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Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 24, mai./ago. 2010, p. 268-306
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ARTIGO
Representatividade e inovao na governana dos processos participativos: o caso das organizaes brasileiras de agricultores familiares
RicaRdo abRamovay*Reginaldo magalhes**
mnica schRodeR***
Resumo
Desenvolvimento territorial supe a participao organizada de atores sociais na tomada de decises quanto ao uso dos recursos pblicos e, em grande parte, tambm privados de uma regio. Apesar das evidentes virtudes democrticas dos processos participativos amplia-se recentemente a literatura crtica que coloca em dvida seus resultados. Organizaes oriundas de movimentos sociais so protago-nistas decisivos de processos participativos. Este texto procura mostrar uma das mais importantes tenses que vivem os movimentos sociais contemporneos: a que ope representatividade e inovao. Movimentos representativos tendem a consolidar e enrijecer interesses, e sua institucionalizao os empurra em direo a atitudes roti-neiras que bloqueiam, muitas vezes, seus potenciais inovadores. Uma sada para os impasses dos movimentos sociais est em modalidades de governana da participa-o social voltadas explicitamente, aprendizagem e inovao. O texto se apia no exemplo da poltica brasileira de fortalecimento da agricultura familiar e examina duas organizaes egressas de movimentos sociais: a Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), uma organizao sindical, e o Sistema CRESOL de Crdito Solidrio, um conjunto de cooperativas. Ambas estimulam processos parti-cipativos e tm vnculos com polticas governamentais. No caso do sindicalismo, en-tretanto, a participao social pouco inovadora e os laos com o Governo tendem
* Professor Titular do Departamento de Economia Faculdade de Economia e Administrao, da Ctedra Srgio Buarque de Holanda da cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (Paris) e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa Cientfica e Tecnolgica (CNPq) www.econ.fea.usp.br/abramovay/** Mestre e doutorando em Cincia Ambiental pelo Programa de Ps Graduao em Cincia Ambiental da Universidade de So Paulo e diretor da Plural Consultoria, Pesquisa e Servios.*** Economista, doutora pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora da Plural Consultoria, Pesquisa e Servios.
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a confinar o movimento em relaes j conhecidas. No caso do cooperativismo de crdito, a participao social e os vnculos com o Governo fazem-se a partir de in-centivos que estimulam o fortalecimento daquilo que a nova sociologia econmica chama de laos fracos e, portanto, abrem caminho para ampliar as prprias bases dos processos localizados de desenvolvimento.
Palavras-chave: Territrios. Organizaes. Agricultura familiar. Cooperativas de crdito. Sindicatos.
Apresentao1
rganizaes, cidades e regies de aprendizagem: a litera-
tura contempornea de Cincias Sociais enfatiza a qua-
lidade da ligao entre os atores para explicar diferenas
em processos de desenvolvimento e at mesmo no cres-
cimento de pases e de regies (SABEL, 1994; TRIGILIA,
2005, OCDE, 2001a, CONTI, 2005). Isso ainda mais verdadeiro quando
se trata de processos localizados de desenvolvimento. A dotao inicial de
fatores de cada territrio explica boa parte de seu desempenho (KRUG-
MAN, 1995), mas cada vez mais evidente a importncia dos processos
sociais que ligam os agentes econmicos estabelecidos no interior de uma
regio. Aqui residem, sem dvida, os principais motores do crescimento
econmico e do desenvolvimento local (FUJITA; THISSE, 2001, p. 51). Es-
tes processos exercem influncia determinante no prprio formato das po-
1 Este texto foi elaborado no mbito do Programa de Pesquisa "Territrios Rurais em Movimento (TREM), coordenado pelo Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, RIMISP e financia-do pelo IDRC (International Development Research Center) do Canad. Agradecemos a toda a equipe da pesquisa (listada em http://www.rimisp.org/proyectos/index_proy.php?id_proyec-to=104) as crticas e sugestes feitas s verses anteriores deste trabalho, bem como FETRAF e ao Sistema CRESOL pela generosidade no oferecimento das informaes de que necessitvamos.
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lticas pblicas (MOULAERT; NUSSBAUMER, 2005). A OCDE chega a falar
em um capital territorial (OCDE, 2001b) para caracterizar o fenmeno. A
mobilizao de recursos voltada ao crescimento econmico e, a fortiori,
ao desenvolvimento no se apia em atores isolados uns dos outros, mas
supe articulaes concretas e a partilha de universos comuns.
Os pactos territoriais italianos (VEIGA, 2006, RITA; BONOMI,
1998), as polticas alems de diversificao territorial em reas de grande
concentrao industrial e a noo de dilogo social territorial (JOBERT,
2006) que, em toda a Europa, envolvem cada vez mais as centrais sindi-
cais, exprimem a atualidade estratgica das polticas territoriais (VELTZ,
2002). Nos pases europeus, as prprias polticas de inovao tecnolgi-
ca tendem, cada vez mais, a se afastar de uma abordagem setorial, em
benefcio de uma entrada territorial em que a mobilizao e os laos de
proximidade entre os atores sociais (empresas, universidades, sindicatos,
eleitos, funcionrios e sociedade civil organizada) esto na raiz de seu
dinamismo (MORGAN, 1996, 1999).
Isso significa que a maneira como uma regio utiliza seus recursos
no determinada apenas pelas decises soberanas de seus empres-
rios, mas recebe influncia do Governo e das foras sociais organizadas,
de suas expectativas e suas reivindicaes (TORDOIR, 2005). O neocor-
poratismo reala a importncia dos laos entre empresas, organizaes
de trabalhadores e Governos na constituio das polticas econmicas
contemporneas (THOMAS, 1993). Os estudos sobre capital social (PU-
TNAM, 1993; WOOLCOCK, 1998) tambm procuram explicar as condi-
es em que a cooperao entre grupos organizados contribui para criar
um ambiente de confiana favorvel aos investimentos e que acaba por
ser benfico ao processo de desenvolvimento. assim que Lin (2001, p.
19) define o capital social como investimento em relaes sociais com
expectativa de retorno no mercado. A interferncia de foras sociais or-
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ganizadas na prpria organizao empresarial destacada, tanto pela lite-
ratura neomarshalliana sobre distritos industriais (BAGNASCO; TRIGILIA,
1988, 1993, PYKE et al., 1990) como nas abordagens histricas a respeito
do ambientalismo corporativo nos Estados Unidos (HOFFMAN, 2001) e
na Europa (HOMMEL, 2004).
H, porm, uma notvel distncia entre os estudos que enxergam, na
cooperao social localizada, uma das bases dos processos contempor-
neos de desenvolvimento e as pesquisas sobre movimentos sociais, muito
mais voltadas aos conflitos e aos laos que permitem aes reivindicativas.
Tudo se passa como se movimentos sociais fossem decisivos em situaes
de contestao, revolta ou insurgncia, mas perdessem relevncia quando
grupos sociais em conflito no s convivem, mas so levados a elaborar
projetos comuns que acabam mudando o perfil do comportamento de
cada um. Tarrow, por exemplo, define os movimentos sociais, fundamen-
talmente pelo conflito2. Da mesma forma, Charles Tilly enfatiza as identi-
dades criadas a partir de situaes de conflito como a base analtica para
o estudo dos movimentos sociais3. O livro de Neveu (2005) uma apre-
sentao bastante completa das correntes contemporneas sobre o tema:
mesmo para os que estudam seus processos de institucionalizao, trata-se
de movimentos que se organizam contra diferentes formas de dominao
e opresso. O fortalecimento da vida democrtica em tantos pases do Sul
2 Contentious politics occurs when ordinary people, often in league with more influential citi-zens, join forces in confrontations with elites, authorities, and opponents. Such confrontations go back to the dawn of history. But mounting, coordinating, and sustaining them against powerful opponents are the unique contribution of the social movement (TAROW, 1998, 2005, p. 2).3 Charles Tilly (1988, p. 455-456) fez um rpido balano dos estudos sobre movimentos sociais, desde os anos 1960 e concluiu que, apesar das diferentes abordagens tericas e dos variados campos empricos de aplicao, os analistas convergiam na idia de que ...os movimentos depen-dem intimamente das redes sociais em que seus participantes j esto imersos, que as identidades desdobradas em conflitos coletivos so contingentes, mas cruciais, que os movimentos operam em estruturas dadas pela acumulao de compreenses partilhadas, que a estrutura de oportunidade poltica delimita significativamente as histrias de cada movimento social, mas que as lutas e os produtos dos movimentos tambm transformam as estruturas de oportunidades polticas.
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e do Leste Europeu no atenua o vigor oposicionista destes movimentos:
Goldstone (2004, p. 335) ope-se idia de que conforme ...mais grupos
ganhem acesso s instituies polticas e adquiram direitos garantidos, mais
a poltica institucionalizada substituiria o protesto como meio para que as
pessoas exeram influncia sobre os resultados polticos. Ele sustenta que
a democracia no torna o protesto e a violncia obsoletos. E neste senti-
do, para ele, que o mundo dos movimentos sociais expande-se nas socie-
dades contemporneas (GOLDSTONE, 2004, p. 361). A Universidade de
Minesotta tem uma coleo de livros cujo ttulo tambm enfatiza a luta e o
conflito: Social Movements, Protest and Contention.
Esta dicotomia entre a nfase da literatura sobre movimentos sociais
no conflito e o reconhecimento dos processos de cooperao subjacentes
ao desenvolvimento territorial (SCHEJTMAN; BERDEGU, 2007) envolve
um problema srio: a base sociolgica do desenvolvimento territorial no
est apenas na revolta e na insubmisso, mas na formao de coalizes
distributivas (ACEMOGLU; ROBINSON, 2005) pelas quais atores sociais,
ainda que em posies opostas, adotam horizontes estratgicos comuns
em torno de projetos compartilhados. Ora, o horizonte do conflito aberto
e permanente coloca o desenvolvimento territorial num impasse: ou ele
um processo que s pode ocorrer margem dos movimentos sociais e
no qual a participao destes distante, indireta e no intencional, ou
ento os movimentos sociais, quando se tornam protagonistas de decises
quanto ao uso localizado dos recursos sociais, esto, na verdade, traindo
sua causa, desfigurando-se, esvaziando sua capacidade de insubmisso e
seu prprio potencial de mudana social.
A literatura sobre movimentos sociais tem sistematicamente subestima-
do a importncia do desenho institucional e dos mecanismos de incentivo
em torno dos quais se organiza a participao social nos processos localizados
de desenvolvimento. A redemocratizao da Amrica Latina traz a marca
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daquilo que Jorge Castaeda (1993) chamou de exploso das bases: uma
ampla e cada vez mais institucionalizada participao de organizaes
populares na tomada de deciso quanto ao uso de recursos pblicos. Mas so
muitas as dvidas com relao aos resultados destes processos participativos
e, sobretudo, sua capacidade de estimular os elementos decisivos que carac-
terizam o desenvolvimento local: a aprendizagem e a inovao. claro que
a qualidade da participao social depende de razes histricas particulares
a cada situao e a cada pas. A tradio latifundiria e patrimonialista da
Amrica Latina constitui, evidentemente, uma base histrica que empurra
os processos participativos em direo ao clientelismo, ao uso privado dos
rgos governamentais e expresso de interesses particulares nas instncias
pblicas de negociao. claro tambm que esta no uma particularidade
dos movimentos sociais, mas atinge ainda com mais fora os segmentos
dominantes das sociedades latino-americanas. No por outra razo que,
ao discutir o tema da distribuio de renda, o prprio Banco Mundial coloca
nfase, em seus trabalhos recentes, no em mercado e eficincia e sim, em
poder e dominao (World Bank, 2003 e 2005).
A importncia desta constatao histrica, porm, no pode esca-
motear um elemento que tem sido pouco considerado na literatura sobre
a natureza e as conquistas dos movimentos sociais e que se refere aos
sistemas de governana que podem ser tanto capazes de estimular que a
participao se organize em torno de processos inovadores e de apren-
dizagem, como tambm de incentivar o uso montono, repetitivo e com
limitada capacidade de transformao social dos recursos.
Por que razo organizaes oriundas de movimentos sociais no
caso deste texto, da luta pelo fortalecimento da agricultura familiar no
Brasil adotam posturas e alcanam resultados to diferentes, umas das
outras, em suas prticas participativas? Este texto procura responder a esta
pergunta, a partir do estudo de duas organizaes brasileiras representati-
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vas de movimentos sociais voltados ao fortalecimento da agricultura fami-
liar: a recm criada Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
FETRAF4 - e o cooperativismo de crdito, igualmente originrio do Sul
do Pas, dos mesmos movimentos sociais em que se baseia a FETRAF e
que logrou construir, no sistema CRESOL de Crdito Solidrio, um sistema
hoje com mais de 70 mil scios nos trs Estados do Sul do Brasil.
O sindicalismo de trabalhadores rurais exprime movimentos sociais
genunos, est na origem de mudanas decisivas na correlao de foras
entre grupos sociais (a favor de segmentos mais pobres), mas tem limitada
capacidade de interferir sobre os elementos bsicos que definem os pro-
cessos localizados de desenvolvimento. Mesmo sua pauta nacional faz dele
uma organizao de carter cada vez mais setorial, exprimindo reivindica-
es dos segmentos profissionais que representa. Com isso, o sindicalismo
volta-se satisfao de demandas de suas bases sociais fundamentalmen-
te crdito para os agricultores familiares mas pouco contribui para prticas
inovadoras e para a elaborao de projetos ambiciosos, capazes de alterar
de forma sensvel as realidades locais em que atua. Sua presena nacional
, assim, marcada, no por um projeto estratgico expressivo quanto or-
ganizao do meio rural apesar de uma retrica centrada na construo
de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Sustentvel e Solidrio 5 - e
sim, pelas reivindicaes profissionais que leva ao Governo.
J as cooperativas de crdito egressas da mesma matriz poltica,
cultural e ideolgica que o sindicalismo, ou seja, o movimento das Comu-
nidades Eclesiais de Base, decisivas na luta pela democracia em diversos
4 A FETRAF constitui-se inicialmente no Sul do Pas, em regies de predomnio social e econ-mico de unidades familiares de produo na estrutura da produo agrcola. Hoje ela possui 93 organizaes de base (sindicatos e associaes) que atuam em 288 municpios do Sul do Brasil. Em 2005, passa a existir como organizao nacional e elege uma presidente mulher (fato indito no movimento sindical de trabalhadores rurais) do Estado da Bahia.5 http://www.fetrafsul.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=35 Extrado da Internet em 12/03/2007.
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pases latino-americanos desde os anos 1970 (MAINWARING, 1986)
apiam seu sistema de governana em mecanismos de incentivo, mar-
cados por aquilo que Mark Granovetter (1974/1995) chama de fora
dos laos fracos, o que lhes abre horizontes em que a aprendizagem
e a inovao do a tnica e determinam comportamentos muito mais
construtivos com relao aos processos localizados de desenvolvimento.
A explicao destas diferenas decisivas para o processo territorial
de desenvolvimento no est apenas no fato de as cooperativas serem
organizaes diretamente econmicas, enquanto que os sindicatos so
apenas economicamente influentes, para usar a terminologia de Max
Weber6. Ela tem razes histricas profundas marcadas pela permanente
confuso entre o pblico e o privado e pela imensa dificuldade de que
o Estado responda a parmetros universais e republicanos de funciona-
mento em sociedades marcadas to profundamente pela desigualdade. A
fora desta explicao histrica no pode, porm, conduzir paralisia:
fundamental que se examinem os sistemas de governana tanto no que
se refere s organizaes como a suas modalidades de participao social
na gesto pblica a partir dos quais se moldam os incentivos determi-
nantes dos comportamentos coletivos.
As formas institucionalizadas de participao social em processos
localizados de desenvolvimento empurram os movimentos sociais em di-
reo a prticas reivindicativas em que a inovao, a aprendizagem, a
construo de projetos inovadores so praticamente inexistentes. As coo-
perativas de crdito conseguem escapar desta monotonia, em funo de
um sistema interno de governana e de modalidades externas de controle
que fazem da avaliao um elemento decisivo de sua existncia.
6 Ver o primeiro pargrafo do captulo II de Economia e Sociedade, de Max Weber (1978). Ver tambm Swedberg, 1998, p. 40.
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O poder da participao
Se o desenvolvimento a ampliao das capacidades e das liber-
dades dos indivduos (SEN, 2000), difcil conceb-lo sem que a partici-
pao cidad na vida social aumente e se fortalea. Em importante texto
sobre o tema, Peter Evans (2004) lembra que o enfoque das capacidades
enfatiza as instituies que estimulam debate e intercmbio pblicos.
A insistncia de Amartya Sen em distinguir crescimento econmico de
desenvolvimento traz, assim, uma clara consequncia tica e poltica: no
processo de desenvolvimento, a participao no apenas instrumen-
tal, mas representa um valor a ser preservado e ampliado por si s. A pro-
ximidade com a idia habermasiana de esfera pblica ntida (HABER-
MAS, 1989). Ela exprime uma das capacidades centrais dos indivduos.
Os trabalhos mais recentes do Banco Mundial insistem na idia de
que impossvel conceber a luta contra a pobreza, sem a distribuio dos
ativos que podem mudar a insero social dos mais pobres e que esta
distribuio envolve, antes de tudo, poder7. Da mesma forma Ribot e
Peluso (2003) mostram que mesmo o acesso a bens pblicos depende de
poder. Portanto, sem participao social, sem mudana na maneira como
as decises a respeito dos recursos so tomadas, as chances de vitria na
luta contra a pobreza so reduzidas.
Isso quer dizer que o poder no depende apenas de eleies ou de
controles legais institucionalizados. Os cientistas polticos Catalina Smulo-
vitz e Enrique Peruzzotti (2000, p. 7) apontam os limites das duas formas
convencionais de participao poltica. O controle (accountability) ver-
7 Dois documentos recentes do Banco Mundial (DE FERRANTI et al, 2003 e World Bank, 2005) manifestam claramente o ponto de vista, segundo o qual, na raiz da desigualdade encontram-se no apenas distores no funcionamento dos mercados, mas, antes de tudo, relaes de poder entre grupos dominantes e grupos subordinados.
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tical materializado nas eleies e o controle (accountability) horizontal
expresso no sistema de checks and balances, constitudo pelas relaes
entre os diversos poderes do Estado e do Governo so nitidamente insu-
ficientes para promover a participao democrtica. As sociedades con-
temporneas desenvolveram um controle societal que no eleitoral,
ainda que baseado num mecanismo vertical de controle, que repousa so-
bre a ao de mltiplas ordens de associaes cidads e movimentos, da
mdia, aes que tm o objetivo de expor os erros do governo, trazer no-
vas questes agenda pblica ou ativar a operao das agncias horizon-
tais. Em seu ltimo livro, Peruzzotti e Smulovitz (2006) procuram mostrar
que, por trs do panorama sombrio que to freqentemente a Amrica
Latina oferece ao observador de seu futuro poltico, escondem-se iniciati-
vas de controle social que formam importante contrapeso aos dficits das
democracias do Continente. Seus atores so associaes cvicas, ONGs,
movimentos sociais e a imprensa, habitualmente negligenciados pela lite-
ratura de accountability (PERUZZOTTI; SMULOVITZ, 2006, p. 12).
O otimismo de Smulovitz e Peruzzotti sobre o controle social como
forma de fortalecimento da democracia dificilmente contestvel nos te-
mas aos quais se referem: direitos humanos, segurana pblica e busca de
honestidade e transparncia no comportamento da administrao estatal.
Os casos expostos em seu livro mostram, com efeito, que a participao
cidad, nestes domnios, contribui para o fortalecimento da cidadania e
do prprio Estado democrtico na Amrica Latina.
A coisa muda de figura, entretanto, quando no se trata apenas de
controlar8, de exigir prestao de contas ou comportamentos adequados
8 The concept of political accountability refers to the responsiveness of governmental policies to the preferences of the electorate (PERUZZOTTI; SMULOVITZ, 2006, p. 6). The mechanis-ms of social accountability are oriented toward making governments legally accountable. They entail a diverse group of civil society initiatives and media exposs organized around demands for the rule of law and due process (PERUZZOTTI; SMULOVITZ, 2006, p. 11).
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administrao estatal, mas de interferir diretamente nos procedimentos
por meio dos quais o Governo decide usar e alocar os recursos e os qua-
dros tcnicos de que dispe. Em outras palavras, as dificuldades da parti-
cipao social aparecem quando ela pretende tornar-se um componente
decisivo nas decises sobre o uso dos recursos materiais de uma regio.
A, os especialistas podem ser divididos em dois grandes campos.
A vertente otimista: participao como valor
Por um lado, esto os trabalhos que enxergam na participao so-
cial organizada9 um elemento decisivo no apenas de democratizao da
vida pblica e de controle dos cidados sobre os administradores, mas
tambm de melhoria da qualidade das decises tomadas. Esta melhoria
se enraza na necessidade de os gestores levarem em conta os interesses
manifestados pelos cidados na ruptura com padres autoritrios de to-
mada de decises, naquilo que Albert Hirschmann (1970) expressou no
conceito de voice, ou seja, a capacidade de que as demandas sociais dos
indivduos e dos grupos apaream diretamente por meio de suas prprias
iniciativas e no mediatizadas pelos mercados em que estas iniciativas
eventualmente se inserem. No caso brasileiro, sade (COELHO, 2006),
educao (SOUZA, 2005) e gesto ambiental (JACOBI, 2004) esto entre
os campos em que mais prosperaram estudos que exprimem esperana
na participao para melhorar a gesto pblica, na Amrica Latina.
Trabalhos mais ambiciosos e mais otimistas sobre a gesto cidad
dos negcios pblicos foram feitos em torno de diferentes modalidades
de oramentos participativos, que se difundiram pelo Brasil a partir da
9 Os processos participativos tm, com muita frequncia, uma forma piramidal: alm das organizaes locais, os movimentos sociais participam em diferentes planos e tambm nacio-nalmente sobre a formao e o destino dos recursos envolvidos em diversas polticas pblicas.
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segunda metade dos anos 1990 (NAVARRO, 1999, WAMPLER, 2005,
BOSCHI, 1999). Fung e Wright (2003), por exemplo, inserem Porto Ale-
gre num conjunto de quatro experincias expressivas de interferncia
direta da cidadania organizada nas decises de governo: conselhos de
vizinhana nos bairros pobres de Chicago, preservao da biodiversidade
em reas sensveis nos Estados Unidos (no mbito da Endangered Species
Act) e um sistema que guarda semelhana com o de Porto Alegre em
Kerala, na ndia. Nos quatro casos, apesar das diferenas, Fung e Wright
(2003, p. 5) falam de empowered participatory governance (governana
baseada no poder da participao social), a partir do compromisso e
das capacidades das pessoas comuns de tomar decises importantes por
meio de deliberao arrazoada (reasoned deliberation) e dotada de poder
porque tentam vincular a discusso com a ao (2003, p. 5).
Os exemplos desta viso otimista e mesmo de uma verdadeira
apologia dos conhecimentos e das prticas locais, to marcante na obra
de Robert Chambers (1994 e 1997) 10 so inmeros. Mas tornam-se
cada vez mais expressivos os estudos que levantam dvidas com relao
aos resultados desses processos participativos.
A vertente ctica: uma doena infantil?
Mesmo os autores que podem ser classificados entre os otimistas,
mostram que a participao social est longe de uma panacia. ntido
o contraste, por exemplo, entre a experincia to positiva do Oramento
Participativo de Belo Horizonte e os problemas enfrentados em Salvador
(BOSCHI, 1999). Wampler (2005) tambm mostra o contraste entre Porto
10 So muito importantes as crticas de Francis (2001) e de Mohan e Stoke (2000) viso idealizada de Robert Chambers, que conduz a uma apologia acrtica da participao social e faz abstrao de seu real contedo de poder.
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Alegre, Recife e So Paulo, tanto mais interessante que, nos trs casos,
foram gestes apoiadas explicitamente sobre movimentos sociais. Alm
disso, um conjunto expressivo de trabalhos internacionais coloca dvi-
das importantes sobre a contribuio de projetos guiados pela demanda
comunitria democratizao da vida pblica e maior eficincia no
uso dos recursos. bem verdade, como sublinha Boschi (1999), que no
existe uma teoria capaz de explicar por que, em certas situaes a parti-
cipao social produz resultados interessantes e, em outros, decepciona
tanto. Mas a participao social, por si s, no condio suficiente para
que o planejamento dos recursos seja democrtico nem eficiente. Veja-
mos a questo mais de perto.
Referindo-se experincia do Oramento Participativo de Salvador.
Boschi (1999) mostra que em seu formato atual, o OP tem sido captu-
rado por agentes polticos com maior capacidade de mobilizar recursos,
reproduzindo em seu mbito aes polticas de corte clientelista. Aquilo
que se toma como participao social, muitas vezes exprime o domnio
de certas organizaes, articuladas em torno de posies e interesses. A
poltica pblica, por a, passa a definir-se pelos interesses de grupos, pelas
disputas entre seus diferentes segmentos e pela maneira como sero dis-
tribudos recursos humanos e materiais para satisfazer suas reivindicaes.
bem verdade que a participao social abre caminho para que gru-
pos socialmente dominados passem a exercer algum tipo de poder sobre
as decises governamentais. Mas o risco que em vez de esta influncia se
traduzir na elaborao de polticas pblicas, ela se materialize no esforo
permanente de colocar a mquina administrativa a servio das reivindica-
es e dos interesses deste segmento social. Os conselhos de participao
como bem mostra Cortes (2005) podem tornar-se, assim, mecanismos
restritos de representao de interesses. Os interesses particulares esto ex-
pressos, mas no se universalizam, no tm a capacidade de formular aspi-
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raes que vo alm daquilo que os representantes do grupo so capazes
de formular imediatamente como suas aspiraes mais urgentes.
A participao pode ser uma das bases do planejamento, mas no o
substitui: o trabalho de Judith Tendler (1999) sobre fundos sociais insiste
neste ponto. Diante das insuficincias e da impressionante ineficincia
das organizaes participativas que ela examinou, Tendler reconhece que
estas organizaes poderiam melhorar seu desempenho, caso sua orga-
nizao fosse aprimorada, seu sistema de assessoria profissionalizado e
sua avaliao melhor concebida e executada. Mas isso teria fatalmente
um custo e a aparente virtude de organizaes muito baratas e capazes
de apontar a melhor alocao dos recursos se perderia. Em outras pala-
vras, o suposto atalho que torna o complexo exerccio do planejamento
uma atividade barata e simples tem o pesado custo de gerar projetos
pouco relevantes. O tema decisivo que Judith Tendler levanta : apesar
de suas evidentes virtudes cvicas, os projetos guiados pela demanda e
pela participao social no so necessariamente mais eficientes que os
convencionais, mas pior correm o risco de substituir o exerccio am-
bicioso do planejamento pela prtica tmida da atribuio de poderes
irreais a atores que no disporo dos meios de exerc-los de maneira
consequente, j que este exerccio incorreria na aquisio de habilidades
e em custos incompatveis com a prpria idia de pequenos projetos
guiados pela demanda comunitria. Mohan e Stokke (2000, p. 254),
igualmente, denunciam a iluso de que o foco no plano local, por si s,
capaz de reverter as intervenes anteriores nocivas que tratavam o local
como recipiente passivo. Mansuri e Rao (2004) tambm alertam quanto
s distores e esterilizao de recursos que podem estar embutidos na
idia de pequenos projetos guiados pela demanda comunitria.
Os trabalhos reunidos no importante livro organizado por Cooke e
Kothari (2001, 2004) vo na mesma direo: no existe qualquer garantia
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de que o exerccio de reunir foras organizadas e representativas de agri-
cultores familiares em conselhos responsveis por decises em torno da
alocao de recursos pblicos resulte em maior eficincia no uso destes
recursos. A oposio entre projetos de cima para baixo (top-down) e de
baixo para cima (bottom-up) pode confinar a ao social num localismo
sem horizonte e de pouca repercusso prtica.
Em suma, a literatura que coloca em dvida as virtudes incondicionais
da participao social no processo de desenvolvimento no se apia no pre-
ceito individualista de inspirao hayeckiana, segundo o qual a interveno
organizada ser sempre menos eficiente e menos inteligente que o sistema
de mercado. O que esta literatura destaca a importncia da qualidade desta
interveno organizada e pe em realce seus riscos. Ela critica, em particular,
uma viso romntica e apologtica, segundo a qual a abertura da possibilida-
de de participao social, por si s, tem um componente emancipatrio, uma
vez que se trataria de oposio aos setores socialmente dominantes.
claro que se pode argumentar que os exemplos aqui mencionados
so extrados de situaes em que a sociedade civil pouco organizada
e onde o patrimonialismo, a confuso entre as esferas pblicas e priva-
das da vida social d a tnica da atividade poltica. O problema desta
constatao que ela subestima a importncia daquilo que a economia
institucional chama de path dependence: uma vez institucionalizados em
torno de expectativas e incentivos que favorecem a captura dos processos
localizados por certos grupos, que desestimulam a inovao e a com-
petio e que tornam os recursos governamentais como expresses de
direitos sociais, a participao tender a reiterar os poderes, os hbitos,
os modelos de relaes entre atores em torno dos quais ela se estabilizou.
No se trata de uma doena infantil cuja correo vir com o passar do
tempo e a maturidade. A consequncia que o processo participativo
acaba distanciando-se das ambies de uma poltica de desenvolvimento
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territorial. interessante examinar, ainda que de forma resumida, o rumo
que o problema assumiu no Brasil rural, nos ltimos anos.
Os territrios da agricultura familiar
Num pas de tradio escravista e latifundiria, cuja modernizao
agrcola apoiou-se fundamentalmente na grande propriedade territorial,
a formulao de um Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) no incio do Governo Fernando Henrique Cardoso
em 1994, foi uma conquista democrtica decisiva. Sob presso direta do
sindicalismo de trabalhadores rurais e com sua participao decisiva, o
PRONAF organizou-se em torno de duas vertentes.
Em primeiro lugar, tratava-se de conseguir que bancos comerciais
passassem a oferecer crdito a um segmento at ento quase totalmente
excludo de suas operaes. Isso foi obtido por meio de mecanismos que
evitassem que os recursos subsidiados se dirigissem a segmentos no
visados pela poltica (mdicos, advogados, comerciantes que possuam
um stio de recreio, por exemplo). A influncia do movimento sindical
e da extenso rural sobre o destino e o uso dos recursos no respeito,
entretanto, lgica bancria - foi, neste sentido, decisiva (ABRAMOVAY;
VEIGA, 1999). Hoje o PRONAF tem uma clientela que j chega a quase
dois milhes de agricultores, praticamente a metade de todo o universo
da agricultura familiar brasileira. Esta vertente do PRONAF viveu sempre
uma tenso fundamental: ela procurava atender reivindicaes de agri-
cultores vivendo prximo linha de pobreza, mas por meio do sistema
bancrio. Como se trata de um pblico incapaz, por sua pobreza, de
oferecer garantias e contrapartidas aos bancos, foi montada toda uma
institucionalidade para viabilizar esses emprstimos que passavam pela
mobilizao local, mas tambm por um complexo sistema governamental
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de atribuio de subvenes e de eliminao de risco bancrio para os
emprstimos dirigidos a certas camadas de agricultores.
A segunda vertente do PRONAF bem mais problemtica. Ela de-
veria exprimir, em princpio, a dimenso territorial da poltica11: sua
inteno dotar as regies onde vivem os agricultores familiares de obras
de infra-estrutura e servios capazes de valorizar suas atividades econmi-
cas. Uma instituio financeira pertencente ao Estado (a Caixa Econmica
Federal) exerce o controle para evitar desvio destes recursos e verificar
se as obras contratadas foram realmente feitas. Entre 1994 e 2002, esta
vertente do PRONAF se dirigia a municpios selecionados. No Governo
Lula, ela passou a operar com grupos de municpios que, reunidos em
estruturas colegiadas (conselhos participativos) devem, em tese, elaborar
projetos comuns. Estas estruturas colegiadas fazem parte de um processo
mais geral de descentralizao de polticas pblicas, que atinge toda a
Amrica Latina e se exprime com especial vigor no Brasil: no incio dos
anos 2000 existiam no Pas nada menos que 27 mil conselhos gestores,
nos mais de cinco mil e quinhentos municpios brasileiros. A mdia de
conselhos por municpio era superior a quatro.
Pelo que indicam os estudos realizados no Brasil a este respeito, a
participao social dos agricultores nos conselhos de desenvolvimento rural
que passaram a organizar-se a partir de meados dos anos 1990, realmente
significativa. As decises quanto aos projetos elaborados apiam-se em reu-
nies realizadas nas comunidades. Apesar disso, os resultados destes pro-
jetos participativos so preocupantes. No h denncias de corrupo ou
desvios. Mas um sistema de alocao de recursos, cuja governana no se
volta para a qualidade, a aprendizagem, a inovao e a avaliao. O resul-
tado que os impactos localizados da oferta destas obras e servios so ir-
11 O Ministrio que responde pelas polticas voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar (o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio) possui uma Secretaria de Desenvolvimento Territorial, voltada elaborao, em todo o Pas, de projetos participativos baseados na demanda comunitria.
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relevantes. No entanto, em torno de sua obteno, organizam-se conselhos
participativos (locais, estaduais e nacionais) em que o movimento sindical
de trabalhadores rurais e muitas ONGs tm um poder decisivo e que toma
parte considervel de seu tempo e sua capacidade de mobilizao polti-
ca. Mas o sistema de governana dessas organizaes, seus mecanismos
de incentivo, so bloqueios ao aproveitamento da energia investida nesses
processos participativos. Cinco aspectos destes processos participativos de
formulao de projetos resumem os principais traos desta poltica12:
a) Apesar de sua denominao explicitamente territorial, a poltica , na
verdade, setorial. Fazem parte dos Conselhos apenas representantes de
agricultores familiares, membros de ONGs ligadas a este setor social,
componentes das Prefeituras, de rgos governamentais e, com frequ-
ncia, apenas da extenso rural pertencente ao Estado. Sob o pretexto
de impedir a contaminao das prticas destes agricultores pelos inte-
resses de segmentos sociais dominantes, os assim chamados Colegia-
dos de Desenvolvimento Territorial acabam sendo uma extenso da
prpria organizao sindical e de seus apoios locais, totalmente distan-
tes de outros segmentos sociais. A consequncia que os Colegiados
no exprimem o conjunto das foras vivas do territrio em que se orga-
nizam e no influem sobre as decises quanto ao uso de seus recursos.
Eles se voltam estritamente para seu pblico. Sob estmulo da poltica
estatal, so organizaes baseadas totalmente em laos fortes, para
usar a terminologia de Mark Granovetter. Seus projetos confinam-se
ao universo dos agricultores familiares e no recebem influncia de
outros setores sociais. Ora, cada vez mais evidente a importncia das
12 Estas observaes resultam de trabalho de campo realizado entre 2004 e 2006, antes, portanto, do lanamento do programa Territrios da Cidadania, que procura ampliar o leque de organizaes envolvidas com o tema. No faz parte dos objetivos deste texto avaliar espe-cificamente os Territrios da Cidadania, embora os problemas aqui expostos, evidentemente, tm repercusso sobre sua organizao atual.
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atividades no agrcolas (industriais, comerciais, de servios) nas regies
rurais, especialmente no Sul do Brasil, onde h um notvel processo de
industrializao descentralizada (GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI,
2001, SCHMITZ, 2004). Os prprios agricultores e, sobretudo, filhos
de agricultores envolvem-se de forma crescente com estas atividades.
No entanto, no h qualquer tentativa de influncia dos Colegiados
de Desenvolvimento Territorial no planejamento das iniciativas econ-
micas que no se refiram diretamente aos agricultores familiares. As
relaes com o mundo empresarial so totalmente inexistentes. Mes-
mo sob o ngulo ambiental, os colegiados no se pronunciam e no
procuram intervir em situaes em que a agricultura patronal poderia
ser levada a um uso mais adequado dos recursos. Em vez de formar
capacidades de planejamento com base na participao social, os Co-
legiados acabam sendo instncias de partilha de recursos pblicos en-
tre organizaes sindicais e ONGs para projetos cujo alcance social e
econmico irrelevante. No existe qualquer esforo no sentido de
dotar as instncias locais de capacidades de planejamento que possam
ir alm da expresso imediata de certas reivindicaes. Ora, isso tan-
to mais grave que, da mesma forma que, nos casos citados por Mosse
(2001), essas reivindicaes, longe de exprimirem conhecimentos po-
pulares autnticos e genunos, ao contrrio, mostram a submisso dos
grupos locais a uma lgica burocrtica de planejamento que no se
dota dos meios de formular ambies estratgicas e, por a, acabam se
rotinizando. O que se constri a aprendizagem voltada a lidar com as
exigncias da burocracia estatal e no, de formular questes que con-
duzam a inovaes no planejamento. Ora, como bem mostra Charles
Sabel (1994), a aprendizagem exige ruptura com as prticas correntes
de controle (monitoring), o que supe um sistema de incentivos vol-
tado explicitamente para esta finalidade. Nada mais distante de uma
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organizao de aprendizagem (SABEL, 2004) do que os conselhos
em torno dos quais se renem sindicatos, ONGs ligadas a agricultores
familiares e Governo, em suma, componentes de um ambiente social e
cognitivo conhecido e que tende, monotonamente, a repetir-se.
b) A delimitao dos territrios no provm da iniciativa local e sim, do
Governo, o que traz um srio problema de governana: o conjunto
de municpios no se juntou em funo de um projeto local, de uma
ambio ou de uma vocao em torno de certa marca de qualidade
ou de traos culturalmente distintivos do territrio. um conjunto que
resulta de uma deciso vinda do Governo Federal e que, portanto, no
traz a marca que poderia permitir o aproveitamento de atributos locais
de qualidade na valorizao dos prprios territrios. Na ausncia destes
traos comuns, a tendncia que os recursos dirigidos s regies sejam
partilhados entre organizaes a partir de projetos pulverizados e no,
com base na formulao de estratgias de desenvolvimento.
c) O processo de apresentao de projetos no competitivo. bvio
que estimular a competio entre regies com nvel de desenvolvimen-
to muito desigual seria perpetuar a desigualdade. Mas nada impediria
que, no interior de regies mais ou menos semelhantes, os projetos
passassem por formas de avaliao voltadas a premiar sua qualidade,
seu carter inovador, sua capacidade a ampliar o horizonte dos bene-
ficirios e a aprendizagem neles embutida. A excluso do carter com-
petitivo dos projetos refora sua tendncia rotineira e burocratizante:
seus autores so levados a elaborar aquilo que no escape das exign-
cias administrativas dos rgos federais de controle. Alm disso, a par-
ticipao social, neste caso, tende a traduzir-se sob a forma de uma es-
pcie de shopping list, um conjunto desarticulado de reivindicaes,
sem qualquer sentido estratgico para o processo de desenvolvimento.
d) muito frequente o financiamento de bens privados de uso coletivo:
um resfriador de leite, um pequeno frigorfico para carne, a sede de
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uma cooperativa, etc. Estes bens poderiam ser objeto de financiamento
bancrio e existe uma linha do PRONAF-Crdito especfica para tanto.
Mas claro que isso exigiria que o grupo local, responsvel pela gesto
coletiva destes bens privados, inspirasse no banco a confiana de que
os recursos sero bem utilizados e de maneira rentvel: os recursos
creditcios para esta finalidade so subsidiados, importante lembrar.
A transferncia de recursos para a aquisio de bens privados para uso
coletivo traz dois problemas centrais. Em primeiro lugar, subestima os
custos de transao, envolvidos na gesto coletiva: por todo o Brasil j
existe uma quantidade expressiva mas, infelizmente, no quantificada
de projetos inacabados ou simplesmente abandonados. Alm disso,
uma modalidade de transferncia de recursos que no estimula uma
discusso apropriada sobre a natureza dos bens pblicos necessrios
para superar os obstculos que se opem aos processos localizados de
desenvolvimento. So projetos que, em vez de ampliar as relaes en-
tre grupos sociais diferentes em torno de iniciativas voltadas a valorizar
atributos da regio, voltam-se a segmentos especficos, o que estimula
os processos de captura e a idia de que o desenvolvimento consiste
em atender a reivindicaes especficas de grupos locais13.
e) Os projetos levados adiante, no mbito dos colegiados de desenvolvi-
mento territorial no se expem avaliao externa. Assim, seu critrio
e seu parmetro de avaliao tendem a ser a prpria participao social
e o grau de satisfao que seus gestores observam na obteno dos
bens obtidos a partir desta participao. Mas no h qualquer mecanis-
13 Vai no mesmo sentido a observao de Cooke (2001) de que, nestes projetos coletivos, os indivduos tendem a assumir maior risco do que em projetos individuais, exatamente pelo fato de no arcarem com as consequncias do insucesso. Alm disso, diferentemente da opo em torno de bens pblicos levados adiante com base em critrios de inovao, estes pequenos projetos, com frequncia correspondem quilo que pode ser aprovado dentro dos limites esta-belecidos pelo oramento disponvel e no a um objetivo estratgico pensado coletivamente.
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mo que estimule os atores a aprender com a experincia e a avaliar os
efeitos mais gerais daquilo que esto fazendo.
Rotinizando a vida sindical
A maneira como se organizam os processos participativos tem influncia
decisiva sobre os comportamentos dos sindicatos, no plano local, e em sua
atuao poltica regional e nacional. O movimento sindical passa a viver
uma ambiguidade, uma tenso entre suas razes histricas, suas bases cul-
turais e polticas, por um lado, e sua pauta de reivindicaes, por outro.
Esta tenso ainda mais flagrante no caso da FETRAF. Com efeito, trata-se
de uma organizao cujos quadros originam-se das atividades das Comu-
nidades Eclesiais de Base e cuja matriz cultural sempre foi a de valorizar a
participao direta dos indivduos e dos grupos organizados nos negcios
pblicos. A formao da FETRAF em ruptura com outra vertente do mo-
vimento sindical brasileiro, a Confederao Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura se faz em torno da idia de que preciso evitar a burocratiza-
o do movimento sindical e que os dirigentes devem estar mais prximos
de suas bases. Mas os incentivos a partir dos quais os sindicatos se mobili-
zam, apontam em duas direes: em primeiro lugar, trata-se de mobilizar
bases locais para pressionar o Governo na atribuio de mais recursos para
as polticas de crdito. Uma vez que estas polticas estejam razoavelmente
consolidadas, a importncia desta presso social tende a declinar, salvo em
casos excepcionais, como, por exemplo, o de enchentes ou de secas. Mas
a fora criativa que conduziu formao de uma poltica nova quando
o PRONAF exigiu mobilizao local importante para que os Bancos pas-
sassem a estabelecer relaes com segmentos que no faziam parte de sua
clientela - vai esvaziando-se, conforme se rotinizam seus mecanismos es-
senciais de atribuio de recursos. Mesmo as iniciativas de negcios levadas
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adiante pela FETRAF - como, por exemplo, a formao de associaes para
a comercializao de produtos orgnicos baseiam-se nas possibilidades
de acesso a recursos pblicos e no em condies efetivas de viabilidade
econmica e de articulaes com outros segmentos sociais e econmicos
que possibilitassem o maior acesso aos mercados.
A segunda dimenso da atividade sindical est na participao nos
colegiados de desenvolvimento territorial. Aqui sim, poderia haver um
forte estmulo a que as organizaes sindicais tivessem comportamentos e
iniciativas voltadas inovao e aprendizagem. Mas o formato e os in-
centivos a partir dos quais se organiza a poltica tendem a provocar a roti-
nizao tambm das atividades ligadas a estes conselhos participativos. As
organizaes participativas acabam sendo, assim, um meio de afirmao
do poder de certos grupos junto a suas bases, a partir de sua capacidade
de obter recursos governamentais, ainda que dirigidos a projetos, cujos
impactos locais sejam, na esmagadora maioria dos casos, irrelevantes.
O resultado que a ao sindical, longe de exprimir um projeto
para o desenvolvimento rural do Pas conforme anunciam seus docu-
mentos e seu discurso confina-se a uma atividade de representao pro-
fissional cujas repercusses locais so, na maior parte das vezes, tmidas.
A FETRAF, por exemplo, tem projetos referentes formao de escolas
destinadas especificamente a filhos de agricultores, no modelo das Casas
Familiares Rurais e da chamada pedagogia da alternncia14. Entretanto,
no se v uma atuao vigorosa dos sindicalistas na defesa da qualidade
da educao pblica oferecida nos municpios a toda a populao. Ora,
imensa a quantidade de famlias de agricultores, cujos filhos estudam na
sede dos municpios. Mais que isso: somente a minoria, entre eles, ado-
14 A idia que os estudantes permaneam vrios dias na escola e, posteriormente, vrios dias em casa, onde recebero a visita de tcnicos que vo auxili-los (e ao conjunto da famlia) na execuo de novos projetos.
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tar a profisso paterna. Mas os sindicatos no se dotam dos meios para
discutir, de forma geral, a educao nos municpios e, de certa forma,
sublimam esta incapacidade, propondo medidas especficas e que atin-
giro sempre uma quantidade nfima de indivduos para uma educao
aos agricultores.
Os sindicatos esto ausentes das organizaes locais voltadas a for-
mular estratgias de desenvolvimento e que tenham carter multi-setorial.
O interessante que muitas vezes, dirigentes sindicais tornam-se prefeitos
ou secretrios de municpios e enfrentam, nesta condio, o desafio, por
exemplo, de propor polticas industriais para localidades rurais. Estas pol-
ticas mobilizam recursos pblicos sob a forma de concesso de terrenos
ou de isenes de impostos e resultam, com frequncia, em ampliao
e diversificao do mercado de trabalho, inclusive para filhos de agricul-
tores. No entanto, os sindicatos no tm qualquer interferncia em sua
concepo ou execuo. O mesmo pode ser dito a respeito de temas ge-
rais de cidadania como segurana pblica. Na sade, os sindicatos inter-
vm quando se trata do atendimento a agricultores e no em discusses
locais a respeito da organizao do sistema de atendimento populao
em geral. Abramovay, Magalhes e Schrder (2007) entrevistaram dirigen-
tes da regio Sul, durante o Congresso da FETRAF, em novembro de 2005
e constataram que 87% dos sindicalistas no tiveram qualquer reunio
com representantes de entidades empresariais ou para-empresariais de
seus municpios no ano anterior. Mesmo no grupo de Juventude du-
rante o ltimo Congresso da FETRAF15 a nfase das discusses e das
resolues concentrava-se muito mais nos temas especficos da reprodu-
o econmica da agricultura familiar (acesso terra e acesso ao crdito,
basicamente) do que em aspectos gerais ligados vida dos jovens no meio
15 Um dos autores do texto atuou como assessor desta sesso do encontro e teve oportunida-de de fazer discusses sobre o tema com os jovens ali presentes.
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rural, como, por exemplo, a educao. E em nenhum momento, durante
o Congresso, foram citadas as relaes com atores de outros segmentos
sociais que pudessem contribuir a uma ao conjunta, voltada melhoria
do ambiente educacional das regies rurais.
Longe de disputar a liderana em torno de concepes e decises
referentes aos interesses e projetos de desenvolvimento nas localidades
em que atuam e de construir o que Neil Fligstein (2001a) chama de ha-
bilidade social (ou seja, a capacidade de induzir os outros cooperao) nesta direo, os sindicatos ligados FETRAF concentram suas aes na
obteno de bens e servios destinados de forma exclusiva a suas bases.
Isso no deriva de incapacidade tcnica: o trabalho de Abramovay, Maga-
lhes e Schrder (2007) mostra que dois teros dos dirigentes sindicais da
regio Sul tm mais de oito anos de estudo e quase 15% entre eles cursam
ou cursaram uma Faculdade. Alm disso, estes dirigentes participam de
processos permanentes de capacitao e formao.
Laos fracos nas organizaes econmicas
Alm de organizaes reivindicativas como os sindicatos os movi-
mentos sociais da agricultura familiar deram lugar tambm a organizaes
diretamente econmicas: as cooperativas. Por mais que sejam expresses de
conhecimento e de saberes locais, elas se distanciam dos modelos preconi-
zados por autores como Robert Chambers (1994 e 1997) e pelas tcnicas
prprias ao Participatory Rural Appraisal. verdade que, em seu incio, estas
organizaes apoiaram-se em grupos locais de base e em critrios comunit-
rios para atribuir recursos. Mas, muito cedo, os dirigentes perceberam que a
submisso a estes saberes locais e a critrios estritamente locais na atribuio
de recursos, conduziria a um uso predatrio da ajuda internacional que
recebiam, o que resultaria na inviabilidade da prpria iniciativa.
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As cooperativas de crdito, formadas a partir de movimentos sociais
pelo fortalecimento da agricultura familiar procuram responder a uma
espcie de quadratura do crculo: por um lado, formam-se em torno de
certos objetivos polticos que pertencem ao domnio daquilo que Max
Weber chamava de racionalidade material ou substantiva16. Colocam-se
abertamente como instrumentos de democratizao do crdito, de am-
pliao das oportunidades para os mais pobres e de luta contra a pobreza
(os postulados valorativos, citados por Weber): so finalidades coerentes
com o ambiente organizativo, do qual resultam, fortemente marcado pelo
trabalho das Comunidades Eclesiais de Base e pelas lutas em torno da am-
pliao do acesso ao crdito. Neste sentido, so estimuladas a fortalecer
seus laos identitrios e aquilo que Granovetter caracterizou como laos
fortes. Apiam-se, assim, em pequenos grupos locais que avalizam so-
lidariamente o crdito e se baseiam em relaes de interconhecimento
para permitir o funcionamento destes grupos.
Ao mesmo mesmo tempo, porm, so organizaes econmicas
controladas diariamente (on line!) pelo Banco Central do Brasil. Obede-
cem, assim, plenamente ao que Max Weber chamou de racionalidade
formal da gesto econmica, e sua gesto responde a critrios de carter
mumrico e calculvel e que, portanto, no derivam no saber local e
dos laos localizados e vividos entre grupos que partilham de experincias
comuns. Longe, porm, de renunciar aos valores polticos nos quais se
originaram, a obedincia aos preceitos formais da racionalidade econ-
16 Chamamos racionalidade formal de uma gesto econmica o grau de clculo tecnica-mente possvel e que ela realmente aplica. Ao contrrio, chamamos racionalidade material o grau em que o abastecimento de bens de determinados grupos de pessoas (como quer que se definam), mediante uma ao social economicamente orientada, ocorra conforma deter-minados postulados valorativos (qualquer que seja sua natureza) que constituem o ponto de referncia pela qual este abastecimento , foi ou poderia ser julgado. (WEBER, p. 85). Para uma explicao mais detalhada destes conceitos, ver SWEDBERG, 1998.
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mica alcanada com base no fortalecimento de uma tica na qual a am-
pliao das oportunidades dos mais pobres permanece o objetivo central.
claro que as cooperativas como os sindicatos - se voltam fun-
damentalmente aos interesses setoriais de seus membros. Entretanto, sua
influncia suficientemente grande para que se apresentem junto a outros
atores econmicos como protagonistas diretos dos processos locais de de-
senvolvimento: esto presentes, por exemplo, em vrias reunies de pla-
nejamento levadas adiante por organizaes de outros setores econmicos
que no a agricultura. Frequentam reunies locais com organizaes como
as associaes comerciais e industriais. que, na organizao da vida eco-
nmica de seus associados, so obrigadas a conviver com outros atores
sociais locais, ao contrrio do movimento sindical que tende a organizar
suas bases fundamentalmente em torno de reivindicaes a serem aten-
didas, antes de tudo, pelo prprio Estado. Uma rpida exposio sobre a
formao destas cooperativas importante para compreender os impactos
de seus mecanismos de governana e de seus sistemas internos de incen-
tivo sobre sua participao nos processos localizados de desenvolvimento.
Foi em 1995 que um grupo de agricultores oriundos das lutas sociais
pelo fortalecimento da agricultura familiar no Sudoeste do Paran decidiu
formar uma cooperativa de crdito. Contaram, para isso, com apoio de
ONGs brasileiras e internacionais e tambm com a participao ativa de
sindicalistas. A iniciativa era ousada, pois significava construir uma orga-
nizao que se exporia ao controle do Banco Central e que no poderia
manter-se com base em recursos oriundos da cooperao internacional
ou do Governo17. Era algo totalmente indito para seus organizadores: o
campo - no sentido que Pierre Bourdieu (2005) atribui a esta expresso -
17 Uma vez que captam recursos financeiros de seus associados, sob a forma de depsitos vista ou a prazo, as cooperativas submetem-se a um controle semelhante quele a que se expem os bancos.
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estava totalmente dominado por instituies bancrias convencionais e,
antes de tudo, pelo Banco do Brasil. No era possvel que este minsculo
desafiante das organizaes dominantes deste mercado (este challenger,
diante dos incumbents, para usar a terminologia de Neil Fligstein, 2001b)
impusesse seus prprios padres de funcionamento vindos da solida-
riedade social, a marca das organizaes de crdito rotativo, at ento
organizadas e mantidas por grupos ligados s CEBs a um campo intei-
ramente dominado pelos princpios formais da racionalidade econmica.
Mas importante mencionar que o campo dos trabalhos sociais das
organizaes de que se originavam os atores que deram incio ao Sistema
CRESOL tambm estava dominado por uma completa averso s necessi-
dades da racionalidade formal da gesto econmica. Tanto assim, que as
diversas iniciativas de crdito rotativo apoiado por ONGs internacionais
resultavam sistematicamente em inadimplncia generalizada e continham
o risco de que seus emprstimos fossem atribudos em funo de proximi-
dade poltica com as organizaes que os concediam e no, por critrios
pblicos e universais. Pode-se dizer que estes fundos rotativos, animados
por grandes organizaes internacionais possuam os mais importantes de-
feitos que Judith Tendler (1999) localizou em seu j mencionado trabalho
sobre fundos sociais: sua capacidade de formulao de bons projetos era
precria, sua exposio a sistemas consistentes de avaliao quase nula,
ainda que fossem participativos e baseados na demanda comunitria.
A maior inovao das cooperativas consistiu justamente na unidade
sempre e necessariamente tensa entre estes dois mundos, o da solida-
riedade social e o da racionalidade econmica. E esta unidade no vem
das intenes dos atores, mas, antes de tudo, dos incentivos aos quais es-
to submetidos. As cooperativas de crdito souberam organizar aquilo que
os pesquisadores em microfinanas da Universidade de Ohio chamam de
tringulo da sustentabilidade (ZELLER; SHARMA, 1998): suas operaes
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chegavam a populaes at ento excludas do sistema bancrio; atingiam
proporo considervel dos agricultores das localidades em que atuavam e,
por fim, sua sustentabilidade financeira exprimia a consistncia econmica
das operaes por elas financiadas. Os agricultores pagam seus crditos
pontualmente, o que, por si s, um forte indicador de que os recursos
contribuem para fortalecer sua capacidade de gerao de renda. bem
verdade que parte das operaes do Sistema CRESOL vem da intermedia-
o de crditos governamentais (o PRONAF) altamente subvencionados:
mas nestas operaes o Sistema CRESOL no tem ganhos financeiros e no
poderia sobreviver se delas dependesse. num conjunto de operaes fi-
nanceiras de crdito (no subsidiado), poupana, depsitos bancrios e se-
guros voltados queles que no conseguiam estes servios com os Bancos,
que o Sistema CRESOL encontra os ganhos que permitem sua reproduo.
Hoje, o Sistema CRESOL de crdito solidrio formado por 104
cooperativas e rene 70 mil scios em 375 municpios dos trs Estados
do Sul do Pas. Suplantou o prprio Banco do Brasil, na distribuio de
crditos do PRONAF, na regio Sul do Pas. Seu funcionamento se apia
na valorizao da economia de proximidade, por meio da criao de
formas de garantia em grupo18: so os laos sociais diretos entre seus par-
ticipantes que permitem manter baixos os nveis de inadimplncia dos
associados, contribuindo no apenas para a sade financeira do Sistema,
mas para fortalecer os vnculos de confiana entre os agricultores e tam-
bm as relaes que os agricultores mantm com os fornecedores dos
insumos de que dependem, e os compradores de seus produtos. Mas,
ao mesmo tempo, seu funcionamento consiste em expor esta economia
de proximidade a parmetros distantes das realidades locais e aos quais
outras organizaes econmicas como os Bancos se submetem.
18 Para um interessante balano crtico da literatura sobre group lending, ver Aghion e Mur-doch, 2005.
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As caractersticas empresariais do Sistema CRESOL colocam seus
dirigentes e seus principais quadros em permanente situao de apren-
dizagem e, num contato com atores sociais variados, condio para que
possam oferecer novos produtos financeiros a seus associados e, por a,
manter sua prpria viabilidade econmica. O sistema no se conformou
em ser apenas um elo de repasse de crditos governamentais. Ao contr-
rio, h um esforo permanente para oferecer novos produtos e conquistar
novos pblicos. Exemplo disso foi a participao vitoriosa num processo
concorrencial em que seu concorrente direto era a Caixa Econmica
Federal para uso de recursos governamentais na construo de resi-
dncias destinadas a populaes vivendo abaixo da linha da pobreza. O
Sistema CRESOL ganhou a licitao pois seus custos para chegar a estas
populaes eram mais baixos que os das grandes instituies estatais for-
mais e fez desta intermediao financeira a base para um trabalho de
desenvolvimento junto a um pblico bem mais pobre do que aquele com
que trabalha e que estava excludo do sistema bancrio19.
Concluso
Tanto o sindicalismo de agricultores familiares como as cooperativas de crdito so organizaes representativas que se originam poltica e culturalmente de movimentos sociais. A representatividade, porm, no caso do sindicalismo, conduz as organizaes a insistirem permanente-mente em reivindicaes setoriais conhecidas e para as quais, a resposta do Estado j est organizada. Elas passam assim, no que se refere ao cr-dito, a funcionar como guardis de que uma parte do oramento pblico continue se destinando a manter os subsdios em que os financiamen-
19 Ver mais informaes no site do sistema CRESOL, http://www.cresol.com.br/site/.
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tos aos agricultores familiares se apiam. No que se refere elaborao de projetos, elas atuam no horizonte apenas de realizaes localizadas a favor de seu pblico. O formato da poltica governamental refora a rotinizao das prticas participativas e no estimula que as organizaes sejam levadas a se dotarem das capacidades necessrias a uma interven-o inovadora e com cujos sucessos e insucessos elas poderiam aprender.
J no caso das Cooperativas igualmente sadas dos movimentos sociais voltados ao fortalecimento da agricultura familiar e fortemente influenciadas por organizaes de base da Igreja Catlica - o sistema de governana e os incentivos a que se submetem afastam-nas, obrigatoriamente, do paroquia-lismo e as colocam em contato com universos dos quais seus integrantes no faziam parte: o controle do Banco Central o eixo de um processo perma-nente de avaliao e auto-avaliao, de busca de mtodos mais eficientes na gesto e de sustentabilidade financeira nas operaes. A incorporao de uma lgica de funcionamento que extrapola os parmetros da relao local um fator decisivo de abertura que permite a estas organizaes participar de diferentes instncias de discusso dos problemas regionais, em que procuram levar o ponto de vista de suas bases os agricultores familiares numa dispu-ta de espaos com outros segmentos sociais.
Os movimentos sociais influem sobre o desenvolvimento territorial por sua prpria existncia: eles so foras que atuam no sentido da demo-cratizao das oportunidades de gerao de renda, e sua extraordinria capacidade de construir organizaes econmicas mostra uma fora co-letiva empreendedora surpreendente. Mas o comportamento estritamen-te setorial do sindicalismo bloqueia a construo das habilidades sociais necessrias para que intervenham ativamente no processo mais geral de diversificao que caracteriza a regio. Pior: a atuao estritamente seto-rial dos sindicatos inibe sua contribuio mais geral democratizao das oportunidades. Os sindicatos no discutem, por exemplo, a educao nas regies rurais e a formao de um ambiente que, nelas, permita a valori-zao do conhecimento, mas apenas a educao especfica para os agri-
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cultores. Da mesma forma, as organizaes sindicais esto ausentes das instncias colegiadas que procuram formular projetos estratgicos para o desenvolvimento das regies onde atuam. As organizaes sindicais locais acabam tendo participao irrelevante na discusso de temas bsicos da vida local, servindo como base para levar adiante reivindicaes de car-ter nacional, discutidas por suas direes com o Governo Federal.
Nesse sentido, a poltica de desenvolvimento dos territrios rurais, apoiada exclusivamente por recursos do Governo Federal voltados ao for-talecimento da agricultura familiar, no garante uma estrutura de incenti-vos que amplie a atuao das organizaes sindicais na direo de novas oportunidades econmicas nos locais em que atuam ou de novos parceiros para as iniciativas que levam frente. A atuao apia-se nas demandas da agricultura familiar, e no leva em conta a diversificao do tecido eco-nmico dos territrios ou mesmo do papel que novos empreendimentos econmicos devem desempenhar para a insero desses agricultores.
J as cooperativas possuem sistemas internos de governana e res-pondem a incentivos que as obrigam, de forma permanente, a unir os laos fortes de que se originam os conhecimentos locais, a confiana resultante de experincias comuns, o sentimento de pertences mesma trajetria histrica a laos fracos de que depende sua existncia e que se materializam no permanente contato com tcnicos do Banco Central, na necessidade de fechar as contas, de lanar novos produtos finan-ceiros e de aperfeioar, permanentemente, seus sistemas de avaliao, luz da partilha de experincias externas. O resultado que o crculo de relaes sociais dos dirigentes cooperativistas muito mais amplo e diversificado que o dos dirigentes sindicais. Este um forte estmulo para que eles participem de instncias locais de planejamento territorial, dis-putando posies com outros segmentos empresariais e no como fa-zem os sindicatos e o Governo construindo espaos prprios em que as identidades so permanentemente fortalecidas, mas onde a irrelevncia prtica costuma ser a regra.
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Existem fortes razes para que a tradio dos movimentos sociais ligados s lutas dos trabalhadores tenha um vis francamente anti-patro-nal e encare, portanto, com desconfiana a participao em instncias colegiadas em que o conjunto das foras empresariais discute o destino dos recursos inclusive ambientais de que depende uma regio. Mas imaginar que o processo de desenvolvimento poder ser estimulado na ignorncia do que fazem os empresrios, por articulaes exclusivas na economia popular exatamente entregar o campo (BOURDIEU, 2005) econmico a interesses cuja dominao exclusiva pode ser contrabalan-ada pela formao de poderes que os enfrentam, como bem mostra a experincia do cooperativismo de crdito. A idia de que estas interven-es so irrelevantes e que as energias sociais bsicas devem concentrar-se na construo de um novo mundo do qual os grandes empresrios no fazem parte derrotista e afasta os movimentos sociais de sua pos-sibilidade real de serem atores cruciais do processo territorial de desen-volvimento. Felizmente, existem experincias com consistncia suficiente para mostrar que as finalidades do desenvolvimento que s podem ser de natureza tica, como bem lembra Ignacy Sachs (2002) tm nos mo-vimentos sociais os protagonistas decisivos de sua construo.
Representativeness and innovation in the management of the participatory processes: the case of the Brazilian organizations of family farmers
Abstract
Territorial development involves the organized participation of social actors in decisions regarding the use of the public and, largely, private resources of a region. Despite the obvious democratic virtues of the participatory processes, there has been a recent increase in the critical literature, questioning their results. This paper intends to reveal the tension experienced by the contemporary social movements: the conflict between representativeness and innovation. Representa-
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tive movements tend to consolidate and strengthen interests, and their institutio-nalization pushes them towards routine attitudes that often block their innovative potential. One way out of the impasses of the social movements is in the terms of management of the social participation focused explicitly on learning and innova-tion. Organizations coming from social movements are an essential part of the par-ticipatory processes. This article, based on the example of the Brazilian policy of strengthening family agriculture, examines two of those organizations whose origin is in the social movements: the Federao dos Trabalhadores na Agricultura Fami-liar - FETRAF (Federation of Workers in Family Farming), which is a trade union; and the CRESOL System of cooperatives for credit outreach. Both organizations stimulate participatory processes and are associated with government policies. In the case of the trade union, however, social participation does not result in inno-vation, and the ties with the government tend to restrict the movement to relations already known. As regards the credit cooperative, social participation and ties with the government are the result of incentives that encourage the strengthening of what the new economic sociology calls weak ties, and thus open the way to expand the very foundations of the processes of local development.
Keywords: Territories. Organizations. Family farming. Credit unions. Unions.
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Recebido: 31/10/2007
Aceite final: 10/04/2008