ALFA-GLUCOSIDASE E SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DE HEMOZOÍNA EM Rhodnius prolixus
Flávia Borges Mury
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO –
UENF
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ
FEVEREIRO - 2010
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ii
ALFA-GLUCOSIDASE E SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DE HEMOZOÍNA EM Rhodnius prolixus
Flávia Borges Mury
Orientadora: Prof.a Marílvia Dansa de Alencar Petretski
Co-orientador: Prof. José Roberto da Silva
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ
FEVEREIRO – 2010
“Tese apresentada ao Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Biociências e Biotecnologia, área de concentração Biologia Celular".
iii
ALFA-GLUCOSIDASE E SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DE HEMOZOÍNA EM Rhodnius prolixus
FLÁVIA BORGES MURY
COMISSÃO EXAMINADORA:
________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco José Alves Lemos – LBT / CBB / UENF
________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Lagerblad de Oliveira – IBqM / CCS / UFRJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Luiz da Cunha Moraes – IBqM / Campus Macaé / UFRJ
______________________________________________________
Prof. Dr. José Roberto da Silva – IBqM / Campus Macaé / UFRJ
(Co-orientadora)
________________________________________________________
Profa. Dra Marílvia Dansa de Alencar Petretski – LQFPP / CBB / UENF
(Orientadora)
“Tese apresentada ao Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Biociências e Biotecnologia, área de concentração Biologia Celular".
iv
“Dedico esta tese primeiramente a Deus, pela dádiva da vida. Aos meus pais,
Mário e Maria Lúcia, por todo o sacrifício em prol do meu sucesso. Ao meu
irmão Fábio, pelo incentivo. Ao meu esposo Williams, por todo o apoio e
companheirismo.”
v
“Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito.
Um se chama ontem e o outro se chama amanhã,
portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer
e, principalmente, viver.” (Dalai Lama)
Agradecimentos
vi
À Prof.a Marílvia Dansa, pela minha orientação e toda a ajuda fornecida
em todos os períodos que necessitei. Obrigada por todo ensinamento e
incentivo, mesmo quando achava que não iria conseguir, ela estava sempre
dizendo-me que sou capaz. Além disso, agradeço pela amizade e confiança.
Ao amigo e co-orientador Dr. José Roberto da Silva, pois foi você quem
começou toda esta história. Agradeço por sempre ser paciente em me ensinar
e ajudar nos experimentos. Obrigada por ter me ajudado a conquistar tantos
novos conhecimentos ao longo da minha formação. Você é um exemplo a ser
seguido!
Aos meus pais, Mário e Lúcia por todo o esforço destinado a minha
formação profissional. Obrigada por tudo o que fizeram por mim,
principalmente, por acreditarem no meu sonho e sempre me darem força para
persistir.
Ao meu irmão Fábio, por ser meu exemplo de vida e incentivo para
continuar esta longa caminhada. Além disso, foi ele o “construtor” dos primers
específicos de α-glucosidase utilizados nos experimentos de qPCR.
Ao meu esposo Williams, por sempre estar ao meu lado em todos os
momentos, difíceis ou de intensa alegria. Por ser esta pessoa alegre e
extrovertida, me dando apoio e confortando sempre que necessário. Espero
que possamos compartilhar infinitos momentos. Obrigada por ser
compreensivo.
À amiga Raquel, que durante 2 anos esteve no laboratório, sendo motivo
de alegria para todos nós. Durante este período conquistou seu espaço no
laboratório e desenvolveu sua dissertação de mestrado.
Ao Wendel, obrigada pela oportunidade de poder trabalhar com você,
ministrando cursos no CEDERJ. Nossa amizade, mesmo depois que você
seguiu outro caminho, persistiu e acho até que aumentou. Você é demais.
Aos alunos e amigos de iniciação científica: Swellen, Bruno, Gabriela,
Magda e Leonardo por todos os momentos que compartilhamos tanto na parte
científica como nas brincadeiras do dia-a-dia.
Ao Dr. Paulo Ribolla e Dr. Jayme Souza-Neto, por terem auxiliado nos
experimentos de RNAi. Sempre que necessário enviavam primers e dsRNA
para a realização dos experimentos.
Agradecimentos
vii
Ao Prof. Gonçalo por todos os ensinamentos na área de biologia
molecular e pela colaboração durante esta tese.
À Bia (Dr.a Beatriz dos Santos Ferreira), que colaborou para a execução
deste projeto, tanto na parte prática quanto teórica. Além disso, foi uma amiga
que conquistei.
Ao Prof.o Carlos Peres, por sua colaboração.
À amiga Elane: você foi extremamente importante, pois nos momentos
difícies era meu ombro amigo. Além disso, mantivemos uma colaboração que
rendeu frutos (um artigo submetido). Espero que nossa amizade continue.
Você é uma pessoa muito especial.
Aos estudantes do LQFPP: Evenilton, Leo, Helga, Thiago, Lucilene,
Nathália.
À Prof.a Kátia, pela utilização de alguns equipamentos em seu
laboratório, pela revisão do manuscrito e também pela revisão desta tese.
A Profª. Elenir, pelas várias vezes em que me cedeu a lupa e pela sua
amizade.
Ao Prof. Franzé, por me ceder o alimentador artificial para alimentar os
Rhodnius.
À Prof.a Olga e a Dra. Viviane pela colaboração na parte da análise da
estrutura secundária da α-glucosidase.
À Prof.a Marília pela ajuda fornecida na discussão dos resultados.
Aos técnicos do laboratório, Cristóvão, Izabela.
Ao Rodrigo, pela manutenção do biotério dos coelhos.
Ao amigo de turma de graduação e de laboratório Fabinho (in
memoriam), você sempre será lembrado por nós.
Agradeço ao Márcio pelas ajudas fornecidas ao utilizar alguns
equipamentos.
À amiga Gleicy, por ter me dado força quando precisei. Estava pronta a
solucionar qualquer problema. Conte comigo!
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para o
desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço a Deus pela vida. Por ter me dado força para prosseguir,
estando ao meu lado, principalmente, nos momentos mais difíceis.
Sumário
viii
ÍNDICE DE FIGURAS ..................................................................................
xi
ÍNDICE DE TABELAS ................................................................................. xix
ABREVIATURAS .........................................................................................
xx
RESUMO ......................................................................................................
xxi
ABSTRACT ..................................................................................................
xxiii
2 – JUSTIFICATIVA DO TRABALHO ......................................................... 29
3 – OBJETIVOS ........................................................................................... 3.1 – Objetivos Específicos .......................................................................
31
31
4 – MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 – Colônia de insetos ............................................................................... 32
4.2 – Alimentação dos insetos ..................................................................... 32
4.3 – Obtenção de hemolinfa de Rhodnius prolixus .................................... 33
4.4 – Obtenção do epitélio intestinal dos insetos ......................................... 33
4.5 – Síntese de hemozoína in vitro ............................................................. 33
1 – INTRODUÇÃO
1.1 – Histórico e aspectos epidemiológicos da doença de Chagas ............ 1
1.2 – A Classe Insecta e a hematofagia ..................................................... 4
1.3 – A ordem Hemiptera ............................................................................. 6
1.3.1 – Rhodnius prolixus e a digestão sanguínea ...................................... 8
1.4 – Heme e mecanismos antioxidantes ....................................................
1.5 – Formação de hemozoína ....................................................................
1.6 – Mecanismo de formação de hemozoína in vivo ..................................
1.7 – As α-glucosidases (α-D-Glicosídeo glicohidrolase; EC 3.2.1.20 ........
1.8 – Membranas perimicrovilares e α-glucosidase ....................................
11
16
19
20
23
Sumário
ix
4.5.1 – Extração de hemozoína ................................................................... 34
4.5.2 – Dosagens de heme .......................................................................... 34
4.6 – Extração de proteínas de epitélio intestinal ........................................ 34
4.7 – Dosagem de proteína .......................................................................... 35
4.8 – Ensaio de atividade da α-glucosidase ................................................. 35
4.9 – Cromatografia de troca iônica ............................................................. 36
4.10 – Eletroforese em gel de poliacrilamida ............................................... 36
4.11 – Ensaio de atividade de α-glucosidase in gel ................................... 37
4.12 – Análises por espectroscopia de FTIR ............................................... 37
4.13 – Ensaio de ligação a hemina-agarose ................................................
4.14 – Silenciamento gênico 4.14.1 – Construção da dupla fita de RNA (dsRNA) ....................................
4.14.2 – Silenciamento da α-glucosidase por dsRNA ..................................
4.15 – Análise molecular 4.15.1 – Extração de RNA e RT-PCR ..........................................................
4.15.2 – Reação em cadeia da polimerase (PCR) semi-quantitativo ..........
4.15.3 – Expressão relativa do gene determinada por qPCR ......................
4.15.4 – Purificação do fragmento amplificado ............................................
4.15.5 – Quantificação do cDNA ..................................................................
4.15.6 – Clonagem do fragmento amplificado no vetor pTZ57R/T ..............
4.15.7 – Produção de células competentes de E. coli, linhagem DH 5α via
cloreto de rubídio ..........................................................................................
4.15.8 – Transformação de células competentes de E. coli com o vetor
ligado ao fragmento amplificado ..................................................................
4.15.9 – Identificação dos clones positivos, extração e digestão dos
vetores ..........................................................................................................
4.15.10 – Sequenciamento dos fragmentos ................................................
4.15.11 – Análise das sequências de nucleotídeos .....................................
4.16 – Análise estatística .............................................................................
37
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38
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39
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46
5 – RESULTADOS 5.1 – Efeito da fração protéica do epitélio intestinal de R. prolixus e de
lipídeos na formação de hemozoína ............................................................
47
Sumário
x
5.2 – Capacidade de ligação de heme da α-glucosidase ............................. 48
5.3 – Efeito da cloroquina (CLQ) na atividade da α-glucosidase ................. 50
5.4 – Efeito dos inibidores da α-glucosidase na formação de hemozoína ... 51
5.5 – Efeito da maltose na formação de hemozoína .................................... 54
5.6 – Silenciamento da α-glucosidase na síntese de hemozoína ................ 55
5.7 – Impacto da ingestão de heme sobre a atividade de α-glucosidase ....
5.8 – Controle da expressão do gene da α-glucosidase pelo heme ............
5.9 – Purificação e sequenciamento do fragmento gênico de α-
glucosidase ..................................................................................................
5.10 – Formação de Hz por α-glucosidases de espécies não-hematófagas
60
61
62
67
6 – DISCUSSÃO .......................................................................................... 69
7 – CONCLUSÕES ...................................................................................... 77
8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 78
9 – ANEXO – ARTIGO PUBLICADO ..........................................................
99
Índice de figuras
xi
Figura 1 – Doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma
cruzi (a), sendo transmitida por insetos da família Reduviidae, sub-família
Triatominae (b). Estes insetos, muitas vezes designados triatomíneos ou
barbeiros, são comum em lares pobres nas Américas do Sul e Central (c). A
doença afeta cerca de 12 milhões de pessoas, com um adicional de 90
milhões consideradas em áreas de risco. Em (d) cinza – regiões em que há
existência da doença de Chagas como zoonoses (aves e mamíferos
selvagens) e em vermelho são regiões em que ocorre transmissão ativa em
humanos (Monteiro et al., 2001) .......................................................................
3
FIGURA 2 – Ciclo de vida de R. prolixus, mostrando os estágios do ovo ao
indivíduo adulto, passando pelos cinco estágios de ninfa. Adaptado de
Buxton (1930) ....................................................................................................
9
FIGURA 3 – Desenho esquemático do trato digestório de R. prolixus, segundo Billingsley & Downe (1983). 1 - Glândula salivar; 2 - Intestino
médio anterior; 3 - Intestino médio posterior; 4 - Porção anterior do intestino
médio posterior; 5 - Porção posterior do intestino médio posterior; 6 - Túbulos
de Malpighi; 7 - Reto (ampola retal) ..................................................................
10
Figura 4 – Adaptações contra a toxicidade do heme. As maiores defesas
dos insetos hematófagos contra a toxicidade do heme estão concentradas no
intestino médio. O controle de tal toxicidade é realizado pela combinação da
formação de cristais de heme, degradação de heme, enzimas antioxidantes
e moléculas de baixo peso molecular. A hemolinfa com antioxidantes de
baixo peso molecular e proteínas de ligação de heme que previnem a
geração de radicais livres contituem a segunda linha de defesa, resultando
em um baixo nível de estresse oxidativo nos outros tecidos. Hb—
hemoglobina; ROS – espécies reativas de oxigênio; O2- - anion superóxido;
H2O2 – peróxido de hidrogênio; SOD – superóxido dismutase; TrxR –
tioredoxina redutase; TrxPx – tioredoxina peroxidase; Trx red – tioredoxina
reduzida; Trx ox – tioredoxina oxidada; GSH – glutationa reduzida; GSSG –
glutationa oxidada; BPM – baixo peso molecular. Adaptado de Graça-Souza
et al. (2006) .......................................................................................................
15
Índice de figuras
xii
FIGURA 5 – Estrutura molecular do grupo heme ou ferro-protoporfirina IX (Fe(III)PPIX) (Egan, 2008a). Heme é um macrociclo, formado por 4 anéis
pirrólicos unidos por pontes metênicas. O átomo de ferro no heme liga-se a 4
nitrogênios no centro do macrociclo .................................................................
16
FIGURA 6 – Estrutura da hemozoína segundo Egan (2008a). Notar as
ligação entre o ferro de uma molécula de heme com o radical carboxilato da
molécula de heme adjacente. Diferentes cadeias são mantidas juntas por
ligações de hidrogênio ......................................................................................
18
FIGURA 7 – Esquema mostrando a estrutura em cristal da α-glucosidase de Geobacillus (GSJ) – bactéria termófila. Os domínios N-
terminal e C-terminal são mostrados em azul e laranja, respectivamente. O
magenta representa regiões de loops (*A, resíduos 215–218; *B, 293–294; e
*C, 388–400). Os resíduos catalíticos, Asp199, Glu256 e Asp326, são
mostrados no interior do modelo (Pettersen et al., 2004) .................................
23
FIGURA 8 – Modelo da origem das membranas associadas com o sistema
lamelar apical (Cristofoletti et al., 2003). Cisternas do Golgi (a) que começam
a se dirigir ao RER (b). Esses, após perder os ribossomos, formam vesículas
envolvendo as membranas (c) que eventualmente fusionam com a base da
lamela apical esvaziando o conteúdo da membrana para o espaço
interlamelar (d). As membranas se movem ao longo do espaço interlamelar
(e) e, finalmente começam a se associar com a superfície luminal da lamela,
projetando-se para o interior do lúmen (f) .........................................................
Figura 9 – Mapa do sítio de policlonagem do vetor pTZ57R/T (Fermentas
Life Sciences), mostrando os sítios de enzimas de restrição. São mostradas
as enzimas de restrição utilizadas para a digestão (caixa vermelha) ...............
26
42
FIGURA 10 – Participação de proteínas e lipídios polares na formação de cristais de heme. Ctl – controle somente hemina; Ptn – proteína extraída de epitélio intestinal de R. prolixus; PC – micela de
Índice de figuras
xiii
fosfatidilcolina; Ptn + PC - proteína extraída e adição posterior de micela de fosfatidilcolina; PC + Ptn – micela de fosfatidilcolina e adição posterior de proteína extraída; PE – micela de fosfatidiletanolamina; Ptn + PE - proteína extraída e adição posterior de micela de fosfatidiletanolamina; PE + Ptn – micela de fosfatidiletanolamina e adição posterior de proteína extraída ...........................................................
Figura 11 – Cromatografia de troca iônica em coluna DEAE (toyopearl) do extrato protéico do epitélio intestinal de R. prolixus. A coluna foi
equilibrada com o tampão HEPES 20 mM, pH 7,4 e, em seguida, a eluição
foi realizada em um gradiente de três passos com NaCl (0-0,5 M, 0,5-1 M e 1
M, respectivamente). O fluxo foi de 0,5 mL/minuto e foram coletadas 50
frações de 1 mL/tubo ........................................................................................
48
49
FIGURA 12 – (A) Ensaio de identificação de proteínas de ligação de heme no epitélio intestinal de R. prolixus; (B) Atividade de α-glucosidase in gel. 1) proteína extraída de epitélio intestinal de R. prolixus
alimentados com plasma de coelho + hemina-agarose; 2) proteína extraída
de epitélio intestinal de R. prolixus alimentados com plasma de coelho +
hemina-agarose + hemina; 3) proteína extraída de epitélio intestinal de R.
prolixus alimentados com plasma de coelho. 4) proteína extraída de epitélio
intestinal de fêmeas de R. prolixus alimentadas com sangue de coelho.
Ambos os géis são 12% em condições desnaturantes e não-redutoras (SDS-
PAGE). Em B o substrato utilizado foi o metilumbeliferil α-D-glucopiranosídeo
49
FIGURA 13 – (A) Atividade de α-glucosidase e (B) síntese de hemozoína in vitro: ▲ – controle; ■ – presença de CLQ; ● – amostra fervida. O ensaio
de atividade de α-glucosidase foi determinado usando método colorimétrico.
A atividade foi expressa como nmol de ρ-nitrofenolato liberado em 1 min. O
ensaio de formação de hemozoína foi realizado por 24 h a 28 oC, como
descrito em materiais e métodos. Atividade de formação de hemozoína foi
expressa como nmol de cristal de heme, após 24 h, por 15 µg de proteína.
Os resultados são representativos de dois experimentos realizados em
triplicata .............................................................................................................
51
Índice de figuras
xiv
FIGURA 14 – Atividades de α-glucosidase na presença ou ausência de inibidores in vitro. EP – extrato protéico de epitélio intestinal; EP + Eri -
extrato protéico + eritritol; EP + DEPC - extrato protéico + dietilpirocarbonato;
EP + Cs - extrato protéico + castanoespermina; EP + AB - extrato protéico +
anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus. O ensaio de atividade de α-
glucosidase foi determinado usando método colorimétrico. A atividade foi
expressa como nmol de ρ-nitrofenolato liberado em 1 min. Os resultados são
representativos de dois experimentos realizados em triplicata. Os
experimentos com inibidores foram significativamente diferentes do extrato
protéico sozinho *(P < 0,05) ..............................................................................
52
FIGURA 15 – Efeito dos inibidores da α-glucosidase na formação de hemozoína in vitro. Ctl - hemina; EP – extrato protéico de epitélio intestinal;
EP + Eri - extrato protéico + eritritol; EP + DEPC - extrato protéico +
dietilpirocarbonato; EP + Cs - extrato protéico + castanoespermina; EP + AB
- extrato protéico + anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus. Os
ensaios de formação de hemozoína foram realizados a 28 oC como descrito
em materiais e métodos. A atividade de formação de hemozoína foi expressa
como nmol de cristal de heme, produzidos após 24 h, por 15 µg de proteína.
Os resultados são representativos de dois experimentos realizados em
triplicata. Os experimentos com inibidores foram significativamente diferentes
do extrato protéico sozinho *(P < 0,05) .............................................................
53
FIGURA 16 – Efeito da adição tardia dos inibidores de α-glucosidase na formação de Hz in vitro. Ctl - hemina; Ctl + AB - hemina + anticorpo; EP –
extrato protéico de epitélio intestinal; EP + AB - extrato protéico + anticorpo
anti α-glucosidase de D. peruvianus; EP → AB – extrato protéico + anticorpo
10 h após iniciar o ensaio; Ctl + DEPC - hemina + dietilpirocarbonato; Ctl +
Cs - hemina + castanoespermina; EP + DEPC - extrato protéico +
dietilpirocarbonato; EP → DEPC – extrato protéico + dietilpirocarbonato 10 h
após iniciar o ensaio; EP 100 0C – extrato protéico fervido por 10 min antes
de iniciar o ensaio; EP → 100 0C – extrato protéico fervido 10 h após iniciar o
ensaio. Os ensaios de formação de Hz foram realizados por 24 h a 28 oC
como descrito em materiais e métodos. Atividade de formação de Hz foi
10h
10h
10h
Índice de figuras
xv
expressa como nmol de cristal de heme, após 24 h, por 15 µg de proteína.
Os resultados são representativos de dois experimentos realizados em
triplicata. Os experimentos com inibidores foram significativamente diferentes
do extrato protéico sozinho *(P < 0,05) .............................................................
FIGURA 17 – Atividade de formação de hemozoína na presença ou ausência de maltose in vitro. Ctl - hemina; Mal - Maltose; FC – fração 27;
FC + Mal → H - fração cromatografia + maltose e hemina adicionada 4 h
após o início do ensaio; FC + H → Mal - fração cromatografia + hemina e
maltose adicionada 4h após o início do ensaio. Os ensaios de
biomineralização forma realizados por 24 h a 28 oC, como descrito em
materiais e métodos. Atividade de formação de hemozoína foi expressa
como nmol de cristal de heme, após 24 h, por 8 µg de proteína. Os
resultados são representativos de um experimento realizado em triplicata. O
experimento em que a maltose foi adicionada antes foi significativamente
diferente quando comparado com a proteína sozinha ou com a hemina
adicionada primeiro *(P < 0,05) ........................................................................
FIGURA 18 – Expressão relativa do gene da α-glucosidase por qPCR no
intestino médio de R. prolixus por injeção de: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ in
vivo. Os insetos foram injetados com 2 µL de PBS 100 mM pH 7,4 (controle),
dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea) ou dsLacZ (2 ou 10 µg/fêmea) e analisado 2 (2d)
ou 4 (4d) dias após a alimentação com sangue. Foram realizados 4
experimentos independentes. Cada experimento consiste em um pool de 6
fêmeas adultas. Os insetos injetados com 10 µg de dsRNA 4 dias após
alimentação foram significativamente diferentes dos insetos controle
*(P<0,05) ...........................................................................................................
FIGURA 19 – A) Hemolinfa R. prolixus alimentados com sangue de coelho, na ausência de dsαGlu. B) Aspecto da Hemolinfa de R. prolixus, 4 dias após a injeção de 10 µg de dsαGlu ....................................................
FIGURA 20 – Atividade de α-glucosidase in vivo no intestino médio de R. prolixus injetados com: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ. Os insetos foram
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4h
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Índice de figuras
xvi
injetados com 2 µL de PBS 100 mM pH 7,4 (controle), dsLacZ (2 ou 10
µg/fêmea) ou dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea) e analisado 2 ou 4 dias após a
alimentação com sangue. Foram realizados 4 experimentos independentes.
Cada experimento consiste em um pool de 6 fêmeas adultas. Os insetos
injetados com 10 µg de dsRNA 4 dias após alimentação foram
significativamente diferentes dos insetos controle *(P<0,05) ...........................
FIGURA 21 – Hemozoína produzida por R. prolixus injetados com: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ. Os insetos foram injetados com 2 µL de PBS 100
mM pH 7,4 (controle), dsLacZ (2 ou 10 µg/fêmea) ou dsα-glu (2 ou 10
µg/fêmea) e analisado 2 ou 4 dias após a alimentação com sangue. Foram
realizados 4 experimentos independentes. Cada experimento consiste em
um pool de 6 fêmeas adultas. Os insetos injetados com 10 µg de dsRNA 4
dias após alimentação foram significativamente diferentes dos insetos
controle *(P<0,05) .............................................................................................
FIGURA 22 – Influência do heme da alimentação na atividade de α-glucosidase em intestino médio de R. prolixus. P – insetos controle
alimentados com plasma; P + H – insetos alimentados com plasma
enriquecido com hemina (500 µM). Insetos foram alimentados com plasma
de coelho na ausência ou presença de hemina. Quatro dias após
alimentação, epitélios intestinais (n = 20) foram dissecados em salina gelada
(NaCl 100 mM). A atividade de α-glucosidase foi determinada pela medida
da liberação de ρ-nitrofenolato α-D-glucopiranosídio. Resultados mostrados
são representativos de três experimentos independentes realizados em
triplicata. Plasma mais hemina é significativamente diferente de plasma
*(P<0,05) ...........................................................................................................
FIGURA 23 – Influência do heme da alimentação na expressão da α-glucosidase em intestino médio de R. prolixus. P – cDNA plasma; P + H
– cDNA plasma + hemina (500 µM). Insetos foram alimentados com plasma
de coelho na ausência ou presença de hemina. Quatro dias após
alimentação, epitélios intestinais (n = 20) foram dissecados em PBS 100 mM.
Foi realizado extração de RNA total usando Trizol e posterior síntese de
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Índice de figuras
xvii
cDNA. Resultados mostrados são representativos de dois experimentos
independentes realizados em triplicata. Plasma mais hemina é
significativamente diferente de plasma *(P<0,05) .............................................
FIGURA 24 – Fragmentos purificados utilizando GFXTM PCR “DNA e Gel Band Purification Kit” e observados em gel de agarose 1%. M)
Marcador de 1 kb; 1) Fragmento de 750 kb; 2) Fragmento de 250 kb; 3) 1 μL
ks 50 ng; 4) 2 μL ks 50 ng .................................................................................
FIGURA 25 – Sequência parcial de nucleotídeos do cDNA de α-glucosidase de R. prolixus e sua sequência deduzida de aminoácidos. A
sequência de nucleotídeos utilizada para o desenho de primers específicos
para qPCR estão sublinhadas ..........................................................................
FIGURA 26 – Alinhamento da sequência de aminoácidos das α-glucosidases
de R. prolixus (AgluRp), Culex quinquefasciatus (AGluCulex, AGluCulex2,
AGluCulex3), α-amylase de Aedes aegypti (AmAeds), maltase-símile Agm2
de Anopheles gambiae (MaltaseAgm2), maltase 2 de Drosophila virilis
(Maltase2Dv), α-glucosidase de Gsj (AgluGsj), Oligo-1,6-Glucosidase de
Bacillus cereus (GluOligo) e α-glucosidase de Saccharomyces cerevisiae
(AgluSc). Resíduos idênticos são indicados por ‘‘*’’; resíduos conservados e
semi-conservados são indicados por ‘‘:’’ e ‘‘.’’, respectivamente. Resíduos de
ácido aspártico e histidina presentes em AGluRp e também presentes em
AGluSc são marcados em cinza. A predição da estrutura secundária usando
JPred server é representada em vermelho (α-hélices), verde (folhas β) e azul
(alças) ...............................................................................................................
FIGURA 27 – Árvore filogenética baseada no alinhamento das sequências protéicas de α-glucosidases usando ClustalW: Rhodnius
prolixus, Aedes aegypti, Culex quinquefasciatus, Anopheles gambiae,
Drosophila melanogaster, Tribolium castaneum, Thermus thermophilus,
Nocardia farcinica, Homo sapiens, Rattus norvegicus, Mus musculus,
Xenopus laevis, Danio rerio, Ixodes scapularis, Bos Taurus e Acyrthosiphon
pisum. A numeração representa as distâncias entre as espécies ....................
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67
Índice de figuras
xviii
FIGURA 28 – Atividade de síntese de hemozoína usando extrato protéico de epitélio intestinal de Dysdercus peruvianus (A e B) e Quesada gigas (C e D). Os epitélios intestinais foram coletados e
submetidos a extração de proteínas. O ensaio de síntese de hemozoína foi
realizado usando 12 μg de proteína do sobrenadante (S) ou do precipitado
(P). A e C ensaio de formação de cristais de heme; B e D Espectro de
FTIR do cristal produzido in vitro ......................................................................
68
Índice de tabelas
xviii
TABELA 1 – Iniciadores utilizados nos experimentos de RT-PCR e qPCR .....
TABELA 2 – Efeito fisiológico do silenciamento da α-glucosidase
mediado por dsαGlu em Rhodnius prolixus. Os insetos foram injetados
com 2 µL de PBS 100 mM pH 7,4 ou dsLacZ (controle) e dsα-glu (2 ou 10
µg/fêmea); mortalidade e ovoposição foram monitorados 4 dias após
alimentação .......................................................................................................
40
58
TABELA 3 – Análise comparativa dos genes de α-glucosidases de
diferentes espécies usando Blastx ....................................................................
65
Abreviaturas
xix
α-GLU..................................................... α-glucosidase BCA ........................................................ ácido bicinconínico CLQ ........................................................ cloroquina DEPC ...................................................... dietilpirocarbonato dsLacZ ................................................... dupla fita de RNA de β-galactosidase dsRNA .................................................... dupla fita de RNA dsαGlu ................................................... dupla fita de RNA de α-glucosidase Fe(III)PPIX .............................................. ferro protoporfirina IX FP ........................................................... ferroprotoporfirina FTIR ....................................................... espectrometria de infravermelho com transformada de Fourier HO .......................................................... heme oxigenase HRP II ..................................................... proteína rica em histidina II Hz ............................................,.............. hemozoína Kb ........................................................... quilo bases MPMV ..................................................... membrana perimicrovilar NEM ........................................................ N-etilalemida NP ........................................................... Nonidep PAGE ..................................................... eletroforese em gel de poliacrilamida PBS ........................................................ tampão fosfato de sódio PCR ....................................................... reação em cadeia da polimerase PMSF .................................................... fenilmetilsulfonil fluoreto qPCR ...................................................... PCR quantitativo RNAi ....................................................... RNA de interferência ROS ....................................................... espécies reativas de oxigênio RT .......................................................... transcrição reversa SDS ........................................................ dodecil sulfato de sódio WHO ....................................................... Organização Mundial da Saúde
Resumo
xx
RESUMO Insetos hematófagos se alimentam do sangue de um vertebrado, digerem a
hemoglobina e liberam heme no lúmen intestinal. Em Rhodnius prolixus, este
heme é detoxificado por biomineralização, formando hemozoína (Hz).
Resultados anteriores mostraram que uma fração protéica das membranas
perimicrovilares (MPMV) presentes no lúmen intestinal é responsável pela
formação de Hz neste inseto. O objetivo do presente trabalho é demonstrar que
uma α-glucosidase, enzima marcadora das MPMV, é responsável pela síntese
de Hz em R. prolixus. Para isso, foram utilizados inibidores clássicos da α-
glucosidase em ensaios de formação de Hz. Todos os inibidores testados
inibiram a formação de Hz de forma similar à sua ação sobre a atividade
primária da enzima. A atividade de formação de Hz foi sensível a DEPC,
sugerindo uma função crítica dos resíduos de histidina neste processo.
Adicionalmente, um anticorpo policlonal anti-α-glucosidase de um inseto
fitófago, Dysdercus peruvianus, foi capaz de inibir a formação de Hz. Nenhum
dos inibidores apresentou efeito quando adicionado 10h após o início da
reação, sugerindo que a α-glucosidase deva agir em etapas iniciais do
processo. A formação de Hz parece ser dependente do sítio de ligação do
substrato à enzima, visto que maltose, substrato específico da enzima,
bloqueou a atividade de formação de Hz. A associação entre a enzima e a
formação de Hz foi confirmada, quando dsRNA, construído usando a sequência
do gene da α-glucosidase, foi injetado na hemocele de fêmeas de R. prolixus.
O silenciamento do gene causou a redução das atividades de formação de Hz
e α-glucosidásica. Em contrapartida, o heme foi capaz de modular a expressão
da enzima e atuar como regulador da atividade enzimática, já que insetos
alimentados com hemina apresentaram níveis de expressão gênica e atividade
maiores que insetos alimentados sem hemina. A sequência deduzida de
aminoácidos da α-glucosidase de R. prolixus mostrou maior similaridade com
α-glucosidases de insetos, com resíduos críticos de histidina e ácido aspártico
conservados entre as enzimas. Tomados em conjunto, os resultados sugerem
fortemente que a α-glucosidase das MPMV é responsável pelo processo de
nucleação de heme no intestino médio de R. prolixus. Este importante passo
adaptativo pode ter sido essencial para o surgimento da hematofagia entre os
insetos hemimetábolos.
Resumo
xxi
Palavras-chaves: Rhodnius prolixus, hemozoína, cristais de heme,
hematofagia, α-glucosidase
Abstract
xxii
ABSTRACT Hematophagous insects digest large amounts of host hemoglobin and release
heme inside their guts. In Rhodnius prolixus, hemoglobin-derived heme is
detoxified by biomineralization, forming hemozoin (Hz). Recently, the
involvement of the R. prolixus perimicrovillar membranes (PMVM) in Hz
formation was demonstrated. Herein, the role of PMVM α-glucosidase in the Hz
formation was investigated. Hz formation was inhibited by specfic α-glucosidase
inhibitors. Moreover, heme aggregation into Hz was sensitive to inhibition by
DEPC, suggesting a critical role of histidine residues in enzyme activity.
Additionally, a polyclonal antibody raised against a phytophagous insect α-
glucosidase was able to inhibit Hz formation. The α-glucosidase inhibitors have
had no effects when used 10h after the start of reaction, suggesting that α-
glucosidase should act in the nucleation step of Hz formation. Hz formation was
seen to be dependent on the active site of the enzyme, in a way that maltose,
an enzyme substrate, blocks such activity. The gene silencing by RNAi, through
the injection of dsRNA, based on the sequence of α-glucosidase gene,
confirmed the hypothesis and reduced both α-glucosidase and Hz formation
activities. Addicionally, modulation of the enzyme expression by heme was
demonstrated. Insects were fed on plasma or hemin-enriched plasma and gene
expression and activity of α-glucosidase were higher in the plasma plus hemin-
fed insects. The deduced amino acid sequence of α-glucosidase shows a high
similarity to the insect α-glucosidases, with critical histidine and aspartic
residues conserved among the enzymes. Usually, these enzymes catalyze the
hydrolysis of glycosidic bond. The results strongly suggest that an α-
glucosidase is responsible for Hz nucleation in the R. prolixus midgut, indicating
that the plasticity of this enzyme may play an important role in conferring fitness
to hemipteran hematophagy, for instance.
Keywords: Rhodnius prolixus, hemozoin, heme aggregation, hematophagy, α-
glucosidase
Introdução
1
1 – INTRODUÇÃO 1.1 – Histórico e aspectos epidemiológicos da doença de Chagas
Desde a descoberta da tripanossomíase americana em 1909 por Carlos
Chagas, uma doença que posteriormente recebeu o seu nome, o conhecimento
sobre a epidemiologia da doença e seu controle tem evoluído em três fases
bem definidas: a fase de descoberta, a fase de divulgação do conhecimento e a
fase de aplicação deste conhecimento para o controle e vigilância de infecção
humana. A fase de descoberta corresponde a estudos pioneiros de Chagas do
Trypanosoma cruzi em Panstrongylus conorhinus (Panstrongylus megistus) e
em animais de laboratório experimentalmente infectados e sua descrição dos
primeiros casos agudos da doença (Chagas 1909, 1911). Carlos Chagas
publicou suas descobertas em discursos no Brasil e no exterior, e em vários
jornais publicados em português, espanhol, inglês, francês e alemão.
Em 1912, Chagas descobriu que o tatu (Dasypus novencinctus) é um
reservatório silvestre de T. cruzi. Concomitantemente, no mesmo hábitat, ele
encontrou Triatoma megistus infectados com o parasita, definindo assim o ciclo
silvestre da doença de Chagas. Chagas (1924) complementou este achado
com a descrição de T. cruzi entre macacos naturalmente infectados no Estado
do Pará. Em 1930 começou a expansão da doença para outros países.
Nussenzweig et al. (1962, 1963) encontraram diferenças antigênicas em
cepas de T. cruzi isoladas de humanos, morcegos, triatomíneos, e roedores
silvestres, classificadas em pelo menos três tipos imunológicos. Durante este
mesmo período, a análise das sete amostras de T. cruzi de diferentes origens
permitiram Brener & Chiari (1963) agrupá-los em três padrões morfológicos,
previamente descritos por Chagas (1909) como dimorfismo sexual. No entanto,
Deane et al. (1963) não encontraram diferenças patogênicas e morfológicas
entre as cepas de T. cruzi de animais silvestres. Posteriormente, Brener (1965)
correlacionou algumas dessas variações morfológicas com as fases da
infecção.
Mais de 130 espécies foram consideradas potenciais vetores de T. cruzi.
No Brasil, 52 espécies de triatomíneos foram descritas, mas cinco têm especial
importância epidemiológica, pois possuem hábitos domésticos: T. infestans, P.
Introdução
2
megistus, T. brasiliensis, T. pseudomaculata e T. sordida. As outras 47
espécies são selvagens e mantêm um ciclo natural apenas com mamíferos
silvestres. T. infestans, espécie estritamente doméstica, foi eliminada no Brasil,
Chile e Uruguai, e sua erradicação ou controle em outros países da América do
Sul está em andamento (Lent & Wigodzinsky 1979, Forattini 1980, Dias &
Coura 1997, WHO 2002, Dias & Macedo 2005, Coura & Dias 2009).
Mais de 100 reservatórios silvestres de T. cruzi têm sido descritos entre
marsupiais, morcegos, roedores e primatas não-humanos. Entre os
reservatórios domésticos, é importante destacar cães, gatos, ratos e cobaias,
nos países onde eles são criados em casas. Outros animais, como suínos e
caprinos, foram encontrados infectados (Barretto 1964, Deane 1964, Dias &
Macedo 2005; Coura & Dias 2009).
A distribuição geográfica da infecção chagásica, incluindo os seus
reservatórios e seus vetores, se estende desde o sul dos Estados Unidos para
o sul da Argentina e Chile. Assim, abrange todas as Américas, e 90 milhões de
pessoas nesta região estão expostas à infecção. Atualmente, estima-se que 15
milhões de pessoas estão infectadas por T. cruzi ou são capazes de transmitir
a doença. A Figura 1 mostra a distribuição da infecção chagásica nas
Américas, destacando as espécies endêmicas e zonas antropozoonóticas do
Brasil (Monteiro et al., 2001).
Introdução
3
Figura 1 – Doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (a), sendo
transmitida por insetos da família Reduviidae, sub-família Triatominae (b). Estes insetos, muitas
vezes designados triatomíneos ou barbeiros, são comum em lares pobres nas Américas do Sul
e Central (c). A doença afeta cerca de 12 milhões de pessoas, com um adicional de 90 milhões
consideradas em áreas de risco. Em (d) cinza – regiões em que há existência da doença de
Chagas como zoonoses (aves e mamíferos selvagens) e em vermelho são regiões em que
ocorre transmissão ativa em humanos (Monteiro et al., 2001).
Espécies que são exclusivamente domésticas, como o T. infestans e R.
prolixus, tendem a se tornarem eliminadas das suas áreas de dispersão, devido
a um esforço contínuo dos órgãos responsáveis ou da população, em especial
nas regiões em que tinham sido introduzidas. Espécies que estão presentes na
natureza e que são capazes de se tornarem domésticas (T. brasiliensis, T.
pseudomaculata, T. sordida, T. dimidiata e P. megistus) tendem a persistir.
Como esporadicamente invadem habitações humanas exigem uma vigilância
contínua. Consequentemente, será de enorme importância ter uma
configuração técnica e político-administrativa que permita um sistema de
vigilância epidemiológica permanente e sustentável, com uma organização
descentralizada, constante supervisão e ampla participação da comunidade
(Dias 1991, Dias & Schofield 2004).
O controle por meio de inseticidas e as iniciativas de fiscalização
relacionadas com a doença de Chagas no Cone Sul em 1991, nos países
andinos em 1997, no México em 1998 e nos países amazônicos em 2004,
criaram novas expectativas entre a comunidade latino-americana e em países
não endêmicos a respeito da possibilidade de controle da doença de Chagas
em todo o mundo nos próximos 20 anos. Dez anos de ações coordenadas de
Introdução
4
controle tiveram um impacto fundamental na incidência da doença de Chagas,
no âmbito do Cone Sul, que se refletiu numa redução de 94% (WHO, 2002). O
reconhecimento veio algum tempo depois, em 2006, com a entrega de
documento ao Ministro da Saúde certificando que o Brasil estava livre da
transmissão vetorial por T. infestans, principal espécie vetora (o mesmo tendo
acontecido com Chile e Uruguai) (Schofield et al., 2006).
Apesar de eliminado no Brasil, excetuando-se alguns focos residuais no
Rio Grande do Sul e no Nordeste, nos últimos anos começou a haver uma
substituição do T. infestans por outras espécies antes consideradas de
importância epidemiológica secundária (Vinhaes & Dias, 2000). O problema é
que a maioria dessas espécies secundárias é nativa e, diferentemente de T.
infestans, possui ecótopos silvestres extensos, o que faz com que a
reinfestação de domicílios tratados, por insetos vindo do ambiente silvestre,
seja frequente. Situações dessa natureza são mais complexas e seu controle
irá requerer vigilância continuada das próprias comunidades e re-tratamento de
qualquer novo foco doméstico que venha a ser detectado (Ramsey & Schofield,
2003).
1.2 – A classe Insecta e a hematofagia
A classe Insecta possui uma enorme diversidade, como resultado não só
de uma colonização bem sucedida, mas também devido a sua fácil adaptação
aos diferentes ecossistemas. Distribui-se por todo o mundo, das regiões
polares aos trópicos, e engloba espécies que vivem em terra firme, águas
doces, salgadas e termais. Além disso, este sucesso adaptativo dos insetos é
devido a outros fatores, dentre eles a capacidade reprodutiva e a capacidade
de vôo (Hoy, 1994). O êxito dos insetos, que têm sobrevivido há
aproximadamente 300 milhões de anos, se deve também a fatores como a
presença de um exoesqueleto, tamanho reduzido, metamorfose e tipo
especializado de reprodução. As asas permitiram aos insetos se dispersarem
pela Terra, além de vantagens na fuga, reprodução e na procura de alimentos.
O exoesqueleto protege contra choques e esmagamento além de conferir
resistência à penetração de microorganismos patogênicos, gases tóxicos e
água através de seu corpo, além de evitar a desidratação (Ruppert, 2005).
Introdução
5
Os insetos são a forma de vida animal mais abundante do planeta, com
cerca de um milhão de espécies organizadas em, aproximadamente, 800
famílias e distribuídas em 32 ordens (Hoy, 1994). Estima-se que existam 14000
espécies de insetos dentro de 5 ordens que são hematófagas. No entanto,
poucas, entre 300 a 400 espécies, apresentam grande importância para o
homem, seja na transmissão de patógenos de relevância médica ou
veterinária, seja pela perda sanguínea que acarreta baixa produtividade na
pecuária (Lehane, 2005).
A hematofagia surgiu várias vezes ao longo da evolução dos artrópodes
(Ribeiro, 1995). Embora não se conheça o momento exato em que os primeiros
insetos hematófagos surgiram, há uma tendência em ajustar a origem da
maioria dos grupos no período Cretáceo (Mans & Neitz, 2004). A partir dessa
hipótese tornou-se possível inferir que o aparecimento da hematofagia ocorreu
paralelamente ao início da divisão de mamíferos e aves, acompanhados pela
diversificação e expansão dos animais terrestres. Antecedentes de
hematófagos modernos apresentam frequentemente várias características que
são pré-condições para hematofagia. Algumas dessas préadaptações são de
natureza ecológica e a proximidade com os vertebrados foi principalmente o
que facilitou o desenvolvimento dessas características (Lehane, 2005).
Os insetos hematófagos encontram-se agrupados em 4 principais
ordens: Diptera, Hemiptera, Phithiraptera e Siphonaptera. A ordem Hemiptera
abrange cerca de 60.000 espécies, constituindo-se no grupo dominante de
insetos de metamorfose simples. Pertencem a esta ordem os conhecidos
barbeiros, percevejos, pulgões, cigarras e outros (Lehane, 1991). Segundo
Richards & Davies (1988), a ordem Hemiptera surgiu, provavelmente, no
carbonífero, tendo sua maior diversificação no mesozóico, aliada à emergência
das plantas com flores. As peças bucais destes insetos são altamente
eficientes para a extração de fluidos vegetais, indicando a existência de partes
bucais pré-adaptadas ao hábito picador-sugador (Lehane, 1991). A evolução
das partes bucais foi de crucial importância para possibilitar o hábito de se
alimentar de sangue (Lehane, 2005).
Na família Reduviidae encontram-se alguns hemípteros hematófagos
que são vetores de T. cruzi, o agente causador da doença de Chagas. Na
maior parte destes insetos, a alimentação é caracterizada pela ingestão de
Introdução
6
grande quantidade de sangue, feita de uma só vez. Este evento minimiza o
número de visitas que um ectoparasito temporário precisa fazer ao hospedeiro,
diminuindo, portanto, o risco que estas investidas representam para o inseto
(Lehane, 2005). Esta peculiaridade representa, no entanto, desvantagem
significativa para o inseto, uma vez que sua mobilidade é diminuída em função
do aumento de massa corporal. Outra aparente desvantagem desta forma de
alimentação é a grande quantidade de água ingerida, o que requer um sistema
eficiente e rápido de remoção de água e concentração de material solúvel.
Acredita-se que a capacidade de utilização do sódio para controlar a absorção
de água, represente um dos grandes passos evolutivos para a adaptação
destes insetos a hematofagia, visto que no sangue este se encontra em
abundância e sua absorção se processa ativamente (Barret, 1982). Em insetos
fitófagos, como o Dysdercus peruvianus (Hemiptera, sugador de sementes de
algodão), por exemplo, o potássio é usado para controlar a obtenção de água,
não dependendo da dieta de sódio (Silva et al., 1995).
1.3 – A ordem Hemiptera
A ordem Hemiptera inclui os insetos conhecidos como percevejos
verdadeiros. A maioria dos hemípteros é hematófaga ou sugadora de seiva de
plantas, mas três famílias apresentam várias espécies de pequenos a grandes
insetos hematófagos. A primeira destas famílias é a Cimicidae, em que todos
os membros são hematófagos. A segunda família de percevejos hematófagos é
a Polyctenidae. Todos os membros deste grupo são ectoparasitas
permanentes e hematófagos obrigatórios. Finalmente, a terceira família de
hemípteros que contém os percevejos hematófagos é a Reduviidae, em que
está contida a subfamília Triatominae, na qual todas as 155 espécies são
hematófagas obrigatórias (Lehane, 2005).
Na família Reduviidae encontram-se várias espécies de vetores do T.
cruzi, o agente causador da doença de Chagas. Estes percevejos se alimentam
em uma variedade de vertebrados incluindo o homem e, muitos são
intimamente associados com os sítios de repouso habitual ou com os ninhos de
aves, mamíferos e outros animais (Lehane, 1991).
Introdução
7
Os hemípteros são excepcionais no que diz respeito ao uso de enzimas
catepsina-símile no seu processo digestivo. Isto é consistente com a hipótese
de que os insetos hematófagos tenham surgido a partir de sugadores de seiva
vegetal (Houseman & Downe, 1983; Billingsley & Downe, 1989; Terra et al.,
1988). Os sugadores de seiva (por exemplo, D. peruvianus), não necessitando
de proteases, podem ter perdido suas tripsinas. No entanto, ao se alimentar de
uma dieta rica em sangue podem readquirir a atividade proteolítica no lúmen
intestinal. Isto é possível pelo uso das catepsinas que estão contidas nos
lisossomos de todas as células, redirecionando-as para a digestão extracelular
(Lehane, 2005). Algumas destas espécies sugadoras de seiva foram utilizadas
no desenvolvimento do trabalho, levando em consideração uma abordagem
evolutiva (D. peruvianus e Quesada gigas).
D. peruvianus é um hemíptera fitófago parasita de algodão. O intestino
médio de D. peruvianus é basicamente dividido em quatro regiões distintas: V1,
V2, V3 e V4. As células dessas regiões diferem significativamente quanto a
suas formas. As porções V1 e V2 são compostas por células colunares com
núcleos basais, envoltas por pouca membrana perimicrovilar, já as porções
finais V3 e V4 são formadas por células alongadas cobertas por grande
quantidade de membrana perimicrovilar (Silva et al., 1995).
A cigarra Q. gigas (Hemiptera: Cicadellidae) tem uma ampla distribuição
nas Américas, que vão desde o sul do Texas ao sul da Argentina. Esta espécie
tem sido descrita como importante praga das plantações de café na América
Central e América do Sul, particularmente no Brasil (Martinelli & Zucchi, 1987).
Os cinco estágios ninfais alimentam-se do sistema radicular da planta
hospedeira durante um período de 3-4 anos, antes de emergir como adultos.
Na sequência de emergência, os adultos alimentam-se das partes aéreas da
planta, obtendo nutrientes do xilema. A atividade alimentar das ninfas podem
debilitar a planta e em caso de graves infestações, causar a morte da planta
(Zanuncio et al., 2004). Outras espécies de cigarras foram mostradas como
vetoras de doenças de plantas. Adultos da cigarra Diceroprocta apache, por
exemplo, estão envolvidos na transmissão da bactéria Xylella fastidiosa, que
causa a doença de Pierce em videiras (Krell et al., 2007). As cigarras
dependem de bactérias simbiontes para sintetizar os aminoácidos essenciais
necessários para os insetos, e ausentes em suas dietas.
Introdução
8
1.3.1 – Rhodnius prolixus e a digestão sanguínea
R. prolixus é um Hemiptera hematófago obrigatório da família
Reduviidae. Este inseto possui cinco estádios de ninfa, após os quais se torna
adulto, provido de asas e maturidade sexual (Figura 2). Cada muda, assim
como cada ciclo reprodutivo, é sincronizado por uma única alimentação, na
qual o inseto ingere uma quantidade de sangue equivalente a até nove vezes
seu próprio peso (Friend et al., 1965). Tanto a quantidade, quanto a qualidade
do sangue ingerido afetam diretamente o desenvolvimento e a produção de
ovos de R. prolixus (Friend et al., 1965; Valle et al., 1987). Por volta do terceiro
dia após a alimentação, os ovários encontram-se repletos de ovócitos, sendo a
postura realizada por volta do sexto dia e a eclosão das ninfas verificada no
período de dez a vinte dias. Após a alimentação, o animal segue um período de
jejum prolongado, que pode chegar a alguns meses (Buxton, 1930). Nos
insetos hemimetábolos, o indivíduo pré-adulto é muito semelhante,
morfologicamente, ao indivíduo adulto. Além disso, possuem o mesmo hábito
alimentar em todos os estágios de vida, as formas imaturas têm igual potencial
para transmitir a doença, o que torna esta espécie um vetor por excelência.
Estas características, somadas à grande facilidade de reprodução e ao curto
ciclo de vida, os posicionam como modelos ideais para o desenvolvimento de
ensaios experimentais.
Introdução
9
FIGURA 2 – Ciclo de vida de R. prolixus, mostrando os estágios do ovo ao indivíduo adulto,
passando pelos cinco estágios de ninfa. Adaptado de Buxton (1930).
O aparelho digestório de R. prolixus é dividido em intestino anterior,
intestino médio e intestino posterior. O intestino médio, por sua vez, é dividido
em intestino médio anterior e posterior. O intestino médio posterior é ainda
subdividido em porção anterior e porção posterior (Billingsley & Downe, 1983)
(Figura 3). Após a ingestão, o sangue de hospedeiros vertebrados é estocado
no intestino médio anterior, onde tem início uma intensa atividade de lise das
hemácias (Billingsley, 1990). A digestão das proteínas sanguíneas se inicia na
porção anterior do intestino médio posterior, onde as catepsinas B e D,
aminopeptidases, carboxipeptidases, (Houseman & Downe, 1983) e outras
enzimas hidrolíticas (Ferreira et al., 1988) são ativas. Uma característica
marcante no intestino dos hemípteros é a presença de uma estrutura
membranosa, que reveste as células epiteliais no lado luminal, conhecida como
membrana perimicrovilar (MPMV). Estas membranas separam o conteúdo
luminal das células epiteliais, durante o ciclo digestivo do inseto (Silva et al.,
2004). No intestino médio anterior ocorrem outros processos além do
armazenamento de sangue e hemólise, como diurese e regulação iônica,
digestão de carboidratos e processamento de lipídeos (Bauer, 1981; Billingsley
& Downe, 1989). As células do intestino médio anterior contêm numerosos
1o
estádio2o
estádio3o
estádio
5o
estádio
4o
estádio
ovos
Introdução
10
esferócitos, estruturas multilamelares envolvidas na regulação iônica (Pacheco
& Ogura, 1966; Bauer, 1981; Billingsley & Downe, 1989). O transporte de água
é dependente desta regulação iônica e, consequentemente, da funcionalidade
destas estruturas. Em R. prolixus os esferócitos mantem-se enquanto estrutura
individualizada até os vinte dias após a alimentação, quando então são
absorvidos pelos lisossomos autofágicos. Os esferócitos têm sido considerados
sítios de seqüestro de íons minerais, os quais podem ser mobilizados quando
requeridos (Billingsley & Downe, 1989).
FIGURA 3 – Desenho esquemático do trato digestório de R. prolixus, segundo Billingsley & Downe (1983). 1 - Glândula salivar; 2 - Intestino médio anterior; 3 - Intestino médio posterior;
4 - Porção anterior do intestino médio posterior; 5 - Porção posterior do intestino médio
posterior; 6 - Túbulos de Malpighi; 7 - Reto (ampola retal).
A porção posterior do intestino médio posterior tem uma função mais
relacionada à absorção. Billingsley (1990) mostrou que esta região apresenta
uma maior densidade de mitocôndrias, possui uma área superficial maior e
exibe uma separação das membranas do labirinto basal quando mais
nutrientes estão disponíveis em etapas mais avançadas da digestão. De
maneira geral, o intestino médio de insetos hematófagos mostra poucas
variações. Por exemplo, em mosquitos, o sangue também é estocado e
3
1
2
4
5
6
7
Introdução
11
digerido no intestino médio posterior, embora o principal grupo de proteinases
seja, neste caso, tripsina-símile, diferente de hemípteras nos quais as
proteinases digestivas são, principalmente, do tipo catepsinas (Terra, 1990).
Estas diferenças não podem ser atribuídas à dieta, mas a uma adaptação
relacionada à origem de diferentes ancestrais. Este fato reforça o dado de que
a hematofagia não surgiu em um ancestral comum que deu origem a todas as
espécies existentes até o momento, mas, provavelmente, tem origem
polifilética, como resultado de um processo de convergência adaptativa.
1.4 – Heme e mecanismos antioxidantes
Heme, ou ferro-protoporfirina IX (Fe(III)PPIX), é uma molécula versátil
envolvida em muitos processos biológicos essenciais, incluindo transporte de
oxigênio, transdução de sinais, respiração, fotossíntese e detoxificação de
drogas (Ponka, 1999). No entanto, é bem conhecido que o átomo de ferro da
molécula de heme é um potente pró-oxidante, capaz de gerar espécies reativas
de oxigênio, como hidroxil e radicais peroxil (Ryter & Tyrrell, 2000). Por esta
razão, as células regulam a homeostase do heme. Um componente importante
deste controle é a heme oxigenase (HO). Frequentemente descrita como
antioxidante, esta enzima é expressa por diversos organismos como bactérias
e plantas (Tenhunen et al., 1969; Ortiz de Montellano, 2000). O catabolismo do
heme pela heme oxigenase resulta na liberação de monóxido de carbono,
biliverdina, e ferro (Figura 4). Esta via de degradação do heme tem sido
extensivamente estudada na última década, não só pelo seu papel no processo
de detoxificação do heme e reciclagem de ferro (Ryter & Tyrrel 2000), mas
também porque os produtos de clivagem do anel porfirínico, biliverdina e CO,
possuem importantes papéis fisiológicos (Maines, 1997). Nos mamíferos, CO,
um mensageiro gasoso, tem propriedades antiinflamatórias (Otterbein et al.,
2000) e anti-apoptóticas (Brouard et al., 2002). Biliverdina e bilirrubina (produto
reduzido da biliverdina) podem funcionar como importantes antioxidantes
(Stocker et al., 1987; Stocker, 2004). A ação destrutiva dos componentes do
sangue para o sistema nervoso central, por exemplo, podem ser relacionadas a
dois aspectos: inflamação e estresse oxidativo. O heme tem sido mostrado
recentemente como uma molécula imuno-ativa, capaz de promover ativação de
Introdução
12
neutrófilos e macrófagos e migração de ambos, in vitro e in vivo (Figueiredo et
al., 2007; Porto et al, 2007; Graça-Souza et al., 2002).
Organismos que têm, como fonte de nutrientes, proteínas sanguíneas,
como a hemoglobina, apresentam mecanismos eficientes de digestão destas
moléculas. Hemoglobina compreende 95% das proteínas citosólicas das
células vermelhas do sangue (Ball et al., 1948). Em Plasmodium, a
hemoglobina ingerida é degradada no interior do vacúolo digestório ácido
(Yayon et al., 1984, Ollioro & Goldberg, 1995; Egan 2008a), por plasmepsinas
e falcipaínas, produzindo pequenos peptídeos. Esses peptídeos translocam-se,
subsequentemente, para o citosol do parasito onde, através de mecanismos
ainda não conhecidos, exopeptidases citosólicas completam sua digestão,
sendo aminoácidos resultantes assimilados pelo parasito para crescimento e
maturação (Goldberg et al., 1992; Coombs et al., 2001). Devido a esta massiva
degradação de hemoglobina, uma grande quantidade de heme livre é liberada
como um sub-produto tóxico em Plasmodium (Orijih et al., 1993). Heme, o
grupamento prostético da hemoglobina, é uma molécula envolvida com
processos vitais, como a cadeia transportadora de elétrons (citocromos), a
detoxificação de drogas (citocromo P450) e o transporte de oxigênio
(hemoglobina e hemocianina) em um grande número de organismos vivos.
Ácido úrico é considerado um eficiente mecanismo antioxidante
associado à utilização do heme do hospedeiro no Rhodnius (Graça-Souza et
al., 1997). O ácido úrico é um quelante de radicais livres, e sua concentração
hemolinfática chega a 5 mM. Esta concentração aumenta em decorrência da
alimentação ou à injeção de hemina na hemocele. Além disso, As proteínas de
ligação de heme na hemolinfa de Rhodnius (RHBP) são capazes de interagir
com o heme livre e formar complexos que não acarretam a geração de radicais
livres (Atamna & Ginsburg 1995; Ryter & Tyrrel 2000; Dansa-Petretski et al.,
1995) (Figura 4). Outros parasitas são candidatos a ter sistemas de degradação da
hemoglobina. Entamoeba histolytica, o agente causador da amebíase, ingere
eritrócitos, mas a degradação da hemoglobina não foi totalmente caracterizada
(Langreth 1976). Quantidades maciças de hemoglobina são degradadas pelo
gênero Schistosoma, os agentes causadores da esquistossomose (Dalton et
al., 1996).
Introdução
13
Em insetos hematófagos, o estudo da degradação de heme tem sido
negligenciada, apesar do fato de que esses insetos, sem dúvida, têm que lidar
com uma das mais elevadas concentrações de heme em suas dietas. Estes
animais enfrentam uma intensa condição de estresse oxidativo devido a
degradação da hemoglobina do hospedeiro durante a digestão. Assim, no
curso da evolução, esses animais têm desenvolvido uma série de estratégias
para neutralizar a citotoxicidade do heme para se adaptar com sucesso à
alimentação de sangue (Dansa-Petretski et al., 1995; Oliveira et al., 1999;
Oliveira et al., 2002; Graça-Souza et al., 2006). Nestes insetos, a utilização do
heme ingerido poderia representar uma grande economia em termos
metabólicos, uma vez que minimizaria a utilização da via de biossíntese de
heme, também presente na maior parte dos seres vivos. Isto, de fato, parece
ocorrer em R. prolixus, tendo sido demonstrado que parte do heme gerado no
aparelho digestório é capaz de ser absorvido pelo inseto (Dansa-Petretski et
al., 1995). A capacidade de utilização de heme do hospedeiro vertebrado já é
conhecida no carrapato bovino Boophilus microplus (Braz et al., 1999). Em
Rhodnius, o heme absorvido parece regular, de uma forma ainda pouco
entendida, a ovogênese (Braz et al., 2001).
Enquanto funções úteis do heme são demonstradas em diversas
reações enzimáticas, um número de efeitos deletérios são direta e
indiretamente atribuídos ao heme livre. O acúmulo de heme na sua forma
monomérica, livre em solução aquosa, poderia promover a lise de células. Por
ser um ânion anfifílico, o grupo heme é capaz de alterar a permeabilidade e
seletividade da membrana (Schmitt et al., 1993). Além disso, o aparecimento
de espécies reativas de oxigênio promovido pela presença de heme (Liu et al.,
1985; Gutteridge & Smith, 1988) causa reações deletérias como peroxidação
lipídica, “cross-linking” de proteínas e fragmentação de moléculas de DNA
(Tappel, 1955; Aft & Muller, 1984; Vicent et al., 1988).
A presença de grande quantidade de heme no trato intestinal de insetos
hematófagos faz deste um ambiente altamente oxidante. Assim, a absorção e
posterior utilização deste heme poderiam ser tóxicas para o inseto. Existem, no
entanto, uma série de mecanismos antioxidantes associados à hematofagia já
descritos. Um destes mecanismos é a síntese de uma proteína de ligação de
heme, denominada RHBP (Oliveira et al., 1995) em R. prolixus. Esta proteína,
Introdução
14
que está presente na hemolinfa, liga-se ao heme, inibindo a lipoperoxidação
induzida por heme (Dansa-Petretski et al., 1995). Devenport et al. (2006)
identificaram uma peritrofina de Ae. aegypti – um componente protéico da
matriz peritrófica – como sendo uma proteína de ligação de heme.
Hemeproteínas são uma super família de proteínas que catalisa uma variedade
de reações bioquímicas em virtude da utilização de porfirinas como grupo
prostético (Mense & Zhang 2006). Citocromo-c, isoformas do citocromo P-450,
catalase, óxido nítrico sintase e peroxidases são exemplos representativos de
hemeproteínas (Horie et al., 1975; Rydberg et al., 2004).
Paes et al. (2001) demonstraram que catalase e glutationa cooperam
para controlar a concentração de peróxido de hidrogênio nas células do
intestino médio de R. prolixus e previnem a geração de radicais hidroxil pela
reação de Fenton neste tecido. Paiva-Silva et al. (2006) demonstraram uma
nova via de degradação de heme, tanto no epitélio do intestino médio, quanto
no tecido pericardial. No mosquito Ae. aegypti a via de degradação de heme foi
observada por ser amplamente distinta da demonstrada para o hemíptera
hematófago R. prolixus (Pereira et al., 2007).
Existem outros mecanismos antioxidantes hemolinfáticos descritos para
R. prolixus, como a presença de altas concentrações de ácido úrico na
hemolinfa (Souza et al., 1997). A biocristalização de heme (síntese de
hemozoína) no intestino médio do inseto (Oliveira et al., 1999) representa outro
importante mecanismo da diminuição da disponibilidade de heme livre. O
epitélio do trato intestinal é um importante alvo de ação das espécies geradas
pela ação catalítica do heme, já que este é o local onde se dá o processo
enzimático que leva ao aparecimento do composto. Assim, a síntese de
hemozoína representa uma primeira barreira contra os efeitos tóxicos do
grupamento heme (Oliveira et al., 2000). No intestino do inseto R. prolixus, foi
demonstrado que o heme gerado durante a degradação da hemoglobina pode
se associar às membranas perimicrovilares (Oliveira et al., 2000; Silva, 2001;
Silva et al., 2007; Stiebler et al., 2010). Em Ae. aegypti, na região da membrana
peritrófica, existem pequenos agregados de heme que também parecem
representar uma forma de defesa contra o heme (Pascoa et al., 2002).
Introdução
15
Figura 4 – Adaptações contra a toxicidade do heme. As maiores defesas dos insetos
hematófagos contra a toxicidade do heme estão concentradas no intestino médio. O controle
de tal toxicidade é realizado pela combinação da formação de cristais de heme, degradação de
heme, enzimas antioxidantes e moléculas de baixo peso molecular. A hemolinfa com
antioxidantes de baixo peso molecular e proteínas de ligação de heme que previnem a geração
de radicais livres contituem a segunda linha de defesa, resultando em um baixo nível de
estresse oxidativo nos outros tecidos. Hb—hemoglobina; ROS – espécies reativas de oxigênio;
O2- - anion superóxido; H2O2 – peróxido de hidrogênio; SOD – superóxido dismutase; TrxR –
tioredoxina redutase; TrxPx – tioredoxina peroxidase; Trx red – tioredoxina reduzida; Trx ox –
tioredoxina oxidada; GSH – glutationa reduzida; GSSG – glutationa oxidada; BPM – baixo peso
molecular. Adaptado de Graça-Souza et al. (2006).
Processamento
Proteína de ligação de heme
Derivados biliverdina
Introdução
16
1.5 – Formação de hemozoína Porfirina é o nome dado para uma família de compostos intensamente
coloridos, formados por um grande macro-ciclo de vinte átomos de carbono e
quatro átomos de nitrogênio. O macro-ciclo é construído a partir de quatro
pequenos anéis pirrólicos, cada anel formado por quatro átomos de carbono e
um átomo de nitrogênio. Cada um desses anéis é unido ao seu vizinho por uma
ponte de átomos de carbono (Milgron, 1997). O grupo heme, ou
ferroprotoporfirina IX (Fe(III)PPIX), apresenta um átomo de ferro no centro
desta estrutura (Figura 5). O ferro é essencial para muitos processos redox em
todos os eucariotos e muitos procariotos (Kaplan & O’Halloran 1996). No
entanto, o heme pode ser extremamente tóxico quando na presença de
oxigênio, por gerar espécies reativas de oxigênio através das reações de
Fenton. Uma série de mecanismos envolvidos na proteção de organismos
contra os efeitos deletérios causados pelo heme já foram descritos, e alguns
destes mecanismos estão relacionados à manutenção do heme em uma forma
menos reativa, por exemplo por associação desta molécula a proteínas. Um
mecanismo antioxidante bastante estudado na última década é a
biocristalização do heme em uma forma menos reativa, conhecida como
hemozoína (Hz) (Figura 6).
FIGURA 5 – Estrutura molecular do grupo heme ou ferro-protoporfirina IX (Fe(III)PPIX) (Egan, 2008a). Heme é um macrociclo, formado por 4 anéis pirrólicos unidos por pontes
metênicas. O átomo de ferro no heme liga-se a 4 nitrogênios no centro do macrociclo.
Introdução
17
A hemozoína, originalmente descrita como o pigmento da malária, é uma
molécula química e estruturalmente similar à beta-hematina (Slater et al.,
1991). É insolúvel em tampão bicarbonato básico e solventes apróticos como
dimetil sulfóxido e piridina (Slater et al., 1991). Em contraste, a hematina é
solúvel em ambos os tipos de solventes, por solvatação das cadeias
carboxilato ou por coordenação do solvente com o ferro em seu estado férrico
(Brown & Lantzke, 1969).
O mecanismo de síntese de Hz é pouco conhecido. Existem indícios de
que as unidades de heme sejam primeiro dimerizadas através de ligações
ferro-carboxilato recíprocas. Esta ligação ferro-carboxilato entre hemes
adjacentes permite agregar dois ou mais dímeros para formar hemozoína,
embora o número exato de unidades de heme em cada cadeia não possa ser
determinado (Slater et al., 1991). Os dímeros são ainda estabilizados através
de pontes de hidrogênio entre os grupamentos propionato não dissociados de
moléculas de heme de diferentes cadeias (Bohle & Helms, 1993; Bohle et al.,
1997). A complexa estrutura da hemozoína é mantida por interações iônicas
entre as moléculas de heme e por pontes de hidrogênio entre as cadeias já
formadas (Figura 6) (Egan, 2008a). Esta estrutura diferencia-se de outras
formas, como o monômero de heme, apresentando distinta solubilidade, e
distintos perfis em difração de raio-X e espectrometria de infravermelho (FTIR)
(Pagola et al., 2000).
Para a formação de Hz a partir de monômeros de heme, 50% dos
grupamentos de ácido propiônico do heme devem estar desprotonados, o que
ocorre em valores de pH iguais ao pKa dos propionatos, entre 4,8 – 5,0. Estes
valores coincidem com a faixa de pH do vacúolo digestório de Plasmodium
(Ridley et al., 1995), local em que esta estrutura foi descrita pela primeira vez, e
do intestino médio de R. prolixus (Oliveira et al., 1999).
Introdução
18
FIGURA 6 – Estrutura da hemozoína segundo Egan (2008a). Notar as ligação entre o ferro
de uma molécula de heme com o radical carboxilato da molécula de heme adjacente.
Diferentes cadeias são mantidas juntas por ligações de hidrogênio.
No modelo Plasmodium, enquanto a formação de hemozoína dentro do
vacúolo protege o parasita dos efeitos tóxicos do heme (Slater, 1992), o
acúmulo de hemozoína no interior dos monócitos/macrófagos e neutrófilos
pode causar efeitos deletérios ao hospedeiro. Estudos prévios mostraram que
a ingestão de hemozoína por cultura de células mononucleares humanas pode
acarretar a liberação de citocinas pro-inflamatórias (por exemplo: TNF-α e IL-
1b) (Pichyangkul et al., 1994) e anti-inflamatórias (por exemplo: IL-10)
(Mordmuller et al., 1998), e prejudicar a função dos macrófagos causando uma
explosão oxidativa (Schwarzer & Arese 1996). Estudos anteriores mostraram
que os níveis plasmáticos de IL-12 são inversamente correlacionados com a
quantidade de neutrófilos na circulação em crianças com malária grave,
sugerindo que a aquisição de hemozoína de uma infecção natural altera a
produção de citocinas (Luty et al., 2000).
Introdução
19
1.6 – Mecanismo de formação de hemozoína in vivo
Antes dos estudos realizados por Fitch & Kanjananggulpan (1987) e
Slater et al. (1991) foi amplamente assumido que hemozoína era simplesmente
um produto de degradação, possivelmente constituído apenas de hemoglobina
parcialmente degradada (Goldie et al., 1990). Alguns autores, entretanto,
sugeriram que ela poderia consistir de Fe (III) PPIX associado com proteínas
ricas em glicina (Ashong et al., 1989). Slater et al. (1991) assumiram que
hemozoína era um polímero de heme. Em 1992, Slater & Cerami verificaram
que o extrato de trofozoíto capaz de promover formação de hemozoína
aparentemente era sensível ao calor e apresentava um pH ótimo em torno de
5, próximo ao pH do vacúolo digestivo. Isto os levou a propor a existência de
uma enzima associada à formação de Hz, que foi denominada heme
polimerase.
Em 1995, Dorn et al. mostraram que existe uma taxa de formação
espontânea de hemozoína, que ocorre em temperatura fisiológica. Entretanto,
a autocatálise se mostrou lenta para explicar a formação de hemozoína in vivo.
Bendrat et al. (1995) sugeriram que os lipídios promovem a formação de
hematina e que tanto hemozoína como β-hematina são “contaminadas” com
lipídios, o que justificaria o comportamento auto-catalítico. Dorn et al. (1998)
investigaram o processo de formação de hemozoína in vitro e verificaram,
inicialmente, que a formação de hematina ocorre espontaneamente mesmo na
ausência de Hz pré-formada, após muitos dias de ensaio. No entanto, os
mesmos autores verificaram que o processo é mais rápido quando foi
adicionado um extrato acetonitrílico de trofozoítas de malária, resultado
reproduzido quando lipídios eram utilizados no ensaio. Sullivan et al. (1996)
mostraram que uma Proteína Rica em Histidina II (HRPII), abundante em P.
falciparum, também é capaz de induzir a formação de hemozoína e sugerem
que estas proteínas poderiam ser capazes de catalizar ou iniciar a formação de
hemozoína in vivo.
Por mais de uma década a estrutura da hemozoína foi proposta como
sendo um polímero de heme e a terminologia polimerização tornou-se
fortemente utilizada (Egan, 2008a). No entanto, Pagola et al. (2000) verificaram
que a hemozoína não é um polímero, mas sim um dímero cíclico de
Introdução
20
Fe(III)PPIX. Esta conclusão não é inteiramente surpreendente dado o fato de
que hemozoína consiste de cristais com faces bem definidas, algo que não
seria observado em um composto polimérico constituído por cadeias de
comprimento variável (Egan, 2008a). Sendo assim, não há uma heme
polimerase envolvida com o processo de síntese de hemozoína. No entanto, o
processo de formação de Hz ainda é controverso. Provavelmente, o
crescimento do cristal é de fato um processo autocatalítico, pois após ocorrer a
nucleação (formação do primeiro dímero), outras moléculas aderem a este
núcleo (Egan, 2008b). A contribuição de proteínas, em maior escala, bem como
de lipídios neste processo ainda é pouco compreendida.
Devido a existência de poucas evidências acerca da função das
proteínas HRP na síntese de hemozoína, Jackson et al. (2004) investigaram a
participação de lipídios neutros neste processo em P. falciparum. Um pouco
depois, Pisciotta et al. (2007) alteraram a perspectiva do processo de formação
de hemozoína, confirmando que o cristal é formado no interior dos corpos
lipídicos dentro do vacúolo digestivo do parasita. A presença de proteína ou
proteínas no processo de síntese de hemozoína havia sido totalmente excluída.
No entanto, uma proteina presente em pequenas quantidades poderia agir
como sítio de nucleação para a formação de hemozoína (Egan, 2008a). Em
Plasmodium, tem sido sugerida a participação de HRP (Lynn et al., 1999) e em
Schistosoma mansoni a influência de lipídios (Oliveira et al., 2005). Pandey et
al. (2003) verificaram que a formação de Hz na presença de HRPII sozinha não
é rápida o suficiente e também pode requerer a participação de lipídios. Em
2008, outro grupo de proteínas foi identificado como promotoras da síntese de
Hz em Plasmodium (Jani et al., 2008). Esta proteína foi denominada HDP
“heme detoxification protein”.
1.7 – As α-glucosidases (α-D-glicosídeo glicohidrolase; EC 3.2.1.20)
Glicosídeo hidrolases ou glicosidases são enzimas implicadas em uma
grande variedade de eventos biológicos por catalisarem a hidrólise de oligo e
polissacarídeos. Esta reação pode estar envolvida em eventos de sinalização
celular, invasão viral, estoque e utilização de alimento, biossíntese de
glicoproteínas, entre outras. As glicosídeo hidrolases são as mais potentes
Introdução
21
entre as enzimas catalíticas conhecidas. A ligação glicosídica é uma das
ligações mais estáveis na natureza, com uma meia-vida para hidrólise
espontânea de, aproximadamente, 5 milhões de anos (Zechel & Whiters,
2000).
Sequências gênicas de milhares dessas importantes enzimas têm sido
determinadas, sendo as enzimas correspondentes agrupadas em famílias
(família 1 a família 106) com base na similaridade de suas sequências
(Campbell et al., 1997; Cazy, 2006). As α-glucosidases são glicosidases
encontradas, principalmente, nas famílias 13 e 31 e, em menor extensão, nas
famílias 4 e 63 (Lovering et al., 2005).
As α-glucosidases catalisam a exohidrólise de ligações glicosídicas do
tipo α-1,4 das extremidades não redutoras de oligo ou polissacarídeos, com
eficiência variada (NC-IUMBM, 2006). As α-glucosidases possuem
especificidade por diversos substratos; algumas preferem di-, oligo-, e/ou
poliglicanos, enquanto outras hidrolisam preferencialmente substratos
heterogêneos como sacarose (Chiba, 1988).
Estudos mais recentes realizados com α-glucosidase de Entamoeba
histolitica mostraram indícios da existência de resíduos de histidina no sítio
catalítico desta enzima (Bravo-Torres et al., 2004). Estas observações foram
possíveis pela utilização de uma droga, dietilpirocarbonato (DEPC), capaz de
modificar resíduos de histidina. DEPC é bem conhecido pela sua alta
especificidade para átomos de nitrogênio não protonados como os do anel
imidazol (Miles, 1977) e tem sido usado para análise de resíduos de histidina
em várias proteínas, incluindo proteínas que contêm heme (Nakanishi et al.,
2008). No entanto, o DEPC pode também agir sobre outros nucleófilos como
alcoóis, aminas e tióis (Wu et al., 2009). Uma α-glucosidase purificada de C.
elegans apresentou 40% de inibição ao ser tratada com DEPC (Torre-
Bouscoulet et al., 2004). Além disso, esta também apresentou uma forte
inibição quando submetida ao tratamento com N-etilalemida (NEM), uma droga
capaz de modificar resíduos de cisteína.
Conduritol B epoxide é um conhecido mecanismo baseado na inativação
da α-glucosidase por ligar especificamente ao grupo β-carboxyl do resíduo de
ácido aspártico do sítio ativo, que é um nucleófilo catalítico (-COO2) (Braun et
Introdução
22
al., 1977; Kimura et al., 1997a). Análises de cinética e modificação química
sugerem que os grupos carboxyl e carboxilato (-COO2 and -COOH) estão
envolvidos diretamente nas reações enzimáticas das α-glucosidases (Kimura et
al., 1997b). Dessa forma, resíduos de histidina e ácido aspártico são
demonstrados como sendo importantes para o sítio catalítico das α-
glucosidases.
A principal função fisiológica das α-glucosidases é produzir
monossacarídeos, a partir de oligo ou polissacarídeos, que são utilizados como
fonte de carbono e energia. No entanto, as atividades de transglicosilação do
tipo exo-glicosidases, por vezes desempenham um papel fisiológico importante
na regulação de genes envolvidos na utilização de carboidratos.
Transglicosilação é um mecanismo para formação de ligações glicosídicas
durante a síntese de polissacarídeos (Allaby, 1999). Um exemplo bem
conhecido é a indução do operon lac em Escherichia coli. O indutor fisiológico
do operon (6-O-β-D-galactopiranosil-D-glicose) é sintetizado a partir de lactose
por atividade de transglicosilação (Miller & Reznikoff 1978). Outro exemplo da
reação de transglicosilação refere-se à α-glucosidase de Aspergillus niger que
catalisa a formação de ligações glicosídicas α-1-6, resultando na produção de
isomaltose (6-O-α-D-glucopiranosil-D-glucopiranose) (Duan et al., 1995). Além
disso, α-glucosidases de Bacillus stearothermophilus e levedura produzem
oligossacarídeos consistindo de ligações α-1-3, α-1-4 e α-1-6 (Mala et al.,
1999).
Apesar da importância biológica das enzimas, apenas três estruturas
completas de α-glucosidases são atualmente depositadas no Protein Data
Bank (PDB), sendo uma de Sulfolobus solfataricus (PDB 2g3m) (Ernst et al.,
2006), uma de Thermotoga maritima (1lwj e 1lwh) (Lodge et al., 2003) e outra
de Bacteroides thetaiotaomicron (2d73) (Kitamura et al., 2008). Shirai et al.
(2008) analisaram a estrutura em cristal da α-glucosidase de Geobacillus
(GSJ). Esta consiste de 3 domínios, baseando-se em estruturas homólogas
(Figura 7). O domínio N-terminal estendido (resíduos 2–102, 170–205 e 229–
471) possui uma volta β-pregueada que abriga o centro catalítico. O
subdomínio (resíduos 103–169 e 206–228) está inserido no interior do domínio
N-terminal. O papel funcional do domínio C-terminal não está claro. A estrutura
GSJ tem três segmentos de peptídeos desordenados: 215-218, 293-294 e 388-
Introdução
23
400 (apresentado como A, B, e C na cor magenta na figura 7). As regiões
desordenadas foram localizadas ao lado do centro catalítico do domínio N-
terminal.
FIGURA 7 – Esquema mostrando a estrutura em cristal da α-glucosidase de Geobacillus (GSJ) – bactéria termófila. Os domínios N-terminal e C-terminal são mostrados em azul e
laranja, respectivamente. O magenta representa regiões de loops (*A, resíduos 215–218; *B,
293–294; e *C, 388–400). Os resíduos catalíticos, Asp199, Glu256 e Asp326, são mostrados
no interior do modelo (Pettersen et al., 2004).
1.8 – Membranas perimicrovilares e α-glucosidase
Como abordado anteriormente, a maioria dos insetos apresenta uma
barreira entre o bolo alimentar e o epitélio intestinal denominada de membrana
ou matriz peritrófica. Os mosquitos, por exemplo, apresentam uma matriz
peritrófica formada basicamente por quitina, proteínas e proteoglicanos, criando
espaços definidos onde enzimas distintas atuam. Esta membrana protege os
Introdução
24
insetos contra patógenos e componentes tóxicos oriundos da dieta (Terra,
2001; Terra & Ferreira, 2005; Hegedus et al., 2009).
A matriz peritrófica foi, provavelmente, perdida em ancestrais Hemiptera
na adaptação ao ato de sugar o floema (Terra, 1990). Os hemipteras não
possuem as membranas peritróficas, mas as membranas microvilares das
células intestinais não estão em contato direto com o bolo alimentar, devido a
existência de uma membrana plasmática extracelular, denominada membrana
perimicrovilar (MPMV), que recebem este nome por recobrirem as
microvilosidades de suas bases até o topo destas, se projetando em direção ao
lúmen intestinal (Terra, 1988; Silva et al., 1995, 1996, 2004). MPMVs foram
descritas tanto em Heteroptera (subordem de Hemiptera) quanto em
Fulgoroidea (superfamília de Homoptera onde se encontram as cigarras,
pulgões, cigarrinhas e colchonilhas) (Reger, 1971; Lane & Harrison, 1979;
Andries e Torpier, 1982; Baerwald e Delcarpio, 1983). Outro grupo relacionado
à ordem Hemiptera que também apresenta o sistema de MPMV é a ordem
Thysanoptera, representada pelo trips, vulgarmente conhecido como
"lacerdinha". Kitajima (1975) descreveu estruturas muito similares às
membranas perimicrovilares nessa espécie, referindo-se a elas como um tipo
especial de glicocálice. A membrana perimicrovilar é uma estrutura
permanente, mas sua extensão parece depender de alimento (Billingsley &
Downe, 1983). Silva et al. (2007) mostraram que as MPMV em R. prolixus são
produzidas em resposta à alimentação e sua produção atinge o máximo no 7º
dia.
As α-glucosidases são proteínas majoritárias presentes nas membranas
perimicrovilares e, por isso, têm sido utilizadas como marcadores moleculares
destas membranas em Hemiptera (Silva et al., 1996; 2007).
Em D. peruvianus as MPMV exercem um papel crucial na absorção dos
aminoácidos e outros nutrientes diluídos na seiva vegetal (Terra et al., 1988).
Segundo o modelo apresentado por esses autores, as membranas microvilares
possuem portassomos, que contribuem para a densidade aumentada da
estrutura destas membranas. Os portassomos são bombas que bombeiam o
potássio ativamente do espaço perimicrovilar para as células do intestino
médio, criando um gradiente de concentração de potássio entre o lúmen
intestinal e o espaço perimicrovilar. Este gradiente é usado como uma força
Introdução
25
motriz para a absorção ativa de aminoácidos, por meio de carreadores
apropriados das membranas perimicrovilares. Outro papel fundamental das
membranas perimicrovilares é o da compartimentalização de processos
enzimáticos envolvidos nos eventos digestivos no intestino dos insetos que as
possuem (Terra, 1990; Terra e Ferreira, 1994). Há evidências de que em R.
prolixus e em D. peruvianus, a digestão de proteínas ocorre com a separação
espacial da digestão inicial, que envolve a participação de proteinases
catepsina-símile no lúmen ventricular, e a digestão intermediária, onde participa
uma aminopeptidase confinada no espaço perimicrovilar (Billingsley e Downe
1985; Ferreira et al., 1988; Terra et al., 1988; Silva et al., 1996).
Alguns hemípteras podem carregar parasitos em seus intestinos,
principalmente Tripanosomatídeos. Em algumas destas interações
parasita/inseto, a colonização do trato digestório por estes microorganismos
parece envolver o ancoramento do parasito nas MPMV (Romeiro et al., 2000).
Assim, estas membranas poderiam estar exercendo um papel de barreira
contra a entrada destes parasitos na hemocele destes insetos, como é
proposto para as membranas peritróficas (Devenport, 2004).
A biogênese das membranas perimicrovilares ainda não está
completamente elucidada. A primeira evidência de uma provável origem destas
membranas foi detalhado por Silva et al. (1995) de acordo com observações
de vesículas com dupla membrana nas células epiteliais do intestino médio de
D. peruvianus. Posteriormente, Cristofoletti et al. (2003) confirmaram esta
origem para o afídio Acyrthosiphon pisum (Figura 8). Neste último modelo,
propõe-se que haja liberação de vesículas que migram do retículo
endoplasmático em direção ao aparato de Golgi. A partir desta organela, as
vesículas de dupla membrana, transportando proteínas secretoras, seriam
liberadas dentro do lúmen intestinal, depois de fusionar as membranas
externas com as membranas microvilares e as membranas internas com as
membranas perimicrovilares.
Introdução
26
FIGURA 8 – Modelo da origem das membranas associadas com o sistema lamelar apical
(Cristofoletti et al., 2003). Cisternas do Golgi (a) que começam a se dirigir ao RER (b). Esses,
após perder os ribossomos, formam vesículas envolvendo as membranas (c) que
eventualmente fusionam com a base da lamela apical esvaziando o conteúdo da membrana
para o espaço interlamelar (d). As membranas se movem ao longo do espaço interlamelar (e)
e, finalmente começam a se associar com a superfície luminal da lamela, projetando-se para o
interior do lúmen (f).
No intestino médio dos insetos, α-glucosidases são encontradas na
forma solúvel ou ligadas à membrana. Alfa-glucosidase solúvel pode ocorrer no
lúmen do intestino médio, como observado em Coleoptera (Colepicolo-Neto et
al., 1986; Baker, 1991), e Himenoptera (Schumaker et al., 1993) ou pode
permanecer no interior do glicocálix, como encontrado em Lepidoptera (Ferreira
Introdução
27
et al., 1993). Em Musca domestica (Diptera), uma α-glucosidase é encontrada
no lúmen intestinal e uma outra permanece no glicocálix (Terra & Jordão,
1989). As α-glucosidases de membrana são proteínas integrais da membrana
microvilar em células intestinais de Diptera (Espinoza-Fuentes & Terra, 1986;
Terra e Jordão, 1989, 1991). A localização da α-glucosidase no intestino
depende amplamente da posição filogenética do inseto, estando diretamente
relacionado com o padrão geral de digestão (Terra 1988; 1990). Atividades de
α-glucosidases foram detectadas em glândula salivar dos mosquitos Aedes
albopictus (Marinotti et al., 1996) e Anopheles darlingi (Moreira-Ferro et al.,
1999) e no intestino médio de mosquitos adultos da espécie Anopheles
stephensi, antes e depois da alimentação sanguínea (Billingsley & Hecker,
1991).
Em Hemiptera, a α-glucosidase é encontrada associada às membranas
perimicrovilares, que envolvem as microvilosidades e se projetam para a luz do
tubo digestório, algumas vezes formando camadas sobre as microvilosidades
das células do intestino médio (Terra et al., 1988; Silva et al., 2004). Ainda em
consideração às glucosidases e sua distribuição, foi observado que, em
trofozoítas de ameba aproximadamente 70% da atividade total de α-
glucosidase estavam presentes sob a forma solúvel da enzima, enquanto o
restante permanece associado com as membranas (Zamarripa-Morales et al.,
1999).
Phlebotomus langeroni são insetos hematófagos, mas também se
alimentam frequentemente de uma dieta rica em carboidratos (Schlein &
Warburg 1986). Um estudo preliminar revelou que as α-glucosidases foram as
glicosidases mais ativas no intestino de flebotomíneos. Nestes insetos foi
observado que a atividade desta enzima aumentou significativamente 1h após
a alimentação com sangue (Dillon & Kordy, 1997). Glicosidases são as
principais enzimas digetivas do inseto sugador de seiva Schistocerca gregaria
(Strebler, 1977), mas a presença de altas atividades em flebotomíneos sugere
que as glucosidases são também importantes para digestão nos insetos
hematófagos. Billingsley & Hecker (1991) encontraram uma maior atividade de
α-glucosidases alcalinas em homogenatos do intestino médio de Anopheles
stephensi quando alimentados com sangue. No caso do hemíptera
hematófago, R. prolixus, as MPMV são sintetizadas em resposta à alimentação
Introdução
28
sanguínea. Consequentemente, a atividade da α-glucosidase aumenta
significativamente nos dias após o repasto sanguíneo (Silva et al., 2007). Este
aumento coincide com o aumento de hemozoína formada no lúmen intestinal
desta espécie, sugerindo a participação dessas membranas na síntese de
hemozoína.
Justificativa do Trabalho
29
2 – JUSTIFICATIVA DO TRABALHO Insetos são uma das principais causas de mortalidade e morbidade
humanas, principalmente como resultado da transmissão de patógenos por
espécies sugadoras de sangue. A transmissão de doenças vetoriadas por
insetos é governada por interações complexas entre o parasita, o vetor e o
hospedeiro vertebrado. O controle efetivo dessas doenças é, portanto, uma
meta desafiadora que requer o conhecimento das ligações entre fatores
biológicos, ambientais e sócio-econômicos.
Hoje é consenso que os métodos convencionais usados para o controle
de insetos vetores apresentam-se ineficientes, e novas estratégias de controle
de doenças e vetores são requeridas. Particularmente importantes são duas
iniciativas: o desenvolvimento de vacinas baseadas na imunidade bloqueadora
da transmissão, e a produção de vetores geneticamente modificados,
resistentes às infecções (Hurd, 1994). Abordagens racionais para essas
estratégias se originam de estudos de fisiologia, bioquímica e biologia
molecular de insetos vetores. R. prolixus é um hemiptero hematófago da família Reduviidae. Nesta
família estão importantes espécies de insetos transmissores da doença de
Chagas. Em R. prolixus vários mecanismos anti-oxidantes tem sido descritos
como fundamentais para que o inseto sobreviva à hematofagia, já que a
digestão do sangue gera grandes quantidades de heme, um produto
extremamente tóxico (Oliveira et al., 1999).
Na literatura existe uma grande controvérsia acerca dos fatores
responsáveis pelo mecanismo de síntese de hemozoína. Há evidências da
participação de lipídios como catalisadores na formação de Hz em P.
falciparum (Ridley et al., 1995). Outra corrente aponta para a presença de
proteínas ricas em resíduos de histidina com atividade heme polimerásica,
também em P. falciparum (Sullivan et al., 1996). Silva et al. (2007) observaram
que há atividade de síntese de hemozoína na fração protéica de epitélio
intestinal de R. prolixus, mas sugeriram a ocorrência de um efeito sinergístico
quando frações lipídica e protéica estão associadas. Certamente o mecanismo
de síntese de hemozoína requer a colaboração de fatores e pode realmente
não ser atribuída a um único fator. No entanto, dados na literatura mostram que
Justificativa do Trabalho
30
drogas quinolinas, como a cloroquina, atuam no Plasmodium através da
inibição da síntese de hemozoína (Sullivan et al., 1996; Meshnik, 1996; Ridley
et al., 1997). As quinolinas parecem inibir a síntese de hemozoína in vitro em
condições fisiológicas (Slater & Cerami, 1992). A ação eficaz do mesmo grupo
de drogas anti-malária em S. mansoni (Corrêa-Soares et al., 2009), por
idêntico mecanismo de inibição da síntese de Hz, abre a possibilidade de
utilização do processo de formação de Hz como um alvo para o
desenvolvimento de novos quimioterápicos para o tratamento de doenças
causadas ou vetoriadas por agentes formadores de Hz.
Ao mesmo tempo, a abordagem fisiológica e evolutiva do estudo do
processo de formação de Hz pode ser a chave para entender as adaptações
que ocorreram em insetos hematófagos em resposta à pressão seletiva.
Conhecer como as diferentes espécies se adaptaram ao longo da evolução,
pode indicar um caminho para o desenvolvimento de novas drogas com ação
sobre a interação patógeno/vetor ou com ação inseticida direcionada a insetos
transmissores de doenças. Consequentemente este estudo poderá fornecer
subsídios para o desenvolvimento de novas estratégias de combate a doenças
transmitidas por vetores.
Objetivos
31
3 – OBJETIVO GERAL
Estudar o papel de uma α-glucosidase na formação de Hemozoína em
Rhodnius prolixus in vivo e in vitro.
3.1 – Objetivos específicos
Comparar a contribuição de lipídios e proteínas no processo de
formação de cristais de heme in vitro;
Investigar a ação da molécula de heme no controle da expressão e da
atividade de α-glucosidase de R. prolixus;
Testar o efeito de inibidores de α-glucosidase na formação de
Hemozoina em Rhodnius prolixus
Verificar a influência do silenciamento mediado por RNA na síntese de
hemozoína in vivo;
Comparar as estruturas de α-glucosidases de diferentes espécies e
relacioná-las com a atividade de síntese de hemozoína;
Verificar se espécies não-hematófagas (Dysdercus peruvianus e
Quesada gigas) são capazes de catalisar a formação de hemozoína.
Materiais e Métodos
32
4 – MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 – Colônia de insetos A colônia de R. prolixus é mantida em uma estufa incubadora digital
modelo FT 1020, Fluxo Tecnologia, no laboratório de Química e Função de
Proteínas e Peptídeos a uma temperatura de 28ºC, e umidade relativa de
aproximadamente 80%. A colônia de R. prolixus teve sua origem a partir de
uma colônia mantida pelo Laboratório de Bioquímica de Insetos, do Instituto de
Bioquímica Médica, UFRJ.
A colônia de D. peruvianus é mantida em frascos de vidro, sob
condições naturais de fotoperíodo, em uma umidade relativa de 50-70% a 24
ºC (+/- 2°C). O inseto tem acesso à água e às sementes de algodão
(Gossypium hirsutum). Estas sementes são previamente desinfetadas por
congelamento. Estes insetos foram cedidos pelo professor Dr. Carlos Peres
Silva (UFSC).
Espécimes de Q. gigas foram coletados no Horto Municipal de Campos
dos Goytacazes durante o período de verão.
4.2 – Alimentação dos insetos R. prolixus são alimentados com uma periodicidade de 20 dias para
adultos e 30 dias para os diferentes estágios, com sangue de coelho,
diretamente na orelha dos animais imobilizados em caixas de contenção. No
caso de dietas artificiais, utilizamos um alimentador artificial descrito por Garcia
et al. (1975). Dietas artificiais com plasma de coelho são usadas para alimentar
os insetos adultos, para que possamos eliminar o heme que fica impregnado
no intestino.
D. peruvianus, 48 horas antes dos ensaios, foram mantidos em uma
dieta contendo sacarose 10%. Este procedimento é necessário para que não
ocorra interferência da dieta natural nos experimentos.
Materiais e Métodos
33
4.3 – Obtenção de hemolinfa de Rhodnius prolixus
A coleta de hemolinfa em adultos de R. prolixus é realizada cortando-se
as pontas das patas anteriores deste inseto e efetuando uma leve pressão
sobre o abdome do inseto.
4.4 – Obtenção do epitélio intestinal dos insetos
Quatro dias após alimentação com sangue ou plasma de coelho, os
intestinos de R. prolixus foram dissecados. Destes insetos foram retirados o
epitélio intestinal o qual foi colocado em 1 mL de salina. Os epitélios intestinais
foram centrifugados a 17000 x g, em centrífuga refrigerada (4oC), por 30
minutos. Os sobrenadantes foram descartados e as amostras foram
ressuspensas em 200 μL de NaCl 0,1 M. Estes epitélios intestinais foram
utilizados para extração de proteínas, RT-PCR e sequenciamento.
4.5 – Síntese de hemozoína in vitro O ensaio de síntese de Hz tem por base o método descrito para o P.
falciparum “in vitro” (Slater & Cerami, 1992), com algumas alterações. A reação
foi realizada para 1 mL de volume final do tampão acetato de sódio 0,5 M, pH
4,8. Para isso foi colocada uma quantidade suficiente das amostras (cerca de
15 μg de proteínas ou 15 μg de micela – fosfatidilcolina e
fosfatidiletanolamina). Em seguida foram adicionados 10 µL da solução de
hemina (SIGMA – USA) 10 mM em NaOH 0,1N. Posteriormente os tubos foram
mantidos sob agitação por 24h em uma estufa a 28ºC. Os lipídios
fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina foram obtidos comercialmente (SIGMA –
USA).
Materiais e Métodos
34
4.5.1 – Extração de hemozoína
Este procedimento está baseado nos métodos de extração de Hz do
plasmódio descritos por Sullivan et al. (1996), com pequenas modificações.
Após 24 h de incubação as amostras foram centrifugadas por 10 min a 15300 x
g. O sobrenadante foi descartado e o precipitado (Hz) ressuspenso em 1 mL de
tampão carbonato-bicarbonato 0,1 M (pH 9,2) + SDS 2,5 %. Posteriormente os
tubos permaneceram sob agitação por 15 min a temperatura ambiente seguido
de uma centrifugação a 15300 x g por 15 min. Novamente o sobrenadante
obtido foi descartado e o processo de lavagem com o tampão carbonato-
bicarbonato foi repetido por mais duas vezes. Após a última etapa de extração,
procedem-se duas lavagens, agitando e centrifugando a 15300 x g com água
destilada, pelo mesmo período utilizado com tampão. Após este procedimento,
a Hz resultante foi sedimentada por centrifugação na mesma velocidade e
ressuspensa em 1 mL de NaOH 0,1 N e agitada por 20 min a temperatura
ambiente. A leitura das amostras foi realizada em um espectrofotômetro
SHIMADSU UVmini-1240, utilizando um filtro com comprimento de onda de
400nm.
4.5.2 – Dosagens de heme As dosagens de heme foram realizadas utilizando-se uma curva padrão
com hemina bovina comercial (SIGMA) diluída em NaOH 100mM. A curva
padrão foi construída a partir de uma solução estoque de hemina na
concentração de 1 mM. As leituras foram obtidas a 400 nm, utilizando-se um
espectrofotômetro Zeiss modelo SPEKOL.
4.6 – Extração de proteínas de epitélio intestinal Os insetos tiveram seus epitélios dissecados como determinado no item
4.3 e extraídos em tampão de extração (fosfato de sódio 20 mM pH 7,4, NP-40
0,1%, imidazol 5 mM, PMSF 1 mM e benzamidina 1 mM). Os epitélios foram
homogeneizados com o auxílio de um homogeneizador do tipo “Potter” e
submetidos a repetidas sessões de congelamento e descongelamento das
amostras em nitrogênio liquido (3 vezes). Posteriormente as amostras foram
Materiais e Métodos
35
incubadas por 12 horas sob agitação a 4°C. As amostras foram centrifugadas a
17000 x g por 30 min, aproveitando-se somente o sobrenadante. As amostras
foram analisadas em SDS-PAGE 12% e utilizadas nos demais procedimentos
experimentais.
4.7 – Dosagem de proteína
A concentração de proteínas nas amostras do conteúdo intestinal foi
determinada pelo método de Bradford (1976). No caso de amostras contendo
NP-40 foi utilizado o método de dosagem de proteína por BCA (Smith, et
al.,1985). A curva padrão foi realizada utilizando ovoalbumina (SIGMA – USA).
4.8 – Ensaio de atividade da α-glucosidase
Os intestinos foram dissecados, homogeneizados em “potter Elvehjem” e
lavados em água destilada gelada, seguindo-se de, aproximadamente 5
centrifugações a 17.000 x g por 30 minutos. As lavagens foram efetuadas até
que a atividade da α-glucosidase fosse extinta do sobrenadante. Após a última
centrifugação, o sobrenadante foi eliminado e o sedimento final foi
ressuspendido em água destilada gelada e imediatamente ensaiado. As
atividades da α-glucosidase, na presença ou ausência dos inibidores, foram
medidas pela determinação do aparecimento de ρ-nitrofenolato (Terra et al.,
1979) a partir de ρ-nitrofenil αD-glicosídeo 5 mM em tampão citrato-fosfato 50
mM pH 5,5. O ρ-nitrofenolato absorve em 410 nm. Esta também é a faixa de
absorção do grupamento heme. Logo, não poderemos utilizá-lo como
parâmetro para medida de atividade da enzima em insetos alimentados com
sangue, ou plasma enriquecido com hemina. Sendo assim, este método foi
utilizado para insetos alimentados com plasma de coelho ou sacarose. No caso
de insetos alimentados com plasma enriquecido com hemina foi utilizado um
protocolo que determina glicose pela ação de glicose oxidase (Dahlqvist, 1968).
Foi utilizado maltose 25 mM em tampão citrato-fosfato como substrato, visto
que a enzima cliva glicose pela extremidade não-redutora. O protocolo foi
realizado com modificações propostas pelo autor, onde o produto de reação foi
Materiais e Métodos
36
revelado em condições ácidas, com adição de ácido sulfúrico 50%. O produto
da reação foi lido em espectrofotômetro a 540 nm.
4.9 – Cromatografia de troca iônica Todas as amostras de extrato protéico de epitélio intestinal de insetos
alimentados com sangue foram submetidas a uma cromatografia de troca
iônica em coluna Mono Q HR 5/5 instalada em um equipamento FPLC Perkin-
Elmer e equilibrada com tampão HEPES contendo NP-40 0.1%, segundo
Bravo-Torres et al. (2004), com algumas modificações. A coluna foi lavada com
o mesmo tampão e a enzima foi eluída com um gradiente linear de 0-0,5 M
NaCl em tampão HEPES em uma razão de 0,5 mL/min. As frações foram
coletadas e parte do seu conteúdo foi utilizada para determinar atividade
enzimática por método fluorométrico, descrito anteriormente.
4.10 – Eletroforese em gel de poliacrilamida Extrato protéico de epitélio intestinal de R. prolixus ou fração 27 da
crmatografia de troca iônica foram submetidas ao processo de eletroforese em
gel de poliacrilamida (12 %), na presença de SDS (Laemmli, 1970). O gel
principal (gel de separação) foi montado em placas de vidro de 10 X 13,5 cm,
misturando-se: 3,3 mL de água destilada; 4,0 mL de uma solução de
aclilamida/bis-acrilamida 30 %; 2,5 mL de tampão Tris 1,5 M pH 8,8; 0,1 mL de
SDS 10 %; 0,1 mL de persulfato de amônia 10 % e 0,004 mL de TEMED. O gel
de empacotamento foi preparado misturando-se: 1,4 mL de água destilada;
0,33 mL de uma solução de acrilamida/bis-acrilamida 30 %; 0,25 mL de tampão
Tris 1,0 M pH 6,8; 0,02 mL de SDS 10 % ; 0,02 mL de persulfato 10 % e 0,002
mL de TEMED. O tampão utilizado na cuba de eletroforese foi Tris 25 mM,
glicina 192 mM, SDS 0,1 %, pH 8,3 (tampão de corrida). A eletroforese ocorreu
por aproximadamente 2 horas com uma corrente constante de 20 mA. As
amostras foram dissolvidas em tampão de amostra (Tris-HCl 0,5 M, glicerol 10
%, SDS 10 %, Azul de bromofenol 1 %, pH 6,8), e aplicados 15 µg de proteína
no poço. O gel foi corado com nitrato de prata segundo Dunn et al. (1994) ou
utilizado para verificar atividade de α-glucosidase.
Materiais e Métodos
37
4.11 – Ensaio de atividade de α-glucosidase in gel
Foram aplicados 15 µg de extrato protéico de epitélio intestinal em gel de
poliacrilamida 12% sob condições desnaturantes e não redutoras. O gel foi
lavado duas vezes em Triton X-100 (2,5%) e, posteriormente, incubado com o
substrato fluorogênico 3-metil – umbeliferil-αD-glicopiranosídeo em tampão
citrato-fosfato 50 mM, pH 5,5, por 10 min a 30ºC. A atividade de α-glucosidase
foi revelada pela formação de metil-glicosídeo cuja florescência é observada
pela exposição do gel à luz ultravioleta (Silva et al., 1996).
4.12 – Análises por espectroscopia de FTIR Para verificar se o sedimento obtido com o processo de extração de
heme (descrito anteriormente) é característico do espectro de hemozoína, a
amostra foi submetida à espectrometria de infravermelho. A amostra foi seca
em dissecador do tipo SpeedVac. Em seguida adicionou-se uma pequena
quantidade de KBr agitando-se a suspenção por alguns segundos. O conteúdo
desta mistura é submetido a uma pressão de 10 toneladas para a formação
das pastilhas em KBr. A amostra foi analisada sob vácuo no espectrômetro
Magna 550 Nicolet (espectroscopia de FTIR – “Fourier Transformed Infrared”).
4.13 – Ensaio de ligação a hemina-agarose A identificação de proteínas de ligação de heme foi efetuada através do
uso de uma resina de hemina-agarose (TsuiTsui & Mueller, 1982). A fração 27
da coluna Mono Q HR 5/5 (15 µL) foi adicionada a 500 µL de tampão fosfato de
sódio 50 mM, pH 7,0, NP-40 e NaCl 0,15 M, com ou sem 10 nmol de hemina e
a mistura foi incubada por 30 min com 10 µL de hemina-agarose. Após a
incubação, as amostras foram lavadas por 10 vezes com 0,5 mL do mesmo
tampão. Em seguida adicionou-se tampão de amostra com SDS (4%) e β-
mercaptoetanol. As amostras foram fervidas por 2 min e submetidas a corrida
eletroforética em SDS-PAGE (12%).
Materiais e Métodos
38
4.14 – Silenciamento gênico 4.14.1 – Construção da dupla fita de RNA (dsRNA)
A síntese de dsRNA foi realizada com o Kit MEGAscript® RNAi Kit
(Ambion) de acordo com as especificações do fabricante. Em um microtubo
(1,5 ml) foi colocado 1 μg de cada plasmídeo contendo os insertos sense ou
antisense específicos de cada gene, os nucleotídeos (ATP, CTP, GTP, UTP) e
a enzima T7 polimerase. O material foi homogeneizado gentilmente e incubado
por 16h a 37 ºC. Após a transcrição dos fragmentos em ambas orientações,
duas fitas complementares foram geradas no mesmo tubo. Desta forma, foi
necessário anelar estas duas fitas para a formação do dsRNA. Para isso, as
amostras foram incubadas a 75 ºC por 5 min e em seguida resfriadas
naturalmente em temperatura ambiente.
Após a formação do dsRNA, o material passou por um tratamento com
DNase/RNase, realizado a 37 ºC por 1h. Este passo é necessário para a
digestão das demais fitas de ácidos nucléicos, tais quais os moldes de DNA e
qualquer RNA simples-fita que não tenha se anelado a outra molécula
complementar. Em seguida, o dsRNa foi purificado com um sistema de
cartuchos com filtros (fornecido pelo kit), para que traços de proteínas, ácidos
nucléicos livres e produtos de degradação, pudessem ser removidos do
material. O dsRNA foi recuperado dos filtros em tampão Tris-HCl 10 mM pH 7,
EDTA 1mM, que é compatível com a injeção. Alíquotas de 1:400 (v/v) de RNA
foram visualizadas em gel de agarose a 1%.
4.14.2 – Silenciamento da α-glucosidase por dsRNA
Um volume de 2 µL de dsRNA em diferentes diluições (2 ou 10 µg) foram
injetados intratoracicamente na hemocele de fêmeas adultas de R. prolixus
usando uma seringa Hamilton. Os insetos usados nos experimentos foram de
segunda alimentação com sangue de coelho, sendo alimentados 2 h após a
injeção. Após 4 dias a 28 ºC e umidade de 80%, o intestino médio, hemolinfa e
conteúdo intestinal foram dissecados em tampão fosfato de sódio 0,1 M (PBS)
pH 7,4. Insetos controle foram injetados com PBS (4 0C), pH 7,4. Os insetos
Materiais e Métodos
39
controle foram injetados com PBS ou dsRNA β-galactosidase de Escherichia
coli (dsLacZ) (Brandt et al., 2008).
4.15 – Análise molecular 4.15.1 – Extração de RNA e RT-PCR
O RNA total foi extraído de, aproximadamente, 6 epitélios intestinais
usando Trizol (Invitrogen, Carlsbad, CA) de acordo com as instruções do
fabricante. O RNA foi quantificado por determinação da sua absorbância a 260
e 280 nm usando espectrofotômetro. Uma porção do RNA total extraído foi
submetida à eletroforese em gel de agarose 1% para análise da qualidade do
mesmo. A primeira fita do cDNA foi sintetizada com 3 µg de RNA total usando
Superscript III system (Invitrogen).
4.15.2 – Reação em cadeia da polimerase (PCR) semi-quantitativo
Para obtenção da sequência da α-glucosidase e análise da expressão na
presença ou ausência de hemina foi realizado PCR semi-quantitativo de acordo
com Blandin et al. (2002) e Hoa et al. (2003), com algumas modificações. As
reações foram realizadas em tampão para enzima Taq DNA Polimerase (1x
concentrado) (Fermentas); 1,5 mM de cloreto de magnésio; 0,2 mM de dNTP,
10 pmoles de cada iniciador, 1 U de Taq DNA polimerase (Fermentas) e água
ultra pura q.s.p 20 µL. Os iniciadores Aglu F e Aglu R são degenerados (Tabela 1) desenhados com base nas sequências gênicas da α-glucosidase de Aedes
aegypti, Drosophila melanogaster e Anopheles aquasalis. O controle endógeno
foi o UGALT (Tabela 1) (Ribeiro et al., 2004). Todas as reações foram
realizadas em termociclador Whatman Biometra® (T Gradient) com os ciclos de
temperatura programados para: 94°C por 3 min, 34 ciclos de 94°C por 1 min,
49°C por 1 min e 72°C por 1 min, e uma etapa final a 72°C por 5 min. Os
produtos da PCR foram revelados em gel de agarose 1.0%, corado com
brometo de etídio e as imagens registradas em fotodocumentador Mini Bis pro
(Bioamerica). Os dados de densitometria obtidos foram adquiridos usando
TotalLab TL100 software (Nonlinear Dynamics).
Materiais e Métodos
40
4.15.3 – Expressão relativa do gene determinada por qPCR O PCR em Tempo Real foi utilizado para avaliar a expressão do gene da
α-glucosidase após silenciamento por dsRNA em diferentes situações
experimentais. Inicialmente realizou-se a extração de RNA e síntese do cDNA,
como descrito no item 4.15.1. O cDNA obtido foi submetido a reação de qPCR
utilizando o Kit SYBR Green PCR Mix (Roche), com a utilização de primers
específicos desenhados usando o Programa Primer 3 versão 4.0 (Rozen &
Skaletsky, 2000) (Tabela 1). O aparelho utilizado foi o LightCycler 2.0 (Roche
Diagnostics). A expressão do gene da α-glucosidase foi normalizado usando o
18S RNAr (Tabela 1) (Whitten et al., 2007). Expressões relativas do gene
foram obtidas baseadas na curva padrão construída utilizando 5 diluições
seriadas da amostra. O número de cópias analisadas do gene foram expressas
pela fórmula R = (Ealvo)ΔCPalvo (controle – amostra )/ (Eref ) ΔCPref (controle – amostra). Os
resultados, tanto para dsα-Glu como para dsLacZ, foram normalizados levando
em consideração insetos de segunda alimentação que estavam 21 dias em
jejum. Tabela 1 – Iniciadores utilizados nos experimentos de RT-PCR e qPCR.
1 Iniciador degenerado baseado na sequência de gênica da α-glucosidase de Ae. aegypti, D. melanogaster e An.
aquasalis. 2 Iniciador específico desenhado com base na sequência gênica da α-glucosidase de R. prolixus.
Gene Sequência (5’ – 3’) Tm pb %CG Amplicon
18S
GTTGGTATTGATGTACGCTGGA
CCTACGGAAACCTTGTTACGA
60.0
59.0
22
21
60.00
48.00
145 pb
UGALT ATGGCACTCCAGTGGGTTAG
AAGAAAGGCGAGGCATTGTA
59.4
55.3
20
20
45.00
55.00
390 pb
α-Glu Deg1 ATA/C/TT/CTNGAC/TTTT/CGTNCCNAAC/TCAC/T
G/ATCG/ATGG/ATTNCCNAA/GNACCCAG/ATT
60.0
59.7
31
29
49.00
49.00
750 pb
α-Glu esp2 TCGCTTGGGATCGCACAT
GCCGGGACGATGCTCAT
64.0
63.0
18
17
56.00
65.56
114 pb
Materiais e Métodos
41
4.15.4 – Purificação do fragmento amplificado
Foram realizadas 50 reações de PCR com volume final de 20 μL cada,
como descrito no item 4.15.2. Em seguida estas amostras foram liofilizadas,
reduzindo o seu volume para 70 μL. Este volume foi aplicado em gel de
agarose 1%. As bandas correspondentes aos fragmentos de 0.75 e 0.25 kb
foram purificadas utilizando GFXTM PCR “DNA e Gel Band Purification Kit”, de
acordo com as especificações do fabricante, com algumas modificações. Este
material foi utilizado para clonagem e sequenciamento.
4.15.5 – Quantificação do cDNA
Com a finalidade de determinar a concentração final do cDNA obtido
após processo de purificação, a amostra foi aplicada em um gel de agarose 1%
juntamente com concentrações conhecidas de um marcador (vetor SuperScript
KS) fabricado pela Invitrogen. Por comparação da intensidade do sinal da
amostra e das bandas do marcador, estimou-se a concentração aproximada do
cDNA.
4.15.6 – Clonagem do fragmento amplificado no vetor pTZ57R/T
O fragmento amplificado de 0.75 kb, obtido com os primers
degenerados, foi ligado em plasmídeo já preparado para receber produtos de
PCR, com o uso do kit InsT/AcloneTM PCR Product Cloning Kit (Fermentas Life
Sciences). As reações continham 5 μL do produto de PCR, 1 μl de tampão
10X, 1 μL de plasmídeo pTZ57R/T (Figura 9), 0,5 μL da enzima T4 DNA ligase
e água para um volume final de 29 μL. Os tubos contendo as reações foram
mantidos a 16 ºC durante a noite. Os vetores ligados ao fragmento foram
utilizados posteriormente para ensaio de transformação de células
competentes.
Materiais e Métodos
42
Figura 9 – Mapa do sítio de policlonagem do vetor pTZ57R/T (Fermentas Life Sciences),
mostrando os sítios de enzimas de restrição. São mostradas as enzimas de restrição utilizadas
para a digestão (caixa vermelha).
4.15.7 – Produção de células competentes de E. coli, linhagem DH 5α via cloreto de rubídio
Para a produção de células competentes foi produzido inicialmente um
pré-inóculo constituído por uma colônia fresca de E. coli linhagem DH 5α; esta
foi inoculada em um tubo contendo 10 mL de meio SOB, o qual foi incubado a
37oC por 16 horas sob agitação moderada de 250 rpm. Posteriormente, foi
retirado uma alíquota de 1 mL do pré-inóculo e adicionado a um erlenmeyer
contendo 100 mL de meio SOB. O erlenmeyer foi mantido sob agitação de 250
rpm a uma temperatura de 37oC até atingir densidade ótica de
aproximadamente 0,4, as leituras foram efetuadas em espectrofotômetro a 600
nm. Ao atingir a densidade desejada a cultura foi transferida para banho de
gelo por 10 minutos e centrifugada a 2.500 g por 10 minutos a 4oC. O
sobrenadante foi descartado e o sedimento de células foi ressuspenso em 1/3
do volume inicial da cultura em solução RF1 composta de acetato de potássio
30 mM pH 7,5; RbCl 100 mM; MnCl2 50 mM; CaCl2 10 mM; e glicerol 15%;
sendo mantido em banho de gelo por 15 minutos. Em seguida, a ressuspensão
foi centrifugada nas mesmas condições descritas anteriormente. O
sobrenadante foi mais uma vez descartado e o sedimento de células foi
Materiais e Métodos
43
ressuspenso em tampão RF2 (MOPS 10 mM, RbCl 10 mM, CaCl2 75 mM,
glicerol 15%), na proporção 1/125 do volume original da cultura. As células
foram homogeneizadas gentilmente e incubadas em banho de gelo por 15
minutos. Em seguida, alíquotas de 200 µL da solução foram transferidas para
tubos de microcentrífugas previamente autoclavados e resfriados. As amostras
foram imediatamente congeladas em nitrogênio líquido e, posteriormente,
armazenados a - 70oC.
4.15.8 – Transformação de células competentes de E. coli com o vetor ligado ao fragmento amplificado
Como passo inicial para a transformação das células competentes, 200
µL das células armazenadas a – 70oC foram descongeladas em banho de gelo.
Posteriormente, foram adicionados 5 µL da reação de clonagem descrita no
item 4.15.6; em seguida, a mistura foi homogeneizada gentilmente e então o
tubo foi incubado por 15 minutos em banho de gelo. O tubo contendo as
células e o vetor foi transferido do gelo para uma temperatura de 42oC por um
período de 90 segundos e posteriormente foi retornado ao banho de gelo por
mais 10 minutos. Após o choque térmico, foram adicionados 800 µL de meio
SOB e 16 µL de glicose estéril às células e, então, essas foram incubadas a
37oC por 50 minutos. Quantidades específicas das células (50 µL, 100 µL e
150 µL) foram plaqueadas em três placas de Petri contendo meio LB acrescido
de ampicilina (100 µg/mL-1) e recobertas com X-gal (2µg). Ao final do
plaqueamento as três placas foram incubadas a 37oC por 16 horas. Foram
obtidas colônias que receberam apenas o vetor sem o fragmento amplificado,
estas apresentavam coloração azul; e colônias que receberam o vetor
pTZ57R/T ligado ao fragmento de interesse, que apresentavam coloração
branca. Para a análise das colônias foram utilizadas todas as colônias brancas
e uma colônia azul foi utilizada como controle negativo.
Materiais e Métodos
44
4.15.9 – Identificação dos clones positivos, extração e digestão dos vetores
Os vetores pTZ57R/T foram extraídos das células bacterianas e
submetidos a uma digestão com enzimas de restrição para que ao final do
processo fosse liberado o fragmento de interesse. O procedimento teve início
com a transferência de uma alíquota de cada um dos inóculos provenientes
das colônias positivas (brancas) e uma negativa (azul) para tubos de
microcentrífugas distintos, sendo centrifugados, em seguida, a 9 000 g por 2
minutos. Os sobrenadantes foram descartados e aos sedimentos celulares
foram adicionados 300 µL de TENS (Tris-HCl 0,01 M, pH 8,0; EDTA 1 mM;
NaOH 0,1 M e SDS 25 mM) e as amostras foram agitadas por 10 segundos
para que ocorresse a lise das células. Após a lise celular, 150 µL de acetato de
sódio 3 M pH 5,2 foram adicionados e novamente as amostras foram agitadas
por mais 10 segundos, em seguida as mesmas foram centrifugadas a 13.200 g
por 4 minutos. Os sobrenadantes foram transferidos para um novo tubo, e os
precipitados foram descartados. Ao sobrenadante foi adicionado etanol 100%
gelado. As amostras foram homogeneizadas gentilmente e incubadas por 1
minuto a temperatura ambiente, sendo centrifugadas posteriormente, seguindo
as mesmas condições já descritas acima. Os sobrenadantes foram
descartados e os precipitados, lavados com 1 mL de etanol 70%. As amostras
foram centrifugadas nas mesmas condições, os sobrenadantes foram
descartados e os preciptados secos em banho seco a 37oC por um período
aproximado de 10 minutos. Após secagem, os preciptados foram ressuspensos
em 40 µL de TE contendo RNase A (Tris-HCl 0,01 M, pH 8,0; EDTA 1 mM e
RNase A 20 µg.mL-1) e incubados nesse tampão por 1 hora a 37oC.
Ao final deste procedimento, alíquotas dos preciptados ressuspensos
foram submetidas a uma digestão com enzimas de restrição EcoRI e BamHI
para que o fragmento de interesse fosse liberado do vetor. O procedimento da
digestão consistiu na adição de 5 µL da solução contendo os preciptados
ressuspensos a qual continha os vetores pTZ57R/T contendo o fragmento
inserido, 2 µL de tampão da enzima 10X (Tris-HCl 660 mM, pH 7,6; MgCl2 66
mM; DTT 100 mM e ATP 660 µM), 1 µL de EcoRI (5u), 1 µL de BamHI (5u) e
água ultrapura q.s.p. 20 µL. As amostras foram homogeneizadas e então
Materiais e Métodos
45
incubadas a 37oC por 2 horas. Após esse processo, as mesmas foram
analisadas em gel de agarose 1%.
4.15.10 – Sequenciamento dos fragmentos
Para o preparo dos clones para sequenciamento, três clones positivos
foram submetidos a procedimentos descritos no item 4.15.9. Posteriormente, a
concentração do DNA extraído foi estimada como descrito no item 4.15.5. Para
o sequenciamento foram montadas duas reações, uma composta de 10 ng dos
vetores e 3,2 pmol do iniciador reverse (5´CAGGAAACAGCTATGAC 3´) para o
sítio M13 reverse do vetor e outra contendo 10 ng dos mesmos vetores e 3,2
pmol do iniciador forward (5` GTAAAACGACGGCCAG 3´) para o sítio M13
forward do vetor, para que as fitas pudessem ser sequenciadas
separadamente. A reação de amplificação foi preparada com o kit Big Dye
Terminator (Applied Biosystems) segundo informações fornecidas pelo
fabricante. A reação procedeu-se em termociclador, com um aquecimento
inicial de 92oC por 3 minutos e, então, foi submetido a 35 ciclos, baseados na
seguinte programação: 92oC por 30 segundos, 49oC por 1 minuto, 72oC por 1
minuto. Ao final dos 35 ciclos programados, as amostras passaram por um
período de extensão de 72oC por 30 minutos e, em seguida, foram resfriadas a
4oC, ainda no termociclador.
Após realizada a reação de amplificação, a amostra foi transferida para
um tubo de microcentrífuga novo, onde foi adicionado 40 µL de isopropanol
65%, solução foi homogeneizada e mantida por 30 minutos em temperatura
ambiente com o intuito de precipitar o DNA. Os tubos contendo as amostras
foram então centrifugados por 25 minutos a 12 000 rpm. Ao final deste
processo, os sobrenadantes foram descartados e os tubos foram vertidos em
papel para eliminar o restante do sobrenadante. Em seguida, os precipitados
foram lavados com 200 µL de etanol 60% gelado e centrifugados por 5 minutos
a 12 000 rpm. Os sobrenadantes foram descartados e o etanol restante foi
eliminado pela inversão do tubo em papel, seguido de secagem em banho seco
60oC por 10 minutos. Os precipitados foram ressuspensos em 10 µL de
formamida, sendo agitados vigorosamente. Após esta etapa, a solução foi
Materiais e Métodos
46
transferida para a placa do sequenciador automático ABI 3130 (Applied
Biosystems), para a determinação da sequência de nucleotídeos.
4.15.11 – Análise das sequências de nucleotídeos
As sequências de nucleotídeos obtidas foram alinhadas utilizando a
ferramenta do algorítimo do BLAST (http://www.ncbi.nlm.nih.org/Blast) e do
ClustalW (http://www.ebi.ac.uk/Tools/clustalw/).
4.16 – Análise estatística Comparações entre os grupos foram feitas pelo Teste t de Student com
organização não-pareada de dados, usando GraphPad Prism. Para todos os
testes, uma diferença de P<0,05 foi considerada significativa.
Resultados
47
5 – RESULTADOS 5.1 – Efeito da fração protéica do epitélio intestinal de R. prolixus e de lipídeos na formação de hemozoína Existe um grande debate acerca de como exatamente o heme livre
encontrado no vacúolo digestivo de P. falciparum é convertido em uma
molécula não tóxica (hemozoína), a fim de evitar a lise da membrana,
peroxidação lipídica, e outros efeitos do heme livre (Sullivan, 2002; Egan,
2002). Recentemente as evidências deslocaram-se das proteínas ricas em
histidina HRP II ou III (Schneider & Marletta 2005) para os lipídios (Oliveira et
al., 2005; Pisciotta et al., 2007). Uma evidência que mostra a importancia dos
lipídeos adicionalmente ao papel das proteínas é o fato de que um clone de P.
falciparum “knockout”, que não possui HRP II ou III, ainda apresenta
capacidade de sintetizar hemozoína (Sullivan, 2002). No entanto, Tripathi et al.
(2002) sugerem uma combinação entre proteínas e lipídios na formação
eficiente de Hz. Vielemeyer et al. (2004) verificaram a associação de corpos
lipídicos tanto no interior como no exterior de vacúolos digestivos em
Plasmodium. Além disso, em S. mansoni e R. prolixus a formação de
hemozoína foi vista como localizada em gotículas lipídicas e nas membranas
perimicrovilares, respectivamente (Oliveira et al., 2005; Silva et al., 2007).
De posse destas informações, investigamos a participação de lipídios e
proteínas na formação de cristais de heme em R. prolixus. Primeiramente
buscamos avaliar a função das proteínas e, em seguida, a contribuição dos
lipídios polares (fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina) no processo de síntese
de hemozoína. Tanto fosfatidilcolina como fosfatidiletanolamina, 15 µg de cada,
são capazes de promover a síntese de hemozoína. Entretanto a atividade no
ensaio que contem o extrato protéico é sempre maior que a atividade na
presença dos lipídeos (Figura 10). Não foi observado o efeito sinergístico
quando os lipídios são combinados ao extrato protéico. Além disso, a inversão
da ordem de adição das moléculas (proteínas antes + lipídios ou lipídios antes
+ proteínas) não alterou o efeito na síntese de hemozoína (Figura 10).
Resultados
48
FIGURA 10 – Participação de proteínas e lipídios polares na formação de cristais de heme. Ctl – controle somente hemina; Ptn – proteína extraída de epitélio intestinal de R.
prolixus; PC – micela de fosfatidilcolina; Ptn + PC - proteína extraída e adição posterior de
micela de fosfatidilcolina; PC + Ptn – micela de fosfatidilcolina e adição posterior de proteína
extraída; PE – micela de fosfatidiletanolamina; Ptn + PE - proteína extraída e adição posterior
de micela de fosfatidiletanolamina; PE + Ptn – micela de fosfatidiletanolamina e adição
posterior de proteína extraída.
5.2 – Capacidade de ligação de heme da α-glucosidase
Silva et al. (2007) verificaram que a produção de MPMV tem um pico
máximo de formação entre o 70 e 90 dias após alimentação em sangue,
coincidindo com o período em que se observa o máximo de formação de Hz no
lúmen intestinal de R. prolixus. Assim, o próximo experimento mostra o perfil de
proteínas de ligação de heme no extrato protéico do epitélio intestinal de R.
prolixus, através do ensaio da hemina agarose (Figura 12A). A seta em
vermelho na figura destaca uma proteína com capacidade de ligação de heme
usando a fração 27 da cromatografia de troca iônica, que possui atividade de α-
glucosidase. No mesmo gel foi aplicado 15 µg de extrato total de proteínas de
epitélio intestinal de insetos alimentados com sangue de coelho. No entanto,
esta parte do gel foi destinada a um ensaio de atividade da α-glucosidase, com
intuito de detectar se esta enzima poderia ser uma candidata a proteína de
ligação de heme (Figura 12B). A partir do gel de atividade podemos sugerir a
capacidade de ligação de heme da α-glucosidase. A Figura 11 mostra o perfil
cromatográfico obtido na troca iônica, sendo observado o aparecimento de um
CtlPtn PC
Ptn + PC
PC + Ptn PE
Ptn + PE
PE + Ptn
0
5
10
15
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s he
me)
Resultados
49
pico na fração não retida, bem como 3 picos majoritários nas frações eluídas
com o sal.
Figura 11 – Cromatografia de troca iônica em coluna DEAE (toyopearl) do extrato protéico do
epitélio intestinal de R. prolixus. A coluna foi equilibrada com o tampão HEPES 20 mM, pH 7,4
e, em seguida, a eluição foi realizada em um gradiente de três passos com NaCl (0-0,5 M, 0,5-
1 M e 1 M, respectivamente). O fluxo foi de 0,5 mL/minuto e foram coletadas 50 frações de 1
mL/tubo.
1 2 3 4
FIGURA 12 – (A) Ensaio de identificação de proteínas de ligação de heme no epitélio intestinal de R. prolixus; (B) Atividade de α-glucosidase in gel. 1) fração 27 + hemina-
agarose; 2) fração 27 + hemina-agarose + hemina; 3) fração 27 e 4) proteína extraída de
epitélio intestinal de fêmeas de R. prolixus alimentadas com sangue de coelho. Ambos os géis
são 12% em condições desnaturantes e não-redutoras (SDS-PAGE). Em B o substrato
utilizado foi o metilumbeliferil α-D-glucopiranosídeo.
A BA
0 10 20 30 40 500.00
0.25
0.50
0.75
0.00.10.20.30.40.50.60.70.80.91.0
Frações (mL)
Abs
(280
nm
)N
aCl (M
)
Resultados
50
5.3 – Efeito da cloroquina (CLQ) na atividade da α-glucosidase Os efeitos terapêuticos de drogas quinolinas são bem descritos no
tratamento da malária. No entanto, o mecanismo exato de ação não está
completamente entendido (O’Neill et al., 1998). É sabido que as quinolinas
afetam os mecanismos de detoxificação de heme aumentando a interação do
heme com a membrana e, consequentemente, aumentam seus efeitos tóxicos
tanto em P. falciparum como em R. prolixus (Slater et al., 1991; Oliveira et al.,
2000). Outra explicação para efeito da CLQ é que sua interação com o heme
impediria a formação do dímero que inicia a formação do cristal de hemozoína
(Goldberg et al., 1990). Com base nos dados da literatura e nos resultados
mostrados acima (tópico 5.2), a próxima abordagem foi analisar a relação entre
as atividades de α-glucosidase e formação de hemozoína. Para isso
analisamos os efeitos da presença de CLQ e variações de temperatura sobre
as atividades da α-glucosidase e de síntese de hemozoína. A figura 11A
revelou que na presença de CLQ, em diferentes concentrações do substrato,
há uma redução na atividade da α-glucosidase. O mesmo perfil de alteração foi
observado em relação à síntese de Hz, também utilizando diferentes
concentrações de hemina, só que o efeito aqui foi ainda mais drástico (Figura 13B). Quando relacionamos a temperatura (100 0C por 10 min) verificamos que
a estabilidade da α-glucosidase foi alterada e sua atividade foi basal, o mesmo
ocorrendo com a síntese de Hz (Figuras 13A e 13B, respectivamente) .
Resultados
51
FIGURA 13 – (A) Atividade de α-glucosidase e (B) síntese de hemozoína in vitro: ▲ –
controle; ■ – presença de CLQ; ● – amostra fervida. O ensaio de atividade de α-glucosidase foi
determinado usando método colorimétrico. A atividade foi expressa como nmol de ρ-
nitrofenolato liberado em 1 min. O ensaio de formação de hemozoína foi realizado por 24 h a
28 oC, como descrito em materiais e métodos. Atividade de formação de hemozoína foi
expressa como nmol de cristal de heme, após 24 h, por 15 µg de proteína. Os resultados são
representativos de dois experimentos realizados em triplicata.
5.4 – Efeito dos inibidores da α-glucosidase na formação de hemozoína
Eritritol (100 mM) e castanoespermina (30 mM), inibidores específicos de
α-glucosidases, dietilpirocarbonato (DEPC) (10 mM), que reage com e modifica
resíduos de histidina, e um anticorpo policlonal obtido contra α-glucosidase de
D. peruvianus (1:2500) foram usados para investigar a correlação entre as
atividades de α-glucosidase e formação de hemozoína (Figuras 14 e 15,
respectivamente). Os efeitos de eritritol e castanoespermina foram inibitórios
das atividades de α-glucosidase e formação de hemozoína. Os resultados
mostram que ambas as atividades foram bastante sensíveis a esses agentes.
DEPC é usado para revelar diferenças mecanísticas entre as α-glucosidases
de mamíferos, plantas e levedura (Romaniouk & Vijay, 1997; Zeng & Elbein,
1998; Dhanawansa et al., 2002). Com relação a α-glucosidase de R. prolixus,
DEPC inibiu 75% a atividade desta enzima bem como a formação de
hemozoína (85%), sugerindo que resíduo(s) de histidina, dentro ou próximo ao
sítio de ligação ao substrato da enzima, podem ser importantes para ambas as
atividades. Um anticorpo contra α-glucosidase de um hemíptera fitófago D.
A B
0 10 20 30 40 50 600
500
1000
1500
[S]
Ativ
idad
eα
-glic
osid
ase
(mU
/mL)
0 20 40 60 80 100 1400
5
10
15
[μM Hemina]
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
Hem
e)
Resultados
52
peruvianus, que é capaz de reconhecer eficientemente a enzima nas
membranas perimicrovilares de R. prolixus (Silva et al., 2004), foi capaz de
inibir drasticamente as atividades de α-glucosidase (83%) e formação de
hemozoína (85%) in vitro (Figuras 14 e 15, respectivamente).
FIGURA 14 – Atividades de α-glucosidase na presença ou ausência de inibidores in vitro. EP – extrato protéico de epitélio intestinal; EP + Eri - extrato protéico + eritritol; EP + DEPC -
extrato protéico + dietilpirocarbonato; EP + Cs - extrato protéico + castanoespermina; EP + AB -
extrato protéico + anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus. O ensaio de atividade de α-
glucosidase foi determinado usando método colorimétrico. A atividade foi expressa como nmol
de ρ-nitrofenolato liberado em 1 min. Os resultados são representativos de dois experimentos
realizados em triplicata. Os experimentos com inibidores foram significativamente diferentes do
extrato protéico sozinho *(P < 0,05).
O próximo conjunto de experimentos foi desenhado para avaliar se α-
glucosidase age apenas como iniciadora do processo de formação Hz ou se
todo o processo é dependente da enzima. Para isso, o teste de formação de Hz
foi realizado com extrato protéico do intestino médio de insetos previamente
alimentados com sangue, na presença de DEPC (Figura 16A) ou do anticorpo
anti-α-glucosidase de D. peruvianus (Figura 16B), adicionado inicialmente ou
10 horas após o início do experimento. Os resultados mostram que no último
caso os inibidores não foram capazes de bloquear a formação de hemozoína.
Isto indica que a enzima atua especificamente nas etapas iniciais do processo,
EP
EP + Eri
EP + DEPC
EP+ Cs
EP + AB
0
100
200
300
400
500
Ativ
idad
eα
-glu
cosi
dase
(mU
/mL)
* * * *
Resultados
53
provavelmente na etapa de nucleação. Como forma de reforçar este dado, o
efeito da desnaturação térmica da enzima foi testado da mesma maneira. O
extrato protéico foi fervido por 10 min antes de iniciar o processo de síntese de
hemozoína sendo capaz de reduzir sua capacidade de iniciar a nucleação. No
entanto, quando a amostra foi fervida 10 horas após o início do ensaio não
interferiu na ocorrência contínua do processo de formação Hz. Estes resultados
sugerem que a enzima está implicada no processo de formação de Hz,
particularmente na etapa de nucleação, uma vez que os inibidores específicos
da α-glucosidase foram capazes de interferir na formação de hemozoína.
FIGURA 15 – Efeito dos inibidores da α-glucosidase na formação de hemozoína in vitro. Ctl - hemina; EP – extrato protéico de epitélio intestinal; EP + Eri - extrato protéico + eritritol; EP
+ DEPC - extrato protéico + dietilpirocarbonato; EP + Cs - extrato protéico + castanoespermina;
EP + AB - extrato protéico + anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus. Os ensaios de
formação de hemozoína foram realizados a 28 oC como descrito em materiais e métodos. A
atividade de formação de hemozoína foi expressa como nmol de cristal de heme, produzidos
após 24 h, por 15 µg de proteína. Os resultados são representativos de dois experimentos
realizados em triplicata. Os experimentos com inibidores foram significativamente diferentes do
extrato protéico sozinho *(P < 0,05).
Ctl EP
EP + Eri
EP + DEPC
EP + Cs
EP + AB
0
2
4
6
8
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s H
eme)
* * *
* *
Resultados
54
FIGURA 16 – Efeito da adição tardia dos inibidores de α-glucosidase na formação de Hz in vitro. Ctl - hemina; Ctl + AB - hemina + anticorpo; EP – extrato protéico de epitélio intestinal;
EP + AB - extrato protéico + anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus; EP → AB – extrato
protéico + anticorpo 10 h após iniciar o ensaio; Ctl + DEPC - hemina + dietilpirocarbonato; Ctl +
Cs - hemina + castanoespermina; EP + DEPC - extrato protéico + dietilpirocarbonato; EP →
DEPC – extrato protéico + dietilpirocarbonato 10 h após iniciar o ensaio; EP 100 0C – extrato
protéico fervido por 10 min antes de iniciar o ensaio; EP → 100 0C – extrato protéico fervido 10
h após iniciar o ensaio. Os ensaios de formação de Hz foram realizados por 24 h a 28 oC como
descrito em materiais e métodos. Atividade de formação de Hz foi expressa como nmol de
cristal de heme, após 24 h, por 15 µg de proteína. Os resultados são representativos de dois
experimentos realizados em triplicata. Os experimentos com inibidores foram significativamente
diferentes do extrato protéico sozinho *(P < 0,05).
5.5 – Efeito da maltose na formação de hemozoína O efeito negativo dos inibidores da α-glucosidase (DEPC,
castanospermina e eritritol) na formação de hemozoína sugere que uma
mesma região da enzima possa estar envolvida em ambas as atividades. A fim
de contribuir com dados que possam ajudar a elucidar essa questão, a
atividade de formação de hemozoína foi realizada na presença de ambos
maltose (30 mM), um substrato da α-glucosidase, e hemina , o substrato da
atividade de formação de Hz. A fração 27 da cromatografia, contendo atividade
de α-glucosidase, foi primeiramente incubada com maltose por 4 horas. Após
este tempo, foi adicionada a hemina mas a síntese de hemozoína não ocorreu
(Figura 17). No entanto, quando a hemina foi colocada no início do ensaio e,
A B
10h
10h
10h
Ctl
Ctl + D
EPC
Ctl + C
s EP
EP + DEPC
DEPC
→EP EP 10
0 °C
100 °
C
→EP
0
2
4
6
8
10
10h10
h
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s he
me)
* *
* * *
Ctl
Ctl + A
B EP
EP + AB
AB
→EP
0
5
10
15
20
10h
*
*
*
Resultados
55
somente após 4 horas a maltose foi adicionada, a formação de hemozoína
ocorreu normalmente (Figura 17). Os resultados mostram que a ligação de
maltose à enzima bloqueou a atividade de formação de hemozoína. Visto que a
ligação de maltose e hemina são processos independentes, a explicação mais
simples é que ambas as partes compartilhem o mesmo sítio de ligação.
FIGURA 17 – Atividade de formação de hemozoína na presença ou ausência de maltose in vitro. Ctl - hemina; Mal - Maltose; FC – fração 27; FC + Mal → H - fração cromatografia +
maltose e hemina adicionada 4 h após o início do ensaio; FC + H → Mal - fração cromatografia
+ hemina e maltose adicionada 4h após o início do ensaio. Os ensaios de biomineralização
forma realizados por 24 h a 28 oC, como descrito em materiais e métodos. Atividade de
formação de hemozoína foi expressa como nmol de cristal de heme, após 24 h, por 8 µg de
proteína. Os resultados são representativos de um experimento realizado em triplicata. O
experimento em que a maltose foi adicionada antes foi significativamente diferente quando
comparado com a proteína sozinha ou com a hemina adicionada primeiro *(P < 0,05).
5.6 – Silenciamento da α-glucosidase na síntese de hemozoína Silenciamento gênico pela utilização de RNA de interferência (RNAi), um
fenômeno evolutivamente conservado, disparado pela presença de dsRNAs, é
uma poderosa ferramenta para o estudo da função de genes em diferentes
organismos (Fire et al., 1998). A introdução de dsRNA induz silenciamento
gênico específico em organismos vivos produzindo um bloqueio na produção
4h
4h
CtlMal FC H
→
FC + Mal
Mal
→
FC + H
0
1
2
3
4h4h
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s he
me)
* * *
Resultados
56
da proteína correspondente (Hammond et al., 2001). Como conseqüência,
RNAi mediado por dsRNA tem emergido como uma das técnicas mais
promissoras para estudo da função gênica em diversos sistemas
experimentais, particularmente em organismos não-modelos onde outros
métodos de investigação são freqüentemente limitados (Fraser et al., 2000;
Gonczy et al., 2000). Muito deste sucesso deriva do fato da técnica constituir-
se em um método simples, conveniente e barato de produzir e introduzir
dsRNA dentro dos organismos. RNAi tem subsequentemente sido adaptado
para uso em insetos, incluindo Anopheles gambiae, Drosophila melanogaster,
Manduca sexta, Periplaneta americana, Oncopeltus fasciatus (Blandin et al.,
2002; Hughes & Kaufman, 2000; Kennerdell & Carthew, 1998; Marie et al.,
2000; St. Johnston, 2002; Vermehren et al., 2001; Zhou et al., 2002). O
sequenciamento de bibliotecas de cDNA da glândula salivar de Rhodnius
prolixus tem identificado muitos novos genes com funções desconhecidas
(Ribeiro et al., 2004). A ferramenta funcional do RNAi forneceria meios
potencialmente poderosos de investigar a função de muitas moléculas novas
não caracterizadas em triatomineos. Apesar de RNAi ter sido demonstrado em
muitas espécies, incluindo insetos hemípteras (Hughes & Kaufman, 2000),
somente Araújo et al. (2006) utilizaram esta ferramenta em triatomíneos.
Em R. prolixus a função da α-glucosidase na síntese de Hz foi
investigada pela injeção de dsRNA de α-glucosidase (dsαGlu), construído com
base na sequência gênica da α-glucosidase de Anopheles aquasalis. Dessa
forma, dois experimentos foram realizados. No experimento 1 primers
degenerados, baseado na sequência gênica de α-glucosidase de Ae. aegypti,
D. melanogaster e A. aquasalis, foram usados como molde para síntese de
dsαGlu. Injeções de dsαGlu foram realizadas diretamente na hemocele de
fêmeas de R. prolixus e, posteriormente, foram alimentadas com sangue de
coelho. Quatro dias após a alimentação os insetos foram analisados quanto a
expressão gênica, atividade da enzima e formação de Hz. Animais tratados
com dsαGlu apresentaram uma redução na expressão do gene, como revelado
por análise de qPCR (Figura 18). Este efeito foi mais pronunciado em insetos
injetados com 10 µg de dsαGlu quando comparado com insetos que receberam
apenas 2 µg. Além disso, o efeito foi mais pronunciado em insetos injetados no
quarto dia, quando comparado com insetos injetados no segundo dia após a
Resultados
57
alimentação sanguínea. Isto pode ser resultado da diferença na atividade da α-
glucosidase: no quarto dia, a atividade da enzima é normalmente bem superior
à de segundo dia, quando as membranas perimicrovilares são também muito
mais abundantes (Silva et al., 2007).
Após checar a eficiência do silenciamento por qPCR, nós investigamos
se a injeção da dsαGlu poderia conferir um efeito detectável fenotipicamente.
Para isso, tanto ovoposição quanto a mortalidade destes insetos foram
acompanhadas durante os quatro dias. Os insetos injetados com 10 µg de
dsαGlu apresentaram 44% de insetos mortos e uma redução de 40% na
ovoposição (Tabela 2). Além disso, a hemolinfa destes insetos apresentou um
aspecto avermelhado (Figura 19). Estes resultados estão de acordo com o fato
de que a atividade da enzima no intestino médio de R. prolixus após injeção de
dsαGlu diminui (Figura 20). Este efeito foi mais evidente no quarto dia após a
alimentação sanguínea quando os insetos foram injetados com 10 µg de
dsαGlu antes da alimentação. No segundo dia após alimentação em sangue, a
diminuição na atividade de formação de Hz não foi significativamente diferente
quando os insetos foram injetados com 2 ou 10 µg de dsαGlu. A diminuição da
expressão do gene da α-glucosidase e da atividade enzimática foram
acompanhadas pela inibição da formação de Hz (Figura 21). Esta inibição foi
observada com 10 µg de dsαGlu, mas não com 2 µg de dsαGlu. Esses
resultados demonstraram que o silenciamento foram mais evidente no quarto
dia após alimentação, quando ambas as atividades desta enzima foi
claramente comprometidas. Esses resultados evidenciam que a formação de
Hz é dependente da α-glucosidase.
No experimento 2, dupla fita de β-galactosidase de Escherichia coli
(dsLacZ), em vez de dsαGlu, foi injetada usando o mesmo procedimento. Os
resultados mostram que a expressão do gene da α-glucosidase, como revelado
pela análise por qPCR (Figura 18B), não foi reduzida. A análise da atividade
da α-glucosidase e da síntese de Hz demonstraram que injeções de dsLacZ
não causaram reduções nos parâmetros em comparação aos insetos controle
(Figuras 20B e 21B).
Resultados
58
FIGURA 18 – Expressão relativa do gene da α-glucosidase por qPCR no intestino médio de R.
prolixus por injeção de: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ in vivo. Os insetos foram injetados com 2 µL
de PBS 100 mM pH 7,4 (controle), dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea) ou dsLacZ (2 ou 10 µg/fêmea) e
analisado 2 (2d) ou 4 (4d) dias após a alimentação com sangue. Foram realizados 4
experimentos independentes. Cada experimento consiste em um pool de 6 fêmeas adultas. Os
insetos injetados com 10 µg de dsRNA 4 dias após alimentação foram significativamente
diferentes dos insetos controle *(P<0,05).
TABELA 2 – Efeito fisiológico do silenciamento da α-glucosidase mediado por dsαGlu
em Rhodnius prolixus. Os insetos foram injetados com 2 µL de PBS 100 mM pH 7,4 ou
dsLacZ (controle) e dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea); mortalidade e ovoposição foram monitorados 4
dias após alimentação.
PBS 4 dias dsLacZ 10µg dsαGlu 2µg dsαGlu 10µg Mortalidade (%) 10 20 25 44
Ovoposição (ovos /fêmea)
25
22
16
10
C 2d C 4d 2d 4d 2d 4d0
5000
1000075000
100000125000150000
Expr
essã
o R
elat
iva
α-g
luco
sida
seA B
*
*
2d 4d 2d 4d0
5000
1000070000
95000
120000
____ dsRNA 2µg
____
dsRNA 10µg
____ dsRNA 2µg ____ dsRNA 10µg ____ PBS
***
Resultados
59
FIGURA 19 – A) Hemolinfa R. prolixus alimentados com sangue de coelho, na ausência de dsαGlu. B) Aspecto da Hemolinfa de R. prolixus, 4 dias após a injeção de 10 µg de dsαGlu.
FIGURA 20 – Atividade de α-glucosidase in vivo no intestino médio de R. prolixus injetados com: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ. Os insetos foram injetados com 2 µL de PBS 100
mM pH 7,4 (controle), dsLacZ (2 ou 10 µg/fêmea) ou dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea) e analisado 2
ou 4 dias após a alimentação com sangue. Foram realizados 4 experimentos independentes.
Cada experimento consiste em um pool de 6 fêmeas adultas. Os insetos injetados com 10 µg
de dsRNA 4 dias após alimentação foram significativamente diferentes dos insetos controle
*(P<0,05).
A B
2d 4d 2d 4d0
10
20
30
40
50
60
Ativ
idad
eα
-glu
cosi
dase
(mU
/epi
télio
)
C 2d C 4d 2d 4d 2d 4d05
1015202530354045
Ativ
idad
eα
-glu
cosi
dase
(mU
/epi
télio
)
*
____ dsRNA 2µg ____ dsRNA 10µg
____ dsRNA 2µg ____
dsRNA 10µg
____ PBS
B A
Resultados
60
FIGURA 21 – Hemozoína produzida por R. prolixus injetados com: (A) dsαglu ou (B) dsLacZ. Os insetos foram injetados com 2 µL de PBS 100 mM pH 7,4 (controle), dsLacZ (2 ou
10 µg/fêmea) ou dsα-glu (2 ou 10 µg/fêmea) e analisado 2 ou 4 dias após a alimentação com
sangue. Foram realizados 4 experimentos independentes. Cada experimento consiste em um
pool de 6 fêmeas adultas. Os insetos injetados com 10 µg de dsRNA 4 dias após alimentação
foram significativamente diferentes dos insetos controle *(P<0,05).
5.7 – Impacto da ingestão de heme sobre a atividade de α-glucosidase
Glucosidases são enzimas importantes na digestão de carboidratos.
Provavelmente, a pressão evolutiva determinou uma função diferente para esta
enzima nos insetos hematófagos, visto que, proteínas, e não carboidratos, são
nutrientes majoritários presentes nas dietas de insetos sugadores de sangue.
Isto parece ser verdadeiro, porque α-glucosidases de levedura, ao contrário
das α-glucosidases de R. prolixus, não apresentam atividade de síntese de
hemozoína (dados não mostrados). Em mosquitos, Sessions et al., (2009)
verificaram que a inibição da α-glucosidase acarreta uma diminuição da
infecção do vírus da dengue (DENV-2). Em outros organismos hematófagos
como, por exemplo, Lutzomyia longipalpis, há um aumento na atividade da α-
glucosidase quando na presença de dieta rica em sangue (Gontijo et al., 1998).
O mesmo resultado já havia sido mostrado por Dillon & Kordy (1997) quando
compararam a atividade de α-glucosidase em flebótomos alimentados com
sangue ou sacarose. No presente trabalho, o efeito da ingestão de heme na
atividade da α-glucosidase foi examinado in vivo (Figura 22). A atividade
absoluta da α-glucosidase derivada do intestino médio de insetos alimentados
2d 4d 2d 4d0
100200300400500600700
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s he
me)
A B
C 2d C 4d 2d 4d 2d 4d0
100200300400500600700
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s he
me)
* ____
dsRNA 2µg ____ dsRNA 10µg
____ dsRNA 2µg ____ dsRNA 10µg ____ PBS
Resultados
61
com plasma foi comparada com insetos alimentados com plasma na presença
de hemina. A atividade no lúmen intestinal de insetos alimentados sem hemina
foi menor quando comparada com insetos que se alimentaram com plasma
suplementado com hemina, onde a atividade da α-glucosidase foi claramente
aumentada, sugerindo uma função deste componente na regulação da
atividade da enzima.
FIGURA 22 – Influência do heme da alimentação na atividade de α-glucosidase em intestino médio de R. prolixus. P – insetos controle alimentados com plasma; P + H – insetos
alimentados com plasma enriquecido com hemina (500 µM). Insetos foram alimentados com
plasma de coelho na ausência ou presença de hemina. Quatro dias após alimentação, epitélios
intestinais (n = 20) foram dissecados em salina gelada (NaCl 100 mM). A atividade de α-
glucosidase foi determinada pela medida da liberação de ρ-nitrofenolato α-D-glucopiranosídio.
Resultados mostrados são representativos de três experimentos independentes realizados em
triplicata. Plasma mais hemina é significativamente diferente de plasma *(P<0,05).
5.8 – Controle da expressão do gene da α-glucosidase pelo heme
Heme é conhecido pela sua ação como um modulador da expressão
gênica em muitos sistemas, como na regulação dos níveis de RNAm de
citocromo P-450 e apoproteínas (Dwarki et al., 1987). O heme é uma molécula
regulatória versátil e conhecida por regular processos celulares diversos, como
diferenciação, transcrição e processamento pós-traducional em diferentes
sistemas (Thomas et al., 1984). Assim, o próximo passo foi investigar se, além
da sua ação sobre a atividade de formação de Hz, esta molécula atuaria como
modulador da expressão gênica. Para isso foram utilizados insetos alimentados
PP +
H0
10203040506070
Ativ
idad
eα
-glu
cosi
dase
(mU
/epi
télio
)
*
Resultados
62
com plasma de coelho na presença ou ausência de hemina. O RNA foi extraído
e por RT-PCR foi analisada a expressão do gene da α-glucosidase, utilizando
primers degenerados, como descrito em materiais e métodos. Como observado
na figura 23, foi possível verificar um aumento do nível de transcrito de α-
glucosidase (fragmento de 750 kb) de insetos que foram alimentados com
plasma na presença de hemina em relação a insetos alimentados apenas com
plasma.
FIGURA 23 – Influência do heme da alimentação na expressão da α-glucosidase em intestino médio de R. prolixus. P – cDNA plasma; P + H – cDNA plasma + hemina (500 µM).
Insetos foram alimentados com plasma de coelho na ausência ou presença de hemina. Quatro
dias após alimentação, epitélios intestinais (n = 20) foram dissecados em PBS 100 mM. Foi
realizado extração de RNA total usando Trizol e posterior síntese de cDNA. Resultados
mostrados são representativos de dois experimentos independentes realizados em triplicata.
Plasma mais hemina é significativamente diferente de plasma *(P<0,05).
5.9 – Purificação e sequenciamento do fragmento gênico de α-
glucosidase
A próxima etapa foi promover a purificação dos fragmentos de 750 e 250
kb do gel de agarose conforme descrito em materiais e métodos (Item 4.15)
para posterior realização do sequenciamento. O fragmento gênico da α-
glucosidase possui um tamanho de 750 kb, sendo este fragmento visualizado
em gel de agarose 1% (Figura 24). O ks foi utilizado com o intuito quantificar o
fragmento a ser sequenciado. Como observado na figura 23, os fragmentos
P P + H0
1
2
3
4
Nív
el d
e ex
pres
são
1,0
3,7 *
Resultados
63
foram totalmente purificados apresentando, aproximadamente, 30 ng/μL em
comparação ao controle Ks (50 ng/μL).
Com intuito de caracterizar a estrutura da enzima o cDNA da α-
glucosidase foi clonado e sequenciado. A figura 25 mostra a sequência de
nucleotídeos e a sequência deduzida de aminoácidos da α-glucosidase de R.
prolixus (GenBank FJ236283). O alinhamento das sequências de α-
glucosidases de Culex pipiens, Ae. aegypti, D. melanogaster, A. gambie,
Geobacillus sp., Bacillus cereus e Saccharomyces cerevisae mostrou que a α-
glucosidase de R. prolixus possui 70% de identidade com Culex, 69% de
identidade com a enzima de Aedes, 59% com a de Anopheles e 24% de
identidade com a de Saccharomyces (Tabela 3). As diferenças e similaridades
entre as enzimas de insetos, bactéria e levedura mostraram que a α-
glucosidase de R. prolixus é mais amplamente relacionada com as de insetos
do que com enzimas de microrganismos (Tabela 3 e Figura 26). A sequência
parcial da α-glucosidase de R. prolixus foi usada em um alinhamento mais
detalhado utilizando o Clustal W para obtenção de um cladograma. Foram
utilizadas sequências de α-glucosidases de insetos hematófagos, não
hematófagos, mamíferos, leveduras, bactérias, peixes e roedores (Figura 27). Neste contexto, α-glucosidase de R. prolixus é mais amplamente relacionada
com α-glucosidase de outros insetos hematófagos como Culex e Aedes. Essas
enzimas (glucosidases) são encontradas em uma ampla variedade de
organismos e seus loci gênicos são altamente conservados para diferentes
espécies (Jacobson et al., 2001).
M 1 2 3 4
FIGURA 24 – Fragmentos purificados utilizando GFXTM PCR “DNA e Gel Band Purification Kit” e observados em gel de agarose 1%. M) Marcador de 1 kb; 1) Fragmento
de 750 kb; 2) Fragmento de 250 kb; 3) 1 μL ks 50 ng; 4) 2 μL ks 50 ng.
750 kb
250 kb
Resultados
64
FIGURA 25 – Sequência parcial de nucleotídeos do cDNA de α-glucosidase de R. prolixus e sua sequência deduzida de aminoácidos. A sequência de nucleotídeos utilizada
para o desenho de primers específicos para qPCR estão sublinhadas.
Resultados
65
TABELA 3 – Análise comparativa dos genes de α-glucosidases de diferentes espécies usando
Blastx.
aNúmero de acesso no GenBank database
bFunção de acordo com o BLASTx cIdentidades (%). dProtein Data Bank
Estudos prévios indicaram que proteínas ricas em histidina de
Plasmodium falciparum (PfHRP2) têm capacidade de ligarem-se a heme (Choi
et al., 1999) e têm sido implicadas na formação de hemozoína (Schneider &
Marletta, 2005). O sítio ativo de α-glucosidases possui resíduos de histidina e
ácido aspártico altamente conservados (Shirai et al., 2008). Aqui a análise da
α-glucosidase de Rhodnius prolixus (AGluRp) mostrou resíduos conservados
de histidina e ácido aspártico no sítio de ligação ao substrato da enzima. No
entanto, um significativo desvio na posição desses resíduos-chave foi
observado quando se compararam as sequências de R. prolixus e de S.
cerevisae (AGluSc) (Figura 26). Através de um alinhamento com α-
glucosidases de insetos, bactérias e leveduras, descobrimos que os resíduos
His69, Asp132 e Asp159 não são conservadas em AGluSc. Este resultado
somado ao fato de que α-glucosidase de levedura não possui atividade de
Acessoa Função b E-value Organismos Similares Identidadec
Insectos
FJ236283 α-glucosidase 3e-145 Rhodnius prolixus 100
XP_001851486 α-glucosidase 8e-102 Culex quinquefasciatus 70
XP_001869889 α-amylase 4e-93 Culex quinquefasciatus 64
XP_001847532 α-glucosidase 5e-90 Culex quinquefasciatus 64
XP_001656785 α-amylase 7e-101 Aedes aegypti 69
CAA60858 Maltase-símile Agm2 4e-86 Anopheles gambie 59
AAB82328 Maltase 2 1e-71 Drosophila virilis 52
Bactéria
PDBd ZEO_A α-glucosidase 6e-47 Geobacillus sp. 27
PDB 1UOK_A Oligo-1,6-Glucosidase 1e-25 Bacillus cereus 27
Levedura
CAA87020 α-glucosidase 2e-22 Saccharomyces
cerevisiae 24
Resultados
66
síntese de Hz (dados não mostrados) pode ser um indício do envolvimento
desses resíduos no processo de biomineralização do heme.
FIGURA 26 – Alinhamento da sequência de aminoácidos das α-glucosidases de R. prolixus
(AgluRp), Culex quinquefasciatus (AGluCulex, AGluCulex2, AGluCulex3), α-amylase de Aedes
aegypti (AmAeds), maltase-símile Agm2 de Anopheles gambiae (MaltaseAgm2), maltase 2 de
Drosophila virilis (Maltase2Dv), α-glucosidase de Gsj (AgluGsj), Oligo-1,6-Glucosidase de
Bacillus cereus (GluOligo) e α-glucosidase de Saccharomyces cerevisiae (AgluSc). Resíduos
idênticos são indicados por ‘‘*’’; resíduos conservados e semi-conservados são indicados por
‘‘:’’ e ‘‘.’’, respectivamente. Resíduos de ácido aspártico e histidina presentes em AGluRp e
também presentes em AGluSc são marcados em cinza. A predição da estrutura secundária
usando JPred server é representada em vermelho (α-hélices), verde (folhas β) e azul (alças).
Resultados
67
FIGURA 27 – Árvore filogenética baseada no alinhamento das sequências protéicas de α-glucosidases usando ClustalW: Rhodnius prolixus, Aedes aegypti, Culex quinquefasciatus,
Anopheles gambiae, Drosophila melanogaster, Tribolium castaneum, Thermus thermophilus,
Nocardia farcinica, Homo sapiens, Rattus norvegicus, Mus musculus, Xenopus laevis, Danio
rerio, Ixodes scapularis, Bos Taurus e Acyrthosiphon pisum. A numeração representa as
distâncias entre as espécies.
5.10 – Formação de Hz por α-glucosidases de espécies não-hematófagas
Alfa-glucosidases têm sido descritas em diferentes grupos de insetos
geralmente associadas ao processo digestivo. Entretanto, alguns trabalhos em
hemípteras mostram o envolvimento dessas enzimas em diferentes funções
que não a digestão. Em pulgões, por exemplo, α-glucosidases parecem ser
essenciais no controle da osmolaridade em dietas contendo sacarose (Ashford
et al., 2000; Salvucci, 2000).
Dessa forma, a próxima etapa foi testar a hipótese de que α-
glucosidases de insetos não hematófagos têm a capacidade de formar
hemozoína in vitro como uma pré-adaptação que permitiu o surgimento da
hematofagia neste grupo de insetos. Esta hipótese foi testada usando-se
epitélio de Dysdercus peruvianus (Figura 28A), um sugador de sementes de
algodão, e Quesada gigas (Figura 28C), a cigarra, em ensaios de formação de
Hz. Os resultados mostram que a incubação do extrato protéico desses
epitélios com hemina promoveu a formação de cristais de heme, insolúveis em
tampão carbonato-bicarbonato:SDS, pH 9,1, no qual o heme monomérico é
solúvel. Para determinar se os cristais de heme têm a mesma estrutura química
da Hz, o material formado pelo ensaio foi submetido ao espectro de FTIR. A
espectroscopia de FTIR detecta a ligação carbono-oxigênio do grupo carbonila
Resultados
68
ao átomo de ferro com a formação do cristal nos picos de 1207 e 1660 cm-1.
Tanto para D. peruvianus (Figura 28B) quanto para Q. gigas (Figura 28D), esses picos estão presentes e são idênticos ao já descrito para R. prolixus
(Oliveira et al., 1999) e a β-hematina sintética (Chen et al., 2001).
FIGURA 28 – Atividade de síntese de hemozoína usando extrato protéico de epitélio intestinal de Dysdercus peruvianus (A e B) e Quesada gigas (C e D). Os epitélios
intestinais foram coletados e submetidos a extração de proteínas. O ensaio de síntese de
hemozoína foi realizado usando 12 μg de proteína do sobrenadante (S) ou do precipitado (P).
A e C ensaio de formação de cristais de heme; B e D Espectro de FTIR do cristal
produzido in vitro.
A B
S P0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s H
eme)
S P0.0
2.5
5.0
7.5
Form
ação
Hem
ozoí
na(n
mol
s H
eme)
C D
Discussão
69
6 – DISCUSSÃO A formação de hemozoína, em adição a outras estratégias para superar
a toxicidade do heme (Graça-Souza et al., 2006), é um mecanismo eficiente
para reduzir a disponibilidade de heme no intestino médio de certos
organismos hematófagos, como o Dipetalogaster maxima (Oliveira et al., 2007)
e o R. prolixus (Oliveira et al., 2000; Oliveira et al., 1999).
A primeira evidência que nos levou a sugerir a participação de uma α-
glucosidase no processo de formação de hemozoína foi a forte correlação
observada entre a atividade da enzima e a quantidade de hemozoína formada
no intestino médio de R. prolixus (Silva et al., 2007). Esta atividade foi
associada à fração protéica do epitélio intestinal deste inseto. Isto levou à
conclusão de que o intestino tem um componente protéico que promove a
formação de hemozoína. É provável que o ambiente hidrofóbico da membrana
favoreça esta atividade, pois quando os dois componentes (lipídios e proteínas)
foram colocados juntos no ensaio de formação de hemozoína, foi observado
um efeito sinergístico (Silva et al., 2007). Este fato é interessante, pois apesar
dos lipídios apresentarem uma menor participação é possível que eles criem
um ambiente favorável para a formação de hemozoína. Pisciotta & Sullivan
(2008) propõem que as gotas de lipídeos catalisem a formação de Hz
concentrando o heme lipofílico no ambiente aquoso em que a degradação de
hemoglobina ocorre no Plasmodium. A exclusão da água facilitaria a transição
do dímero aquoso para o que chamaram de dímero cristalino de heme formado
pela ligação Fe (III) – carboxilato. No vacúolo digestivo de Plasmodium existem
corpos lipídicos compostos de lipídios neutros e polares sugerindo que alguns
lipídios polares podem estar na superfície com o interior composto de lipídios
neutros (Pisciotta et al., 2007). No entanto, no presente trabalho foi mostrado
que a contribuição de lipídios polares no processo de síntese de Hz é muito
menor, quando comparada a das proteínas (Figura 10), nas condições
analisadas.
Provavelmente a interface entre a membrana perimicrovilar e a fase
aquosa no lúmen intestinal é um requisito importante para promover a
formação do dímero cristalino neste inseto. Esta teoria está de acordo com as
micrografias eletrônicas de transmissão observadas por Oliveira et al. (2005),
Discussão
70
que descobriu a formação de hemozoína no interior de vesículas delimitadas
por uma bicamada. Silva et al. (2004) mostraram uma forte e pontual marcação
quando a MPMV era incubada na presença de diaminobenzidina, numa
condição que detecta a atividade peroxidásica associada à presença de heme,
indicando uma associação específica do heme às membranas. A soma desses
resultados reforça a idéia de que o ambiente lipofílico da membrana pode ser
essencial para a síntese de Hz.
Embora a literatura apresente fortes evidências que sugerem que lipídios
são importantes fatores na formação de hemozoína, Egan (2008b) verificou
que o estudo da função de proteínas pode ser visto como um futuro importante
nesta área. O autor sugere que o crescimento da estrutura cristalina é um
processo auto-catalítico, mas a nucleação para formação de hemozoína
depende de um ambiente lipídico. No entanto, ainda não está claro como esta
nucleação ocorre (Egan 2008b). A partir dos resultados obtidos no presente
trabalho, é razoável supor que a α-glucosidase desempenhe a função de heme
nuclease para formação de hemozoína no intestino médio de R. prolixus. Visto
que esta é uma enzima presente nas membranas perimicrovilares, é possível
que a α-glucosidase inicie a ligação do heme (Figura 12) liberado a partir da
degradação da hemoglobina do hospedeiro vertebrado e, assim, promova a
formação do dímero inicial. A habilidade para catalisar reações de
transglicosilação é uma característica das α-glucosidases (Ferrer et al., 2005).
Na reação de transglicosilação, a enzima transfere unidades glicosídicas de
uma molécula doadora ativa para aceptores específicos, formando ligações
glicosídicas específicas. Estas reações são essenciais para formação de
glicoconjugados envolvidos principalmente em eventos de reconhecimento
celular (Lovering et al., 2007). Assim, a habilidade das α-glucosidases de
formarem uma ligação glicosídica pode ajudar a explicar sua ação na formação
da ligação ferro-carboxilato, etapa chave na formação de hemozoína.
Esforços têm sido empreendidos para se caracterizar o mecanismo de
formação de hemozoína no parasita da malária, Plasmodium, e em outros
modelos, mas esta ainda é uma questão controversa, pois diferentes fatores
têm sido sugeridos como determinantes no processo de formação de
hemozoína. A consequência destas muitas visões é que ainda não há um
consenso sobre o mecanismo de formação de hemozoína in vivo (Egan,
Discussão
71
2008a). No Plasmodium, a presença de uma enzima foi implicada no processo,
quando o extrato bruto de trofozoítos foi capaz de promover a formação de
hemozoína in vitro, sendo aparentemente sensível ao aquecimento, já que tal
atividade foi extinta quando a amostra foi fervida (Slater & Cerami 1992).
Depois disso, uma nova proteína, HDP (“heme detoxification protein”) foi
associada à síntese de Hz no Plasmodium (Jani et al., 2008). O presente
trabalho mostra que uma α-glucosidase promove a formação de hemozoína no
intestino médio de R. prolixus.
Oliveira et al. 2000 mostraram que a formação de hemozoína in vitro
induzida por uma fração particulada de epitélio intestinal de R. prolixus foi
fortemente inibida por cloroquina (CLQ). In vivo, quando os insetos foram
alimentados com sangue na presença de CLQ, a síntese de Hz também foi
inibida. Estes resultados foram confirmados em nosso trabalho e, além disso,
observamos que a CLQ foi capaz de inibir a atividade da α-glucosidase in vitro
(Figura 13). Entretanto, o mecanismo de inibição da CLQ sobre a atividade
primária da enzima ainda não é compreendido. Adicionalmente, quando um
anticorpo anti α-glucosidase de D. peruvianus foi usado no ensaio de síntese
de hemozoína, verificou-se uma diminuição no processo de síntese (Figura 14 e 15). Estes ensaios confirmaram a relação direta entre uma carboidrase e a
atividade de formação de cristais de heme, assim como a reciprocidade de
ação dos inibidores das duas atividades da enzima..
DEPC é um inibidor de várias enzimas por modificação de resíduos de
histidina, formando N-carbetoxihistidil (Coan & DiCarlo, 1990) ou por
condensação dos ε-amino grupos dos resíduos de lisina com os grupos
carboxílicos dos resíduos de ácido glutâmico e ácido aspártico (Wolf et al.,
1970). Lynn et al. (1999) têm sugerido que ácido aspártico é mais importante
para o pH necessário à formação de hemozoína. Nakanishi et al., (2008)
verificaram que o uso do DEPC pode ser um método eficaz para caracterizar o
estado de protonação de resíduos de histidina no sítio ativo de heme proteínas.
De acordo com nossos dados, e com os requerimentos físico-químicos para a
formação de hemozoína (Egan 2008a), proteínas devem representar uma
importante função como sítio de nucleação para o crescimento do cristal de
heme. Esta hipótese tem sustentação nas figuras 16A e B que mostram que a
adição de inibidores de α-glucosidase, após o ensaio ter sido iniciado,
Discussão
72
interferem negativamente na atividade de síntese de hemozoína. Estes
resultados mostram que o DEPC tem uma ação inibitória sobre a atividade de
formação de Hz, o que indica que resíduos de histidina estão provavelmente
envolvidos neste processo. Entretanto se a adição dos inibidores for feita 10 h
após o início do ensaio o efeito inibitório na síntese de hemozoína não é mais
observado. O mesmo resultado foi obtido a partir da desnaturação térmica da
enzima. Se a enzima for desnaturada termicamente 10 horas após o início da
incubação, a formação de Hz não pode mais ser interrompida. Assim,
sugerimos que esta enzima age como sítio de nucleação, iniciando o processo
de formação de hemozoína. Uma vez iniciada, a formação de hemozoína pode
continuar, provavelmente por autocatálise, na ausência da enzima. Portanto, se
a nucleação ocorrer de maneira eficiente, o crescimento do cristal ocorre de
maneira espontânea (Egan 2008a).
O sequenciamento do cDNA da α-glucosidase de R. prolixus mostrou
que sua sequência deduzida de aminoácidos apresenta alta identidade com α-
glucosidases de outros insetos hematófagos (Figura 27 e Tabela 3). Outro fato
importante na análise das sequências é a presença de alguns importantes
resíduos de aminoácidos conservados no sítio ativo das α-glucosidases de
insetos, como histidina, ácido aspártico e ácido glutâmico. No entanto, alguns
desses resíduos chaves não foram observados em α-glucosidase de levedura.
Esta diferença estrutural pode ocasionar com mudanças na geometria do sítio
ativo e especificidade do substrato, bem como na eficiência catalítica. A alta
proporção de ácido aspártico é sugestiva da função deste aminoácido no
processo de ligação de heme nos pHs menores que 6.0 (Lynn et al., 1999). Em
um primeiro momento, isto sugere que o sítio da enzima que acomoda o heme
poderia conter resíduos carboxilato. Propriedades de ligação a metais estão
associadas com aminoácidos contendo cadeias laterais carboxilato, imidazol e
hidroxil (Tainer et al., 1992). Em R. prolixus a ligação de heme na enzima
poderia envolver tanto resíduos de histidina como de ácido aspártico no sítio de
ligação ao substrato. Assim, a inibição por DEPC (Figura 15 e 16A), somada
aos dados obtidos por comparação das sequências (Figura 26), nos permite
propor o envolvimento dos resíduos His69, Asp132 e Asp159 no sítio
enzimático envolvido com a atividade de síntese de Hz.
Discussão
73
A atividade primária da enzima α-glucosidase é catalisar a reação de
clivagem específica de oligossacarídeos como a maltose, em glicose (Dixon &
Webb, 1979). A figura 17 mostrou que a pré-incubação deste substrato no
meio de reação inibe a formação de Hz. Assim, é razoável supor que o heme
poderia ligar-se à α-glucosidase no mesmo sítio que a maltose. Portanto, do
ponto de vista da atividade de formação de Hz, a maltose parece se comportar
como um inibidor competitivo, impedindo o acesso da hemina sobre o sítio de
ligação ao substrato, já que a concentração de maltose (500 mM) testada foi
suficientemente maior do que a concentração de hemina (100 mM).
O silenciamento do gene da α-glucosidase por injeção de dsαGlu
resultou em uma redução das atividades de α-glucosidase e de formação de
hemozoína em um padrão muito similar (Figuras 20 e 21). Os fenótipos foram
analisados 2 e 4 dias após a alimentação sanguínea. No entanto, o efeito do
RNAi foi evidente somente no 40 dia após a alimentação. A atividade de α-
glucosidase é baixa nos primeiros estágios da digestão sanguínea no intestino
médio de R. prolixus (Silva et al., 2007). Similarmente, a formação de
hemozoína no lúmen intestinal é também baixa neste período. No 20 dia após
alimentação, é provável que o nível de RNA mensageiro de α-glucosidase seja
baixo, o que explica o efeito discreto do RNAi. No entanto, no dia 4 após
alimentação, o nível de RNAm de α-glucosidase é maior, o que reflete uma alta
atividade de α-glucosidase. Em consequência o efeito do silenciamento é mais
evidente. Concomitantemente com a redução na atividade de α-glucosidase, é
possível detectar também uma redução na quantidade de hemozoína formada
no intestino médio de R. prolixus 4 dias após alimentação, demonstrando que o
silenciamento da enzima comprometeu a habilidade de formação de
hemozoína no intestino médio deste inseto. Esta é a primeira demonstração de
uma carboidrase envolvida em processos de detoxificação de heme.
As consequências da inibição da formação de hemozoína são bem
conhecidas (Graça-Souza et al., 2006; Kumar et al., 2007). A alteração dos
níveis de heme livre no intestino médio poderia resultar na sua passagem para
a hemocele, aumentando o potencial pró-oxidante deste ambiente, o que
poderia levar a um aumento do risco de danos fisiológicos (Oliveira et al.,
2000). Além da diminuição da atividade de formação de Hz, em insetos
injetados com dsα-Glu, a hemolinfa apresentou uma coloração vermelha
Discussão
74
intensa. Isto sugere lise das membranas celulares e extravazamento para a
hemocele de parte do sangue ainda não digerido, presente no trato digestivo
(Figura 19). Interessantemente, durante os experimentos de RNAi, 44% dos
insetos morreram (Tabela 2), sugerindo uma forte ação do silenciamento da α-
glucosidase em processos fisiológicos vitais. Estes resultados mostram o
impacto da inibição dos processos de detoxificação de heme e o papel crucial
da enzima α-glucosidase nesta atividade essencial.
Insetos hematófagos como Phlebotomus papatasi (Jacobson & Schlein,
2001) e Aedes aegypti (Whitby et al., 2005), apesar de possuírem uma dieta
pobre em carboidratos, possuem uma alta atividade de α-glucosidase quando
alimentados com sangue. Em R. prolixus, a hemina ingerida na alimentação foi
capaz de aumentar tanto a expressão do gene da α-glucosidase quanto a
atividade da enzima, sugerindo que o heme pode ser um importante regulador
da síntese da α-glucosidase (Figuras 22 e 23). Esta característica poderia
representar um mecanismo adaptativo como um forma de lidar com o alto
conteúdo de heme durante a digestão de sangue. Dillon & Kordy (1997)
compararam as atividades de α-glucosidase do intestino médio de flebótomos
que se alimentaram de sangue com aqueles que se alimentaram com
sacarose. Os resultados revelaram uma maior atividade específica no intestino
médio dos insetos que se alimentaram de sangue. É possível que esta enzima
desempenhe uma função na detoxificação de heme também neste modelo.
Para melhor compreensão do processo de formação de hemozoína no
lúmen intestinal de R. prolixus, o presente estudo forneceu dados importantes
para complementar os pontos discutidos na revisão realizada por Egan
(2008a). Deve ser lembrado que enzimas proteolíticas como catepsina B
símile, catepsina D símile e carboxipeptidades A e B são secretadas com
atividade máxima entre 6 e 7 dias após alimentação (Terra, 1988), agindo na
hemoglobina do espaço luminal. Durante o mesmo período, a α-glucosidase
apresenta uma elevada atividade com um aumento na produção de
membranas perimicrovilares (Silva et al., 2007; Billingsley &Downe 1983).
Neste contexto, α-glucosidase pode iniciar a ligação de heme durante sua lenta
liberação pela degradação da hemoglobina, permitindo a precipitação do heme
livre em um ambiente com pH ácido do intestino médio de R. prolixus. Stiebler
et al., (2010) mostraram que a degradação da hemoglobina, e consequente
Discussão
75
liberação de heme, é rapidamente acoplada à síntese de Hz nas membranas
perimicrovilares de R. prolixus. É possível que este acoplamento se dê através
da nucleação da Hz pela α-glucosidase nas membranas perimicrovilares, em
que o processo de crescimento do cristal é sustentado em um ambiente não
tamponante. A investigação do mecanismo de ação da α-glucosidase neste
processo pode fornecer resultados importantes para o desenvolvimento de
novas drogas ou novas estratégias de controle do vetor.
A principal meta do estudo da evolução molecular é entender a dinâmica
e os mecanismos através dos quais mudanças nas sequências gênicas mudam
a função e consequentemente o fenótipo (Golding & Dean, 1998). O completo
entendimento deste processo requer análises de como mudanças na estrutura
da proteína mediam o efeito de mutações na sua função (Vatzaki et al., 1999).
Além disso, o estudo das construções de proteínas tem elucidado as relações
entre estrutura e função que determinam o processo evolutivo (Turner et al.,
2005). Para identificar diretamente o mecanismo pelo qual mutações geraram
novas funções, no entanto, é necessário comparar proteínas através do tempo. No curso da evolução, organismos que selecionaram o sangue como
fonte de nutrientes, consequentemente adotaram um conjunto de estratégias
para superar a toxicidade do heme e adaptá-las a este hábito alimentar (Graça-
Souza et al., 2006). A hematofagia tem aparecido independentemente muitas
vezes durante a evolução dos artrópodes (Ribeiro, 1995) e diferentes grupos
de organismos hematófagos, nos dias atuais, são derivados de ancestrais não-
hematófagos. Para o sucesso destes organismos, algumas adaptações pré-
existentes foram determinantes, como o desenvolvimento de partes bucais com
características perfuro-cortantes (Lehane, 2005). Adicionalmente algumas
características fisiológicas também foram essenciais no sucesso do hábito de
se alimentar de sangue (Ribeiro & Francischetti 2003). Neste caso, se alguns
insetos hematófagos são derivados dos insetos fitófagos, pré-adaptados a
sugar seiva, a conservação de enzimas como as α-glucosidases poderia
representar uma das mais importantes pre-adaptações que resultaram na
aptidão à hematofagia. Na presente tese, foi possível observar que D.
peruvianus e Q. gigas são capazes de formar cristais de heme in vitro (Figura 28). Assim, nossos resultados corroboram esta idéia, mostrando que a
Discussão
76
estrutura da α-glucosidase pode ter sido uma pré-condição importante para a
hematofagia em alguns grupos de insetos com digestão ácida.
Conclusões
77
7 – CONCLUSÕES ► Nas condições aqui utilizadas, a fração protéica do intestino médio de R.
prolixus apresenta uma maior capacidade de síntese de hemozoína quando
comparada à ação de lipídios polares;
► Cloroquina, droga antimalária, foi capaz de inibir a atividade da α-
glucosidase e os inibidores específicos da α-glucosidase apresentaram efeito
inibitório sobre a síntese de hemozoína, indicando que esta é a enzima
responsável pela formação de cristais de heme em R. prolixus;
► O silenciamento do gene da α-glucosidase por RNAi foi capaz de reduzir a
atividade de síntese de hemozoina, confirmando o envolvimento desta enzima
neste processo. Além disso, foi observada uma alteração nos padrões
fisiológicos vitais como redução na ovoposição e aumento da mortalidade neste
grupo de insetos;
► A atividade e a expressão de α-glucosidase no intestino de insetos
alimentados com plasma enriquecido com hemina são maiores quando
comparadas as de intestino de insetos alimentados com plasma na ausência
de hemina, sugerindo uma regulação desta enzima pelo heme;
► Os resíduos conservados His69, Asp132 e Asp159 presentes no sítio de
ligação ao substrato provavelmente são relevantes na atividade de síntese de
hemozoína;
► Nossos resultados indicam claramente que a α-glucosidase do epitélio
intestinal de Rhodnius prolixus é responsável pela etapa de nucleação no
processo de formação de hemozoína.
Referências Bibliográficas
78
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Anexo
99
9 – ANEXO
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