Marcio D’Antonio
ABISMO DAS VAIDADES
Coletânea de
Crônicas
Curitiba/Pr
1ª Edição – 2012
Marcio D’Antonio
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Copyrigth ©2012 – Todos os direitos reservados a:
Marcio José Rutes 1ª Edição
Janeiro 2012
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capa: fotografia de RAFAEL RUTES ALBERTI
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ABISMOS DAS VAIDADES – Coletânea de Crônicas
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APRESENTAÇÃO
O fascinante mundo das crônicas.
Algumas pessoas nem se dão conta, mas propiciam ou
presenciam crônicas fantásticas no seu dia-a-dia. Do
despertar ao adormecer, tudo o que acontece a sua
volta é um episódio capaz de compor um apetitoso
cardápio literário. Situações cômicas, outras nem tanto,
ou ainda trágicas, tristes, promovidas pelo ser humano
ou por qualquer outro elemento que movimente nossas
vidas, podem fazer parte do tempero deste estilo de
leitura cada vez mais apreciado.
Todo cronista é, inegavelmente, um observador do
comportamento, seja ele humano ou não, e sabe
traduzir em palavras e relatos breves tudo aquilo que
aguça sua curiosidade. O poder de síntese do cronista
deve ser elevado, e além deste fator, a capacidade
crítica também é um elemento determinante na
composição de uma crônica. Nem sempre o cronista
emite alguma opinião, deixando que o leitor faça suas
argumentações por conta própria. No entanto, e
acredito me enquadrar neste meio, alguns autores
preferem opinar ou até mesmo direcionar alguns fatos
do enredo. Seria isto um “pecado” que macula a
descrição do cotidiano, ou a liberdade que todo autor
deveria ter ao compor suas obras? Penso que isto cabe
unicamente ao leitor decidir.
Sou um mero iniciante neste mundo. Diria, em
percentuais, que sou 90% leitor/apreciador, e apenas
10% autor. Na realidade, não existem autores de
crônicas, e sim bons observadores e apaixonados pela
literatura. O autor real é aquele que propicia o fato
observado pelo cronista, que a seu modo, só tem o
trabalho de sintetizar e passar para o papel aquilo que
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viu. Obviamente, é neste momento em que a
criatividade e capacidade do cronista fará a diferença.
Eu continuo observando, lendo e aprendendo. Quem
sabe um dia possa me considerar um cronista de
verdade. Por enquanto, tento traçar minhas linhas de
mero “escrivinhador”.
Boa Leitura.
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AGRADECIMENTOS
A família e os amigos são o sustentáculo para qualquer
obra que alguém queira levar adiante por este mundo.
E comigo não seria diferente.
Este livro é dedicado a meu pai ANTONIO, minha mãe
EDOVIRGE, e, claro, ao meu filho FELIPE RUTES.
Tenho neles um direcionador para tudo, e jamais teria
começado a escrever se não tivesse qualquer um deles
ao meu lado.
Além da família, alguns amigos também são
responsáveis, e muito, por esta obra. O incentivo que
veio deles, em qualquer nível, foi determinante na hora
de tomar coragem e “mostrar a cara” para o mundo
literário.
Rendo minhas homenagens e agradeço enormemente a
OTILIA LINS, CELÊDIAN ASSIS, CACÁ (JOSÉ
CLÁUDIO ADÃO) E ANDRÉ BESSA, entre outros
tantos. Cada um deles me incentivou, me fez acreditar
em mim mesmo, isso quando eu próprio duvidava de
minha capacidade. São verdadeiros irmãos de letras, e
pessoas que despejam humildade e talento, sempre
dispostos a estender a mão para quem está
começando.
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FÉRIAS (E ALGUMAS MENTIRAS DE
PESCADOR)
Uma das coisas mais difíceis de fazer é você tentar
acreditar nos exageros que os pescadores utilizam ao
comentar as “façanhas” que realizam.
Janeiro é sinônimo de férias, mas sem pescaria, é como
se faltasse alguma coisa para ficar completo. Foi então
que, no dia dois de janeiro, recebi um convite
irrecusável. Pescar numa das chácaras mais belas e
disputadas da região metropolitana de Curitiba. Seu
Vitório e Dona Nena, descendentes de italianos, são
conhecidos pela famosa polenta com marreco, e atraem
turistas de todos os cantos. O vinho, feito
artesanalmente, é uma perdição, e o trato acolhedor
faz qualquer um ter vontade de não sair mais do lugar.
Para completar a tela, um rio ladeia toda a
propriedade, o que a transforma praticamente numa
ilha, e os peixes representam a fartura do lugar.
Equipamento de pesca no carro, repelente e protetor
solar na mochila, e começaram os exageros. Meus
companheiros de pesca, um farmacêutico e um
construtor, são pessoas acima de qualquer suspeita em
seus respectivos campos profissionais, mas quando se
trata de peixe, a coisa é bem diferente. Eles juraram de
pés juntos que já tinham conseguido a façanha de
pescar, nesse mesmo lugar descrito acima, mas de 300
lambaris em menos de 15 minutos. Não contentes com
a mentira inicial, ainda aumentaram, dizendo que cada
um deles havia pescado essa cota de 300. Duvidei, e
pedi alguma prova disso, e foi onde a mentira ficou
insustentável. Os peixes, num passe de mágica,
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desapareciam do samburá, o que impedia que a
pescaria fosse comprovada.
A cara-de-pau dos dois foi tão grande, que o
farmacêutico, descendente de japoneses, sorriu e
soltou a seguinte pérola: “sei não, mas acho que os
lambaris foram abduzidos por algum extraterrestre”.
Para encurtar a história e as mentiras que tive que
engolir pelo percurso, chegamos à chácara e fomos
quase imediatamente para a pescaria. Iscas prontas,
anzóis na água, e uma constatação. A mentira não era
tão exagerada assim. A quantidade de peixes era tão
grande, que abandonei dois dos caniços que tinha
armado e fiquei apenas com um, pois era impossível
atender aos três, tamanha era a quantidade de peixes.
Logicamente, aquele número de “300 peixes em 15
minutos” era um exagero, mas eu já estava quase
perdoando as mentiras daqueles dois. Não demorou
muito, e veio a segunda constatação. O sumiço dos
peixes também era verdadeiro.
Do nada, meu samburá, que já estava com uns 35 ou
40 peixes, esvaziou. Furado talvez, ou quem sabe a
malha era muito graúda e os peixes passavam através
dela? Àquela altura, já não existia mais mentira, mas
sim a minha irritação pelo fato de perder todos aqueles
peixes. Foi quando algo me chamou a atenção. Um
pouco mais adiante, entre algumas moitas, o capim se
mexia freneticamente, e alguns barulhos começaram a
se tornar mais intensos. Fui até lá e, meio de longe,
tive uma grata surpresa. Um casal de lontras, com três
filhotes, fazia a farra com meus peixes. Elas eram tão
acostumadas com os pescadores, que nem ligaram
para minha presença, e quando acabavam de comer o
que tinham carregado para os filhotes, iam até o
samburá e, com exímia habilidade, saíam com mais
uma bocada de lambaris. Mas, se eu conto essa história
para alguém, iriam me chamar de pescador mentiroso,
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e foi quando a maravilha da tecnologia moderna me
salvou. A câmera do celular. Foram 10 minutos da mais
bela filmagem, e a prova definitiva de que os
pescadores podem até aumentar, mas não mentem.
Só vai demorar um pouco para que eu possa colocar as
imagens do vídeo no meu blog. No meio da euforia
entre a pescaria e as lontras, uma nuvem de mosquitos
enormes nos atacou e me descuidei com o celular.
Quando me dei conta, os mosquitos haviam levado com
eles o meu celular. Uma pena. Mas dou minha palavra
de que não tem exagero nessa história.
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A MULHER PERFEITA
Em outra época, os pais educavam os filhos homens
para serem os provedores do lar. Normalmente, se
formavam broncos, machistas, e pouco ligavam se
tratavam ou não uma mulher com delicadeza. Grande
número desses homens nunca aprendeu a respeitar
uma mulher, principalmente aquela que ele mantinha
dentro de casa, a esposa, que vivia quase que num
cárcere. Mas, o tempo passou, e hoje, a maioria dos
filhos sequer mantém contato com o pai. Alguns nem
têm idéia de quem ele seja. A modernidade também
alterou e aumentou um pouco a capacidade do homem
em se mostrar sensível, e os machões de outrora, já
admitem muita coisa que antes seria verdadeira
heresia, como chorar ou se apaixonar, por exemplo.
No entanto, mesmo que a educação dessa época
passada fosse severamente direcionada para um lado
chauvinista, Carlos Eduardo, o Dudú, cresceu num
ambiente mais aberto. Filho de músicos, sempre teve
um contato estreito com as artes e letras. Sua situação
financeira não dava para gastanças exageradas, mas,
depois de formado, conseguiu manter uma condição
social relativamente boa. Sua aparência era a de um
atleta, coisa de genética, pois jamais praticou nada
além de caminhadas, e as garotas viviam suspirando
por ele e por seus cabelos aloirados. Ele, mesmo com
esse assédio, não passava das paqueras. Quando
argumentado se não pretendia casar, sempre repetia:
--Estou esperando a mulher perfeita, minha alma
gêmea, a outra metade da minha laranja.
E assim, o tempo passava. Boatos sobre sua condição
sexual eram constantes, e não era incomum alguém
afrontá-lo e tratá-lo de pederasta (o termo era comum
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no começo dos anos 80), o que o deixava fulo, mas,
mesmo assim, ele se controlava e continuava em sua
busca. Um dia, ela apareceria, sua mulher perfeita.
Certa vez, encontrou alguém que pensou ser sua
iminente pretendente. Morena, alta, belíssima e culta.
Não havia homem que não desatinasse por aquela
mulher, principalmente por ela ser de família de
posses, e muitas. Mas, para desespero geral, ela era
apaixonada pelo Dudú, e eles noivaram. Algum tempo
depois, a bela morena foi encontrada aos prantos na
praça da igreja, e espalhava aos quatro ventos que o
noivo a havia abandonado. Não contente, contou a
todos o motivo da separação: ela não era uma tampa
(a tampa da panela dele). E foi além, relatando que, no
alto de seus vinte e cinco anos, ainda era pura, e o
Dudú sequer se interessou pela questão. O falatório foi
geral, e o Dudú precisou mudar de cidade. Foi de São
Paulo para o Rio de Janeiro morar e trabalhar.
A cidade mudou, mas o assédio não. As mulheres
sobravam aos borbotões, e ele as tinha a sua bel
vontade. Mas, e quem disse que ele ligava? Ele queria
uma em especial, a mulher perfeita. E assim, chegamos
à virada do milênio, e o Dudu, aos seus cinquenta anos
de idade. Sua condição financeira melhorou, mas o
aspecto físico e os cabelos decaíram e caíram. As
mulheres já não se interessavam tanto, mas ele não
ligava. Ainda esperava aquela que o completaria.
E foi que, numa tarde de chuva, ele correu para se
esconder numa confeitaria e a viu. Era ela, e ele sabia,
pois um estrondo tomou conta de seu cérebro. Seu
corpo tremeu todo, e o suor correu em bicas,
parecendo acompanhar o retumbar do coração.
Mas, por que ela? Não tinha nenhum atrativo especial,
era baixinha, cheia de sardas, cabelo desgrenhado, o
comportamento não era lá dos melhores e, além do
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que, muito mais jovem. Mas, era ela, e ele tinha
certeza disso, mesmo sendo totalmente diferente de
tudo o que idealizou no transcorrer dos anos. Pensou,
olhou, analisou e achou um problema. Encontrá-la ele
já havia feito, mas como se aproximar?
Durante um mês, ele a seguiu, cercou, tentou se
aproximar, até que conseguiu. Descobriu seu nome:
Diana. E desmoronou de vez, apaixonado. Fez de tudo,
desde as flores, presentes, convites para passeio,
propostas de namoro, propostas menos descentes, e
nada. Até que um dia, já cansado de esperar, resolveu
abrir o jogo e se declarar apaixonado e querendo casar.
O que ele ouviu dela?
--Sai prá lá, tio. O que eu quero com um cinquentão?
Além do quê, estou atrás do homem perfeito, minha
alma gêmea, a tampa da minha panela, e
definitivamente, esse homem não é você.
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VACAS, MÉDICOS, ESPORTISTAS, CIENTISTAS E ATORES
Qual é a melhor profissão que existe? Ou então, qual é
a que melhor remunera? Pois saibam que, por mais que
se esforcem, ou não saberão me responder, ou se
surpreenderão e se irritarão frente a minha resposta. E,
mesmo diante de meu escasso tempo por estar
demasiadamente atarefado, garanto que profissão de
desenvolvedor web não é a melhor em nenhum
sentido.
Aqueles que me acompanham dos meus tempos de
Recanto das Letras, sabem que leio tudo, da literatura
clássica ao papel de bala, e sabem também que muitas
de minhas crônicas nascem na cadeira de minha
dentista. Pois bem, a de hoje não foi diferente. Eis que,
na saleta de espera, entre machos medrosos e
tremendo, e mulheres trançando comentários sobre
artistas e novelas, uma revista Veja (edição 2100 –
18/02/09) me atiça. E foi justamente ela que me
chamou a atenção e respondeu meus questionamentos
sobre profissões e remunerações. E a melhor profissão,
por certo, é a de ator, mas não qualquer ator.
Médicos, engenheiros, cientistas, advogados, dentistas,
psicólogos, etc., passam anos num banco de faculdade.
Depois disso, ainda precisam, dependendo da
profissão, montar consultórios ou escritórios e, como se
não bastasse, se atualizar constantemente. O preço
para se formar é astronômico, mesmo numa
universidade pública, e o tempo de retorno é enorme.
Alguns sequer conseguem o retorno. E repare que
muitos dos que citei, lidam constantemente com o ser
humano, e um mínimo erro pode ser catastrófico. É
justo não serem bem remunerados?
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Muito me irritava o fato de ver e saber sobre os salários
astronômicos de esportistas que pessimamente sabem
escrever o próprio nome. Não que eles não mereçam os
salários, mas é notória a disparidade de tempo
investido na formação desse profissional, do empenho
que se deve ter e, principalmente, na diferença de
responsabilidade que existe entre estes profissionais e
os do parágrafo anterior.
Não obstante, a melhor e mais rentável profissão passa
longe dos esportes, ao menos pelo meu ponto de vista.
Atuar na televisão, como ator ou atriz, é muito melhor.
Mas, para ser um artista de ponta, o tempo e o
investimento também são altos, e ainda há que se
levar em conta o fator “talento”. Cursos específicos são
necessários, e jamais se começa por cima. Atores
podem levar décadas para obter reconhecimento. Mas,
afinal, por que cargas d’água eu afirmo aqui que a
melhor e mais rentável profissão é a de ator?
Pasme com a resposta. Segundo a revista Veja, a vaca
(vaca mesmo, não estou brincando) que atuou na
novela CAMINHO DAS ÍNDIAS, (Rede Globo – 2009), e
que aparecia normalmente contracenando com Opash
(Tony Ramos), faturava, por dia, um cachê de R$
700,00. Não, você não se perdeu na leitura. Este era o
cachê diário da brasileiríssima vaca Emília. Além disso
tudo, ela tinha acomodações vip, alimentação
balanceada e todos os mimos dados aos grandes
artistas. Se multiplicarmos por 22 dias, que seria o mês
normal de trabalho da maioria das pessoas, esse belo
pedaço de alcatra ambulante faturava R$ 15.400,00 .
Imagino que as falas dela eram complicadas para
decorar, e as cenas, sabe-se lá, eram dificílimas para
interpretar. Além do quê, a agenda dessa “atriz” era
concorrida. Quanto ganhava, por mês, o veterinário
que tratava dela, e que gastou tempo e dinheiro para
se formar? Não me recordo, no entanto, do grau de
instrução da vaca.
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O fato é que, além de perplexo, fiquei curioso e fui
pesquisar sobre outro super-astro bovino. O Touro
Bandido. Este célebre “ator”, que interpretou ele
próprio na novela AMÉRICA, também da Rede Globo,
percebia a inacreditável quantia de R$ 40.000,00 por
apresentação. Há muita controvérsia sobre seu cachê
diário na Rede Globo, na época da novela, mas,
levando-se em conta que uma apresentação em rodeio
ou em qualquer outro lugar, era de um dia, suas
aparições não devem ter ficado com cachê diário muito
inferior a este valor. Quer mais? Tinha tratamento vip
24 horas por dia, com dieta balanceada e água mineral.
A natação era obrigatória e, duas vezes por semana,
seu casco era afinado com lixa especial e tratado com
iodo. Isso tudo, obviamente, sem contar as bajulações
que todo astro recebe. Para o transporte do
quadrúpede empolado, seu dono adquirira, na época,
uma carreta especial de 14 metros de comprimento,
totalmente decorada interna e externamente, com
suspensão a ar, e o assoalho era recoberto com feno,
numa tentativa de proteger os cascos. O valor desse
veículo? R$ 1.000.000,00 .
Pense rápido, ou não, e me responda. A profissão de
“vaca atriz” ou “boi ator”, é ou não a melhor e mais
rentável que existe? Falando nisso, você está contente
com seu salário?