PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO – PUC/SP
Andréia Fogaça Rodrigues Maricato
OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS NOS DEVERES
INSTRUMENTAIS COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL:
CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO; PRESCRIÇÃO E
DECADÊNCIA; E PROVA TRIBUTÁRIA
Tese de Doutoramento em Direito
(Direito Tributário)
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO
PAULO – PUC/SP
Andréia Fogaça Rodrigues Maricato
OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS NOS DEVERES
INSTRUMENTAIS COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL:
CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO; PRESCRIÇÃO E
DECADÊNCIA; E PROVA TRIBUTÁRIA
Tese de Doutoramento em Direito
(Direito Tributário)
Tese de Doutoramento apresentada à Banca Examinadora do Programa da Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob orientação da Professora Doutora Fabiana Del Padre Tomé.
São Paulo
2014
Folha de Notas
Banca Examinadora
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São Paulo, 24 de junho de 2014.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos em um trabalho de doutoramento são sempre
representativos, especialmente porque revelam sentimentos importantes.
Primeiramente, agradeço ao Espírito Santo de Deus, amigo
inseparável, e à minha família: Pierre, Louise e o pequeno João Carlos, pelo
tempo tomado do nosso convívio familiar e pela paciência.
Siglas e abreviaturas
CCB Código Civil Brasileiro
CF Constituição Federal
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
CSRF Conselho Superior de Recursos Fiscais
CT-e Conhecimento de Transporte Eletrônico
CTN Código Tributário Nacional
DJU Diário da Justiça da União
DOU Diário Oficial da União
DRJ Delegacia Regional de Julgamento
DJU Diário de Justiça da União
ECD Escrituração Contábil Digital
EFD Escrituração Fiscal Digital
IN Instrução Normativa
FCont Controle Fiscal Contábil de Transição
NFS-e Nota Fiscal de Serviços Eletrônica Municipal
NF-e Nota Fiscal Eletrônica Estadual
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
RE Recurso Extraordinário
RESP Recurso Especial
RFB Receita Federal do Brasil
RMDI Regra-Matriz do Dever Instrumental
RMIT Regra-Matriz de Incidência Tributária
SPED Sistema Público de Escrituração Digital
SRF Secretaria da Receita Federal
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça
TRF Tribunal Regional Federal
MARICATO. Andréia Fogaça Rodrigues. Os impactos das mudanças nos deveres instrumentais com a informatização fiscal: constituição do crédito tributário; prescrição e decadência e prova tributária. 2014. Tese (Doutoramento em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
RESUMO
A tese de doutoramento que apresentamos à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito Tributário tem por objeto a análise dos impactos da informatização fiscal no dever instrumental, na constituição do crédito tributário, na decadência e prescrição e na prova tributária. Nosso objetivo é estudar os principais impactos causados pela inserção de novas tecnologias que vêm sendo exigidas do contribuinte de forma compulsória para cumprimento dos deveres instrumentais tributários à Fazenda Pública, denominada informatização fiscal. Demonstraremos que todo esse avanço tecnológico implementado através do SPED viola o princípio da legalidade tributária e que essas alterações na forma de cumprimento do dever instrumental acarretarão impactos na constituição do fato jurídico tributário, nos prazos de decadência e prescrição e nos meios de prova tributária. Para isto, procuramos, adotamos a corrente filosófica do constructivismo, lógico-semântico, também chamado de analítico-hermenêutico, que tem um método próprio; é lógico-semântico porque parte da linguagem, estuda o objeto a partir da linguagem, que aqui constitui a realidade e sem a qual não conhecemos o objeto. Portanto, nosso estudo se pauta nas mudanças trazidas no cumprimento do dever instrumental com o avanço tecnológico, e como a informática tem influenciado na constituição do fato jurídico tributário, construindo novas realidades jurídicas. Como todo trabalho científico, as premissas serão listadas logo no primeiro capítulo, para que haja completa compreensão da linguagem que se quer construir.
Palavras-chave: Dever instrumental. Crédito tributário. Prescrição e decadência. Prova tributária. Informatização fiscal. Nota Fiscal Eletrônica.
MARICATO. Andréia Fogaça Rodrigues. The impacts of changes in instrumental duties with tax computerization: recording tax credit; and tax-barred evidence. 2014. Thesis (Doctor of Law) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
ABSTRACT
The doctoral thesis we present the Examining Board of the Graduate Program in Tax Law aims at the analysis of the impacts of computerization in the instrumental duty tax, recording tax credit, decadence and prescription and tax proof. Our goal is to study the main impacts caused by the insertion of new technologies that are being required compulsorily by the taxpayer for fulfillment of tax obligations to the Treasury. We aim to demonstrate that all this power implemented through the SPED violates the principle of tax law and that these changes in order to comply with the duty will entail impacts instrumental in setting up the tax legal fact, in terms of decay and prescription tax and means test. Therefore, we adopted the philosophical constructivism, logic semantic, also called analytic hermeneutic that has its own method, it is logical semantic because it studies the object from the language perspective. The language in this case constitutes the reality and without language the object is unknown. Therefore, our study is guided in the changes brought about in the line of duty instrumental with technological advancement, and the computer has influenced the establishment of the tax legal fact, building new legal reality. We analyzed the impacts brought by technological advances in performance of instrumental duty. As any scientific work, the premises will be listed in the first chapter, so that there is full understanding of the language they want to build.
Keywords: Instrumental duty. Tax credit. Prescription and decay. Tax proof. Tax computerization. Electronic Invoices.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1 CORTE METODOLÓGICO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS:
AS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL ..................................... 14
1.1 NOTA INTRODUTÓRIA ......................................................................................... 14
1.2 DIREITO E LINGUAGEM NA VISÃO CONSTRUTIVISTA LÓGICO-
SEMÂNTICA ........................................................................................................... 14
1.3 SISTEMA JURÍDICO COM AS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL ............. 20
1.4 NORMA JURÍDICA DO DEVER INSTRUMENTAL INFORMATIZADO .................... 24
1.5 PRINCÍPIOS ESSENCIAIS APLICADOS AO DEVER INSTRUMENTAL
INFORMATIZADO .................................................................................................. 29
1.5.1 Definição do conceito de princípio com regra jurídica ......................... 29
1.5.2 Princípio da legalidade ........................................................................... 33
1.5.3 Princípio da Tipicidade .......................................................................... 37
1.5.4 Princípio da proporcionalidade ............................................................. 40
1.5.5 Princípio da razoabilidade ..................................................................... 45
1.6 SÍNTESE CONCLUSIVA ......................................................................................... 48
2 AS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL COM A
INFORMATIZAÇÃO FISCAL .................................................................... 50
2.1 NOTA INTRODUTÓRIA ......................................................................................... 50
2.2 DEVER INSTRUMENTAL INFORMATIZADO ......................................................... 51
2.2.1 Dever instrumental .................................................................................. 51
2.2.2 Dever instrumental informatizado .......................................................... 54
2.3 LEGISLAÇÃO QUE INSTITUIU O MUNDO FISCAL VIRTUAL –
FISCALIZAÇÃO INTEGRADA (EC 42/2003) ........................................................ 58
2.4 CONSEQUÊNCIAS DO INTERCRUZAMENTO DE DADOS ENTRE OS ENTES
POLÍTICOS ............................................................................................................. 60
2.5 A CRIAÇÃO DO SPED E SUAS CONSEQUÊNCIAS AO DEVER
INSTRUMENTAL .................................................................................................... 63
1 Nota Fiscal de Serviços Eletrônica Municipal (NFS-e) ................................... 65
2 Nota Fiscal Eletrônica Estadual (NF-e) ........................................................... 68
3 A Escrituração Fiscal Digital (EFD) ................................................................ 69
4 Escrituração Contábil Digital (ECD) ............................................................... 71
5 FCont (controle fiscal contábil de transição) ................................................... 73
6 CT-e (Conhecimento de Transporte eletrônico) .............................................. 75
7 EFD Contribuição ............................................................................................ 76
2.6 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO SPED .......................................................... 77
2.7 SÍNTESE CONCLUSIVA ......................................................................................... 86
3 AS POSSÍVEIS MUDANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO
TRIBUTÁRIO NO DEVER INSTRUMENTAL INFORMATIZADO .... 88
3.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ..................................................................................... 88
3.2 O CONTEÚDO SEMÂNTICO DA EXPRESSÃO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
UTILIZADA PELO CTN ......................................................................................... 89
3.3 FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO .................................... 98
3.3.1 Lançamento de ofício (ordinário ou extraordinário) no dever
instrumental informatizado ................................................................... 105
3.3.2 Lançamento por declaração no dever instrumental informatizado.... 1080
3.3.3 Lançamento por homologação ou autolançamento no dever
instrumental informatizado ................................................................... 111
3.3.3.1 Homologação da atividade do particular e o paradoxo da
homologação tácita – o silêncio da administração no dever
instrumental informatizado ............................................................... 121
3.4 AS MUDANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO COM DEVER
INSTRUMENTAL INFORMATIZADO .................................................................... 125
3.4.1 Processo de validação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) .................... 127
3.4.2 Processo de validação da nota fiscal de serviço eletrônica (NFS-e) ... 136
3.5 SÍNTESE CONCLUSIVA ....................................................................................... 138
4 OS IMPACTOS DA MUDANÇA DO DEVER INSTRUMENTAL
NA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA ....................................................... 141
4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ................................................................................... 141
4.2 INTERPRETAÇÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO DIREITO
TRIBUTÁRIO: TEORIA DICOTÔMICA E TRICOTÔMICA ..................................... 142
4.3 DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO: POSSÍVEIS
MUDANÇAS COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL NO DEVER
INSTRUMENTAL .................................................................................................. 145
4.3.1 Prazo decadencial do crédito do Fisco com a informatização fiscal
no dever instrumental............................................................................ 148
4.3.1.1 Regra geral, art. 173, I, do CTN – decadência do direito de
lançar sem o pagamento antecipado ................................................. 149
4.3.1.2 Decadência do direito de lançar após anulação do lançamento
anterior .............................................................................................. 151
4.3.1.3 Decadência do direito de lançar sem o pagamento antecipado e
com notificação ................................................................................. 153
4.3.1.4 Decadência do direito de lançar com o pagamento antecipado,
exceto caso de dolo, fraude ou simulação (art. 150, § 4º primeira
parte, CTN) ....................................................................................... 155
4.3.1.5 Decadência do direito de lançar no caso de dolo, fraude ou
simulação (art. 150, § 4º parte final, CTN)....................................... 157
4.3.2 Prazo prescricional do crédito para o fisco ......................................... 157
4.3.2.1 Interrupção do prazo de prescrição ................................................... 162
4.3.2.2 Suspensão do prazo de prescrição .................................................... 163
4.4 SÍNTESE CONCLUSIVA ....................................................................................... 164
5 OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL
COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL NA TEORIA DA PROVA ...... 167
5.1 NOTA INTRODUTÓRIA ....................................................................................... 167
5.2 DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE PROVA PARA O DIREITO TRIBUTÁRIO ............ 169
5.3 MEIOS DE PROVA NOS DEVERES INSTRUMENTAIS E POSSÍVEIS
MUDANÇAS COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL ............................................... 170
5.3.1 A presunção e ficção jurídica tributária como meio de prova no
dever instrumental informatizado ......................................................... 171
5.3.1.1 Presunção jurídica ............................................................................. 172
5.3.1.2 Ficção jurídica .................................................................................. 176
5.3.2 Confissão como meio de prova no dever instrumental
informatizado ........................................................................................ 181
5.3.3 Prova ilícita como meio de prova no dever instrumental
informatizado ........................................................................................ 184
5.3.5 Prova eletrônica como meio de prova no dever instrumental
informatizado ........................................................................................ 185
5.3.6 Prova emprestada como meio de prova no dever instrumental
informatizado: até que ponto a prova eletrônica emprestada pode
servir como cumprimento do dever instrumental e constituição do
crédito tributário ................................................................................... 189
5.4 SÍNTESE CONCLUSIVA ....................................................................................... 197
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 199
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 212
12
INTRODUÇÃO
Abordar o tema “dever instrumental” é sempre desafiante, quer
pela complexidade, quer pela importância do tema na constituição da Regra-
Matriz de Incidência Tributária ou em sua dispensa, nos casos de imunidade
e isenções.
Apesar de termos abortado o assunto em nossa dissertação de
mestrado, limitando-nos a estudar a sua instituição e sanções, aqui nos
propomos a estudar as mudanças trazidas pela informatização fiscal.
Portando, em nada se relaciona com o tema desenvolvido na
dissertação de mestrado, tanto é verdade que o nosso objetivo é demonstrar
os impactos que a informatização fiscal vem trazendo nos deveres
instrumentais.
Por essa razão, pensamos em desenvolver um estudo científico, no
intuito de aclarar, contribuindo para a solução de alguns problemas que rodeiam
esse instituto, repleto de incertezas e dificuldades.
Isso porque o uso da tecnologia vem sendo introduzido de forma
obrigatória para o cumprimento, pelos contribuintes, dos deveres instrumentais,
com a implementação de mecanismos de entrega tecnológica de documentos;
assim, a forma de fiscalização de tributos pode vir a mudar completamente e
passar a ser tecnológica e interligada.
Toda essa mudança iniciou com a implementação da escrituração
fiscal digital e da escrituração contábil digital, realizada a partir de 2007; agora,
com o SPED, todos os documentos passaram a serem entregues em formato
digital, e isso vem trazendo mudanças e certa insegurança jurídica. Significa que
os dados encaminhados digitalmente ao Fisco podem ser utilizados para
cruzamento eletrônico de dados obtidos por meio da entrega dos deveres
instrumentais em formato digital com todas as demais informações existentes nos
13
sistemas tecnológicos das Receitas Federal, Estadual e Municipal, suas
autarquias e dos demais órgãos públicos brasileiros.
A informatização fiscal nos deveres instrumentais pode gerar
mudanças e revisão teórica de vários institutos jurídicos do direito tributário, em
especial a formação da norma jurídica tributária, nas formas de constituição do
crédito tributário, na contagem dos prazos de prescrição e decadência, bem como
na teoria de provas, e a violação de princípios constitucionais gerais e dos
tributários.
Nosso objetivo, neste trabalho, é realizar um estudo hermenêutico
analítico das mudanças geradas pela informatização fiscal no sistema tributário,
demonstrar algumas alterações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro
que acarretarão grandes impactos nos deveres instrumentais, em especial se tais
mudanças tecnológicas podem ou não afetar a forma de constituição do fato
jurídico tributário (lançamento tributário, autolançamento e lançamento por
declaração); se pode haver uma diminuição dos prazos de decadência e
prescrição, já que no sistema digital tudo é muito ágil; e, por fim, se a prova
emprestada e eletrônica (com o cruzamento de informações entre os entes
políticos) passa a ser um elemento essencial para constituição do crédito
tributário. Além disso, analisaremos se essas possíveis mudanças estão em
sintonia com o nosso sistema jurídico, esperando, com isso, contribuir para o
desenvolvimento do estudo de tão relevante tema.
14
1 CORTE METODOLÓGICO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS: AS
MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL
1.1 Nota introdutória
Para iniciarmos o estudo do tema: “Os impactos das mudanças nos
deveres instrumentais com a informatização fiscal: constituição do crédito
tributário; prescrição e decadência; e prova tributária”, faz-se necessário fixar
premissas e delimitar o objeto de estudo.
Definimos o direito como um conjunto de normas válidas e vigentes
em um determinado espaço, que se materializa na forma de enunciados
prescritivos. E a forma de nos aproximarmos no direito é através da interpretação
desses enunciados, construindo o sentido dos textos.
Faremos uma interpretação sistemática dos enunciados que
prescrevem a informatização fiscal no cumprimento dos deveres instrumentais e
as possíveis mudanças que venham a ocorrer na constituição do crédito
tributário, na prescrição e decadência, e na constituição da prova em direito
tributário.
1.2 Direito e linguagem na visão construtivista lógico-semântica
Neste trabalho, é fundamental destacarmos a fixação de premissas,
porquanto não seja possível desenvolver qualquer raciocínio com pretensões
de cientificidade sem que haja uma delimitação muito clara com relação a de
onde partiremos e onde queremos chegar.
Este estudo tem como objetivo central demonstrar as mudanças
trazidas pela informatização fiscal ao cumprimento e o descumprimento do
dever instrumental.
15
Utilizaremos, na pesquisa científica, corrente filosófica do
constructivismo, o método lógico-semântico, e a técnica hermenêutico-
analítica. Tomamos o direito como um conjunto de normas jurídicas válidas,
que se materializa na forma de enunciados prescritivos.
O modo de nos aproximarmos do direito é interpretando os
enunciados que trazem as mudanças no dever instrumental com a
informatização fiscal, construindo o sentido dos textos, através da
linguagem.
Partimos da premissa de direito como objeto cultural que precisa
de uma linguagem para criar sua realidade, estrutura criada para organizar o
caos, segundo entendimento de Vilém Flusser1.
Vale a pena relembrar que seguimos a teoria da linguagem, a qual
teve o seu início na escola do giro-linguístico, com a obra de Wittgenstein2,
“Tractatus Logico-Philosophicus”, com o trecho conhecidíssimo, “os limites
do meu mundo significam os limites da minha linguagem”. Através desta
teoria, a linguagem passou pelo processo de independência em relação à
realidade, até sobrepô-la, chegando nos dias atuais com o nome de “giro-
linguístico”, onde tudo é linguagem.
O giro-linguístico rompeu com a tradicional forma de conceber a
relação entre linguagem e conhecimento, em que se defendia que só haveria
compreensão do objeto pela preexistência da linguagem. Para esta teoria, o
homem não habita no mundo físico, mas, sim, no mundo cultural, só
existente em função da linguagem, a ponto de se tornar impossível falar em
homem fora dos quadrantes da linguagem.
Defende que todo acontecimento físico exaure-se no tempo e no
espaço, e o homem só consegue construir os ditos eventos por meio de
linguagem. Mas, ao mesmo tempo, destaca que os eventos, em si, não
1 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 33. 2 CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila de filosofia do direito I – Lógica Jurídica. São Paulo: PUC-
SP, 2007, p. 5.
16
provam nada, simplesmente porque não falam. Sempre será necessário uma
linguagem para resgatá-los e, assim, passam a existir no universo humano.
Isso porque “a linguagem deixa de ser um meio, algo que estaria
entre o sujeito e a realidade, para se converter num léxico capaz de criar
tanto o sujeito como a realidade”3. Assim, podemos afirmar que conhecemos
um objeto quando sabemos distinguir entre as proposições verdadeiras ou
falsas que o descrevem, porque o objeto que conhecemos não é a coisa em si,
mas as proposições que o descrevem.
Desse modo, adotamos o posicionamento de que o mundo exterior
só existirá para o sujeito cognoscente se houver uma linguagem que o
constitua. E a relação da linguagem com o mundo é que aquela é o único
meio de compreender a realidade, uma vez que os signos se autossustentam,
mantendo uma independência em face dos objetos que eles representam.
Sendo o conhecimento produzido pelo homem, está condicionado ao
contexto em que se opera, ou seja, depende do meio social, do tempo
histórico e até da vivência do sujeito cognoscente.
A relação do ser cognoscente com o objeto cognoscível só ganha
importância a partir do momento em que aceitamos a imprescindibilidade da
manifestação em linguagem. A realidade apreendida é fruto do próprio
pensamento do homem. Assim, quando o ser se aproxima do objeto com fins
epistemológicos, em verdade está se relacionando com uma linguagem desse
objeto. Ou melhor, é com a ideia, utilizando a terminologia husserliana, que
o homem irá conhecer4.
O homem só conhece o mundo quando o constitui
linguisticamente em seu intelecto5. Alaor Caffé Alves6 destaca que
3 SCAVINO, Dardo. La filosofía actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós, 1999, p. 12. 4 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 26. 5 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-
semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 14. 6 ALVES, Alaor Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso
jurídico. São Paulo: Edipro, 2000, p. 27.
17
Conhecer é representar-se um objeto. É a operação imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. É o ato de tornar um objeto presente à percepção, à imaginação ou à inteligência de alguém […] Esse processo cognitivo está fundado, portanto, em três elementos: a representação, o objeto representado e o sujeito que representa o referido objeto.
Segundo as palavras de Miguel Reale7,
[…] conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto, não toda a realidade em si mesma, mas a sua representação ou imagem, tal como o sujeito a constrói, e na medida das formas de apreensão do sujeito correspondente às peculiaridades objetivas.
Para Paulo de Barros Carvalho8, eu “conheço determinado objeto
na medida em que posso expedir enunciado sobre ele, de tal arte que o
conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas
ou indicativas”.
Isso significa que todo o conhecimento se opera mediante
construção linguística. O conhecimento pressupõe a existência de linguagem,
esta cria ou constitui a realidade. Não é possível conhecer as coisas como
elas se apresentam fisicamente, fora dos discursos a que elas se referem.
Portanto, temos por conhecimento a relação entre as significações
construídas pelo homem e determinado objeto, vertidas em linguagem. O
conhecimento é composto da linguagem na sua função descritiva, em geral
utilizando-se da linguagem ordinária.
Da mesma forma, a realidade só se manifesta mediante a
linguagem. Um evento ocorrido no mundo real só se torna fato social quando
relatado em linguagem; do contrário, é como se não estivesse existido, pois
todo evento se perde no tempo e no espaço.
Os sentidos e a percepção formam o conhecimento na medida em
que a consciência comparece como atividade sensível e intelectual,
carregada de poder de análise, de síntese e de representação.
7 REALE, Miguel. Introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 74. 8 Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 93.
18
A análise do próprio conhecimento, das estruturas de consciência
e dos objetos e estruturas lógico-abstratas a eles inerentes são premissas do
estudo linguístico do direito.
Consciência é a função pela qual o ser humano trava contato com
suas vivências (olfato, visão, audição, tato, paladar). Quando se diz
“consciência” é sempre a “consciência de algo”.
O ato de consciência produz a forma de consciência, dotada de
conteúdo (objeto). Portanto, o ser consciente não sente a sensação, mas, sim,
apreende o objeto dessas formas em que a consciência se manifesta
(percepção, sensação, lembrança, emoções, imaginação, vontade,
pensamento, sonho, conhecimento, etc.).
Não haverá consciência sem as formas que compõem seu
particularíssimo modo de ser e de existir. Dissolvidas essas formas, com os
respectivos objetos, desaparece também a consciência.
Sob o ponto de vista da teoria geral do conhecimento, o ser
cognoscente, em que a consciência comparece como atividade sensível e
intelectual, é carregada do poder de análise, de síntese e de representação.
Firmada essa premissa, podemos afirmar que não existe fato antes
da interpretação. Ou seja, somente mediante interpretações, construções de
sentido e significações o homem chega aos eventos, aos acontecimentos do
mundo circundante, sendo imprescindível a existência de um corpo
linguístico para fazer a conexão entre o homem e a realidade. Todavia, não
se pode afirmar que inexiste qualquer objeto físico quando não houver
linguagem. O que estamos falando é que só teremos acesso às coisas que
existem no mundo físico por meio da linguagem. Se o conhecimento
pressupõe a existência de linguagem, cria ou constitui a realidade, é
impossível conhecer as coisas como elas se apresentam fisicamente, fora dos
discursos a que elas se referem.
19
Podemos concluir que o mundo não é um conjunto de coisas que
primeiro se apresentam e, depois, são nomeadas ou representadas por uma
linguagem. Isso que chamamos de mundo nada mais é que uma
interpretação, sem a qual nada faria sentido.9
É fácil constatar que o mundo físico nunca foi alterado, o que se
modifica é a versão sobre ele, e nada obsta, por exemplo, a que mais tarde se
descubra que a Lua seja o centro do Universo. E o “mundo físico” se
alterou? Efetivamente não, foi a linguagem que o modificou.
A filosofia do giro-linguístico rechaça a possibilidade de uma
verdade universal e objetiva, posto que a verdade é criada, e não descoberta.
A verdade é criada pelo homem no interior de um sistema. A verdade é
criada porque a linguagem é independente da realidade. Desconstitui-se um
enunciado, não com a simples verificação empírica, mas com a produção de
outro enunciado.
O giro-linguístico é importante para o Sistema da Ciência do
Direito, que tem por objeto o Direito Positivo, considerado como um
conjunto de normas válidas, que se destinam a regular a conduta das pessoas,
nas relações intersubjetivas, pois, sendo a Ciência do Direito que descreve
esse enredo normativo, ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as
formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do
sistema, oferecendo seus conteúdos de significação, necessita da linguagem,
trazida pelo movimento.
Mas não podemos nos esquecer de que o direito está
profundamente ligado à vontade, por isso faz-se necessário entrar no plano
pragmático, que marca o início do pós-positivismo, examinando as relações
de sentido a partir das posições hermenêuticas filosóficas, após o giro-
linguístico-filosófico.
9 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 5.
20
A vontade movimenta as normas porque o direito é objeto cultural,
produto da ação do homem.
Partindo dessas premissas acima fixadas, analisaremos as
mudanças que a informatização vem trazendo ao dever instrumental, isso
porque, em alguns casos, como no lançamento por homologação, o fisco só
toma conhecimento se há ou não obrigação tributária, se o contribuinte
relatar em linguagem o evento tributário ocorrido, através do cumprimento
do dever instrumental, e, com a informatização fiscal, as informações são
prestadas de forma infinitamente mais rápida, pois, ao lançar no sistema as
informações, como no caso da Nota Fiscal Eletrônica, o fisco já toma
conhecimento da informação enviada, e, com isto, diminui a chance de
sonegação fiscal, fazendo com que a interpretação das normas para aplicar o
direito se torne mais efetiva e eficaz.
1.3 Sistema jurídico com as mudanças no dever instrumental
A palavra sistema é uma expressão ambígua, assim como a maior
parte dos vocábulos, podendo ser empregada para referir diversos
significados que, em alguns contextos, podem provocar a falácia do
equívoco.
Sistematizar é colocar algo em determinado grupo, é um meio de
conjunturar diversas partes de um todo, fomentando, por fim, a
singularização de um plural ou, conforme explicou Hugo de Brito
Machado10, “a palavra sistema modernamente significa conjunto organizado
de partes relacionadas entre si e interdependentes”.
Tércio Sampaio Ferraz Jr.11 chama o sistema de conjunto de
elementos, de estrutura o complexo das relações que entre eles se
10 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 201. 11 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2006, p. 165.
21
estabelecem e de repertório o conjunto de elementos que o formam. Portanto,
há sistema quando repertório e estrutura encontram-se sob um denominador
comum.
Geraldo Ataliba12 define sistema como o conjunto unitário e
ordenado de elementos, em função de princípios coerentes e harmônicos, e
sistema normativo como o conjunto ordenado e sistemático de normas,
construído de acordo com os princípios coerentes e harmônicos, em função
dos objetivos socialmente consagrados (em torno de um fundamento
comum). Assim, as constituições formam um sistema.
Para Paulo de Barros Carvalho13, o sistema aparece como o objeto
formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou
como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver
um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma
referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.
Sistema é o discurso da Ciência do Direito, mas também é o
domínio finito, mas indeterminável, do direito positivo.
O direito positivo é um conjunto de normas jurídicas válidas, num
determinado intervalo de tempo e sobre específico espaço territorial, inter-
relacionadas sintática e semanticamente, segundo um princípio unificador.
Ele aparece no mundo integrado numa camada de linguagem prescritiva,
pertencente à região ôntica dos objetos culturais, visto que é produzido pelo
homem para disciplinar a convivência social, dirigindo-se às condutas
intersubjetivas.
As normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se
relacionam de várias maneiras com base em um princípio unificador, ou seja,
12 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 03.
13 Parecer à Associação Brasileira de Franchising, 2005. Não-incidência do ISS sobre atividades de franquia (franchising). Revista de Estudos Tributários, São Paulo: Síntese, v. 9, n. 49, maio/jun. 2006, p. 6.
22
o direito posto. Isso autoriza dizer que o sistema nomoempírico do direito é
unitário e homogêneo.
Não só o direito se apresenta como sistema, mas a ciência que dele
se ocupa também assume foros sistemáticos.
O sistema do direito disciplina a convivência social; suas normas
estão hierarquicamente estruturadas, regidas pela fundamentação ou
derivação, que se opera tanto no aspecto formal quanto material ou
processual. É capaz de se autorregular, na sua criação e transformação.
Portanto, ordenamento e sistema são a mesma coisa14, um
conjunto de disposições jurídicas, produzidas por um ato de autoridade,
estruturadas por vínculo de subordinação e coordenação.
O sistema do direito positivo disciplina a conveniência social; suas
normas estão hierarquicamente estruturadas. Onde houver direito, haverá
valor e, consequentemente, haverá o elemento axiológico.
A estrutura hierarquizada do direito positivo é um axioma, e de
extrema importância. Paulo de Barros Carvalho15 destaca que sem ele nada
poderíamos dizer a propósito da situação hierárquica de terminado preceito,
uma vez que todas as normas jurídicas têm idênticas estruturas sintáticas
(homogeneidade lógica), embora dotadas de conteúdo semântico diferente
(heterogeneidade semântica). E acrescenta: “é por aceitar que a norma N’
14 Diversos são os autores que insistem na distinção entre ordenamento e sistema, sendo que aqueles que assim entendem consideram que o ordenamento seria o conjunto de enunciados prescritivos, o texto bruto, ao passo que o sistema seria este texto bruto ordenado à custa de interpretação e organização das unidades normativas. Isto é, o sistema englobaria o ordenamento jurídico, mas não se restringiria a ele, abarcando também toda a contribuição do jurista e do cientista. MOUSSALLEM, Tárek Moysés (Revogação em Matéria Tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 132) destaca que o sistema do direito positivo é uma subclasse do ordenamento jurídico: “o ordenamento jurídico refere-se a uma série temporal de sucessivos ‘sistemas do direito positivo’.” Assim, ordenamento jurídico não é um conjunto de normas, mas, sim, uma sequência temporal de conjuntos de normas. MORCHÓN, Gregorio Robles (Teoría del derecho (fundamentos de teoría comunicacional del derecho). Madrid: Civitas, 1998, p. 111-127) também distingue ordenamento jurídico e sistema, com base no direito positivo, pois entende que o ordenamento seria um texto bruto, ou seja, seria um conjunto ou a totalidade das mensagens legisladas, que integrariam um domínio heterogêneo, uma vez que produzidas em tempos diversos e em diferentes condições de aparecimento. Com esse entendimento, o direito positivo seria ordenamento, mas não seria um sistema.
15 Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 395.
23
entrou pela via constitucional que reivindico sua supremacia com relação à
norma N”, posta por lei ordinária”. É por saber que certa norma individual e
concreta veio à luz no bojo de um acórdão do Supremo Tribunal Federal que
me atrevo a declarar sua prevalência em face de outro acórdão proferido por
tribunal de menor hierarquia. Nesse domínio, recolhemos material precioso
para o discurso crítico-descritivo da Ciência do Direito, conquanto seja
necessário enfatizar que isso nada tem que ver com a temática das fontes.
Portanto, é possível ver a ordem jurídica brasileira como um
sistema de normas, concebido pelo homem para motivar e alterar a conduta
no seio da sociedade. As normas jurídicas formam um sistema, na medida
em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador.
Esse sistema apresenta-se composto por subsistemas que se entrecruzam em
múltiplas direções, mas que se afunilam na busca do fundamento último de
validade semântica, que é a Constituição. E esta, por sua vez, constitui
também subsistema, sobre todos os demais, em virtude de sua privilegiada
posição hierárquica, ocupando o tópico superior do ordenamento e
hospedando as diretrizes substanciais que regem a totalidade da ordem
jurídica nacional.
O sistema Constitucional informa a organização do Estado, pois
sua ordem jurídica apresenta normas dispostas numa estrutura hierarquizada,
regida pela fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto
material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade
dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e seus modos de
transformação.
Se examinarmos o Sistema Constitucional de baixo para cima,
veremos que cada unidade normativa encontra-se fundada, material e
formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o prisma de observação,
verifica-se que, das regras superiores derivam, material e formalmente,
regras de menor hierarquia. Todas as legislações devem estar em harmonia
com o Sistema Constitucional.
24
A Constituição Federal dá fundamento de validade às demais
normas jurídicas, pois ela representa o escalão de direito positivo mais
elevado.
Portanto, todas as normas que trazem mudanças no dever
instrumental, devem estar de acordo com sistema, sob pena de serem ilegais
ou até mesmo inconstitucionais.
Analisaremos, no próximo item, as normas jurídicas que tratam
das mudanças nos deveres instrumentais.
1.4 Norma jurídica do dever instrumental informatizado
Fixamos a premissa que o direito é um objeto cultural, construído
pelo homem por meio da atribuição de valores à linguagem do dado natural,
do que resulta noutro corpo linguístico que se projeta no mundo do ser. Este
mesmo raciocínio pode ser aplicado à norma jurídica, por se referir ao
sentido que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo16. Por
estar expressa em uma linguagem, sendo direcionada para ter um certo
sentido, asseveramos que a norma jurídica é estrutura formal, que exprime
um conteúdo também cultural de expressão17.
Antes de adentramos no conceito de norma jurídica, devemos
estabelecer as diferenças entre conceito e definição.
Conceito é algo linguístico, ou seja, produto da linguagem e só
existe por ela. O conceito de uma palavra jamais chega a tocar a realidade,
porque sempre está ligado a um pré-juízo ou pré-conceito e nunca reproduz o
objeto.
16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 67.
17 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito do direito. Recife: Imprenta Oficial, 1947, p. 79.
25
Podemos relacionar o conceito como um ato de classificação, ou
seja, o conteúdo do conceito é justamente a identidade que o pensamento
destaca na multiplicidade do objeto, ao lado da pluralidade e variação18.
O ato de classificar é intrínseco ao sujeito cognoscente, os
conceitos mudam de acordo com o ponto de vista em que se perfaz a
investigação. Ou seja, os conceitos se alteram de acordo com a regra do
jogo19.
Definição tem como objetivo explicar o conceito, entendendo-se
essa explicação como o significado das palavras empregadas no processo
comunicacional por meio do emprego de outras palavras20.
Cabe ressaltar que toda definição de um conceito é em si mesma
corte metodológico.
As definições semânticas poderão ser léxicas ou analíticas e
estipulativas ou sintéticas. As léxicas indicam como é usada a palavra,
reportando ao uso comum tradicional e constante do termo. As estipulativas
indicam como deve ser usado determinado signo, delimitam como deve ser
usado um termo. Exemplo: as léxicas são as definições doutrinárias, e as
estipulativas aquelas prescritas pelas normas jurídicas.
Definir, segundo Agustín Gordillo21, significa apontar notas
conceituais sobre um determinado objeto. Assim, a definição visa a
explicitar o conceito, pela redução ainda maior, sendo esse corte
metodológico efetivado quando da definição de um certo conceito arbitrário,
que depende unicamente dos valores do sujeito cognoscente.
A regra para realizar a definição correta de um conceito é
interpretar o conceito e utilizar os termos chegando à definição que deseja
utilizar, dentro dos limites de suas acepções.
18 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito do direito. Recife: Imprenta Oficial, 1947, p. 17. 19 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 29. 20 Ibid., p. 38. 21 Tratado de derecho administrativo. Tomo I, parte geral, 4. ed. Buenos Aires: F.D.A., 1997, p. 14-15.
26
Retomando a norma jurídica, Lourival Vilanova22 a define como:
[…] uma estrutura lógico-sintática de significação: a norma conceptua fatos, e condutas representam-no não como desenho intuitivo, imagem reprodutiva (que somente pode ser do concreto – há normas abstratas) de fatos-eventos e fatos-condutas. Representa-os como significações objetivas – endereçadas ao objetivo, confirmáveis ou não nas espécies de eficácia ou ineficácia por parte das situações objetivas.
Para conseguirmos alcançar a estrutura lógica das normas
jurídicas, abstraindo todo conteúdo semântico da referida linguagem,
adotaremos a metodologia da Lógica Deôntica. No entanto, a estrutura lógica
só é alcançada mediante a formalização da linguagem. Nesse sentido, dispõe
Lourival Vilanova23:
A linguagem formalizada da lógica, como linguagem, tem seu vocabulário – os símbolos de constantes e os símbolos de variáveis – e as regras que estabelecem como construir estruturas formais adotadas não de sentido empírico, ou significações determinadas, mas dotadas de sentido sintático, regras que evitam o sem-sentido sintático (exemplificando “o sol é um se então”), e impedem o contra-sentido meramente analítico (A é não-A). E mais, as regras de transformação de uma estrutura formal em outra estrutura, com que se faz a linguagem lógica um sistema nomológico, ou seja, um sistema cujo desenvolvimento obedece à derivação dedutiva de proposições básicas situadas no interior do sistema. Diferindo, pois, de um sistema empírico, com sua linguagem material, sempre aberta ao acrescentamento de enunciados fundados na experiência, que é infinita no sentido kantiano.
A estrutura lógica inerente às normas jurídica consiste numa
proposição e no condicionamento das condutas intersubjetivas, representados
por um enunciado complexo, composto de dois enunciados componentes que
se ligam por meio do conectivo “se…então…”.
Chega-se, assim, ao “dever-ser”, sincategorema da estrutura lógica
das normas jurídicas. A ligação entre a hipótese e a tese é feita por esse
operador de caráter relacional, que se mantém constante em todas essas
formas lógicas normativas. 22 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005, p. 16. 23 Ibid., p. 56.
27
A norma jurídica, conforme definido acima, como a significação
estruturada construída a partir da interpretação dos enunciados prescritivos, é
dividida em norma jurídica em sentido amplo, norma jurídica em sentido
estrito e norma jurídica completa. Diz-se norma jurídica em sentido amplo
para aludir aos conteúdos significativos das frases do direito, ou seja, a
norma jurídica constitui-se de enunciados prescritivos, não enquanto
manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que
seriam constituídas pelo intérprete24.
Por norma jurídica em sentido estrito entende-se a unidade mínima
e irredutível de significação completa do deôntico25. Devemos estruturá-la a
partir de um juízo condicional, relacionado pelo dever-ser. O antecedente ou
hipótese desse juízo condicional consiste numa proposição descritiva de um
evento de possível ocorrência, que, vinculada ao consequente, mediante a
implicação (dever-ser), estabelece a relação jurídica entre sujeitos de direito.
É aqui que encontramos um segundo dever-ser ou dever-ser
intraproposicional, que se apresenta tripartido nos modais obrigatório,
proibido e permitido.
Agora, falar-se em norma jurídica completa significa referir-se à
junção da norma primária e secundária. Para Lourival Vilanova26, as normas
primárias são aquelas que estatuem relações deônticas direitos/deveres como
consequência da verificação de pressupostos fixados na proposição
descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas,
enquanto as normas secundárias são aquelas que preceituam as
consequências sancionadoras, pressupondo o não cumprimento do estatuído
na norma determinante da conduta juridicamente devida.
Dessa forma, a norma jurídica completa é a junção da norma
primária com a secundária, formando uma mensagem completa, que
24 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 128.
25 Id. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 21. 26 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005, p. 105.
28
“expressa a mensagem deôntico-jurídica na sua integridade constitutiva,
significando a orientação da conduta, justamente com a providência
coercitiva que o ordenamento prevê para o seu descumprimento”27. Desse
modo, temos que a estrutura da norma jurídica tributária é composta: a) pela
norma primária, que tem como elemento uma hipótese tributária que
descreve um fato de possível ocorrência e sua consequência que é a
materialização do fato, nascendo uma relação jurídica tributária (sujeito
ativo e sujeito passivo); e b) por uma norma secundária que prescreve qual a
providência sancionatória a ser tomada, aplicada pelo Estado-juiz, fazendo
nascer relação jurídica processual.
Utilizando a linguagem formal da lógica deôntica, chega-se à
seguinte forma simbólica: Norma primária: Se p, então deve ser q; Norma
secundária: Se não q, então deve ser y.
Em nosso trabalho de dissertação do mestrado28, dissemos que as
normas jurídicas em sentido estrito não se confundem com os enunciados
prescritivos ou normas jurídicas em sentido amplo. Utilizamos o rótulo de
norma jurídica para nos referirmos à norma jurídica em sentido estrito. E,
quando desejamos nos referir ao suporte físico e ao sentido isolado dos
enunciados linguísticos do direito positivo, denominamos como enunciados
prescritivos ou normas jurídicas em sentido amplo.
A figura da norma jurídica não representa só o ponto de partida,
mas a base do estudo das mudanças no dever instrumental com a
informatização fiscal, porque qualquer conhecimento que recaia sobre o
fenômeno jurídico prescinde da análise da linguagem prescritiva das normas
jurídicas.
Adentraremos no estudo dos princípios constitucionais aplicados
ao dever instrumental informatizado, uma vez que, para construir as normas
27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 139.
28 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
29
jurídicas tributárias, faz-se necessária a análise de alguns princípios cuja
observância é obrigatória.
1.5 Princípios essenciais aplicados ao dever instrumental informatizado
Neste tópico, analisaremos os princípios diretamente ligados às
mudanças nos deveres instrumentais, ressaltando que todos os princípios são
necessários para a construção das normas, mas há a convergência obrigatória
para alguns deles, como os que veremos abaixo, para a compreensão deste
trabalho.
1.5.1 Definição do conceito de princípio com regra jurídica
Primeiramente, é necessário definir o amplo conceito de princípio,
e Paulo de Barros Carvalho29, de forma brilhante, assim o faz:
Utiliza-se o termo princípio para denotar as regras que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregada e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.
Como se vê, a palavra princípio, assim como muitas palavras, é
muito ampla e ambígua; em direito, utiliza-se o termo princípios para
denotar diversos significados semânticos, a saber: a) princípio como norma:
i) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor
expressivo; ii) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula
limites objetivos, princípio como valor; iii) como os valores insertos em
regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados
independentemente das estruturas normativas; e b) princípio como limite
objetivo: iv) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia.
29 Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 145.
30
Os princípios são linhas diretivas que dão lume à compreensão dos
demais setores do ordenamento jurídico, de forma a imprimir-lhes o caráter de
unidade e servir como meio de agregação em um dado feixe de normas.30
Vários autores buscam diferenciar princípios de regras, dentre eles, J.
J. Gomes Canotilho31, que destaca:
Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida; a convivência entre os princípios é conflitual, a convivência entre regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. […] Os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes: as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos.
No mesmo sentido, Norberto Bobbio32 sustenta:
Os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídas em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?
Humberto Ávila33 conceitua princípios como instrumentos de garantia
da justiça individual, com o objetivo de deixar aberta a solução para um conflito
30 CORDEIRO, Rodrigo Aiache. Princípios constitucionais tributários. Porto Alegre: Fabris, 2006, p. 30.
31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1147.
32 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 9. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 158-159.
33 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 70.
31
de interesses a ser objeto de decisão, pelo aplicador, mediante a consideração das
razões privilegiadas pelos princípios que entrarem concretamente em conflito.
Em razão disso, a sua aplicação deve obedecer a critérios específicos que visam a
diminuir a arbitrariedade mediante a introdução de estruturas argumentativas
intersubjetivamente controláveis. Já as regras são normas imediatamente
descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e
abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre
centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos. As regras, portanto, possuem
algumas características peculiares cuja análise interessa mais de perto para o caso
em pauta.34
O autor destaca35 que há distinção entre princípios e regras, uma vez
que os princípios descrevem um estado de coisas que deve ser buscado, sem, no
entanto, definir previamente o meio cuja adoção produzirá efeitos que
contribuirão para promovê-lo, deixando, por isso, de vincular o aplicador a uma
operação de correspondência entre o conceito da hipótese normativa e o conceito
dos fatos do caso. Os princípios normatizam uma parte da controvérsia, cuja
solução somente é encontrada por meio de uma regra, concreta e móvel, de
primazia instituída mediante uma ponderação quantitativa entre os princípios
complementares e concretamente colidentes, que seja capaz de descobrir os
meios adequados, necessários e proporcionais à consecução do fim, cuja
realização é determinada pela positivação dos princípios.
O mesmo não ocorre com as regras. Estas, ao serem instituídas,
descrevem a conduta a ser adotada ou a parcela de poder a ser exercida pelo seu
destinatário, e, em vez de deixarem aberta a escolha de qualquer meio específico,
cabe ao intérprete aplicar a regra cujo conceito seja finalmente correspondente ao
34 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 68.
35 Id. Princípios e regras e a segurança jurídica. In: II CONGRESSO NACIONAL DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS. Segurança jurídica na tributação e Estado de direito. IBET. São Paulo, Anais… São Paulo: Noeses, 2004, p. 273-274.
32
conceito dos fatos. As regras, ponderando previamente os aspectos relevantes
para o conflito entre determinados princípios, resultam de ponderações
legislativas que têm a função de gerar uma solução específica, evitando que a
controvérsia entre os valores morais que elas afastam ressurja por meio de uma
ponderação horizontal no momento de aplicação.
Apesar de muito interessantes, não concordamos com esses
posicionamentos; seguimos o entendimento defendido por Paulo de Barros
Carvalho,36 Roque Antônio Carrazza,37 entre outros, que não fazem distinção
entre regras e princípios jurídicos. Os princípios equivalem às regras, uma vez
que ambos estão positivados, mas também denotam valores, pois todas as normas
trazem valores e limites objetivos.
Para estes autores, os princípios relacionados ao direito positivo são
normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica.
Partem da premissa que o sistema do direito é posto como um
conjunto de normas jurídicas, as quais se encontram com a mesma estrutura
sintática (homogeneidade sintática), porém diversas semanticamente
(heterogeneidade semântica).
Da mesma forma que sabemos que existe uma hierarquia sintática,
podemos fazer uma distribuição hierárquica dos valores jurídicos, dispostos
também de maneira escalonada. Os princípios estariam ocupando posições
privilegiadas nos patamares do ordenamento.
Para saber se uma norma consubstancia ou não determinado princípio,
é necessária uma decisão eminentemente subjetiva, de cunho ideológico.
Tudo se dá pela combinação dos valores do ser humano, encarregado de movimentar as estruturas jurídicas, com os valores do sistema. Não é de estranhar-se que ninguém tenha inventado uma fórmula adequada para indicar a presença e orientar a aplicação de princípios, como o da capacidade
36 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, v. 15, n. 55, p. 143-155, jan./mar. 1991.
37 CARRAZZA, Roque Antônio. Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo: Malheiros, 1986.
33
contributiva, o da proibição de confisco, o da estrita legalidade, o da anterioridade, o da igualdade tributária, para nos cingirmos tão só a alguns exemplos, tirados do campo tributário.38
Para entender os princípios como normas, é necessária uma
interpretação sistemática, que leve em consideração o universo das normas
jurídicas, enquanto organização sintática e axiológica, pois, assim como uma
proposição prescritiva do direito não pode ser apreciada independentemente do
sistema a que pertence, outro tanto acontece com os valores jurídicos injetados
nas estruturas normativas. Essa integração resultará no entendimento da
mensagem prescritiva, em sua integridade semântica, sempre elástica e mutável.
Fixado esse entendimento, analisaremos individualmente os princípios
constitucionais ligados diretamente às mudanças no dever instrumental pela
informatização fiscal, reafirmando a importância de todos os princípios para
construção da norma jurídica.
1.5.2 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é o princípio basilar que norteia a forma
de pensar o direito positivo no Brasil. Está expresso na Constituição Federal
em seu artigo 5o, inciso II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Sua interpretação, expressa de forma genérica no art. 5o, II, e de
forma específica no art. 150, I, ambos da Magna Carta, implica dizer que, se
surgirem deveres ou obrigações por meio de outro veículo introdutor de
normas que não seja a lei, então esse veículo violou o princípio da legalidade
perante o sistema.
Tal princípio garante o Estado Democrático de Direito, pois só a
lei é o veículo introdutor de normas competentes para prescrever direitos,
38 CARRAZZA, Roque Antônio. Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo: Malheiros, 1986, p. 155.
34
deveres ou obrigações ao cidadão. Trata-se de uma efetiva garantia ao
cidadão, que, constante do rol de garantias do art. 5o, está protegido por
cláusula pétrea39.
Nenhum princípio é tão relevante quanto o princípio da legalidade,
em especial para a instituição e mudanças no dever instrumental, porque a
própria admissão de que o sistema do direito positivo é um sistema composto
unicamente por normas, relacionadas e hierarquizadas entre si e aglutinadas
perante uma referência obrigatória, pressupõe admitir que as “normas” são
construídas com fundamento na prevalência delas mesmas e na
coercitividade que lhes é inerente.
Isso significa afirmar que só faz sentido pensar em direito positivo
como conjunto de normas, se entendermos e aceitarmos também que essas
normas são imperativas e que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer nada senão por força de tais normas.
É interessante notar que em todos os ramos do direito há a
preocupação em deixar claro que o Estado Democrático de Direito em que
vivemos é fundado na legalidade, como manifestação maior da proteção dos
cidadãos contra o arbítrio do Poder do Estado e, ainda, a própria
manifestação máxima de democracia, porquanto o poder do povo emana e
em nome dele é exercido, ou seja, no fim do raciocínio, temos que admitir
que a legislação estabelece as competências para fixação de normas e que
são essas normas que regerão as relações intersubjetivas válidas num
determinado território, num dado espaço de tempo.
Celso Antonio Bandeira de Mello40 ensina-nos, corroborando com
os argumentos acima expostos:
39 Cláusulas pétreas ou intangíveis, ou ainda núcleo irreformável, consistem na vedação de alteração do texto constitucional de forma a abolir ou tendentes a abolir as matérias constantes do § 4º do art. 60 da Constituição Federal de 1988.
40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 96.
35
Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. […] Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria.
Alberto Xavier41 leciona que “o direito tributário é de todos os
ramos do Direito aquele em que a segurança jurídica assume a sua maior
intensidade possível e é por isso que nele o princípio da legalidade se
configura como uma reserva absoluta da lei formal”. O princípio da
legalidade no âmbito do direito tributário assume uma relevância maior que
em outras áreas jurídicas, a exigir a lei formal para introdução de novas
normas tributárias, a fim de realizar os ideais de segurança e justiça.
Nossa Constituição o consagra como um dos princípios mais
importantes do ordenamento jurídico.
Roque Antonio Carrazza42 preceitua que “no Estado de Direito, o
Legislativo detém exclusividade de editar normas jurídicas que fazem
nascer, para todas as pessoas, deveres e obrigações, que lhes restringem ou
condicionam a liberdade”, porque o fundamento do princípio da legalidade
está na soberania popular, prescrita no parágrafo único do art. 1o da
Constituição Federal, dizendo que “todo poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”. Desse modo, reiteramos que somente a lei, como expressão da
vontade geral exercida pelos representantes do povo em assembleia
legislativa, é que tem o poder de cercear a liberdade e a propriedade.
Ao contribuinte está assegurado o direito de apenas ser compelido
a pagar tributo ou outro dever que se manifeste de forma pecuniária, desde
que uma lei assim o determine. Ou seja, se houver um aumento ou uma
41 Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 44.
42 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 240.
36
imposição de tributo ou algum dever por outro veículo introdutor que não a
lei, então essa norma introdutora, bem como a norma introduzida por ele, é
inválida perante o ordenamento jurídico. Apenas a lei pode disciplinar
questões sobre a criação e aumento de tributos, como objetivo de vedar o
abuso dos governantes nas instituições e aumentos de tributos para a
arrecadação de recursos.
A Regra-Matriz de Incidência Tributária deve respeitar o princípio
da legalidade, não podendo ser utilizados outros enunciados, senão aqueles
introduzidos por lei. E mais, tal princípio exige, ainda, que a lei deve
estabelecer os elementos do fato jurídico e dados da relação obrigacional. Do
mesmo modo, a Regra-Matriz do Dever Instrumental também deve respeitar
o princípio da legalidade, o contribuinte não pode ser obrigado a prestar
informações ao fisco sem previsão legal.
José Artur Lima Gonçalves43 destaca que, em geral, não há
matéria que possa escapar da disciplina estabelecida mediante a lei,
destacando as exceções constitucionais: i) caput do art. 48, não serão objeto
de lei as matérias de competência exclusiva do Congresso, listadas no art.
49, da Câmara, art. 51, e do Senado, art. 52, cujo veículo normativo são os
decretos legislativos e as resoluções; ii) a Medida Provisória, que tem força
de lei, art. 62, mas perde sua eficácia se não for convertida em lei em 30
dias, só podendo ser editada no caso de urgência e relevância; e iii) a lei
delegada, que depende de resolução do Congresso, que lhe fixará o conteúdo
e os termos do seu exercício, art. 68, § 2o.
Alberto Xavier44 destaca ainda que
O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser
43 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 80. 44 Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 17.
37
designada como ‘reserva absoluta da lei’, o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação.
Esse princípio é essencial ao dever instrumental, visto que deve ele ser
introduzido no ordenamento jurídico pátrio por meio de lei em seu sentido
completo, conforme visto acima.
No mesmo sentido, Roque Antônio Carrazza45 afirma que
Os decretos, as portarias, os atos administrativos, em geral, só podem existir para tornar efetivo o cumprimento dos deveres instrumentais criados pela lei. […] E nossa certeza de que só a lei pode criar deveres instrumentais cresce de ponto na medida em que notamos que seu descumprimento resolve-se em sanções das mais diversas espécies, inclusive pecuniárias. Repugna ao senso jurídico que uma pessoa possa ser compelida a pagar multa com base no não acatamento de um dever criado por uma norma jurídica infralegal.
Portanto, vemos que somente podem ser exigidos deveres
instrumentais instituídos mediante lei. Os decretos, as portarias e atos
administrativos em geral só tornam efetivo o cumprimento dos deveres prescritos
em lei.
Dessa forma, todas as alterações tecnológicas no sistema tributário
nacional, por parte do cumprimento dos deveres instrumentais, devem ser
introduzidas no ordenamento jurídico sempre por meio de lei em sentido amplo.
1.5.3 Princípio da Tipicidade
O princípio da tipicidade não é um princípio autônomo da
legalidade, e sim a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na
forma de uma reserva absoluta da lei construída por estritas considerações de
45 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 335.
38
segurança jurídica46. Pelo princípio da tipicidade na tributação, não basta
exigir-se lei formal e material para a criação do tributo, pois o legislador
infraconstitucional, ao instituí-lo, deve esgotar a descrição de todas as
situações possíveis de ocorrência no mundo real, cuja concreção será
necessária e suficiente para o surgimento da relação jurídica tributária. Ou
seja, a lei instituidora do tributo deve definir tipo fechado.
Roque Antônio Carrazza47 esclarece que a tipicidade apura o
alcance do princípio da legalidade, argumentando que
Só é típico o fato que se ajusta rigorosamente àquele descrito, com todos os seus elementos, pelo legislador. Conjugados, estes princípios constitucionais impedem o emprego da analogia in pejus das normas tributárias ou penais-tributárias como fonte criadora de tributo e infrações (com suas respectivas sanções).
Assim, pelo princípio da tipicidade tributária, a norma deve estar
pronta na lei de forma inequívoca, clara e precisa, contendo a Regra-Matriz
de Incidência Tributária em todos os seus aspectos, antecedente e
consequente. O legislador deve, ao elaborar a lei, definir taxativamente todas
as condições necessárias e suficientes ao nascimento da obrigação tributária
e os critérios de quantificação do tributo, o que muitas vezes não acontece no
caso das mudanças trazidas no cumprimento do dever instrumental.
Paulo de Barros Carvalho48, discorrendo sobre a questão da
tipicidade, inevitavelmente adentra no campo da legalidade, traçando um
interessante e inexorável paralelo:
O princípio da estrita legalidade, todavia, vem acrescer os rigores procedimentais em matéria de tributo, dizendo mais: estabelece que a lei adventícia traga, no seu bojo, os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade tributária.
46 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 69-70.
47 Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 248.
48 CARVALHO, Paulo de Barros. Entre a forma e o conteúdo na desconstituição dos negócios jurídicos simulados. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 114, 2011, p. 17.
39
A tipicidade tributária significa a exata adequação do fato à norma, e, por isso mesmo, o surgimento da obrigação se condicionará ao evento da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e a hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos exatos termos previstos na lei.
Conclui-se que o princípio da tipicidade fechada determina que o
legislador de lei ordinária, competente para instituição do tributo, deve editar
a norma tributária, pormenorizadamente, impedindo-se a subjetividade do
administrador, no momento da sua aplicação ao caso concreto, cabendo ao
administrador fazer a subsunção do fato à norma, independentemente de
qualquer valoração pessoal. Com o princípio da tipicidade fechada, o
princípio da legalidade formal em matéria tributária tem um alcance
específico, ou seja, somente é típico o fato que se ajustar rigorosamente à
descrição hipotética da norma, com todos seus elementos, impedindo-se
aspectos subjetivos por parte do intérprete que porventura resultem em
invasão à esfera de direitos do contribuinte de forma arbitrária, sem o seu
próprio consentimento, por meio de seus representantes, seja no momento da
instituição, seja no momento da aplicação da norma tributária ao caso
concreto.
A tipicidade se dá pela submissão (subsunção) completa do fato à
prescrição legal, que vincula o tipo formulado e que consiste na descrição de
toda a Regra-Matriz de Incidência Tributária. Novamente, temos a figura do
Agente, ser humano, pondo normas no sistema e o fato de que a subsunção
completa ocorre na mente do intérprete.
Segundo José Artur Lima Gonçalves49, é característica seletiva da
tipologia, ou seja, o legislador, ao formular o tipo tributário, deve: “a)-
selecionar as situações tipificáveis que pretende inserir em antecedente de
normas de tributação e, b)- descrevê-las exaustivamente em normas
jurídicas”, dando-lhe a devida segurança.
49 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 82.
40
Como visto, a função da administração é regida pela total
submissão à lei. Dessa forma, cabe ao administrador receber a Regra-Matriz
de Incidência Tributária elaborada pelo legislativo e aplicá-la, pois nisso é
que consiste a sua atividade. Se ele perceber que a norma não está apta para
produzir seus efeitos jurídicos, compete a ele deixar de aplicá-la e nada mais.
Ele não pode tentar suprimir essa eventual deficiência, para posterior
aplicação. Não tem competência para isso.
Toda essa rigidez que o sistema constitucional reservou ao
princípio da legalidade e separação de poderes é por decorrência da
sistemática republicana, que exige também o princípio do consentimento, o
qual está muito esquecido.
As exigências e restrições dos princípios da legalidade e tipicidade
encontram base no princípio do consentimento, que é aquele que exige que o
particular contribua para os gastos públicos e em que medida o fará. Esse
consentimento é expresso pelo representante do povo no legislativo; ao
aprovar a lei que institui ou majora tributo, o parlamentar está consentindo,
como contribuinte, para o custeio dos gastos públicos.
Passemos agora à análise dos princípios administrativos da
razoabilidade e proporcionalidade, que dão fundamento às normas dos
deveres instrumentais e devem ser observadas quando da instituição de
tecnologia para o cumprimento do dever instrumental.
1.5.4 Princípio da proporcionalidade
O princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade não se
encontram expressamente previstos na Constituição de 1988. Defluem da própria
conformação do Estado brasileiro em um Estado Social Democrático de Direito
(arts. 1º e 6º da CF). Todavia, ambos os princípios foram positivados pelo art. 2º
da Lei 9.784/1999:
41
Art. 2.º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
A razoabilidade e a proporcionalidade atuam no sistema jurídico como
vetores utilizados pelos intérpretes e aplicadores do direito, em especial pela
administração. Caso não sejam observados tais limites, cabe ao Poder Judiciário
garantir a supremacia da Constituição por princípios.
Há quem entenda serem sinônimos. Mas trata-se de princípios
totalmente distintos, tanto que, para o exame da proporcionalidade, a doutrina
estabelece uma linha de raciocínio que se faz de forma objetiva por meio da
verificação, no ato do poder público, do implemento dos requisitos da adequação,
da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
O princípio da proporcionalidade é um princípio muito importante,
pois visa a garantir o Estado Democrático de Direito. Ele vai assegurar que não
haja a eliminação de um direito fundamental quando em conflito com outro,
respeitando o seu núcleo essencial.
A nossa Constituição condensa dois princípios estruturantes: o Estado
de Direito e o princípio democrático. Na medida em que eles se implicam
mutuamente, pode-se imaginar que o desrespeito de um princípio acarretaria o
desrespeito ao outro.
É o princípio da proporcionalidade que vai garantir a ligação entre o
Estado de Direito e a Democracia.
Tal princípio tem elementos ligados a outros três subprincípios, quais
sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim
pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-
se do exame de uma relação de causalidade, pela qual se entende que uma lei
42
somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de
produzir o resultado perseguido.
A necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de
direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restrito ou a outro
em igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos
nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão.
Por último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz
respeito a um sistema de valoração, na medida em que, ao garantir um direito,
muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente
após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente
protegido por determinada norma apresenta conteúdo de valor ativamente
superior ao restrito.50 O juízo de proporcionalidade permite um perfeito
equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido
com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à
carga coativa dessa intervenção.51
Nesse sentido, a lição de Fernando Marcelo Mendes:52
Por isso é que, diante das antinomias de princípios, quando em tese mais de uma pauta lhe parece aplicável à mesma situação de fato, ao invés de se sentir obrigado a escolher este ou aquele princípio, com exclusão de outro que, prima facie, repute igualmente utilizáveis como norma de decisão, o intérprete fará uma ponderação entre os Standards concorrentes (obviamente se todos forem princípios válidos, pois só assim podem entrar em rota de colisão) optando, afinal, por aquele que, nas circunstâncias, lhe pareça mais adequado em termos de otimização de justiça. Em outras palavras, resolve-se esse conflito estabelecendo, entre os princípios concorrentes, uma relação de precedência condicionada, na qual se diz, sempre diante das
50 Assim, “O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. [...] Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação” (STUMM, Raquel Denise. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 81).
51 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 263.
52 MENDES, Fernando Marcelo. Discricionariedade administrativa e os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação no controle jurisprudencial do silêncio administrativo. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 58.
43
peculiaridades do caso, em que condições um princípio prevalece sobre o outro, sendo certo que, noutras circunstâncias, a questão da precedência poderá resolver-se de maneira inversa.
Humberto Ávila53 menciona, a partir do exame de proporcionalidade
em sentido estrito, que o meio utilizado deve proporcionar vantagens superiores
às desvantagens decorrentes de sua utilização, pois o Estado, “tendo obrigação de
realizar todos os princípios constitucionais, não pode adotar um meio que
termine por restringi-los mais do que promovê-los em seu conjunto”.
Comentando os três elementos conformadores do princípio da
proporcionalidade, o Ministro Gilmar Mendes54 explica que o exame da
adequação e da necessidade tem de ser feito atendendo-se as diferenças de peso
que apresentam em um juízo de ponderação:
O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder forderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Ressalte-se que, na prática, adequação e necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado. Pieroth e Schlink ressaltam que a prova da necessidade tem maior relevância do que o teste da adequação. Positivo o teste da necessidade, não há de ser negativo o teste da adequação. Por outro lado, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado definitivo ou final.55
Esses três elementos que compõem o princípio da proporcionalidade
são instrumentos limitadores da atuação dos poderes constituídos e – por que não
dizer? – à própria liberdade de o Judiciário, no julgamento de uma medida
53 ÁVILA, Humberto. Conteúdo, limites e intensidade dos controles de razoabilidade, de proporcionalidade e de excessividade das leis. Revista de Direito Administrativo, n. 206, p. 369-384, abr.-jun. 2004.
54 MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo Jurídico, ano I, v. 1, n. 5, p. 01-22, ago. 2001.
55 O próprio Ministro Gilmar Mendes, aplicando esta teoria na prática, no julgamento da Reclamação 2126, no Informativo do STF 288, aplicou os três elementos do princípio da proporcionalidade.
44
normativa ou de um comportamento administrativo qualquer, pretender
simplesmente substituir, pela sua própria, a vontade do legislador ou do
administrador. Também tal princípio colabora para estabelecer parâmetros
objetivos para que o exame da proporcionalidade seja manifestado na apreciação
de um determinado comportamento do poder público.56
Portanto, o princípio da proporcionalidade funciona como controle
dos atos estatais, com a inclusão e manutenção desses atos dentro do limite da lei
e adequados a seus fins. Seu verdadeiro sentido é de que a proporcionalidade
deverá pautar a extensão e a intensidade dos atos praticados, levando em conta o
fim a ser atingido, além de não visar ao emprego da letra fria da lei, apenas, mas,
sim, à sua proporcionalidade com os fatos concretos, devendo o aplicador da
norma usá-la de modo sensato, visando à situação específica de cada
contribuinte.
Não havendo a tal proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim
almejado, o ato estará eivado de vício e será considerado ilegítimo, podendo
sofrer a correção pelo Poder Judiciário.
Cabe abrir um parêntese na importância da relação entre meio e fim na
esfera tributária57, e é por intermédio dela que conseguiremos visualizar os
limites para a instituição dos deveres instrumentais e da aplicação das sanções
pelo seu descumprimento.
Sabemos que a função dos deveres instrumentais é dar operatividade à
Regra-Matriz de Incidência Tributária. Para a instituição de tributos, a Regra-
Matriz de Incidência Tributária sofre a incidência de várias outras normas que
têm como função operacionalizar a Regra-Matriz de Incidência Tributária. Os
deveres instrumentais são uma destas normas que têm a função de
instrumentalizar a Regra-Matriz de Incidência Tributária.
56 MENDES, Fernando Marcelo. Discricionariedade administrativa e os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação no controle jurisprudencial do silêncio administrativo. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 61.
57 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
45
Por meio das informações (de modo geral) prestadas pelos sujeitos
passivos da relação de deveres instrumentais é que o fisco passa a ter condições
de fiscalizar o eventual nascimento da obrigação tributária, a arrecadação e a
instituição dos tributos.
Os deveres instrumentais são o meio para se chegar ao fim, que é a
Regra-Matriz de Incidência Tributária, ou o seu não nascimento, nos casos de
imunidade, isenção, anistia, dentre outras hipóteses.
Portanto, a aplicação desse princípio é pertinente no que tange tanto à
instituição e alterações dos deveres instrumentais quanto às sanções pelo
descumprimento dos deveres instrumentais, tema já tratado na dissertação de
mestrado58, pois os deveres instrumentais são o meio para atingir o fim, que é
instituir, fiscalizar e arrecadar eventual nascimento de tributos. Todavia, deve ser
fixado um limite de utilização desses dados agora eletrônicos no exercício da
fiscalização por meio do cruzamento de informações (dados) recebidas
eletronicamente.
1.5.5 Princípio da razoabilidade
A razoabilidade no Brasil é tomada como limite ao exercício da
atividade legislativa, foi analisada por Carlos Roberto de Siqueira Castro59 da
seguinte forma:
A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma dispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim – “means-end relationship”, segundo a nomenclatura norte-americana – da norma classificatória não se fizer presente, de
58 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 103.
59 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis nova Constituição do Brasil. Rio Janeiro: Forense, 1989.
46
modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de “razoabilidade” e de “racionalidade”, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política.
Construída a partir da sintética cláusula do due process of law pela
jurisprudência da Suprema Corte americana, nada mais é, no direito brasileiro, do
que a consequência natural e lógica da aplicação dos princípios constitucionais
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da ampla
defesa, do contraditório e de outros que foram positivados no texto constitucional
brasileiro, na solução dos casos concretos postos a exame em processo
administrativo ou judicial, pois não se imagina que qualquer norma geral ou
individual que seja editada em observância a todos esses vetores que lhe são
informadores, ao mesmo tempo, possa ser considerada irrazoável.
José dos Santos Carvalho Filho60 conceitua o princípio como:
Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não ser para outros. Mas, mesmo quando não seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos Standards de aceitabilidade. Dentro desse quadro, não pode o juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque isso se coloca o óbice da separação de funções, que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado ao controle.
Sustenta este jurista que, no contexto da Administração Pública, a
falta de razoabilidade é reflexo da inobservância de requisitos exigidos por lei
para a validade da conduta. Igualmente, quando a falta de razoabilidade se
60 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 23.
47
fundamenta em situação na qual o administrador objetiva algum interesse
particular, estar-se-á violando o princípio da moralidade, ou da impessoalidade.
E conclui que a razoabilidade tem que ser observada pela
Administração na medida em que sua conduta se apresente dentro dos padrões
normais de aceitabilidade. Atuando fora desses padrões, o comportamento estatal
perecerá de vício. Ou seja, não pode haver violação ao princípio da razoabilidade
quando a conduta administrativa é inteiramente revestida de licitude.
Portanto, o princípio da razoabilidade deve ser respeitado pela
Administração Pública, e a sua ofensa pressupõe que a ação praticada é ilegal,
podendo ser invocado quando do controle da Administração pelo Judiciário.
Por fim, Humberto Ávila61 destaca três acepções da razoabilidade:
Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar nas normas gerais. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. São essas acepções que passam a ser investigadas.
Podemos concluir que o princípio da razoabilidade tem como função
controlar os atos estatais, visando ao cumprimento dos valores fundantes do
ordenamento jurídico, com base ideal de justiça em um determinado tempo e
espaço.
A utilização dos dados fiscais e contábeis que vêm sendo recebidos do
contribuinte com a finalidade reduzir o consumo de pessoal e de papel, para as
pessoas físicas e jurídicas e para a administração pública, deve também respeitar
61 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 69.
48
os princípios da proporcionalidade e razoabilidade quando usados para a
fiscalização de tributos e autuação fiscal.
1.6 Síntese conclusiva
Neste capítulo, fixamos premissas importantes para o
desenvolvimento do tema proposto.
Partimos do entendimento de que não existe fato antes da
interpretação, ou seja, só teremos acesso às coisas que existem no mundo
físico por meio da linguagem. Desse modo, o conhecimento pressupõe a
existência de linguagem, que cria ou constitui a realidade, sendo impossível
conhecer as coisas como elas se apresentam fisicamente, fora dos discursos a
que elas se referem.
E dentro desse contexto, não podemos nos esquecer do direito que
é objeto cultural, um conjunto de normas jurídicas válidas, vigente num
determinado intervalo de tempo, inter-relacionadas sintática e
semanticamente, segundo um princípio unificador, produto da ação do
homem, para disciplinar a convivência social, dirigindo-se às condutas
intersubjetivas.
A norma jurídica do dever instrumental informatizado construída é
à base do estudo das mudanças no dever instrumental com a informatização
fiscal, porque qualquer conhecimento que recaia sobre o fenômeno jurídico
prescinde da análise da linguagem prescritiva das normas jurídicas.
E, para construir as normas jurídicas tributárias do dever
instrumental informatizado, é necessária a observância de alguns princípios
constitucionais ligados diretamente às mudanças no dever instrumental pela
informatização fiscal, em especial o da legalidade e tipicidade, pois todas as
alterações tecnológicas no sistema tributário nacional, trazidas pelos deveres
instrumentais, devem ser introduzidas no ordenamento jurídico sempre por meio
49
de lei em sentido amplo. Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade têm
que ter um limite de utilização dos dados fiscais e contábeis eletrônicos recebidos
do contribuinte quando usados para a fiscalização de tributos e autuação fiscal.
Reafirmamos a importância de todos os princípios, para construção da norma
jurídica.
Fixado este entendimento, analisaremos o que a informatização fiscal
alterou no cumprimento do dever instrumental e se respeitou os princípios
constitucionais tributários.
50
2 AS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL COM A
INFORMATIZAÇÃO FISCAL
2.1 Nota introdutória
Traçamos como objetivo a análise das mudanças nos deveres
instrumentais por meio da obrigatoriedade de uso da tecnologia no seu
cumprimento.
Para isso, partiremos do conceito de informatização fiscal como sendo
a simples utilização da tecnologia no sistema tributário nacional, ou seja, a
informatização fiscal consiste na adoção de mecanismos e sistemas tecnológicos,
diretos ou indiretos, de forma obrigatória ou não, para a entrega das informações
tributárias ao fisco e os demais instrumentos jurídico-tributários em que a
tecnologia for utilizada como meio para atingir um fim.
Tornar obrigatório o envio de informações fiscais à Fazenda Pública
por meios tecnológicos acarreta algumas mudanças no sistema tributário
nacional. Isso porque, com a obrigatoriedade de utilização dos mecanismos
tecnológicos inseridos no ordenamento jurídico, a metodologia de fiscalização de
tributos pode mudar completamente, possibilitando com que o fisco identifique o
valor do tributo devido com mais facilidade e agilizando todo o processo de
fiscalização de tributos.
Com a modernização dos deveres instrumentais, surgiu a NF-e,
cadastros de contribuintes pelo e-CPF e e-CNPJ, e até mudanças tecnológicas
que introduzem novos deveres instrumentais anteriormente inexistentes, tais
como o SPED fiscal e contábil.
A partir dessas mudanças, todas as informações fiscais serão
transformadas em dados digitais e encaminhadas via internet ao fisco; com isso,
pode-se alterar a forma de constituição do crédito tributário, os prazos de
51
prescrição e decadência, a possibilidade de prova eletrônica e, até mesmo, prova
emprestada, conforme será visto no transcorrer deste estudo.
2.2 Dever instrumental informatizado
O dever instrumental foi tema já estudado na dissertação de mestrado
“dever instrumental: regra matriz e sanção”62; por isso, traremos algumas
premissas já definidas para entendermos as mudanças no dever instrumental com
a informatização fiscal.
2.2.1 Dever instrumental
Primeiramente cabe destacar que o Código Tributário Nacional traz,
em seu artigo 113, § 2º, os vínculos jurídicos que não apresentam cunho
patrimonial e os denomina de obrigações acessórias.
Entretanto, adotamos a terminologia “deveres instrumentais” para as
chamadas “obrigações acessórias” eleita pelo direito positivo e que conduz à
interpretação de serem tais deveres adicionais à obrigação tributária, pois
entendemos que as obrigações acessórias não são nem obrigações, nem
acessórias (dependentes)63. Constituem-se, sim, em dever porque decorrem da lei
e são instrumentais por terem a função de operacionalizar a Regra-Matriz de
Incidência Tributária, servindo como instrumento da atividade de arrecadação e
fiscalização dos tributos64.
Por serem verdadeiros deveres, não são tais obrigações acessórias,
porque a Administração Tributária fará uso do cumprimento dos deveres
impostos aos contribuintes para aferir se houve ou não a concreção da hipótese
de incidência da norma de tributação. No caso da comprovação da não ocorrência
62 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
63 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286. 64 MARICATO, Andréia Fogaça, op. cit., p. 109.
52
do fato jurídico tributário e a não instauração do vínculo obrigacional (obrigação
tributária principal), diversos deveres foram cumpridos (entrega de documentos,
preenchimentos de guias, declarações, etc.), mas nenhuma relação jurídica de
cunho patrimonial se instaurou. Portanto, as impropriamente denominadas
obrigações acessórias são vínculos jurídicos que não apresentam cunho
patrimonial e têm caráter instrumental, cujo objetivo é assegurar a efetividade da
arrecadação e a fiscalização dos tributos.
Neste contexto, os deveres instrumentais cumprem um importante
papel na implantação do tributo. Por se tratar de um dever de fazer ou não fazer,
a sua observância depende de documentação, em linguagem competente, de tudo
o que diz respeito ao tributo.
Os deveres instrumentais regulam a atuação do contribuinte, pois são
tidos como normas de conduta. Paulo de Barros Carvalho65 os define como sendo
os elos concebidos visando ao aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos
do Estado, sujeito ativo (Fisco), têm a obrigação de respeitar, no sentido de
imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. Em suas palavras:
São liames concebidos para produzirem o aparecimento dos deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao poder público, executando certos atos e tomando determinadas providências de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas. Nessa direção, o cumprimento de incontáveis deveres é exigido de todas as pessoas, no plano sanitário, urbanístico, agrário, de trânsito, etc., e também, no que entende com a atividade tributante que o Estado exerce.
Desse modo, exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro
aos cofres públicos, advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito,
estabelecendo o vínculo entre sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo
(contribuinte), e, por conseguinte, o direito subjetivo ao Estado, por meio da
Administração. Todos os demais deveres impostos a esse mesmo sujeito passivo,
65 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 804.
53
defronte ao tributo instituído, com a inerente característica da impossibilidade de
mensuração econômica, de cunho administrativo, devem ser entendidos como
deveres instrumentais.
A causa geradora dos deveres instrumentais é a lei. Assim, ocorrida a
situação descrita na norma, nasce o dever de fazer, não fazer ou tolerar, sem
cunho pecuniário.
A lei tributária estabelece diversos deveres ao sujeito passivo, a fim de
que constituam em linguagem competente eventos do mundo social sobre os
quais o direito atua, com o objetivo de atingir seus propósitos originários, ou
seja, enquanto sujeito passivo, cumpre os deveres instrumentais que lhe são
impostos, relata em linguagem os eventos do mundo fenomênico, dando ao Fisco
a possibilidade de constituir o fato jurídico tributário, que, sem os deveres
instrumentais, muitas vezes não poderá ser constituído na forma jurídica própria.
É por meio dos deveres instrumentais que o Estado consegue fazer o
controle, no que tange à observação do cumprimento das obrigações inerentes à
instituição dos gravames fiscais e nos casos em que, como exemplos, temos: a
expedição de notas fiscais, a prestação de informações, a escrituração de livros, o
registro do papel imune, dentre outros.
O objetivo principal de tais deveres é instrumentalizar a atividade de
arrecadação e a fiscalização dos tributos. São regras constituídas com a
finalidade de controlar a ocorrência de fazer com que os contribuintes suportem e
ajudem na fiscalização, para apurar o eventual nascimento de obrigação tributária
material ou demonstrar o seu não nascimento, como nos casos de imunidade ou
isenção. Portanto, são medidas necessárias ao controle da ação de tributar e são
dirigidas diretamente à conduta dos contribuintes ou a quem a lei determinar,
impondo-lhes deveres de tomar certas medidas destinadas a possibilitar à
Administração controlar o nascimento ou não do fato jurídico tributário.
Ocorrido o evento do dever instrumental no mundo fenomênico, ele só
se tornará fato jurídico do dever instrumental mediante linguagem competente
54
fornecida por meio da teoria das provas. Assim, tanto a regra-Matriz de
Incidência Tributária quanto os deveres instrumentais necessitam de uma
linguagem competente que os constitua. Ou seja, a relação jurídica de conteúdo
não patrimonial, determinando em seu objeto a prestação de fazer ou não fazer
do dever instrumental, nascerá por meio da linguagem competente.
O fato jurídico do dever instrumental para integrar o mundo jurídico
necessita de sua publicação. Ou seja, não basta que exista uma lei de dever
instrumental determinando em sua hipótese que “A”, ao circular mercadoria,
deve emitir nota fiscal. Faz necessário que “A”, ao circular mercadoria no mundo
fenomênico, emita a nota fiscal; então, ao emiti-la, constitui-se o fato jurídico do
dever instrumental (linguagem competente). Por outro lado, se “A” realizar a
operação de circular mercadoria sem a emissão da nota fiscal, não há o fato
jurídico do dever instrumental; mas, se, posteriormente, o agente fiscal verificar
o não cumprimento do dever instrumental no estabelecimento de “A”, constituirá
em linguagem competente o fato jurídico do dever instrumental com a aplicação
do Auto de Infração e Imposição de Multa pelo seu descumprimento.
Portanto, podemos afirmar que os deveres instrumentais necessitam de
linguagem competente para que surtam efeitos no mundo jurídico; caso contrário,
eles serão um mero evento que se perde no tempo e no espaço.
Analisaremos a seguir as mudanças que a informática trouxe ao dever
instrumental.
2.2.2 Dever instrumental informatizado
Conforme visto acima, o dever instrumental cumpre um importante
papel na implantação do tributo. Por se tratar de um dever de fazer ou não fazer,
a sua observância depende de documentação em linguagem competente de tudo o
que diz respeito ao tributo.
55
A implementação e utilização da informatização fiscal nos deveres
instrumentais vêm para facilitar a identificação do valor correto do tributo
devido; ao mesmo tempo, o fisco passa a ter condições de confrontar os dados
informados pelo contribuinte com demais dados existentes e disponíveis nos
sistemas digital central, dados esses relevantes à apuração do valor correto dos
tributos devidos, presente nos demais órgãos públicos, em outras unidades da
federação, outros países ou em quaisquer lugares em que se encontrem e possam
ser rastreados por um mecanismo tecnológico66.
Essa nova tecnologia vem sendo utilizada pelo fisco na formatação
dos deveres instrumentais, para fiscalização dos tributos, ocasionando diversas
mudanças no sistema tributário brasileiro.
Um dos instrumentos tecnológicos que vêm sendo muito utilizados
pelo fisco no dever instrumental digitalizado é o Sistema Público de Escrituração
Digital (SPED); nesse novo sistema, encontram-se a Nota Fiscal Eletrônica, a
escrituração fiscal digital e a escrituração contábil digital, dentre outros, que será
analisado mais abaixo.
Neste momento, o que estamos querendo dizer é que, conforme muito
bem destacado por Fabiana Lopes Pinto67,
Com a implementação da informatização fiscal que está sendo inserida no ordenamento jurídico, a partir do momento em que o contribuinte relatar o evento descrito no critério material, em fato social, este fato social, passará ter relevância para mundo jurídico, isto porque ele está sendo informado ao fisco no exato momento de seu acontecimento, muitas vezes em momentos que antecedem o próprio fato jurídico […]
Segundo entendimento da autora, isso significa dizer que, neste novo
modelo, o fato social passa a ser uma parte do fato jurídico, visto que há a
informação enviada ao Fisco de forma parcelada através dos mecanismos
tecnológicos. Com a soma de todas as partes do “fato” que foram ao longo do
66 Tema tratado por PINTO, Fabiana Lopes. Direito tributário digital informatização fiscal: o uso da tecnologia no sistema tributário nacional. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 212.
67 Id. Impacto financeiro da sonegação fiscal – penal. Disponível em: <www.lopespinto.com.br/ adv/publier4.0/dados/anexos/617_4.ppt>. Acesso em: 12 abr. 2011.
56
mês ou do ano (de acordo com o imposto) informados ao fisco, chegando-se ao
fato jurídico da norma.
Ou seja, com a informatização fiscal, o antigo dever instrumental só
tinha importância para o mundo jurídico quando de sua publicidade, quando o
fisco era informado do seu cumprimento ou no ato de uma fiscalização,
verificado o seu descumprimento, autuava o contribuinte, agora, nesse novo
cenário, a publicidade passou a ser em tempo real, e em alguns casos antes
mesmo da ocorrência do evento.
Isso porque, aplicando a teoria da linguagem, o contribuinte está
informando ao fisco que cumpriu o dever instrumental prescrito,
independentemente de ter ou não constituído crédito tributário. E o fato de fazer
essa antecipação das informações, que antes não eram feitas imediatamente, só
em casos de fiscalização, sendo, portanto, irrelevantes para o mundo jurídico,
agora com a informatização fiscal nos deveres instrumentais se torna de suma
importância.
Explicando melhor, com a informatização fiscal, o contribuinte
cumpre os deveres instrumentais, com a entrega das declarações no exato
momento da ocorrência o evento, constituindo, assim, o fato jurídico do dever
instrumental, e o fisco passa a ter nas mãos todas a informações, muitas vezes
suficientes para lançar de ofício ou por declaração, utilizando as informações do
contribuinte, sem a necessidade de ir à empresa conferir toda a documentação,
uma vez que tais documentos passarão a ser digitais e guardados no sistema do
Fisco.
Do mesmo modo, podemos pensar que, com a informatização fiscal, o
lançamento por homologação poderá ter a efetiva “homologação” ou
concordância do fisco, fato não visto no modelo atual, e sem ter que se esperar o
prazo de 5 anos e as discutidas questões da prescrição e decadência.
Tudo isso porque, uma vez que, em sendo informado ao fisco o
cumprimento do dever instrumental de forma antecipada e a posterior
57
constituição e pagamento do crédito tributário, o fisco não precisará mais ir à
empresa fazer a conferência da declaração prestada com os documentos fiscais,
visto que já foram enviados por via eletrônica.
Há quem defenda que tais mudanças podem levar à extinção do
lançamento por homologação68 e ao aumento do lançamento de declaração e
lançamento de ofício, tudo porque as novas normas de informatização fiscal dão
ao fisco as informações necessárias para lançar de ofício, identificando com
precisão o fato jurídico e sua respectiva base de cálculo, de forma a tornar o valor
devido inquestionável.
Mas por se tratar de um tema novo, há muito que se pensar nas
consequências desta informatização fiscal no dever instrumental.
Entendemos que o fato de o fisco ter em mãos as informações
necessárias para lançar de ofício não significa que o lançamento por
homologação seja extinto, pois, da mesma forma que o fisco terá nas mãos as
informações para lançar de oficio, também terá nas mãos, não só as informações,
mas também o crédito constituído e pago pelo contribuinte, apenas para
conferência e a devida quitação ou “homologação”, que atualmente não ocorre, e
veremos à frente, no item 2.5.1, que, no próprio conceito dado pelo fisco de NFS-
e (Nota Fiscal de Serviço Eletrônica), deixa claro que a responsabilidade pelas
informações prestadas é do contribuinte, cabendo ao fisco a sua fiscalização,
demonstrando que o fisco não tem interesse em extinguir o autolançamento.
Desse modo, defendemos que o lançamento por homologação poderá
ter a efetiva “homologação” ou quitação por parte do fisco, o que não ocorre
hoje, sem ter que se esperar o prazo de 5 anos, e, com isso, findariam as
discussões da prescrição e decadência, uma vez o fisco terá em mãos toda a
declaração prestada com os documentos fiscais digitais.
Por outro lado, podemos pensar na possível volta do “extinto”
lançamento por declaração, uma vez que o fisco, de porte de todas as declarações 68 PINTO, Fabiana Lopes. Direito tributário digital informatização fiscal: o uso da tecnologia no
sistema tributário nacional. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 233.
58
prestadas pelo contribuinte, tem condições de efetuar o lançamento, mas, para
que isso ocorra, são necessárias mudanças legislativas.
Atualmente, o contribuinte, ao cumprir o dever instrumental de forma
digital, constitui o crédito tributário, exceto nos casos de imunidade e isenção, e,
mesmos nestes casos, deverá cumprir o dever instrumental eletronicamente. Ao
constituir o crédito tributário e efetuar o pagamento, aguarda homologação, que
nunca ocorre.
Por ser um tema novo, poderíamos ainda defender que, se os
programas digitais instituídos futuramente passarem a converter as informações
prestadas pelos contribuintes em outra linguagem, constituindo o crédito
tributário a ser pago pelo contribuinte, o que não ocorre hoje, aí, sim, estaremos
diante do lançamento por declaração; do contrário, permaneceremos com o
lançamento por homologação como sendo o mais utilizado.
Dessa forma, nesse novo sistema, a informatização fiscal pode não
alterar a forma de constituição do crédito tributário, mantendo-se as hipóteses de
lançamento por homologação ou lançamento por ofício, mas poderá alterar os
prazos de prescrição e decadência, como também, passar a dar efetividade à
prova eletrônica, assim como efetivar a quitação do pagamento do crédito
constituído e pago pelo contribuinte, conforme será visto nos capítulos seguintes.
Como a informação enviada ao fisco tem importância jurídica,
analisaremos no próximo item a criação do SPED e suas consequências jurídicas.
2.3 Legislação que instituiu o mundo fiscal virtual – fiscalização integrada
(EC 42/2003)
Diante da evolução tecnológica constante e o aumento do volume de
operações pelas empresas, a fiscalização, para não ficar para trás, foi obrigada a
se modernizar tecnologicamente. Todavia, faltava padronização das informações
59
entre os entes políticos, Federal, Estadual e Municipal, causando conflitos de
informações.
Para iniciar essa padronização, foi editada a Emenda Constitucional
42/2003, introduzindo o inciso XXII, do art. 37 da Magna Carta, determinando
que as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios atuem de forma integrada, compartilhando cadastros e informações
fiscais, para facilitar na fiscalização, nos seguintes termos:
Art. 37 […] XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
Esse cruzamento de dados só pode ser feito através da informatização
fiscal, qual seja, a utilização da tecnologia no sistema tributário nacional como
forma de obrigar o contribuinte a entregar as informações fiscais por via digital,
com o fim de facilitar e agilizar a fiscalização.
Desse modo, o crédito tributário poderá ser apurado pela Fazenda
Pública com exatidão, por meio de mecanismos tecnológicos que venham a:
a) facilitar de qualquer maneira a identificação do valor correto do tributo
devido; b) confrontar os dados informados pelo contribuinte com demais dados
existentes e disponíveis nos sistemas; c) viabilizar o cruzamento de dados entre
informações fiscais dos contribuintes e demais dados relevantes à apuração do
valor correto dos tributos devidos, presentes nos demais órgãos públicos, em
outras unidades da federação, outros países ou em quaisquer lugares em que se
encontrem e possam ser rastreados por um mecanismo tecnológico. Para que isso
aconteça, é necessário que haja essa padronização e aplicação pelos entes
políticos.
60
A fiscalização tributária via informatização fiscal, de forma ampla,
evoluiu muito desde sua instituição, passando pelas seguintes etapas.
Inicialmente, em 1997, foi criado o Sistema Integrado de Informações
sobre Operações Interestaduais, mais conhecido como SINTEGRA, com o único
objetivo de facilitar a entrega das informações dos contribuintes estaduais e
cruzar informações entre as Administrações Estaduais Tributárias.
Em dezembro de 2003, houve a aprovação da Emenda Constitucional
nº 42, que introduziu o inciso XXII ao art. 37 da Constituição Federal,
determinando que as administrações tributárias da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios atuarão de forma integrada, inclusive com o
compartilhamento de cadastros e de informações fiscais.
Em 2005, o Ajuste SINIEF 7 instituiu nacionalmente a Nota Fiscal
Eletrônica (NF-e) e o Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica (DANFE),
que é parte integrante do SPED, instituído em janeiro de 2007, pelo Decreto nº
6.022.
Mesmo com toda essa evolução na informatização fiscal, ainda hoje
não há uma padronização e uniformização entre os dados da União, Estados e
Municípios.
Analisaremos, no próximo item, a importância do intercruzamento dos
dados digitais entre os entes políticos e suas consequências para o mundo
jurídico.
2.4 Consequências do intercruzamento de dados entre os entes políticos
Com a informatização fiscal e o cruzamento de dados fiscais entre os
fiscos Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, as pessoas físicas e jurídicas que
não recolhem corretamente os seus tributos correm o risco de serem autuadas por
uma nova tecnologia, a autuação on-line.
61
Isso porque os fatos jurídicos tributários realizados hoje podem ser
fiscalizados e autuados dentro dos próximos cinco anos.
Explicando melhor: com a obrigatoriedade de cumprimento dos
deveres instrumentais por meio de arquivos digitais, o contribuinte deverá gerar
eletronicamente a maioria das informações fiscais que anteriormente eram
encaminhadas ao fisco em papel. As Fazendas Públicas Federal, Estadual e
Municipal terão acesso à totalidade dos dados, das notas e das obrigações fiscais
e contábeis de todas as empresas, por meio de documento digital de fácil
utilização pela informatização fiscal para identificação do crédito tributário.
O maior exemplo é o SPED, conforme veremos abaixo, que inclui,
entre outros sistemas, a Nota Fiscal Eletrônica e a Escrituração Contábil e Fiscal
Digital; sendo implementado lentamente pela Receita Federal e Estadual desde
2004, passou por seu auge entre 2009 e 2011 e encontra-se em utilização pela
maioria das empresas brasileiras. A partir do SPED, a maioria das pessoas
jurídicas já encaminha mensalmente ao fisco federal, estadual e municipal todas
as suas informações fiscais em formato digital. Todas as informações são
recebidas pelo fisco e são utilizadas imediatamente ou armazenadas para
utilização futura. De posse dos dados digitais dos contribuintes, o fisco poderá
cruzar as informações a qualquer momento, de acordo com o avanço tecnológico
de seus sistemas. Quando identificada eventual distorção no valor declarado ou
recolhido, o sistema poderá gerar automaticamente a notificação fiscal ou o
próprio lançamento de ofício. Essas autuações fiscais que surgem a partir da
identificação tecnológica são consequências da informatização fiscal.
Lavrado o auto de infração com base nessa informatização fiscal, o
fisco encaminha ao Ministério Público Federal, Estadual ou Municipal as
informações que contenham indício de crime. O cruzamento dos dados fiscais
digitais gera uma prova muito precisa e de difícil defesa, tanto no âmbito
tributário quanto no penal. Isso porque, além do SPED, a Receita Federal conta
com outras formas de fiscalização eletrônica de dados, tais como o Radar, o
62
Sintegra, que vêm surpreendendo diversas pessoas físicas e jurídicas com
autuações também de difícil defesa.
Na esfera estadual, há um grande exemplo comum que está sendo
fiscalizado de forma efetiva com a informatização fiscal, é o caso de doação em
direito entre pais e filhos, para o qual não há incidência de IR e, ao mesmo
tempo, nem o doador nem o donatário recolhem o ITCMD, ainda mais quando
estão em Estados diferentes; com a informatização fiscal, esse tipo de sonegação
pode acabar, pois todos os Estados terão acesso às informações prestadas pelo
contribuinte, podendo autuá-lo dentro dos prazos de decadência e prescrição, o
que não ocorre hoje.
Com a informatização fiscal, os Estados conseguem detectar com mais
facilidade os casos em que o tributo deveria ter sido recolhido e passam a cobrá-
lo do contribuinte.
Antes, o Estado tinha de notificar (o contribuinte) para saber se o
valor declarado no IR era uma doação mesmo. Com o cruzamento de
informações, a fiscalização ficou mais fácil, e, caso fique constatado que o
contribuinte deixou de recolher o imposto, o Estado enviará uma notificação
cobrando-o com multa e juros.
Portanto, as consequências do cruzamento dos dados fornecidos pelo
contribuinte ao fisco de forma digital com vários outros dados podem variar,
dentre elas, a autuação fiscal e a tipificação do crime de sonegação fiscal, caso
haja a omissão de valores devidos a título de tributo pelos contribuintes.
O que falta ainda é a integralização e uniformização dos dados com
todos os municípios, para, assim, haver o intercruzamento de dados entre todos
os entes.
A permuta de informações entre as Administrações Tributárias
(Federal, Estadual e Municipal) tem fundamento no art. 199 do Código
Tributário Nacional (normalmente mediante a assinatura de protocolo específico
para essa finalidade). Esse é o caso, por exemplo, do fornecimento de
63
informações da RFB para a SEFAZ/SP, que possibilita o cruzamento de dados
fornecidos nas declarações de imposto de renda dos contribuintes para
fundamentar autuações pelo não recolhimento do ITCMD. Contudo, não há lei
prescrevendo esse cruzamento de informações, há alguns protocolos que não são
publicados, o que importa dizer que essa matéria não tem disciplina acessível ao
público, sendo, portanto, inconstitucional.
Desse modo, podemos notar que o SPED é um instrumento que vem
unificando as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação
de livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal dos
empresários e das sociedades empresárias, mediante fluxo único,
computadorizado, de informações, todavia, sem a devida regulamentação legal,
conforme será visto no item 2.6.
Seu objetivo é promover a atuação integrada dos Fiscos federal,
estaduais e municipais, mediante padronização e racionalização das informações
e do acesso compartilhado à escrituração digital de contribuintes por pessoas
legalmente autorizadas; por isso, vem sendo melhorado a cada dia.
Assim, foi criado o SPED, conforme veremos no próximo item, com o
objetivo de centralizar as informações prestadas pelos contribuintes e fiscalização
tributária.
2.5 A criação do SPED e suas consequências ao dever instrumental
O projeto SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) altera a
forma de cumprimento dos deveres instrumentais realizados pelos contribuintes,
substituindo a emissão de livros e documentos contábeis e fiscais em papel por
documentos eletrônicos, cuja autoria, integridade e validade jurídica são
reconhecidas pelo uso da certificação digital.
64
Segundo consta no site da receita federal do Brasil, o SPED tem como
objetivos, entre outros69:
• Promover a integração dos fiscos, mediante a padronização e compartilhamento das informações contábeis e fiscais, respeitadas as restrições legais.
• Racionalizar e uniformizar as obrigações acessórias para os contribuintes, com o estabelecimento de transmissão única de distintas obrigações acessórias de diferentes órgãos fiscalizadores.
• Tornar mais célere a identificação de ilícitos tributários, com a melhoria do controle dos processos, a rapidez no acesso às informações e a fiscalização mais efetiva das operações com o cruzamento de dados e auditoria eletrônica.
Portanto, o SPED foi criado com o objetivo de simplificar os deveres
instrumentais e agilizar o controle das administrações tributárias. Porém, essa
simplificação não acarretará na diminuição das informações solicitadas, apenas a
diminuição da quantidade de declarações entregues. Outra utilidade do SPED
será a integração e troca de informações de dados recebidos pela União, os
Estados, Distrito Federal e Municípios. Todos eles poderão consultar a base de
dados que conterá as informações de todos ou a base de dados geral da Secretaria
da Receita Federal, que deterá a disponibilidade digital de acesso a todas as
informações recebidas em formato eletrônico.
Fazem parte da estrutura do SPED: 1) NFS-e; 2) NF-e; 3) Escrituração
Fiscal Digital (EFD); 4) Escrituração Contábil Digital; 5) FCont (controle fiscal
contábil de transição); 6) CT-e (Conhecimento de Transporte eletrônico); e
7) EFD Contribuição, conforme demonstra o seguinte gráfico70:
69 BRASIL. Receita Federal. SPED – Sistema Público de Escrituração Fiscal. Objetivos. Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sobre-o-projeto/objetivos.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
70 AZEVEDO, Osmar Reis. Sped – Sistema Público de Escrituração Digital. São Paulo: IOB, 2012, p. 53.
65
2.5.1 Nota Fiscal de Serviços Eletrônica Municipal (NFS-e)71
É uma nota fiscal em formato eletrônico encaminhada pela internet ao
fisco após a prestação dos serviços sujeitos à tributação pelo Imposto sobre
Serviços (ISS).
O Projeto Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) está sendo
desenvolvido de forma integrada, pela Receita Federal do Brasil (RFB) e
Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf),
atendendo o Protocolo de Cooperação ENAT nº 02, de 7 de dezembro de 2007,
que lhes atribuiu a coordenação e a responsabilidade pelo desenvolvimento e
implantação do Projeto da NFS-e.
A geração da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) é feita,
automaticamente, por meio de serviços informatizados, disponibilizados aos
contribuintes. Para que sua geração seja efetuada, dados que a compõem serão
informados, analisados, processados, validados e, se corretos, gerarão o
71 BRASIL. Receita Federal. SPED – Sistema Público de Escrituração Fiscal. Como funciona. Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sistemas/nfse/como-funciona.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
SPED (Sistema Público de
Escrituração Digital)
NFS-e (nota fiscal de serviço eletrônica)
NF-e (nota fiscal eletrônica)
EFD (escrituração fiscal digital)
FCont (controle fiscal contábil de transição)
ECD (Escrituração contábil digital)
CT-e (Conhecimento de Transporte eletrônico)
EFD Contribuição
66
documento. A responsabilidade pelo cumprimento da obrigação acessória de
emissão da NFS-e e pelo correto fornecimento dos dados à secretaria, para a
geração da mesma, é do contribuinte.
a) Recibo provisório de serviços (RPS)
A NFS-e será gerada através dos serviços informatizados
disponibilizados pela respectiva secretaria municipal de finanças.
No intuito de prover uma solução de contingência para o contribuinte,
foi criado o Recibo Provisório de Serviços (RPS), que é um documento de posse
e responsabilidade do contribuinte, que deverá ser gerado manualmente ou por
alguma aplicação local, possuindo uma numeração sequencial crescente e
devendo ser convertido em NFS-e no prazo estipulado pela legislação tributária
municipal.
Este documento atende, também, àqueles contribuintes que,
porventura, não dispõem de infraestrutura de conectividade com a secretaria em
tempo integral, podendo gerar os documentos e enviá-los, em lote, para
processamento e geração das respectivas NFS-e.
Para que os RPS possam fazer parte de um lote a ser enviado para
geração das NFS-e correspondentes, é necessário que o contribuinte possua uma
aplicação instalada em seus computadores, seja ela fornecida pela secretaria ou
desenvolvida particularmente, seguindo as especificações disponibilizadas por
essa.
b) Geração de NFS-e
A NFS-e contém campos que reproduzem as informações enviadas
pelo contribuinte e outros que são de responsabilidade do Fisco. Uma vez gerada,
a NFS-e não pode mais ser alterada, admitindo-se, unicamente por iniciativa do
contribuinte, ser cancelada ou substituída, hipótese esta em que deverá ser
mantido o vínculo entre a nota substituída e a nova.
67
A NFS-e deve conter a identificação dos serviços em conformidade
com os itens da Lista de Serviços, anexa à Lei Complementar n° 116, de 2003,
acrescida daqueles que foram vetados e de um item “9999” para “outros
serviços”.
É possível descrever vários serviços numa mesma NFS-e, desde que
relacionados a um único item da Lista, de mesma alíquota e para o mesmo
tomador de serviço. Quando a legislação do município assim exigir, no caso da
atividade de construção civil, as NFS-e deverão ser emitidas por obra.
A identificação do prestador de serviços será feita pelo CNPJ, que
pode ser conjugado com a Inscrição Municipal, não sendo esta de uso
obrigatório.
A informação do CNPJ do tomador do serviço é obrigatória para
pessoa jurídica, exceto quando se tratar de tomador do exterior.
A competência de uma NFS-e é o mês da ocorrência do fato gerador.
O sistema assumirá automaticamente o Mês/Ano da emissão do RPS ou da NFS-
e, o que for inferior, podendo ainda o contribuinte informar uma competência
anterior.
A base de cálculo da NFS-e é o Valor Total de Serviços, subtraído do
Valor de Deduções previstas em lei.
O Valor do ISS é definido de acordo com a Natureza da Operação, a
Opção pelo Simples Nacional, o Regime Especial de Tributação e o ISS Retido.
A alíquota do ISS é definida pela legislação municipal. Quando a
NFS-e é tributada fora do município em que está sendo emitida, a alíquota será
informada pelo contribuinte.
68
2.5.2 Nota Fiscal Eletrônica Estadual (NF-e)72
O Projeto NF-e tem como objetivo a implantação de um modelo
nacional de documento fiscal eletrônico que venha substituir a sistemática atual
de emissão do documento fiscal em papel, com validade jurídica garantida pela
assinatura digital do remetente, simplificando os deveres instrumentais dos
contribuintes e permitindo, ao mesmo tempo, o acompanhamento em tempo real
das operações comerciais pelo Fisco.
A implantação da NF-e constitui grande avanço para facilitar a vida
do contribuinte e as atividades de fiscalização sobre operações e prestações
tributadas pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e
pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
O ajuste SINIEF 07/2005 define o conceito de Nota Fiscal Eletrônica
no Brasil, nos seguintes termos:
Um documento emitido e armazenado eletronicamente, de existência apenas digital, com o intuito de documentar operações e prestações, cuja validade jurídica é garantida pela assinatura digital do emitente e autorização de uso pela administração tributária da unidade federada do contribuinte, antes da ocorrência do fato gerador.
De maneira simplificada, a empresa emissora de NF-e gerará um
arquivo eletrônico contendo as informações fiscais da operação comercial, o qual
deverá ser assinado digitalmente, de maneira a garantir a integridade dos dados e
a autoria do emissor. Esse arquivo eletrônico, que corresponderá à Nota Fiscal
Eletrônica (NF-e), será então transmitido pela Internet para a Secretaria da
Fazenda de jurisdição do contribuinte, que fará uma pré-validação do arquivo e
devolverá um protocolo de recebimento (Autorização de Uso), sem o qual não
poderá haver o trânsito da mercadoria.
72 BRASIL. Receita Federal. SPED – Sistema Público de Escrituração Fiscal. Sped – NF-e – Ambiente Nacional. Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sistemas/nfe/ default.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
69
A NF-e também será transmitida para a Receita Federal, que será
repositório nacional de todas as NF-e emitidas (Ambiente Nacional); no caso de
operação interestadual, para a Secretaria de Fazenda de destino da operação; e,
para a Suframa, no caso de mercadorias destinadas às áreas incentivadas. As
Secretarias de Fazenda e a RFB (Ambiente Nacional) disponibilizarão consulta,
através da Internet, para o destinatário e outros legítimos interessados que
detenham a chave de acesso do documento eletrônico.
Para acompanhar o trânsito da mercadoria será impressa uma
representação gráfica simplificada da Nota Fiscal Eletrônica, intitulado DANFE
(Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica), em papel comum, em única via,
que conterá impressa, em destaque, a chave de acesso para consulta da NF-e na
Internet e um código de barras bidimensional, que facilitará a captura e a
confirmação de informações da NF-e pelas unidades fiscais.
O DANFE não é uma nota fiscal, nem substitui uma nota fiscal; ele
serve apenas como instrumento auxiliar para consulta da NF-e, pois contém a
chave de acesso da NF-e, que permite ao detentor desse documento confirmar a
efetiva existência da NF-e através do Ambiente Nacional (RFB) ou site da
SEFAZ na Internet.
O contribuinte destinatário, não emissor de NF-e, poderá escriturar os
dados contidos no DANFE para a escrituração da NF-e, sendo que sua validade
ficará vinculada à efetiva existência da NF-e nos arquivos das administrações
tributárias envolvidas no processo, comprovada através da emissão da
Autorização de Uso. O contribuinte emitente da NF-e realizará a escrituração a
partir das NF-e emitidas e recebidas.
2.5.3 A Escrituração Fiscal Digital (EFD)
A EFD é um arquivo digital que se constitui de um conjunto de
escriturações de documentos fiscais e de outras informações de interesse dos
70
fiscos das unidades federadas e da Secretaria da Receita Federal do Brasil, bem
como de registros de apuração de impostos referentes às operações e prestações
praticadas pelo contribuinte.
Esse arquivo deverá ser assinado digitalmente e transmitido, via
Internet, ao ambiente SPED.
Portanto, a EFD criou a obrigatoriedade de digitalização de todas as
informações fiscais da pessoa jurídica para entrega ao fisco já em formato
eletrônico (via internet). Todos os documentos fiscais referentes aos deveres
instrumentais que antes eram entregues em papel passam a ser enviados em
formato digital. Serão incorporados à escrituração fiscal digital todos os
documentos fiscais de todos os tributos.
Base legal: Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007 – Institui o
Sistema Público de Escrituração Digital (SPED); Decreto nº 7.212, de 15 de
junho de 2010 – Regulamento do IPI; Decreto nº 7.979, de 08 de abril de 2013 –
Altera o Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007, que instituiu o SPED.
Convênio: ICMS nº 143, de 15 de dezembro de 2006 – Institui a
Escrituração Fiscal Digital (EFD).
Protocolos ICMS: Protocolo ICMS nº 77, de 18 de setembro de 2008
– Dispõe sobre a obrigatoriedade da Escrituração Fiscal Digital (EFD), nos
termos das cláusulas terceira e oitava-A do Convênio ICMS 143/06, que institui a
Escrituração Fiscal Digital (EFD); Protocolo ICMS nº 77/2008 – Lista
Atualizada Jan 2009 Obrigados EFD 2009 – Relação das empresas obrigadas ao
SPED Fiscal em janeiro de 2009; Protocolo ICMS nº 3, de 1º de abril de 2011 –
Fixa o prazo para a obrigatoriedade da escrituração fiscal digital (EFD);
Protocolo ICMS nº 40, de 8 de julho de 2011 – Altera o Protocolo ICMS 3/11,
que fixa o prazo para a obrigatoriedade da escrituração fiscal digital (EFD).
Ajustes Sinief 02, de 3 de abril de 2009 – DOU 08/04/2009 – Dispõe
sobre a Escrituração Fiscal Digital; Ajuste SINIEF 02 de 26 de março de 2010 –
Altera o Ajuste SINIEF 02/09, que dispõe sobre a Escrituração Fiscal Digital –
71
EFD; Ajuste SINIEF 5 de 09 de julho de 2010 – Altera o Ajuste SINIEF 02/09,
que dispõe sobre a Escrituração Fiscal Digital (EFD); Ajuste SINIEF 07 de 09 de
julho de 2010 – Altera o Ajuste SINIEF 08/97, que institui documento destinado
ao controle de crédito de ICMS do ativo permanente; Ajuste SINIEF nº 13, de 30
de setembro de 2011 – Altera o Ajuste SINIEF 02/09, que instituiu a
Escrituração Fiscal Digital (EFD); Ajuste SINIEF nº 17, de 16 de dezembro de
2011 – Altera o Ajuste SINIEF 13/11, que altera o Ajuste SINIEF 02/09, que
instituiu a Escrituração Fiscal Digital (EFD); Ajuste SINIEF nº 11, de 28 de
setembro de 2012 – Altera o Ajuste SINIEF 02/09, que dispõe sobre a
Escrituração Fiscal Digital (EFD). Dispõe sobre as regras de retificação da EFD
aplicáveis a partir de janeiro de 2013; Ajuste Sinief nº 26, de 17 de dezembro de
2012 – Altera o Ajuste SINIEF 13/11, que altera o Ajuste SINIEF 02/09, que
instituiu a Escrituração Fiscal Digital (EFD).
Atos Cotepe ICMS nº 09, de 18 de abril de 2008 – Dispõe sobre as
especificações técnicas para a geração de arquivos da Escrituração Fiscal Digital
(EFD).
2.5.4 Escrituração Contábil Digital (ECD)
A escrituração contábil digital, também chamada SPED contábil, cria
a obrigatoriedade de emissão dos livros e documentos contábeis em formato
digital para a entrega ao fisco via internet mediante sistemas tecnológicos
específicos.
A escrituração contábil digital foi implementada pela Receita Federal
em 2009 para contribuinte com acompanhamento diferenciado, nos termos da
Portaria nº 11.211/2007.
Base legal: Decreto nº 7.979, de 8 de abril de 2013, altera o Decreto nº
6.022, de 22 de janeiro de 2007, que instituiu o Sistema Público de Escrituração
Digital (SPED).
72
Instrução Normativa nº 107, de 23 de maio de 2008; Resolução n°
1.299/10, aprova o Comunicado Técnico CT 04 que define as formalidades da
escrituração contábil em forma digital para fins de atendimento ao Sistema
Público de Escrituração Digital (SPED); Resolução n° 1.020/05.
Na Receita Federal, temos a Instrução Normativa DREI nº 11/13, de 9
de dezembro de 2013, que dispõe sobre procedimentos para a validade e eficácia
dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades empresárias,
leiloeiros e tradutores públicos e intérpretes comerciais. Instrução Normativa
RFB nº 787, de 19 de novembro de 2007 (com as alterações da IN RFB 825/08 e
da IN RFB 926/09), que institui a Escrituração Contábil Digital (para fins fiscais
e previdenciários). Instrução Normativa RFB nº 1.139, de 28 de março de 2011;
Instrução Normativa RFB nº 949, de 16 de junho de 2009, que regulamenta o
Regime Tributário de Transição (RTT) e instituiu o Controle Fiscal Contábil de
Transição (FCONT); a Instrução Normativa RFB nº 967, de 15 de outubro de
2009, que aprova o Programa Validador e Assinador da Entrada de Dados para o
Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT); e a Instrução Normativa RFB
nº 989, de 22 de dezembro de 2009, que institui o Livro Eletrônico de
Escrituração e Apuração do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido da Pessoa Jurídica Tributada pelo Lucro Real (e-Lalur). Instrução
Normativa RFB nº 1.352, de 30 de abril de 2013, que institui da Escrituração
Contábil Digital (ECD). E a Instrução Normativa RFB nº 1.420, de 19 de
dezembro de 2013, que dispõe sobre a Escrituração Contábil Digital (ECD).
Por fim, há os Atos Declaratórios Executivos Cofis nº 103/2013, que
dispõem sobre o Manual de Orientação do Leiaute da Escrituração Contábil
Digital (ECD); e o Ato Declaratório Executivo Cofis nº 33, de 6 de maio de
2013, que dispõe sobre o Manual de Orientação do Leiaute do SPED Contábil
(ECD).
Podemos notar que o SPED é um instrumento que vem unificando as
atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e
73
documentos que integram a escrituração comercial e fiscal dos empresários e das
sociedades empresárias, mediante fluxo único, computadorizado, de informações
nos termos do art. 2º do Decreto 6.022/2007.
Tais livros e documentos serão emitidos em forma eletrônica,
observado o disposto na Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
2.5.5 FCont (controle fiscal contábil de transição)
Conforme disciplina a Instrução Normativa RFB nº 949/09, o FCONT
é uma escrituração das contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas,
que considera os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
A empresa deverá apresentar os lançamentos da contabilidade
societária que foram efetuados utilizando os novos critérios introduzidos pela Lei
11.638/07 e pelos artigos 37 e 38 da Lei 11.941/09.
Em relação a estes mesmos lançamentos contábeis, a empresa deverá
efetuar os lançamentos utilizando os métodos e critérios contábeis aplicáveis à
legislação tributária.
As diferenças apuradas entre as duas metodologias comporão ajuste
específico a ser efetuado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR).
Para estas operações, a empresa apresentará arquivo digital em leiaute
semelhante ao da Escrituração Contábil Digital. Esse arquivo constituirá parte da
entrada de dados da escrituração de controle fiscal contábil de transição
(FCONT). A outra parte é a própria escrituração comercial da empresa.
Esta escrituração deverá ser criada a partir de programa de programa
gerador a ser disponibilizado pela RFB.
O programa gerador de escrituração possibilitará: criar ou importar o
arquivo com o leiaute do FCONT definido em legislação; validar do conteúdo da
74
escrituração e indicar dos erros e advertências; editar via digitação os registros
criados ou importados; geração do arquivo FCONT para assinatura e transmissão
ao SPED; assinar do arquivo gerado por certificado digital; e comandar a
transmissão do arquivo ao SPED.
Em termos práticos, no Programa Validador e Assinador da entrada de
dados do FCont devem ser informados os lançamentos que: i) efetuados na
escrituração comercial, não devam ser considerados para fins de apuração do
resultado com base na legislação vigente em 31.12.2007, ou seja, os lançamentos
que existem na escrituração comercial, mas que devem ser expurgados para
remover os reflexos das alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 da Lei nº 11.941, de 2009, que
modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na escrituração contábil, para apuração do lucro líquido do exercício
definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; e ii) não
efetuados na escrituração comercial, mas que devam ser incluídos para fins de
apuração do resultado com base na legislação vigente em 31.12.2007.
Graficamente, temos73:
73 BRASIL. Receita Federal. SPED – Sistema Público de Escrituração Fiscal. O que é. Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sistemas/fcont/o-que-e.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
75
Base legal: Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007; Lei nº 11.941,
de 27 de maio de 2009; IN RFB nº 949, de 16 de junho de 2009; IN RFB nº 967,
de 15 de outubro de 2009; IN RFB nº 970, de 23 de outubro de 2009; IN RFB nº
1.139, de 28 de março de 2011; IN RFB nº 1.164, de 13 de junho 2011; IN RFB
nº 1.354, de 30 de abril de 2013; ADE Cofis nº 49, de 15 de outubro de 2009;
ADE Cofis nº 009, de 06 de abril de 2010; Instrução Normativa RFB nº 1.182 de
19 de agosto de 2011; ADE Cofis nº 31, de 2 de setembro de 2011; Instrução
Normativa RFB nº 1.272, de 4 de junho de 2012.
2.5.6 CT-e (Conhecimento de Transporte eletrônico)
O Conhecimento de Transporte eletrônico (CT-e) é também o novo
modelo de documento fiscal eletrônico, instituído pelo AJUSTE SINIEF 09/07,
de 25/10/2007, que poderá ser utilizado para substituir um dos seguintes
documentos fiscais: i) conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas,
76
modelo 8; ii) conhecimento de Transporte Aquaviário de Cargas, modelo 9; iii)
conhecimento Aéreo, modelo 10; iv) conhecimento de Transporte Ferroviário de
Cargas, modelo 11; v) Nota Fiscal de Serviço de Transporte Ferroviário de
Cargas, modelo 27; vi) Nota Fiscal de Serviço de Transporte, modelo 7, quando
utilizada em transporte de cargas.
O CT-e também poderá ser utilizado como documento fiscal
eletrônico no transporte dutoviário e, futuramente, nos transportes Multimodais.
Podemos conceituar o CT-e como um documento de existência
exclusivamente digital, emitido e armazenado eletronicamente, com o intuito de
documentar uma prestação de serviços de transportes, cuja validade jurídica é
garantida pela assinatura digital do emitente e a Autorização de Uso fornecida
pela administração tributária do domicílio do contribuinte.
O Projeto Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) está sendo
desenvolvido, de forma integrada, pelas Secretarias de Fazenda dos Estados e
Receita Federal do Brasil, a partir da assinatura do Protocolo ENAT 03/2006, de
10/11/2006, que atribui ao Encontro Nacional de Coordenadores e
Administradores Tributários Estaduais (ENCAT) a coordenação e a
responsabilidade pelo desenvolvimento e implantação do Projeto CT-e.
2.5.7 EFD Contribuição
Por fim, a EFD-Contribuições trata de arquivo digital instituído no
Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), a ser utilizado pelas pessoas
jurídicas de direito privado na escrituração da Contribuição para o PIS/Pasep e da
Cofins, nos regimes de apuração não cumulativo e/ou cumulativo, com base no
conjunto de documentos e operações representativos das receitas auferidas, bem
como dos custos, despesas, encargos e aquisições geradores de créditos da não
cumulatividade.
77
Com o advento da Lei nº 12.546/2011, arts. 7º e 8º, a EFD-
Contribuições passou a contemplar também a escrituração digital da
Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, incidente nos setores de
serviços e indústrias, no auferimento de receitas referentes aos serviços e
produtos nela relacionados.
Os documentos e operações da escrituração representativos de receitas
auferidas e de aquisições, custos, despesas e encargos incorridos serão
relacionadas no arquivo da EFD-Contribuições em relação a cada
estabelecimento da pessoa jurídica. A escrituração das contribuições sociais e dos
créditos, bem como da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, será
efetuada de forma centralizada, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica.
O arquivo da EFD-Contribuições deverá ser validado, assinado
digitalmente e transmitido, via Internet, ao ambiente SPED. Conforme disciplina
a Instrução Normativa RFB nº 1.252 de 1 de março de 2012.
Base legal: Decreto nº 6.022, de 2007 – Institui o Sistema Público de
Escrituração Digital (SPED).
Instrução Normativa RFB nº 1.052, de 5 de julho de 2010, que Institui
a Escrituração Fiscal Digital do PIS/Pasep e da Cofins (EFD-Contribuições).
(Alterada pela IN RFB nº 1.085, de 2010 e IN RFB nº 1.161, de 2011).
Instrução Normativa RFB nº 1.252, de 1º de março 2012, que Institui
a Escrituração Fiscal Digital do PIS/Pasep, da Cofins e da Contribuição
Previdenciária sobre a Receita (EFD-Contribuições).
2.6 Da inconstitucionalidade do SPED
O SPED promove a atuação integrada dos Fiscos federal, estaduais e
municipais, mediante padronização e racionalização das informações e do acesso
compartilhado à escrituração digital de contribuintes por pessoas legalmente
autorizadas.
78
Portanto, podemos notar que os contribuintes continuam tendo que
cumprir dos deveres instrumentais, mesmo com a informatização fiscal: o que era
feito no papel passou a ser feito de forma digital, mas com mudanças
significativas. Além disso, é necessário estudar se o fato de entregar ao fisco as
informações que antes eram feitas em papel (isto significa que houve a
publicação e, como consequência, sua inclusão no mundo jurídico) pode alterar o
momento da constituição do crédito tributário, os prazos de decadência e
prescrição, e como fica a teoria da prova com a prova eletrônica.
Isso porque, conforme fixado no capítulo 1, partimos da teoria da
linguagem, e o cumprimento do dever instrumental, que, antes da informatização
fiscal, era um evento tributário, com a informatização fiscal passa a ser um fato,
pois já está vertido em linguagem, uma vez entregues ao fisco as declarações por
via digital.
E, em sendo vertido em linguagem competente, o fisco já tem
conhecimento das declarações, e, com isso, a metodologia de fiscalização de
tributos pode mudar completamente, possibilitando com que o fisco identifique o
valor do tributo devido com mais facilidade e agilizando todo o processo de
fiscalização de tributos.
O grande problema do SPED é sua regulamentação, que, por se tratar
de sistema que altera toda a forma de cumprir dever instrumental, sua instituição
e regulamentação não obedece ao princípio da legalidade, conforme será visto a
seguir.
Isto porque o SPED tem sua regulamentação no decreto 6.022/07,
conforme visto na extensa lista acima, e, por se tratar de sistema que altera toda a
forma de cumprimento de dever instrumental, sua instituição e regulamentação
violaram frontalmente o princípio da legalidade, tema muito bem discorrido no
capítulo 3: princípios da legalidade, da razoabilidade e proporcionalidade nos
79
deveres instrumentais de nossa dissertação de mestrado no item 1.5.1 e 1.5.2 da
tipicidade tributária, do presente trabalho.74
Vale a pena ressaltar que o princípio da legalidade é consagrado por
nossa Constituição como um dos princípios mais importantes do ordenamento
jurídico. Neste contexto, entenderemos por lei o resultado do processo
legislativo, de competência única e exclusiva do Poder Legislativo. Em face
disto, Roque Antonio Carrazza75 preceitua que, “no Estado de Direito, o
Legislativo detém exclusividade de editar normas jurídicas que fazem nascer,
para todas as pessoas, deveres e obrigações, que lhes restringem ou condicionam
a liberdade”, porque o fundamento do princípio da legalidade está na soberania
popular, prescrita no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, que
prescreve que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Desse
modo, reiteramos que somente a lei, como expressão da vontade geral exercida
pelos representantes do povo em assembleia legislativa, é que tem o poder de
cercear a liberdade e a propriedade.
O princípio da legalidade expresso no art. 5º, inciso II, da
Constituição, por si só, é suficiente para proteger os direitos e garantias dos
cidadãos contra as arbitrariedades. No entanto, em se tratando de matéria
tributária, o legislador estipulou de forma específica, no art. 150, inciso I, da
Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I – exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.” Ao
contribuinte está assegurado o direito de apenas ser compelido a pagar tributo ou
outro dever que se manifeste de forma pecuniária, desde que uma lei assim o
determine. Ou seja, se houver um aumento ou uma imposição de tributo ou
algum dever por outro veículo introdutor que não a lei, então essa norma
74 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 86.
75 Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 240.
80
introdutora, bem como a norma introduzida por ele, é inválida perante o
ordenamento jurídico. Apenas a lei pode disciplinar questões sobre a criação e
aumento de tributos, sendo esta lei formal, conforme analisaremos no item
seguinte. Esse princípio é reforçado em matéria tributária para vedar o abuso dos
governantes nas instituições e aumentos de tributos para a arrecadação de
recursos.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 97, prescreve sobre o
princípio da legalidade nos seguintes termos:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arte. 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado disposto no inciso l do § 3° do art. 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1° Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2° Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II este artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Sabemos que o Código Tributário Nacional surgiu como lei ordinária
nº 5.172/66, na vigência da ordem constitucional anterior. Todavia, foi
recepcionado pela nossa atual Constituição, com status de lei complementar de
aplicação em todo o território nacional. A Constituição Federal, em seu artigo
146, inciso III, determina que a lei complementar estabelece normas gerais em
matéria de legislação tributária. Tudo o quanto aqui se expôs sobre o princípio da
legalidade em nível constitucional há de se ter por também verdadeiro às
81
hipóteses prescritas nos incisos e parágrafos desse artigo do Código Tributário
Nacional76.
Dessa forma, como visto, o conceito de lei a que se refere o caput é a
lei na acepção estrita, ou seja, em sentido material e formal. Para tanto, os
dispositivos normativos que tratem do aumento ou instituição de tributos,
definindo fatos jurídicos tributários (critério objetivo) na descrição do
antecedente, prescrevendo no consequente todos os elementos necessários à
identificação da relação jurídica que se há de instalar a partir da realização do
antecedente (sujeito passivo – critério subjetivo), alíquota e base de cálculo
(critério quantitativo e critérios espacial e temporal) devem ser rigorosamente
estabelecidos pelo legislador ordinário. Ou seja, a lei deve descrever a Regra-
Matriz de Incidência Tributária e a Regra-Matriz dos Deveres Instrumentais em
todos os seus aspectos. E lei é o instrumento de competência do Poder
Legislativo, relembremos, como único legitimado pelo povo para a constrição de
seus direitos.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 10777, dispõe acerca do
processo de interpretação e integração do sistema jurídico tributário. No artigo
76 A discussão das teorias dicotômicas e tricotômicas surgiu com a redação trazida pela superada Constituição de 1967, art. 19, § 1º, com as duas vertentes interpretativas importantes, fomentadas na experiência jurídica de então, cada uma delas, a seu modo, cercada de seriíssimas implicações, que iam desde os triviais efeitos práticos, provocados pela incidência dos gravames, até o debate de elevados princípios constitucionais.
O dispositivo estava assim redigido: “Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de competência nessa matéria entre União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar.”
A corrente tricotômica defendia que caberia a lei complementar: a) emitir normas gerais de direito tributário; b) dispor sobre conflitos de competência, nessa matéria, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e c) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Já a corrente dicotômica defendia que caberia a lei complementar: veicular normas gerais de direito tributário. Estas, por seu turno, exerciam duas funções: dispor sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Portanto, cabia a lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário para dispor sobre conflitos de competência, nessa matéria, entre as entidades tributantes, bem como regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Com o artigo 146, inciso III da CF de 1988, não restou a menor dúvida de que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário; dispor sobre conflitos de competência; e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
77 Art. 107. A legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo. Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
82
108, prevê as formas de aplicação da legislação tributária, na ausência de lei
expressa, entre elas, no inciso I, a analogia. Entretanto, em seu parágrafo
primeiro, deixa consignado expressamente que o uso da analogia78 não poderá
resultar na exigência de tributo não previsto em lei. Tal disposição vem a atender
a disposição constitucional pela observância do princípio da legalidade,
reforçado pelo seu sentido de tipicidade.
Paulo Ayres Barreto79 completa que
A função legislativa, em matéria tributária, deverá ser integralmente exercida pelo Poder Legislativo, não cabendo cogitar-se de nenhuma hipótese de delegação ao Executivo, sendo-lhe defeso promover a integração da norma tributária. O tipo tributário é fechado, não se admitindo ainda que qualquer espécie de integração de cunho analógico.
Portanto, a competência para criar obrigações ou deveres aos
particulares somente foi outorgada pelo texto constitucional, e utilizar a analogia,
para suprir a tarefa legislativa, constitui-se em lesão ao princípio da legalidade.
Da mesma forma, o princípio da tipicidade fechada determina que o
legislador de lei ordinária, competente para instituição do tributo, deve editar a
norma tributária, pormenorizadamente, impedindo-se a subjetividade do
administrador, no momento da sua aplicação ao caso concreto, cabendo ao
administrador fazer a subsunção do fato à norma, independentemente de qualquer
valoração pessoal. Com o princípio da tipicidade fechada, o princípio da
legalidade formal em matéria tributária tem um alcance específico, ou seja,
somente é típico o fato que se ajustar rigorosamente à descrição hipotética da
norma, com todos seus elementos, impedindo-se aspectos subjetivos por parte do
II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido. 78 Cristiano Carvalho diz que a “Analogia é uma forma de raciocínio ou de argumento que parte da
observação empírica dos fatos de forma a identificar semelhanças comuns entre os objetos ou eventos do mundo” (Comentários ao Código Tributário Nacional: artigos 105 ao 112. São Paulo: MP, 2005, p. 910).
79 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001, p. 43.
83
intérprete que porventura resultem em invasão à esfera de direitos do contribuinte
de forma arbitrária, sem o seu próprio consentimento, por meio de seus
representantes, seja no momento da instituição, seja no momento da aplicação da
norma tributária ao caso concreto.
Alberto Xavier80 destaca ainda que
O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta da lei’ o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação.
No que se refere aos deveres instrumentais, objeto deste estudo, diante
da relevância que o princípio da legalidade tem em matéria tributária,
entendemos que, a exemplo da instituição ou majoração dos tributos, também
devem eles ser introduzidos no ordenamento jurídico pátrio por meio de lei em
seu sentido completo, conforme visto acima. Seguindo esse entendimento, Roque
Antonio Carrazza81 afirma que
Os decretos, as portarias, os atos administrativos, em geral, só podem existir para tornar efetivo o cumprimento dos deveres instrumentais criados pela lei. […] E nossa certeza de que só a lei pode criar deveres instrumentais cresce de ponto na medida em que notamos que seu descumprimento resolve-se em sanções das mais diversas espécies, inclusive pecuniárias. Repugna ao senso jurídico que uma pessoa possa ser compelida a pagar multa com base no não acatamento de um dever criado por uma norma jurídica infralegal.
Portanto, vemos que somente podem ser exigidos deveres
instrumentais instituídos mediante lei. Os decretos, as portarias e atos
administrativos em geral só tornam efetivo o cumprimento dos deveres prescritos
em lei.
80 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 17.
81 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 335.
84
Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa senão
em virtude de lei. Aplicando esse entendimento ao art. 113 do CTN82, obrigação
ou um dever, no seu sentido técnico mais amplo, somente pode ser criada
mediante lei. De fato, entendemos que todas as obrigações tributárias ou deveres
instrumentais somente podem ser criados por lei. Desse modo, os atos infralegais
não podem servir de veículo de tais deveres.
O Código Tributário Nacional, ao prescrever sobre os deveres
instrumentais, dispõe em seu § 2º do artigo 113, que a obrigação acessória
decorre de legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou
negativas, nela prescritas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos
tributos. Segundo o CTN, a obrigação acessória decorre de legislação tributária,
compreendendo nesta as leis, tratados e convenções internacionais, os decretos e
as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e
relações jurídicas a eles pertinentes. Não podemos concordar com este conceito,
pois fixamos o entendimento de que o sistema jurídico é conjunto harmônico,
ordenado e unitário de elementos reunidos em torno de um conceito fundamental.
Assim, ao interpretarmos este dispositivo com a Constituição, temos que
prevalece unicamente aquilo que diz com a lei.
Portanto, os deveres instrumentais devem ser instituídos por lei
(complementar ou ordinária) e por decretos legislativos que aprovem tratados
internacionais. Ou seja, diante do princípio da legalidade genérica prevista no art.
5º, inciso II, combinado com a leitura do art. 150, inciso I, ambos da Constituição
Federal, dentro da necessária interpretação sistemática do direito, consistindo as
obrigações em prestações positivas ou negativas (fazer ou não fazer algo), só
podem ser introduzidas validamente no sistema jurídico por meio de lei. Neste
sentido leciona Roque Antonio Carrazza83:
82 Utilizaremos a expressão deveres instrumentais no lugar de obrigação acessória, conforme explicado no capítulo II.
83 Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 336.
85
[…] não é só o tributo (obrigação tributária) que se submete ao princípio da legalidade. Os deveres instrumentais tributários (que a doutrina tradicional, seguindo nas sendas do CTN, chama, impropriamente, de obrigações acessórias) também a ele se subsumem […] a lei é entendida, nesse passo, em sentido lato, agasalhando não só a emenda do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, das Câmaras Municipais e da Câmara Legislativa (lei stricto sensu), como, também, as leis delegadas e as medidas provisórias, desde que, é claro, sejam editadas em obediência ao processo de elaboração que o código supremo houver por bem traçar.
Paulo de Barros Carvalho84 ressalta que cabe à lei ordinária preceituar
os deveres instrumentais ou formais, impropriamente conhecidos como
obrigações acessórias, que propiciam a operatividade prática e funcional do
tributo. De nada adiantaria construir o legislador a regra padrão de incidência,
determinando a compostura da figura típica, se não dispusesse acerca dos meios
adequados e idôneos de acompanhar seu aparecimento no mundo factual,
permitindo aos interessados na relação o controle do nascimento, da vida e da
extinção das obrigações tributárias. Para isso é que existem os deveres formais ou
instrumentais, os quais tanto contribuintes quanto não contribuintes estão
compelidos a observar, tornando possível o exato conhecimento das
particularidades que cercam os vínculos atinentes aos tributos. No entanto, como
implicam fazer ou não fazer alguma coisa, somente a lei pode instituí-los, e essa
lei quase sempre é ordinária.
Seguindo o mesmo entendimento, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra
Martins85 preceituam
[…] que a obrigação acessória constitui uma obrigação positiva ou negativa (de fazer ou não fazer), que só pode ser imposta mediante previsão legal. Sendo de natureza tributária, só se torna legítima a obrigação que resultar da lei. O poder público não poderá instituí-la por meio de decreto, se a seu respeito nada dispõe a lei específica. Será inconstitucional a criação de obrigação acessória por meio de resolução ou qualquer ato normativo.
Misabel de Abreu Machado Derzi86 também afirma que
84 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 63. 85 Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 147.
86
O fato gerador da obrigação acessória também decorre de lei. A lei cria os deveres acessórios, em seus contornos básicos, e remete ao regulamento a pormenorização de tais deveres. Mas eles são e devem estar antes plasmados, modelados e enformados na própria lei.
Em sentido contrário, Leandro Paulsen87, em comentário ao § 2º do
artigo 113 do CTN, dispõe:
As obrigações acessórias não limitam a liberdade do contribuinte, tampouco operam ingerência sobre o seu patrimônio. Constituem deveres formais, inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação. Não há, assim, a necessidade de lei em sentido estrito para o estabelecimento de cada obrigação acessória.
Por fim, entendemos que há necessidade de lei ordinária e/ou
complementar que preceitue os deveres instrumentais, porque o CTN não rompeu
com o princípio fundamental da legalidade ao dizer que o fato gerador da
obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável,
impõe a prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal,
conforme o disposto no artigo 115 do CTN. O Código apenas reconhece que
existe margem de discricionariedade para que, dentro dos limites da lei, o
regulamento e demais atos administrativos normativos explicitem a própria lei,
viabilizando a sua fiel execução.
Desse modo, o SPED padece de regulamentação legal, violando
frontalmente ao princípio da legalidade.
2.7 Síntese conclusiva
Vimos, neste capítulo, que o objetivo principal do dever instrumental
é instrumentalizar a atividade de arrecadação e a fiscalização dos tributos, de
forma a facilitar a atuação do fisco. Para isso, necessita de linguagem competente
86 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 709-710. 87 Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. ed. Porto
Alegre: Livraria dos Advogados, 2007, p. 853.
87
para que surtam efeitos no mundo jurídico; caso contrário, eles serão um mero
evento que se perde no tempo e no espaço.
Com a informatização fiscal, o contribuinte cumpre os deveres
instrumentais, com a entrega das declarações no exato momento da ocorrência, o
evento, e, em alguns casos, antes mesmo do evento tributário, constituindo,
assim, o fato jurídico do dever instrumental; o fisco passa a ter nas mãos todas as
informações e, em não recolhendo corretamente os seus tributos, o contribuinte
corre o risco de ser autuado por uma nova tecnologia, a autuação on-line.
Um dos instrumentos tecnológicos que vêm sendo muito utilizados
pelo fisco no dever instrumental digitalizado é o Sistema Público de Escrituração
Digital (SPED),
É importante consignar que o SPED é um instrumento que, apesar de
padecer de regulamentação legal, por ser instituído pelo Decreto 6.022/2007,
violando a Constituição Federal, tem como objetivo unificar as atividades de
recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que
integram a escrituração comercial e fiscal dos empresários e das sociedades
empresárias, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.
Tais livros e documentos serão emitidos em forma eletrônica,
observado o disposto na Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
O SPED promove a atuação integrada dos Fiscos federal, estaduais e
municipais, mediante padronização e racionalização das informações e do acesso
compartilhado à escrituração digital de contribuintes por pessoas legalmente
autorizadas.
Analisaremos, nos próximos capítulos, se este novo sistema
tecnológico altera ou não as formas de constituição do crédito tributário, os
prazos de prescrição e decadência, e também se traz novos meios de provas
tributárias aceitas pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro, como o caso da
prova eletrônica e da prova emprestada.
88
3 AS POSSÍVEIS MUDANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO
TRIBUTÁRIO NO DEVER INSTRUMENTAL INFORMATIZADO
3.1 Notas introdutórias
Vimos, no capítulo anterior, que o cumprimento dos deveres
instrumentais via digital diverge do cumprimento dos deveres instrumentais via
papel, isso porque o contribuinte fica meio engessado no sistema digital
oferecido pelo fisco, e, uma vez não preenchendo alguns dados, pode levar a uma
autuação fiscal on-line, pois toda informação enviada ao fisco tem uma
importância jurídica, tendo em vista que as informações são enviadas em tempo
real.
Neste capítulo, analisaremos as hipóteses de constituição do crédito
tributário, tendo em vista que fixa o início e término (constituição e
exigibilidade) dos prazos de decadência e prescrição, tema que será analisado no
próximo capítulo.
Ou seja, com a constituição de crédito tributário, a relação jurídica
tributária se torna definida. Isto porque a constituição definitiva do crédito se dá
com a linguagem competente que delimitará a composição da dívida instaurada
no consequente da norma instituidora do tributo, dentre elas: matéria tributável,
montante do tributo devido e os sujeitos da relação.
O que veremos neste capítulo é que o procedimento de individualizar
a ocorrência da incidência tributária e de identificar os sujeitos e o objeto da
relação jurídica tributária pode ocorrer de dois modos: por meio da autoridade
competente administrativa ou do contribuinte; nos termos prescrito em lei para
cada espécie de tributo. E analisaremos as possíveis mudanças na incidência e na
constituição do crédito tributário, com a informatização dos deveres
instrumentais, por ser um tema novo, sem a devida regulamentação,
89
destacaremos possíveis alterações no sistema jurídico brasileiro, sem pretensão
de esgotarmos as possibilidades, o que seria impossível.
3.2 O conteúdo semântico da expressão crédito tributário utilizada pelo
CTN
A expressão crédito tributário é formada por duas palavras ambíguas
e contraditórias, e aparece no Título III, que trata a respeito do crédito tributário,
do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, que contempla seis capítulos,
além de aparecer em outros artigos também. Analisaremos o conteúdo semântico
da expressão crédito tributário, disciplinada nesses artigos, para, posteriormente,
fixar uma definição do conceito de crédito tributário e, assim, poder entrar nas
formas de constituição do crédito tributário.
Primeiramente, cabe destacar que só haverá obrigação tributária e/ou
crédito tributário, quando uma norma tributária prescrever um determinado
comportamento e esse comportamento consistir na prestação de tributos. Ou seja,
uma pessoa tem o dever de prestar o tributo porque esse comportamento lhe é
determinado pelo ordenamento jurídico.
Nos termos do artigo 3º do CTN, tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito. Significa dizer que é necessária a ocorrência de um ato
lícito, que refere-se a norma jurídica que estatui a incidência de forma abstrata e
cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Paulo de Barros Carvalho88, ao analisar o artigo 3º do CTN, chegou às
seguintes conclusões:
a)- tributo é uma prestação pecuniária compulsória, ou seja, não é por vontade das partes que se paga tributos, tem-se uma lei que regula o dever ser, obrigando os contribuintes a entregar aos cofres públicos uma quantia em dinheiro, ainda que contra a sua vontade, uma vez, concretizado o fato descrito na norma.
88 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 20.
90
b)- em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, é uma expressão redundante com relação ao enunciado acima descrito no que se refere à moeda. Com relação ao “ou cujo valor nela se possa exprimir”, é a mesma coisa que dizer que se pode pagar tributo com bens e trabalho humano que são suscetíveis de avaliação pecuniária, o que não é verdade. c)- que não constitua sanção de ato ilícito – assim fica clara a diferença de relação jurídica tributária que nasce com a concretização de um fato lícito descrito na lei e da relação jurídica sancionatória que decorre um descumprimento de um dever tributário. d)- instituído em lei – significa dizer que o contribuinte só está obrigado a pagar um tributo se tiver norma válida regulamentando – art. 150, I da CF. e)- e cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, esta expressão possui um erro, ao restringir a atividade vinculada, pois, a caso em que a lei autoriza ao administrador a integra sua vontade ou juízo a norma, diante de casos concretos.
José Souto Maior Borges89 diz que, para o CTN, tributo é um
determinado e específico comportamento humano consistente na prestação de
moeda ou de algo conversível em moeda.
Por outro lado, esse comportamento somente pode ser considerado
obrigatório em decorrência da norma coercitiva, a sanção tributária.
Nos termos do art. 3º do CTN, a cada comportamento humano
contemplado em norma tributária deve ser prestado o tributo. Contudo, não fica
fora do campo tributário a sanção de ato ilícito. Dada a não prestação do tributo,
deve ser a sanção, matéria de direito tributário penal.
José Souto Maior Borges90 afirma, ainda, que
[…] o dever (obrigação) tributário está intimamente relacionado com a sanção tributária. Só há obrigação tributária onde a lei cogite da aplicação de sanção à conduta oposta àquela que está normativamente prescrita. Ou seja: quando à ocorrência do “fato gerador” não se segue o pagamento do tributo, deve ser aplicada a sanção correspondente.
Portanto, o sujeito da relação jurídica tributária está obrigado porque o
seu comportamento pode ou não prestar o tributo, ou seja, pode,
89 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 44. 90 Ibid., p. 42.
91
alternativamente, pagar o tributo ou não, e, nesta última hipótese, pratica o ato
ilícito, desencadeando consequências jurídicas imputáveis ao ato ilícito, que é a
aplicação da sanção tributária.
Retomando o tema do conteúdo semântico da expressão crédito
tributário, o artigo 139 do Código Tributário Nacional dispõe: “Art. 139. O
crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”.
O dispositivo acima sugere a existência de dois elementos distintos,
“obrigação” e “crédito”, formados em momentos cronologicamente diferentes:
Um primeiro momento para o nascimento da obrigação tributária (art. 113 do
CTN); e um segundo momento para constituição do crédito tributário, por
decorrência do lançamento (art. 142 do CTN).
Esse raciocínio é confirmado pela leitura do artigo 140 do CTN, ao
prescrever que qualquer circunstância que venha a modificar o crédito tributário
não afetará a obrigação tributária que lhe deu origem.
Nesse sentido, a expressão crédito tributário é empregada na acepção
de relação jurídica intranormativa91, em que a obrigação tributária surge por
ocorrência do fato imponível, ou seja, do evento, enquanto o crédito é constituído
em momento posterior, por ocorrência do lançamento92.
Paulo de Barros Carvalho93, ao analisar este artigo, preceitua que a
autoridade legislativa se excedeu ao consignar que a exclusão da exigibilidade do
crédito não mexe com a estrutura da obrigação. E destaca que “mexeu ao ponto
91 A relação jurídica intranormativa é contraposição da relação jurídica efectual: esta é o vínculo obrigacional, que, para Geraldo Ataliba, corresponde ao conceito de tributo, nasce da ocorrência do fato jurídico tributário (Hipótese de incidência tributária. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 72). É chamada de efectual, pela situação de surgir de facto sem apresentar necessariamente revestimento linguístico de norma jurídica. Portanto, decorre do facto que independe de ato da autoridade, por isso chamada por Alfredo Augusto Becker de automática e infalível (Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 325-236), com a ocorrência do fato jurídico tributário. Já a relação jurídica intranormativa, ganha concretude existencial quando vertida em linguagem prescritiva, seja pelo agente que instaura o ato-norma de lançamento, seja pelo particular, quando, sob as luzes das normas que prescrevem os deveres instrumentais, formaliza, no sentido de conferir forma linguística, a relação jurídica tributária efectual, individualizando seus elementos.
92 Hugo de Brito Machado, em sentido semelhante, entende que obrigação tributária é a situação jurídica anterior ao crédito o que resulta do lançamento. (Curso de direito tributário. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 130-131).
93 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 400.
92
de desarmá-la, de destruí-la. Excluir o crédito quer dizer excluir do débito, com
existências simultâneas, numa correlação antagônica. E modificação de tal vulto
extingue a obrigação tributária”.
Eurico Marco Diniz de Santi94, seguindo o entendimento de Paulo de
Barros Carvalho, critica essa distinção e destaca que
[…] a obrigação tributária, no sentido de dever jurídico do sujeito passivo, assim como o crédito tributário, enquanto direito subjetivo do Fisco, não são senão dois aspectos constituintes que denotam um mesmo fenômeno jurídico: a relação jurídica tributária efectual. Por isto, não acolhemos a tese da teoria dualista que dividia obrigação tributária e crédito tributário como termos constituintes da relação tributária efectual.
Portanto, vê-se que o legislador brasileiro costuma empregar a
expressão crédito tributário numa acepção bem ampla, designando não só o
direito subjetivo que o sujeito ativo tem para exigir a prestação, como também o
próprio liame obrigacional, na sua integridade constitutiva.
Vejamos:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data. Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Art. 140. As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou
94 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 132.
93
outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. Art. 150. […] § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes. Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Art. 175. Excluem o crédito tributário: […] Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente.95
Pela análise dos artigos aqui transcritos, ver-se-á que a expressão
crédito tributário não foi utilizada pelo legislador em uma linha terminológica
coerente, ora diferenciando-o de obrigação tributária, ora sendo direito subjetivo
do Fisco para exigir a prestação, ora dever jurídico atribuído ao sujeito passivo, e
ainda, como sendo a própria relação obrigacional.
Tanto a doutrina como o direito positivo utilizam a expressão crédito
também em outras acepções como: i) para se referir ao direito subjetivo do fisco,
parte da relação jurídica tributária efectual; ii) como quantia em dinheiro (art.
164, III, § 2º); iii) como gênero que engloba a relação jurídica efectual e a
intranormativa ex vi do caput do art. 156 que trata da extinção do “crédito
tributário”, ora como relação tributária intranormativa constituída pelo Fisco, ora
como no caso do pagamento convencional, da compensação, remissão, etc., ora
como relação jurídica intranormativa decorrente de ato norma do particular,
como se dá no caso da decadência (art. 156, V)96.
95 Grifos nossos. 96 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 133.
94
Luciano Amaro97 também censura a terminologia do Código
Tributário Nacional:
O Código Tributário Nacional enfrentou a questão da eficácia do lançamento de modo sofrível. Tentou segregar em dois planos distintos a obrigação tributária (que nasceria com a ocorrência do fato gerador, segundo afirma nos arts. 113, §1, e 114) e o crédito tributário (que, embora ‘decorra’ da obrigação tributária, consoante dizem os arts. 139 e 113, §1º, in fine, só se ‘constituiria’ pelo lançamento, conforme letra do art. 142). Na verdade, haveria três planos diferentes, pois o Código reconhece uma terceira roupagem da obrigação tributária, quando se reveste como Dívida Ativa Tributária, ‘proveniente’ do crédito tributário (art. 201). O diploma, porém, perdeu-se num mar de contradições, a par de inconsistências terminológicas. Com efeito, o Código Tributário Nacional reconheceu que a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador, afirmando no art. 114 que o fato gerador é a condição não apenas necessária mas também suficiente para o nascimento da obrigação tributária, consoante o art. 113, §1º, onde se proclama que a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo, vale dizer, a satisfação do crédito atribuído ao pólo ativo dessa mesma obrigação. Coerentemente, o art. 114 estatui que o lançamento se reporta à data do fato gerador e se rege pela lei então vigente. Porém, é o mesmo Código que confere ao lançamento a virtude de dar nascimento ao crédito tributário (art. 142). É obvio que isso não pode permitir a afirmação de que a ‘mera’ obrigação tributária (nascida com a ocorrência do fato gerador) não haja crédito e correspondente débito, sem que de obrigação não haveria sequer a silhueta.
José Souto Maior Borges98 reserva a expressão crédito tributário para
designar a relação jurídica tributária intranormativa, a qual ocupa o lugar de
prescritor na estrutura do ato-norma formalizador (posto pela Administração ou
pelo próprio sujeito passivo).
Portanto, crédito tributário é uma estrutura relacional intranormativa
cujo objeto da conduta modalizada é patrimonial, líquido e certo.
Paulo de Barros Carvalho99 destaca que o
[…] crédito tributário nasce no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no espaço físico exterior em que se dão as condutas inter-humanas, aquele evento
97 Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 331. 98 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 183. 99 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 398.
95
hipoteticamente descrito no suposto da regra matriz de incidência tributária, mas desde que relatado em linguagem competente para identificá-lo.
Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho100, “seria estúrdia obrigação
sem sujeito passivo, ou sem sujeito ativo, ou sem objeto, pois a relação jurídica
pede a todos, obviamente”. Isso porque não faria sentido a existência de um
vinculum juris atando os polos ativo e passivo da obrigação sem a existência de
um objeto, que, no caso da obrigação tributária, é uma prestação pecuniária, um
dar dinheiro ao Estado. A esse dinheiro o CTN denomina de crédito tributário.
Conclui o autor101 que onde houver obrigação tributária há crédito
tributário e sujeito ativo e passivo, atados por um vínculo jurídico prestigiado
pela lei.
O que queremos demonstrar é que o vínculo jurídico que constitui o
crédito tributário, dando a ele características de líquido, certo e exigível, é o
mesmo que também dá as mesmas características à obrigação tributária.
Ou seja, se ambos têm a mesma natureza, a mesma localização dentro
do sistema jurídico, o mesmo significado, os mesmos efeitos, não cabe, então,
forçadamente distingui-los.
Na prática, essa conclusão torna-se relevante, pois, ao caracterizar a
relação jurídica como o vínculo que une devedor e credor, ratifica-se a posição
de que a incidência só ocorre após a interferência do elemento humano, surgindo,
assim, a relação jurídica obrigacional, representada pelo crédito tributário, e,
consequentemente, estando implícita a respectiva obrigação tributária.
José Souto Maior Borges102 destaca ainda que “a expressão ‘crédito
tributário’ será uma fórmula elíptica com a qual se designará o direito ao crédito
do Fisco ao tributo.”
100 A constituição do crédito tributário e a disciplina do lançamento segundo o CTN. Repertório de Jurisprudência IOB: tributário, constitucional e administrativo, São Paulo: IOB, n. 14, 1999, p. 445.
101 Ibid., p. 444. 102 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 47.
96
Para o autor, o direito ao crédito tributário não é senão um reflexo103
da obrigação tributária, dado que, para o Código Tributário Nacional, o crédito
tributário decorre da obrigação tributária.
O uso do termo direito ao crédito tributário tem, então, no particular,
a acepção de um direito à conduta alheia; direito que tem o Fisco de exigir a
conduta do obrigado, sujeito passivo da relação obrigacional tributária. Não se
confunde, pois, o termo, nessa acepção, com o direito de constituir o crédito
tributário que tem o Fisco (art. 142, caput, 149, parágrafo único; e 173), direito à
própria conduta, não à conduta alheia.
Pode se dizer que o Fisco tem o direito subjetivo de exigir do sujeito
passivo o pagamento de uma certa quantia em dinheiro e, por isso mesmo, é
credor do tributo. Um direito-reflexo não tem existência autônoma, desvinculada
da obrigação correspondente. É só quando alguém está obrigado a um certo
comportamento para com outrem que este último tem para com o primeiro um
direito, direito ao crédito tributário, contrapartida da obrigação do sujeito
passivo. Direito à conduta em que a prestação tributária consiste, ou, como
ensina a Teoria Pura, o direito-reflexo de um consiste única e exclusivamente na
obrigação do outro104.
E conclui que o direito ao crédito tributário é, sob esse ângulo de
análise, o reflexo de uma obrigação de determinado sujeito passivo com relação
ao Fisco.
Paulo de Barros Carvalho105 entende por crédito tributário o direito
subjetivo de o sujeito ativo exigir do sujeito passivo o pagamento de uma
determinada quantia a título de tributo. O crédito tributário integra uma relação
jurídica instaurada em decorrência de um fato jurídico tributário que subsume ao
antecedente de uma norma individual e concreta, razão pela qual torna-se
103 O termo reflexo é aqui usado, estipulativamente, em analogia com o sentido da Física, para significar que o crédito tributário, direito de crédito do tributo, é o reflexo da obrigação tributária, ou que, na formulação do Código Tributário Nacional, o crédito tributário consiste numa “decorrência” da obrigação tributária.
104 Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 42. 105 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 380.
97
possível concluir que a relação jurídica e o crédito tributário decorrem do plano
da eficácia jurídica produzido pelo fato jurídico tributário.
De acordo com essa premissa, faz-se necessário um ato de aplicação
do homem que, através de uma devida linguagem prevista pelo ordenamento
como tal, promova a incidência da norma, constituindo o fato jurídico tributário
que implique em uma relação jurídica tributária, sem a qual o direito não terá
condição efetiva de regular determinado caso. Assim, somente é possível falar
em constituição do crédito tributário quando houver sua constituição através da
linguagem.
Em decorrência disso, uma grande questão surge, a saber: somente a
linguagem produzida pela Administração Pública através do ato de lançamento
teria o condão de constituir o crédito tributário ou ato do particular também teria
o condão de constituir o crédito tributário?
Eurico Marco Diniz de Santi106 afirma que “há duas espécies de
crédito tributário: uma, formalizada por ato-norma administrativo, editado por
agente público competente; outra, formalizada em linguagem prescritiva por ato-
norma expedido pelo próprio particular e que, por isto, não é ‘ato-norma
administrativo’.”
Portanto, o crédito tributário, em sua acepção estrita, é o direito
subjetivo, de que um sujeito ativo é titular, de exigir do sujeito passivo o
cumprimento do objeto da relação jurídica tributária, ao qual se contrapõe o
débito tributário, entendido como dever jurídico do sujeito passivo; ele surge no
mundo jurídico no exato instante em que se opera o fenômeno da incidência, com
a aplicação da regra-matriz do tributo, e é formalizado tanto pela Administração
(lançamento de ofício – art. 142 do CTN) como pelo particular (lançamento por
homologação – art. 150 do CTN).
Desse modo, cabe tanto a autoridade administrativa como ao
contribuinte, conforme o caso prescrito em lei, aplicar a norma geral e abstrata,
106 Lançamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 185.
98
produzindo norma individual e concreta, nela especificando os elementos do fato
e da obrigação tributária, com o que fará surgir o crédito tributário.
Quando a constituição do crédito for realizada pela autoridade
administrativa competente, receberá o nome de lançamento tributário (art. 412 do
CTN), e quando a constituição do crédito for realizada pelo contribuinte,
receberá o nome de norma individual e concreta de constituição do crédito ou
individualização do crédito pelo particular, conforme será analisado no item
abaixo.
3.3 Formas de constituição do crédito tributário
Definimos acima que o crédito tributário é o direito subjetivo de o
sujeito ativo exigir do sujeito passivo o pagamento de uma determinada quantia a
título de tributo. O crédito tributário integra uma relação jurídica instaurada em
decorrência de um fato jurídico tributário que subsume ao antecedente de uma
norma individual e concreta, razão pela qual torna-se possível concluir que a
relação jurídica e o crédito tributário decorrem do plano da eficácia jurídica
produzido pelo fato jurídico tributário.
De acordo com essa premissa e aplicando a teoria da linguagem
adotada neste trabalho, faz-se necessário um ato de aplicação do homem que, por
meio de uma devida linguagem prevista pelo ordenamento como tal, promova a
incidência da norma, constituindo o fato jurídico tributário que implique uma
relação jurídica tributária, sem a qual o direito não terá condição efetiva de
regular determinado caso. Assim, somente é possível falar em constituição do
crédito tributário quando houver sua constituição por meio da linguagem.
No item anterior, vimos que não é apenas a linguagem produzida pela
Administração Pública por meio do ato de lançamento que teria o condão de
constituir o crédito tributário.
99
Cabe abrir um parêntese para definirmos o conceito de lançamento
tributário que será adotado neste trabalho.
De acordo com o texto contido no artigo 142 do Código Tributário
Nacional, temos que:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
O artigo acima preceitua nada mais, nada menos que uma regra de
competência administrativa, que segundo Tácio Lacerda Gama107 descreve como
“[…] aptidão, juridicamente modalizada em obrigatória ou permitida, imputada
aos órgãos do Poder Executivo, para editar atos infralegais voltados à aplicação
das normas tributárias”. Isso porque o artigo estabelece que compete
privativamente à autoridade fiscal, por meio de procedimento administrativo,
constituir o crédito tributário pelo ato de lançamento. E tal constituição se
reportará à data do evento, chamada de tempo no fato data da ocorrência do
evento, mesmo sendo lavrado em outro momento, chamado de tempo do fato.
Se fôssemos analisar somente pelo prisma da definição legal expressa,
poderíamos afirmar que o conceito de lançamento tributário estaria inserido no
caput do artigo acima transcrito como um “procedimento administrativo tendente
a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar
a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
Ocorre que, como muito bem pontua Alberto Xavier108,
107 Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 248. 108 Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro:
1997, p. 23.
100
[…] poder-se-ia pensar que, existindo definição legal expressa, estaria, desde logo, resolvida a questão preliminar da fixação do conceito do instituto que nos ocupa. Não é, porém, desse modo, tendo em vista que o art. 142 do Código Tributário Nacional apresenta diversas imprecisões, gerando dúvidas e controvérsias a respeito do assunto.
Para dar ainda mais enfoque no tamanho da imprecisão que o
legislador colocou ao buscar definir o lançamento tributário no artigo 142 do
Código Tributário Nacional, Paulo de Barros Carvalho109, discursando a respeito
do tema, afirma que
Eis que o importante é observar a ambiguidade presente na palavra “lançamento” que padece do problema semântico do tipo “processo/produto”, como tantas outras nos discursos prescritivo e descritivo do direito. É lançamento o processo de determinação, pelo sujeito passivo, com apuração da dívida tributária, como é lançamento, também, a norma individual e concreta, posta no sistema com a expedição do “ato de lançamento”.
Continuando seu raciocínio, galgando para a região das entidades
jurídicas, o mesmo insigne tributarista afirma que
[…] podemos aludir ao “lançamento “concebido como norma, como procedimento ou como ato. Norma no singular, para reduzir as complexidades de referência aos vários dispositivos que regulam o desdobramento procedimental para a produção do ato (i); procedimento, como a sucessão de atos praticados pela autoridade competente, na forma da lei (ii); e ato, como o resultado da atividade desenvolvida no curso do procedimento (iii). […] Tanto será “lançamento” a norma do artigo 142 do CTN como a atividade dos agentes administrativos desenvolvida na conformidade daquele preceito, como o documento que atesta, por eles assinado, com a ciência do destinatário. […] Uma coisa, porém, deve ficar bem clara: não pode haver ato de lançamento sem que o procedimento tenha sido implementado110.
Com isso, temos que a literalidade do conceito posta pelo legislador
no artigo 142 do CTN não satisfaz para se conceituar com precisão o lançamento
tributário como sendo um mero procedimento, sendo necessária a análise mais
109 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 517.
110 Ibid., p. 518-519.
101
aprofundada do tema para se alcançar, com a exatidão que se faz necessária, tal
definição.
Ao se propor a estudar a fundo a matéria, Eurico Marcos Diniz de
Santi111 chegou à conclusão de que
[…] no uso técnico-comercial-contábil temos o emprego da expressão “lançamento” como (i) ação ou (ii) efeito de escriturar uma verba em livros de escrituração comercial; (iii) a própria verba que se escritura; (iv) efetuar o cálculo, conferir liquidez a crédito ou débito. Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica-dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo “lançamento”, acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (artigo 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados “lançamentos por homologação”.
Feitas tais considerações, nota-se a complexidade que o tema carrega
com o problema semântico para a definição do termo lançamento tributário,
tendo o CTN, em seu artigo 142, optado por defini-lo como procedimento
administrativo, conforme anteriormente exposto.
Podemos, então, concluir, com as colocações feitas acima, que o
lançamento pode ser conceituado como norma, procedimento ou ato, sendo certo
que, embora todas as conceituações possam ser aplicadas à figura do lançamento
tributário, como colocado por Fabiana Del Padre Tomé112
A norma geral e abstrata que determina a sequência de atos a serem desenvolvidos pela autoridade administrativa no curso da
111 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 125-126. 112 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 319-320.
102
fiscalização identifica-se com a ação genérica ou procedimento genérico do lançamento. A concretização da atividade nela prevista corresponde à ação concreta observada pela perspectiva dinâmica, isto é, ao procedimento concreto do lançamento […]. Por fim, o ato surgido em razão do procedimento concreto, consistente na constituição do fato jurídico tributário e do correspondente vínculo obrigacional, caracteriza a ação concreta estática, denominada ato de lançamento tributário.
Abraçando a linha que afasta a definição do lançamento tributário
como um procedimento, temos Sacha Calmon Navarro Coelho113 lecionando que
O lançamento, para começar, não pode ser – por impossibilidade lógica – procedimento (sucessão encadeada de atos) […] O lançamento é ato singular que se faz preceder de procedimentos preparatórios e que se faz suceder de procedimentos revisionais, podendo ser declarado, ao cabo, subsistente ou insubsistente, no todo ou em parte, em decorrência do controle do ato administrativo pela própria Administração […] O processo administrativo tributário é processo revisional do lançamento, não tendo, entre nós, nenhum sentido a doutrina procedimentalista, cuja praça é a Itália, que atribui ao procedimento administrativo a formação do crédito tributário como se fora um útero jurígeno.
Feitas essas considerações é que vemos que, embora todas essas
acepções (norma/procedimento/ato) guardem equivalência com o termo
lançamento tributário, analisando de forma semântica, a corrente que melhor
define o lançamento é aquela que optou como sendo ato administrativo, isso
porque o lançamento pode ser feito por um ato individual, ao passo que o
procedimento exige uma série de atos concatenados para surtir efeito.
Isso posto, concluímos que o conceito de lançamento tributário que
nos é mais correto, seguindo a linha de raciocínio acima exposta, é aquele que
nos dá Paulo de Barros Carvalho114, ao afirmar que é
[…] ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação,
113 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Liminares e Depósitos antes do Lançamento por Homologação – Decadência e Prescrição. São Paulo: Dialética, 2002, p. 18, 68-69.
114 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 464.
103
formado da base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço temporais em que o crédito há de ser exigido.
Retomando as formas de constituição do crédito tributário,
analisaremos as modalidades de “lançamento” prescritas pelo CTN, destacando
as incoerências dessa classificação, pois adota o critério de participação do
contribuinte.
Os artigos 147 a 150 do CTN dispõem as modalidades de lançamento,
nos seguintes termos:
Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação. § 1.º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. § 2.º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela. Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1.º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. § 2.º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. § 3.º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. § 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Conforme transcrito nos artigos acima, há as seguintes formas de
constituição do crédito tributário:
104
– Lançamento direto ou por ofício: não há participação do
contribuinte, todas as providências preparatórias para sua elaboração são feitas
pelo Poder Público através dos funcionários a ele subordinados. Exemplo: IPTU.
– Lançamento misto ou por declaração: ambas as partes, ente
tributante e contribuinte/administrado, colaboram visando aos resultados finais
do lançamento. Exemplo: ITR.
– Lançamento por homologação: quase todo o trabalho é atribuído ao
sujeito passivo ou responsável da relação jurídico-tributária, cabendo ao ente
tributante apenas a tarefa de homologar os atos praticados pelo sujeito passivo.
Exemplo: IPI, ICMS, IR etc.
As distinções dessas espécies têm sua gênese no entendimento de que
se deva levar em consideração o grau de participação do administrado no
procedimento pelo qual é elaborado o “lançamento”.
Partindo da premissa de que lançamento é a norma individual e
concreta cujo nascedouro se dá na aplicação (pelo Poder Público através de seus
agentes ou pelo sujeito passivo quando a lei o determinar) dos mandamentos
contidos tanto na Regra-Matriz de Incidência quanto nas Normas Instrumentais
ao evento concreto descrito no antecedente desta, temos que tanto o termo
lançamento por homologação quanto o termo lançamento por declaração,
definições dadas pelo Código Tributário Nacional, levam em consideração
apenas o procedimento pelos quais foram elaborados e não o resultado final de
sua elaboração, que é a mencionada regra individual e concreta, motivo pelo qual
não há que se falar em modalidades de lançamento, e sim em deveres
instrumentais, que precedem o lançamento, executados pelas pessoas a quem o
ordenamento jurídico atribui tal incumbência.
Assim sendo, podemos afirmar que não existem três espécies de
lançamento tributário, uma vez que, tendo como ponto de partida a premissa de
que o lançamento tributário é ato jurídico administrativo consubstanciado em
norma individual e concreta, esta obtida após percorridos os trâmites exigidos em
105
lei para sua elaboração, trâmites aos quais são impingidos tanto ao agente
administrativo, ao cumprir os procedimentos previstos no ordenamento jurídico,
quanto ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária, ao dar cumprimento aos
deveres instrumentais a ele impostos pelas mesmas normas jurídicas.
Paulo de Barros Carvalho115 destaca que as modalidades de
lançamento, estipuladas no Código Tributário Nacional, revelam, no fundo,
singularidades procedimentais e, vimos de ver, o procedimento não é da essência
do lançamento. As três espécies de que trata o Código são, na verdade, espécies
de procedimento e não de lançamento.
Analisaremos as formas de constituição do crédito tributário,
considerado o ato: i) por ato administrativo de lançamento (lançamento de ofício
e por declaração); e ii) por ato do sujeito passivo, em cumprimento a dever
instrumental (lançamento por homologação ou autolançamento), e
posteriormente demonstrar se há ou não mudanças na constituição do crédito
tributário com a informatização dos deveres instrumentais.
3.3.1 Lançamento de ofício (ordinário ou extraordinário) no dever
instrumental informatizado
Nesta modalidade, pressupõe-se que todos os procedimentos do ato de
lançamento são praticados pelo Agente da Administração Pública, ou seja, na
constituição do crédito tributário, não há colaboração do sujeito passivo ou de
terceiros; o crédito tributário é constituído fruto do ato administrativo de
lançamento tributário (art. 142 CTN).
O lançamento de ofício pode ser ordinário, aquele eleito pelo
legislador ordinário para a cobrança dos tributos, por exemplo, a exigência do
IPTU da maioria dos municípios ou lançamento de ofício por ocorrer de forma
extraordinária, com a função supletiva, revisadora, decorrente da verificação da
115 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 502.
106
inexatidão prestada pelo sujeito passivo no lançamento por homologação. E
mais, quando verificado o descumprimento do dever instrumental, é por meio do
lançamento de ofício que o crédito tributário é constituído.
O art. 149 do CTN mostra um rol das hipóteses em que o lançamento
é revisto, firmando a ideia de ser um ato jurídico vinculado:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
Os incisos desse artigo foram dispostos em razão da função atribuída
ao lançamento.
O inciso I trata-se de norma jurídica de grande amplitude, dando a
possibilidade ao legislador ordinário da instituição do lançamento de ofício com
regime jurídico de arrecadação de tributos.
Os incisos II, III, IV e V destacam a necessidade do lançamento como
função revisadora nas hipóteses de ausência de (i) declaração, (ii) ausência de
107
esclarecimento sobre a declaração prestada e (iii) erro, fraude ou omissão no
preenchimento de declarações obrigatórias.
No inciso VI, destaca-se uma função atípica do lançamento de ofício,
utilizado não para exigência de tributo, mas para aplicação de penalidade, inclusive
pelo descumprimento dos deveres instrumentais.116 Da mesma forma, o inciso VII
autoriza o lançamento tributário do tributo que deixou de ser recolhido, como das
penalidades pelo descumprimento de deveres instrumentais pelo sujeito passivo
em razão de conduta dolosa, fraudulenta ou simulada.
Por fim, os incisos VIII e IX contemplam as regras para a revisão do
lançamento já formalizado. Todavia, cabe ressaltar que essa norma deve ser
aplicada em conjunto com as regras prescritas nos arts. 145 e 146 do CTN. Ou
seja, não pode o revisor do lançamento, ao sanar os erros, modificar o critério
jurídico do lançamento.
Esse é o entendimento de José Souto Maior Borges:117
[…] se o fisco, mesmo sem erro, tiver adotado uma conceituação jurídica e depois pretender substituí-la por outra, não mais poderá fazê-lo. E não poderá porque, se fosse admissível que o fisco pudesse variar de critério em seu favor, para cobrar diferença de tributo, ou seja, se à Fazenda Pública fosse lícito variar de critério jurídico na valorização do “fato gerador”, por simples oportunidade, estar-se-ia convertendo a atividade do lançamento em discricionária, e não vinculada.
O parágrafo único alerta para o prazo-limite para que efetue a revisão
do lançamento, já notificando o sujeito passivo de decadência fixada no art. 173
do CTN.
O lançamento de ofício é uma modalidade de lançamento atualmente
restrita a alguns tributos. Para que o lançamento seja feito diretamente pela
116 A aplicação de penalidade já está prevista no art. 142 do CTN, para exigência de penalidade em conjunto com o tributo. Esses valores compõem o crédito tributário e, com fundamento nos incisos do art. 113 do CTN, podem ter origem no descumprimento de dever instrumental. (MINATEL, Gustavo Froner. “Lançamento por homologação”: regime jurídico para constituição do crédito tributário, p. 98).
117 BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 322.
108
Fazenda Pública, é necessário que esta tenha informações reais sobre a base de
cálculo do tributo.
Defendemos que, mesmo com a informatização fiscal, as informações
relativas às bases de cálculo da maioria dos tributos entregues em formato digital
e por meio eletrônico não alteram as formas de constituição do crédito tributário,
isso porque, conforme visto acima, no lançamento de ofício, não há a
participação do contribuinte, e, com a informatização fiscal, o contribuinte é
quem alimenta o sistema digital com as informações prestadas e constitui o
crédito tributário. O que pode acontecer no caso de não constituição do crédito
pelo contribuinte é que, de posse dessas informações envidas pelo contribuinte, a
Fazenda Pública terá condições de mensurar o valor exato dos tributos devidos;
nessa nova realidade, o fisco pode autuar com mais precisão e mais rapidamente,
com a atuação on-line, sem precisar utilizar do lançamento por arbitramento.
3.3.2 Lançamento por declaração no dever instrumental informatizado
Esta modalidade de lançamento prevê a participação do sujeito
passivo ou terceiro para formalização do lançamento. Nos termos do art. 147 do
CTN, o “lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de
terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à
autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua
efetivação”. É também chamado de lançamento misto, pois prevê a participação
concorrente dos sujeitos passivo e ativo da relação jurídica tributária.
Apesar de ser uma espécie pouco utilizada, no lançamento por
declaração, o particular desempenha o papel importante e relevante, qual seja,
dar ao fisco os dados e informações em seu poder para aperfeiçoar o crédito
tributário118. Ou seja, todas as informações do fato tributário se encontram em
poder do contribuinte, ficando sob a responsabilidade do fisco apenas a
118 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 227.
109
constituição da relação jurídica tributária e o montante a ser pago, a título de
tributo.
Alberto Xavier119 destaca que as declarações prestadas pelos
contribuintes, por ele denominadas de declarações de representação ou de
ciência, exercem função instrutória, com a finalidade de levar ao conhecimento
da Administração Tributária fatos jurídicos relevantes para a atividade de
lançamento.
Cabe ressaltar que as informações prestadas pelo sujeito passivo
tratam-se de deveres instrumentais, não podendo ser confundidas com
lançamento. Lançamento é ato privativo da autoridade administrativa, conforme
prescrito no art. 142 CTN, como visto nos itens anteriores. O ato de prestar
informações não se confunde com lançamento, é cumprimento de dever
instrumental. Tal declaração destina-se à comunicação de dados fáticos
relevantes para a elaboração do lançamento.
Schoueri120 destaca um fato muito importante no lançamento por
declaração: enquanto o contribuinte presta as informações, cabe ao fisco
constituir o crédito tributário, com base nas informações prestadas:
Note-se que a atividade do contribuinte limita-se à informação sobre fatos. Ou seja: quem aprecia juridicamente o fato, decidindo qual a norma a ele aplicável, é a autoridade administrativa. Quem calcula o tributo, portanto, é a autoridade. A declaração a que se refere o disposto acima é apenas sobre as circunstâncias materiais do fato.
Não prestando as informações, ou prestando de forma errada, caberá
ao fisco ultimar o lançamento de ofício, nas modalidades previstas no art. 149,
inciso III, do CTN. Nestes casos, pode o contribuinte, se ainda não foi notificado
do erro, nos termos do § 1º, do art. 147 do CTN, pedir a retificação; do contrário,
em tendo sido notificado das declarações erradas ou insuficiente, caberá ao
declarante apenas pedir a revisão do lançamento nos termos do art. 145 do CTN,
119 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: 1997, p. 192.
120 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed., v. 1. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 125
110
desde que configurada a hipótese de redução ou exclusão do tributo; pois, nos
casos em que houve o aumento do tributo, com base nas declarações erradas ou
insuficientes, a retificação só será possível depois da notificação do lançamento.
Nesta hipótese, o fisco constituirá o crédito tributário por meio de um novo
lançamento, na modalidade de lançamento de ofício.
Maria Rita Ferragut121 menciona que, antigamente, o imposto de renda
pessoa física e o imposto territorial rural eram espécies do lançamento por
declaração; todavia, atualmente, são raros os exemplos desse tipo de lançamento,
que ainda são aplicáveis apenas por alguns municípios brasileiros.
Por outro lado, podemos citar, ainda, a título de exemplo do
lançamento por declaração, a constituição do crédito realizada por meio de
declaração de importação por pessoa física dos tributos aduaneiros.
A informatização fiscal, que representa a utilização da tecnologia na
entrega das informações fiscais e contábeis às autoridades administrativas, cria
no ordenamento jurídico novos atos de entrega de informações necessárias à
constituição do crédito tributário. A entrega antecipada das informações para
posterior realização do fato evento gerador do tributo poderá, em uma primeira
análise, viabilizar o aumento dos tributos lançados por declaração, tendo em vista
que as informações serão entregues preventivamente pelo contribuinte, e, com
base nelas, a autoridade administrativa poderá fazer o lançamento por declaração.
Mas, para que isso ocorra, será necessário primeiro que haja mudanças
legislativas, e segundo, que os programas digitais passem a converter as
informações prestadas pelos contribuintes em outra linguagem, constituindo o
crédito tributário a ser pago pelo contribuinte, o que não ocorre hoje. Atualmente,
mesmo com a entrega das informações de forma digital, o sistema tecnológico
não é capaz de produzir uma linguagem competente para constituir o crédito; o
sistema nada mais faz do que armazenar as informações fornecidas pelos
121 FERRAGUT, Maria Rita. Crédito tributário, lançamento e espécies de lançamento tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 319.
111
contribuinte e calcular o valor do tributo a ser pago, como se fosse uma
calculadora, pois esse cálculo não está constituindo uma linguagem competente
via digital, apenas calcula o valor a ser pago através da ação humana do
contribuinte ao fornecer as informações.
Podemos até pensar que a informatização fiscal pode vir a alterar as
formas de constituição do crédito tributário, a partir do momento em que
tivermos um sistema tecnológico, no papel do fisco, que aproveita as
informações digitais enviadas e as converte em outra linguagem, constituindo-se
o crédito tributário pelo lançamento, aí, sim, estaremos diante do lançamento por
declaração, que, atualmente, encontra-se em desuso.
3.3.3 Lançamento por homologação ou autolançamento no dever
instrumental informatizado
Formalizado por ato do próprio sujeito passivo em observância às
normas que prescrevem deveres instrumentais, o crédito tributário é constituído
pelo particular, restando à Administração pública somente a atividade de
homologar esse ato norma. É o que prescreve o art. 150 do CTN:
O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
Consiste em um procedimento de fiscalização ulterior da realização da
obrigação tributária atribuída ao sujeito passivo, cujo dever é antecipar o
pagamento do tributo sem prévio exame da autoridade administrativa.
Estevão Horvath122 critica o termo lançamento por homologação, pois
entende que o lançamento é ato privativo da atividade administrativa; em razão
122 HORVATH, Estevão. Lançamento tributário e autolançamento. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 38.
112
disso, não podemos considerar nenhum dos atos praticados pelo particular como
lançamento, e o conceitua como:
Ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, modificativos ou extintivos e vinculados, mediante o qual se declara o acontecimento do fato jurídico tributário, se identifica o sujeito passivo da obrigação correspondente, se determina a base de cálculo e a alíquota aplicável, formalizando o crédito e estipulando os termos da sua exigibilidade.
A norma que configura ato de lançamento é concreta e geral, cujo
antecedente é um acontecimento demarcado no espaço e no tempo, e é
identificada pela autoridade que a expediu (alude a um fato já ocorrido). No
consequente, revela o exercício de conduta autorizada a certo e determinado
sujeito de direitos e que se pretende respeitada por todos os demais da
comunidade.
O ato jurídico administrativo de lançamento tem como veículo
introdutor no sistema uma norma individual e concreta. O conteúdo do ato é a
própria norma e indica o fato jurídico tributário, cujas notas se subsumem aos
critérios da Regra-Matriz de Incidência, bem como institui a obrigação tributária.
Como visto acima, lançamento é ato administrativo cuja finalidade é
introduzir no ordenamento jurídico norma individual e concreta que, no seu
antecedente, constitui o fato jurídico tributário e, no consequente, prescreve a
obrigação do sujeito passivo de pagar ao sujeito ativo uma determinada quantia a
título de tributo. Trata-se de veículo introdutor de norma tributária individual e
concreta praticado de forma privativa pela Autoridade Administrativa.
O ato homologatório exercitado pela fazenda pública de “extinguir
definitivamente o débito tributário” não passa de um ato de fiscalização, e não de
um lançamento.
O ato de homologação da atuação do contribuinte não pode ser
considerado efetivamente como lançamento, na medida em que tem natureza de
fiscalização do ato praticado pelo administrado. A homologação tem a função
não de criar a norma individual, mas, pelo contrário, de fiscalizar a regularidade
113
da atividade prestada e, como se viu, o ato de lançamento é o ato que introduz
norma individual e concreta de incidência tributária.
Assim, o lançamento por homologação não pode ser considerado
efetivamente como um lançamento, pois a constituição do crédito tributário é
feita pelo contribuinte, e não por ato administrativo. O ato administrativo
praticado terá a função meramente fiscalizatória, e não de introdução da norma
individual e concreta tributária.
Diferentemente do lançamento por homologação, a atividade prestada
pelo administrado no lançamento por declaração não corrobora na produção da
norma individual e concreta, pois a atividade do particular, nesse caso, trata
meramente de dever instrumental, na medida em que a relação jurídica tributária
somente se verificará após a atuação estatal, ou seja, o ato administrativo de
lançamento.
Por outro lado, Estevão Horvath123 destaca que a expressão
lançamento por homologação é alvo de debate na doutrina pela ausência de
precisão terminológica. A denominação equivocada de lançamento por
homologação dá a entender uma aparente antinomia do Código Tributário
Nacional, uma vez que o lançamento por homologação não pode figurar, ao
mesmo tempo, como modalidade de constituição do crédito tributário e causa de
extinção do crédito tributário. No entanto, o conflito no texto do Código
Tributário Nacional é apenas aparente, visto que a impropriedade está apenas no
nome atribuído à atividade do sujeito passivo, que, sem prévio exame da
autoridade administrativa, deve quitar suas obrigações tributárias sob condição
resolutória de ulterior homologação dos procedimentos adotados.
A respeito da modalidade da homologação, José Artur Lima
Gonçalves e Márcio Severo Marques124 raciocinam que, se
123 HORVATH, Estevão. Lançamento tributário e autolançamento. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 88.
124 GONÇALVES, José Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo. Lançamento tributário e decadência. Coordenação de Hugo de Brito Machado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 337.
114
[…] na ação ato de homologação a autoridade administrativa apenas reconhece a regularidade do pagamento efetuado e faz a constatação da quitação do direito resultante da aplicação da regra-matriz de incidência tributária, não é lógico atribuir a esse ato homologatório a denominação de lançamento. E mais, se assim fosse, estar-se-ia diante da “constituição formal” de um crédito extinto. Ponderam, ainda, que, se efetivamente fosse lançamento, a autoridade administrativa faria a exigência do pagamento de tributo pela notificação da constituição formal do crédito tributário. Estaríamos, pois, diante do caso de lançamento decorrente da não homologação (do pagamento antecipada).
Seria pois um lançamento de ofício.
Por isso, alguns doutrinadores adotam o vocábulo autolançamento
para significar o conjunto de operações práticas pelo sujeito passivo, a fim de
constituir o crédito tributário.
Considerando a redação dada pelo art. 150 do CTN, o vocábulo
lançamento é utilizado no sentido de apuração do montante tributável sujeito à
posterior verificação. Como o lançamento é, na dicção do Código Tributário
Nacional, privativo da autoridade administrativa, emprega-se a expressão
autolançamento para o ato do particular, conforme relata Aliomar Baleeiro:125
O Código Tributário Nacional, partindo do pressuposto corrente de que lançamento é ato privativo da Administração Pública (art. 142), não adotou outra expressão comumente utilizada pela legislação e doutrina de outros países (autoacertamento para os italianos ou autoliquidación para os espanhóis) – autolançamento – para designar a espécie de lançamento prevista no art. 150. Somente é lançamento, no sentido técnico-jurídico, o ato jurídico emanado da Administração. Particular não pratica ato administrativo, não lança tributo, por isso mesmo, inteiramente cabível a terminologia legal: lançamento por homologação.
Da mesma forma, Estevão Horvath126 afirma que expressão correta
seria autolançamento, sendo este “o ato ou conjunto de atos do particular, que,
materialmente, tem o mesmo conteúdo do lançamento, mas não pode produzir os
próprios efeitos deste – uma vez que não provém da Administração –, a não ser
mediante ficção jurídica ou equiparação ao ato de lançamento, o que ocorrerá no
125 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 827. 126 Lançamento tributário e autolançamento. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 79.
115
caso de ser confirmado (o autolançamento) pela Administração, expressamente,
ou pelo decurso de tempo apto a provocar os efeitos do silêncio positivo do
Fisco.
Mesmo considerando que as atividades praticadas pelo sujeito passivo
assemelham-se aos procedimentos utilizados pela autoridade administrativa, o
direito positivo brasileiro não consagrou a existência do autolançamento,
tornando-se, portanto, imprecisa a expressão autolançamento.
Vale ressaltar que a sistemática da homologação não se confunde com
a atividade de lançamento e que a concepção trazida pelo art. 150 do CTN não
prevê atividade de lançamento, como expõe Alberto Xavier:127
Ainda que se entenda que a “homologação” se refere ao pagamento (e não ao “lançamento”, a verdade é que uma homologação expressa não constitui em si mesmo um lançamento em sentido técnico, pois este consiste numa exigência de prestação tributária, enquanto da constatação da legalidade de um pagamento prévio não resulta, por definição, exigência alguma. De duas uma: ou se constata que o pagamento efetuado pelo contribuinte é insuficiente – e nesse caso não há homologação, mas lançamento de ofício o que concerne ao montante em falta, ou se constata que o pagamento se realizou conforme a lei – e nesse caso não há lançamento, mas ato administrativo confirmativo da legalidade do pagamento, com valor jurídico de quitação.
Pode-se entender que os tributos sujeitos ao regime jurídico do art.
150 do CTN podem ser considerados tributos sem lançamentos, pois os tributos
sujeitos à sistemática da homologação têm sua constituição ultimada pelo sujeito
passivo, que, em observância às normas gerais e abstratas prescritas na legislação
ordinária, por meio do cumprimento de deveres instrumentais, constitui a relação
jurídica tributária, fazendo nascer para o sujeito ativo o direito ao crédito
tributário objeto dessa relação. Paulo de Barros Carvalho128 considera o sujeito
127 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: 1997, p. 470.
128 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 510.
116
passivo apto para constituição do crédito tributário e discorre sobre ele aplicar a
norma:
Há espécies tributárias que requerem a expedição de ato administrativo, veiculando norma individual e concreta do lançamento. N’outras, contudo, a aplicação da regra-matriz de incidência fica a cargo do sujeito passivo, de tal modo que, ocorrido o evento no mundo físico-social, encontrará ele nos textos do direito posto todas as informações necessárias à apuração do débito, bem como os prazos e demais condições em que a quantia apurada deva ser recolhida aos cofres públicos.
Desse modo, podemos definir lançamento por homologação como o
procedimento ou o conjunto de atos encadeados praticados pelo sujeito passivo
com o objetivo de extinguir a obrigação tributária sob condição resolutória,129
assim como prestar as informações necessárias por meio do cumprimento dos
deveres instrumentais à Administração Pública para homologação dos
procedimentos ultimados pelo sujeito passivo.130
Portanto, partimos do entendimento de que não há diferença entre o
ato praticado pelo agente público e aquele empreendido pelo particular, ou seja,
ambos constituem o crédito tributário. Tanto que o lançamento efetuado pela
fazenda submete-se, mesmo que o devedor não impugne, a vários controles de
legalidade, que, nem por isso, representariam novos lançamentos.131
Desse modo, para que se tenha a homologação, o particular precisa
constituir o crédito tributário, calcular o montante do tributo devido e antecipar o
pagamento. A autoridade administrativa não irá constituir o crédito, mas, sim,
homologar o crédito já constituído pelo contribuinte. Ao concordar, extingue-se
homologando; quando não concorda não homologa, lança de ofício
subsidiariamente ao ato do particular que não foi realizado a concreto, nos termos
da revisão de lançamento suplementar, prevista nos arts. 149, V, VI e VII do
CTN.
129 Condição resolutória do art. 127 do Código Civil. 130 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 131 Ibid.
117
O lançamento é prescindível, pois não é o único meio de introduzir
norma individual e concreta de incidência tributária nos termos do ordenamento
jurídico vigente, e, em que pesem posicionamentos diversos, é possível a
introdução de uma norma tributária, individual e concreta por meio de outro
enunciado linguístico que não seja o lançamento.
Ou seja, existem atualmente, no ordenamento jurídico, inúmeras
normas que impõem aos sujeitos passivos o cumprimento de deveres
instrumentais cuja função é justamente identificar a ocorrência de um evento
passível de sofrer a incidência tributária. Após o cumprimento de tais deveres,
deve o sujeito passivo comunicar à Administração a verificação desses
acontecimentos, o que é feito por meio de linguagem própria cuja função é
exatamente a mesma função do ato administrativo de lançamento: introduzir a
norma individual e concreta que constitui o fato jurídico tributário que tem por
efeito irromper a relação jurídica tributária.
A maioria dos tributos tem suas relações jurídicas constituídas
mediante enunciados linguísticos produzidos pelo particular. O fato de que os
enunciados emitidos pelo particular são suficientes para a produção da norma
torna possível à Administração ingressar com a execução fiscal quando o crédito
não é satisfeito pelo sujeito passivo sem a necessidade de primeiramente
promover o lançamento.
Com o número cada vez maior de tributos cujas respectivas
obrigações estão sujeitas à constituição através de atos do particular, torna-se
possível afirmar que o sistema de direito positivo está vivenciando uma
privatização da gestão tributária, defendida por Ferreiro Lapatza132, na medida
em que o surgimento das relações jurídicas tributárias passa a depender, em um
primeiro momento, de atos a serem praticados pelo particular.133
132 La privatización de la gestión tributaria y las nuevas competencias de los Tribunales Económico-Administrativos. Civitas-REDF, n. 37, 1983, p. 81.
133 HORVATH, Estevão. Lançamento tributário e autolançamento. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 71-78.
118
Importante ressaltar, nesse caso, que essa privatização é cada vez mais
uma necessidade da sociedade, na medida em que não mais se justifica, em uma
sociedade moderna, em que é realizada uma imensa quantidade atos jurídicos que
podem sofrer a incidência tributária, que a cada dia se tornam mais complexos,
exigir do Estado que este continue formalizando os créditos tributários,
despendendo uma grande quantidade de recursos humanos e materiais que
poderiam estar sendo utilizados para cumprir os objetivos essenciais do próprio
Estado.
Portanto, assim como o lançamento, o “autolançamento” é veículo
introdutor de norma tributária individual e concreta, todavia não é possível dizer
que o autolançamento se trata de lançamento, em que pese a semelhança
existente entre ambos de consistirem em veículos introdutores de norma
individual e concreta. O lançamento é ato privativo da autoridade administrativa
e o autolançamento é ato praticado pelo particular sujeito passivo de obrigação
tributária. No entanto, ambos são formas de constituir o crédito tributário.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal134 têm
entendimento majoritário que, nos tributos sujeitos ao lançamento por
134 “Processual civil e tributário. Não demonstração da violação dos dispositivos de lei federal. Fundamentação deficiente do recurso. Súmula 284/STF. Embargos à execução fiscal. ICMS. Tributo sujeito a lançamento por homologação ou autolançamento. Constituição do crédito tributário. Desnecessidade de procedimento administrativo. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. 1. A parte recorrente, a despeito de ter invocado ofensa aos arts. 165, 458, II, 515, § 1.º, e 535, II, do CPC, terminaram por não demonstrar, de forma precisa e adequada, em que se baseou a violação dos alegados dispositivos de lei. Fundamentação deficiente do recurso. Súmula 284/STF.
2. Esta Corte possui entendimento pacificado no sentido de que não há necessidade de homologação formal no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação ou autolançamento, visto que a inscrição do crédito em dívida ativa, em face da inadimplência da obrigação, não compromete a liquidez e exigibilidade do título executivo.
3. Precedentes: AgRg no REsp 1016430/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2.ª Turma, DJ 02.04.2008; AgRg no REsp 904.217/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1.ª Turma, DJ 12.04.2007; EREsp 373.772/RS, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Seção, DJ 17.10.2005.
4. O art. 1.º, § 2.º, da Lei n. 6.899/81 não foi objeto de debate no âmbito do acórdão recorrido nem mesmo por ocasião dos embargos declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ.
5. Recurso parcialmente conhecido e não provido (REsp 885795/SP, Min. Mauro Campbell Marques, 2.ª Turma, DJe 16.09.2008).
Tributário. Tributos declarados pelo contribuinte e recolhidos fora de prazo. Denúncia espontânea (CTN, art. 138). Não caracterização.
1. O art. 138 do CTN, que trata da denúncia espontânea, não eliminou a figura da multa de mora, a que o Código também faz referência (art. 134, parágrafo único). É pressuposto essencial da denúncia espontânea o total desconhecimento do Fisco quanto à existência do tributo denunciado (CTN, art.
119
138, parágrafo único). Consequentemente, não há possibilidade lógica de haver denúncia espontânea de créditos tributários já constituídos e, portanto, líquidos, certos e exigíveis.
2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5.º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco.
3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras consequências, as de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa, (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança, (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito e (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.
4. Nesse entendimento, a 1.ª Seção firmou jurisprudência no sentido de que o recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, de tributo anteriormente declarado pelo contribuinte, não caracteriza denúncia espontânea para os fins do art. 138 do CTN.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg nos EREsp 638069/SC, Min. Teori Albino Zavascki, 1.ª Seção, DJ 13.06.2005).
Tributário. Tributo declarado e não pago. Lançamento pelo fisco. Desnecessidade. Execução fiscal. Prescrição quinquenal. Dissídio jurisprudencial. Súmula n. 83 do STJ.
1. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, considera-se constituído o crédito tributário no momento da declaração realizada pelo contribuinte.
2. A declaração do contribuinte elide a necessidade da constituição formal do crédito tributário, sendo este exigível independentemente de qualquer procedimento administrativo, de forma que, não sendo o caso de homologação tácita, não se opera a incidência do instituto da decadência (CTN, art. 150, § 4.º), incidindo apenas prescrição nos termos delineados no art. 174 do CTN.
3. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” – Súmula n. 83 do STJ.
4. Recurso especial conhecido pela alínea “a” e improvido (REsp 567737/SP, 2.ª Turma, DJ 04.12.2006, p. 279).
Tributário. Embargos à execução fiscal. Débito declarado pelo contribuinte e não pago no vencimento. DCTF. Prescrição. Termo inicial. Suspensão. Art. 2.º, § 3.º, da Lei n. 6.830/80. Prazo de 180 dias. Não aplicação. Supremacia do art. 174 do CTN.
1. A declaração do contribuinte por meio da Declaração de Contribuições e Tributos Federais – DCTF, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação – hipótese dos autos –, elide a necessidade da constituição formal do débito pelo Fisco.
2. A jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de que, nessa hipótese, se o débito declarado somente pode ser exigido a partir do vencimento da obrigação, nesse momento é que começa a fluir o prazo prescricional.
3. In casu, ainda que se considere com termo inicial da prescrição a data da obrigação tributária, cujo último vencimento foi em 31.3.1998, como requer a agravante, o termo final para a Fazenda Nacional ajuizar a execução fiscal expirou-se em 31.3.2003, o que só ocorreu em 14.7.2003.
4. A regra do art. 2.º, § 3.º, da Lei n. 6.830/80, que determina a suspensão do prazo prescricional pela inscrição do débito em dívida ativa, resta afastada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior. Agravo regimental improvido (AgRg no AgRg no REsp 975073/RS, Min. Humberto Martins, 2.ª Turma, DJ 07.12.2007, p. 356).
Tributo. Autolançamento. Exigibilidade. O instituto do autolançamento do tributo, a revelar, em última análise, a confissão do contribuinte, dispensa a notificação para ter-se a exigibilidade – precedentes: Recursos Extraordinários n.º 107.741-7/SP, Relator Ministro Francisco Rezek, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1986; n.º 102.059-8/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 1.º de março de 1985; n.º 93.039-6/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 12 de abril de 1982; n.º 93.036-1/SP, Relator Ministro Rafael Mayer, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 17 de outubro de 1980; e n.º 87.229/SP, Relator Ministro Cordeiro Guerra, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 31 de março de 1978 (AI 539891 AgR/RS; Rel. Min. Marco Aurélio, 1.ª Turma, j. 22.05.2007).
Agravo regimental em agravo de instrumento. Tributário. Débito fiscal declarado e não pago. Autolançamento. Desnecessidade de instauração de procedimento administrativo para cobrança do tributo. Em se tratando de autolançamento de débito fiscal declarado e não pago, desnecessária a
120
homologação, a declaração feita pelo contribuinte tem o condão de constituir o
crédito tributário, revestindo-se, assim, a natureza de um lançamento tributário
praticado pelo próprio contribuinte.
Em decorrência disso, fica a fazenda autorizada a inscrever em dívida
ativa, em caso de não pagamento, dispensada qualquer outra providência por
parte do fisco; afasta a possibilidade de denúncia espontânea prevista no art. 138
do CTN nos casos de tributos declarados e não pagos; considera não incidir o
instituto da decadência para constituição do crédito tributário, por se entender
que a declaração prestada pelo contribuinte teria o mesmo efeito do lançamento;
e fixa o prazo de prescrição para sua cobrança.
Nessas situações, a Fazenda entende ser dispensável a lavratura de
auto de infração ou notificação de lançamento de débito, por sustentar ter havido
confissão espontânea do débito, cujo pagamento pode ser exigido diretamente
pela inscrição em dívida ativa, com o consequente ajuizamento de execução
fiscal135.
Portanto, não é somente a linguagem produzida pela Administração
Pública por meio do ato de lançamento que teria o condão de constituir o crédito
tributário. A análise do ordenamento jurídico como um todo leva o intérprete à
conclusão de que o particular também é competente para introduzir norma
individual e concreta, mediante linguagem própria, constituindo, por
consequência, o crédito tributário. Na atualidade, isso é justamente o que ocorre
na maioria dos tributos.
O crédito tributário resta constituído tanto no autolançamento quanto
no lançamento de ofício. Uma vez constituído o crédito pelo particular e feita a
antecipação do pagamento, resta a homologação de seus atos pela administração.
instauração de procedimento administrativo para a inscrição da dívida e posterior cobrança. Agravo regimental improvido (AI 144609 AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2.ª Turma, j. 11.04.1995).”
135 Neste sentido, dispõe o art. 1.º da Instrução Normativa 77/1998, o qual estabelece: “Art. 1.º Os saldos a pagar, relativos a tributos e contribuições, constantes das declarações de
rendimentos das pessoas físicas e jurídicas e da declaração do ITR, quando não quitados nos prazos estabelecidos na legislação, e da DCTF, serão comunicados à Procuradoria da Fazenda Nacional para fins de inscrição como Dívida Ativa da União”.
121
O procedimento homologatório pode ser expresso nos ternos do art.150, caput,
ou tácito nos termos do art. 150, § 4º.
Vimos, no capítulo anterior, que, com a informatização fiscal no
cumprimento do dever instrumental, todas informações são envidas ao fisco em
tempo real, e, em alguns casos, antes da ocorrência do evento tributário.
Defendemos que o fato de o fisco ter em mãos as informações necessárias para
lançar de ofício não significa que o lançamento por homologação seja ou possa a
vir a ser extinto, pois entendemos que as informações enviadas ao fisco servem
para ajudar na fiscalização e arrecadação efetiva dos tributos, além da devida
quitação ou “homologação”, que atualmente não ocorre.
Portanto, defendemos que o lançamento por homologação poderá ter a
efetiva “homologação” ou quitação por parte do fisco, o que não ocorre hoje
3.3.3.1 Homologação da atividade do particular e o paradoxo da
homologação tácita136 – o silêncio da administração no dever
instrumental informatizado
Conforme visto acima, quando o particular introduz uma nova norma
tributária no ordenamento jurídico em um ato de perfeita subsunção da norma
geral e abstrata ao evento que, juridicizado, se verte em fato jurídico, esse sujeito
passivo se utiliza de documento público oficial, sem o que, se os dados
requeridos no art. 142 do CTN não estiverem corporificados, o ato de pagar,
antecipadamente, não estará perfeitamente vinculado à obrigação tributária, e a
relação tributária permanece. Entretanto, se o ato praticado pelo particular atende
a todos os requisitos legais e a subsunção é perfeita, ao aplicar a Regra-Matriz de
Incidência Tributária, começam-se a contar os prazos decorrentes da regular
emissão e comunicação da norma individual e concreta e o atendimento do
consequente, o pagamento do ônus tributário.
136 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 591.
122
Isso significa que a homologação dos procedimentos adotados pelo
sujeito passivo tem natureza de quitação, de reconhecimento do credor de que a
obrigação, no caso a tributária, está satisfeita. Para isso, a administração analisa
os deveres instrumentais prestados pelo sujeito passivo.
Paulo de Barros Carvalho137 define assim o ato de homologação:
Ato homologatório exercitado pela Fazenda, extinguindo definitivamente o débito tributário, não passa de um ato de fiscalização, como tantos outros, em que o Estado, zelando pela integridade de seus interesses, verifica o procedimento do particular, manifestando-se expressa ou tacitamente sobre ele. Além disso, é bom lembrar que esse expediente se consubstancia num controle de legalidade, que o fisco pratica, iterativamente, também com relação a seus próprios atos. Os lançamentos celebrados pela Administração submetem-se, mesmo que o devedor não os impugne, a vários controles de legalidade, que, nem por isso, representariam novos lançamentos.
Se conjugarmos o art. 150, §§ 1° e 4° com o art. 156, VII, ambos do
CTN, temos que o objeto da homologação é tanto os deveres instrumentais
realizados pelo sujeito passivo como a antecipação do pagamento, então
verificaremos que a homologação tem o condão de extinguir o crédito tributário.
Desse modo, podemos concluir que se homologam as duas atribuições
dadas ao contribuinte: a de constituir o crédito tributário e a de pagá-lo, ou seja,
deve-se homologar a declaração do contribuinte e o pagamento “antecipado”
pelo contribuinte, o que significa afirmar que o ato de constituição do
contribuinte ficará sempre pendente à condição resolutória da homologação,
enquanto houver prazo de o sujeito ativo homologar, conforme será visto no
próximo capítulo.
No caso da chamada “homologação tácita”, não há ato administrativo
propriamente dito, há um “silêncio” por parte da administração, conhecido como
“homologação tácita”, ou seja, o decurso de tempo sem que a administração
pratique os atos que lhe são facultados, como o ato de fiscalização da atividade
do contribuinte. E entra na questão, muito bem respondida por Paulo de Barros
137 Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 450.
123
Carvalho138, “se o fato jurídico, na completude de sua linguagem (a linguagem
competente), como conceber manifestações tácitas destituídas de suporte no
plano dos significantes ou, tido de outra maneira, no plano da literalidade
textual?”
Mesmo no “silêncio” é necessário que uma linguagem reconheça ao
“silêncio” administrativo status de ato administrativo capaz de gerar direitos e
deveres recíprocos entre as partes.
Para compreender essa questão, precisamos analisar a teoria do
silêncio no direito administrativo, o efeito do silêncio da administração na teoria
dos atos administrativos e no autolançamento.
Dá-se o silêncio administrativo, quando a administração não se
pronuncia sobre o que deveria, seja porque foi provocada pelo administrado, seja
porque um órgão tem de pronunciar-se para fins de controle de ato de outro
órgão.
Celso Antônio Bandeira de Mello139 destaca que o silêncio não é ato
jurídico, portanto não é ato administrativo:
[…] na verdade, o silêncio não é ato jurídico. Por isto, evidentemente, não pode ser ato administrativo. Esta é uma declaração jurídica. Quem se absteve de declarar, pois, silenciou, não declarou nada e por isto não praticou ato administrativo algum. Tal omissão é “fato jurídico” e in casu, num “fato jurídico administrativo”.
Desse modo, sem formalização, sem linguagem, não há nenhuma
realidade para o direito, nada ingressa no mundo do direito sem a linguagem
competente.
Todavia, no caso do autolançamento, a lei atribui efeitos ao silêncio
administrativo, ou seja, no momento oportuno e caso necessário, haverá a
produção de uma linguagem que reconhecerá os efeitos próprios: inalterabilidade
138 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 591.
139 Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 395.
124
da norma produzida pelo sujeito passivo, a impossibilidade de lançamento de
oficio, em modificação ou substituição ao autolançamento produzido pelo
contribuinte.
Portanto, a homologação tácita só surtirá os efeitos que são próprios,
quando vertida em linguagem competente. “Eis aí o paradoxo da homologação
tácita”140.
O contribuinte, ao cumprir o dever instrumental ao constituir o crédito
tributário e efetuar o pagamento, aguarda homologação, que nunca ocorre.
Com a informatização fiscal, a homologação tácita poderá vir a ser
extinta, uma vez que a administração, de porte de todas as informações dos
contribuintes, terá condições de homologar expressamente todos os deveres
instrumentais realizados pelos sujeitos passivos, juntamente com a antecipação
do pagamento, extinguindo o crédito tributário de forma expressa, assim como
faz quando autoriza a pré-validação da NF-e, conforme veremos.
Isto porque, com a informatização fiscal, o lançamento por
homologação poderá ter a efetiva “homologação” ou concordância do fisco, sem
precisar esperar o prazo de 5 anos, pois, uma vez informados ao fisco o
cumprimento do dever instrumental de forma antecipada e a posterior
constituição e pagamento do crédito tributário via digital, o fisco não precisará
mais ir à empresa fazer a conferência da declaração prestada com os documentos
fiscais.
140 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 592.
125
3.4 As mudanças na constituição do crédito com dever instrumental
informatizado
Podemos notar, acima, que quase todos os tributos são por
“autolançamento”, ou seja, o contribuinte tem o dever de constituir o crédito,
através do cumprimento dos deveres instrumentais e efetuar o pagamento.
Isso ocorre porque há uma lei, válida, vigente e eficaz, que prescreve
em seu critério material uma conduta humana, da qual, se realizada no local e no
momento determinado por esta lei, nascerá a relação jurídica tributária,
determinando que o contribuinte ou responsável efetue o pagamento do tributo.
Caso não o faça, caberá à administração pública lançar de ofício, mas sempre
necessitando das informações do contribuinte; do contrário, deve lançar de forma
presumida ou por arbitramento.
Vimos também que a constituição do crédito tributário, seja ele
realizado pela Fazenda Pública, nos casos do lançamento de ofício ou por
declaração, ou realizado pelo contribuinte, nos casos do autolançamento,
constituirá diversos elementos do direito tributário, sendo eles: 1) a norma
individual e concreta; 2) o fato jurídico tributário; 3) a relação jurídica tributária;
4) a obrigação tributária principal; e 5) o crédito tributário.
Com o lançamento ou autolançamento, ocorre a incidência tributária,
haja vista que, nesse momento, são constituídos todos os elementos necessários à
formação do tributo, fato jurídico tributário, obrigação tributária principal e
crédito tributário.
A norma individual e concreta inserida no ordenamento jurídico
tributário será responsável pela constituição do fato jurídico tributário, que faz
surgir no ordenamento jurídico a relação jurídica tributária entre o sujeito ativo e
o sujeito passivo. A partir da relação jurídica estabelecida, apresenta-se para o
sujeito passivo o dever de pagar uma quantia em dinheiro para o sujeito ativo a
126
título de tributo, e para o sujeito ativo sobrevém o direito de receber determinada
quantia em dinheiro, também a título de tributo.
Com a informatização fiscal, inseriram-se inúmeras alterações nas
normas jurídicas que regulam os deveres instrumentais e vêm-se introduzindo
novas normas de forma a ajustar o antigo Sistema Tributário Nacional à realidade
tecnológica da atualidade, em especial as geradas a partir do Sistema Público de
Escrituração Digital (SPED).
Ou seja, o fisco passa a ser informado do cumprimento do dever
instrumental no exato instante em que ele está sendo cumprida pelo contribuinte,
e, com isso, a fiscalização se torna mais fácil e eficaz; e essa informação, enviada
de forma imediata ao fisco, passa ter uma importância jurídica, pois uma vez
estando de porte das informações enviadas pelos contribuintes e constatando que
a norma individual e concreta produzida pelo particular não se ajusta na hipótese
de incidência por ele declarada, o fisco poderá (dever) lançar de ofício.
Portanto, diante dos novos deveres instrumentais informatizados,
podemos afirmar que atualmente vivemos na tecnologia fiscal, isso porque as
informações de apuração do crédito tributário e de quantificação dos valores
devidos devem ser encaminhadas via digital, dentro das regras pré-estabelecidas
à administração pública fiscal, que, se de acordo com o ato praticado pelo
contribuinte, homologará as informações e o pagamento antecipado também de
forma eletrônica, e, em não concordando, poderá encaminhar, de forma digital, o
débito para inscrição em dívida ativa ou autuar o contribuinte de forma on-line,
observada a legislação vigente.
Podemos notar que a informatização fiscal vem trazendo algumas
mudanças no cumprimento do dever instrumental, mas não ao ponto de alterar as
formas de constituição do crédito tributário, em especial os tributos sujeitos ao
autolançamento, isso porque o contribuinte continua sendo obrigado a prestar
todas as informações ao fisco, só que agora de forma digital, e continua a
constituir o crédito tributário; o sistema chega ao valor devido , mas não converte
127
as informações prestadas em um lançamento por declaração, pelo menos por
enquanto.
Dessa forma, partimos da premissa que, ocorrido o evento tributário, o
contribuinte deverá constituir e informar ao Fisco o fato por meio do
autolançamento, em que é constituída a norma individual e concreta, o fato
jurídico tributário, a relação jurídica entre os sujeitos ativos e passivos e, ao final,
o crédito tributário para o sujeito ativo e a obrigação tributária para o sujeito
passivo.
A informatização fiscal no cumprimento dos deveres instrumentais,
vem trazendo algumas mudanças significativas, em especial nos tributos não
cumulativos, como o ICMS, por exemplo, sobre o qual é exigida a emissão da
NF-e e uma pré-autorização por parte do fisco, antes mesmo da ocorrência do
evento tributário, para que ocorra a circulação da mercadoria.
A título de exemplo, analisaremos o caso de processo e validação da
nota fiscal, para demonstrar, partindo da prática para a teoria, o que está sendo
aplicado e as possíveis modificações no sistema tributário nacional na forma de
constituição do crédito tributário, por meio do cumprimento do dever
instrumental.
3.4.1 Processo de validação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e)
Foi visto no capítulo 2, item 2.5.2, que a NF-e foi criada com o
objetivo de compartilhamento de informações fiscais dos contribuintes entre as
administrações tributárias. É através dela os contribuintes simplificam os deveres
instrumentais, automatizam os seus processos, ganham maior confiabilidade nas
informações e reduzem custos com emissão e armazenamento das Notas Fiscais.
Em contrapartida, o Fisco consegue fazer um melhor acompanhamento das
transações de venda e combater de forma mais eficiente a sonegação.
128
Os contribuintes do Estado de São Paulo são obrigados, nos termos do
ajuste SINIFE 07/2005, a emitir a NF-e, que está integralmente implementada
com a criação do SPED.
A Nota Fiscal Eletrônica é um documento emitido e armazenado
eletronicamente, em substituição do papel por documento digital, e de existência
apenas digital, com o intuito de documentar uma operação de circulação de
mercadorias ou prestação de serviços ocorridas entre as partes, cuja validade
jurídica é garantida pela assinatura digital do emitente e recepção, pelo fisco,
antes da ocorrência do fato gerador.
Dessa forma, para cumprimento desse dever instrumental, as pessoas
jurídicas que realizarem operações sujeitas ao recolhimento do ICMS e que
realizarem as atividades descritas nos Protocolos de ICMS que determinam a
obrigatoriedade de emissão da NF-e devem emiti-la antes da realização do fato
gerador do tributo para que possa ser pré-validada pela Secretaria de Estado da
Fazenda do Estado de Origem e, com o recibo de autorização, realizar o fato
descrito no corpo da NF-e.
Analisaremos de forma resumida as etapas de envio, pré-validação,
autorização, rejeição, denegação ou ficar em contingência, da NF-e, como o
objetivo de demonstrar qual a importância jurídica dessa linguagem digital entre
contribuinte e fisco e que não altera a forma de constituição do crédito tributário.
Bem, uma vez autorizada a emissão da NF-e e a resposta for positiva à
pré-validação feita junto à Secretaria de Estado da Fazenda de Origem, permite-
se a circulação da mercadoria e, consequentemente, a ocorrência do fato gerador
do ICMS. Nesse caso, o processo de pré-validação da NF-e passa pelas seguintes
etapas tecnológicas, desde sua emissão até o recebimento da autorização.
Inicialmente, o contribuinte gera a NF-e e a envia pelo sistema
(servidores) de tecnologia da empresa emitente onde ela será gravada; haverá a
transformação daquele documento eletrônico em um arquivo em formato XML,
que será enviado para o sistema de tecnologia receptor das NF-e. Esse sistema
129
recebe a NF-e, faz a assinatura XML da nota para dar veracidade e a envia para o
Sistema (servidor) interno da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de
Origem.
Dentro do Sistema da Fazenda, a NF-e recebe um protocolo e entra na
fila da chamada pré-validação. Nesse momento, o sistema de validação interno
do Estado fará a triagem dos requisitos exigidos para a validação e,
automaticamente, identifica se a NF-e será autorizada ou não. Se estiver com
todas as exigências cumpridas para validação, o Sistema da Sefaz devolve para o
sistema de tecnologia da NF-e, que a recebe, grava o XML, as transações e o
status da nota e envia para o sistema da empresa emitente, que recebe a NF-e
autorizada e imprime o Danfe (recibo). Com o Danfe, a mercadoria pode ser
circulada, e a idoneidade da NF-e pode ser consultada pelo comprador e pelos
agentes fiscais por meio do código de barras e da chave de acesso da NF-e
impressos no Danfe.
É possível consultar a NF-e gerada no sistema (servidor) da Secretaria
de Estado da Fazenda de Origem. E, com isso, o fisco fica de posse das
informações gravadas da NF-e.
No ato de validação da NF-e pela Secretaria de Estado da Fazenda, os
dados, que serão validados ou não, são os seguintes: i) autorização do
contribuinte para emitir NF-e; ii) validade da assinatura digital (emitente e
vencimento); iii) dígito verificador para CNPJ e Inscrição Estadual; iv) validade
do CNPJ do emitente; v) data de emissão e data de recepção; vi) duplicidade da
NF-e; e vii) regularidade fiscal do emitente.
Se a emissão da NF-e não foi autorizada pela Secretaria de Estado da
Fazenda, ela poderá ser rejeitada, denegada ou ficar em situação de contingência.
A Nota Fiscal Eletrônica rejeitada fica arquivada na Sefaz, mas é
devolvida para o emitente para que possa ser cancelada e reemitida para nova
pré-validação.
130
Será rejeitada quando houver irregularidades nos itens de validação
exigidos, como o credenciamento, a assinatura, a integridade, o leiaute do XML,
a numeração da NF-e. Nesse caso, o emitente da nota grava os dados no sistema
da empresa e os envia para a empresa de tecnologia responsável por gerar o
arquivo XML, que irá gerar o arquivo e a assinatura XML e enviá-los para o
sistema da Secretaria de Estado da Fazenda; ao receber a NF-e, faz o protocolo,
coloca a nota na fila de pré-validação e identifica alguma situação a ser corrigida
na nota, que, quando ocorre (a situação), rejeita a nota e a devolve para
correções.
A empresa emitente recebe a nota rejeitada e não pode circular a
mercadoria. Não serão motivo de rejeição da NF-e problemas na escrituração
fiscal. Quando esta situação ocorrer, a nota será denegada.
A NF-e que for denegada também será arquivada eletronicamente
dentro dos servidores da Secretaria de Estado da Fazenda, sendo devolvida para o
emitente para que este realize o seu cancelamento e regularize a situação fiscal.
Após a regularização da situação fiscal, ela poderá ser emitida novamente.
Por fim, no caso da NF-e em contingência, o emitente da nota grava
os dados no sistema da empresa e os envia para a empresa de tecnologia
responsável por gerar o arquivo XML. Se esta gera o arquivo e a assinatura XML
e, ao tentar encaminhar para o servidor da Sefaz, não consegue por falha na
Sefaz, a informação recebida é de contingência. Diante desta situação, poderá o
contribuinte imprimir o Danfe em situação de contingência ou emitir a nota fiscal
em papel com as regras desse sistema. Quando o servidor ficar disponível, o
contribuinte deverá emitir a NF-e.
Toda informação enviada à Secretaria de Estado da Fazenda do Estado
de Origem que recebe a NF-e arquiva em seu banco de dados e transmite
eletronicamente esse arquivo digital também para o banco de dados eletrônico da
Receita Federal do Brasil. A base de dados eletrônica da Receita Federal do
131
Brasil será o ambiente de armazenamento de todas as NF-e emitidas em todo o
território nacional.
No caso de circulação de mercadorias ou prestação de serviços de
transporte e comunicação entre Estados, a Secretaria de Estado da Fazenda de
Origem recebe a NF-e e, automaticamente, a retransmite à Sefaz do Estado de
Destino da mercadoria.
Podemos notar que essa nova forma de emissão da NF-e altera toda a
maneira de circulação da mercadoria e mesmo de ocorrência do fato evento. Isso
porque, de acordo com o novo modelo, para que o fato evento ocorra, é
necessário antes existir uma série de atos e procedimentos junto ao fisco, para,
somente após o cumprimento desses deveres instrumentais, a mercadoria poder
circular. Somente depois da informação ao Fisco de que a mercadoria será
circulada e posterior validação prévia da nota pela Sefaz é que o fato evento de
circulação da mercadoria poderá ocorrer.
Portanto, podemos notar as seguintes mudanças: a validação da NF-e
pelo fisco já confirma que o crédito tributário será constituído, mas não podemos
dizer que se trata de uma homologação do crédito tributário, pois pode acontecer
de o crédito não ser constituído, por caso fortuito ou força maior, ou outro
acontecimento e a mercadoria não sair (circular); nesses casos, é necessário que
se informe ao fisco, pois a validação trata-se de uma concordância do fisco das
informações prestadas, que, se não constituído e pago o crédito tributário, poderá
o fisco lançar de ofício, juntamente com uma autuação fiscal, com multas
altíssimas, pois tem em mãos todas as informações necessárias.
Desta forma, podemos defender que a avaliação da NF-e de circulação
de mercadoria pode ser entendida como uma homologação das informações
prestadas, ou seja, do futuro fato jurídico tributário informado, no cumprimento
do dever instrumental, mas não homologação do crédito tributário, que ainda não
foi constituído pelo contribuinte.
132
E mais, toda a informação enviada pelo contribuinte ao fisco é um fato
jurídico tributário amplo, constituído pelo contribuinte, que terá importância
jurídica, nos casos em que não houver a constituição e pagamento do crédito
tributário, tais dados servirão de base para o lançamento de ofício.
Isso significa que, com a obrigatoriedade de emissão e envio
eletrônico da nota fiscal, é preciso introduzir no ordenamento jurídico brasileiro
alguns passos que devem ser seguidos pelo contribuinte antes de realizar o fato
jurídico tributário, e um deles é a emissão e o envio do arquivo XML que contém
a Nota Fiscal Eletrônica para o servidor da Secretaria de Estado da Fazenda de
Origem, para pré-validação, ou seja, antes da circulação e, consequentemente, da
realização do fato jurídico tributário, o contribuinte deve enviar as informações
ao fisco e aguardar uma autorização.
Mas o que nos interessa em todo esse processo é que uma vez enviada
a informação ao fisco, de uma futura incidência tributária, tal fato terá alguma
importância jurídica? Qual? Sabemos que, quando o cumprimento do dever
instrumental era feito via papel, o fisco não tinha conhecimento da operação de
circulação de mercadoria antes de sua ocorrência, apenas tomava conhecimento
após a ocorrência do fato jurídico, agora neste novo cenário já toma
conhecimento de um fato jurídico que pode chegar a não ocorrer.
Mas mesmo com este novo cenário, entendemos que o crédito
tributário ainda permanece constituído pelo contribuinte, pois, realizado o fato
descrito na norma tributária e na NF-e, fica responsável o contribuinte pela
realização do autolançamento. Nesse caso, o contribuinte fará a consolidação de
todas as notas fiscais emitidas e aprovadas durante um período de apuração
específico, critério espacial, determinado em lei. E a função do autolançamento
passa a não ser mais informar ao fiscal a ocorrência do fato, porque isso já foi
feito pela NF-e, mas, sim, no caso do ICMS, será de consolidação das operações
realizadas, ou seja, a constituição do crédito tributário durante aquele período de
apuração, e, se assim não o fizer, o fisco tem condições de lançar de ofício, uma
vez que está de porte de todas as informações necessárias.
133
Para deixar claro nosso entendimento, vamos retornar um pouco a
fenomenologia da norma tributária, sabemos que a incidência se dá sobre o fato
social no instante em que o ato de entrega do autolançamento ao Fisco é
efetivado (publicidade do ato). É nesse exato momento que a norma geral e
abstrata atinge o fato ocorrido no mundo social, dando a ele conteúdo jurídico,
transformando-o em um fato jurídico de natureza tributária. Nesse modelo, a
circulação de mercadorias passa a ser relevante para o mundo jurídico quando
vertida em linguagem competente por meio do autolançamento.
Desse modo, o autolançamento constitui a norma individual e concreta
do tributo, o fato jurídico tributário que, ao nascer, desencadeia a relação jurídica
tributária entre sujeito ativo e sujeito passivo, e, por consequência desta relação,
nasce o direito da Fazenda Pública de cobrar o valor do tributo devido,
constituindo, neste momento, o crédito tributário, bem como se apresenta para o
contribuinte o dever de pagar o tributo, constituindo, também neste momento, a
obrigação tributária principal.
Com a implementação da obrigatoriedade da NF-e, instituída com a
informatização fiscal no cumprimento do dever instrumental, altera-se
exatamente esse fluxo de acontecimentos, na medida em que cria uma espécie de
informação prévia por Nota Fiscal Eletrônica emitida para cada circulação de
mercadoria que um contribuinte pretende realizar.
O contribuinte passa a ser obrigado, antes de qualquer circulação de
mercadoria, emitir a NF-e, e, antes de iniciar o fato social de circulação da
mercadoria, ele precisa encaminhar esse arquivo digital (dando publicidade), que
tem como conteúdo a NF-e para a Administração Tributária para pré-validação.
Esse ato de informar gera uma norma individual e concreta do tributo,
individualizada para aquela operação específica; consequentemente, haverá um
fato jurídico tributário individualizado para aquela operação específica, que,
mesmo já estando no mundo jurídico, só terá relevância se for autorizada a
circulação de mercadoria pelo fisco e a mesma acontecer. Portanto, não basta
estar no mundo jurídico, mas, sim, ser autorizada pelo fisco e ocorrer a efetiva
134
circulação de mercadoria, como se fosse uma homologação de prosseguimento
do processo de incidência.
É através da pré-autorização que o contribuinte imprimirá um recibo
(Danfe), que acompanhará a circulação da mercadoria até sua entrega ao
destinatário.
Durante todo o processo de circulação de mercadoria, a nota fiscal
existente é somente aquela que se encontra armazenada no banco de dados da
Sefaz. Qualquer das partes que precisar visualizar a NF-e poderá fazê-lo por
meio de um computador ou sistema em que possa ser digitado o código de barras
presente no Danfe ou mediante a chave de acesso presente também no Danfe.
Cada envio de uma NF-e é uma informação antecipada daquele
evento/fato que está para acontecer, mas que ainda não ocorreu. A Sefaz será
informada, antes mesmo da ocorrência do fato, de todos os aspectos que serão
formadores do fato jurídico tributário, que apenas surgirá após o autolançamento,
que se dará com a junção de vários eventos/fatos de autorização de circulação de
mercadoria, já anteriormente informados e concretizados no mundo fenomênico,
pois só interessarão, para constituição do fato jurídico tributário, as informações
de futuros eventos/fatos que tenham sido autorizados ou pré-validados; os
rejeitados e cancelados não integrarão o fato jurídico tributário, mesmo tendo
sido antecipadamente informado ao fisco.
Dessa forma, entendemos que esse fato jurídico prévio informativo ao
fisco, de uma futura circulação de mercadoria, não é o fato jurídico tributário
completo, pois não há nessa informação prestada à Sefaz todas as informações
necessárias à constituição do fato jurídico tributário, mas apenas parte delas.
Pode-se dizer que ele informa antecipadamente que o fato vai ocorrer, com todas
as suas características para que o próprio Fisco possa apurar o valor do tributo, se
necessário. No entanto, não é completo, pois, nos tributos não cumulativos, por
exemplo, a mera informação do valor de saída da mercadoria não é suficiente
para o cálculo do valor do ICMS a pagar. Para que seja constituído, o fato
135
jurídico tributário deverá conter as informações de créditos desse mesmo
imposto, de forma a chegar à base de cálculo correta do tributo, através do
autolançamento ou do lançamento tributário, nos casos de omissão do
contribuinte.
Finalizamos nosso entendimento no sentido que, mesmo com a
informatização fiscal, o momento de incidência da norma será único, até nos
casos de utilização da NF-e; por exemplo, o ato de entrega da NF-e à
Administração Tributária para pré-validação, seguida da resposta de autorização
de circulação da mercadoria – possibilidade de impressão do Danfe –, não
significa que houve a incidência da norma do ICMS, uma vez que não se efetivou
a operação de circulação de mercadoria. A incidência tributária efetiva se dará no
ato de entrega à Fazenda Pública Estadual da norma individual e concreta,
contendo as informações consolidadas de todas as operações realizadas dentro do
período de apuração, bem como a identificação do valor do tributo devido, o
crédito tributário.
Por isso, defendemos que, apesar dessas mudanças eletrônicas no
cumprimento do dever instrumental, não há, por enquanto, alterações nas formas
de constituição do crédito tributário, ou seja, mesmo com a ocorrência desse
evento/fato social jurídico gerador do ICMS, o contribuinte tem que cumprir o
dever instrumental de consolidar todos os eventos/fatos jurídicos
individualizados em um único fato jurídico tributário mediante o
autolançamento, constituindo o crédito tributário. O que muda é que o Fisco terá
acesso às informações antecipadamente (antecipa uma futura fiscalização), e,
caso o contribuinte não cumpra o seu dever, as penalidades serão maiores, as
chances de sonegação fiscal diminuem, já que o fisco tem as informações
armazenadas em seu banco de dados e, em não sendo constituído o crédito
tributário pelo contribuinte, o fisco não precisará ir à empresa solicitar
documentos para lançar de ofício, pois já terá em mãos todas as informações.
Toda esta mudança se dá porque o cumprimento do dever instrumental passou a
ser digital.
136
Todavia, não descartamos a ideia de que, em um futuro próximo, essas
informações enviadas pelo contribuinte sejam para servir de base para o fisco
lançar de ofício, renascendo o lançamento por declaração que hoje se encontra
em desuso.
Agora, analisaremos as possíveis alterações nos tributos cumulativos,
por exemplo, o ISS, de que, diferente dos tributos não cumulativos, cada
informação enviada ao fisco, de um serviço a ser prestado, contém todas as
informações necessárias à constituição de um fato jurídico tributário, através do
autolançamento ou do lançamento tributário, em não sendo feito pelo
contribuinte.
3.4.2 Processo de validação da nota fiscal de serviço eletrônica (NFS-e)
O critério material do ISS prescreve: dado o fato de prestar serviço em
determinado município, deve ser o pagamento do ISS, finalizada sua prestação.
Com a informatização no dever instrumental, o contribuinte passou a
ser obrigado a emitir a NFS-e, antes da ocorrência do evento “prestação de
serviço”, situação parecida com o ICMS.
Só que neste caso, cada emissão da NFS-e, através da informação
prévia da prestação do serviço, com a devida autorização do fisco, é suficiente
para constituição do crédito tributário através do autolançamento, isso porque o
critério temporal para esse tributo é o término da prestação de cada serviço.
Portanto, a cada serviço prestado, o contribuinte deve informar
antecipadamente à Fazenda sobre todos os elementos da Regra-Matriz de
Incidência. Desse modo, no caso dos tributos cumulativos, o Fisco já tem acesso
a todas as informações necessárias à constituição do lançamento tributário e,
consequentemente, da norma individual e concreta, do fato jurídico tributário, da
relação jurídica tributária, do crédito tributário e da obrigação tributária principal.
137
E, de porte de todas essas informações em mãos, em não sendo o
crédito constituído através do autolançamento, poderá o fisco lançar de ofício.
As informações de um futuro evento, enviadas ao fisco só terão
relevância jurídica se forem aprovadas pelo Fisco. E não basta ser aprovado o
critério material da prestação do serviço, deve acontecer no mundo fenomênico, e
o contribuinte deve constituir o crédito tributário através do autolançamento, e só
nos casos em que o contribuinte não constituir o crédito tributário é que o fisco
lançará de ofício com base nas informações armazenadas em seu banco de dados,
prestadas pelo contribuinte.
Isso não significa que, havendo uma evolução dos diversos
mecanismos tecnológicos que vêm sendo introduzidos de forma compulsória
para a entrega dos diversos deveres instrumentais de todos os tributos e
mudanças legislativas, se torne possível que, com simples cumprimento do dever
instrumental informatizado, ou seja, com a entrega antecipada das informações
que irão acontecer, venham a viabilizar a sincronia total das informações
necessárias à constituição do fato jurídico tributário. Nesse cenário, o
autolançamento poderá ficar em desuso, passando todos os tributos a ser por
lançamento por declaração, apesar de não acreditarmos que isso venha a ocorrer,
pois o fisco não tem interesse em constituir o crédito tributário, se ele pode, de
forma facilitada, com a informatização fiscal, apenas conferir e fiscalizar o
autolançamento efetuado pelo próprio contribuinte.
Ao enviar a informação ao Fisco e constituir o crédito tributário
através do autolançamento e não efetuar o pagamento, pode ocorrer de a Fazenda
fazer a inscrição em dívida ativa direto dos valores declarados e não pagos, sem a
necessidade de lançar de ofício, desde que concorde com os valores declarados
pelo contribuinte na NF-e. Nestes casos, autolançamento terá sua fiscalização
praticamente imediata, por meio do cruzamento de informações.
Do mesmo modo, estando o autolançamento errado ou em
desconformidade com as informações que já se encontram no banco de dados da
138
Fazenda, em virtude de diversas informações prestadas, a Fazenda poderá lavrar
imediatamente o auto de infração e terá muita facilidade de provar os crimes
contra a ordem tributária e pedir quebra de sigilo bancário, de dados, de voz,
tendo em vista o indício de crime demonstrado pela prova tecnológica.
Acreditamos que seja possível uma maior utilização do lançamento
por declaração, já que o contribuinte está fornecendo antecipadamente as
informações por meio da NF-e, cabendo ao Fisco apenas constituir o lançamento,
especialmente nos casos dos tributos cumulativos. Claro que, para que isso
ocorra, é necessário que haja mudanças legislativas, observando os princípios
constitucionais tributários.
Por fim, ressaltamos ainda que, além da NF-e utilizada como
exemplo, há ainda vários outros mecanismos tecnológicos de deveres
instrumentais que vêm sendo implementados e utilizados pelo fisco no
cumprimento do dever instrumental, tais como Radar, Sintegra, Declaração de
Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof), Declaração de Operações
com Cartões de Créditos (Decred), SPED, NF-e Municipal, NF-e, EFD e
Escrituração Contábil Digital; as mudanças são várias e geram muitas alterações
nas estruturas mais sólidas do sistema tributário nacional, além de criar diversos
novos deveres instrumentais anteriormente não existentes. O grande problema é
que essas alterações estão sendo implantadas em desconformidade com o sistema
tributária tributário nacional, violando um dos maiores princípios tributários, o da
legalidade. E mais, o sistema implementado não dá ao contribuinte a opção de
retificar o que fora informado, acarretando multas altíssimas e indevidas.
3.5 Síntese conclusiva
Vimos, neste capítulo, que, a partir do surgimento da informatização
fiscal, há várias normas de deveres instrumentais criando formas distintas de
envio das informações fiscais, por diferentes mecanismos tecnológicos. Essas
normas atuam em conjunto com as normas que instituem cada um dos tributos,
139
de forma a criar o modelo exato de incidência tributária, lançamento tributário,
fato jurídico tributário, relação jurídica tributária, obrigação tributária principal e
crédito tributário, além da prescrição e decadência, que serão analisados no
próximo capítulo.
Com a informatização fiscal inserida no cumprimento dos deveres
instrumentais tributários, a Fazenda Pública passa a receber todo tipo de
informação referente aos fatos geradores de tributos e bases de cálculo dos
tributos. Poderíamos até cogitar a hipótese de uma alteração na forma de
constituição do crédito tributário pelo “autolançamento” para lançamento por
declaração, ou seja, aquele em que a Secretaria da Fazenda receberá o arquivo
digital e, de porte dessas informações, efetue o lançamento de ofício. Todavia,
acreditamos que isso não irá ocorrer, pois, ao informar a Fazenda de forma prévia
todo o processo de incidência tributária, através das alterações no cumprimento
do dever instrumental, o Fisco passa a ter em mãos todos os dados necessários
para analisar os elementos de constituição do crédito, que ficarão sob a
responsabilidade do contribuinte emissor da nota fiscal.
Portanto, mesmo com a informatização fiscal, a atividade de
constituição do crédito atrelada à antecipação do montante devido, continua
sendo atribuição do contribuinte, como prescreve o “autolançamento”.
Por outro lado, em havendo mudanças legislativas, é possível que os
tributos sujeitos ao “autolançamento” passem a se modalidade de lançamento por
declaração, considerando que todas as informações são entregues pelo
contribuinte, cabendo ao Fisco apenas consolidá-las linguagem competente
através do lançamento de ofício, apesar de não acreditarmos muito nisso, visto
que, para fazenda, é mais interessante utilizar a informatização fiscal para
fiscalizar do que para aumentar sua carga de trabalho.
Concluímos que, da forma como que estão caminhando os impactos
da informatização fiscal na constituição do crédito tributário, defendemos a tese
que o “autolançamento” continuará com mais força, podendo o contribuinte
140
exigir do fisco uma homologação expressa do crédito constituído e pago, sem a
necessidade de aguardar os prazos de decadência e prescrição, uma vez que tem
em mãos toda documentação necessária para analisar e quitar o débito.
O maior problema ainda existente é a falta de regulamentação para
retificações de informações enviadas ao fisco, que, por não existir, vem autuando
os contribuinte com multas abusivas.
141
4 OS IMPACTOS DA MUDANÇA DO DEVER INSTRUMENTAL NA
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
4.1 Notas introdutórias
Neste capítulo, pretendemos analisar os impactos da informatização
fiscal do dever instrumental na decadência e na prescrição.
Todas as normas jurídicas necessitam de uma regulamentação
temporal, ou seja, não existe relação ad eternum. O tempo no direito é uma
delimitação temporal do mundo social, agindo como limite de perpetuação de
direitos para que, dentro do sistema do direito positivo, seja possível dizer que
todas as relações têm início e fim; desse modo, a decadência e a prescrição são
formas de colocar fim ao mundo do dever-ser.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello141 destaca que
[…] não há como se conhecer qualquer regulação normativa isenta de referência temporal, o que, aliás, serve para demonstrar sua absoluta neutralidade. Deveras: ou a lei fixa um tempo dado ao regular certa situação ou, inversamente, não fixa qualquer limite. Em ambos os casos há uma referência temporal. Numa é demarcada, noutra é ilimitada, mas ambas levam em conta o tempo, seja medido, seja continuado indefinidamente. Pois o tempo medido é tão somente uma referência a uma quantidade determinada de fatos e situações que nele tiveram ou terão lugar, ao passo que o tempo ilimitado é também referência a uma quantidade de fatos e situações por definição indeterminados.
Aplicando esse entendimento nos prazos de decadência e prescrição,
podemos afirmar que são limites temporais devidamente positivados pelo
legislador e apontados para impedir a perpetuação das relações jurídicas.
Deixamos claro, no capítulo anterior, que, mesmo com os deveres
instrumentais informatizados, no atual modelo do sistema tributário nacional, não
há que se falar em mudança na forma de constituição do crédito tributário do
141 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 33.
142
“autolançamento” para o lançamento por declaração ou por ofício; isso só será
possível se houver mudanças legislativas.
Com a informatização fiscal no dever instrumental, o prazo positivado
para constituição (decadência) e exigibilidade do crédito tributário (prescrição)
poderão sofrer alterações, não por meio de decisão ou construções normativas
desarrazoadas e incompatíveis com o sistema, mas daquele positivado pelo
sistema, que demonstre o exato limite do tempo, exigido pelo direito, conforme
será analisado.
Vimos também que, com a informatização fiscal nos deveres
instrumentais, o fisco passa a ter em mãos todas as informações necessárias para
homologar, no sentido de quitar, o crédito constituído e pago pelo contribuinte,
sem a necessidade de aguardar os prazos de decadência e prescrição, tal como
ocorre no modelo atual.
4.2 Interpretações sobre a prescrição e decadência no direito tributário:
teoria dicotômica e tricotômica
A prescrição e a decadência foram introduzidas no ordenamento
jurídico pelo direito civil; todavia, em direito tributário, as normas de decadência
e prescrição adquirem contornos próprios, diferenciando-se em alguns pontos do
direito civil.
As distinções começam sobre qual seria o veículo introdutor de
normas; no plano constitucional, em seu art. 146, III, b, prescreve-se
expressamente a necessidade de lei complementar, como norma veiculadora de
decadência e prescrição em matéria tributária142, nos seguintes termos:
Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
142 LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição, p. 94.
143
[…] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; […]
Há duas correntes que tratam da função das normas gerais em matéria
tributária, chamadas teorias dicotômicas e tricotômicas, que surgiram com a
redação trazida pela superada Constituição de 1967, art. 19, § 1º, com as duas
vertentes interpretativas importantes, fomentadas na experiência jurídica de
então, cada uma delas, a seu modo, cercada de seriíssimas implicações, que vão
desde os triviais efeitos práticos, provocados pela incidência dos gravames, até o
debate de elevados princípios constitucionais.
O art. 19, § 1º, da Constituição de 1967 prescreve que caberia à lei
complementar estabelecer as normas gerais de direito tributário, dispor sobre
conflitos de competência nessa matéria entre União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios e regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar.
Desse modo, cabia à lei complementar estabelecer normas gerais de
direito tributário para regular sobre conflitos de competência entre as entidades
tributantes, bem como as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Em estudo sobre o tema, Eurico Marcos Diniz de Santi143 preceitua
que a prescrição é matéria atinente a normas gerais de direito tributário. E
completa:
Estabelecer normas gerais sobre decadência e prescrição em lei complementar implica definir nesse veículo normativo a hipótese (determinado prazo, seu termo inicial e eventuais circunstâncias suspensivas e interruptivas que conformam esse fato temporal) e o consequente (extinção do direito de lançar, do crédito ou do direito de ação) das regras da decadência e prescrição do direito do Fisco e decadência e prescrição do direito do contribuinte, aplicáveis, indiscriminadamente, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.
143 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 210.
144
A Constituição de 1998, em seu art. 146, prescreve que cabe à lei
complementar: 1ª) dispor sobre conflitos de competências entre as entidades
tributantes; 2ª) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e
3ª) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Abre aqui o
constituinte as três alíneas do inciso III, em tom de esclarecimento, para
proclamar que, além das normas gerais propriamente ditas, a lei complementar
estaria habilitada a reger, com especificidade: a) a definição de tributos e de suas
espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a
dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; e b) obrigação,
crédito, prescrição e decadência tributários.
Ou seja, o legislador constitucional estabeleceu que toda a matéria da
legislação tributária está contida no âmbito de competência da lei complementar.
Todavia, o conteúdo do artigo 146, III, b, da CF, ainda encontra
resistência por grandes juristas, dentre eles Paulo de Barros Carvalho, Aires
Barreto, Heleno Taveira Tôrres, entre outros, intitulados como dicotômicos, que
entendem que não poderia a Constituição Federal do 1988 reservar todo o
conteúdo lá discriminado, relativo à esfera tributária a ser tratado por lei
complementar, com a denominação de normas gerais.
Data venia, não concordamos com este entendimento e filiamo-nos à
corrente tricotômica para a qual cabe à lei complementar instituir normas gerais
de direito tributário, entendendo esta como: normas que trazem harmonia no
sistema tributário, com o fim de dar unidade e homogeneidade à tributação
praticada por todos os entes federados, independentemente de se tratar de
conflito de competência ou de limitação ao poder de tributar144, incluindo normas
de decadência e prescrição, cujo objetivo é unificar a tributação, criando um
tratamento homogêneo para todos os entes da federação.
O Código Tributário Nacional, Lei 5.172/1966, recepcionado pela
Constituição Federal de 1998, com status de lei complementar, estabelece as
144 Ver, nesse sentido, SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 86-87.
145
regras de decadência e prescrição, nos termos do art. 35, § 5º, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, que permite que as normas anteriores à
promulgação da Constituição recebam novo fundamento de validade, desde que
seu texto seja compatível materialmente, sendo irrelevante a compatibilidade
formal.
Logo, deverão os entes políticos, União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, observar o disposto nas normas gerais, sob pena de ilegalidade de
suas regras.
Tudo isso porque os institutos elencados no inciso III, alínea b, do art.
146 da CF, “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”,
são exclusivos do CTN, que dá unidade a toda a legislação geral, inerente a todos
os entes da federação de forma isonômica, cabendo à lei ordinária apenas
esclarecer as disposições do CTN, sem alterar, modificar ou revogar seu
conteúdo e alcance.
A questão hoje está pacificada nos tribunais superiores145 no sentido
de que a lei ordinária não pode alterar, modificar ou excluir os prazos de
decadência e prescrição estabelecidos no CTN.
Posta essa discussão, adentraremos nos conceitos de decadência e
prescrição no direito tributário e as possíveis alterações advindas com era digital
no dever instrumental.
4.3 Decadência e prescrição no direito tributário: possíveis mudanças com
a informatização fiscal no dever instrumental
Deixamos destacado acima que a prescrição e decadência em direito
tributário tem peculiaridades próprias e, portanto, diferente do direito civil.
145 STF: Recurso Extraordinário 148.754-2 - RJ. STJ: Recurso Especial 616.348 - MG.
146
Isso porque, em direito civil, a prescrição é considerada um instituto
de ordem pública, tendo como característica de destaque que a sua renúncia só
pode ser efetuada depois de decorrido todo o seu prazo, e, se não houver prejuízo
a terceiro, os prazos prescricionais são divididos em duas modalidades: os
ordinários, discriminados nos arts. 205 e 206 do Código Civil, e os especiais,
estabelecidos de acordo com a matéria com os quais se relacionam, e todos os
demais disseminados no texto do Código Civil. Já a decadência pode ser
estabelecida também pela vontade das partes, tornando-se, inclusive, renunciável.
Em direito tributário, a ocorrência da decadência significa afirmar que
o crédito tributário não surgiu porque a competência administrativa não foi
exercida.
Paulo de Barros Carvalho146, em análise ao conteúdo semântico da
palavra decadência, identificou seis acepções do termo em direito tributário:
(i) decadência como norma geral e abstrata; (ii) como hipótese desta norma, descrevendo o termos final de um lapso de tempo; (iii) como o consequente da norma geral e abstrata, tipificando o efeito extintivo; (iv) como norma individual e concreta que constitui o fato de haver decorrido o tempo referido na regra geral e abstrata, no mesmo instante em que determina, no consequente, o efeito fulminante de desconstituir uma relação existente; (v) como o antecedente desta última norma individual e concreta; e (vi) tão só como o consequente, também desta última regra.
Apesar da pluralidade de acepções, o seu significado base é o estado
ou ação de cair, perecer ou cessar, nos termos do dicionário acadêmico de
direito147.
Já a prescrição em direito tributário estabelece o tempo da exigência
do crédito, a possibilidade de propor ação.
Portanto, quando falamos em prescrição em direito tributário,
devemos ter em mente uma relação jurídica existente, já devidamente formada,
146 Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 566. 147 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo: Jurídica brasileira,
2002, s.v. decadência.
147
diferentemente da decadência, em que o tempo se consuma antes da construção
em linguagem da relação jurídica.
Sabemos que a atividade de deveres instrumentais no Brasil é extensa,
ou seja, gastam-se muitas horas para preencher e conferir documentações e
informações ao fisco. Esses sem-fim de atribuições vêm sendo otimizados com a
modernização da informatização nos deveres instrumentais, diminuindo o tempo
gasto com o preenchimento e informações no cumprimento do dever
instrumental. Mas essa diminuição no tempo pode acarretar mudanças nas
contagens dos prazos de decadência e prescrição?
A principal alteração que poderá afetar os prazos de decadência e
prescrição se dará em virtude do surgimento dessa informação prévia enviada ao
fisco instituído pelo SPED, em especial com a obrigatoriedade de emissão digital
e entrega por meio eletrônico da NF-e à Secretaria de Estado da Fazenda do
Estado de Origem, conforme veremos abaixo.
Com a informatização fiscal nos deveres instrumentais, as
informações são entregues antecipadamente ao fisco e de forma digital, como no
caso da NF-e, por exemplo, visto no capítulo anterior que, além de constituir,
antes da ocorrência do fato jurídico, novos institutos do direito tributário, com a
prévia informação do evento (futuro fato) mediante cada validação de NF-e, pode
alterar o prazo do art. 150, § 4º, do CTN, a ser contado da data do enviado da NF-e
para pré-validação, ou seja, do fato jurídico parcial da informação prévia do fato
evento ao Fisco.
Por outro lado, os prazos de prescrição e decadência do direito do
contribuinte contados a partir da extinção do crédito tributário, mesmo com a
informatização fiscal no dever instrumental, não há falar em alteração dos prazos
de prescrição e decadência do direito do contribuinte, exceto se a informatização
fiscal vir a inserir alguma modalidade de pagamento eletrônico a ser feita em
conjunto com a emissão e envio da NF-e, aí poderemos falar em uma alteração
148
na contagem desses prazos; do contrário, não há alterações nos prazos
decadencial e prescricional do contribuinte.
Analisaremos, de forma mais detalhada, os institutos, sem, contudo,
extinguir todas as hipóteses de contagem dos prazos de prescrição e decadência,
o que seria impossível; portanto, trataremos de decifrar alguns dos principais
pontos a serem observados pela ciência do direito para o estudo de cada caso.
4.3.1 Prazo decadencial do crédito do Fisco com a informatização fiscal no
dever instrumental
A norma decadencial prescreve o decurso de um lapso temporal, sem
que o titular do direito subjetivo o exercite, cuja consequência é a desconstituição
do direito subjetivo de que o sujeito ativo estivesse investido, extinguindo tal
direito.
O Código Tributário Nacional disciplina sobre a regra de decadência,
nos arts. 150, § 4º, e 173, sendo este aplicado aos tributos sujeitos ao lançamento
de ofício, e aquele, aos tributos submetidos ao lançamento por homologação.
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. […] § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito
149
tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Podemos notar, com a leitura dos artigos, várias normas de decadência
do direito do Fisco; analisaremos cada uma delas, todavia cabe deixar destacado
que o legislador estabeleceu em artigos diferentes de acordo com a forma com
que o crédito foi constituído, ou seja, o art. 173 do CTN atribuiu prazo e forma
de contagem especial para lançamentos que vêm a ser realizados pelo fisco, e o
art. 150, § 4º do CTN para os chamados lançamentos por homologação ou
“autolançamento”.
Analisaremos detalhadamente cada uma das regras do prazo de
decadência do crédito do fisco no modelo atual e as possíveis mudanças com a
informatização fiscal no dever instrumental.
4.3.1.1 Regra geral, art. 173, I, do CTN – decadência do direito de lançar
sem o pagamento antecipado
O caput do art. 173 do CTN, acima transcrito, determina o prazo de 5
(cinco) anos que tem a autoridade administrativa para constituir o crédito
tributário, e os incisos demarcam o início de contagem do aludido prazo, quais
sejam: início do ano calendário, fim do processo administrativo, ou medidas
indispensáveis ao lançamento, conforme veremos.
O art. 173, I, do CTN, prescreve a hipótese de decadência do direito
de a Fazenda constituir o crédito tributário, nos casos em que não houver
pagamento antecipado.
Eurico Marcos Diniz de Santi148 construiu a seguinte norma a partir da
leitura do art. 173, I, do CTN:
Hipótese: dado o fato de o Fisco não exercer o direito de lançar durante 5 anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte
148 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 165-174.
150
àquele em que tenha ocorrido o evento passível de tributação, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que não há o pagamento antecipado. Consequente: extinção do direito do fisco de constituir o crédito tributário.
Robson Maia Lins149 destaca:
Temos, então, que os dois incisos do art. 173, CTN, indicam os respectivos termos iniciais de fluência do prazo decadencial, culminando com o fato jurídico da decadência, após o transcurso do dies ad quem. Portanto, em 5 (cinco) anos após o dies a quo e desde que o Fisco não efetue o lançamento tributário ocorre o “fato” jurídico decadencial cuja eficácia é a relação jurídica extintiva do direito subjetivo do Fisco lançar o tributo, constituindo-o.
Cabe destacar que o referido inciso do artigo 173 aplica-se às
modalidades de lançamento de ofício, de declaração e o autolançamento, apenas
nos casos de dolo, fraude ou simulação. Isso porque o legislador optou em
separar para o § 4º do art. 150 do CTN, a modalidade de constituição do crédito
feita exclusivamente pelo contribuinte, que, analisando o fato jurídico, constitui a
relação jurídica e efetua o pagamento do tributo.
Portanto, quando “o contribuinte não cumpre o seu dever de produzir
a norma individual e concreta e de pagar tributo, ou comprovada a ocorrência de
dolo, fraude ou simulação, compete à autoridade administrativa, segundo art.
149, V, do CTN, efetuar o lançamento de ofício”,150 pois, não havendo
pagamento, não há o que homologar, e, assim, caberá ao Fisco promover o
lançamento de ofício, submetendo-o ao prazo do art. 173, I, do CTN.
Com a informatização fiscal no cumprimento do dever instrumental, a
contagem do prazo decadencial poderá sofrer alterações na contagem do seu
prazo. Na hipótese de emissão e envio da NF-e à Sefaz, há um autolançamento
individualizado por operação e a constituição do crédito tributário
149 LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição, p. 104.
150 MENDONÇA, Christiane. Decadência e prescrição em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 660.
151
individualizado; o prazo do art. 173, I, em que a Fazenda Pública perde o direito
de constituir o crédito tributário dentro de cinco anos contados do primeiro dia do
exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, poderá
ser contado da data em que o autolançamento individualizado ocorreu. O
autolançamento sempre existirá, ainda que individualizado por NF-e.
Ou seja, o ato entrega da NF-e para pré-validação junto à Sefaz
implica em um autolançamento individualizado e, consequentemente, na
constituição da norma individual e concreta referente àquela operação específica.
Se existe um autolançamento individualizado para cada NF-e emitida, ainda que
o autolançamento consolidado não seja efetuado, haverá os diversos
autolançamentos individualizados, que se assemelham aos autolançamentos sem
pagamento.
Portanto, o primeiro dia do exercício seguinte poderá ser contado a
partir da data em que for encaminhada a NF-e para a Sefaz para pré-validação,
não se esquecendo de que, por se tratar de tributos não cumulativos, o fisco só
poderá inscrever em dívida ativa após a lavratura do auto de infração com a
devida constituição do crédito tributário, fazendo a devida compensação de
créditos e débitos nas operações anteriores.
4.3.1.2 Decadência do direito de lançar após anulação do lançamento
anterior
Esta opção se dá nas hipóteses de erro da autoridade fiscal na pessoa
do seu agente, que, durante o processo de constituição do crédito tributário, não
observou a estrutura do lançamento, ou seja, o erro se deu nos elementos de
formação do crédito, e não no próprio crédito. São os chamados vícios de forma,
ou erro na forma, de processo, na construção do lançamento, ou seja, na
formação da norma individual e concreta do lançamento tributário.
152
Eurico Santi151 estrutura essa norma a partir da leitura do inciso II, do
art. 173 do CTN.
Hipótese: dado o fato de o Fisco não exercer o direito de lançar durante 5 anos, a contar da data da decisão judicial ou administrativa que prescreve a anulação por vício formal de lançamento anterior. Consequente: extinção do direito de constituir o crédito tributário
Com a decisão anulatória de lançamento anterior, reinicia-se a
contagem do prazo decadencial. Este o entendimento de Zelmo Denari152 e
Eurico Santi153, de que não se trata de interrupção de prazo, e sim novo prazo
decadência, que não se comunica com o anterior.
Paulo de Barros Carvalho154, Regina Helena Costa155 e José Eduardo
Soares de Mello156 defendem que o artigo trata-se de interrupção do prazo
decadencial. São as palavras de Paulo de Barros Carvalho: “a decisão final que
declare anulação do ato nada mais fez que interromper o prazo que já houvera
decorrido até aquele momento”. Seguimos este entendimento majoritário.
Portanto, uma vez anulado o lançamento anteriormente efetuado, o
prazo de decadência volta a correr da data da anulação do ato administrativo de
lançamento, devendo a fazenda lançar novamente no período restante.
Não há que se falar em alteração do prazo com a informatização fiscal
no dever instrumental.
151 Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 179. 152 Prescrição e decadência tributária: breve ensaio, aplicado ao ICM. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.
38. 153 Op. cit., p. 126. 154 Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 547. 155 Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
269. 156 Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 2010, p. 397.
153
4.3.1.3 Decadência do direito de lançar sem o pagamento antecipado e com
notificação
Eurico de Santi157 constrói esta norma a partir da interpretação do
parágrafo único do art. 173 do CTN:
Hipótese: dado o fato de o Fisco não exercer o direito de lançar durante 5 anos, a contar do dia em que o contribuinte recebeu a notificação por parte do Fisco de medida preparatória do lançamento, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que não há o pagamento antecipado. Consequente: extinção do direito do fisco de constituir o crédito tributário.
A doutrina não é pacífica na interpretação do enunciado do parágrafo
único do art. 173 do CTN, em especial quando o texto diz “qualquer medida
preparatória indispensável ao lançamento”. Mas temos que ter em mente que
somente a lei pode delimitar o conteúdo semântico atribuído ao termo qualquer e
excluir a discricionariedade por parte do aplicador administrado. Dessa forma,
podemos concluir que as medidas a serem aplicadas pela administração
preparatória e indispensável ao lançamento são as regulamentadas pelo Decreto
7.574/2011, em especial no art. 3º, que trata do início do procedimento fiscal.
Cabe, também, destacar que a redação do referido enunciado
demonstra que a notificação tem a função de antecipar a contagem do prazo
decadencial, previsto no art. 173, I, do CTN. Vale a pena exemplificar para
entendermos melhor: “ser proprietário de veículo automotor”, passível de
tributação pelo IPVA (sujeito, via de regra, ao lançamento de ofício), que ocorra
no dia 01.01.2004, e, no dia 21.03.2004, o contribuinte receba uma notificação da
Fazenda Estadual exigindo a declaração do valor do veículo para que se possa
produzir o lançamento. Será essa última data (21.03.2004) o termo inicial da
contagem do prazo decadencial.
157 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 191.
154
O marco inicial da contagem do prazo decadencial passa a ser da
notificação do ato preparatório de constituição do crédito tributário.
Esse também é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho158, com o
qual concordamos:
Além disso, cumpre esclarecer que o art. 173 parágrafo único, do CTN traz outro termo inicial nas hipóteses em que há ciência, pelo particular; de algum fato ou medida preparatória indispensável ao lançamento. Neste caso, ocorrerá antecipação do termo inicial para o decurso de prazo decadencial, contado cinco anos a partir da data em que se tenha por formalizada a notificação do contribuinte a respeito desta medida.
O tribunal também já se manifestou no sentido de que o prazo
decadencial começa a contar da data em que o sujeito passivo foi notificado a
prestar esclarecimento.
ICMS. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRAZO DECADENCIAL. MARCO INICIAL. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE AO DO FATO GERADOR. ART. 173, I, DO CTN. NOTIFICAÇÃO DA FISCALIZAÇÃO NO MESMO EXERCÍCIO DO FATO GERADOR. ANTECIPAÇÃO DO MARCO INICIAL DO PRAZO DECADENCIAL. ART. 173, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. I – Não tratam os autos da hipótese versada pela súmula 153/TFR, perfilhada por esta Corte, porque não houve notificação de auto de infração ou de lançamento, mas apenas aviso de trabalhos de fiscalização do fisco. II – Iniciado o trabalho de lançamento do crédito tributário e notificado o contribuinte dentro do exercício em que ocorreu o fato gerador, tem início o curso do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, conforme artigo 173, parágrafo único, do Código Tributário Nacional. III – Todavia, se a notificação do contribuinte dos trabalhos de fiscalização ocorrer após o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador, não surtirá efeitos no que se refere ao curso decadencial, permanecendo como data inicial aquela estipulada pelo artigo 173, I, do Código Tributário Nacional, primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. IV – Esta é a hipótese dos autos, pois os fatos geradores ocorreram em 1985 e, em 1988, o fisco avisou os recorridos do início dos trabalhos de fiscalização, os quais resultaram na lavratura do auto de infração e na imposição de multa em 1992,
158 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 568.
155
quando já havia transcorrido o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. V – Recurso Especial provido. (STJ Recurso especial 909.570 – SP rel. min. Francisco Falcão; DJ 17/05/2007).
Nesta hipótese, também não há alteração na contagem do prazo
decadencial, o que se discute são as notificações on-line.
4.3.1.4 Decadência do direito de lançar com o pagamento antecipado,
exceto caso de dolo, fraude ou simulação (art. 150, § 4º primeira
parte, CTN)
Nos termos do art. 150, § 4º, do CTN, na homologação tácita do ato
do particular (“lançamento”) feita pelo contribuinte, a decadência se dá em cinco
anos contados do fato gerador do tributo. Nesse caso, um fato ocorrido em
10.11.2008 decairia em 10.11.2013, totalizando cinco anos.
Essa norma é construída com a seguinte estrutura:
Hipótese: dado o fato de o Fisco não exercer o direito de lançar durante 5 anos, a contar da data da ocorrência do evento passível de tributação, nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que há o pagamento do tributo. Consequente: extinção do direito do Fisco de constituir o crédito tributário.159
Trata-se do autolançamento, modalidade mais utilizada na atualidade,
mesmo com a informatização fiscal, pois, conforme visto no capítulo anterior, a
informatização nos deveres instrumentais não alterou a forma de constituição do
crédito tributário, passível de alteração, com as devidas alterações legislativas no
sistema tributário brasileiro.
Nessa modalidade, o contribuinte é quem constitui o crédito tributário
e efetua o pagamento sem nenhuma interferência e conferência da autoridade
159 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 167.
156
administrativa. A atividade do contribuinte será analisada posteriormente, por
meio do ato administrativo de homologação.
O que se discute é que, havendo pagamento do tributo no regime
sujeito ao lançamento por homologação, o prazo é decadencial ou prescricional?
Eurico Marcos Diniz de Santi160, em estudo aprofundado sobre o
tema, ao qual nos filiamos, destaca que, quando temos pagamento antecipado, há
a contagem de dois prazos decadenciais, iniciando do evento tributário: um para
a homologação e outro para a realização do lançamento tendente a formalizar
novo crédito tributário. Efetuado o pagamento pelo contribuinte, o Fisco tem a
opção de homologar expressamente pagamento ou lançar de ofício o tributo para
comprovar que o pagamento feito pelo sujeito passivo não está regular. Não se
manifestando durante cinco anos, contados da ocorrência do evento, considera-se
definitivamente extinto o crédito tributário, nos termos do § 4º do art. 150.
Agora, com as modernas técnicas eletrônicas de constituição do
crédito tributário pelo contribuinte, vindas com a informatização fiscal no dever
instrumental, outras discussões aparecem, como se há alterações no prazo
decadencial do art. 150, § 4º, por exemplo.
Isto porque, com a pré-validação da NF-e, o contribuinte é obrigado a
informar ao fisco um futuro evento e fato jurídico, ou seja, o contribuinte
“constitui” o fato jurídico antes do próprio evento tributário e dá ciência à
Fazenda da operação que irá realizar; pode-se entender que, a partir desta data,
inicia o prazo decadencial previsto no art. 150, § 4º do CTN.
Dessa forma, a entrega da informação relativa à operação de
circulação de mercadorias e prestação de serviço de transporte e comunicação
constitui a norma individual e concreta do ICMS, individualizada para a
operação descrita na nota, e com ela é constituído o fato jurídico tributário, antes
do fato evento. Por conseguinte, quando o art. 150, § 4º, menciona que a
homologação tácita do lançamento se dará em cinco anos contados da ocorrência 160 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max
Limonad, 2004, p. 179.
157
do fato gerador, pode-se entender que o fato gerador (jurídico) é o próprio fato
jurídico tributário individualizado.
4.3.1.5 Decadência do direito de lançar no caso de dolo, fraude ou
simulação (art. 150, § 4º parte final, CTN)
Em sendo constado o dolo, fraude ou simulação, não se aplica o art.
150, § 4º, primeira parte, do CTN, mas, sim, o art. 173, I, do CTN, conforme já
visto no item 4.2.1.1 acima.
4.3.2 Prazo prescricional do crédito para o fisco
No item 4.2, deixamos definido que, quando falamos em prescrição no
direito tributário, devemos ter em mente a existência de uma relação jurídica.
O dever instrumental é o instrumento-chave para a constituição do
crédito em grande parte dos tributos, tendo em vista que, através do dever
instrumental, o contribuinte tem o dever de encaminhar ao fisco todas as
informações e etapas não só da constituição do crédito tributário por ele realizada
no caso dos autolançamento, como também das informações que servem de base
para constituição do crédito tributário no lançamento por declaração e até mesmo
no lançamento suplementar do fisco, se baseado nas informações prestadas pelo
cumprimento do dever instrumental, para constituir, quando necessário, o crédito
declarado e não pago, ou não declaração e até mesmo para homologar todo o
procedimento feito pelo contribuinte.
Portanto, sabemos da importância do dever instrumental em nosso
sistema jurídico, e, com a informatização fiscal, o seu cumprimento passou a ser
mais preciso e rápido, tendo em vista que as informações são prestadas ao fisco
de forma digital e via internet, acelerando algumas etapas na constituição do
crédito e fiscalização do crédito.
158
O prazo de prescrição do crédito do fisco, segundo redação do art. 174
do CTN, para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados
da data de sua constituição definitiva. Uma vez constituído o crédito tributário, a
Fazenda Pública, segundo as normas do Código Tributário Nacional, tem cinco
anos para cobrá-lo judicialmente, nos seguintes termos: “Art. 174. A ação para
cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de
sua constituição definitiva.”
Pode-se construir a seguinte norma:
Hipótese: dado o fato de o Fisco não exercer o direito de ação durante 5 anos, a contar do dia em que o contribuinte constituiu o crédito tributário, nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, ou da data do lançamento notificado. DEVE SER Consequente: extinção do direito do Fisco cobrar judicialmente o crédito tributário161.
Ou seja, se um contribuinte entregar uma DCTF no dia 02.04.2013,
estará constituindo o crédito tributário do imposto sobre a renda, e não efetuar o
pagamento deste tributo, o Fisco terá cinco anos, a contar de 02.05.2013,
(destacando que o período de 02.04.2013 a 02.05.2013 foi estabelecido o prazo
para pagamento, mas o crédito ainda não era exigível), para executar o sujeito
passivo. Não o fazendo, perde o direito de cobrar judicialmente, e o crédito
tributário estará extinto.
Por outro lado, há a interpretação feita a partir da leitura do art. 174,
combinado com o art. 145 do CTN, no sentido de que o prazo prescricional conta
do dia em que o contribuinte foi notificado do lançamento tributário produzido
pela autoridade administrativa.
Segundo essa interpretação, o contribuinte realiza o evento tributário,
do ICMS, por exemplo, no dia 02.04.2013, e não paga o tributo, mas, no dia
05.02.2014, recebe a notificação do auto de infração, que veicula, além da norma
da multa, o ato-norma lançamento, constituindo em fato jurídico o referido
161 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 174.
159
evento. Nesse exemplo, o contribuinte não cumpriu com o dever de pagar o
ICMS, o Fisco tem o prazo de cinco anos, a contar do dia 05.03.2014
(considerando o prazo para pagamento 30 dias), para ingressar com a ação de
cobrança judicial.
Eurico Marcos Diniz de Santi162 ressalta:
[…] o artigo 174 há de se entender a constituição definitiva do crédito tributário como o momento da constituição do ato-norma, seja aquele administrativo efetuado pelo agente público competente, seja o ato-norma editado pelo particular. Assim, em conformidade com o direito positivo, a constituição do ato-norma, que coincide com a constituição definitiva do crédito, será o marco inicial para contagem do prazo prescricional.
A prescrição do crédito tributário, disciplinada no art. 174 do CTN, é
a caducidade do direito do Fisco de cobrar o crédito tributário. É a perda total de
exigibilidade, em razão do correr do tempo. Todavia, só existirá omissão se
houver a possibilidade jurídica da exigibilidade do crédito, ou seja, não basta que
o crédito seja instalado no sistema com notificação regular, líquido e certo,
requer-se, também, que seja exigível. Sem exigibilidade não há omissão; o
crédito só é exigível passado o período previsto para a efetivação do
pagamento163, diferentemente do que defendem alguns autores164 que afirmam
que a constituição definitiva do crédito tributário ocorre com a regular
notificação do sujeito passivo. Isso porque é este o momento em que se inicia a
exigibilidade do crédito tributário.
Entendemos que a exigibilidade do crédito tributário se inicia, não da
constituição definitiva do crédito com a notificação do sujeito passivo, mas, sim,
após a data de vencimento do prazo para pagamento do crédito, tanto que, em
nossa dissertação de mestrado165, ao construir a Regra-Matriz do Dever
Instrumental, acrescentamos o critério temporal no consequente da RMDI, tendo 162 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max
Limonad, 2004, p. 217. 163 Ibid., p. 218. 164 SILVA, Renata Elaine. Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e
segurança jurídica. São Paulo: Noeses, 2013, p. 85. 165 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 191.
160
em vista sua importância, pois, sem que se tenha passado a data para o seu
cumprimento, não há que se falar em descumprimento, e, da mesma forma,
defendemos a importância do critério temporal no consequente da Regra-Matriz
de Incidência Tributária, pois, dentro do período previsto em lei para pagamento
do tributário, não quer se falar em exigibilidade do crédito tributário; tanto é
verdade, que o fisco não pode exigir que o contribuinte efetue o pagamento
antecipadamente, antes de se esgotar o seu prazo para pagamento.
Dessa forma, defendemos que o prazo inicial para a contagem da
prescrição inicia da constituição definitiva do crédito tributário, que se dá com a
notificação regular, líquida e certa, mas requer também que seja exigível. E só
poderemos falar em exigibilidade do crédito passado o período previsto para a
efetivação do pagamento.
A entrega dos deveres instrumentais às autoridades administrativas,
com a informatização fiscal e com o uso de tecnologia no Sistema Tributário
Nacional, passou a ser feita por mecanismos tecnológicos e de forma eletrônica.
Em alguns casos, como na NF-e, a entrega das informações que constituem o fato
jurídico tributário ocorre antes mesmo da do fato evento tributário (fato jurídico).
O contribuinte, ao encaminhar as informações constantes de uma nota
fiscal à Fazenda Pública, entrega todos os elementos necessários à constituição
da norma individual e concreta do tributo e constitui o fato jurídico tributário
individualizado, bem como a obrigação tributária principal individualizada e o
crédito tributário individualizado.
Esse ato de entrega dos deveres instrumentais em formato eletrônico,
por meio da NF-e, gera a antecipação do autolançamento tributário, mas de
forma individualizada.
Vimos que o 174 do CTN prescreve que a contagem do prazo
prescricional inicia com a constituição definitiva do crédito tributário. A
informatização fiscal faz com haja uma antecipação do autolançamento, antes de
sua ocorrência, e, desse modo, podemos dizer que haverá uma redução desse
161
prazo em razão dessa ocorrência antecipada do autolançamento tributário
individualizado e do crédito tributário individualizado.
Nesse contexto, podemos defender que o prazo prescricional só se
iniciaria com o autolançamento tributário consolidado. Mas esse entendimento se
aplica aos tributos sujeitos ao princípio da não cumulatividade, em que o crédito
tributário individualizado não representa o valor correto do tributo devido e a
constituição do crédito tributário consolidado, a partir do autolançamento
consolidado, é que reflete o valor do tributo devido.
Portanto, nos tributos não cumulativos, o crédito tributário
consolidado é o crédito tributário definitivo; a partir desse momento, inicia-se a
contagem do prazo prescricional.
Por outro lado, nos tributos cumulativos, a entrega das informações,
de forma antecipada, por meio da NF-e Municipal, é suficiente para constituir
definitivamente o crédito tributário, nos casos em que não houver o pagamento;
portanto, o prazo prescricional se iniciaria no dia seguinte ao da emissão da NF-e
Municipal, ressaltando que, em havendo pagamento, não há qualquer alteração
na contagem dos prazos de decadência e prescrição.
Temos, portanto, que a diferença do prazo prescricional do modelo
atual para o prazo a partir da informatização fiscal pode estar no momento em
que o crédito tributário é constituído; enquanto, no modelo atual, o crédito
tributário é constituído somente a partir do ato de autolançamento, com a entrega
das informações ao Fisco. Na informatização fiscal, o crédito é constituído em
duas etapas: no primeiro momento é constituído de forma individualizada,
mediante a entrega da NF-e, que representa um autolançamento tributário
individualizado, e, no segundo momento, é constituído a partir da entrega do
autolançamento consolidado, em que surge o crédito tributário consolidado ou
completo.
Exemplificando, quando há a emissão de uma NF-e de Serviços, o
contribuinte que prestou o serviço emite a Nota Fiscal Eletrônica para o tomador
162
dos serviços. No momento em que emite para o tomador dos serviços, também
envia uma cópia da nota ao Município. A prestação de serviços é fato evento do
ISS de competência municipal. No ato de entrega da NFS-e, o prestador do
serviço/contribuinte realiza o autolançamento individualizado daquele serviço
específico constante da NFS-e; consequentemente, há a constituição do crédito
tributário individualizado do ISS. Por ser o ISS um imposto cumulativo, essa
constituição pode ser definitiva, tendo em vista que a constituição desse crédito
está completa.
Se o contribuinte entregar a NF-e Municipal e não efetuar o
autolançamento consolidado nem o pagamento, a Fazenda Pública Municipal
pode inscrever o crédito tributário individualizado em dívida ativa diretamente,
considerando sua constituição definitiva, podendo, ainda, iniciar o prazo
prescricional do art. 174, que dispõe que o início do prazo prescricional se dá da
constituição definitiva do crédito tributário.
4.3.2.1 Interrupção do prazo de prescrição
Vimos, acima, que o art. 174, caput, do CTN prescreve o prazo de
prescrição contado da data da sua constituição definitiva. Por outro lado, o
parágrafo único do mesmo artigo traz um rol das hipóteses em que este referido
prazo pode ser interrompido:
Art. 174. […] Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
Interromper significa apagar o prazo já decorrido, reiniciando todo o
seu curso. Após a constituição definitiva do crédito, ocorrendo uma das hipóteses
163
previstas acima, a prescrição fica interrompida, o prazo decorrido perde seu
efeito e reinicia-se a contagem de novo período.
Cabe destacar que este parágrafo único elencou quatro hipóteses de
interrupção distintas, ou seja, o inciso primeiro só se realiza diante de uma ação
de exigibilidade do crédito; o inciso segundo é uma medida judicial que deve ser
proposta antes da ação de execução fiscal; o inciso terceiro trata de um ato
judicial de titularidade da autoridade judiciária, que deve ser proferido em uma
ação de exigibilidade; e, por fim, o inciso quarto trata de um ato particular de
reconhecimento do débito pelo devedor.
Não há alterações nas hipóteses de interrupção do prazo prescricional
com a informatização fiscal no dever instrumental.
4.3.2.2 Suspensão do prazo de prescrição
Ao contrário da interrupção, a suspensão do prazo de prescrição não
volta a contar o período pela sua totalidade, mas pelo restante de tempo que
havia, após a ocorrência do fato que suspendeu a contagem do prazo. A
suspensão tem como objetivo paralisar um prazo em andamento; portanto, apenas
é possível diante de um prazo iniciado e seu efeito dura enquanto permanecer a
causa da suspensiva, ou seja, enquanto o fato que deu origem à suspensão existir,
o lapso temporal ficará suspenso, voltando a correr pelo tempo que restar,
cessada a causa que suspendeu a sua contagem.
As hipóteses de suspensão do prazo prescricional são as mesmas que
suspendem a exigibilidade do crédito tributário já constituído, definidas no art.
151 do CTN: I – a moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as
reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário
administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança;
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial; VI – o parcelamento.
164
A suspensão no curso do prazo prescricional não é a mesma coisa que
suspensão da exigibilidade do crédito tributário.166 Para que se dê a prescrição, é
preciso que o prazo tenha iniciado, mas nem sempre que ocorre uma hipótese de
suspensão da exigibilidade do crédito, o prazo da prescrição já se iniciou. Paulo
de Barros Carvalho167 traz o seguinte exemplo: se o contribuinte for notificado
para pagar um tributo no prazo legal, se ele não o fizer e interpor um recurso
administrativo ou obter uma medida liminar em mandado de segurança, a
exigibilidade do crédito estará suspensa (art. 151, III e IV) e não haverá
contagem para o início do prazo prescricional. Além do mais, o crédito ainda não
foi constituído definitivamente.
Da mesma forma que na interrupção, não há alterações nas hipóteses
de suspensão do prazo prescricional com a informatização fiscal no dever
instrumental.
4.4 Síntese conclusiva
Neste capítulo, vimos que os prazos de decadência e prescrição
impõem limites somente à produção de normas individuais e concretas, não
atacando as normas gerais e abstratas. Desse modo, ocorrida a decadência ou
prescrição do fisco, este não poderá mais produzir norma individual e concreta de
lançamento tributário, no caso da decadência, e estará impedido de efetuar
cobranças do crédito constituído no caso da prescrição.
Com a informatização fiscal no dever instrumental, os prazos de
prescrição e decadência, tanto para o fisco como para o contribuinte, não sofrem
alterações em sua interpretação, quando há o pagamento.
Por outro lado, em não havendo o pagamento, é possível venha a ter
algumas mudanças no início da contagem dos prazos decadenciais e
prescricionais.
166 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 469. 167 Ibid., loc. cit.
165
Na decadência, os prazos são contados a partir do fato jurídico, no
caso do art. 150, § 4º, ou da data em que o lançamento poderia ter sido efetuado,
no caso do art. 173, I, ambos do CTN. Como a informatização fiscal, não
podemos ignorar a antecipação da entrega dos deveres instrumentais ou da
criação de qualquer envio de informações que venham a modificar a forma
anterior. Como ocorre com a obrigatoriedade da Nota NF-e, conforme
demonstrado ao longo deste estudo, o contribuinte encaminha as informações
antes da ocorrência do próprio fato jurídico, constituindo, nesse momento, um
fato jurídico individualizado. Esse fato jurídico pode ser considerado o fato
jurídico previsto no art. 150, § 4.º.
Do mesmo modo, acontece no art. 173, I, quando há a emissão da NF-
e e envio desse arquivo digital para pré-validação; esse envio é uma forma de
autolançamento individualizado daquela operação. Portanto, poderá haver
alteração na contagem do prazo para menos, tendo em vista que a data em que o
autolançamento poderia ter sido efetuada é posterior à data em que o
autolançamento individualizado foi efetuado. Nesses casos podemos considerar
que a data de envio da NF-e é a data do autolançamento individualizado. O prazo
do art. 173, I, deverá ser contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte à
data da emissão da NF-e.
Por fim, no tocante à prescrição, o art. 174 do CTN dispõe que a
Fazenda perde o direito de propor a ação de execução fiscal cinco anos contados
da constituição definitiva do crédito tributário. Aqui, a alteração dos deveres
instrumentais, em virtude do uso obrigatório de mecanismos tecnológicos,
modificou, para cada um dos tributos, de forma diferenciada, o ato de entrega das
informações. Esse ato de entrega foi identificado neste estudo como um
autolançamento tributário individualizado, em especial no caso da NF-e ou de
serviço. O autolançamento tributário individualizado constitui o crédito tributário
individualizado para cada operação.
Cabe, ainda, ressaltar que, se cada NF-e emitida constituir um crédito
tributário, resta saber se essa constituição é definitiva ou não. Se for, haverá a
166
alteração na contagem do prazo prescricional. Se houver a constituição definitiva
do crédito tributário, ainda que de forma individualizada, como ocorre no caso da
NF-e ou de serviço, o prazo poderá ser alterado ou não, de acordo com o caso
concreto.
167
5 OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS NO DEVER INSTRUMENTAL
COM A INFORMATIZAÇÃO FISCAL NA TEORIA DA PROVA
5.1 Nota introdutória
Fixamos a premissa, no capítulo 3, que é pelo cumprimento do dever
instrumental que o crédito tributário é constituído nos tributos sujeitos ao
autolançamento; da mesma forma que é pelo cumprimento do dever instrumental
que o contribuinte pode usufruir de uma isenção ou imunidade, dentre outras
hipóteses. Isso porque os deveres instrumentais consistem em deveres de fazer ou
não fazer, como: prestar declarações, preencher formulários, emitir notas fiscais,
escriturar livros etc. Quando cumpridos, extingue-se a relação jurídica prevista
na Regra-Matriz dos Deveres Instrumentais.
Ou seja, o cumprimento do dever instrumental pelo contribuinte é o
meio de produzir a maioria das provas que constituem os fatos jurídicos
tributários, isso porque os fatos sociais por si só não interessam para o mundo
jurídico, necessitam da linguagem competente e forma prescrita pelo
ordenamento jurídico que juridiciza o fato social, e este passa a constituir a
hipótese de incidência da norma individual e concreta, condicionado ao espaço e
tempo.
De forma mais detalhada, podemos afirmar que o evento é o
acontecimento no mundo fenomênico despido de qualquer relato linguístico, ou
seja, é ocorrência de algo no mundo real que se perde no tempo e no espaço. Para
que evento não se perca, faz-se necessária a linguagem transformando-o em fato,
que é um enunciado denotativo de uma situação, delimitada no tempo e no
espaço, por isso sempre se refere ao passado, algo já ocorrido.
O fato relata em linguagem a ocorrência do evento. Mas, para o
direito, o que interessa é o fato jurídico, que é o relato linguístico do evento
proferido na linguagem competente do direito positivo, dentro de específicas
168
condições de tempo e espaço articulados em consonância com a teoria das
provas, tema a ser estudado neste capítulo.
Portanto, só é fato jurídico porque foi relatado em linguagem jurídica,
tendo, assim, o condão de irradiar os efeitos do direito, através da concretização
de uma situação em linguagem competente pela norma individual e concreta.
Adotamos neste trabalho a corrente filosófica do constructivismo
lógico-semântico168, em que o sujeito interfere na determinação do objeto, onde
as coisas se apresentam na realidade porque têm uma linguagem que as constitui
como tal, e, com base no contexto histórico e social, é possível descrever o objeto
aplicando a pré-compreensão ou compreensão a priori.
O constructivismo tem um método próprio, e é lógico-semântico
porque ele parte da linguagem, estuda o objeto a partir da linguagem.
Dessa forma, no constructivismo lógico-semântico, também chamado
de analítico-hermenêutico, temos a verdade por consenso – ligada ao contexto –,
num determinado tempo histórico, e aqui a linguagem constitui a realidade, sem
a linguagem não conhecemos o objeto.
Seguindo essa premissa, podemos concluir que não existe fato ou fato
jurídico sem linguagem, pois, qualquer que seja o sistema que se examine, só se
ingressa enunciados compostos pela linguagem própria daquele sistema. Assim,
o relato em linguagem de um acontecimento social é um fato social; se vertido
em linguagem jurídica pela teoria da prova, nascerá um fato jurídico.
Nessa linha, o fato jurídico constitui-se em uma representação jurídica
de uma situação intersubjetiva, de um estado de coisas, de uma conduta
praticada. Em sua condição semiótica, o fato jurídico é signo de caráter indicial,
ao trazer para o universo jurídico vetores de espaço e tempo relativos à
ocorrência do evento, em si mesmo inapreensível e somente em parte
representado.
168 MUNOZ, Jacobo. Diccionario Espasa de Filosofía. Madrid: Espasa Calpe, 2003, s.v. constructivismo lógico-semántico.
169
Desse modo, o cumprimento do dever instrumental serve como
instrumento de produção de muitas provas jurídicas, e, com o avanço
tecnológico, a informática tem influenciado na constituição do fato jurídico
tributário, construindo novas realidades jurídicas. Analisaremos se tais avanços
tecnológicos alteraram a produção e meios de prova no dever instrumental.
5.2 Definição do conceito de prova para o direito tributário
Primeiramente, cabe definirmos o que é prova. Por ser um vocábulo
de plurissignificados, é empregada tanto para se referir à atividade probatória
(enunciação), como meio de prova (veículo introdutor), também como resultado
do processo de produção de prova (enunciado) e, até mesmo, como o efeito desse
resultado na convicção do julgador.
Paulo de Barros Carvalho169 destaca que um enunciado factual refere-
se, invariavelmente, a outro enunciado factual. Prova é sempre um fato que atesta
outro fato. Não há prova bastante em si, suficiente em si mesma.
Fabiana Del Padre Tomé170 define a prova como um fato que atesta
outro fato, ou seja, como um enunciado protocolar (fato), utilizado como
instrumento de convicção do julgador.
Para Susy Gomes Hoffmann171, a prova não passa de uma conjectura,
um enunciado que não é verdadeiro, nem falso, sendo passível de refutações e
podendo a elas sobreviver ou não. Enquanto a conjectura resistir às refutações,
permanecerá no ordenamento, ostentando a qualidade de prova jurídica.
A prova, portanto, é uma linguagem escolhida pelo direito, que não
vai apenas dizer que um evento ocorreu, mas atuar na própria construção do fato
jurídico.172
169 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 53. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 824.
170 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 71. 171 HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999, p. 54. 172 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no processo administrativo fiscal. In: SANTI, Eurico Marcos
170
Prova é sempre um fato que atesta outro fato, ou seja, é um enunciado
linguístico de um evento. E é importante para o direito, pois, apesar de ser
considerada um enunciado linguístico descritivo de um evento, a prova prescreve
os fatos, inserindo-os no sistema jurídico.
Sem a prova não há como chegar ao fato jurídico tributário, pois o fato
jurídico tributário é um relato linguístico do evento proferido por uma linguagem
competente do direito positivo, dentro de específicas condições de tempo e
espaço articulado em consonância com a teoria das provas.
A prova tem como objeto os fatos alegados pelas partes, ou seja, os
deveres instrumentais referentes a eventos ocorridos em lapso temporal
necessariamente anterior173; explicando melhor, não são os acontecimentos, mas,
sim, as afirmações.174
Isso significa dizer que o objeto da prova é o que se prova; dessa
forma, ocorrido o evento, e este sendo alegado, o que se prova são as afirmações
relativas a esse evento.
Portanto, a prova refere-se às afirmações relativas aos eventos; se um
fato não for alegado, não haverá como ser provado.
Analisaremos os meios de provas aceitos pelo direito positivo
brasileiro para comprovação do cumprimento do dever instrumental
informatizado e, muitas vezes, para constituição do fato jurídico tributário e se há
mudanças quando o fato é relatado antes da ocorrência do evento, conforme visto
no capítulo 3.
Diniz de (Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 565.
173 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 48. 174 CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. Tradução de Lisa Pary Scarpa. 2. ed. Campinas: Bookseller,
2002, p. 67.
171
5.3 Meios de prova nos deveres instrumentais e possíveis mudanças com a
informatização fiscal
Trataremos dos meios de provas aceitos pelo nosso sistema jurídico
brasileiro e as possíveis alterações e inclusões com a informatização fiscal no
cumprimento do dever instrumental.
Para isso, partimos da premissa que a classificação das provas em
diretas e indiretas, pessoal e real, e testemunhal, documental e material, não deve
ser utilizada, tendo em vista que toda prova é sempre indireta, pessoal e
documental175.
Primeiro porque nunca se tem acesso aos fatos, que são sempre
passado, dado que toda prova é indiciária, pois jamais toca o objeto a que se
refere.176 Segundo, as coisas nada atestam, sempre é o homem quem fala sobre as
coisas e não o contrário, por isso a prova é sempre pessoal. E terceiro, que todas
as provas são documentais, “já que consistem em relato linguístico, aparecendo
veiculado em um suporte físico”177.
Portanto, fixado esse entendimento, passaremos a analisar os meios de
prova admitidos em nosso ordenamento jurídico brasileiro e as possíveis
mudanças com o dever instrumental informatizado.
5.3.1 A presunção e ficção jurídica tributária como meio de prova no
dever instrumental informatizado
As presunções e ficções têm sido usadas no direito tributário como
mecanismos que dificultam a evasão fiscal, além de propiciar uma maior
eficiência na arrecadação de tributos; todavia, devem ser respeitadas as
limitações existentes em nosso ordenamento jurídico.
175 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 113. 176 Ibid., p. 94. 177 Ibid., p. 112.
172
É indispensável identificar os traços característicos que separam a
presunção da ficção jurídica, assim como analisar eventuais limites à utilização
tanto das presunções quanto das ficções, em nosso ordenamento jurídico,
notadamente em matéria tributária. Adentraremos agora nos conceitos de
presunção e ficção jurídica ligadas aos deveres instrumentais informatizados.
5.3.1.1 Presunção jurídica
Arruda Alvim178 traz uma clara definição de presunção de forma
genérica:
[…] presunção, genericamente considerada, constitui-se num processo lógico-jurídico, admitido pelo sistema para provar determinados fatos, através de cujo processo, desde que conhecido um determinado fato, admite-se como verdadeiro outro fato, que é desconhecido, e que é (este último) o inserido no objeto da prova.
De forma ampla, a presunção é admitida pelo sistema do direito
positivo, para se provar que determinado fato ocorreu; aceita como verdadeiro
outro fato desconhecido.
Nesse sentido, Alfredo Augusto Becker179 define presunção como
sendo o “resultado do processo lógico, mediante o qual do fato conhecido, cuja
existência é certa, infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável”.
Em direito tributário, a presunção é o que se chama de prova indireta,
ou seja, é uma indicativa do fato diverso, que, por meio de uma operação mental,
permite chegar ao objeto da prova, enquanto a prova direta é aquela que se refere
ao fato que se pretende provar180.
A regulamentação de fatos aptos a serem comprovados de forma
indireta torna o direito plenamente eficaz, de forma que não há como ignorar que,
se a segurança jurídica não admitisse as presunções, dificultaria a proteção dos
178 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 2000, p. 399. 179 Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 400. 180 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 81.
173
direitos daqueles que os detêm, mas que são prejudicados pela simulação, fraude
e dolo.
Desse modo, as presunções têm como objetivo suprir deficiências
probatórias, colaborando para a eficácia arrecadatória, nas hipóteses em que a
prova direta é impossível ou muito difícil de ser produzida.
Na discutida classificação das presunções hominis ou legais, Arruda
Alvim181 destaca que
As presunções, quanto à sua divisão, tendo em vista a origem, dizem-se presunções simples (comuns ou de homens) e presunções legais (ou de direito) […] Diz-se que as primeiras são aquelas decorrentes do raciocínio comum do homem, em considerar verdadeiro um fato, por inferência de outro fato. As legais, conquanto o raciocínio seja o mesmo, são aquelas decorrentes de criação legal, e por isso o próprio raciocínio está traçado na lei.
Portanto, a (i) presunção hominis ou simples é construída pelo
aplicador do direito, segundo sua própria convicção. É a relação que se
estabelece em decorrência do fato presuntivo que se apresenta deonticamente
modalizado pela permissão, ou seja, provado o fato indiciário, está o aplicador
autorizado a concluir (presumir) acerca da ocorrência ou não do fato probando,
constituído o fato presumido; enquanto a (ii) presunção legal ou legis também é
elaborada por um ser humano, porém é expressamente determinada em lei.
Provado o fato indiciário, a conduta acerca do fato presumido é imposta.
Partimos do entendimento que tal classificação não se mostra a mais
apropriada, como anota Maria Rita Ferragut182, toda presunção é legal:
[…] a presunção hominis, muito embora pressuponha uma relação lógica realizada pelo aplicador do direito a partir de regras da experiência, só se torna juridicamente relevante a partir do momento em que for vertida em linguagem competente, vale dizer, quando o aplicador expedir enunciado individual e concreto que contemple essa operação.
181 Manual de direito processual civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 2000, p. 399. 182 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 65.
174
Além disso, tanto a presunção hominis como a legal estão prescritas
no nosso ordenamento jurídico, no art. 131 do CPC, que prescreve a adoção da
presunção hominis, ao autorizar ao julgador a livre apreciação da prova, com
base nela formando o seu convencimento, e no art. 335 do CPC, que
expressamente autoriza ao juiz que aplique as regras de experiência comum.
Ainda dentro de presunções legais, estas são subdivididas em três
tipos: (i) absolutas ou jure et de jure, em que não se admite prova em contrário;
(ii) relativas ou juris tantum, podendo ser derrubadas pela comprovação de que o
fato ocorrido é diverso do presumido; e (iii) mistas ou intermediárias, em que a
lei determina que somente alguns específicos meios de provas são capazes de a
elas se sobrepor. Partimos do raciocínio de que as presunções absolutas não são
presunções, pois, ao inadmitir prova em contrário, caracterizam-se como uma
disposição legal. Nesse ponto, esclarece Maria Rita Ferragut183, que desqualifica
como espécie de presunção o fato jurídico que deveria ser meramente processual,
transformando-se em fato jurídico material, deixando a presunção, com isso, de
contemplar uma probabilidade, para veicular uma verdade jurídica necessária.
Isso sem mencionar que,
[…] se a ocorrência do fato indiciário implica necessariamente a verdade do fato indiciado, os efeitos jurídicos deste derivam automaticamente da constatação (em linguagem competente) da ocorrência dos indícios, independentemente da verdade empírica do evento descrito no fato implicado.
A presunção mista também não se acha apropriada, por inexistir uma
categoria lógica que medeie o absoluto e o relativo184.
Dessa forma, será considerado presunção, na lição de Paulo de Barros
Carvalho185, o “resultado lógico, mediante o qual do fato conhecido, cuja
existência é certa, infere-se o fato desconhecido ou duvidoso, cuja existência é,
simplesmente, provável”.
183 Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 64. 184 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 136. 185 A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo, n. 34, jul. 1998, p. 109.
175
Para Maria Rita Ferragut186, a presunção tem mais de uma definição:
trata-se de uma proposição prescritiva, relação e fato. Segundo a autora, as
acepções caminham juntas e são indissociáveis, e explica que,
[…] como proposição prescritiva, a presunção é norma jurídica deonticamente incompleta (norma lato sensu), de natureza probatória que, a partir da comprovação do fato diretamente provado (fato indiciário, fato diretamente conhecido, fato implicante), implica juridicamente o fato indiretamente provado (fato indiciado, fato indiretamente conhecido, fato implicado). Constitui com isto uma relação, vínculo jurídico que se estabelece entre o fato indiciário e o aplicador da norma, conferindo-lhe o dever e o direito de constituir indiretamente um fato. Já como fato, presunção é o consequente da proposição (conteúdo do consequente do enunciado prescritivo), que relata um evento de ocorrência fenomênica provável e passível de ser refutado mediante apresentação de provas contrárias. É prova indireta, detentora de referência objetiva, localizada em tempo histórico e espaço social definidos.
Por fim, defende a autora que a presunção nada presume
juridicamente, ou seja, a presunção prescreve o reconhecimento jurídico de um
fato provado de forma indireta.
As presunções não dispensam a tipificação e a prova; pelo contrário,
em direito tributário, o fisco não pode presumir sem fazer prova do próprio fato
presumido, isso porque, na qualidade de linguagem competente, o enunciado
probatório é sempre imprescindível no âmbito das realidades jurídicas, o que
inclui os fatos presumidos.
É fundamental que sejam respeitados os limites constitucionais,
garantindo ao contribuinte, em todas as hipóteses, o contraditório e a ampla
defesa.
Portanto, a presunção é considerada um meio de prova indireta, pois, a
partir de um fato provado, chega-se dedutivamente ao fato principal, que se
deseja demonstrar.
Assim, a fenomenologia da presunção tributária ocorre quando um
evento é relatado em linguagem, formando um fato; a partir desse fato, cuja 186 Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 63.
176
existência é certa, chega-se dedutivamente, mediante resultado lógico, ao fato
principal, que se deseja demonstrar.
Portanto, como o objetivo da presunção é suprir a deficiência
probatória, nos casos em que o Fisco está impossibilitado de provar certos fatos,
garantir eficácia à arrecadação e preservar a estabilidade social, entendemos que
as presunções reconhecidas pelo direito a fim de que se constitua o fato jurídico
tributário são apenas a presunção legal relativa, pois esta, sim, admite provas em
contrário, ou seja, pode ser derrubada pela comprovação de que o fato ocorrido é
diverso do presumido. São validamente utilizadas no direito tributário, uma vez
que possibilitam o exercício da ampla defesa, com todos os meios e recursos a
ela inerentes, o que inclui a produção probatória objetivando desconstituir o fato
presuntivo.
Diferentemente da presunção, a ficção tem diferenças tênues, mas
relevantes para fins jurídicos, uma vez que tem regimes normativos diversos,
conforme veremos no próximo item.
5.3.1.2 Ficção jurídica
Tércio Sampaio187 define ficção como
[…] uma “desnaturação” do real. Ela intervém após uma primeira qualificação de uma situação de fato dada e percebida como essencialmente diferente. Determina-se, então, que, voluntária e conscientemente, certas consequências sejam deduzidas de uma situação da qual, de princípio, não seriam dedutíveis. Seu fundamento, portanto, é uma dessemelhança e um juízo prévio de diferença, a partir do que se procede a uma igualação […] mas um tratamento impositivo de uma desigualdade como se igual fosse.
Segundo o autor, a norma pode empregar conceitos que se definem
pelo real ou pode prescrever mediante ficções jurídicas; neste caso, a lei ou o juiz
187 Equiparação - CTN, art. 151. Cadernos de direito tributário e finanças públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 7, v. 28, jul.-set. 1999, p. 14.
177
atribui determinadas consequências a alguns eventos nela previstos, ainda que
contrários à realidade.
A ficção jurídica são regras de direito material que criam sua própria
realidade, dão vida ao inexistente. Criam uma verdade legal contrária à verdade
natural, fenomênica188.
As ficções são atos de fala; para que um ato ficcional ocorra, é
necessário que seja proferido através de uma força ilocucionária competente.
Nesse sentido, Cristiano Carvalho189, em obra sobre o tema, define o
que seja ficção jurídica:
[…] a ficção jurídica é um ato de fala, que propositadamente não vincula algum aspecto da regra à realidade jurídica, à realidade institucional ou à realidade objetiva, de modo a assim poder gerar efeitos que não seriam possíveis de outra forma. A ficção jurídica é, portanto, uma desvinculação normativa entre o real e o Direito.
Luciano Amaro190 define ficção utilizando-se de dois critérios:
a) o que enuncia; e b) a correspondência entre o dito e a realidade:
[…] ficção jurídica (ou melhor, ficção no plano jurídico) é de utilização privativa pelo legislador. Por meio dessa técnica, a lei atribui a certo fato características que, sabidamente, não são reais. Por isso, generalizou-se a afirmativa de ser a ficção uma mentira legal, ou uma verdade apenas legal, sem correspondência com a realidade.
Por sua vez, Ângela Maria Pacheco191, ao estabelecer a diferença entre
presunção e ficção no plano do conteúdo das normas, afirma que
[…] a ficção é norma jurídica geral e abstrata, material; a presunção insere-se no âmbito processual das provas, refere-se à norma individual e concreta, na fase de aplicação. […] A ficção são normas jurídicas substantivas gerais e abstratas, qualificadoras de suportes fáticos, que, sabe o legislador, diferem de outros suportes fáticos integrantes de hipóteses normativas válidas no sistema.
188 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 51. 189 Ficções jurídicas no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 222-223. 190 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 274. 191 Ficções tributárias: identificação e controle. São Paulo: Noeses, 2009, p. 259.
178
É de extrema relevância que os valores garantidos pelo uso das ficções
estejam de acordo com a ordem jurídica constitucional vigente para se tê-las
como válidas192.
Cabe destacar, ainda, que as ficções estão limitadas a várias normas
constitucionais, dentre as quais assegurar o contraditório e a ampla defesa, e sua
aplicabilidade está afastada em matérias que criem direitos e obrigações
tributárias principais. Maria Rita Ferragut193 afirma, ainda, que
[…] a única possibilidade de ‘utilização da ficção’ que vislumbramos seria se os fatos descritores de eventos diretamente conhecidos (antecedente) estivessem dentro da competência tributária, como, por exemplo, a regra que previsse que o ganho de capital pressuporia a existência e salários, sujeitos a incidência do Imposto sobre a Renda. Ocorre que, nesse caso, a subsunção ocorreria com o conceito do próprio fato descrito diretamente conhecido (ganho de capital), sendo completamente irrelevante, para os fins da obrigação tributária (obrigação de pagar Imposto sobre a Renda), o fato previsto na consequência da regra de ficção (salário). Portanto, não se trataria, a rigor, de utilização de ficção jurídica para o desencadeamento da obrigação.
O fato de a ficção criar uma nova realidade jurídica torna de extrema
importância a observância dos valores garantidos pelo texto constitucional, como
tipicidade, capacidade contributiva, não confisco, etc.; do contrário, não poderá
tê-las como válida.
Conclui-se que presunção e ficção são institutos com regime jurídico
diverso; nada se presume na ficção e vice-versa. O que há em comum entre
ambas é tão somente que uma e outra são técnicas prescritivas que têm por
objetivo modificar a realidade diretamente conhecida194. Por outro lado, os
critérios distintivos desses mecanismos jurídicos são diversos: Alfredo Augusto
Becker195 afirma a existência radical entre presunção legal e ficção legal:
A presunção tem por ponto de partida a verdade de um fato: de um fato conhecido se infere outro desconhecido. A ficção,
192 HART, Florence. Teoria e prática das presunções no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2010, p. 257.
193 Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 88. 194 Ibid., p. 157-158. 195 Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 539.
179
todavia, nasce de uma falsidade. Na ficção, a lei estabelece com verdadeiro um fato que provavelmente (ou com toda a certeza) falso. Na presunção, a lei estabelece como verdadeiro um fato que é provavelmente verdadeiro. A verdade jurídica imposta pela lei, quando se baseia numa provável (ou certa) falsidade é ficção legal, quando se fundamenta numa provável veracidade é presunção legal.
No mesmo sentido, Florence Haret196 tenta demonstrar a diferença
entre os dois institutos, relacionando-os a uma novela e um conto. E demonstra
que, da mesma forma que a novela busca reproduzir histórias da vida real, a
presunção exige a verossimilhança com o real. Enquanto o conto explora o
campo do imaginário, do inexistente, com fadas, unicórnios, gnomos, etc. e dá
vida a ele, a ficção, da mesma forma que os contos, não tem nada a ver com o
real, formula-se a norma associando-a a algo como se fosse outro, sem
vinculação com o real, e é por isso que não são admitidas para fins de criar
obrigações tributárias. Caso assim fosse, violaria vários direitos subjetivos do
contribuinte, dentre eles confisco, capacidade contributiva, tipicidade tributária.
Desse modo, resta clara a distinção entre presunção e ficção, tanto na
forma de construção do enunciado de fato (a primeira pela similitude essencial, e
a segunda pela semelhança secundária) como também no regime jurídico.
Portanto, verifica-se que as ficções jurídicas têm o mesmo regime
jurídico das presunções legais absolutas, trata-se de um enunciado normativo que
constrói o próprio fato jurídico, independentemente de relações de causa e efeito;
já a presunção absoluta, a relação causal e sua consequência estão previstas na
lei. Dessa forma, também não é admitida sua utilização na constituição do fato
jurídico tributário.
Vários doutrinadores197 defendem a não aplicação da ficção e
presunção absoluta no sistema jurídico brasileiro, por falta de fundamento
jurídico.
196 Teoria e prática das presunções no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2010, p. 257-258. 197 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 158; BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência.
180
Somente são admitidas como meio de prova no direito tributário
brasileiro as presunções relativas, desde que observados o contraditório e a ampla
defesa, e demais princípios constitucionais prescritos.
Com a informatização fiscal no cumprimento dos deveres
instrumentais, as presunções relativas são as únicas aceitas pelo direito positivo,
conforme visto acima, e terão mais força, tendo em vista que o fisco têm nas
mãos todas as informações prestadas pelos contribuintes de forma on-line, antes
mesmo da ocorrência do evento tributário em alguns casos já vistos acima (envio
da NF-e para pré-validação). Os fatos jurídicos que não vierem a serem
constituídos nos termos das informações prestadas serão suficientes para o fisco
constituí-los através do lançamento tributário, sem precisar presumir ou inventar
(ficção) os fatos. As chances de sonegação fiscal diminuirão cada vez mais, da
mesma forma que o lançamento por arbitramento.
Portanto, as ficções jurídicas e as presunções relativas não aceitas pelo
nosso ordenamento jurídico brasileiro, mas, muitas vezes, ainda utilizadas pelo
fisco, cairão em desuso, tento em vista que as informações prestadas pelos
contribuintes, que são provas indiretas, pessoais e documentais, são armazenadas
no banco de dados do fisco, e terão condições autuar o contribuinte que deixar de
constituir o crédito tributário ou constituí-lo de forma irregular, através da
presunção relativa.
Tudo isso porque, com a informatização fiscal, o contribuinte passa a
informar ao fisco de forma on-line o cumprimento do dever instrumental,
antecipando evento tributário, como no caso da pré-validação da NF-e para
circulação da mercadoria.
Por outro lado, se o contribuinte informar ao fisco um futuro fato
jurídico tributário e o mesmo não ocorrer e se esquecer de dar baixa da NF-e
enviada, poderá sofrer uma autuação fiscal, pois, para o fisco, aquele fato
informado ocorreu. Mas, mesmo nesta hipótese, a autuação não estará baseada
São Paulo: Dialética, 2001, p. 143; TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 162.
181
em uma ficção, mas, sim, em uma presunção relativa, pois o fisco tem nas mãos
as informações prestadas pelo próprio contribuinte.
5.3.2 Confissão como meio de prova no dever instrumental informatizado
Nos termos do art. 348 do CPC, a confissão é o termo de declaração
voluntária em que o indivíduo admite como verdadeiro um fato que lhe é
considerado prejudicial, alegado pelo Fisco (parte diversa). Nesse sentido, o
preenchimento das informações digitais, no cumprimento do dever instrumental
informatizado, é uma confissão?
Em direito tributário, uma confissão constitui o fato jurídico tributário,
emitindo a correspondente norma individual e concreta, nas hipóteses de tributo
sujeito ao lançamento por homologação. Já na hipótese de lançamento de ofício,
a confissão, com outras provas produzidas, também constitui o crédito tributário.
Nos casos de parcelamento, a figura da confissão constitui o crédito tributário.
Susy Gomes Hoffmann198 considera que a confissão por parte do
sujeito passivo deve ser vista com restrições, pois a obrigação tributária, perante
o princípio da legalidade, decorre exclusivamente de lei, e não de ato de vontade
das partes, de modo que, mesmo que o sujeito passivo confesse em algum
momento do processo a ocorrência do fato jurídico tributário na forma enunciada
no lançamento tributário e depois se provar que aquele fato não ocorreu, aquela
confissão não terá força para constituir a obrigação.
Nesse sentido, há entendimento jurisprudencial entendendo que a
confissão não impede que a dívida seja contestada posteriormente:
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA INSTITUÍDA PELA MUNICIPALIDADE POR EDITAL, COM SUPORTE EXCLUSIVO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL QUE CONTÉM DISPOSIÇÕES GENÉRICAS ACERCA DO TRIBUTO. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. CÁLCULO DO LANÇAMENTO
198 HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999, p. 210.
182
EFETUADO COM BASE APENAS NA TESTADA DOS IMÓVEIS DIRETAMENTE ALCANÇADOS PELA OBRA E NÃO NA SUA VALORIZAÇÃO. CONFISSÃO DA DÍVIDA QUE NÃO IMPEDE A CONTESTAÇÃO JUDICIAL QUANTO AOS ASPECTOS LEGAIS DO TRIBUTO. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO DOS ARTS. 81 E 82 DO CTN PELA EC N. 23/1983 DA CF/1967. ILEGALIDADE MANIFESTA DO TRIBUTO. INEXIGIBILIDADE. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO MANTIDA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 11.960/2009. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO NÃO PROVIDO. O fato gerador da Contribuição de Melhoria é o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas afetadas direta ou indiretamente pela obra pública. “A instituição de contribuição de melhoria está condicionada à prévia edição de norma legislativa. O fato do Código Tributário Municipal fazer remissão genérica às normas fixadas no artigo 82 do CTN, não supre os requisitos nele expressamente exigidos”(Apelação Cível em Mandado de Segurança n. , rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 17.05.2001). ‘É ilegal exigir a contribuição de melhoria decorrente da reurbanização de via pública utilizando como base de cálculo o custo do empreendimento distribuído exclusivamente na proporção da testada dos imóveis diretamente alcançados pela obra (Apelação Cível n. , de Balneário Camboriú, rel. Des. Newton Janke, j. 28.07.2009)’ (AC n. de São Bento do Sul, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, DJE 11-10-2011)” (Apelação Cível n. , de Rio Negrinho, relator Des. Jorge Luiz de Borba, j. 25.6.2012). As alterações trazidas na Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009 – que uniformizou a atualização monetária e os juros incidentes sobre todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública – possui aplicabilidade imediata, inclusive em relação àquelas demandas ajuizadas anteriormente à edição da novel legislação. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. , da comarca de Timbó (2ª Vara Cível), em que é apelante Município de Timbó. Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, reformar em parte a sentença tão somente para redefinir os consectários decorrentes da mora, nos termos da Lei n. 11.960/2009. Custas legais. (TJ-SC – AC: 20130393974 SC 2013.039397-4 (Acórdão), Relator: Gaspar Rubick, Data de Julgamento: 29/07/2013, Primeira Câmara de Direito Público Julgado)
Assim, vemos que nenhuma confissão tem como prerrogativa impedir
que se discuta sobre a existência do crédito tributário, uma vez que este nasce
com a ocorrência do fato jurídico previsto na norma geral e abstrata, não
podendo tal situação ser alterada pela vontade do sujeito passivo.
183
É o que acontece no caso do parcelamento: uma vez confessada a
dívida e aderido ao parcelamento, o contribuinte pode, posteriormente, entrar
com medida judicial cabível para discutir a referida dívida.
Entretanto, enquanto não contestada pelo contribuinte, mediante a
produção de provas, a confissão permanece no ordenamento jurídico com força
probatória relativamente aos fatos que reconhece como verdadeiros.
Nesses termos, a confissão é o veículo introdutor do fato no
ordenamento jurídico, nos casos de lançamento por homologação. Nas hipóteses
de lançamento de ofício, é necessário que o Fisco efetue o lançamento com base
não só no termo de confissão, como também nas demais provas apuradas,
ressaltando que não é irretratável.
Fabiana Del Padre Tomé199 destaca que a confissão, assim como
qualquer outro meio de prova, não é plena, nem irretratável, deve ser analisada
pelo julgador, junto com outras provas produzidas pelas partes, antes de
determinar o fato jurídico, ou ilícito tributário, modificativo ou extintivo.
Além disso, a confissão pode ser anulada pelo julgador nos casos de
erro, dolo ou coação.
Desse modo, podemos afirmar que o preenchimento das informações
digitais pelo sujeito passivo no cumprimento do dever instrumental pode ser vista
como uma confissão, uma vez que constitui o fato jurídico tributário nos tributos,
sujeito ao autolançamento e, nas demais modalidades, serve de fundamento para
o fisco lançar de ofício com outras provas colhidas. Mas isso não significa que
tais confissões não possam ser contestadas, conforme visto acima, porque, por
mais que as informações tenham sido prestadas pelo contribuinte, o sistema
digital muitas vezes o engessa, fazendo com que ele preencha algo diverso do
fato ocorrido, por não ter outra opção no preenchimento. Ou seja, por se tratar de
sistema digital, há casos em que o evento tributário não se amolda em nenhuma
das hipóteses discriminadas no sistema digital do fisco; com isso, o contribuinte
199 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 125.
184
tem que preencher dados diversos do evento tributário e, posteriormente, discutir
o que foi confessado.
Portanto, a figura da confissão está bem presente nas novas técnicas
de cumprimento do dever instrumental, e o contribuinte deve estar atento.
5.3.3 Prova ilícita como meio de prova no dever instrumental
informatizado
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LIX, não
reconhece as provas obtidas ilicitamente. Portanto, a ilicitude não é um
qualificativo da prova, mas do meio pelo qual foi produzida ou do modo de sua
utilização.
A proibição da prova obtida ilicitamente resguarda o princípio da
segurança jurídica. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro, ao proibir a
utilização de provas obtidas ilicitamente, impede que os elementos probatórios
assim produzidos passem por aquele filtro, adentrando no sistema do direito
posto. Essa vedação abrange não só os processos judiciais, como os processos
administrativos.
Em direito tributário, a constituição do fato jurídico tributário
(incluindo os fatos em geral) encontra seus limites traçados pelo próprio
ordenamento, que não permite que, em nome da pretensão de provar
determinados fatos, se violem direitos assegurados. Assim, as normas
infraconstitucionais, ao regularem a produção probatória, rejeitam aquelas
modalidades de composição de provas que, de alguma forma, possam
comprometer direitos relacionados com a liberdade e individualidade dos
sujeitos.
O respeito à segurança jurídica e aos demais direitos individuais,
constitucionalmente garantidos impõe limites ao conhecimento humano
185
juridicamente relevante, evidenciando a dualidade entre o mundo do ser e do
dever ser, entre o sistema social e o jurídico.
Portanto, nem sempre é inadmissível, exceto com autorização judicial
em determinados casos, o Fisco utilizar de provas ilícitas para trazer ao mundo
do dever-ser o evento ocorrido no mundo do ser, formalizando o fato jurídico
tributário.
Desse modo, as provas adquiridas de forma ilícita não são meios de
provar o cumprimento do dever instrumental informatizado e consequente
constituição do crédito tributário.
5.3.5 Prova eletrônica como meio de prova no dever instrumental
informatizado
Fixamos o entendimento que os deveres instrumentais consistem em
deveres de fazer ou não fazer, por exemplo, prestar declarações, preencher
formulários, emitir notas fiscais, escriturar livros etc. Quando cumpridos,
extingue-se a relação jurídica prevista na Regra-Matriz dos Deveres
Instrumentais ou impede-se que a regra-matriz nasça nos casos de imunidade e
isenção. Em não sendo cumpridos, será imposta multa200.
O cumprimento dos deveres instrumentais pelo sujeito passivo é a
forma de produzir a maioria das provas que constituem os fatos jurídicos
tributários.
Nesse contexto, “a prova documental, que nada mais é que um suporte
físico de enunciado que seja reconhecido pelo direito, tanto no que diz respeito
ao conteúdo como ao modo de sua formação”201, sempre ocupou lugar de
destaque nos processos administrativos fiscais, pois é por meio desses
documentos que se tratam de um conjunto sígnico cujo o objetivo é representar o
200 MARICATO, Andréia Fogaça. Dever instrumental: regra matriz e sanção. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 189.
201 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 131.
186
fato passado, que, para irradiarem seus efeitos no ordenamento jurídico, precisam
ser produzidos com observância das regras prescritas pelo sistema.
Com isso, o cumprimento do dever instrumental pelo contribuinte
nada mais é que a produção de prova para constituição ou não do crédito
tributário, o cumprimento de certas formalidades impostas pelo ordenamento
jurídico, que devem ser guardadas até que ocorra a decadência ou prescrição dos
créditos tributários procedentes das operações a que se refiram.
Com o avanço tecnológico, a informática tem influenciado na
constituição do fato jurídico tributário, através da informatização do dever
instrumental; com isso, os documentos eletrônicos e os arquivos digitais, que
substituíram o suporte de papel pelo suporte óptico ou magnético e vêm sendo
implantados e exigidos dos contribuintes, se tornarão verdadeiros instrumentos
de produção de provas jurídicas, surgindo, assim, a chamada prova eletrônica.
Mary Elbe Queiroz202 define documento eletrônico como
[…] uma sequência ou cadeia de bits criada por um programa de computador, sem vinculação necessária com qualquer meio físico, com função idêntica ao documento tradicional: registrar ou representar um pensamento, fixando-se de modo permanente e idôneo.
Fabiana Del Padre Tomé203 destaca que os chamados documentos
eletrônicos, ora implantados em nosso ordenamento jurídico pela informatização
fiscal, em especial no dever instrumental informatizado tema de estudo, têm,
como problema, não sua caracterização do documento em si, mas a garantia da
fidelidade; mas esse problema não envolve apenas os documentos eletrônicos,
mas, sim, todos os documentos que correm o risco de serem falsificados.
Destaca, ainda, a autora que, no âmbito da informática, há meios de controle
rígidos e confiáveis, como é o caso da assinatura eletrônica e digital, que
permitem a identificação do contribuinte, de forma eficaz e segura.
202 A prova em meio eletrônico. Mesa de debates “A” do XVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 87, p. 30-39, 2003, p. 32-33.
203 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 132.
187
Em decorrência da informatização fiscal, não há como escapar da
utilização de arquivos magnéticos como prova tributária; o que deve ser feito é
tomar precauções para assegurar a integridade desse documento eletrônico.
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho204 leciona: “para que o
documento seja eficaz como meio de prova é indispensável que haja sido
subscrito pelo autor; além de que, naturalmente, assuma foros de autenticidade”.
Portanto, a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova
tributária é possível, pois, em pouco tempo, serão as únicas formas de produção
de prova em direito tributário; todavia, devem ser tomadas medidas
acautelatórias que impeçam qualquer falsificação de conteúdo e autoria.
Nesse sentido, a Lei 6.374/1991 do Estado de São Paulo, em seu art.
79, já regula o procedimento de produção de documentos virtuais, a fim de fazer
valer no universo jurídico a utilização desses recursos tecnológicos.
Artigo 79. Tratando-se de programa e arquivo magnético, residentes ou não no equipamento eletrônico de processamento de dados, a seleção e eventual cópia deles, para fins de procedimento fiscal, bem como eventual declaração que anteceder essas atividades, far-se-ão na presença do titular do estabelecimento ou seu preposto e/ou diante de testemunhas qualificadas. (Redação dada ao parágrafo pela Lei 10.619/2000, de 19.07.2000; DOE 20.07.2000)
Em paralelo, o Decreto 46.674/2002 do Estado de São Paulo, em seu
art. 72, estabelece as provas realizadas por meio de documentos eletrônicos:
Art. 72. A transcrição de documento eletrônico apresentada à guisa de instrução do auto de infração terá o mesmo valor probante do documento eletrônico original, desde que, cumulativamente: I – seu conteúdo reflita com exatidão os dados que constituem o respectivo arquivo eletrônico; II – o fisco tenha executado procedimentos técnicos tendentes a assegurar a integridade da informação digital contida no arquivo eletrônico.
204 A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 34, jul. 1998, p. 109.
188
Portanto, no Estado de São Paulo, já se verifica a possibilidade de
produção de provas por documentos eletrônicos no processo administrativo fiscal
estadual.
A informatização fiscal no dever instrumental é tema ainda é recente,
e falta regulamentação em muitos casos, causando dúvidas na utilização das
provas eletrônicas, pois o controle das provas fica nas mãos do poder público, e,
como o contribuinte não participa desse sistema que viabiliza o cruzamento de
informações, ele também não consegue usar os dados para contraprovar ou
mesmo para provar algum fato alegado.
Nosso sistema jurídico atual não tem nenhuma previsão legal de
acesso do contribuinte direto ao sistema de consulta da Fazenda, que não tem
direito a um extrato dos seus dados; desse modo, o contribuinte deve manter
armazenados os arquivos digitais em seu sistema próprio ou contratar um sistema
de armazenamento de dados durante o período que ele entender conveniente, ou
melhor, o maior período que puder, observados prazos de prescrição e
decadência, já analisados no capítulo anterior.
Portanto, ao cumprir os deveres instrumentais, ele alimenta o sistema
eletrônico, produzindo as provas necessárias para que o crédito tributário seja
constituído. E precisa armazenar por conta própria durante o período necessário o
arquivo digital enviado para o Fisco, uma vez que não possui acesso a este
sistema.
Mas isso não significa que essas provas guardadas pelo contribuinte
não tenham valor, pois, mesmo não tendo acesso ao sistema fiscal, ele tem a
contraprova da aceitação do Fisco, ao lhe enviar os dados. Ou seja, esses dados
digitais são considerados prova aceita pelo Fisco, visto que há sua validação em
alguns casos, e podem facilitar o ingresso com a ação de repetição do indébito ou
qualquer outra ação.
Podemos afirmar que toda essa tecnologia digital que vem sendo
implantada não altera o valor da produção de prova que hoje é feita nem o faz se
189
perder; o que ocorre é que pode haver menor índice de aplicação das presunções
quando do cumprimento dos deveres instrumentais informatizado.
Analisaremos, em seguida, a questão da prova emprestada e qual é o
seu limite de utilização por outros entes fiscais.
5.3.6 Prova emprestada como meio de prova no dever instrumental
informatizado: até que ponto a prova eletrônica emprestada pode
servir como cumprimento do dever instrumental e constituição do
crédito tributário
A chamada prova emprestada é defina como “aquela produzida num
processo para nele gerar efeitos, sendo depois transportada documentalmente
para outro, visando a gerar efeitos em processo distinto”.205
Em direito processual, a prova emprestada, produzida em um
processo, pode ser utilizada em outro processo distinto, desde que envolva as
mesmas partes, e, mesmo assim, cabe ao julgador apreciá-la como uma prova
documental, livre para valorá-la206.
Fabiana Del Padre Tomé207 destaca que a prova emprestada em direito
tributário tem duas acepções:
(i) aquela inerente ao direito processual civil, consistente na construção de uma nova prova, idêntica à já produzida em outro processo envolvendo as mesmas partes, como referido no subitem precedente; e (ii) as informações fornecidas por qualquer das Fazendas Públicas, obtidas por meio de procedimentos fiscalizatórios por elas realizados.
Nos termos do art. 199, caput, do CTN, podemos notar que, em direito
tributário, utiliza-se a segunda acepção para a chamada prova emprestada
A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a
205 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. São Paulo: Forense Universitária, 1996, p. 62. 206 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 138. 207 Ibid., loc. cit.
190
fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Com base nesse artigo, a Fazenda Pública de um ente federativo pode
se utilizar de informações advindas de outros órgãos ou entes federativos para
constituir a prova do fato jurídico tributário de sua competência. Ou seja, não há
problema nas chamadas provas emprestadas tributárias entre a União, Estado,
Distrito Federal e Municípios, tendo em vista o cruzamento de informações que
se dá quando da ocorrência do evento tributário, desde que com a devida
regulamentação legal, nos termos do artigo.
O compartilhamento de informações entre os entes políticos contribui
para o aperfeiçoamento da fiscalização tributária, permitindo não apenas maior
arrecadação fiscal, como também maior efetivo combate à sonegação fiscal e aos
crimes contra a ordem tributária.
Por outro lado, quando a informação ou prova emprestada vem de
outro órgão fazendário, discute-se a possibilidade de servir por si só como prova
do fato jurídico tributário ou ilícito tributário.
Paulo de Barros Carvalho208 e Fabiana Del Padre Tomé209 defendem
que a prova emprestada no âmbito do direito tributário não é suficiente para
provar o fato jurídico ou ilícito tributário, de forma a autorizar o ente fazendário
a produzir a lavratura do auto de lançamento ou de aplicação de penalidade.
Entendem ser inadmissível a produção de norma individual e concreta pelo ente
político, de relação jurídica tributária ou sancionatória, baseada unicamente em
informações de outros entes tributantes.
Além desses autores acima citados, vários outros defendem a não
utilização da prova emprestada como único fundamento para o lançamento
tributário, pois fere o princípio da segurança jurídica e da tipicidade fechada;
208 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 536. 209 A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 139.
191
deve ser utilizada apenas como base para uma análise mais aprofundada do
referido fato.
Data maxima venia, descordamos em partes desse posicionamento,
pois a própria Constituição Federal, em seu art. 37, XXII, autoriza a utilização da
prova emprestada, com a integralização entre as Administrações tributárias e o
compartilhamento de cadastros e informações fiscais, portanto essa troca de
informações surtirá efeitos em sede de fiscalização e imposição fiscal.
Defendemos que a prova eletrônica precisa ser analisada com cautela,
para assegurar uma integralidade da informação digital e de autoria; a prova
emprestada também goza de presunção relativa, assim como todas as provas
documentais em direito admitidas. Todavia, uma vez comprovada que a forma
emprestada goza de total veracidade, assegurado o seu conteúdo e autoria em um
processo administrativo federal fiscal, entendemos que essa prova pode, sim, ser
utilizada pelo ente estadual como base para produção da norma individual e
concreta do lançamento tributário, assim como da sanção tributária.
A permuta de informações entre as Administrações Tributárias
(Federal, Estadual e Municipal) tem fundamento no art. 199 do Código
Tributário Nacional, normalmente mediante a assinatura de protocolo específico
para essa finalidade. Esse é o caso, por exemplo, do fornecimento de informações
da RFB para a SEFAZ/SP, que possibilita o cruzamento de dados fornecidos nas
declarações de imposto de renda dos contribuintes para fundamentar autuações
pelo não recolhimento do ITCMD. Contudo, esses protocolos não são
publicados, o que importa dizer que essa matéria não tem disciplina acessível ao
público, aqui está o grande problema, falta regulamentação correta.
Nesse exemplo, podemos notar que o ente Estadual utilizará da prova
emprestada, “declaração do imposto sobre a renda”, por exemplo, e autuará o
donatário ou o doador quanto ao pagamento do ITCMD, claro que respeitado o
devido processo legal.
192
Antes, o Estado tinha de notificar (o contribuinte) para saber se o
valor declarado no IR era mesmo uma doação. Com o cruzamento de
informações, a fiscalização ficou mais fácil, e, caso fique constatado que o
contribuinte deixou de recolher o imposto, o Estado enviará uma notificação
cobrando-o com multa e juros.
Outro exemplo de prova emprestada em direito tributário, mas que já
vem sendo derrubada pelo STJ, pois não se enquadra no art. 199 do CTN, por
não ser tratar de troca de informações entre os fiscos, mas, sim, quebra de sigilo
entre dos contribuintes pelas administradoras de cartão de crédito, é chamada
operação cartão vermelho, nome que se deu a uma série de fiscalizações feitas
pela DEAT com base nas informações prestadas pelas administradoras de cartões
de crédito. A obrigatoriedade e a disciplina da entrega dessas informações estão
baseadas nos seguintes dispositivos: art. 75, X, da lei 6.374/89; art. 494, X, do
RICMS/SP; e Portaria CAT 87/2006.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça não admitiu a exclusão de
uma microempresa do Simples Paulista com base apenas em dados obtidos na
Operação Cartão Vermelho, deflagrada em 2007 pela Fazenda do Estado de São
Paulo. Na operação, o Fisco cruzou informações obtidas por meio das
administradoras de cartões de crédito e débito com as declaradas pelos
contribuintes. Nos casos em que foram constatadas divergências, autuou as
empresas por sonegação de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços (ICMS), nos termos do julgado abaixo:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 285.894 - SP (2013/0012590-6) DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO ORDINÁRIA - EXCLUSÃO DO “SIMPLES PAULISTA” - PROCESSO ADMINISTRATIVO - INÍCIO E FUNDAMENTO EM INFORMAÇÕES REPASSADAS POR ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO - LEI ESTADUAL - ILEGALIDADE - O processo administrativo que desenquadrou o contribuinte do Simples Paulista, com efeitos retroativos desde 1º de abril de 2006, baseou-se unicamente em relações de valores sobre pagamentos com cartões de crédito e débito realizadas pela Microempresa passados à Secretaria da Fazenda do Estado com base no art. 1º, III, da Lei Paulista 12.186, de 5 de janeiro de
193
2006, que introduziu dentre os requisitos de adesão ao programa a declaração de que “autoriza a empresa administradora de cartão de crédito ou de débito a fornecer, à Secretaria da Fazenda, relação dos valores referentes às suas operações e prestações de serviços” (art. 3º, II, “e” da Lei Estadual 10.086, de 19 de novembro de 1998). Por sua vez, a Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações das instituições financeiras determina: “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente” (grifo nosso). A Lei Estadual 12.186/2006 simplesmente inverteu a lógica do levantamento do sigilo das operações financeiras: o contribuinte renuncia obrigatoriamente, desde logo, ao segredo de suas operações de cartão de crédito e débito e, então, a Fazenda busca indícios de irregularidades - Ilegalidade dessa Lei em confronto com o art. 6º, caput, da Lei Complementar 105/2001 - Ademais, o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente que o Fisco não pode quebrar o sigilo fiscal sem prévia autorização judicial - Decisão mantida - Nega-se provimento ao recurso. (fls. 417-418, e-STJ) […] Decido. Os autos foram recebidos neste Gabinete em 18.3.2013. A irresignação não merece prosperar. Isso porque o STJ entende que as normas tributárias de natureza procedimental, como a LC 105/2001, possuem aplicação imediata, alcançando, inclusive, fatos pretéritos. Pacífico também é o entendimento de que a quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa é permitida quando necessária à comprovação de possível ilícito. Nessa esteira: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ART. 11, § 3º, DA LEI N. 9.311/96 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.174/2001. LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES PROVENIENTES DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. ART. 144, § 1º, DO CTN. PRECEDENTES. 1. A Lei n. 10.174/2001 alterou a redação do § 3º do art. 11 da Lei n. 9.311/96 a fim de possibilitar a utilização de informações provenientes da arrecadação da CPMF para a instauração de procedimento administrativo-fiscal objetivando a cobrança de créditos relativos a outros tributos. 2. A Lei Complementar n. 105/2001, ao estabelecer normas gerais sobre sigilo bancário, permitiu que as autoridades administrativas tenham acesso a documentos, livros e registros de instituições financeiras. 3. Nos termos do que dispõe o art. 144, § 1º, do CTN, a Lei n. 10.174/2001 e a Lei Complementar n. 105/2001 são normas
194
tributárias de natureza procedimental, de modo que possuem aplicação imediata, alcançando fatos pretéritos. 4. Recurso especial provido. (REsp 529818 / PR; Rel. Min. João Otávio de Noronha - Segunda Turma - DJ 19/03/2007). PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTIGO 6º DA LC 105/01 E 11, § 3º, DA LEI Nº 9.311/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. 1. O artigo 38 da Lei nº 4.595/64, que autorizava a quebra de sigilo bancário somente por meio de requerimento judicial foi revogado pela Lei Complementar nº 105/2001. 2. A Lei nº 9.311/96 instituiu a CPMF e, no § 2º do artigo 11, determinou que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º, a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos. 3. A Lei 10.174/2001 revogou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311/91, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal, a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos. 4. Outra alteração legislativa, dispondo sobre a possibilidade de sigilo bancário, foi veiculada pela o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001. 5. O artigo 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material, que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes. […] 8. Embargos de divergência não conhecidos. (EREsp 726778/PR, Rel. Min. Castro Meira - Primeira Seção - 05/03/2007). Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea “a” do art. 105, III, da
195
Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 2.6.2010. Com relação à alegada violação da legislação estadual, especificamente dos arts. 6º, V, da Lei Complementar Estadual 939/2003; 75, I e IV, e §1º, da Lei Estadual 6.374/1989; 494 a 498 do Decreto Estadual 45.490/2000; e 1º da Portaria CAT 87/2006, registre-se que a sua análise é obstada em Recurso Especial, por analogia, nos termos da Súmula 280/STF: “Por ofensa a direito local não cabe Recurso Extraordinário.” Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 282 E 356/STF. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO MANIFESTA. AUSÊNCIA. CONCLUSÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO DECISUM. PRECEDENTES. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. […] IV - O manejo do recurso especial reclama violação ao texto infraconstitucional federal, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça reexaminar a aplicação de legislação local, a teor do verbete Sumular 280/STF. V- Agravo interno desprovido. (AgRg no Ag 715.367/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJ 13/03/2006, p. 361). Por tudo isso, com fulcro no art. 544, § 4º, II, “a”, do Código de Processo Civil, nego provimento ao Agravo. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 18 de março de 2013. (STJ: AREsp 285894; MINISTRO HERMAN BENJAMIN; Data da publicação 08/04/2013)
Mas o que estamos querendo dizer é que o nosso sistema tributário
nacional autoriza a utilização da prova emprestada por outro ente tributante,
desde que com a devida regulamentação jurídica, obedecendo ao princípio da
legalidade; caso ele não tenha outra prova a não ser a prova emprestada, lavrará o
auto de infração e imposição de multa, e, posteriormente, será dado ao
contribuinte o direito do contraditório e da ampla defesa, respeitados sempre os
prazos de decadência e prescrição.
Claro que, para utilizar-se da prova emprestada, necessariamente deve
respeitar o princípio do contraditório e ampla defesa previsto no art. 5º, LV, da
CF, ou seja, o contribuinte deve ter se pronunciado sobre ela no processo que a
originou. Isso significa que, no processo em que foi produzida originariamente a
prova emprestada, é indispensável que ela tenha sido submetida à discussão das
partes interessadas (fisco e contribuinte).
196
Nesse sentido também é o entendimento jurisprudencial:
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUTUAÇÃO FISCAL FUNDADA EM PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. ARTIGO 199 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. PRECEDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO. 1. Não é o caso de se decretar a ocorrência de decadência ou prescrição do crédito tributário, vez que o contribuinte, após a autuação fiscal, defendeu-se na esfera administrativa, procedimento que teve curso, segundo noticiam os autos, até o ano de 1.981, vindo as notificações a se efetivarem em 28 de abril de 1.982 em relação à empresa SAMBURÁ AUTOMÓVEIS LTDA. e 22 de junho de 1.982 em relação a ÁTILA PESSOA DE SOUZA. 2. Quanto à questão de fundo a sentença deve ser mantida.. 3. O fundamento primeiro do recurso para afastar a autuação fiscal seria a impossibilidade de se valer, o Fisco Federal, de informações colhidas em diligências realizadas pelo Fisco Estadual, ou ainda de documentação indicativa de recolhimento do ICMS e, a partir da daí, promover à tributação reflexa do sócio. 4. O artigo 199 do Código Tributário Nacional, no entanto, é claro ao estabelecer que “A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio”. Por certo que esse intercâmbio de informações visa, precipuamente, a apuração de eventuais créditos tributários não satisfeitos, total ou plenamente. Admite o CTN, com todas as letras, a “prova emprestada” como fundamento para o lançamento tributário fiscal. 5. Em situação análoga à dos autos, essa Egrégia Corte já decidiu pela legitimidade da autuação fiscal fundada em prova emprestada (AC 97030595685, Relator Juiz Leonel Ferreira). 6. Assim, perfeitamente possível que o Fisco Federal se valha de informações apuradas pelo Fisco Estadual para a cobrança de crédito tributário de sua competência, não satisfeito, a tempo e modo. 7. Apelação do Embargante/Executado ÁTILA PESSOA DE SOUZA improvida. (TRF-3 - AC: 13046 SP 1999.03.99.013046-5, Relator: JUIZ CONVOCADO WILSON ZAUHY, Data de Julgamento: 13/04/2011, JUDICIÁRIO EM DIA - TURMA C) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PROVA PERICIAL. PROVA EMPRESTADA. Não merece prosperar o agravo de instrumento, já que se mostra possível a utilização em processo cível de prova emprestada produzida em outro processo, cujo auto de lançamento é o mesmo. Com efeito, compulsando os autos verifica-se que tanto a execução fiscal nº 1030009460-3, a execução fiscal nº 1030009593-6 e a execução fiscal nº 1080000309-7 são decorrentes do auto de lançamento nº
197
8549400325. Assim, plenamente possível a utilização da prova emprestada, mormente porque ela foi realizada judicialmente e sob o crivo do contraditório e ampla defesa. Refira-se, ainda, conforme informação de fl. 264, impossível de realizar nova perícia diante da trituração e reciclagem dos documentos realizados pela Vara Criminal de Cruz Alta. (TJ-RS - AI: 70043824622 RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Data de Julgamento: 23/11/2011, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/12/2011) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO CONSIGNATÓRIA. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA QUE IMPLICARIA CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PRODUZIDA EM PROCESSO ENTRE PARTES DIVERSAS E SEM O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70050693100, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 17/10/2012) (TJ-RS - AG: 70050693100 RS, Relator: Arno Werlang, Data de Julgamento: 17/10/2012, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/10/2012)
Desse modo, a prova emprestada ou o cruzamento dos dados
fornecidos pelo contribuinte ao fisco de forma digital com vários outros dados
podem servir de base para produção da norma individual e concreta. Todavia, o
assunto, além de polêmico, não é de entendimento pacífico, a própria
jurisprudência administrativa fiscal não tem um entendimento isonômico em suas
diversas manifestações.
5.4 Síntese conclusiva
Definimos prova como uma linguagem escolhida pelo direito que vai
constituir o evento em fato jurídico, ela é sempre um fato que atesta outro fato.
Sem a prova não há como chegar ao fato jurídico tributário, pois o fato jurídico
tributário é um relato linguístico do evento proferido por uma linguagem
competente do direito positivo, dentro de específicas condições de tempo e
espaço articulado em consonância com a teoria das provas.
Tem como objeto os fatos alegados pelas partes, no caso em estudo, os
deveres instrumentais referentes a eventos ocorridos em lapso temporal
198
necessariamente anterior. Com a informatização fiscal no dever instrumental, a
prova atestará, em alguns casos, como na emissão da NF-e, fato que ocorrerá
quando do envio das informações para validação da nota.
199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações finais construídas de acordo com as premissas
desenvolvidas e analisadas neste trabalho, abaixo expostas, seguem a ordem
em que os assuntos foram tratados no texto.
1. No primeiro capítulo fixamos a premissa de que conhecemos
um objeto quando sabemos distinguir entre as proposições verdadeiras ou
falsas que descrevem, porque o objeto que conhecemos não é a coisa em si,
mas as proposições que o descrevem. Portanto, o mundo exterior só existirá
para o sujeito cognoscente se houver uma linguagem que o constitua. Logo,
o conhecimento se opera mediante construção linguística; por isso, não
existe fato antes da interpretação. É mediante interpretações, construções de
sentido e significações que o homem chega aos eventos, aos acontecimentos
do mundo circundante, sendo imprescindível a existência de um corpo
linguístico para fazer a conexão entre o homem e a realidade. O
conhecimento pressupõe a existência de linguagem, cria ou constitui a
realidade, sendo impossível conhecer as coisas como elas se apresentam
fisicamente, fora dos discursos a que elas se referem.
2. Dessa forma, adotamos neste trabalho a corrente filosófica do
constructivismo lógico-semântico, em que o sujeito interfere na determinação do
objeto, onde as coisas se apresentam na realidade porque têm uma linguagem que
as constitui como tal, e, com base no contexto histórico e social, é possível
descrever o objeto aplicando a pré-compreensão ou compreensão a priori. O
constructivismo tem um método próprio, e é lógico-semântico porque parte da
linguagem, estuda o objeto a partir da linguagem.
3. Seguindo essa premissa, podemos concluir que não existe fato ou
fato jurídico sem linguagem, pois qualquer que seja o sistema que se examine, só
se ingressam enunciados compostos pela linguagem própria daquele sistema.
200
4. Definimos sistema como um conjunto de elementos formando
uma ideia comum. Assim, podemos designar como sistema tanto a Ciência
do Direito quanto o direito positivo (ordenamento).
5. As normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se
relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. Esse
sistema apresenta-se composto por subsistemas que se entrecruzam em
múltiplas direções, mas que se afunilam na busca do fundamento último de
validade semântica, que é a Constituição. E esta, por sua vez, constitui
também um subsistema, sobre todos os demais, em virtude de sua
privilegiada posição hierárquica, ocupando o tópico superior do ordenamento
e hospedando as diretrizes substanciais que regem a totalidade da ordem
jurídica nacional.
6. O princípio é uma norma portadora de núcleos significativos de
grande magnitude, influenciando visivelmente a orientação de cadeias
normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de
agregação de outras regras do sistema positivo. Ao nos referirmos a valores,
estamos nos reportando àqueles depositados pelo legislador na linguagem do
direito posto.
7. A norma jurídica do dever instrumental informatizado
construída é à base do estudo das mudanças no dever instrumental com a
informatização fiscal, porque qualquer conhecimento que recaia sobre o
fenômeno jurídico prescinde da análise da linguagem prescritiva das normas
jurídicas. Para construirmos as normas jurídicas tributárias do dever
instrumental informatizado, necessariamente devemos observar alguns
princípios constitucionais ligados diretamente às mudanças no dever
instrumental pela informatização fiscal, ressaltando que todos os princípios
são importantes para construção da norma jurídica, mesmo que
indiretamente, mas destacamos os princípios da legalidade e tipicidade, pois
todas as alterações tecnológicas no sistema tributário nacional, trazidas pelos
201
deveres instrumentais, devem ser introduzidas no ordenamento jurídico
sempre por meio de lei em sentido amplo.
8. Além dos princípios da legalidade e tipicidade, os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade também devem ser observados, uma vez
que limitam o fisco na utilização dos dados fiscais e contábeis eletrônicos
recebidos do contribuinte quando usados para a fiscalização de tributos e
autuação fiscal.
9. Ao analisarmos as mudanças trazidas pela informatização fiscal
no dever instrumental, partimos do conceito informatização fiscal como
sendo a simples utilização da tecnologia no sistema tributário nacional, ou
seja, a informatização fiscal consiste na adoção de mecanismos e sistemas
tecnológicos, diretos ou indiretos, de forma obrigatória ou não, para a
entrega das informações tributárias ao fisco e os demais instrumentos
jurídico-tributários em que a tecnologia for utilizada como meio para atingir
um fim.
10. Adotamos a terminologia deveres instrumentais para as chamadas
obrigações acessórias, eleita pelo direito positivo e que conduz à interpretação
de serem tais deveres adicionais à obrigação tributária, pois entendemos que se
constituem em dever porque decorrem da lei e são instrumentais por terem a
função de operacionalizar a Regra-Matriz de Incidência Tributária, servindo
como instrumento da atividade de arrecadação e fiscalização dos tributos.
11. Desse modo, exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro
aos cofres públicos, advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito,
estabelecendo o vínculo entre sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo
(contribuinte), e, por conseguinte, o direito subjetivo ao Estado, por meio da
Administração. Todos os demais deveres impostos a esse mesmo sujeito passivo,
defronte ao tributo instituído, com a inerente característica da impossibilidade de
mensuração econômica, de cunho administrativo, devem ser entendidos como
deveres instrumentais.
202
12. Cabe ressaltar que a causa geradora dos deveres instrumentais é a
lei. Assim, ocorrida a situação descrita na norma, nasce o dever de fazer, não
fazer ou tolerar, sem cunho pecuniário.
13. É por meio dos deveres instrumentais que o Estado consegue fazer
o controle, no que tange à observação do cumprimento das obrigações inerentes à
instituição dos gravames fiscais e nos casos em que, como exemplos, temos: a
expedição de notas fiscais, a prestação de informações, a escrituração de livros, o
registro do papel imune, dentre outros.
14. Portanto, ocorrido o evento do dever instrumental no mundo
fenomênico, ele só se tornará fato jurídico do dever instrumental mediante
linguagem competente fornecida por meio da teoria das provas. Assim, tanto a
Regra-Matriz de Incidência Tributária quanto os deveres instrumentais
necessitam de uma linguagem competente que os constitua. Ou seja, a relação
jurídica de conteúdo não patrimonial, determinando em seu objeto a prestação de
fazer ou não fazer do dever instrumental, nascerá por meio da linguagem
competente.
15. Com a implementação e utilização da informatização fiscal nos
deveres instrumentais, o fisco passa a ter condições de confrontar os dados
informados pelo contribuinte com demais dados existentes e disponíveis no
sistema digital central, dados esses relevantes à apuração do valor correto
dos tributos devidos, presente nos demais órgãos públicos, em outras
unidades da federação, outros países ou em quaisquer lugares em que se
encontrem e possam ser rastreados por um mecanismo tecnológico.
16. Um dos instrumentos tecnológicos que vêm sendo muito
utilizados pelo fisco no dever instrumental digitalizado é o Sistema Público
de Escrituração Digital, mais conhecido como SPED e fazem parte desta
estrutura: NFS-e, NF-e, Escrituração Fiscal Digital (EFD), Escrituração Contábil
Digital, FCont (Controle Fiscal Contábil de Transição), CT-e (Conhecimento de
Transporte Eletrônico) e EFD Contribuição.
203
16.1. A Nota Fiscal de Serviços Eletrônica Municipal é uma nota
fiscal em formato eletrônico encaminhada pela internet ao fisco após a prestação
dos serviços sujeitos à tributação pelo Imposto sobre Serviços (ISS). A
responsabilidade pelo cumprimento do dever instrumental de emissão da NFS-e e
pelo correto fornecimento dos dados à secretaria, para a geração da mesma, é do
contribuinte.
16.2. Nota Fiscal Eletrônica Estadual tem como objetivo a
implantação de um modelo nacional de documento fiscal eletrônico que venha
substituir a sistemática atual de emissão do documento fiscal em papel, com
validade jurídica garantida pela assinatura digital do remetente, simplificando os
deveres instrumentais dos contribuintes e permitindo, ao mesmo tempo, o
acompanhamento em tempo real das operações comerciais pelo Fisco.
16.3. A Escrituração Fiscal Digital é um arquivo digital que se
constitui de um conjunto de escriturações de documentos fiscais e de outras
informações de interesse dos fiscos das unidades federadas e da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, bem como de registros de apuração de impostos
referentes às operações e prestações praticadas pelo contribuinte.
16.4. A Escrituração Contábil Digital, também chamado SPED
contábil, cria a obrigatoriedade de emissão dos livros e documentos contábeis em
formato digital para a entrega ao fisco via internet mediante sistemas
tecnológicos específicos. Tais livros e documentos serão emitidos em forma
eletrônica.
16.5. O Controle Fiscal Contábil de Transição é uma escrituração das
contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas, que considera os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
16.6. O Conhecimento de Transporte eletrônico é o novo modelo de
documento fiscal eletrônico, que poderá ser utilizado para substituir um dos
seguintes documentos fiscais: i) conhecimento de Transporte Rodoviário de
Cargas, modelo 8; ii) conhecimento de Transporte Aquaviário de Cargas, modelo
204
9; iii) conhecimento Aéreo, modelo 10; iv) conhecimento de Transporte
Ferroviário de Cargas, modelo 11; v) Nota Fiscal de Serviço de Transporte
Ferroviário de Cargas, modelo 27; vi) Nota Fiscal de Serviço de Transporte,
modelo 7, quando utilizada em transporte de cargas. E também poderá ser
utilizado como documento fiscal eletrônico no transporte dutoviário e,
futuramente, nos transportes Multimodais.
16.7. A EFD Contribuições são arquivos digitais instituídos no SPED,
a serem utilizados pelas pessoas jurídicas de direito privado na escrituração da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, nos regimes de apuração não
cumulativo e/ou cumulativo, com base no conjunto de documentos e operações
representativos das receitas auferidas, bem como dos custos, despesas, encargos e
aquisições geradores de créditos da não cumulatividade.
17. Destacamos, neste trabalho, que o SPED tem como objetivo
promover a atuação integrada dos Fiscos federal, estaduais e municipais,
mediante padronização e racionalização das informações e do acesso
compartilhado à escrituração digital de contribuintes por pessoas legalmente
autorizadas.
18. Mesmo com a toda essa evolução na informatização fiscal, ainda
hoje não há uma padronização e uniformização entre os dados da União, Estados
e Municípios. Para isso foi criado o SPED, que, apesar de padecer de vício de
inconstitucionalidade, pois fora instituído por decreto e não por Lei, tem como
objetivo centralizar as informações prestadas pelos contribuintes e fiscalização
tributária.
19. Portanto, o SPED foi criado com o objetivo de simplificar os
deveres instrumentais e agilizar o controle das administrações tributárias. Porém,
essa simplificação não acarretará na diminuição das informações solicitadas,
apenas na diminuição da quantidade de declarações entregues. Outra utilidade do
SPED será a integração e troca de informações de dados recebidos pela União, os
Estados, Distrito Federal e Municípios. Todos eles poderão consultar a base de
205
dados que conterão as informações de todos ou a base de dados geral da
Secretaria da Receita Federal, que deterá a disponibilidade digital de acesso a
todas as informações recebidas em formato eletrônico.
20. O grande problema do SPED é sua regulamentação: por se tratar
de sistema que altera toda a forma de cumprir dever instrumental, sua instituição
e regulamentação não obedece ao princípio da legalidade, isso porque
entendemos que há necessidade de lei ordinária e/ou complementar que preceitue
os deveres instrumentais, pois o CTN não rompeu com o princípio fundamental
da legalidade ao dizer que o fato gerador da obrigação acessória é qualquer
situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção de
ato que não configure obrigação principal, conforme o disposto no artigo 115 do
CTN. O Código apenas reconhece que existe margem de discricionariedade, para
que, dentro dos limites da lei, o regulamento e demais atos administrativos
normativos explicitem a própria lei, viabilizando a sua fiel execução.
21. Desse modo, o SPED padece de regulamentação legal, violando
frontalmente ao princípio da legalidade.
22. Podemos notar que os contribuintes continuam tendo que cumprir
os deveres instrumentais, mesmo com a informatização fiscal: o que era feito no
papel passou a ser feito de forma digital, mas com mudanças significativas. Além
disso, é necessário estudar se o fato de entregar ao fisco as informações que antes
eram feitas em papel (isso significa que houve a publicação e, como
consequência, sua inclusão no mundo jurídico) pode alterar o momento da
constituição do crédito tributário, os prazos de decadência e prescrição, e como
fica a teoria da prova com a prova eletrônica.
23. No capítulo referente à constituição do crédito tributário, vimos
que, a partir do surgimento da informatização fiscal, há várias normas de deveres
instrumentais criando formas distintas de envio das informações fiscais, por
diferentes mecanismos tecnológicos. Essas normas atuam em conjunto com as
normas que instituem cada um dos tributos, de forma a criar o modelo exato de
206
incidência tributária, lançamento tributário, fato jurídico tributário, relação
jurídica tributária, obrigação tributária principal e crédito tributário, além da
prescrição e decadência, e da prova tributária.
24. Com a informatização fiscal inserida no cumprimento dos deveres
instrumentais tributários, a Fazenda Pública passa a receber todo tipo de
informação referente aos fatos geradores de tributos e bases de cálculo dos
tributos.
25. Destacamos que há autores que defendem que, com a
informatização fiscal no dever instrumental, há uma alteração na forma de
constituição do crédito tributário pelo “autolançamento” para lançamento de
ofício ou por declaração, isso porque a Secretaria da Fazenda, tendo em mãos o
arquivo digital enviado pelo contribuinte no cumprimento do dever instrumental,
tem condições de efetuar o lançamento de ofício.
26. Todavia, acreditamos que isso não irá ocorrer, pois, ao informar à
Fazenda, de forma prévia, todo o processo de incidência tributária, através das
alterações no cumprimento do dever instrumental, o Fisco passa a ter em mãos
todos os dados necessários para analisar os elementos de constituição do crédito,
que ficarão sob a responsabilidade do contribuinte emissor da nota fiscal.
27. Portanto, os deveres instrumentais informatizados não alteraram a
forma de constituir o crédito tributário, mesmo com o SPED, em especial com a
obrigatoriedade de emissão digital e entrega por meio eletrônico da NF-e à
Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Origem. Ou seja, a partir do
SPED, esta nota é recebida e pré-validada antes da ocorrência do fato gerador,
mas isso não significa afirmar que houve o evento operação de circulação de
mercadoria, no caso do ICMS, portanto não podemos iniciar a contagem do
prazo decadencial do data da pré-validação da nota, isso porque pode não ocorrer
o evento de circulação de mercadoria.
28. Desse modo, mesmo com a informatização fiscal no dever
instrumental, a homologação tácita do lançamento e consequente extinção do
207
crédito tributário, permanece a prescrita no art. 150, § 4º, mesmo nas hipóteses
em que o contribuinte não cumprir o seu dever de produzir a norma individual e
concreta e de pagar tributo, ou comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou
simulação; compete à autoridade administrativa efetuar o lançamento de ofício,
submetendo ao prazo do art. 173, I, do CTN e demais hipóteses do art. 173, II e
parágrafo único do CTN, quais sejam: após a anulação do lançamento anterior e
sem o pagamento antecipado e com a notificação.
29. O que podemos notar com a informatização fiscal no dever
instrumental é que dificilmente ocorrerá o fato decadencial, visto que o fisco
passa a ter em mãos todas as informações prestadas pelo contribuinte desde a
ocorrência do evento, tornando-se, assim, mais eficaz na fiscalização e perdas de
prazos para constituição do crédito tributário, principalmente porque pode autuar
o contribuinte com o auto de infração on-line.
30. Desse modo, concluímos que, mesmo com a informatização fiscal,
a atividade de constituição do crédito atrelada à antecipação do montante devido
continua sendo atribuição do contribuinte, como prescreve o “autolançamento”.
31. Por outro lado, destacamos que, em havendo mudanças
legislativas, é possível que os tributos sujeitos ao “autolançamento” passem à
modalidade de lançamento por declaração, considerando que todas as
informações são entregues pelo contribuinte, cabendo ao Fisco apenas consolidá-
las em linguagem competente através do lançamento de ofício, apesar de não
acreditarmos muito nisso, visto que, para fazenda, é mais interessante utilizar a
informatização fiscal para fiscalizar do que para aumentar sua carga de trabalho.
32. Assim, defendemos a tese que o “autolançamento” continuará com
mais força, mesmo com a informatização fiscal, e o contribuinte poderá exigir do
fisco uma homologação expressa do crédito constituído e pago, sem a
necessidade de aguardar os prazos de decadência e prescrição, uma vez que tem
em mãos toda documentação necessária para analisar e quitar o débito.
208
33. No capítulo das mudanças no dever instrumental na decadência e
prescrição, afirmamos que, por se tratar de limites temporais devidamente
positivados pelo legislador, tem como objetivo impedir a perpetuação das
relações jurídicas. Ou seja, impõe limites somente à produção de normas
individuais e concretas, não atacando as normas gerais e abstratas. Desse modo,
ocorrida a decadência ou prescrição do fisco, este não poderá mais produzir
norma individual e concreta de lançamento tributário, no caso da decadência, e
estará impedido de efetuar cobranças do crédito constituído no caso da
prescrição.
34. Como os deveres instrumentais informatizados, no atual modelo
do sistema tributário nacional, não alterou a forma de constituição do crédito
tributário do “autolançamento” para o lançamento por declaração ou por ofício,
chegamos à conclusão de que a contagem do prazo de decadências e prescrição
também não se altera, desde que a sistemática de constituição e extinção não seja
alterada em decorrência da “era” da informatização fiscal.
35. Por outro lado, vimos que o prazo positivado para constituição
(decadência) e exigibilidade do crédito tributário (prescrição) podem sofrer
alterações, não por meio de decisão ou construções normativas desarrazoadas e
incompatíveis com o sistema, mas daquele positivado pelo sistema, que
demonstre o exato limite do tempo exigido pelo direito, nos seguinte termos:
35.1 Os prazos de prescrição e decadência, tanto para o fisco como
para o contribuinte, não sofrem alterações em sua interpretação, quando há o
pagamento.
35.2. Em não havendo o pagamento, é possível venha a haver algumas
mudanças no início da contagem dos prazos decadenciais e prescricionais. Na
decadência, os prazos são contados a partir do fato jurídico, no caso do art. 150, §
4º, ou da data em que o lançamento poderia ter sido efetuado, no caso do art. 173,
I, ambos do CTN. Como a informatização fiscal, não podemos ignorar a
antecipação da entrega dos deveres instrumentais ou da criação de qualquer envio
209
de informações que venham a modificar a forma anterior. Como ocorre com a
obrigatoriedade da Nota NF-e, conforme demonstrado ao longo deste estudo, o
contribuinte encaminha as informações antes da ocorrência do próprio fato
jurídico, constituindo, nesse momento, um fato jurídico individualizado. Esse
fato jurídico pode ser considerado o fato jurídico previsto no art. 150, § 4º.
35.3 Do mesmo modo, acontece no art. 173, I, quando há a emissão da
NF-e e envio desse arquivo digital para pré-validação; esse envio é uma forma de
autolançamento individualizado daquela operação. Portanto, poderá haver
alteração na contagem do prazo para menos, tendo em vista que a data em que o
autolançamento poderia ter sido efetuado é posterior à data em que o
autolançamento individualizado foi efetuado. Nesses casos, podemos considerar
que a data de envio da NF-e é a data do autolançamento individualizado. O prazo
do art. 173, I, deverá ser contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte à
data da emissão da NF-e.
35.4. Por fim, no tocante à prescrição, o art. 174 do CTN dispõe que a
Fazenda perde o direito de propor a ação de execução fiscal cinco anos contados
da constituição definitiva do crédito tributário. Aqui, a alteração dos deveres
instrumentais, em virtude do uso obrigatório de mecanismos tecnológicos,
modificou, para cada um dos tributos, de forma diferenciada, o ato de entrega das
informações. Esse ato de entrega foi identificado neste estudo como um
autolançamento tributário individualizado, em especial no caso da NF-e ou de
serviço. O autolançamento tributário individualizado constitui o crédito tributário
individualizado para cada operação.
36. No último capítulo, analisamos as mudanças trazidas pela
informatização fiscal do dever instrumental na prova tributária; para isso,
partimos da definição de prova como uma linguagem escolhida pelo direito, que
vai constituir o evento em fato jurídico, ela é sempre um fato que atesta outro
fato. Sem a prova não há como chegar ao fato jurídico tributário, pois o fato
jurídico tributário é um relato linguístico do evento proferido por uma linguagem
210
competente do direito positivo, dentro de específicas condições de tempo e
espaço articulado em consonância com a teoria das provas.
37. Com a informatização fiscal no dever instrumental, a prova
atestará, em alguns casos, como na emissão da NFe, fato que ocorrerá quando do
envio das informações para validação da nota.
38. Portanto, a prova tem como objeto os fatos alegados pelas partes,
no caso em estudo, os deveres instrumentais referentes a eventos ocorridos em
lapso temporal necessariamente anterior.
39. Com o avanço tecnológico, a informática tem influenciado na
constituição do fato jurídico tributário, através da informatização do dever
instrumental; com isso, os documentos eletrônicos e os arquivos digitais, que
substituíram o suporte de papel pelo suporte óptico ou magnético e vêm sendo
implantados e exigidos dos contribuintes, se tornarão verdadeiros instrumentos
de produção de provas jurídicas, surgindo, assim, a chamada prova eletrônica.
40. Portanto, a utilização de documentos eletrônicos como meio de
prova tributária é possível, pois, em pouco tempo, serão as únicas formas de
produção de prova em direito tributário; todavia, devem ser tomadas medidas
acautelatórias que impeçam qualquer falsificação de conteúdo e autoria.
41. A informatização fiscal no dever instrumental é tema ainda
recente, e falta regulamentação em muitos casos, causando dúvidas na utilização
das provas eletrônicas, pois o controle das provas fica nas mãos do poder
público, e, como o contribuinte não participa desse sistema que viabiliza o
cruzamento de informações, ele também não consegue usar os dados para
contraprovar ou mesmo para provar algum fato alegado.
42. Podemos afirmar que toda essa tecnologia digital que vem sendo
implantada não altera o valor da produção de prova que hoje é feita, nem o faz se
perder; o que ocorre é que pode haver menor índice de aplicação das presunções
quando do cumprimento dos deveres instrumentais informatizado.
211
43. Por fim, a questão da prova emprestada ou o cruzamento dos
dados fornecidos pelo contribuinte ao fisco de forma digital com vários outros
dados podem servir de base para produção da norma individual e concreta.
Todavia, o assunto, além de polêmico, não é de entendimento pacífico; a própria
jurisprudência administrativa fiscal não tem um entendimento isonômico em suas
diversas manifestações.
212
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