Download - Alice Coutinho
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
MESTRADO EM EDUCAO
ALICE COUTINHO DA TRINDADE
A
MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:
ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES
NA ARGENTINA
RIO DE JANEIRO
2011
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2011
ALICE COUTINHO DA TRINDADE
MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:
ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES
NA ARGENTINA
DDiisssseerrttaaoo ddee mmeessttrraaddoo aapprreesseennttaaddaa aaoo PPrrooggrraammaa ddee PPss--
GGrraadduuaaoo eemm EEdduuccaaoo ddaa FFaaccuullddaaddee ddee EEdduuccaaoo ddaa
UUnniivveerrssiiddaaddee FFeeddeerraall ddoo RRiioo ddee JJaanneeiirroo -- UUFFRRJJ,, ccoommoo rreeqquuiissiittoo
ppaarrcciiaall ppaarraa oobbtteennoo ddoo ttttuulloo ddee MMeessttrree eemm EEdduuccaaoo.. CCaammppoo
ddee CCoonnfflluunncciiaa PPoollttiiccaass PPbblliiccaass..
Orientador: Prof Dr. Roberto Leher
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2011
FICHA CATALOGRFICA T833 Trindade, Alice Coutinho da.
Movimentos sociais e a luta pelo pblico na educao: escolas
itinerantes no Brasil e bacharelados populares na Argentina / Alice
Coutinho da Trindade. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.
112f.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educao, 2011.
Orientador: Roberto Leher.
1. Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra. 2. Educao \rural.
3. Trabalhadores Rurais Educao Brasil. 4. Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (Argentina). 5.Educao Argentina. I. Leher, Roberto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade
de Educao.
CDD: 370.1934
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ALICE COUTINHO DA TRINDADE
MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELO PBLICO NA EDUCAO:
ESCOLAS ITINERANTES NO BRASIL E BACHARELADOS POPULARES
NA ARGENTINA
DDiisssseerrttaaoo ddee mmeessttrraaddoo aapprreesseennttaaddaa aaoo PPrrooggrraammaa ddee PPss--
GGrraadduuaaoo eemm EEdduuccaaoo ddaa FFaaccuullddaaddee ddee EEdduuccaaoo ddaa
UUnniivveerrssiiddaaddee FFeeddeerraall ddoo RRiioo ddee JJaanneeiirroo -- UUFFRRJJ,, ccoommoo rreeqquuiissiittoo
ppaarrcciiaall ppaarraa oobbtteennoo ddoo ttttuulloo ddee MMeessttrree eemm EEdduuccaaoo.. CCaammppoo
ddee CCoonnfflluunncciiaa PPoollttiiccaass PPbblliiccaass..
Aprovada:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof Dr. Roberto Leher (UFRJ)
______________________________________________________________________
Prof Dr. Gaudncio Frigotto (UERJ)
______________________________________________________________________
Prof Dr. Carlos Frederico B. Loureiro (UFRJ)
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Aos companheiros e companheiras que seguem na luta
no Brasil e na Argentina
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, funcionrio pblico que me ensinou o prazer de ler, de aprender e o valor da
honestidade.
Ao Professor Roberto Leher que foi muito mais que um orientador, foi um amigo e um
companheiro sempre disposto a ler meus textos, fazer sugestes e mostrar o verdadeiro
significado de ser um educador.
Ao Professor Roberto Elisalde que foi praticamente um orientador na Argentina. Ajudou em
todo o trabalho de campo em Buenos Aires e ainda esclareceu minhas dvidas e inquietaes
com pacincia e carinho.
Ao companheiro Pincel, que me recebeu em Porto Alegre de braos abertos, me levou
entrevista com Olvio Dutra e me ajudou a realizar todos os contatos naquele estado.
s companheiras do MST no Rio Grande do Sul em especial Isabela, Bianca e Bruna.
A todos os companheiros do Projeto Outro Brasil e da turma de mestrado 2009 que ouviram
com ateno minhas idias e minhas dvidas e que me ajudaram a construir metodolgica e
praticamente este estudo.
Aos meus familiares que acreditaram neste trabalho mesmo quando tudo parecia que no
sairia do papel.
s minhas amigas e amigos queridos que ouviram minhas lamrias, angstias e dores nos
momentos mais delicados. Em especial aquelas que me acompanharam mais de perto durante
este percurso: Gabriela Mendona, Luisa Prochnick, Patrcia Bustamante S e Isabela Fortes.
Aos amigos Leandro Moura e Gabriele Wong que me ajudaram a trabalhar a ansiedade, me
ouviram com ateno nos momentos mais nostlgicos e tristes e me mostram na prtica que o
amor ainda existe
Obrigada por vocs existirem.
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RESUMO
TRINDADE, Alice Coutinho. Movimentos sociais e a luta pelo pblico na educao:
escolas itinerantes no Brasil e bacharelados populares na Argentina. Rio de Janeiro, 2011.
Dissertao (Mestrado em educao). Faculdade de Educao - Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), 2011.
O presente estudo investiga as experincias educativas das escolas itinerantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Bacharelados Populares,
organizados pelo Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) e outros
movimentos na Argentina. O Estudo analisa o conceito de pblico, presente na tradio do
pensamento crtico latino-americano, particularizando a concepo dos referidos movimentos.
O projeto indaga como os referidos movimentos de trabalhadores se apropriam e
ressignificam a noo de pblico a partir da organizao e luta pela educao em um Estado
particularista. Para analisar a concepo de pblico que permeia a relao contraditria entre
os movimentos sociais e o Estado no mbito da luta pela educao pblica, gratuita e de
qualidade, o presente projeto pretende encontrar os nexos entre as duas experincias no que se
refere relao entre as experincias e o Estado em termos de conquista de recursos e de
certificao. A presente proposta ainda busca apontar aspectos referentes luta pela educao
pblica e seus reflexos nas propostas pedaggicas. Neste sentido, fundamental compreender
como vem sendo pensada a mediao entre a formao poltica e a educao formal.
Palavras-chave: Movimentos sociais; educao; Bacharelados Populares; escolas Itinerantes.
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ABSTRACT
TRINDADE, Alice Coutinho. Social movements and the fight for public in education:
itinerant schools in Brazil and popular baccalaureate in Argentina. Rio de Janeiro, 2011.
Thesis (Masters degree in Education). School of Education Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), 2011.
The current study aims to investigate the educational experiences of the Brazils Landless
Rural Workers Movement (MST) and of the Popular Graduates, organized by the National
Movement of Recovered Factories (MNER) and other movements in Argentina. The study
analyzes the concept of public, present within the traditional Latin American critical thought,
focusing in the conception of the above mentioned movements. The project questions how the
previous mentioned workers movements take over and reframe the notion of public
throughout their association and their fight for education against a particularistic State. In
order to analyze the conception of public, which permeates the contradictory relationship
between social movements and the State within the sphere of the fight for public education,
free and of high quality, this project intends to find the connection between the two
experiences with regards to their relationship with the State in terms of the achievement of
resources and certification. The present proposal also seeks to identify the aspects concerning
the fight for public education and its reflexes in the pedagogic proposals. Therefore it is
fundamental to understand how the measurement between the political formation and the
formal education is being performed.
Key-words: Social movements; education; popular baccalaureate; itinerant schools
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LISTA DE ABREVIATURAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CEIP Cooperativa de Educadores e Investigadores Populares CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe
CPT Comisso Pastoral da Terra CUT Central nica dos Trabalhadores ECA Estatuto da Criana e do Adolescente EJA Educao de Jovens e Adultos FMI Fundo Monetrio Internacional GATT - Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comrcio
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MNER Movimento Nacional de Empresas Recuperadas OEA Organizao dos Estados Americanos OMC - Organizao Mundial do Comrcio
Prouni - Programa Universidade para Todos
PT Partido dos Trabalhadores Reuni - Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades
Federais
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 11
CAPTULO 1 A PESQUISA .............................................................................................. 18
1.1 Problemtica ................................................................................................................ 18
1.2 Objetivos Gerais .......................................................................................................... 21
1.3 Objetivos especficos ................................................................................................. 21
1.4 Relevncia ................................................................................................................... 22
1.5 Metodologia ................................................................................................................ 27
1.5.1 Base emprica para anlise dos Bacharelados Populares ......................................... 31
1.5.2 Base emprica para anlise das Escolas Itinerantes .................................................. 32
1.5.3 Eixos de anlise e questes para empiria ................................................................. 33
CAPTULO 2 REFERNCIAS TERICAS ................................................................... 35
2.1 Estado e Sociedade civil.............................................................................................. 37
2.2 Pblicos e Privado ....................................................................................................... 45
2.3 Classe social e Movimentos sociais ............................................................................ 53
2.4 Educao e Movimentos sociais ................................................................................. 57
CAPTULO 3 MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA PELA EDUCAO PBLICA: O CASO DOS BACHARELADOS POPULARES NA ARGENTINA ............................. 60
3.1 Antecedentes histricos da conjuntura ........................................................................ 62
3.2 Os sujeitos sociais Coletivos ....................................................................................... 68
3.3 Organizao da experincia propriamente dita e o contexto scio histrico .............. 71
3.4 Os Bacharelados Populares: surgimento e relao com o Estado ............................... 74
3.5 A proposta pedaggica e o processo educativo........................................................... 78
3.6 Algumas reflexes a ttulo de sntese .......................................................................... 82
CAPTULO 4 A LUTA DO MST NO BRASIL PELA EDUCAO PBLICA: O CASO DAS ESCOLAS ITINERANTES .............................................................................. 85
4.1 Contexto scio histrico ............................................................................................. 87
4.2 Construo histrica do MST no Brasil, da luta pela terra luta pela escola ............. 90
4.3 O dilogo com o Estado: a conquista .......................................................................... 95
4.4 Relaes com o Estado, conflitos e lutas .................................................................. 102
4.5 Processo poltico e pedaggico: a escola diferente ............................................... 105 4.6 Sntese: tenses entre o pblico e o privado na luta pelas escola itinerantes ............ 111
CAPTULO 5 CONCLUSES PROVISRIAS FINAIS ............................................. 114
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 116
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INTRODUO
Na perspectiva adotada neste trabalho analtico, a questo do mtodo complexa e
envolve alm de uma forma de fazer cincia, uma postura, uma forma de atuao frente ao
mundo em sua atual configurao. Neste sentido, nos parece honesto esclarecer que, para
alm da influncia intelectual de autores como Marx, Gramsci, Anderson, Mzsros que em
grande parte embasam este captulo, uma trajetria acadmica e de vida perpassam estas
linhas e a escolha deste objeto.
A questo da classe permeia no apenas o objeto de anlise, mas tambm a vida real
dos indivduos logo, a vida do pesquisador.
Tentando manter o rigor que a temtica merece, as linhas a seguir pretendem dar conta
desta especificidade do mtodo descrito por Marx, que atribui importncia fundamental a ao
percurso histrico. No se trata apenas dos fatos histricos que envolvem, complexificam e
enriquecem a anlise necessria da conjuntura mais ampla, se trata tambm, de compreender o
olhar do pesquisador, suas escolhas, suas estratgias e para tal, a histria que o envolve
contribui para elucidar sobre o tratamento e a abordagem do tema e principalmente, a escolha
do problema.
Tendo como mtodo o materialismo histrico e dialtico, esboar as condies
materiais que condicionaram o desenvolvimento de uma determinada conscincia nos parece
importante para que o leitor no apenas compreenda a opo metodolgica, mas a forma de
abordagem do problema analisado e, como este se relaciona com a prtica e a histria do
pesquisador.
Como nos diz Mszros sobre Marx:
As Teses sobre Feuerbach defendendo a unidade entre teoria e prtica tornou-se absolutamente claro que a prtica revolucionria, no sentido mais
bvio dos seus termos de referncia, teria de assumir o papel central na
concepo marxiana de cincia. por isso que pela primeira vez na histria
uma teoria cientfica de mudana estrutural foi articulada e diretamente
vinculada por seu fundador realizao necessria da tarefa histrica de
criar um movimento revolucionrio consciente capaz de instituir a
propugnada estratgia de transformao global. (2009, p. 214)
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O percurso acadmico, a trajetria traada, o contato com os movimentos sociais, com
os militantes as discusses e debates com alguns dos mais importantes intelectuais de
esquerda da Amrica Latina1 so alguns dos aspectos que clarificam a influncia do
pensamento marxista no mtodo e na prtica poltica em que se encontra imerso este trabalho.
Vale com isso destacar que a entrada em 2005, como bolsista de iniciao cientfica
PIBIC/UFRJ no projeto Outro Brasil atuando inicialmente no Observatrio Social da Amrica
Latina (OSAL)2 e em seguida tambm no curso de extenso, Movimentos Sociais, Polticas
Pblicas e Emancipaes3 foram fundamentais neste processo. importante destacar ainda, o
trabalho e o contato com o presente orientador, que construiu em conjunto este trabalho e que
muito educou, no sentido mais amplo que se pode atribuir teoria e a prtica educativa, sobre
a teoria e a prtica poltica da educao popular comprometida com a transformao da
realidade.
Muitos foram os elementos fundamentais para a construo deste trabalho e de uma
prtica, mas relevante tambm ressaltar que o processo envolveu, contudo dvidas,
incertezas, medos, sonhos e quiz uma cultura mais vinculada a um outro setor da classe
trabalhadora uma pequena burguesia, que no afetada de forma to brutal pelas intempries
do capitalismo. Um grupo que vive em uma sombra, em meio ao sol escaldante que, muitas
vezes tem que mudar de posio para no ser afetado, mas que dificilmente fica totalmente
exposto.
Alertando quanto a isso, o esforo tem sido de constantemente desconstruir e rever,
certezas e dvidas, prticas e posturas.
Aludir em termos de uma crise estrutural do capital e uma necessria transformao da
realidade parece, para muitos, uma insanidade infantil, adolescente. Uma utopia ligada a um
certo perodo da vida, algo que deixa de existir depois de algumas dcadas.
1 Para citar alguns; Hugo Aboites (UAM, Mxico), Mirta Antonelli (Universidade de Crdoba Argentina),
Nstor Correa (UBA Argentina), Roberto Elisalde (UBA-Argentina) e Claudia Korol. 2 O OSAL um projeto desenvolvido pelo Conselho Latino Americano de Cincias sociais (CLACSO) que
promove a cronologia dos conflitos sociais em diversos pases da Amrica latina e Caribe. 3 O curso de extenso registrado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) teve incio em 2006 e at o
momento segue com suas atividades. A proposta promover a formao poltica de militantes de movimentos
sociais, sindicatos e outras organizaes de trabalhadores do Rio de Janeiro. Para isso o curso conta com uma
Comisso Poltico Pedaggica (CPP) composta por lideranas e representantes de movimentos sociais e
integrantes dos setores crticos da universidade.
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Parece que esquecemos a histria e passamos a acreditar que este o nico mundo
possvel. Agindo como se sempre fora assim, com a presuno de sua poca, os sujeitos tm
esquecido outros momento, que nos dizem, que um dia fora diferente e que h um movimento
no curso na realidade. Este parece ser um importante elemento de contribuio do mtodo:
entender o movimento histrico que envolve os sujeitos e que os constri. Compreender que
no fora sempre assim e que a histria feita de alternativas, pois se encontra sempre em
aberto, como perspectiva bsica, nos parece um dos aspectos fundamentais para compreender
a anlise.
Pensar e agir desta forma, no Rio de Janeiro, Zona Sul, onde se pode ver, em alguns
recantos, estilos e formas de vida encontradas entre as principais economias do mundo, tem
sido difcil e solitrio. Declarar este elemento faz parte do processo de construo desta
anlise e compe o mtodo na medida em que, como nos diz Mzros:
O escopo original para a autocrtica na fase ascendente do desenvolvimento
histrico do sistema do capital foi muito importante, apesar das bvias
limitaes de classe. A relevncia dessa conexo est longe de ser
negligencivel porque, em termos de exigncias do desenvolvimento
cientfico em geral sem o qual as conquistas da economia poltica clssica seriam impensveis um elemento de autocrtica condio necessria para uma compreenso crtica do objeto. (2009, p. 234)
Fazer uma autocrtica como prope Mszros e assumir o local de onde falamos
parece ser algo justo com o leitor que pretende adentrar o texto, nas nuances do trabalho de
campo e nas dificuldades estruturais e concretas de realizao da pesquisa. Parte deste
movimento envolve a trajetria do pesquisador que se prope a faz-la e que assume a
fragilidade e o risco de tambm se expor.
Anunciar o dilogo com o mtodo marxista no apenas trabalhar com um
determinado escopo terico, mas antes, assumir uma determinada posio frente ao mundo.
Como de forma brilhante escreve Jos Paulo Neto (1992):
(...) uma parcela considervel das polmicas em torno do pensamento de
Marx parte menos de suas motivaes cientficas e mais de recusas
ideolgicas afinal, Marx nunca foi um obediente servidor da ordem burguesa: foi um pensador que colocou, na sua vida e na sua obra, a pesquisa
da verdade a servio dos trabalhadores e da revoluo socialista. (1992, p.
668)
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Compreender o olhar que se volta para determinado objeto tambm de certo,
entender em que momento na trajetria do pesquisador, aquele tema se transforma em
problema a ser analisado e estudado.
Na tentativa de elucidar este momento, relevante destacar que o trabalho com os
conflitos sociais no OSAL, a anlise das mdias nacionais da grande imprensa e das mdias
ligadas aos movimentos sociais foi o primeiro passo. Em seguida a articulao com os
movimentos sociais para a construo de um curso de formao poltica para militantes foi
fundamental.
A euforia desencadeada por toda essa gama de experincia em educao popular, de
luta e organizao foi acompanhada por outro sentimento, fruto das vivncias: a conjuntura
no a mais favorvel. Inicivamos uma turma com 150 militantes e, ao final tnhamos cerca
de 40. Uma evaso considervel. Ao mesmo tempo, as avaliaes sobre as atividades e a
organizao sempre foram positivas e reivindicavam a continuidade do trabalho.
Chegando a quinta edio no ano de 2010, o curso promoveu a vivncia com diversas
propostas de educao popular realizadas atualmente pelos movimentos sociais no Rio de
Janeiro. Como balano, podemos apontar avanos e retrocessos na articulao com os
movimentos sociais e na formao poltica no estado. Enfrentamos problemas de articulao,
recursos, espao, mas acumulamos muito em termos de experincias e vivncias na educao
popular. O que de fato podemos destacar neste momento que, nesta pesquisadora, fez toda a
diferena.
Ao mesmo tempo, a vida concreta, se choca com a realidade da maioria chamada
minoria. O trabalho, desarticulado da vida real vivida cotidianamente, desanima e
encharcado pela visualizao e vivncia em espaos e tempos de um outro Rio de Janeiro,
rico, limpo e seguro. Dvidas sobre como esse trabalho pode ser observado em outros espaos
que no o espao acadmico ainda democrtico, assombram.
Que utilidade pode ter para o mercado? No se pretende que tenha, mas o medo do
futuro est presente. um trabalho construdo em anos de convivncia e tentativa de
compreenso das conscincias que lutam, que buscam ainda seus coletivos, seus pares, para
uma ao prtica coletiva, mesmo que aparentemente mais terica.
Assumindo os riscos destas escolhas, o materialismo histrico dialtico como mtodo
o mais apropriado para lidar com a complexa realidade do dilogo entre o Estado e
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determinados setores sociais no Brasil e na Argentina. Em termos de educacionais, podemos
dizer que:
Falar da existncia de um processo educativo no interior de processos que se
desenvolvem fora dos canais institucionais escolares implica em ter como
pressuposto bsico, uma concepo de educao que no se restringe ao
aprendizado de contedos especficos transmitidos atravs de tcnicas e
instrumentos do processo pedaggico. (GOHN, 2009, p. 17)
A educao um campo de disputa. O processo educativo vem sendo entendido
historicamente pelos movimentos sociais como um processo para alm dos contedos
escolares, estreitamente ligado luta concreta cotidiana dos sujeitos e construo de uma
outra perspectiva, outro olhar sobre a realidade. Utilizamos a citao de Gohn para destacar a
importncia de estudos que tm sido desenvolvidos nesta rea pedaggica, mas assumimos a
impossibilidade de analisar este elemento mais a fundo, neste momento. O objetivo destas
linhas se desenhou em torno de outras questes.
A proposta estudar como os movimentos sociais tm ressignificado e
institucionalizado a relao entre a escola pblica e o Estado. Como os movimentos sociais,
com suas demandas e lutas conseguem conquistar e promover junto ao Estado, polticas
pblicas na educao. Neste sentido que os processos educativos que esto alm dos muros
da escola aparecem de forma candente e pulsante. No como parte central na anlise mas
como um dos pressupostos fundamentais.
A anlise busca reconhecer os nexos entre a experincia das Escolas Itinerantes do
MST no Brasil e dos Bacharelados Populares, na Argentina e os seus respectivos Estados. Os
dois casos abrangem pblicos distintos, pertencem a movimentos sociais distintos, com
diferentes origens reivindicatrias e histricas, mas que mantm uma relao entre a classe
trabalhadora organizada e o Estado, no que se refere escola, muito semelhante. Entre lutas e
disputas que travam com o Estado, estas experincias desenvolvem um processo de dilogo
de forma peculiar: o Estado garante a certificao - o reconhecimento oficial e em alguns
casos algum recurso e o movimento social realiza a gesto e a organizao da educao.
Mesmo reconhecendo os limites em termos de reconhecimento e recursos para as
experincias como veremos adiante, podemos dizer que, no campo pedaggica h um avano
importante pois, ao assumir a educao, o movimento social educa de acordo com suas
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concepes de mundo e sua histria de luta e o faz, por meio de uma poltica pblica, de um
direito social.
neste ponto que os casos parecem convergir para uma anlise que tambm
conjuntural. Que contradies no Estado garantem que experincias como essas existam? Que
enfrentamentos foram necessrios para essa conquista? Por que se configuram como polticas
pblicas? O que buscam os movimentos sociais na educao? De que forma uma determinada
concepo de pblico embasa e justifica essas experincias?
Estes so alguns questionamentos que iro nortear os captulos que se seguem.
No momento, importante situar conjunturalmente a busca da compreenso do
problema. Para isso citamos novamente Gohn (2009) que afirma:
Reformas e propostas educacionais, particularmente na rea escolar, no so
novidades histricas no Brasil do sculo XX. Porm se observarmos
atentamente o ciclo destes acontecimentos eles so datados e correspondem
a perodos de crises na economia, de redefinio do modelo de acumulao
vigente e de constituio de novos atores sociais como sujeitos da cena
poltica. (p. 7)
Estes apontamentos nos ajudam a situar a complexa conjuntura de organizao da luta
em torno da educao e da constituio destes movimentos sociais. Com isso destacamos dois
momentos importantes. O primeiro est vinculado ao surgimento destes movimentos e de suas
experincias educativas. O segundo, mais atrelado metodologia que estamos tratando agora,
o momento atual em que a pesquisa e o pesquisador historicamente se encontram. Trataremos
da trajetria das organizaes nos estudos de caso, por hora situaremos a pesquisa e o mtodo.
Para tanto algumas palavras sobre a conjuntura parecem necessrias.
A primeira dcada de dois mil foi marcada por momentos de crise do capital. Na
Argentina o auge da crise eclode no ano de 2001. No Brasil, aps as crises de 1998, 2001 e
aquilo que o presidente Lula da Silva chamou de marolinha, em meados de 2008 e 2009
causou desemprego, enorme renuncia fiscal para diversos setores, ajudas milionrias aos
bancos - que atingem novamente lucros recordes - e ainda uma ampliao das polticas sociais
de alvio pobreza, tambm conhecidas como bolsas. A situao atual ainda tem sido
constantemente agravada por catstrofes naturais de um sistema insustentvel
ambientalmente. As grandes chuvas que ocorreram no Sul, Sudeste e Nordeste do pas
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causaram comoo e denunciaram mais uma vez que o sistema tem se tornado cada vez mais
desigual.
Do outro lado do pas, no Par (regio Norte) o leilo para construo da Usina
Hidreltrica de Belo Monte foi realizado mesmo sob protesto dos movimentos sociais e
indgenas que tentaram por diversas vezes barrar o processo licitatrio inclusive por meios
institucionais. Estes elementos somados a forma como a classe trabalhadora tem tido seus
direitos flexibilizados e suas lideranas cooptadas e assassinadas, tem construdo um quadro
complexo para a anlise. Na dcada de dois mil no houve um refluxo em termos numricos
das lutas no pas no entanto, o governo Lula da Silva:
(...) que ao mesmo tempo manteve e reformou o neoliberalismo, contribuiu
para que estas lutas se mantivessem confinadas no nvel reivindicativo e
localizado, desviando-se do objetivo de uma luta poltica geral contra o
prprio modelo neoliberal. (BOITO, A.; GALVO, A. y MARCELINO, P.,
2009, p. 3)
Na anlise destes autores, o que parece importante no atual cenrio dos movimentos
sociais so as lutas econmico coorporativas dos sindicatos e a luta por moradia e o direito
cidade - que tem crescido e se expandido no territrio, principalmente nas reas atingidas
pelas chuvas. Na contramo deste processo, a distribuio de bolsas desvinculadas do direito
ao trabalho com dignidade para sem-tetos e sem-terras parece ter provocado uma ainda maior
desarticulao e refluxo na organizao da classe. O importante para ns neste momento que
ainda h tentativas e formas de reorganizao em meio ao refluxo - para fazer aluso ao
ttulo do livro do professor Marcelo Badar Mattos (2009) sobre a classe trabalhadora no
Brasil.
neste contexto que esta pesquisa se insere: em um momento de fragmentao da
classe e de esvaziamento da prpria categoria classe. Um momento de dvidas e certezas em
diferentes dimenses da vida.
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CAPTULO 1 - A PESQUISA
1.1 PROBLEMTICA
Tendo em vista que a luta pela educao parte da estratgica poltica dos
movimentos sociais da Amrica Latina, o presente estudo pretende investigar como estes
movimentos tm reivindicado e se apropriado da educao pblica, para promover e garantir a
(auto) formao da classe trabalhadora. Como salientado, o objetivo deste projeto examinar
duas experincias distintas: uma no Brasil, outra na Argentina, nas quais movimentos de
trabalhadores se apropriam e ressignificam a noo de pblico a partir da organizao e da
luta pela educao. O estudo no pretende estabelecer analogias, nem comparaes entre
dinmicas sociais que possuem particularidades, mas pretende compreender como os
movimentos estudados buscam forjar o pblico frente a contextos econmicos e sociais que
possuem fortes similaridades: os dois pases viveram pesadas conseqncias da crise da
dvida de 1982, passaram por profundas mudanas na sociedade e no Estado em decorrncia
do ajuste estrutural nos anos 1990 e, posteriormente, passaram a ser dirigidos por governos
social-liberais, mantendo o modelo do Ps-Consenso de Washington, juntando o social em
uma perspectiva de polticas focalizadas com a ortodoxia econmica de base neoliberal.
Para analisar a concepo de pblico que permeia a relao contraditria entre os
movimentos sociais e o Estado no mbito da luta pela educao pblica, gratuita e de
qualidade, o presente estudo investiga como, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) atravs de suas Escolas Itinerantes e, na Argentina, a Cooperativa de
Educadores e Investigadores Populares (CEIP) aglutinando posteriormente com movimentos
sociais, atravs dos Bacharelados Populares, organizam determinadas experincias educativas.
O estudo pretende investigar se estas experincias retomam o conceito de pblico presente na
tradio do pensamento crtico latino-americano4, na perspectiva de outros movimentos
sociais antissistmicos5 e na tradio da esquerda socialista inspirada nas lutas da Comuna de
Paris (1871)6.
4 Quijano (2005), Fernandes, (1973), Maritegui (2008), Retamar (2006), Sader (2005).
5 Conaie, Equador; Zapatistas, Mxico, entre outros
6 Para saber mais sobre a Comuna indicamos a leitura de Vladimir Ilitch Lennin, O Estado e a revoluo: O que
ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revoluo, So Paulo: Centauro, 2007 e
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A relevncia dessa problemtica, como pode ser visto adiante, justificada em um
contexto em que o pblico foi ressignificado como esfera corrupta, ineficiente e onerosa,
enquanto que a esfera privada apresentada, pelos setores dominantes, como eficiente,
dinmica, moderna. Esta concepo vem sendo amplamente difundida com a ideologia da
globalizao7.
Especialmente no que se refere educao, a influncia dos organismos internacionais
(Banco Mundial, UNESCO, BID, Cepal, OMC) tm contribudo conceitual e politicamente
para o esvaziamento da noo de pblico na Amrica Latina, principalmente a partir da
Rodada Uruguai em 1994 - que inclui a educao no setor de servios. Estes elementos
tambm fornecem importantes aspectos para situar o objeto no cenrio internacional nos dois
pases, visto que o bloco de poder dominante dos mesmos incorporou recontextualizando,
muitos elementos da agenda dos referidos organismos (LEHER, 2009).
O presente estudo trabalha com a hiptese de que as experincias das Escolas
Itinerantes do MST (Brasil) e dos Bacharelados Populares (Argentina) remetem tradio de
pblico fundada na experincia da Comuna de Paris ao reivindicarem em suas lutas, que o
pblico seja realmente pblico (expressando um real universalismo, distinto do falso
universalismo liberal) e que no se confunda com a esfera governamental e com o controle
particularista do Estado. Ambas experincias so iluminaes (BENJAMIN, 1994)
importantes em um contexto de hegemonia neoliberal e que, por isso, precisam ser
compreendidas e socializadas.
Para investigar a hiptese, o estudo pretende examinar como estas experincias de
Educao Popular interagem com o Estado particularista (em que as principais fraes
Roberto Leher, Educao Popular como Estratgia Poltica. In: Edineide Jezine; Maria de Lourdes Pinto de
Almeida. (Org.). Educao e Movimentos Sociais: novos olhares. 1 ed. So Paulo: Alnea, 2007 . 7 A globalizao neste sentido se refere a uma ideia difundida para justificar os ajustes estruturais do capital. Com a queda das taxas de lucro nas dcadas de 1960 e 1970, o capital teve que buscar outros mercados para
poder se expandir e, nesse perodo a ideia de globalizao passa a ser difundida. Nas palavras de Leher:
Atualmente a configurao do processo de expanso do capital, moldada pela globalizao, feita sob medida para preservar os interesses do capital s custas dos direitos do trabalho. Neste sentido, a chamada globalizao uma ideologia exageradamente reacionria. De fato, a afirmao de que os salrios e os empregos ganhariam
com a liberalizao generalizada cnica. Com a expanso do capital rentista, a situao outra: o desemprego
estrutural avana em toda parte, mesmo que sob a roupagem da terceirizao e de outras modalidades de
precarizao do trabalho. (LEHER, 1998 p. 128). Para saber mais indicamos a leitura completa do artigo: "A ideologia da globalizao na poltica de formao profissional brasileira". Revista Trabalho & Educao.
NETE/UFMG, n.4, p.119-134, ago.1998.
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burguesas logram excepcional influncia nos centros decisrios do Estado) para garantir a
infraestrutura dos espaos e tempos, pessoal docente e a certificao das propostas para que os
estudantes possam ter sua escolarizao reconhecida. A educao popular historicamente
vinculada a uma educao dita no formal passa a integrar o sistema formal, a partir das
experincias estudadas, na medida em que conquistam junto ao Estado a certificao e, em
alguns casos, algum recurso necessrios para sua existncia concreta.
Este estudo, atravs de uma abordagem histrica, examina como se estabeleceu esse
dilogo destacando em especial os principais embates que definiram os critrios que
normatizam a relao com o Estado. Cabe destacar a importncia de compreender como se
configura a interveno e o controle do Estado frente a essas iniciativas. No caso das Escolas
Itinerantes do MST no Brasil, cabe ainda destacar que, no final de 2008, o Estado do Rio
Grande do Sul as descredenciou como parte da ofensiva contra a autonomia de classe do
MST.
Em uma ao violenta e autoritria, o governo do Estado alegou que a educao era
dogmtica a comparando a formao de terroristas.
No relatrio elaborado pelos promotores Luciano de Faria Brasil e Fbio
Roque Sbardeloto, onde a interveno nas escolas foi sugerida inicialmente,
a referncia bsicas a revista VEJA que compara as escolas do movimento
aos Madraais do Isl e as acusa de ensinar as crianas a defender o socialismo e desenvolver a conscincia revolucionria. Os promotores afirmam que o objetivo da interveno nas escolas colocar as crianas e adolescentes que residem nos acampamentos a salvo da ideologizao
agressiva. (fls. 79) 8
Tentar compreender o processo que criminaliza as escolas, junto s investidas contra o
prprio MST, tambm nos parece uma questo fundamental. Em que momento e, com que
argumentos o governo do estado do Rio Grande do Sul empreendeu as medidas que
objetivaram encerrar as iniciativas educacionais negociadas pelo MST? Com mais vagar
8 A informao pode ser acessada na pgina do MST em artigo de Leandro Scalabrin, membro da comisso de
direitos humanos OAB - Passo Fundo RS. MP e governo Yeda voltam a criminalizar MST. Disponvel em: http://www.mst.org.br/node/6489. Acessado em 2 de outubro de 2010.
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apresentaremos esta relao no estudo do caso das escolas Itinerantes. Por hora, vale lembrar
que as aes parecem estar articuladas.
A presente proposta no pode deixar de apontar aspectos referentes luta pela
educao pblica e seus reflexos nas propostas pedaggicas. Para os objetivos desta
investigao fundamental compreender como vem sendo pensada a mediao entre a
formao poltica e a educao formal. Para isso no adentraremos demasiado na metodologia
pedaggica ou os eixos programticos e sim tentaremos encontrar vestgios de uma educao
que vislumbra uma outra forma de organizao da sociedade.
1.2 OBJETIVOS GERAIS
A partir dos elementos centrais apresentados na problemtica que motiva o presente
projeto, a pesquisa busca investigar os nexos entre luta social, Estado e sociedade civil, na
garantia de polticas pblicas de educao, e tem como base emprica dois casos: (i) a
constituio dos Bacharelados Populares na Argentina e (ii) das Escolas Itinerantes do MST
no Rio Grande do Sul; enfocando a histria de luta pela educao destacando a categoria
pblico dos referidos movimentos sociais, a concepo de educao praticada pelos mesmos
e o dilogo/ confrontos que estabelecem com os respectivos Estados.
1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS
Este trabalho busca compreender:
a) As relaes contraditrias entre os movimentos sociais e o Estado na luta
pela educao, particularizando o estudo do MST e dos trabalhadores
organizados em torno da luta da Metalrgica IMPA - que organiza o
primeiro os Bacharelado Popular reconhecido na cidade de Buenos Aires -
enfatizando o estudo das estratgias adotadas pelos referidos movimentos
para assegurar o carter pblico de suas escolas e a autonomia (tanto do
movimento, como do projeto educativo) frente ao Estado e aos governos.
-
b) Como a educao e o conceito de pblico so concebidos no projeto
educativo dos respectivos movimentos e a relao destes com a formao
poltica no mbito da histria da luta e da constituio das Escolas
Itinerantes do MST e dos Bacharelados Populares e;
c) O processo de constituio do pblico na educao como parte dos embates
por projetos sociais alternativos.
1.4 RELEVNCIA
A crescente mercantilizao da educao e sua entrada no setor de servios tm
deslocado a noo de pblico forjada pela Comuna de Paris que constituiu uma das mais
inspiradoras experincias de pblico reivindicada pelos movimentos proletrios do Sculo XX
e, que segue sendo uma inspirao para as lutas sociais do presente.
A partir da dcada de 1990 o sistema capitalista parece passar por uma grande
reformulao (MSZROS, 2009). Com a ampliao da globalizao - tida neste trabalho
como ideologia que refora e amplia a explorao e a expanso do capital9 - e as chamadas
reformas do Estado, o sistema se reorganiza para reconfigurar o papel das polticas sociais.
Como esclarece Gohn (2001) acerca dos anos 1990:
O Estado passou a patrocinar polticas de insero social para os indivduos
excludos do acesso ao mercado de trabalho, ou destitudos de seus direitos
sociais por meio de polticas compensatrias (bolsas/empregos, frentes de
trabalho etc.), visando atenuar os impactos da diminuio de suas atividades
em setores estratgicos do social como nas reas de educao e sade. As
polticas de ajustes estruturais tm sido apresentadas como modernas,
inevitveis e de largo alcance. (p. 91)
No final da dcada de dois mil, a situao no apresentava grandes mudanas, no
entanto, as polticas sociais de auxlio pobreza se expandiam e abandonavam de certo
qualquer perspectiva de frente de trabalho/emprego. No final desta primeira dcada do
milnio, a desigualdade parece estar impregnada a tal ponto que se tornou algo irreversvel,
prprio deste sistema - o que no deixa de ser verdadeiro. Avaliao verdadeira que,
9 Ver nota 8.
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acompanhada pela queda do socialismo, a influncia da grande mdia e a expanso das
grandes corporaes, compe um cenrio complexo para aqueles que ainda acreditam na
transformao da realidade.
Estas referncias conjunturais histricas nos ajudam a compreender o cenrio que
comeou a ser desenhado na dcada de 1990 e que segue atual nos dias de hoje. No entanto,
este no representa o foco da anlise que se seguir. O que nos parece importante neste
cenrio complexo de reformulao do papel do Estado na economia e nas polticas sociais,
so os novos atores sociais que emergiram nesse processo. importante destacar o
surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central nica dos Trabalhadores (CUT) e
do MST na dcada de 1980 no Brasil e, do Movimento de Piqueteiro e do Movimento
Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) na Argentina. A organizao destes novos
atores sociais em luta contra as reformas neoliberais representam os sujeitos que pretendemos
analisar.
Neste recorte mais amplo e amplamente estudado por pesquisadores engajados,
faremos outro, que nos parece de suma importncia: organizaes de trabalhadores em luta
que tomam a educao como um setor estratgico para a mobilizao e para a transformao
da realidade.
A anlise dos sujeitos em luta que reivindicam a educao, em seu sentido ampliado -
se tratando no apenas de contedos escolares, mas tambm da pedagogia advinda das lutas e
das experincias vivenciadas pelos sujeitos nessas prticas sociais, como sublinhou E. P.
Thompson (1997) - representa um esforo de tentar compreender como algumas destas
polticas sociais, fruto das reformas do Estado iniciadas principalmente na dcada de 1990,
so entendidas pelos movimentos sociais e combatidas por eles. Neste contexto a anlise mais
especfica trata de entender como estes movimentos sociais operam as contradies nos
Estados, a correlao de foras, para promover uma educao pblica de qualidade e para
todos a partir, de certo, de polticas pblicas.
Ao analisar o percurso histrico das polticas pblicas logradas, observamos que estas,
foram conquistadas a partir da mobilizao e da luta social e muitas vezes, como nos diz
GOHN (2009) em momentos de crise. As polticas pblicas de cunho social so forjadas nos
momentos em que a correlao de foras se encontra a favor dos trabalhadores. Tendo isso
como norte, nos questionamos: como setores sociais em luta, tm se mobilizado e logrado
garantir a educao de fraes da classe trabalhadora? Que significado histrico isso pode
-
possuir? Que tipo de resistncia frente ao modelo atual, estas iniciativas representam? O que
essa pedagogia da (auto) formao nos processos de luta social pode contribuir para a
formao da conscincia poltica dos sujeitos?
O capital sempre atuou de algum modo, na disputa da formao intelectual e moral do
conjunto dos trabalhadores. As organizaes empresariais no esto inertes frente aos
processos educativos dos trabalhadores e a forma mais profunda de atuao do capital na
educao a sua ressignificao como servio a ser ofertado no mercado. Com efeito, a
comodificao que coisifica a educao e a converte em um lucrativo nicho do mercado tem
levado a privatizaes e ressignificaes do espao pblico. A aprovao do Programa de
Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (Reuni) revelia das organizaes
estudantis e docentes, a expanso dos cursos - servios mercantis - dentro das universidades
pblicas e o Programa Universidade para Todos (Prouni) so alguns dos exemplos das
polticas privatizantes ampliadas no governo Lula da Silva.
O Prouni, como poltica pblica de educao superior que repassa verbas pblicas
para as organizaes empresariais com fins lucrativos emblemtico. Com o nfimo
percentual de vagas gratuitas, o subsdio do Estado garante o repasse - ou no recolhimento
por meio de impostos de recursos pblicos para o setor privado10. Alm disso, as vagas nas
universidades federais foram ampliadas s custas do aumento da relao professores/alunos,
da no ampliao dos espaos e dos laboratrios. Algumas vagas para docentes e funcionrios
tm sido abertas, o que certamente importante, mas de fato, no parecem acompanhar o
ritmo de uma expanso decretada.
Ao mesmo tempo em que espaos pblicos fundamentais tm sido paulatinamente
privatizados e sucateados, outros, tm sido forjados pelos movimentos sociais que concebem
a educao como parte da estratgia poltica. Vale lembrar que para alm da educao das
Escolas Itinerantes, o MST tem dialogado com universidades para promover cursos de
10 No caso da compra de vagas no setor privado, previsto no referido Programa Universidade para Todos, essas vagas adquiridas nas privadas sero contabilizadas como vagas pblicas (atendem ao interesse pblico),
entretanto, o estudante poder ter gratuidade integral ou no, conforme a sua renda, isso , sero vagas pblicas,
mas no gratuitas. Uma questo imediata: por isonomia, se as vagas pblicas adquiridas nas particulares no , necessariamente, gratuita, por que as pblicas estatais teriam de prosseguir sendo gratuitas? (SADER e LEHER, 2006, p. 13) Publicado no site Frgoa, da Universidade de Santiago de Compostela , em 19.06.2006. Encontrado
no endereo eletrnico: http://firgoa.usc.es/drupal/node/30051. Acessado em 25 de julho de 2010.
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Pedagogia da Terra, alm de cursos de formao poltica por todo o pas e que, na Argentina,
os movimentos sociais possuem uma larga histria de educao popular e de universidades
populares.
Dialogar com os protagonistas que vm empreendendo a resistncia a essa tendncia
do sistema capitalista e que realizam experincias alternativas de educao, uma importante
funo da universidade pblica. Dar a voz aos lutadores que vem empreendendo esta disputa,
fazer o registro histrico e tentar compreender os sujeitos em luta um grande objetivo para
um trabalho to restrito, porm uma tentativa de princpio, de aproximao.
Na recusa a qualquer idia de neutralidade o tema, sobre o conflito entre as classes
como motor da histria, esta presente no contexto da pesquisa.
A situao dos pases perifricos, sistematizada por Florestan Fernandes no conceito
de "capitalismo dependente (FERNANDES, 1973) na tentativa de explicitar a relao
internacional do avano do capital, nos mostra que a educao, assim como outros setores
(sade, moradia, trabalho) vivem um processo global de privatizaes, terceirizaes e
rupturas com uma determinada concepo de pblico gestada durante a Comuna de Paris e
incorporadas nas cartas constitucionais de vrios pases. A flexibilizao das leis trabalhistas,
o aumento da idade para aposentadoria e a privatizao de polticas sociais so o reflexo deste
processo que no apenas local, mas internacional. Apesar de viver este contexto, os
protagonistas a que nos referimos parecem apontar, mesmo que de forma residual, em uma
outra direo possvel.
Apontar indicaes de estratgias para garantir polticas pblicas com gesto e
organizao popular, parece ser um dos eixos fundamentais desta anlise. No bojo desta
escolha de recorte, nos parece importante destacar a relao deste aspecto com o mtodo:
existe uma mudana possvel, nem sempre fora assim e uma transformao pode ser pensada,
construda e realizada. A educao neste sentido no um aspecto isolado em sua grande
misso, mas uma ferramenta fundamental, sem a qual, a mudana no parece possvel. Os
movimentos sociais em sua histria tm percebido esta questo de forma peculiar.
A forma como os movimentos sociais dialogam e enfrentam o Estado para garantir a
educao de seus militantes, filhos de trabalhadores, jovens e adultos, coloca em destaque o
protagonismo dessas organizaes na garantia do direito dos trabalhadores e em especial, do
direito a educao.
-
Os Bacharelados Populares e as Escolas Itinerantes do MST a partir de uma histria de
lutas e embates com o Estado conquistam o direito de promover o processo educativo levando
em considerao as condies de luta das organizaes e uma determinada viso de mundo.
Alm disso, lembram que a educao dever do Estado que deve reconhecer, incentivar e
promover a educao da populao. Como experincia inicial de autogesto, a questo dos
recursos ainda representa um impasse, mas a certificao um fato em alguns Bacharelados
Populares e, durante cerca de 12 anos, tambm o foi nas Escolas Itinerantes do Rio Grande do
Sul.
As tenses so inevitveis na disputa do conceito de pblico, tratam-se de conflitos
entre um universalismo em que caibam todos os povos e um universalismo que, por definio,
no pode ser concreto, pois incapaz de assegurar os direitos para todos os que possuem um
rosto humano, diferenciando, negativamente, a educao conforme as classes, etnias, regies,
no no sentido de valorizar as cosmovises e a epistemologia de produo do conhecimento
dos povos, mas de distingui-las para oferecer uma educao minimalista e hierarquizada que
mantm a desigualdade social. Na histria das lutas proletrias e dos movimentos
encontramos um conceito universal de homem como ser genrico, nos termos de Marx,
conforme sustentado por Losurdo (1996).
Podemos destacar com estes primeiros apontamentos que, a relevncia deste trabalho
de pesquisa, est vinculada a dois eixos principais: a produo de um conhecimento crtico,
vinculado e embasado nas lutas sociais do presente e preocupado com as estratgias
empreendidas pelos movimentos sociais para garantir que polticas pblicas de educao
sejam gestadas no interior deste Estado particularista e; a questo da autonomia universitria e
seu papel na anlise dos problemas da sociedade brasileira como contribuio daquele
pesquisador que tem acesso s polticas pblicas e possui um compromisso tico e social com
as mazelas da sociedade.
Sabemos contudo que, iniciativas isoladas como estas no faro a transformao da
realidade a curto e quem sabe nem, a longo prazo. No entanto se tratam de experincias, de
tentativas de assegurar o que at este momento um direito, mas que um dia, pode se tornar
obsoleto.
Assim como podemos crer que a transformao possvel, no descartamos que o
endurecimento, a flexibilizao e a precarizao avanaro ainda mais. Saber que garantir o
que ainda temos pode ser mais efetivo do que buscar conquistar novamente o que perdemos
-
pode ser um argumento, mas preferimos destacar que este processo educativo que vem sendo
empreendido pelos movimentos sociais tem um significado um pouco mais denso, pois
refunda e retoma uma determinada concepo de pblico.
Nosso enfoque esta diretamente ligado a questo do acesso a educao pblica de
qualidade para todos - por meio de polticas pblicas, isto , da luta das organizaes de
trabalhadores mas o reflexo deste processo em um processo de transformao mais amplo
ainda no mensurvel. A histria nos dir se um dia ser.
Por hora vale lembrar que o estudo desinteressado no faz parte deste projeto. A
problematizaro envolve escolhas e prioridades e a crescente privatizao tem sido um
importante estmulo para o estudo que busca a justificao do pblico.
Entender e destacar movimentos sociais e suas experincias como protagonistas de um
processo histrico de retomada do pblico como aquilo que de todo o povo, faz parte da
construo de uma outra hegemonia. Ao investigar essa problemtica em articulao com os
movimentos, a universidade pblica, pode retomar a sua funo social que passa pelo
enfrentamento dos grandes problemas dos povos e, neste sentido, a educao do conjunto dos
trabalhadores do campo e da cidade seguramente um dos temas centrais posto o apartheid
educacional (LEHER, 1998) planetrio vigente ainda no sculo XXI.
1.5 METODOLOGIA
Podemos encontrar indicaes do mtodo utilizado para esta anlise desde a primeira
pgina. Na introduo trazemos elementos fundamentais para compreender a escolha do
objeto pelo pesquisador, sua trajetria de vida e sua trajetria acadmica. Elementos
fundamentais que situam o sujeito pesquisador e a pesquisa. O problema em sua histria de
vida. O materialismo histrico e dialtico nas mais diversas dimenses da vida de
pesquisadores e pesquisados.
Nesta seo trataremos do mtodo de forma mais explcita e analtica tentando
apresentar suas contribuies e elucidaes.
O mtodo utilizado para a construo do objeto deste trabalho o Materialismo
Histrico e Dialtico de Marx e de autores que seguem essa perspectiva como Limoeiro
Cardoso, (1978), Kosik, (1976) e Sanfelice (2005). O materialismo histrico dialtico de
-
Marx um mtodo que dentre outros aspectos, ressalta a importncia de se considerar o
homem como um ser social historicamente construdo e constitudo que, ao mesmo tempo em
que se determina historicamente ele constri e modifica a histria. Neste sentido vale
destacar:
A dialtica no considera os produtos fixados, as configuraes e os objetos,
todo o conjunto do mundo material reificado como algo originrio e
independente. Do mesmo modo como assim no considera o mundo das
representaes e do pensamento comum, no os aceita sob o seu aspecto
imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo
objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa
originalidade para se mostrarem como fenmenos derivados e mediatos,
como sedimentos e produtos da prxis social da humanidade. (KOSIK, 1976,
p. 16)
O mtodo dialtico se configura como uma forma de observar e agir crtico sobre um
determinado objeto. Objeto este, em constante mudana, movimento e que contm
contradies. A realidade, como diria Paulo Freire no , est sendo (1996, p. 76). Situar
historicamente os sujeitos, os fatos histricos nos ajuda a compreender de forma concreta que,
no fora sempre assim e no ser. A histria nos mostra que sim, outro mundo possvel.
Com isso, podemos dizer que o mtodo, para alm das ferramentas analticas que
fornece, ele atribui ao pesquisador uma determinada posio frente ao mundo, uma
determinada forma de encarar e visualizar a realidade que no se assemelha em nada ao
imobilismo contemplatrio que a ideologia da globalizao traz.
Em termos de conhecimento e sistematizao do objeto, o mtodo dialtico considera
que a realidade de um determinado fenmeno ou de um objeto nunca se encontra na superfcie
deste objeto ou deste fenmeno, busca ento cindir: aparncia e essncia, na perspectiva de
pontuar o que realmente essencial para a construo e a demonstrao de sua coerncia
interna.
Com isso, preciso considerar que a dialtica no atinge o pensamento de fora para
dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento
que a prpria dialtica em uma de suas formas; o conhecimento a decomposio do todo.
(KOSIK, 1976, p. 14). O pensamento contraditrio reflete tambm as contradies da
realidade j que, como diria o prprio Marx, so as condies objetivas que movem e
constroem as idias e no o contrrio.
-
Neste sentido, no se trata de dividir e isolar as partes para entend-las e sim de
determinar recortes que no percam a dimenso do todo. A luta de classe como motor da
histria (MARX, K; ENGELS, F. 1998) parece apontar neste sentido, se a tomamos como um
eixo norteador, analisar qualquer fato histrico ou sujeito histrico no nos deixa perder de
vista que h um processo de explorao e luta mais amplo que envolve classes antagnicas e
blocos histricos no poder.
Analisar isoladamente as particularidades que compem um problema no sentido
marxista representa um esforo de compreender as determinaes do mundo fenomnico,
examinando os nexos entre as dimenses particulares e, assim, construir a totalidade, a
conjuntura maior em seu movimento. Somente quando inserido no contexto histrico, na
conjuntura poltica que as partes fazem sentido. Tentaremos realizar este movimento
complexo na anlise que pretendemos, mas alertamos desde j os riscos e a complexidade que
este elemento do mtodo representa.
No que se refere relao entre o investigador e seu objeto de estudo, ou melhor,
entre o sujeito e a realidade objetiva (SANFELICE, 2005 p. 83), os marxistas sinalizam a
necessidade de o investigador estar vinculado realidade concreta que ele investiga. Neste
sentido a prxis est relacionada no apenas prtica na realidade concreta, mas sim da
prtica e da teoria na composio e transformao da realidade.
Por crermos que este elemento j fora bastante trabalhado e explicitado na seo
introdutria quando tratamos de explicitar as escolhas e a trajetria do pesquisador, e que ser
trabalhado nas sees que viro, no abordaremos este aspecto novamente neste momento.
Levando em considerao que a metodologia no esta presente apenas na seo metodolgica,
mas se encontra em todo o trabalho de pesquisa (terico e prtico), cuidamos de trazer nesta
seo elementos centrais mais especficos com relao a forma de abordagem e a concepo
de mundo que o mtodo pressupe.
Este trabalho busca caminhar no sentido de produzir um conhecimento que esteja
no somente vinculado realidade concreta dos sujeitos em luta, mas que, esteja
comprometido com um novo projeto de pas. Cabe ento ressaltar as clebres palavras de
Freire no livro Pedagogia da Autonomia:
O mundo no . O mundo est sendo. Como subjetividade curiosa,
inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me
relaciono, meu papel no mundo no s o de quem constata o que ocorre,
-
mas tambm o de quem intervm como sujeito de ocorrncias . No sou
apenas objeto da histria, mas seu sujeito igualmente. No mundo da histria,
da cultura, da poltica, constato no para me adaptar, mas para mudar. (1996,
p. 76)
Os movimentos investigados por suas particularidades incorporam, em suas prxis,
dimenses provenientes de tradies intelectuais que foram recontextualizadas em suas lutas.
Em especial, no caso do MST, a tradio proveniente da Teologia da Libertao (LOWY,
2000) e, em comum com o Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER), de
aportes do pensamento crtico latino-americano mencionados por Retamar (2006). Desse
modo, na construo do objeto, o projeto no pode deixar de considerar centralmente a
proposio de Maritegui de que o pensamento latino-americano no pode ser nem decalque,
nem cpia do conhecimento produzido nos pases centrais. H caractersticas peculiares
comuns na tradio do pensamento crtico latino-americano que tentaremos considerar. Existe
nos movimentos analisados, uma leitura caracterstica sobre os intelectuais, o ato pedaggico,
a concepo de movimento e de bem viver que exige um dilogo aberto entre o marxismo e
as referidas tradies.
A educao, como elemento fundamental para a construo de uma outra perspectiva
assume no mtodo um papel importante j que ao mesmo tempo que reproduz um
determinado modus operandi tem as condies para contest-lo.
O conceito de hegemonia nos parece importante na medida em que tomado pelas
organizaes de trabalhadores como uma construo histrica que envolve a conscincia, a
viso de mundo de uma classe. Viso esta que ganha corpo e assume o discurso do senso
comum da sociedade como um todo. A hegemonia da classe dominante se expressa no senso
comum do conjunto das classes que acabam por assumir o discurso dominante como seu. Este
conceito se encontra estritamente ligado a questo histrica que um dos elemento
fundamentais do mtodo. Ao assumir como posio, de que o mundo: e no, est sendo,
como apontava Freire (1997), se adquire uma posio que de imobilidade indiscutvel e
mobilidade improvvel quando no impossvel. A contribuio de Gramsci sobre o conceito
de hegemonia, para a compreenso do mtodo de suma importncia. Em se tratando de um
conceito extremamente complexo, fluido (que recebeu vrias atribuies durante a histria),
utilizaremos a breve conceituao de hegemonia de Mochcovitch em que:
-
Hegemonia o conjunto de funes de domnio e direo exercida por uma
classe social dominante, no decurso de um perodo histrico, sobre outra
classe social e at sobre o conjunto das classes sociais. A hegemonia
composta de duas funes: funo de domnio e funo de direo
intelectual e moral, ou funo prpria da hegemonia (...) (1992, p. 20)
Mesmo assumindo os riscos de definies como esta em que hegemonia ,
elegemos este argumento que, apesar de simplificar o conceito e sua trajetria, expe uma
clara e resumida idia do conceito. O conceito de hegemonia que remete ao conceito de
ideologia elucida a compreenso de escola, de educao e de luta para as organizaes sociais
e por isso no poderamos deix-lo de fora. Porm, devido ao curto tempo e a densa e
trabalhosa coleta de dados nos dois pases, um trabalho mais especfico sobre o conceito de
hegemonia no foi possvel.
Mais adiante, na seo sobre as referncias bibliogrficas, o mtodo e a metodologia
estaro novamente presentes na escolha das categorias chaves de anlise e na interpretao
que se tem delas. Neste momento vale destacar novamente que a questo metodolgica
representa no apenas um mtodo cientfico e sim uma viso de mundo. Uma viso de
movimento, processo e de transformao possvel.
Na seo seguinte trataremos das ferramentas e estratgias de coleta de dados. Como
instrumentos metodolgicos utilizamos a entrevista semi estruturada, a observao das
experincias e a anlise de documentos oficiais (no sentido de estarem situadas no mbito do
Estado e das organizaes).
1.5.1 Base emprica para anlise dos Bacharelados Populares
Fontes primrias
Documentos em discusso relativos certificao e ao Projeto Poltico Pedaggico da
experincia.
Planos de aula.
Documentos e atas de encontros, seminrios e reunies com os sujeitos que tem
empreendido as experincias.
-
Notas e panfletos
Fontes secundrias
Livros que relatam a experincia e seu contexto histrico como Seoane (2004) e
Elisalde, R e Ampudia, M (2008)
Artigos acadmicos:
SVERDLICK, I.; COSTAS, P.. 4. Bachilleratos Populares en Empresas
Recuperadas y Organizaciones Sociales en Buenos Aires-Argentina. En publicacion:
Referencias, ao 5, no. 24. Movimientos sociales y derecho a la educacin: cuatro estudios.
Pablo Gentili e Ingrid Sverdlick (compiladores). LPP, Laboratorio de Polticas Pblicas:
Argentina. Diciembre. 2008 1850-3683. Disponvel em: http://www.foro-
latino.org/flape/boletines/boletin_referencias/boletin_24/documentos/MovSociales/mov_soc_
der_educ.pdf .Acessado em 19 de julho de 2009, 08:20:10.
NORA, G.; BURGOS, A.; KAROLINSKI, M. Movimientos sociales, educacin
popular y escolarizacin "oficial". La autonoma "en cuestin". En publicacion:
Referencias, ao 5, no. 24. LPP, Laboratorio de Polticas Pblicas: Argentina. Diciembre.
2008 1850-3683. Disponvel em:
http://www.forolatino.org/flape/boletines/boletin_referencias/boletin_24/documentos/MovSoc
iales/Simposio_Gluz_Burgos_Karolinski.pdf Acessado em 15 de julho de 2009, 17:30:10
Alm destas fontes foram feitas, entrevistas com Roberto Elisalde e Marcelo Castillo e
visitas iniciativa em Buenos Aires.
1.5.2 Base emprica para anlise das escolas Itinerantes
Fontes primrias
Notas, abaixo assinados referentes a luta pela continuao do trabalho das Escolas
Itinerantes.
Cronologias do Observatrio Social da Amrica Latina sobre o fechamento das
escolas no Rio Grande do Sul.
Documento do Ministrio Pblico Estadual anunciando a criminalizao do
Movimento.
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O convnio das escolas com o Estado e posteriormente o Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) de fechamento das escolas.
Fontes secundrias
Livros de Roseli Caldart (2004) e Camini (2009)
Dissertaes sobre as escolas:
Caroline Bahniuk, Educao, trabalho e emancipao humana: um estudo sobre as
escolas itinerantes do MST, (Dissertao de Mestrado, Universidade Federal de Santa
Catarina, 2008), p. 170.
Raquel Puhl, O movimento da escola na educao do campo, (Dissertao de
Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008), p. 98.
Alm disso, a base emprica contou ainda com uma entrevista com Isabela Braga, do
setor de formao do MST no Estado do Rio Grande do Sul.
1.5.3 Eixos de anlises e questes para empiria
Tendo em vista que so muitas as questes que envolvem estas experincias
educativas, decidimos fazer um recorte mais sistemtico. Com isso, elegemos cinco eixos
principais de anlise:
1) Conjuntura histrica tentativas de encontrar os antecedentes e situar as
experincias.
2) Trajetria de constituio das experincias educativas.
3) Embates e dilogo com o Estado. Garantia de reconhecimento e recurso para as
iniciativas
4) O pblico e a luta no currculo e na prtica
5) A situao atual e a criminalizao das escolas Itinerantes no Brasil
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Nos eixos 1 e 2, sero investigados os antecedentes histricos, as articulaes polticas
e a constituio das iniciativas. Em que contexto histrico estes movimentos surgem? Em que
momento passam a reivindicar o direito de realizar a educao? Como surge a idia dos
Bacharelados Populares e das Escolas Itinerantes? Como a luta pela educao se torna
estratgica para a luta dos referidos movimentos sociais?
No eixo seguinte (3) analisaremos o dilogo com o Estado. A luta pelo
reconhecimento, financiamento e gesto. Como se d a autogesto? Que estratgias
asseguram um real protagonismo dos sujeitos envolvidos nas experincias? Como feita a
coordenao e como a luta pela educao pblica se insere nas discusses? Como se d o
financiamento dessas iniciativas? O Estado participa de que forma? Quais as formas utilizadas
pelos movimentos para assegurar a autonomia dos movimentos frente ao Estado?
No eixo 4 trabalharemos com a questo da luta pelo pblico e a conquista de uma
determinada autonomia curricular e de gesto. Como o currculo definido? Que idias esto
presentes nos projetos polticos pedaggicos construdos pelas organizaes em luta? Onde
uma educao emancipa tria aparece na prtica? Qual o lugar da luta social nessas
pedagogias? Que valores e tica, para a construo de uma sociedade para o socialismo e no
socialismo, estas experincias tem germinado? Esta formao busca uma educao que supere
o modo de produo capitalista atravs da construo de uma outra hegemonia? Alm disso,
analisaremos ainda neste eixo, os atores sociais: quem trabalha nas escolas? Que tipo de
formao tiveram esses educadores? Como se tem pensado o trabalho dos formadores, dos
intelectuais envolvidos nas experincias? Como se organiza a escola?
No quinto e ltimo eixo, analisaremos a situao atual de ambas as iniciativas e
tentaremos compreender, os aspectos que legitimam as experincias na Argentina e aqueles
que levaram a sua criminalizao no Brasil.
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CAPTULO 2 REFERNCIAS TERICAS
Para entender estas experincias organizadas e gestadas nos movimentos sociais ser
importante elucidar algumas categorias, forjadas historicamente e que nos ajudam a
compreender o objeto de estudo e nos fornece ferramentas de anlise. Como trabalho inicial,
quatro eixos de pares categricos parecem ser fundamentais: Estado e sociedade civil, pblico
e privado, movimentos sociais e classes sociais e, educao e movimentos sociais.
Trataremos de cada categoria abstrata em sees subsequentes, por hora basta destacar
que, para compreender as relaes entre os movimentos sociais latino americanos j
brevemente descritos, e o Estado, no que se refere a garantia da escola pblica para um
determinado setor da classe trabalhadora, uma anlise inicial sobre estes Estados parece
importante. Que atores esto imbricados nele? Que processos ele vem empreendendo
historicamente? A que classe, na atual correlao de foras - para utilizar a terminologia de
Gramsci - ele est mais diretamente relacionado e favorecendo?
A partir de uma primeira observao sobre este Estado, encontramos uma diversidade
de sujeitos sociais mergulhados em uma pantanosa e heterognea sociedade civil. Estes
sujeitos, supostamente neutros e desinteressados, parecem j ter percebido a importncia
estratgica da educao.
Setores empresariais tm se articulado em organizaes como Ita Cultural,
Movimento todos pela educao (que engloba diferentes setores privados), Fundao
Bradesco, Fundao Roberto Marinho, entre outras buscando parcerias com o setor pblico e
privatizando pouco a pouco a poltica pblica educacional no Brasil. A rodada Uruguai de
1994 e outras polticas de privatizao que vem transformando a educao em mercadoria
contribuem fartamente para isso.
Conhecer e compreender um pouco este Estado e a sociedade civil que o compe,
parece nos fazer caminhar para uma questo de suma relevncia na atual conjuntura: a
flexibilizao das fronteiras entre o pblico e o privado. Com uma maior participao desta
sociedade civil heterognea e amplamente relacionada aos empresrios, o pblico tem se
tornado cada vez menos pblico. Como esse processo acontece na educao? Que setores esta
mercantilizao da educao favorece?
Outro par conceitual que nos parece fundamental para compreenso dos protagonistas
em luta so as categorias de classe social e movimento social. Compreender o que estamos
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chamando de movimentos sociais e a que conceito de classe social nos referimos nos ajuda a
compreender o enfoque e clarifica o mtodo de anlise j exposto em seo anterior.
Por ltimo, o conceito de educao e movimentos sociais fundamental na medida em
que nos ajuda a compreender: que escola vem sendo pleiteada pelos movimentos sociais; que
idia de educao tem sido gestada no interior dessas organizaes; que tericos so
reivindicados e que noo de educao pblica permeia estas experincias. Para isso,
trataremos brevemente da histria da educao popular e de porque importante ter educao
pblica de qualidade como poltica pblica de Estado. Com isso, abordaremos algumas
perspectivas que buscam uma escola pblica para o bem viver e no para produzir capital
humano para o mercado. Uma educao que fortalece as relaes entre a educao e o
trabalho sem que um tenha que se subjugar ao outro.
Na coleta de dados analisaremos como este fazer escolar dirio, nas experincias
estudadas, tem praticado e buscado a construo de uma forma alternativa de sociedade. As
experincias tm empreendido a conscincia crtica atravs de uma pedagogia especfica e
uma prtica poltica? Que tipo de sociedade elas vislumbram para seus educandos?
Entende-se desta forma que para transformar, revolucionar a realidade preciso
conhec-la. Para transformar o capitalismo em uma outra formao econmica e social
precisamos conhecer e analisar criticamente suas contradies tanto no plano das relaes
sociais de produo como no plano ideolgico. O materialismo dialtico nos fornece
importantes elementos tericos para o cumprimento desta tarefa intelectual e prtica, de luta.
Como diria Florestan Fernandes, a compreenso da realidade nunca se encontra na superfcie
da realidade, preciso um esforo muito grande para que essa anlise seja feita de forma
crtica. Com isso, preciso esforo terico para se compreender e buscar transformar esta
realidade.
Adiante trataremos com mais detalhe cada par categrico para somente depois adentrar
o material emprico das experincias.
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2.1 Estado e sociedade civil
Para compreender o Estado no atual estgio do modo de produo capitalista,
utilizamos como categoria chave, a idia de Estado Ampliado desenvolvido por Gramsci e
Buci-Glucksman (1980). O que a autora destaca em seu belo estudo sobre a obra de Gramsci
no que se refere ao Estado que, este elemento, que aparece como amorfo, independente,
neutro na ideologia dominante, envolve uma gama de sujeitos e organizaes por demais
heterogneas.
Ao analisar as relaes diretas entre a sociedade civil e o Estado, Gramsci desenvolve
a idia de Estado integral, muito bem chamado pela autora de Estado Ampliado.
Analisando o contexto de surgimento do Estado na obra de Lnin, Estado e revoluo (2007)
j encontramos apontamentos sobre essa anlise. Nos diz ele, o Estado o produto e a
manifestao do antagonismo inconcilivel das classes. O Estado aparece onde e na medida
em que os antagonismos de classes no podem objetivamente ser conciliados (LNIN, 2007,
p. 25).
Podemos considerar com isso, que o Estado, no algo que est fora da sociedade,
um elemento neutro que prope e realiza polticas e sim, um setor - formado pelos mais
diversos atores sociais - que atua de forma a favorecer uma determinada classe ou frao de
classe. Mandel em sua obra O Capitalismo Tardio, parece apontar na mesma direo ao
afirmar que toda deciso estatal relativa a tarifas, impostos, ferrovias ou distribuio do
oramento afeta a concorrncia e influencia a redistribuio social global da mais valia, com
vantagens pra um ou outro grupo de capitalistas (MANDEL, 1982, p. 337).
Mandel est caracterizando um Estado que passou do capitalismo concorrencial para o
capitalismo monopolista. Onde esta suposta autonomizao do Estado em relao ao mercado
e sua neutralidade em relao s classes sociais brutalmente ampliada. Sob o escopo e a
carapua da chamada sociedade civil organizada, amplamente aclamada pela mdia e pelo
senso comum, o Estado se fantasia de uma certa autonomia para defender e garantir interesses
de determinados setores.
Com isso, retomando a anlise de Lnin sobre a obra de Marx que inevitavelmente
tambm dialoga com a obra de Gramsci: Para Marx, o Estado um rgo de dominao de
classe, um rgo de submisso de uma classe por outra; a criao de uma ordem que
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legalize e consolide essa submisso, amortecendo a coliso das classes (LNIN, 2007, p.
26).
Mesmo que Marx coloque a sociedade civil na estrutura e Gramsci na superestrutura a
anlise dos dois autores parece concordar com a ideia de que a sociedade civil no neutra e
que atua dentro do Estado.
Na obra de Mandel, o autor faz uma anlise minuciosa de como o Estado favorece
amplamente um determinado setor e tem sua ao corroborada pela ideologia burguesa que se
mantm hegemnica pelo consenso e pela coero. Pelo consenso podemos destacar o poder
da educao e da mdia no estabelecimento de uma determinada viso de mundo; pela coero
destacamos a polcia e o poder legislativo que criminaliza a pobreza e os movimentos sociais.
O governo do capital se distingue de todas as formas pr capitalistas de
governo pelo fato de no se basear em relaes extra-econmicas de coero
e dependncia, mas em relaes livres de troca que dissimulam a dependncia e a sujeio econmica do proletariado. (MANDEL, 1982, p.
337)
A coero e o consenso disfarados de liberdade esto muito presentes no modo de
produo capitalistas em seu estgio atual. A sociedade civil organizada aliada a uma
ideologia que camufla o papel particularista do Estado, nos parece ser um elemento
fundamental para compreender a anlise das experincias educativas a que se pretende com
este estudo.
A neutralidade proposta pelos positivistas e ainda adotada por muitos racionalistas
principalmente nas cincias exatas - que ao menos conseguem isolar um fenmeno em um
laboratrio e repetir o experimento quantas vezes durarem os exemplares h muito fora
desmistificada e abandonada pelas cincias sociais, principalmente aps os estudos crticos e
ps crticos.
Neste sentido, a noo de Estado ampliado (BUCI GLUCKSMANN, 1980) se
insere: para esmiuar as relaes entre a sociedade poltica e a sociedade civil e desmistificar
o Estado como uma entidade autnoma a servio da sociedade.
Imbricado com a sociedade civil, o Estado particularista, no atual estado de
desenvolvimento do modo de produo capitalista, atua em favor de uma classe, a classe que
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o compe e o sustenta econmica e ideologicamente. Este Estado composto por elementos
diversos e difusos e, por seu carter de classe, no pode ser universal.
A falsa impresso de que a participao poltica nas eleies pode mudar a orientao
do Estado nos parece bastante elucidativa. A ideologia burguesa insiste em adotar a idia de
que a participao nas urnas pode alterar a correlao de foras no Estado. Concordamos com
as palavras de Lnin que insiste que:
Os democratas pequenos-burgueses, do gnero dos nossos socialistas
revolucionrios e mencheviques, e os seus irmos, os social patriotas e
oportunistas da Europa Ocidental, esperam precisamente, Mais alguma coisa do sufrgio universal. Partilham e fazem o povo partilhar a falsa concepo de que o sufrgio universal, no Estado atual, capaz de manifestar verdadeiramente e impor a vontade da maioria dos trabalhadores.
(2007, p. 35)
A clareza com que Lnin debate o tema no incio do sculo XX no parece deixar
dvidas: mudanas de governo no provocam necessariamente mudanas no Estado. Uma
nova forma de organizao de Estado no depende do sufrgio e sim da correlao de foras.
Neste sentido, a conjuntura e a mobilizao das massas no interior da sociedade que
parecem ser elementos fundamentais para uma mudana mais profunda. No entanto preciso
recuperar na histria que, em tempos de forte mobilizao social o Estado tambm capaz de
abrir concesses classe mobilizada de forma a abrandar o clamor da luta. Nestes momentos
de crise de legitimidade, o Estado faz concesses desempenhando seu papel integrador
(MANDEL, 1982, p. 338) para difundir uma aparncia de igualdade e democracia.
As polticas sociais, em sua maioria, so elaboradas e conquistadas em contextos de
mobilizaes sociais, mas o que se pode observar que, esta forma de concesso sobretudo
uma forma de conter as crises do sistema e no uma manifestao legtima do direito da classe
subalterna. Com isso, concordamos com Neto (1992):
No h dvida de que as polticas sociais decorrem fundamentalmente da
capacidade de mobilizao e organizao da classe operria e do conjunto
dos trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipaes
estratgicas. Entretanto, a dinmica das polticas sociais esta longe de
esgotar-se numa tenso bipolar segmentos da sociedade/Estado burgus no capitalismo monopolista. (p. 29)
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Neste sentido, a educao pode aparecer como instrumento de barganha do Estado. O
que nos parece esclarecedor, pois os Bacharelados Populares, surgidos em meio crise de
2001 na Argentina foram rapidamente aceitos pelo Estado. O Estado concede aos
trabalhadores em luta, alguns direitos sociais e em troca, consegue que as principais estruturas
do capital e do Estado continuem intocveis.
Um exemplo bastante emblemtico tem sido a distribuio de bolsas pelo governo
brasileiro para os trabalhadores em situao de desemprego e misria. Ao mesmo tempo em
que o Estado atua, para melhorar as condies - mesmo que vegetativas - da vida do
trabalhador, ele abre espao para que o setor bancrio, por onde passa o recurso para chegar
aos trabalhadores, use o capital das polticas sociais para especulaes, emprstimos e compra
de ttulos da dvida pblica. Em uma mesma poltica, o Estado garante a satisfao do grande
capital bancrio - que passa a ter acesso a um grande volume de recursos do oramento
pblico que circula no sistema monetrio - e dos trabalhadores que alm de ganharem algum
recurso ainda conquistam muitas vezes o direito ao crdito, emprstimos e outros
benefcios oferecidos pelos bancos. As polticas sociais monetarizadas possuem essa
caracterstica.
Mas o que nos parece mais candente com relao educao e as parcerias entre os
Estados e a iniciativa privada que esta tida, como mais um nicho de mercado que focaliza
e promove aes pontuais muitas vezes com recursos pblico, mas uma gesto privada. A
privatizao em prol do desenvolvimento o antigo mito ainda to presente - um brinde a
eficcia do discurso neoliberal.
Mandel parece concordar com Gramsci ao afirmar que
No apenas a organizao hierrquica11
que determina a funo do Estado
capitalista enquanto instrumento de dominao burguesa. sua estrutura
global que assegura ao Estado mesmo ao mais democrtico a possibilidade de desempenhar esse papel, porque essa estrutura duplamente
determinada pela classe burguesa. (MANDEL, 1982, p. 346)
11
O autor neste momento trata da questo dos especialistas: os mais bem preparados, os filhos das classes
dominantes que acabam por assumir cargos e funes no Estado. Esta seria por si s, uma forma de dominao
de uma classe sobre a outra. Questo bem desenvolvida por Bourdieu em A Reproduo (1975).
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Relacionando com a obra de Gramsci, podemos supor novamente que, mesmo sem
utilizar o conceito de Estado Ampliado, Mandel utiliza essa noo de Gramsci. Ao supor uma
dupla dominao burguesa, Mandel est tratando da composio burguesa tanto da sociedade
poltica (que domina os cargos pblicos graas ao seu acesso a cultura e a educao) quanto
da sociedade civil (parceira do Estado em empreendimentos privados e pblicos) que juntas
compe o Estado Ampliado.
Aps esta breve caracterizao de Estado podemos iniciar uma maior aproximao
com o objeto. Entendendo que o Estado composto por uma determinada correlao de foras
que favorece determinadas fraes da burguesia que o compe e que, a sociedade civil
organizada tambm parte deste aparato estabelecendo e concretizando uma determinada
hegemonia, em que lugar se encontra a educao pblica como poltica pblica e como direito
social?
Marx, na Crtica ao Programa de Gotha (1985), e Gramsci posteriormente, defendem
que o Estado no deve ser educador do povo e sim ao contrrio, o povo deve conter e educar o
Estado de acordo com suas necessidades e aspiraes.
Uma coisa determinar por meio de uma lei geral, os recursos para a escola
pblica, as condies de capacitao do pessoal docente, as matrias de
ensino e etc, e velar pelo cumprimento destas prescries (...) e outra coisa
completamente diferente designar o Estado como educador do povo. Longe
disso o que deve ser feito subtrair da escola a toda influncia por parte do
governo e da igreja. (MARX, 1985, p. 33)
Marx trata brevemente do tema educativo. Sua preocupao principal em termos
educacionais a autonomia da classe trabalhadora, na garantia de uma formao que no seja
feita exclusivamente pelo Estado particularista. A educao neste sentido, deve ser garantida
em termos estruturais pelo Estado, mas jamais ser direcionada pelos interesses deste, pois
como j dito anteriormente, estes no so os interesses e anseios da classe subalterna. No
sentido exposto por Marx e trabalhado amplamente por Gramsci posteriormente, o Estado
como Estado educador, educa para o consenso, mas tambm pode educar para o
estabelecimento do Bom Senso. Uma educao que no naturalize o modo de produo
atual - que degrada a maioria da populao mundial e o meio ambiente - e que pode
vislumbrar outras formas de socializao possveis, no deve ser direcionada pelo Estado.
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As experincias analisadas parecem caminhar nesta direo. Ao reivindicar e atuar
junto ao Estado, as Escolas Itinerantes e os Bacharelados Populares ressignificam esse Estado
e seu papel no que se refere escola pblica. Ao compor a sociedade civil, estes sujeitos
ressignificam ainda ela prpria como terreno de lutas e disputas.
Ao tratar das contradies do modo de produo capitalista como inerentes forma
humana, abstrai-se o ser social e cultural que este reflete. Abstraindo sua construo no
processo histrico, esquecemos tambm de destacar momentos de resistncia e momentos de
relaes concretas distintas das atuais.
Apesar das acusaes de utopia a Marx e Lnin, ambos parecem deixar claro que o
Estado capitalista no seria destrudo por inteiro de uma s vez e que seria necessrio que a
classe trabalhadora se organizasse e fosse tomando espao no