do governo
Reagan. Terremoto semelhante ocorreu na China, com a ocupação
da Praza da Paz Celestial pelos estudantes, primeiro, e, depois, pelos
tanques.
Uma conclusão salta à vista: o que os revoltosos de ontem e de
hoje procuram é o que sempre foi apregoado pelas democracias
liberais: liberdade de ir e vir, liberdade para empreender negócios,
liberdade de pensamento e expressão, liberdade para as mulheres e
para as minorias, controle da sociedade civil sobre o aparelho do
Estado, conquista do conforto como expressão do desenvolvimento
econômico, tolerância, pluralismo, enfim, tudo aquilo que as elites
corruptas dos países sacudidos pela onda de insatisfação negam aos
seus cidadãos.
Palmas para o liberalismo que consegue, em pleno século 21,
seduzir com os seus ideais as grandes massas dos países que
ficaram por fora das reformas ensejadas no Ocidente pelos
seguidores de Locke, Tocqueville e Adam Smith. Os ideais liberais
superaram a prova da História, não ocorrendo assim com os ideais
totalitários de Marx e quejandos.
crise árabe - 15
No final da primeira década do século 21 encontramos,
consolidada pela opinião pública mundial, a modalidade de Estado
contratualista estudado pelos liberais doutrinários e por Max Weber.
Segundo o pensador alemão e os seus precursores franceses
(Benjamin Constant, Guizot, Tocqueville, etc.), ali onde houve uma
experiência feudal completa, as respectivas sociedades se
diversificaram em ordens diferentes de interesses, que ensejaram o
surgimento das classes sociais, sendo o jogo político uma luta entre
elas. Esse processo ensejou o moderno parlamentarismo, civilizada
arena onde se realiza o confronto entre interesses diversos,
abandonando o campo da guerra civil. A alternativa a esse modelo
liberal ficou por conta do pensamento de Rousseau, ao longo dos
três últimos séculos, que consolidou o ideal da democracia
totalitária, alicerçada na unanimidade construída mediante a
eliminação da dissidência.
Ora, a luta que observamos presentemente é uma reação de
sociedades dominadas por ditaduras, que se constituíram em
herdeiras do velho despotismo oriental. O que egípcios, tunisianos,
iemenitas, iranianos, chineses dissidentes, etc. buscam é a
substituição do modelo do patrimonialismo hidráulico por arquétipos
inspirados na prática da representação política e de respeito aos
direitos individuais. Ora, isso é possível, inclusive no seio de
sociedades diferentes das ocidentais. A Turquia encarna hoje, por
exemplo, um regime que se aproxima das modernas democracias.
As ditaduras somente são aceitáveis para aqueles que dominam,
jamais para os dominados. Como dizia Talleyrand, a raposa
aristocrática, a Napoleão: "Sire, as baionetas servem para muitas
coisas, menos para se sentar encima delas." Ou seja: você,
governante, quer estabilidade? Construa a livre participação dos
seus cidadãos! Essa, aliás, foi a genial lição que o nosso precursor
liberal Silvestre Pinheiro Ferreira passou ao seu chefe, Dom João VI,
no final da primeira década do século 19, nas suas famosas Cartas
sobre a Revolução Brasileira.
16 – allencar rodriguez
Faraós, califas, sovietes, mulás e mandarins jamais conseguiram -
nem conseguirão - satisfazer às suas respectivas sociedades, porque
está viciado, ab origine, o modelo de patrimonialismo oriental em que
se inspiram e que se define como a organização do Estado como se
fosse propriedade familiar de uma casta, de um czar ou de uma
oligarquia.
Chamou-me a atenção uma reportagem que li num jornal canadense
no ano passado: o maior grupo étnico de milionários que busca
residência no Canadá é constituído pelas famílias de altos dirigentes
chineses. O repórter indagava acerca das razões dessa preferência. O
motivo alegado por eles era bem curioso: a China, sim, é uma grande
potência econômica e política. Mas ninguém tem certeza de que as
conquistas de bem-estar atingidas pela elite - calculada em 400
milhões de pessoas - serão garantidas para as próximas gerações.
Assim sendo, os mandarins cuidam para que as suas famílias passem a
gozar das benesses do desenvolvimento, não na terrinha (pátria do
despotismo hidráulico), mas ali onde estão garantidas, por uma longa
tradição liberal, as conquistas dos indivíduos. Ou seja: a China pode
ser uma grande potência, mas não é o paraíso, mesmo para as famílias
dos seus dirigentes, que preferem um país desenvolvido do Ocidente
para ali gozarem as benesses do progresso e do conforto, com a
certeza de que esses direitos serão garantidos num clima de liberdade.
A América Latina, na trilha do populismo da última década, abjura
justamente o liberalismo e fica presa à manutenção de odiosos
privilégios oligárquicos (vide os pactos realistas do partido governante
no Brasil com ícones da oligarquia nordestina, que ainda conseguem
manter sob censura o mais importante diário do País, justamente por
ter sido denunciada nas suas páginas a prática de arcaico
patrimonialismo). Nesse ponto, o Brasil consegue ser ainda mais
retardatário que o Egito, onde caiu o faraó de plantão, enquanto nós
mantemos, felás pagadores de impostos, os privilégios de odiosa
nomenclatura em que se converteu a nossa classe política.
COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA
UFJF E-MAIL: [email protected]