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LILIAN DA ROSA
A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA
PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
CAMPINAS
2015
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
LILIAN DA ROSA
A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA
PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
Profª. Drª. Lígia Maria Osório Silva – Orientadora
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico,
área de concentração em História Econômica do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Cam-
pinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, na área de concentração em
História Econômica.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA LILIAN
DA ROSA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. LÍGIA
MARIA OSÓRIO SILVA.
CAMPINAS
2015
iv
v
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
LILIAN DA ROSA
A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA
PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
Defendida em 24/02/2015
COMISSÃO JULGADORA
vii
À memória póstuma do tio Valdir, pelas várias cuias que compartilhamos.
ix
Agradecimentos
Confesso que, ao contrário do esperado, como última tarefa deste trabalho, não foi fácil
redigir estes agradecimentos. Como relembrar os nomes daqueles que, de alguma forma, contri-
buíram? Como agradecer todos? Como não ser injusta com ninguém? A realização desta pesqui-
sa só foi possível graças à ajuda de muita gente. Mesmo! De pessoas que possibilitaram a minha
vinda a Campinas e que, com isso, abriram-me as portas para fazer o mestrado na Unicamp. Dos
colegas que me ajudaram (sou historiadora de formação) a fazer um mestrado na área de econo-
mia (tarefa árdua, especialmente no início). De amigas que, quando eu estava na condição de
aluna especial e sem bolsa, acolheram-me em suas casas gratuitamente, pois me faltava o dinhei-
ro do aluguel. De amigos que, com sua presença, tornaram a minha estadia em Campinas mais
leve e prazerosa. Enfim, todos aqueles que de alguma forma, nesses últimos anos, compuseram e
atuaram no campo da minha “vida material”. Assim, sou muito grata a essas pessoas e espero que
as mesmas compreendam os motivos pelos quais seus nomes não estão citados aqui: incorria o
risco destes agradecimentos ficarem maior do que a própria dissertação. Desse modo, optei por
mencionar apenas aqueles que estiveram diretamente relacionados com a sua produção.
À Lígia Osório Silva, obrigada pela paciência, dedicação e alegria com as quais me ori-
entou. Também sou muito grata por toda a liberdade que me concedeu ao longo da pesquisa. Vo-
cê sempre respeitou o tempo necessário para que as minhas inquietações, aos poucos, ganhassem
novas feições e se transmutassem em conhecimentos um pouco mais amadurecidos.
Aos membros da banca de qualificação, Milena Fernandes de Oliveira e Denis Macari,
agradeço pelas primeiras sugestões para o aperfeiçoamento do trabalho. Aos membros da banca
de defesa, Márcia Eckert Miranda e Milena Fernandes de Oliveira, agradeço pela leitura crítica e
pelas considerações finais, extremamente pertinentes. Foi muito bom ouvi-las e poder contar com
vossas experiências.
Agradeço às instituições que permitiram a realização deste projeto, a saber: o Instituto de
Economia da Unicamp, com sua infraestrutura física e com seus técnicos, professores e funcionários
– aproveito, nesse caso, para fazer um agradecimento especial aos funcionários da secretária e da
biblioteca, todos extremamente gentis e eficientes, sempre que solicitados; a Capes e a Fapesp,
pelo financiamento que me deu condições à dedicação exclusiva por um período de 2 anos; e os ar-
quivos do Rio grande do Sul (Arquivo Público, Arquivo Histórico, Arquivo Hipólito da Costa e
x
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul) que permitiram o contato com as fontes primárias,
fundamentais para esta pesquisa – sem a ajuda dos funcionários e dos estagiários dessas institui-
ções, este trabalho teria sido bem mais custoso.
Aos meus pais, Iolanda e João, e ao mano Tiago, donos de uma trajetória ímpar de es-
forço e dedicação, agradeço pelos exemplos de vida que, hoje, também refletem um pouco do que
sou e agradeço pela compreensão e apoio constantes, mesmo que à distância.
Obrigada, Thiago Bulhões, por ajudar na organização do meu texto, assim como fez e
ainda faz com nossa vida. Sou grata à sua dedicação incansável e à você também dedico esse
trabalho.
xi
“... e, assim, do pouco dormir e muito ler se lhe secaram os miolos,
de modo que veio a perder o juízo. ”
(Miguel de Cervantes Saavedra)
xiii
RESUMO
O presente trabalho analisa como ocorreu a formação e trajetória do setor ervateiro na Província
do Rio Grande do Sul, no período compreendido entre 1822 a 1889, e, por conseguinte, identifica
os impactos e desdobramentos da emergência desse novo ramo econômico para a política, a soci-
edade e a economia rio-grandense. Essa perspectiva de análise foi abordada a partir de dois as-
pectos: o socioeconômico e o político. Com respeito ao socioeconômico, considera-se a coloniza-
ção, o comércio externo, o aumento populacional, a participação do Estado, as relações de traba-
lho - divisão e remuneração – e os meios de produção. Com respeito ao político, leva-se em conta
a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai, conflitos que abalaram a Província durante o
Império. A identificação dos impactos desses agentes sobre a economia e a sociedade ervateira
rio-grandense é importante para entender as transformações que ocorreram nesse setor econômico
e seus reflexos no desenvolvimento regional.
Palavras-chave: Rio Grande do Sul; Erva-mate; História Econômica.
xv
ABSTRACT
This work deals with the generation and the paths taken by the economic sector of yerba-mate at
the Province of Rio Grande do Sul, between 1822 and 1889, and, thereafter, identifies the im-
pacts and developments of emergence of this new sector for the politics, society and economy of
the Province. The analysis came from two points of view: the socio-economic and the political.
With respect to the first point, it taken into account the colonization, foreign trade, State actions,
labor relations and means of production. With respect to the second, it taken into consideration
the Ragamuffin and Paraguayan Wars, both conflicts that shook the Province during Empire of
Brazil. The recognition of the consequences of these agents on the economy and society of the
yerba-mate is an important step to understand the changes that occurred in this economic sector
and its effects on regional development.
Keywords: Rio Grande do Sul; Yerba-mate; Economic history.
xvii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 – Mapa das áreas de ocorrência natural da erva-mate. ............................................... 10
Figura 1.2 – Gráfico dos volumes de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau. ............ 13
Figura 1.3 – Gráfico dos valores de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau. .............. 15
Figura 1.4 – Mapa da localização das fábricas de erva-mate. ...................................................... 22
Figura 1.5 – Mapa das regiões de ervais ainda inexplorados. ...................................................... 29
Figura 2.1 – Mapa das áreas de colonização no Rio Grande do Sul. ........................................... 45
Figura 2.2 – Gráfico de evolução dos preços de terras no planalto rio-grandense. ...................... 46
Figura 2.3 – Imagem de anúncio de venda de terras. ................................................................... 57
Figura 3.1 – Mapa dos ervais paraguaios. .................................................................................... 71
Figura 3.2 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos de 1856-1863. 74
Figura 3.3 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1856-1863. .... 75
Figura 3.4 – Gráfico do Preço de exportação dos produtos nos anos 1856-1863. ....................... 76
Figura 3.5 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870. ..... 81
Figura 3.6 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870. .... 82
Figura 3.7 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1864-1870. ....................... 83
Figura 3.8 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878. ..... 86
Figura 3.9 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878. .... 88
Figura 3.10 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1871-1878. ..................... 89
Figura C.0.1 – Gráfico do valor de exportação da erva-mate durante o Império......................... 93
Figura C.0.2 – Gráfico do volume de exportação da erva-mate durante o Império. .................... 94
Figura A.1 – Criação da Fábrica de erva-mate. Jornal O Povo. Piratini, nº 14, 17 out. 1838. ... 108
Figura A.2 – Exportação e importação. Jornal O Povo. Piratini, nº 15, 20 out. 1838. ............... 109
Figura A.3 – Jornal O Povo. Caçapava. P. 208, nº 51. Em 26 de março de 1839. .................... 110
Figura A.4 – Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 01. ............. 111
Figura A. 5 – Exportação. Jornal A Reforma. Porto Alegre. 22 agosto. 1869. . nº.52. p, 4. ..... 112
Figura A.6 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 182 A,
Maço 60, Cx. 28, de1 4 de agosto de 1852. ................................................................................. 117
xviii
Figura A.7 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº
123 a. Lata 124, sem data. ............................................................................................................ 118
Figura A.8 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras
da Freguesia de Cruz Alta. N.º 578, de 19 de junho de 1856. ..................................................... 119
Figura A.9 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras
da Freguesia de Cruz Alta. N.º 794, de 12 de junho de 1857. ..................................................... 120
Figura A.10 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras
da Freguesia de Cruz Alta. N.º 813, de 02 de abril de 1857. ....................................................... 121
Figura A.11 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras
da Freguesia de Cruz Alta. N.º 818, de 01 de maio de 1857. ...................................................... 122
Figura A.12 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de medeiros.
Índice das leis promulgadas pela Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande
do Sul. (1835 a 1851). Tipographia Riograndesne - praça da Alfandega n.4 . 1872 ................... 124
Figura A.13 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros.
Collecção das Leis e Resoluções da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXII. 2º
sessão da 12º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1867. ..................................................... 126
Figura A.14 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros.
Collecção dos Actos, regulamentos e instruções expedidos pelo presidente da Província do Pedro
do Rio Grande do Sul no ano de 1875. Typ. do Jornal do Commercio. 18177. ......................... 130
xix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 1
1 ASPECTOS DA ECONOMIA E DA CULTURA ERVATEIRA ................ 5
1.1 A ECONOMIA NO BRASIL IMPÉRIO ................................................... 5
1.2 A ECONOMIA DA ERVA-MATE NO BRASIL IMPÉRIO ................... 10
1.3 A ECONOMIA E A SOCIEDADE NO RIO GRANDE DO SUL
OITOCENTISTA .......................................................................................... 16
1.4 A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO COMPLEXO
ERVATEIRO ................................................................................................ 21
1.5 A EXPANSÃO DA ECONOMIA ERVATEIRA ..................................... 26
2 REFLEXOS DA LEI DE TERRAS NAS REGIÕES ERVATEIRAS ....... 33
2.1 A LEI DE TERRAS DE 1850: CONTEXTO HISTÓRICO ..................... 34
2.2 A COLONIZAÇÃO E A LEI DE TERRAS NA PROVÍNCIA RIO-
GRANDENSE ............................................................................................... 36
2.3 A COLONIZAÇÃO E O AVANÇO SOBRE OS ERVAIS ..................... 41
2.4 OS APOSSAMENTOS EM ÁREAS DE ERVAIS .................................. 47
2.4.1 A Apropriação em Cruz Alta ......................................................... 48
2.4.2 A Apropriação em Palmeira das Missões ...................................... 51
2.4.3 A Apropriação em Passo Fundo ..................................................... 54
2.4.4 A Apropriação no Vale do Taquari ............................................... 56
2.5 OS REFLEXOS DA LEI DE TERRAS E DA COLONIZAÇÃO ............ 60
3 ASCENSÃO E DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO ............................ 67
3.1 O DECLÍNIO DO MATE GUARANI ..................................................... 69
3.2 A ASCENSÃO DO MATE RIO-GRANDENSE (1856 – 1863) .............. 73
3.3 O SETOR ERVATEIRO DURANTE A GUERRA DO PARAGUAI
(1864-1870) ................................................................................................... 77
3.4 O DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO RIO-GRANDENSE (1871 –
1878) ............................................................................................................. 83
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS ............................................................. 91
xx
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 97
LIVROS ........................................................................................................ 97
FONTES PRIMÁRIAS ............................................................................... 102
Jornais .................................................................................................... 102
Anais do Arquivo Histórico .................................................................. 102
Documentos ............................................................................................ 103
APÊNDICE – FONTES PRIMÁRIAS ........................................................ 107
O MUSEU DA COMUNICAÇÃO HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA ............. 107
ARQUIVO HISTÓRICO DO MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL . 113
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (APERS)
.................................................................................................................... 119
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - BIBLIOTECA BORGES DE MEDEIROS
.................................................................................................................... 123
1
INTRODUÇÃO
Na região Sul do Brasil, o uso tradicional da erva-mate, árvore da família das Ilex, é para
o preparo do chimarrão, genericamente denominado só por mate também. Esta bebida deve seu
nome à palavra espanhola cimarrón, que carrega, em espanhol, a acepção de bruto ou xucro. Nes-
te sentido, o termo foi, então, empregado por colonizadores para caracterizar a infusão amarga e
supostamente rude tomada originalmente por alguns povos autóctones da América do Sul. Em
certos lugares, por outro lado, o mate é tomado doce, como no Chile, ou mesmo gelado, como no
Paraguai e no Mato Grosso do Sul. Neste último caso, ele é popularmente conhecido por tereré.
Atualmente, as folhas e ramas dessa árvore também são empregadas na culinária (bolos, sorvetes
e massas) e na produção do chá mate e de algumas cervejas (Dado Bier e Mier Bier), bem como
sua seiva é utilizada na fabricação de cosméticos (Seiva Ilex cosméticos, Akatu e Natura). Para
atender essa demanda, o Brasil produz anualmente cerca de 180 mil toneladas dessa planta, vo-
lume que atende tanto o mercado nacional quanto o internacional. Exportado para mais de 30
países, assim, a erva-mate brasileira contribui para a geração de divisas. No ano de 2011, por
exemplo, o país arrecadou 60.000.000,00 dólares com a sua exportação1.
No Rio Grande do Sul, a erva-mate é cultivada e extraída, como forma de renda e per-
manência no campo, por cerca de 13 mil pequenos produtores que, em conjunto, estendem-se por
uma área total de 30 mil hectares. Já a sua produção industrial é realizada por aproximadamente
200 microempresas, que geram empregos diretos e indiretos e que contribuem com a arrecadação
de tributos. Devido a sua importância econômica, social e cultural, a Ilex Paraguariensis, através
da Lei nº 7.439 de 08 de Dezembro de 1980, foi considerada a árvore símbolo do Estado enquan-
to que o chimarrão, sob a Lei nº 11.929 de 20 de junho de 2003, foi considerado a bebida oficial,
pois é tido como um símbolo de hospitalidade, já que o hábito de toma-lo reúne as pessoas e,
nesse momento, as mesmas aproveitam para dialogar sobre os diversos assuntos2.
Os primórdios da história econômica da erva-mate na sociedade moderna remetem ao
período da colonização europeia na região platina, liderada pelo general espanhol Domingo Mar-
tínez de Irala. Após conquistar o Paraguai, ele traçou um plano de expansão territorial para além
do rio Paraná. Por volta de 1554 suas tropas chegaram à região do Guaíra. Nesse território, os
1 Danilo Ucha. Sindimate – RS: 70 anos. Porto Alegre: Palomas. 2012, p, 183-87
2 Danilo Ucha. Op. Cit. 119-187.
2
soldados identificaram indígenas que eram fisicamente mais fortes, alegres e dóceis3. Outra ca-
racterística que aguçou a curiosidade dos soldados paraguaios foi um hábito cultivado pelos nati-
vos (guairenhos): o uso generalizado de uma bebida, extraída da planta do mate, acondicionada
em um porongo4 e ingerida através de um canudo de taquara. Curiosos por esse hábito, os solda-
dos do general Irala foram provavelmente os primeiros estrangeiros a provar essa bebida. No re-
torno ao Paraguai, levaram consigo amostras da erva para familiares e amigos. Aos poucos, o
mate se difundiu nos lares espanhóis, o que suscitou um conjunto de destacadas relações socioe-
conômicas na colônia paraguaia. Dentro desse contexto de expansão cultural e econômica da er-
va-mate, o Paraguai fomentou a exploração dos ervais com trabalho indígena e tornou a erva
forma de moeda corrente em diversas regiões platinas. O mate, a partir disso, consagrou-se como
uma necessidade básica para a população paraguaia e se tornou um importante produto de expor-
tação, destinado à região do Rio da Prata, ao Chile, à Bolívia e ao Peru5.
Por outro lado, a Igreja Católica se encontrava em pleno período da Santa Inquisição
(séc. XVI) e considerava o mate profano. Os sacerdotes não consentiam que uma bebida, origi-
nalmente utilizada em liturgias pagãs, imperasse entre os cristãos. Os padres jesuítas das reduções
espanholas do Guairá a chamavam de “erva do diabo”, pois ela era considerada afrodisíaca e es-
timulante, o que, na visão dos eclesiásticos, induzia a pecados contra a castidade. A Igreja, por-
tanto, proibia seu consumo entre a população cristã regional. As ameaças do "eterno castigo",
entretanto, não foram suficientes para coibir o seu uso e, com isso, não evitaram as consequentes
polêmicas e excomunhões. Ao longo do tempo, porém, como a grande maioria da comunidade
hispânica da região platina era inevitavelmente adepta do hábito, os mesmos religiosos suspende-
ram tais ameaças para não perder parte significativa dos fiéis no Novo Mundo,6 pois “não havia
casas de espanhóis nem ranchos de índios que não fizessem uso da bebida7”. Com o fim da cen-
sura, os jesuítas viram na exploração econômica do mate uma interessante oportunidade financei-
ra e, além disso, uma eficiente forma de controle dos indígenas. O hábito, portanto, fora perdoado
devido a uma inata possibilidade de negócio; o que, de certa forma, subverteu o consumo repre-
endido em hábito cultural. Por consequência, a Igreja Católica, nos dois séculos subsequentes,
tornara-se detentora de um império do mate dividido em dois grandes núcleos: o Guairá, ao sul de
3 Luis Carlos Barbosa Lessa. História do Chimarrão. 3º ed. Porto Alegre: Sulina, 1986, p, 12. 4 Fruto de planta da família das cucurbitáceas. 5 Temístocles Linhares. Op. Cit. p. 3. 6 Luis Carlos Barbosa Lessa. Op. Cit. p.15. 7 Antônio Bacilla. O Drama do mate. Curitiba: Guaíra Limitada, 1946 p, 14.
3
Paranapanema e os Sete Povos, à margem oriental do Uruguai8.
Por conseguinte, no caso da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o início da
atividade econômica ervateira ocorreu mais precisamente com a fundação das reduções jesuíti-
cas,9 nas quais os sacerdotes investiram e expandiram à sua produção. Porém, em 1750, após as-
sinado o Tratado de Madri10
, motivador das guerras guaraníticas (1753-1756) e da expulsão dos
jesuítas dos Sete Povos das Missões,11
os ervais ficaram à mercê de exploradores da Coroa Por-
tuguesa12
ou mesmo abandonados. A erva-mate Rio-grandense, depois deste período de declínio,
retomou sua importância comercial, após 1813, quando o ditador José Gaspar Rodrigues de Fran-
cia proibiu as exportações do mate paraguaio13
. Com esse embargo, o Brasil se tornou o único
produtor e exportador da erva. Neste contexto, o Rio Grande do Sul retomou a exploração comer-
cial dos ervais, agora sob domínio português, para suprir as demandas interna e externa.
Parte da importância econômica, social e cultural que a erva-mate ostenta nos dias de
hoje também se deve aos primeiros indícios de estruturação do setor ervateiro, ocorridos nos
tempos em que o Rio Grande do Sul ainda era Província do Brasil Império. Diante desse aspecto,
este trabalho analisará como a erva-mate, entre 1822 a 1889, constituiu-se como um produto eco-
nômico para a pauta de exportação da Província do Rio Grande do Sul. Procurou-se, então, re-
constituir, ainda que de forma parcial e simplificada, a emergência, a consolidação e a crise pelas
quais passou durante o Império o denominado (por esta pesquisa) complexo ervateiro, entendido
como um sistema que engloba a extração, a produção e o comércio de erva-mate em conjunto
com outras atividades assessoras, como uma certa agropecuária de subsistência e a produção de
alguns artigos subsidiários (surrões e cuias, por exemplo).
Este trabalho ajuda na compreensão de como a erva-mate ganhou seu espaço econômico
e, sobretudo, como essa atividade ganhou seu espaço social e contribuiu significativamente para a
colonização das terras das regiões Norte e Noroeste da Província. Isso ocorreu porque a erva era
uma atividade extrativista e sazonal que exigia um grande contingente de trabalhadores, os quais,
com o passar do tempo, estabeleceram-se lentamente nos lugares onde trabalhavam. Essa diáspo-
8 Luis Carlos Barbosa Lessa. Op. Cit. p. 40-60 9 Moyses Vellinho. Capitania d’El-Rei: Aspectos polêmicos da formação Rio-grandense. 2. Ed. Globo, 1970. 10 Jaime Gusmão. O Tratado de Madri. Brasília. 2 v, DF: Senado Federal, 2001 11 Tau Golin. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos Jesuítas e os índios
guaranis no Rio grande do Sul: 3º ed. Passo Fundo: UPF, 2004. 12Mario Maestri. Uma História do Rio grande do Sul: a ocupação do território. Passo Fundo: UPF. 2006. p, 56 13 Francisco F. M. Doratioto. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p,
25-26.
4
ra recorrente, de certa forma, contribuiu com a formação de muitos dos atuais municípios das
regiões mencionadas e assim contribuiu para o desenvolvimento regional da Província. Esse te-
ma é sujeito e objeto de um processo histórico, marcado por conflitos e disputas territoriais, em
um período que ocorriam significativas mudanças estruturais – políticas, econômicas e tecnológi-
cas – no Brasil. Por conta disso, as trajetórias das políticas Imperiais, Provinciais e Municipais,
bem como seus reflexos sobre a economia e a sociedade ervateira, foram fatores condicionantes
para a recriação desse episódio da história econômica Rio-grandense. Com esse propósito, a se-
guinte divisão capitular foi adotada.
O primeiro capítulo traça uma análise histórica da economia e da sociedade Rio-
grandense oitocentista na primeira metade do século XIX e mostra como a erva-mate se inseria
nesse contexto. Nesse capítulo, são abordados os principais agentes que explicam a emergência e
a expansão do complexo ervateiro e as decorrentes ocupações dos territórios norte e do noroeste
da Província. O capítulo também apresenta alguns indícios de como ocorreram os primeiros in-
vestimentos e melhoramentos tecnológico nesse setor, os quais contribuíram para que o mate
produzido no Rio Grande do Sul competisse no mercado internacional.
Já o segundo capítulo aborda as formas distintas que a Lei de Terras de 1850 foi aplica-
da e os seus desdobramentos políticos, sociais e econômicos para as regiões ervateiras da Provín-
cia. Além disso, o capítulo também trata do processo de colonização dirigida e da mercantiliza-
ção das terras em áreas de ervais, bem como dos apossamentos ilegais e dos conflitos agrários
decorrentes desses fatores. Esse capítulo foi enriquecido com inúmeras pesquisas em fontes pri-
márias, o que ajudou a traçar um possível panorama da realidade daquele momento histórico.
O terceiro capítulo, por fim, procura reconstruir o ciclo de ascensão e posterior crise do
setor ervateiro Rio-grandense, que ocorreu próximo ao final do Império. Para entender como se
deu esse processo, leva-se em conta a conjuntura internacional, os reflexos da guerra do Paraguai
(1864-70) e a situação das outras províncias produtoras. Analisa-se, então, como esse conjunto de
agentes se refletiu sobre a economia ervateira da Província e como esta correspondeu diante des-
ses condicionantes, que foram determinantes para seu auge e posterior declínio.
5
1 ASPECTOS DA ECONOMIA E DA CULTURA ERVATEIRA
Para melhor contextualização da produção e comercialização da erva-mate em São Pe-
dro do Rio Grande do Sul, entre 1822 a 1889, será realizada uma breve exposição dos aspectos
econômicos e culturais do Brasil Império, que influenciaram de certa forma, o desenvolvimento e
a consolidação do setor ervateiro na referida Província. Além disso, para futura avaliação do de-
sempenho comercial desse setor, serão apresentados outros gêneros agrícolas relevantes que, nes-
se mesmo período, corroboraram com a pauta de exportação brasileira e que, por conta disso,
também contribuíram, em maior ou menor escala, para o crescimento socioeconômico das dife-
rentes regiões que os cultivavam.
1.1 A ECONOMIA NO BRASIL IMPÉRIO
Nos primeiros anos do Império, especialmente na primeira metade dos oitocentos, o
Brasil passava por um momento de forte crescimento, especialmente se comparado com o perío-
do colonial. O legado do ciclo do ouro permitiu uma certa dinamização e integração econômica
entre as províncias do centro-sul, interligadas por um comércio inter-regional de abastecimento
de gêneros de subsistência e conectadas aos principais portos de escoamento da produção. Essas
rotas de transporte suscitaram a formação de vilarejos e cidades. Além desse fator, a dinamização
da economia da Inglaterra e os efeitos da Revolução Industrial refletiram na economia e na socie-
dade brasileira. A maquinaria europeia requeria a importação de matérias-primas como o algo-
dão, o anil, a vaqueta, o linho e sua força produtiva necessitava de alimentos como a farinha, o
açúcar, o café, a castanha, entre outros. Para atender essa demanda inglesa ocorreram o surgimen-
to de novas regiões produtoras e uma diversificação dos setores produtivos, fato que se revela
com a análise da lista de produtos exportados: a quantidade de itens se elevou de 30 para 126,
entre XVIII ao início do XIX. Além dessa exportação, a importação de bens manufaturados e a
circulação de mercadorias nacionais também elevaram a atividade portuária brasileira. Por exem-
plo, ainda em 1803, das 218 pequenas embarcações aportadas no Rio de Janeiro, 134 provinham
da província do Rio Grande do Sul14
.
14 Ronaldo Marcos dos Santos. O rascunho da Nação. Tese de Doutorado apresentada no Instituto de Economia da Unicamp.
1985. p. 150-60.
6
A partir de 1840, com o início do Reinado de Dom Pedro II, a estrutura financeira do
Império foi centrada na questão cambial e na adequação da economia brasileira ao padrão ouro15
.
Sucederam-se a essas medidas, principalmente em torno de 1850, alterações socioeconômicas
que suscitaram a tomada de novas medidas políticas e econômicas como, por exemplo, a sanção
da Lei Eusébio de Queiros em 04 de setembro de 1850, que aboliu o tráfico negreiro externo.
Essa Lei é analisada por boa parte da historiografia como um marco teórico inicial para o proces-
so de ruptura do trabalho cativo e a transição da escravidão à mão-de-obra assalariada. Duas se-
manas após a promulgação da referida Lei, entrou em vigor a Lei de Terras, regulamentação que,
por sua vez, pretendia demarcar as terras devolutas e regularizar o acesso a propriedade privada16
.
Entre os anos de 1840 a 1890, ocorreu um aumento de 240% no volume das exportações
brasileiras. O crescimento desse índice foi acompanhado pela elevação dos preços dos gêneros
exportados, o que fomentou a arrecadação dos cofres públicos17
. Além dessa tendência, a nova
conjuntura interna, pós 1850, engendrou uma profunda transformação socioeconômica. Os recur-
sos antes destinados à compra de escravos foram reinvestidos em outros setores econômicos co-
mo, por exemplo, o ferroviário, o varejista, o bancário, o telegráfico, entre outros. Esses novos
investimentos, por sua vez, contribuíram com a dinamização da economia e da sociedade18
.
Ao longo do Segundo Reinado, a economia brasileira se sustentou principalmente atra-
vés do cultivo de produtos agrícolas. A exploração desses gêneros primários contribuiu para
transformação assimétrica de certas regiões do país e isso engendrou um conjunto de políticas
setoriais, que se refletiu em âmbito nacional e que, ao mesmo tempo, determinou as diretrizes
socioeconômicas nas Províncias. Entre esses produtos estavam o café, a borracha, o cacau, a er-
va-mate, a cana-de-açúcar, principalmente. Tais gêneros possuíam especificidades produtivas e,
por isso, eram cultivados em regiões distintas do Brasil que, em alguma porção da sua extensa
faixa territorial, proporcionava as características geomorfológicas e climáticas ideais ao plantio
ou à extração dessas culturas.
Entre esses cultivos, o café, uma planta originária da Ásia, foi introduzido no país em
meados do século XVIII. No início, ele se restringiu ao consumo da população local e não era
representativo na balança comercial brasileira. Foi só no XIX que a produção cafeeira se tornou
15 José Tadeu Almeida. Transição política e política econômica no Brasil-Império: 1853-1862. Dissertação de mestrado. IE.
Unicamp. 2010. 16 Ligia Osório Silva. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da lei de 1850. 2º Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. p, 41-
42. 17 Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil. 34 º edição. São Paulo: Companhia das Letras. 2007, p 206. 18 Ligia Osório Silva. Op. Cit. p, 132-133.
7
economicamente atrativa, devido principalmente à sua valorização no mercado mundial. Esse
aumento de preço decorreu, sobretudo, da desorganização de sua produção na colônia francesa do
Haiti e, também, da ascensão do mercado consumidor Norte-americano. Desse modo, o Brasil
não tardou a usufruir das suas condições naturais favoráveis à produção dessa árvore, cujos frutos
logo despontaram como o principal produto nacional destinado ao mercado externo. Após o de-
cênio de 1840, seus índices de exportação cresceram consideravelmente.
A produção cafeeira, pouco a pouco, concentrou-se no Rio de Janeiro, em São Paulo e
em Minas Gerais, principais Províncias produtoras e exportadoras de café da época. No início,
seu cultivo manteve as mesmas características do período colonial: sociedade escravista e grande
lavoura monocultora voltada à demanda externa. No entanto, ao contrário dos demais produtos da
pauta de exportação, a economia cafeeira, ao longo do Império, propiciou uma série de transfor-
mações estruturais no Brasil e, com isso, criou as condições materiais para a modificação dos
traços coloniais.
Essa emergência econômica do café também engendrou a formação de uma nova classe
empresarial, que desempenhou papel fundamental no desenvolvimento do país. Essa classe se
originou dos cafeicultores que reinvestiram os seus excedentes produtivos em outros setores
econômicos19
. Esses novos investimentos ocorreram principalmente a partir da segunda metade
do oitocentos e culminaram com algumas modernizações capitalistas até então inéditas no Brasil:
a expansão das ferrovias para escoamento da produção, a gradual substituição do trabalho escra-
vo pelo assalariado, que criou uma força de trabalho livre disponível para o capital, o crescimento
do mercado interno e o início da industrialização nacional. Assim o café, ao longo do século XIX,
foi responsável por impulsionar o desenvolvimento capitalista brasileiro20
.
Mas como observado anteriormente, juntamente com o café, a economia brasileira, ao
longo do oitocentos, manteve outros produtos agrícolas em sua pauta de exportação, embora con-
siderados economicamente secundários. Esses gêneros primários, estruturados de acordo com as
características peculiares de suas regiões produtoras, resultaram em específicas e distintas formas
de acumulação de capital, de inovações tecnológicas, de formação de classes sociais e de desen-
volvimento regional. Essas economias agrícolas também se assentaram, além da agricultura, no
extrativismo, ou seja, basearam-se na exploração direta dos recursos naturais.
19 Celso Furtado. Op. Cit. p,170 20 João Manuel. Capitalismo Tardio. São Paulo, Campinas. Editora da Unicamp. 2009
8
A extração da borracha, Hevea brasiliensis, planta originária da região amazônica e co-
nhecida popularmente como seringueira, atendeu, após o advento da Revolução Industrial, à de-
manda do crescente mercado europeu, especialmente do britânico, que, durante o século XIX,
revolucionou o modo de organização da sociedade e das forças produtivas através da industriali-
zação. Devido a essa transformação social e econômica na Europa, o látex se tornou o principal
produto de exportação amazônico. Para facilitar a sua exploração e o seu transporte, a política do
governo imperial, em 1866, optou pela abertura da navegação no Rio Amazonas com o intuito de
estimular o seu livre comércio21
.
Diante desse quadro favorável, em 1882, a borracha assumiu a terceira posição da pauta
de exportação brasileira22
. Essa ascensão da economia do látex suscitou, na região amazônica, a
acumulação de capital, o aparecimento de uma burguesia efêmera e suntuosa, a construção do
Teatro de Ópera de Manaus e, com isso, originou um conjunto de transformações socioeconômi-
cas vertiginosas e contraditórias, já que, embora produzisse grandes riquezas, pouco era de fato
reinvestido na qualidade de vida da maioria da população regional. Além disso, o aumento da
produção e da comercialização da borracha provocou o abandono das atividades de subsistência
e, por consequência, também levou a dependência da importação de gêneros básicos de consu-
mo23
.
A coleta da borracha, por ser uma atividade extrativista, exigia uma mão-de-obra itine-
rante e subjugada às longas rotinas laboriosas, pois o seringueiro dedicava quase todas as horas
do seu dia, em meio a densa floresta, a passar, de árvore em árvore, para coletar o látex24
. Além
disso, a falta de trabalhadores na região amazônica e a perspectiva desse trabalho rentável estimu-
laram o fluxo migratório inter-regional de homens livres, oriundos principalmente do Nordeste
(260 mil pessoas entre 1872 a 190025
) por conta das secas que assolavam o semiárido. Em geral,
esses migrantes chegavam, para extrair o látex, endividados com as despesas da viagem. Somado
a estas, a inevitável aquisição das ferramentas de extração, bem como a compra de produtos e
materiais de subsistência, aprofundava a dívida, e com esta a dependência, desses novos traba-
lhadores com os comerciantes ou seringalistas.
21 Nelson Prado A Pinto. Política da borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal. São Paulo, SP: Hucitec: Conselho Regi-
onal de Economia, 2. Região, 1984. 22 Arthur Cézar F. Reis. O Seringal e o Seringueiro. Ministério da Agricultura. Serviço de informação agrícola. Rio de Janeiro.
1953, p. 60 23 Celso Furtado. Op. Cit. p, 214 24 Barbara Weinstein. A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência. 1850-1920. São Paulo. Hucitec. 1993, p, 31 25 Celso Furtado. Op. Cit. p, 131.
9
Devido a essas características, o sistema de produção da borracha se manteve, em grande
medida, sobre o controle do produtor direto, que realizava a apropriação do excedente baseado
em trocas. Assim, a economia do látex se configurou como um pré-capitalismo26
que se estabele-
ceu no mercado mundial até meados de 1920, ano em que o crescimento da produção da borracha
asiática promoveu a decadência do produto brasileiro27
.
A cacaicultura foi outro exemplo de atividade secundária que se tornou um forte catali-
sador da economia regional durante o Império. O Cacau, embora nativo da floresta amazônica,
adaptou-se bem ao clima e ao solo do sul da Bahia. Por conta dessa adaptação, ele se tornou uma
alternativa à comercialização do açúcar, que atravessava uma forte crise econômica28
. A exporta-
ção das amêndoas do cacau assegurou à província baiana, especialmente para a região de Ilhéus e
Itabuna, um fluxo monetário e um crescimento significativo na pauta de exportação, entre os anos
de 1851 a 188629
. Por outro lado, essa atividade agrícola, ao longo desse mesmo período, também
contribuiu para a concentração de renda e de terras, bem como tornou os pequenos proprietários
vulneráveis aos desmandos dos chamados barões do cacau, que expandiram suas posses através
de violentas disputas territoriais.
Diferente do complexo açucareiro, as relações de produção da cacaicultura se estabele-
ceram principalmente através da mão-de-obra contratual. Era por meio de contratos que os donos
das propriedades firmavam, com os trabalhadores livres, acordos de usufruto da terra em troca do
cultivo do cacau30
. Entretanto, a cacaicultura não se integrou às demais atividades econômicas
locais e se isolou do complexo econômico nordestino, o que reforçou o seu caráter exclusivamen-
te exportador31
.
Os três gêneros agrícolas anteriormente trabalhados, o café, a borracha e o cacau, a des-
peito de suas particularidades e de seus desdobramentos, foram, em determinados momentos do
Império, propulsores do desenvolvimento das suas respectivas regiões produtoras: Sudeste, Norte
e Nordeste. Na região Sul, por sua vez, outro produto agrícola, a erva-mate, despontava como
importante gerador de divisas para as economias regionais. De certa forma, as três Províncias
sulinas, Paraná, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande do Sul, beneficiaram-se da produção e
comercialização desse gênero primário, como veremos a seguir.
26 Barbara weinstein. Op. Cit. p,16 27 Barbara weinstein. Op. Cit. p, 01. 28 Amílcar Baiardi. Subordinação do trabalho ao capital na lavoura cacaueira da Bahia. SP: Hucitec, 1984, p, 15-30. 29 Antônio F. G. Freitas. Os donos dos frutos de ouro. Salvador: UFBA, 1979, p. 15 a 20 -Dissertação de mestrado. 30 Amílcar Baiardi. Op. Cit. p. 58 31 João Manuel. Op. Cit. p, 27-31
10
1.2 A ECONOMIA DA ERVA-MATE NO BRASIL IMPÉRIO
A erva-mate, Ilex paraguariensis, sempre esteve presente na região da Bacia Platina
desde a pré-história32
. Por ser uma espécie nativa majoritariamente da zona subtropical da Amé-
rica do Sul, ela é encontrada naturalmente no Brasil, Paraguai e Argentina, principalmente em
domínios morfoclimáticos associados à mata de araucária, como mostrado na Figura 1.1.
Figura 1.1 – Mapa das áreas de ocorrência natural da erva-mate33
.
A planta do mate, denominada caá, fora muito usada pelo povo guarani que habitava as
regiões do Cone Sul. O seu principal uso era para o preparo de uma bebida conhecida como caá-i
(água de erva), produzida a partir de suas folhas. Para os povos autóctones, essa planta foi um
presente do deus Tupã aos antigos Pajés, que em um primeiro momento a utilizavam somente em
rituais. Posteriormente, os guerreiros passaram a se valer dos benefícios da bebida em conflitos
com tribos rivais, pois a mesma proporcionava “furor e coragem”. Com o passar do tempo, ela
também se tornou moeda de troca nas transações comerciais com tribos da Bolívia, do Peru e do
Chile, regiões nas quais a planta não medrava. Já no Brasil, durante o período colonial, a extração
do mate atendia apenas aos costumes regionais das populações nativas. Foi somente no século
32 Temístocles Linhares. História econômica do mate. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1969. p, 03. 33 Fonte: Adaptado de Mazuchowski e Rucker (1996 apund MILOCA, 2005)
11
XIX que ela ganhou notoriedade e se transformou em um produto com valor econômico no país.
Diferente dos produtos trabalhados no tópico anterior (o café, a borracha e o cacau),
principalmente destinados à demanda europeia, a erva-mate, por sua vez, atendia um mercado
consumidor dentre os quais se destacavam a Argentina, o Uruguai, o México, o Chile e a Bolívia,
nações que a consumiam devido à presença de hábitos culturais. Esse mercado latino tornou-a
uma das principais mercadorias de exportação das Províncias do Sul, já que ela estava entre os
oito produtos de origem agrícola mais exportados do Brasil: açúcar, aguardente, algodão, borra-
cha, café, cacau, erva-mate e fumo34
. Além dessa distinção de mercado, a extração do mate, com-
parada àqueles mesmos gêneros primários, também apresentava uma sazonalidade singular. Pos-
suía um ciclo de colheita quadrienal, ao invés do convencional ciclo anual. Esse intervalo de des-
canso adicional era fundamental à recomposição dos galhos e folhas da árvore.
A principal Província exportadora de erva-mate foi o Paraná, onde essa atividade eco-
nômica se iniciou a partir de 1820 com a instalação de engenhos destinados ao beneficiamento da
erva. As primeiras benfeitorias foram construídas em Morretes e em Paranaguá, regiões com
abundância de ervais nativos. Nestes matos, a extração da matéria-prima e as fases subsequentes
da produção (abertura de acampamento, poda, sapeco e secagem) ocorriam principalmente com
trabalho livre, realizado pela mão-de-obra local, enquanto que as etapas de trituração e de empa-
cotamento, realizado nos engenhos, em geral empregavam mão-de-obra cativa. Possivelmente, a
opção pelo trabalho escravo nesses engenhos se deveu ao fato deles serem ambientes controlados
e, portanto, de difícil fuga.
A partir de 1850, com a proibição do tráfico negreiro, parte dos escravos do Paraná foi
aos poucos sendo transferida às Províncias produtoras de café, o que então reduziu a mão de obra
cativa nos engenhos paranaenses. Assim, após essa sanção, a predominância de homens livres e
imigrantes, em substituição aos escravos, na atividade ervateira criou grupos sociais heterogê-
neos, desprovidos de meios de produção e, por isso, obrigados a vender sua força de trabalho. Por
outro lado, a riqueza acumulada pela comercialização da erva-mate dinamizou o mercado regio-
nal e estimulou o desenvolvimento industrial do setor ervateiro, o que deu origem a grandes for-
tunas e aos barões do mate35
, que eram proprietários de ervais, ou comerciantes ou donos de en-
genhos.
34 Sebastião F. Soares. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestias dos gêneros alimentícios no Império do Brasil.
Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1977, p 125-130. 35 Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 68.
12
Na província do Paraná, durante todo o Império, a erva-mate sempre foi o produto com
maior volume e valor de exportação36
. Dessa forma, ela fomentou o setor de transportes terrestre
e marítimo; motivou certas atividades assessoras tais como a fabricação de surrões, de barricas,
de bombas e de cuias, que eram exportados ao exterior em grande quantidade; atraiu investimen-
tos para infraestrutura, mecanização e industrialização da produção; e, por fim, proporcionou a
acumulação de capital e o surgimento de centros comerciais, como a cidade de Curitiba. Para
alguns autores regionais, estudiosos desse ciclo econômico, o mate era tão representativo para o
Paraná quanto o Café para São Paulo, pois tudo girava em torno dele37
.
A atividade ervateira em Santa Catarina, por sua vez, decorreu da migração de ervateiros
do Paraná interessados na extração dos ervais catarinenses, localizados na região sul do Vale do
Rio Negro e na região do Planalto. Para realizar essa extração, os empresários migrantes utiliza-
ram a mão-de-obra local que, pouco a pouco, constituiu uma população dependente dessas em-
presas paranaenses. Ao longo da primeira metade dos oitocentos, essa dependência se aprofundou
e, com isso, desencadeou uma série de disputas territoriais entre as duas Províncias, que, com o
passar do tempo, agravou-se e evoluiu para o conflito do Contestado38
.
Próximo ao final do Brasil Império, o governo catarinense enfrentava as barreiras eco-
nômicas impostas pelo Paraná e, para combatê-las, buscou incentivos fiscais junto ao governo
imperial. Dessa parceria surgiu a Companhia Industrial Catarinense, um monopólio do Estado
destinado à extração e à comercialização do mate. Disso, sucedeu-se a emergência de novos cen-
tros comerciais como Joinville e Mafra. Além disso, a necessidade de escoação da erva também
corroborou o desenvolvimento de redes de transporte ferroviário, que se consolidou posterior-
mente no início do governo republicano39
.
Já no Rio Grande do Sul oitocentista, como será tratado nas sessões ulteriores, a produ-
ção ervateira ajudou com a arrecadação de divisas em momentos de crise política e econômica.
Além disso, ela contribuiu para a colonização e a formação de municípios gaúchos, sobretudo os
localizados ao norte e ao noroeste da Província. Para isso, é imprescindível investigar a formação
e consolidação do “complexo econômico ervateiro” e, a partir disso, identificar como “ele" influ-
enciou a economia e a sociedade rio-grandense nesse período.
36 Ricardo C. Oliveira. O Silêncio das Genealogias: Classes dominantes no Estado do Paraná. Tese de Doutorado. IFCH, 2000 37 Temístocles Linhares. Op. Cit. p,161 38 Antônio D. Mafra. Aconteceu nos Ervais. Dissertação de Mestrado. Canoinhas 2008. 39 Antônio D. Mafra. Aconteceu nos Ervais. Dissertação de Mestrado. Canoinhas 2008
13
De acordo com a exposição anterior, a produção da erva-mate, durante o Brasil Império,
foi uma das principais atividades econômicas das Províncias do Sul. Adiante, o seu ciclo econô-
mico é apresentado de forma breve e comparado com outros dois ciclos desse período: o cacau e
a borracha. A escolha deles se deve ao fato de serem também atividades extrativas dependentes
de plantas de origem brasileira, diferentes do café e da cana-de-açúcar que foram trazidos de fora.
A Figura 1.2 mostra o gráfico do volume de exportação, em toneladas, dos referidos ciclos no
período entre 1822-89. A curva verde indica a exportação de erva-mate, a curva amarela a expor-
tação da borracha e a marrom a do cacau. Esse gráfico foi confeccionado com dados históricos
fornecidos por estatísticas do IBGE40
.
Figura 1.2 – Gráfico dos volumes de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau.
De acordo com as curvas, para todos os produtos, os volumes de exportação se mantive-
ram baixos em quase toda a primeira metade do século XIX. Somente a partir de 1847, os mes-
mos iniciaram uma ascensão e, a partir de então, tornaram-se cada vez mais significativos. A bor-
racha foi o produto que apresentou os menores volumes de exportação (abaixo de 500 toneladas)
na primeira metade dos oitocentos. No entanto, na segunda metade, de 1847-89, ela ganhou espa-
ço no mercado europeu. Com isso, pouco a pouco o seu volume se elevou de 590 para 4682 tone-
40 Estatísticas históricas do Brasil: Séries Econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2º ed. v.3. Rio de Janeiro: IB-
GE.1990.
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Ton
elad
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Volumes de Exportação no Brasil Império
Erva-mate Borracha Cacau
14
ladas até que, em 1889, a quantidade exportada alcançou um novo patamar acima de 20 mil, que
indicava o período inicial do boom da borracha que se manteria até 1920. Já o cacau apresentou
volumes de exportação quase sempre abaixo de cinco mil toneladas por praticamente os dois
primeiros terços do Império. Ele ultrapassou essa marca, em 1871-72, e, a partir de então, passou
por ascensões e quedas até atingir o valor máximo do período em 1888.
A erva-mate, por sua vez, de 1847-89, foi o produto que apresentou o maior volume de
exportação, exceto nos anos de 1883-86, nos quais a quantidade caiu vertiginosamente. Até 1847,
os volumes exportados ficavam abaixo de cinco mil toneladas. No período de 1847-64, a quanti-
dade de exportação cresceu ligeiramente, com oscilações, de 4571 para 7177. A partir de 1864-
65, ano de início da Guerra do Paraguai, o aumento na exportação, de 7177 para 17389 toneladas,
também com oscilações, tornou-se substancialmente maior se comparado aos anos anteriores.
Esse aumento se estendeu até 1871-72, dois anos após o término do conflito (1870). No período
subsequente, de 1872-82, a exportação se manteve no mesmo patamar, em torno de 15 mil tone-
ladas. Então, como já mencionado, de 1883 a 1886, a produção ervateira passou por uma crise.
No ano mais decadente, em 1885-86, o volume de exportação caiu abaixo de cinco mil toneladas,
valor comparável a períodos anteriores a 1847. Próximo ao final do Império, de 1886-89, a quan-
tidade de exportação se recuperou e atingiu um novo patamar, acima de 20 toneladas, quatro ve-
zes maior do que no início do crescimento (1847). O auge da exportação ocorreu em 1889, no
fim do Império, com a marca de 23165 toneladas. Esse comportamento gráfico evidencia a evo-
lução socioeconômica de um produto que emergiu a partir dos anos de 1847-50 e que, ao final do
Brasil Imperial, vigorava entre os principais gêneros da pauta de exportação brasileira.
Para os mesmos anos analisados antes, os valores de exportação, em milhares de libras
ouro, da borracha, do cacau e da erva-mate, estão expostos no gráfico da Figura 1.3. Segundo
este, a borracha foi o gênero com maior rentabilidade, se comparado aos demais produtos. Na
primeira metade dos oitocentos, entre 1822-1850, ela apresentou o valor máximo de exportação
de 40 mil libras ouro, em 1849-50. No entanto, na segunda metade, de 1852-89, a borracha foi o
produto mais valorizado. Ou seja, pouco a pouco, sua arrecadação se elevou de 424.000, em1853-
54, para 1.164.000 em 1887. Já nos dois últimos anos do Império, 1888-89, a arrecadação da bor-
racha atingiu um novo patamar, em torno de 4.020.000, o que evidencia a forte valorização desse
produto.
15
Figura 1.3 – Gráfico dos valores de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau41
.
O preço do cacau, por sua vez, entre 1822-55, não ultrapassou o patamar de 95 mil libras
ouro. Entre 1856-73, a produção do cacau arrecadou de 169 a 256 mil, enquanto que nos últimos
30 anos do Império obteve 404 mil, período mais rentável. Em relação à erva-mate, por fim, du-
rante a primeira metade do século XIX, a maior quantia arrecadada foi em 1848-49, 75 mil libras
ouro. Entre 1855-57, ela apresentou um pico de valorização, de 71 para 184 mil. Já no período
entre 1858-65, o mate teve ligeira queda, com valores comparáveis ao cacau. Entre 1867-73, pe-
ríodo que abarca a Guerra do Paraguai, sua arrecadação tornou-se substancialmente maior, de 143
para 348. Já entre 1881-85, o setor ervateiro passou por uma crise, com dividendos similares ao
início do século. Contudo, demonstrou recuperação a partir de 1886-87, arrecadou cerca de 246
mil libras de ouro. Em 1889, último ano do Império, o setor ervateiro obteve 442 mil, maior valor
arrecadado durante todo o período em estudo. Diferente do gráfico da Figura 1.2 no qual a erva-
mate, em muitos anos, foi o produto mais exportado, o gráfico da Figura 1.3 revela que a borra-
cha foi o produto mais rendável.
Diante desse quadro econômico, o presente trabalho pretende investigar em que medida
o setor ervateiro da Província do Rio Grande do Sul contribuiu com essas estatísticas, especial-
41
Estatísticas históricas do Brasil: Séries Econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2º ed. v.3. Rio de Janeiro: IB-
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Valores de Exportação no Brasil Império
Erva-mate Borracha Cacau
16
mente no período que abarca a guerra do Paraguai, já que o mate paranaense estava em crise42
.
Para isso, em um primeiro momento, esse estudo busca analisar a organização social e econômi-
ca, o emprego das forças produtivas e, com isso, identificar a formação e o desenvolvimento do
“complexo ervateiro”.
1.3 A ECONOMIA E A SOCIEDADE NO RIO GRANDE DO SUL OITOCENTISTA
(...) muito se tem elogiado esta bebida; dizem que é diurética; combate dores de
cabeça; descansa o viajante de suas fadigas; e, na realidade, é provável que seu
sabor amargo a torne estomacal e, por isso, seja talvez necessária numa região
onde se come enorme quantidade de carne. Aqueles que estão acostumados ao
mate não podem privar-se dele sem incômodos.43
Nesse breve relato do viajante francês August de Saint-Hilaire, que percorreu a Provín-
cia do Rio Grande do Sul por volta de 1822, é possível identificar que a alimentação dos rio-
grandenses era à base de carne, coerente com uma região em que a economia sustentava-se prin-
cipalmente na pecuária, desenvolvida em torno das charqueadas e das estâncias.
As charqueadas eram estabelecimentos que produziam o charque e seus derivados, como
o couro e o sebo. Ela empregava grande quantidade de mão-de-obra cativa, que trabalhava em
condições precárias, subjugada aos seus proprietários (charqueadores). Os escravos permaneciam
seminus, em contato direto com o sangue e com a carne dos animais, e recobertos de sal, matéria-
prima necessária à fabricação do charque44
. Sua produção se destinava principalmente ao comér-
cio interno pois ele era a alimentação básica dos escravos das demais Províncias.
Já as estâncias eram estabelecimentos responsáveis pela criação dos rebanhos bovinos,
destinados tanto ao comércio interprovincial quanto às charqueadas. Essas estâncias eram com-
postas por diferentes grupos sociais: os proprietários (estancieiros) e seus familiares, os peões e
os escravos. Os peões, oriundos da população local, compunham a mão-de-obra assalariada45
.
Eles eram normalmente empregados nos cuidados com os rebanhos, atividade que requeria liber-
dade e locomoção e, por conta disso, desaconselhável aos escravos fugidios. Mesmo assim, al-
guns estancieiros designavam cativos para essa tarefa. Além disso, a mão-de-obra escrava era
42 Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 120-30 43 August de Saint- Hilaire. Viagem ao Rio G. do Sul. Brasília: Conselho Editorial, 2002. p. 136 44 Robert Avé-Lallemant. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Itatiaia. 1980 45 Moacyr Flores. República Rio-grandense: realidade e Utopia. Porto Alegre. Edipucs. 2002. 55
17
empregada nos afazeres domésticos, no cultivo e preparo da alimentação e no beneficiamento da
erva-mate46
.
Devido a esses dois empreendimentos pecuários, parte significativa dos estudiosos se
dedicou a entender a economia da Província do Rio Grande do Sul apenas pelas perspectivas das
charqueadas e das estâncias, uma vez que essas eram as principais atividades econômicas da regi-
ão47
. No entanto, somente o estudo delas não é o suficiente para explicar a complexa realidade
social e econômica que caracterizava a sociedade gaúcha desse período. Para compor esse quadro
de forma abrangente é preciso integrar e investigar a importância das atividades assessoras, que
em conjunto representavam outras esferas de trocas e transações econômicas e, além disso, en-
gendravam outras formas de organização da vida, não compreendidas se observadas sob a luz das
referidas estâncias e charqueadas.
Em direção a esse fato, o trecho do relato de Saint-Hilaire, embora mencione a impor-
tância da carne, retrata o hábito diário de tomar o chimarrão, bebida extraída das folhas e peque-
nos galhos da planta da erva-mate. Esse hábito cultural era um elemento de integração dos extra-
tos sociais. Por exemplo, os estancieiros, no final de um dia de trabalho, partilhavam a mesma
cuia e bomba de chimarrão com os seus escravos e peões48
. Esse fato é no mínimo curioso para
uma sociedade escravista, pois demonstra as contradições imbricadas na mesma. Mesmo na con-
dição de escravo, restringido e subjugado a um conjunto de comportamentos sociais permitidos,
ainda assim o homem cativo compartilhava, com seu proprietário, os mesmos objetos de consu-
mo do chimarrão. Isso, no entanto, não abrandava as formas de coerção praticadas pelos senhores
contra os seus escravos.
O chimarrão era, geralmente, consumido durante todo dia. Nas estâncias, por exemplo,
sempre havia uma chaleira de água fervente pronta a encher a cuia quando alguém desejasse to-
mar mate ou quisesse servi-lo a qualquer transeunte desconhecido. Devido às grandes distân-
cias49
, era costume acolher todos os viajantes, que em alguns casos pernoitavam e em outros ape-
nas descansavam e tomavam o mate50
. Como outro exemplo de hábito cultural, durante uma visi-
ta entre famílias, os rituais de recepção dos familiares eram os seguintes: os homens se agrupa-
46 Moacyr Flores. Op. cit. p 100 47 Fernando H. C. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 5º. ed. 2003. p, 203. 48 Ave-Lallemant. Op. Cit. p. 150 49 Nesse período, as distâncias entre as localizações não eram somente estimadas a partir de referenciais geográficos, elas também
eram avaliadas em termos das vias e das formas de transportes existentes entre as localidades. Ver Eric Hobsbawm. A Era das
Revoluções. 50 Lilian da Rosa. O complexo ervateiro na Província do Rio Grande do Sul oitocentista visto sob as impressões de viajantes.
Artigo apresentado em congresso. 5º Congresso de História Econômica Gaúcha. 2014.
18
vam em roda em um determinado lado do cômodo, as mulheres do outro; logo em seguida, um
escravo era responsável por servir o mate a ambos. As mulheres geralmente preferiam tomar ma-
te doce enquanto os homens mate amargo51
. Nesse caso, o escravo não partilhava nem da conver-
sa e nem do chimarrão com seus senhores, sua função era exclusivamente serviçal.
Nesses dois últimos exemplos e nos temas já tratados, além dos hábitos culturais e das
questões econômicas, ficam evidentes as formas de organização social que segmentam essa soci-
edade oitocentista. Além dos mencionados estancieiros e charqueadores, havia outra parcela com
destaque econômico, os comerciantes. Eles eram migrantes do Rio de Janeiro ou imigrantes eu-
ropeus, que se estabeleceram na Província do Rio Grande do Sul e que, por meio da atividade
comercial, adquiriram grandes fortunas. Na segunda metade dos oitocentos, como será visto adi-
ante nesse estudo, esses homens de negócios investiram quantias substanciais no setor ervateiro.
Outro exemplo de categoria social, os peões, em sua maioria descendentes de índios, es-
cravos, portugueses ou espanhóis, integravam um nicho diverso de homens livres e itinerantes
que vendiam aos estancieiros sua principal força de trabalho: cuidar dos rebanhos bovinos. Nas
horas livres, eles se dedicavam à agricultura de subsistência e à produção de erva-mate apenas
para consumo próprio.
Já os caboclos, também descendentes de luso-brasileiros mas diferentes dos peões, esta-
vam à margem dessa sociedade estancieira e escravocrata. Eram, em sua grande maioria, possei-
ros, pequenos proprietários, agregados ou arrendatários que sobreviviam da extração e comercia-
lização do mate. Nos meses de entressafra, também praticavam uma agricultura de subsistência.
Suas técnicas agrícolas se baseavam em métodos rudimentares como a coivara: derrubada e pos-
terior queima da mata nativa para a plantação de gêneros alimentícios, como o milho, a abóbora,
o feijão e a mandioca. Essas técnicas agrícolas, em conjunto com a extração do mate, provavel-
mente compuseram boa parte das características de formação do complexo ervateiro, hipótese
que também será trabalhada ao longo deste estudo.
Enfim, a sociedade desse Rio Grande do Sul oitocentista, formada pelos seus diversos
agentes (estancieiros, charqueadores, comerciantes, escravos e homens livres), contribuiu com as
transformações socioeconômicas que resultaram na emergência e valorização da produção e co-
mercialização da erva-mate, em parte evidenciadas pela gradual evolução técnica que o setor er-
vateiro atravessou ao longo do Brasil Império.
51 May Frances. Cartas de uma jovem inglesa na fronteira de Uruguaiana (1887-1888) Porto Alegre. Sulina: 2010
19
Em relação aos procedimentos de extração e de preparo da erva-mate, no início do sécu-
lo, o mesmo Sant-Hilaire, ainda em 1822, no decorrer de suas andanças, observou e registou ín-
dios, próximos ao rio Uruguai, preparando-a para o consumo. As etapas desse processo, breve-
mente descritas a seguir, duravam cerca de uma semana e eram feitas manualmente.
1) Poda: com o auxílio de um facão, os galhos e as folhas da árvore do mate eram extraí-
dos. Esse procedimento era preferencialmente realizado entre os meses de março a ou-
tubro. Esse período, com temperaturas mais frias, favorecia a diminuição da seiva.
2) Sapeco: realizado logo após a colheita, a ramagem era passada rapidamente sobre a
chama de uma fogueira, com o objetivo de secar as folhas e galhos menores, desidra-
tando-os. Isso evitava a fermentação da planta e garantia a qualidade do sabor e da to-
nalidade final.
3) Carijo: para continuação da secagem iniciada no sapeco, uma estrutura, em torno de
1,20 m de altura, feita de achas de pinho, era rusticamente construída para formar uma
grade de varas fincada ao chão através de esteios. Sobre a grade, as ramas e as folhas
sapecadas eram dispostas de forma que estas ficassem acima das primeiras e, com bra-
sas embaixo, elas eram mantidas em temperatura constante, por volta de sete a oito di-
as, o que garantia a torrefação uniforme delas. Esse procedimento exigia constante vi-
gilância: fogo demais, elas contraíam o gosto da fumaça; fogo de menos, as mesmas
não secavam.
4) Soque: na última etapa de beneficiamento da erva-mate, as mesmas folhas e ramas ori-
undas do carijo eram introduzidas em sacos de couro e depois malhadas com auxílio de
um pedaço de madeira ou eram colocadas em um pilão de soque manual. Na sequên-
cia, após a trituração, o produto estava pronto para o consumo.
5) Empacotamento: o produto final era embalado em surrões, espécie de bolsa de couro
que cabia em média 5 arrobas (75 Kg) de mate. Isso garantia a qualidade do produto ao
ser transportado.
Por fim, tanto as categorias sociais quanto a evolução do processo de manufatura contri-
buíram com certos aspectos da composição do objeto de estudo dessa pesquisa: “o complexo
econômico ervateiro” sul-rio-grandense. Embora essa denominação se assemelhe, por exemplo, a
terminologia “complexo econômico cafeeiro” proposta por Wilson Cano, a idealização do “com-
plexo econômico ervateiro” apresenta diferenças conceituais, se comparada com a visão do Cano
20
e com as visões de “complexos econômicos” empregadas por outros autores.
Celso Furtado, por exemplo, utilizou a expressão “complexo econômico nordestino” pa-
ra sintetizar as características e as formas que assumiram as relações dos dois sistemas econômi-
cos nordestinos, o açucareiro e o pecuarista, no final do XVIII e início do XIX. Esse complexo
foi uma conjunção do primeiro setor, típico das regiões litorâneas e baseado no sistema de plan-
tation, com o segundo setor, típico das regiões sertanejas e baseado no regime de subsistência que
surgiu para atender certas demandas da economia do açúcar: alimentação, força motriz e couros.
Apesar das diferenças entre esses setores, ambos apresentaram uma característica singular: o
crescimento extensivo através da incorporação de terras e de mão-de-obra, que ocorria sem mu-
danças nos custos de produção52
.
Já de acordo com o Wilson Cano, para entender a dinâmica de crescimento de uma eco-
nomia é necessário analisar que partes principais a compõem, como atuam cada uma delas e qual
a intensidade das inter-relações do “complexo econômico” integrado53
. Evidentemente, Cano
utilizou a noção de “complexo econômico” para entender o dinamismo singular do café e o pro-
cesso de industrialização de São Paulo na segunda metade dos oitocentos em diante. Esse dina-
mismo foi amparado por algumas características presentes nessa formação econômica: o sistema
de transporte; uma pujante agricultura de alimentos; um mercado interno e externo, crescentes; a
atuação do Estado; o beneficiamento da produção; e as relações capitalistas de produção. A com-
binação desses fatores contribuiu para a formação do “complexo econômico cafeeiro” e a indus-
trialização de São Paulo54
.
A partir do conceito de “complexo econômico” trabalhado por Furtado e teorizado por
Cano, pretende-se, nesse trabalho, analisar se as mesmas características de formação econômica
estão presentes no ciclo produtivo da erva-mate e, no caso de presença, identificar o momento
histórico de sua ocorrência. No entanto, de forma distinta da produção do café, considerada ativi-
dade nuclear na qual ocorreu um vazamento de capitais e formou um conjunto de outras ativida-
des dependentes da economia cafeeira, o “complexo econômico ervateiro” será entendido como a
integração mútua, direta ou indireta, entre a produção da erva-mate e os demais setores econômi-
cos e atividades assessoras. O conceito de “complexo ervateiro”, compreendido sob uma ótica de
conjunção de fatores, sustenta a hipótese de que o setor da erva-mate, nos oitocentos, dinamizava
52 Celso Furtado. Op. Cit. p. 101-112. 53 Wilson Cano. Raízes da Concentração em São Paulo. São Paulo: Campinas. 1975 54 Salienta-se que não é objetivo desse trabalho entrar nas minucias da questão regional tal como realizado por Cano.
21
a economia da Província do Rio Grande do Sul, através do processo de acumulação de capitais
que ocorreu, sobretudo, durante o século XX.
1.4 A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO COMPLEXO ERVATEIRO
Dez anos após a independência do Brasil, o então Imperador Dom Pedro I renunciou ao
trono em favor de seu filho Dom Pedro de Alcântara, de apenas cinco anos. Essa renúncia origi-
nou uma situação provisória pois o herdeiro não tinha idade para exercer o poder. Enquanto o
novo imperador não atingiu a maioridade, o Brasil foi governado por regentes e, por isso, esse
ínterim ficou conhecido historicamente como período regencial. Apesar de sua curta duração
(1831-40), ele foi extremamente conturbado e marcado por intensas disputas políticas e sociais. A
elite brasileira estava dividida em relação à aceitação do projeto de unificação nacional. Essa dis-
cordância suscitou pequenos motins e as conhecidas revoltas da Balaiada no Maranhão, da Sabi-
nada na Bahia, da Juliana em Santa Catarina e da Farroupilha em São Pedro do Rio Grande do
Sul, esta última de especial interesse para esse estudo.
A Província de São Pedro era uma dentre as várias peças do mosaico brasileiro que ain-
da não se ajustava à nova estrutura do Estado Imperial e tentava mudá-la55
. Uma parcela da elite
Rio-grandense estava inconformada com a Constituição Centralizadora de 1824 e com o Ato
Adicional de 1834, políticas administrativas tomadas pela capital, o Rio de Janeiro. Além dessas
duas motivações, a Farroupilha estava correlacionada com a subordinação econômica da Provín-
cia, que era obrigada a pagar altos impostos56
. Entretanto, nem todos os charqueadores e os es-
tancieiros adeririam a essa revolta. Muitos continuaram leais ao governo imperial e demonstra-
ram, com isso, que as motivações para a revolução não foram somente econômicas, mas também
políticas. Ficavam a cargo do poder imperial a indicação e a nomeação dos presidentes das pro-
víncias. Isso descontentava parte da elite, uma vez que o presidente nomeado podia ir contra os
interesses de parcelas da burguesia local.
Com o acirramento das tensões, em 1835, a parcela descontente dessa elite regional se
revoltou contra o governo. Essa revolta, em 1836, evoluiu e ganhou caráter separatista com a
55 István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade
nacional brasileira). In: Carlos MOTA (Org.), Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500- 200): formação: histórias. São
Paulo. Senac: 2000. p. 174. 56 Sandra Pesavento. A Revolução Farroupilha. 3º ed. São Paulo: Brasiliense. 1990
22
formação da República Rio-grandense, que se manteve por cerca de nove anos. Durante esse pe-
ríodo, a produção e a comercialização da erva-mate, de acordo com os documentos oficiais57
re-
digidos por Domingos José de Almeida, então ministro dos negócios e da fazenda, tornaram-se
importante fonte de recursos do “Novo Estado”, que criou fábricas de mate para corroborar com a
manutenção da máquina administrativa e com o financiamento do exército. Como exemplo disso,
logo em abril de 1836, após a vitória na batalha de Rio Pardo, o governo republicano se apossou
dos ervais daquela região e, com os Decreto de 11 de novembro de 1836 e 05 de abril de 1837,
estabeleceu a criação de uma fábrica de erva-mate, sob a administração de João José de Azambu-
ja, no município de Taquari, com o objetivo de angariar recursos para a guerra58
. A Figura 1.4
apresenta um mapa que destaca a localização dessa fábrica.
Figura 1.4 – Mapa da localização das fábricas de erva-mate59
.
57 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre. V.2. 1978. p, 344. (CV – 311). 58 Jornal o Povo. Piratini. nº. 14. 17 de out. 1838. p, 57 e 58. 59 Adaptado de: Moacyr Flores. Op. Cit. 2002
23
Outra medida que alavancou o comércio do mate foi o decreto de 11 de setembro de
1837 (publicado no jornal em 20 de outubro de 1838), que estipulou a taxação de 20% sobre as
importações das bebidas espirituosas (alcóolicas, provavelmente) e de 10% sobre os demais gêne-
ros comercializados com os países do Rio da Prata. Entretanto, tal lei não se aplicava à importa-
ção de materiais bélicos, à moeda estrangeira e aos livros. A referida lei também isentava a ex-
portação do mate de qualquer tributação60
. Essa medida protecionista possivelmente objetivava
incentivar a extração e a exportação dela, especialmente para os mercados de Entre Ríos, Corri-
entes e Buenos Aires61
. Segundo os documentos oficiais, ao longo desse período de isenção tribu-
tária, ocorreu um aumento substancial das exportações. Porém, quando a erva se estabeleceu nes-
se mercado platino, o governo, publicou em 26 de março de 1839, o decreto sancionado em 20 de
março do mesmo ano, que após a data de 20 de Abril de 1839, estavam revogadas todas as leis
sancionadas anteriormente e por considerar o mate um “importante ramo da riqueza pública” san-
cionou que toda a erva de produção nacional, exportada para outros países, seria taxada em 160
réis por arroba62
. Essa nova legislação possivelmente contribuiu para a arrecadação dos cofres
públicos e ajudou a custear as despesas da guerra.
Diante desse desenvolvimento do setor ervateiro, as relações sociais de trabalho se ade-
quaram à conjuntura do período. Portanto, durante a Revolução Farroupilha, a mão-de-obra em-
pregada nas fábricas de erva-mate foi exclusivamente escrava63
. Em uma época em que a maioria
dos homens livres disputava as batalhas, os trabalhadores cativos foram essenciais à manutenção
do processo produtivo. Na fábrica de Taquari, por exemplo, cerca de 40 funcionários (escravos)
eram os responsáveis pela colheita e pelo beneficiamento64
. Devido ao sucesso desse empreendi-
mento, as regiões dos Vales do Taquari e do Rio Pardo se tornaram o primeiro centro ervateiro da
Província. Também no ano de 1836, a região do município de Cruz Alta se tornou o segundo cen-
tro fornecedor de mate, com a construção de uma fábrica sob a administração do major Athana-
gildo Pinto Martins65
. No ano de 1840, Antônio Vicente da Fontoura informou ao ministro da
fazenda sobre a contratação, em nome do estado, de duas fábricas de erva que, até agosto do
60 Fábricas. Jornal O Povo. Piratini, nº 15, 20 out. 1838, p. 59. 61 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, V. 5. 1981, p, 37 (CV- 2811) 62 Jornal O Povo. Caçapava. P. 208, nº 51. Em 26 de março de 1839. 63
Jornal o Povo. Piratini. nº. 14. 17 de out. 1838. p, 57 e 58. 64
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre.V2. 1978, p, 243 (CV-310). 65 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Os Segredos do Jarau: Documentos sobre a Revolução Farroupilha. Porto
Alegre. Edipurcs. 2009. V 18. (CV7781).
24
mesmo ano, deveriam render 4000 arrobas66
. Contudo, nos documentos pesquisados, não foram
encontradas maiores informações a respeito da organização e das forças produtivas dessas fábri-
cas de Cruz Alta67
.
De modo geral, durante a Farroupilha, a estimulação da produção ervateira ocorreu por-
que a erva serviu como moeda de troca entre a República Rio-grandense e os Estados Nacionais
vizinhos, especialmente o Uruguai e a Argentina. A República exportava, além da erva-mate, o
charque, o couro e o rebanho bovino. Em contrapartida, ela recebia armas, pólvora, ferros, remé-
dios, cavalos e tecidos, de acordo com a necessidade da população e das tropas. Esse comércio
foi tão intenso que propiciou o crescimento econômico de algumas cidades uruguaias, como Sal-
to, Montevidéu e Paissandu68
. Em algumas correspondências oficiais do Governo Republicano,
encontram-se relatos acerca dessas transações comerciais. Uma delas, redigida pelo ministro da
fazenda do governo farroupilha, Domingo José de Almeida, exemplifica a importância comercial
do mate como escambo.
Exmo. Amigo Sr. Matos.
Para consolidar-se o negócio feito por Behel com Guasch, a fim de não perder
mais que as 1100 arrobas de ervas adiantadas, visto que fruto é quem há figura-
do, e por isso poderá pegar algum petardo, vai ao Salto o Major Simão e como
por ele tenho que responder a Munõs, e mesmo pedir a D. Nicanor Costa algu-
mas fazendas, caso não venha as de Guasch, diga-me se igualmente devo fazer
vir de Montevidéu a Tipografia, as 100 arrobas de pólvora e 200 de chumbo en-
comendadas, os remédios que se acham prontos como diz, e alguma coisa mais
que convier, pois apesar de precisarmos de tudo, nosso estado atual parece acon-
selhar a suspensão de tais artigos pelo risco da viagem e de sua conservação em
qualquer ponto da República, se bem sejam da primeira necessidade. (....)
(a) Almeida69
Nessa sociedade, além da importância econômica, a erva-mate também esteve ligada às
questões culturais e sociais, a erva-mate estava presente nos símbolos oficiais, como no brasão
66 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre. 1984. V.8 (CV 4816). 67 Parte dessas informações foram pesquisadas no jornal O Povo. Esse jornal nasceu em 1838 e “morreu” em 1840. Esse periódico
foi criado para fins políticos, econômicos, literários e ministeriais da República Rio-Grandense. Considerado o periódico oficial
da jovem República, sua principal função foi servir como meio para a publicação das correspondências oficiais das secretarias do
Estado (fazenda, agricultura, interior...), os decretos assinados no contexto da Revolução Farroupilha e as Correspondências ofici-
ais entre os generais e comandantes da força do exército Republicanos. Há 160 exemplares, dos quais 45 foram publicadas no
município de Piratini e os demais (115) publicados em Caçapava, município que também sediou o palácio do governo Farroupilha
no ano de 1839. 68 Moacyr Flores. Op. Cit. p, 159 69 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre. V.3. 1978. p, 608 (VC1256).
25
das armas70
. Além desse uso, ela enfeitava as vestimentas, os lenços e demais acessórios utiliza-
dos por homens e mulheres. Ela também era considerada como gênero de primeira necessidade
para as tropas do exército farroupilha. Nos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
onde foram publicados documentos da Coleção Varela71
, encontram-se várias correspondências
entre os órgãos superiores do exército, nas quais solicitavam mantimentos às suas tropas. Entre
esses víveres normalmente o mate era frequente72
. Em maio de 1840, os Republicanos perderam,
para os Imperiais, o domínio do território de Taquari e de Rio Pardo e, com isso, o controle da
fábrica de erva-mate instalada nessa região. Para tentar suprir parte desse prejuízo e continuar o
fornecimento para o exército, uma nova fábrica foi construída no município de Caçapava. Porém,
dos 40 cativos que trabalhavam anteriormente, a nova instalação empregava de início somente
quatro escravos73
, doação de José de Almeida74
.
À medida que o conflito se prolongou, e especialmente a partir de 1841, a República
Rio-grandense enfrentou crises de abastecimento e carência de homens para incorporar as tropas
do exército. Para suprir a falta de mantimentos, ela enviava soldados para intermediar transações
comerciais. Por exemplo, no dia 11 de julho de 1841, em Cruz Alta, o Tenente Coronel farroupi-
lha, Francisco Pedro de Abreu, comprou do comerciante Miller cinco carretas com sal, farinha de
trigo, 180 arrobas de erva-mate e 100 alqueires de farinha de mandioca. No caso dessa transação,
o exército farroupilha teve dificuldades para transportar a referida carga devido a um cerco reali-
zado pelo exército Imperial na região de Taquari e de Rio Pardo75
. Um segundo e último exemplo
dessas transações que envolveram o exército ocorreu em julho de 1841. O Capitão João Antônio
Dutra comprou do comerciante Antônio José Dias, para o Corpo dos Lanceiros Negros,76
nove
arrobas de erva-mate no valor de 43$200 Rs. Além desta, nessa ocasião, também foram compra-
70Barbosa Lessa, Op. Cit. p. 36 71 A Coleção Varela possui aproximadamente treze mil documentos que vem sendo publicados nos Anais do Arquivo Histórico
do RS desde 1978. Essa coleção teve origem nos documentos reunidos pelo historiador Domingos José de Almeida (dirigente da
República Rio-grandense) e posteriormente acrescidos aos documentos de Alfredo Varela. A produção de tais documentos teve
início durante o decênio da Revolução Farroupilha, sendo assim, uma fonte documental relevante à essa Pesquisa. Para saber mais
sobre a história da Coleção Varela Ver: ARCE, Ana Ines, Os verendos restos da sublime geração farroupilha, que andei a recolher
de entre o pó das idades: Uma história arquivística da Coleção Varela. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho de
conclusão de curso. 2011. 72 Exemplos dessas solicitações podem ser encontrados nos seguintes documentos: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
Anais. Porto Alegre, (CV-3358); Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, 1978. p, 57, (CV-60); Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, (CV- 7997); Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre,
(CV-7782) 73 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, V. 3, 1978. p, 360 (CV – 1401). 74 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, V.3, 1978. p, 360 (CV – 1401) 75 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, V.2 .1978, p, 61 (CV – 68) 76 O Corpo dos Lanceiros Negros era formado por escravos que foram incorporados ao exército Farroupilha com a promessa de
liberdade após o término da guerra.
26
das roupas para dois dos soldados, que estavam nus77
. Através do relato dessa compra nota-se as
conturbadas condições em que se encontravam os negros do exército farroupilha e também nota-
se, de certo modo, as dificuldades enfrentadas pelos Republicanos, que desde 1840 sofriam com
as retaliações imperiais. A partir de 1842, as ações do exército Imperial foram incisivas contra os
Farroupilhas, que, já sem condições econômicas para continuar o conflito, acordaram e assinaram
um tratado de paz em março de 1845.
A Revolução Farroupilha foi o conflito de maior duração ocorrido no Brasil Império –
10 anos. Uma hipótese é que esse prolongamento só foi possível devido às políticas administrati-
vas da República, tais como a construção dos dois centros ervateiros mencionados, o de Cruz
Alta e o dos vales do Taquari e do Rio Pardo. Neles produzia-se a erva-mate destinada à exporta-
ção, que contribuiu com as divisas e com as mercadorias para a sustentação da guerra por esse
longo tempo. Além disso, as medidas governamentais, durante o conflito, corroboraram com a
expansão e consolidação desse produto no mercado platino. O fomento à exportação de erva tam-
bém incentivou uma parcela da população, nativa e despossuída de bens materiais, a migrarem às
regiões ervateiras e a se dedicarem quase que exclusivamente ao seu extrativismo e à sua fabrica-
ção. Na segunda metade do século XIX, essa parcela da população foi a grande massa trabalhado-
ra dos ervais e, nestes, também desenvolveu uma agricultura de subsistência consorciada à extra-
ção do mate. Todos esses elementos retratados, com o passar dos anos, constituíram parte do
“complexo ervateiro”. Por fim, essa mesma população foi protagonista dos conflitos territoriais
nas áreas de ervais, em consequência da Lei de Terras de 1850, desdobramentos trabalhados em
detalhe ao longo dos próximos capítulos.
1.5 A EXPANSÃO DA ECONOMIA ERVATEIRA
A expansão do mercado platino de erva-mate, ocorrido durante o período da guerra, in-
centivou melhorias no sistema produtivo ervateiro. Tais melhoramentos tecnológicos, de certo
modo, foram reflexos da Revolução Industrial europeia. Esta, após atingir os limites de desenvol-
vimento da indústria têxtil, reinvestiu capitais em outros setores econômicos, o que culminou
77 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre, v.3. 1978. p, 512 (CV – 1881).
27
com a emergência de uma nova fase industrial assentada no carvão, no ferro e, depois, no aço78
.
O ferro logo se tornou matéria-prima essencial para a fabricação de máquinas mais rápidas e ro-
bustas. Essas novas tecnologias disseminadas nos diferentes ramos da produção promoveram
melhoramentos e possibilitaram um rápido crescimento industrial. Esse período caracterizou-se
por um intenso acumulo de capitais para os empresários ingleses, decorrentes do crescente núme-
ro de exportação de bens de consumo e de capitais daquele país.
Nesse contexto, essas tecnologias foram disseminadas nos países periféricos e, com isso,
também promoveram uma série de melhoramentos em vários setores econômicos do Brasil Impe-
rial. No setor ervateiro Rio-grandense, essa mudança de paradigma decorrente da revolução in-
glesa contribuiu com a substituição dos soques manuais pelo emprego dos pilões projetados com
ferro e movidos à tração hidráulica, que tornou mais eficiente a trituração das folhas e dos peque-
nos galhos. Essa nova tecnologia foi rapidamente disseminada pelas áreas produtoras de erva-
mate da Província.
Como exemplo desse desenvolvimento, Abel Correa Câmara possuía, em 1849, um mo-
inho d’água com dez pilões de ferro para o beneficiamento da erva79
. No relatório da Vila de
Cruz Alta de 1853 enviado ao governo provincial, outro exemplo, retratou a existência de 16 en-
genhos de beneficiamento de erva-mate no distrito de Campo Novo, todos funcionando plena-
mente e produzindo excelente erva, pronta para o consumo e a exportação80
. Os relatos do jovem
viajante italiano Henrique Schutel Ambauer, também exemplo da mesma época, registou outro
engenho em Campo Novo que possuía cerca de 10 a 12 pilões, impulsionados por enormes rodas
d’águas, para realizar a moagem81
. Já no município de Rio Pardo, último exemplo, Avé-
Lallemant, um viajante alemão, discorreu sobre uma fábrica de erva-mate equipada com 46 pilões
de puro ferro, que trituravam, com grande velocidade, as folhas e os pequenos ramos e que, com
isso, possibilitavam o beneficiamento de até 100 arrobas por dia82
.
Diferente do que foi observado por Sant-Hilaire em 1822, quando a trituração era reali-
zada por pedaços de madeira e surrões de couro, esses quatro registros evidenciam que o mesmo
procedimento de moagem passou a ser feito com a utilização de pilões de ferro movidos a força
hidráulica. Tais exemplos sugerem que num período de 30 anos ocorreu o melhoramento das for-
78
Eric Hobsbawm. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986 79 José. P. Eckert. O Povo dos Ervais – Entre o Extrativismo e a Colonização (Santa Cruz 1850-1890) Dissertação De Mestrado
Unissinos: 2001. p, 106. 80 Wilmar Bindé. Campo Novo: Apontamentos para sua história. Santo Ângelo: Gráfica Santo Ângelo, 1986. P, 58 81 Wilmar. Bindé. Op. Cit. p, 133 82Robert Avé-Lallemant. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte. Itatiaia, 1980. P, 239
28
ças produtivas no setor ervateiro. Essa melhora se deveu ao provável reinvestimento de capitais
acumulados pelos proprietários de fazendas e de casas comerciais.
Possivelmente esse avanço dos meios de produção melhorou a qualidade da erva-mate
produzida no Rio Grande do Sul, que se destacava da erva produzida nas demais regiões produto-
ras do Império (Paraná e Santa Catarina) devido às suas características organolépticas considera-
das aprazíveis. Esse atributo permitiu, entre 1850-70, que a erva ainda cancheada83
ganhasse a
preferência do mercado da Argentina. Este país a importava e, para agregar valor ao produto,
realizava as etapas finais do beneficiamento (a moagem, o empacotamento e a distribuição ao
consumidor) em solo argentino. Embora a venda da erva-mate cancheada representasse certa falta
de controle sobre a cadeia distributiva e a perda de grande parte dos dividendos, o mate rio-
grandense, ainda assim, vivia um bom momento no comércio internacional84
.
Além disso, após o término da Revolução Farroupilha, a erva-mate contribuiu com a re-
tomada do crescimento econômico da Província e com a reestruturação dos municípios que pos-
suíam ervais e que foram castigados pela guerra. A tributação sobre o fabrico e a exportação do
mate se tornou a principal fonte de arrecadação entre eles85
. Além disso, os próprios fazendeiros
dos centros ervateiros investiram em infraestrutura para melhorias dos portos e das embarcações.
Os irmãos José Inácio e João Teixeira, por exemplo, construíram um porto na foz do Arroio dos
Conventos, próximo ao rio Taquari. Do cais dele, as embarcações partiam com madeira e erva-
mate e, em contrapartida, retornavam com outros mantimentos86
.
A expansão do mercado platino também contribuiu com a migração para o interior do
município de Cruz Alta, especialmente nos ervais localizados no mato Castelhano e no mato Por-
tuguês. Nessa época, esse município, vizinho de Rio Pardo, estendia-se por cerca de 60.0000 Km
quadrados, o que correspondia a aproximadamente 20% do território total da Província87
. Seus
ervais, sobretudo o de Castelhano, ainda não haviam sido explorados comercialmente pois neles
habitavam comunidades autóctones que provavelmente afastavam a presença dos extratores. A
Figura 1.5 mostra um mapa com a extensão desses ervais.
83 Erva-mate beneficiada até a etapa de Cancheamento. 84 José P. Eckert. O Povo dos Hervaes: entre o extrativismo e a colonização (Santa Cruz, 1850 – 1900). Dissertação de mestrado.
São Leopoldo. Unissinos. 2011. P, 96 85 De acordo com correspondências oficiais da própria Câmara Municipal de Cruz Alta. 86 Lucildo A. Sirlei T.G. Povoamento e Desenvolvimento Econômico na região do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul 1822 a
1930. Dissertação de Mestrado Uníssinos. 87 Paulo A. Zarth. História Agrária do Planalto Gaúcho. 1850-1920. Ijuí. Unijui: 1997. p, 17.
29
Figura 1.5 – Mapa das regiões de ervais ainda inexplorados88
.
A exploração desses novos ervais foi, de certa forma, facilitada devido à adoção de polí-
ticas de catequização dos povos indígenas, com o objetivo de promover aldeamentos e evitar con-
frontos, bem como inseri-los nos costumes e moldes da sociedade oitocentista89
. Em 1845, por
exemplo, o governo provincial, através do Decreto n. 426 de 24 de Julho90
, iniciou o projeto de
catequização dos índios do mato Castelhano para viabilizar a ocupação daquelas terras. Além
disso, a criação dos aldeamentos ocorreu durante a construção de uma estrada, entre o norte do
Rio Grande do Sul e a Província de São Paulo, destinada à facilitação do transporte de pessoas e
mercadorias. A abertura dessa estrada em conjunto com os aldeamentos promoveu uma corrida
para esses ervais ainda não explorados. Além desses dois indícios, a concorrência estabelecida
88
Cláudio Moreira Bento. O Exército Farrapo e seus chefes. Porto Alegre: Biblíoteca do Exército. 1992 89 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Barão de Muritiba. Porto Alegre.
Typographia Correio do Sul 1856. Vale salientar que todos os Relatórios de Presidente de província estão disponíveis gratuita-
mente em: http://www.crl.edu/brasil/provincia/rio_grande_do_sul 90 Coleção de Leis do Império do Brasil - 1845, Página 86, Vol. pt II.
30
nos Vales do Taquari e do Rio Pardo possivelmente já dispersava parte dos produtores que, à
procura de novas regiões ervateiras, migravam motivados pela promessa de rentabilidade.
A possibilidade de extração e comercialização da erva-mate no mato Castelhano atraiu a
migração de uma parcela da população pobre de outras partes da Província. Essa camada social
possuía uma origem heterogênea: índios já catequizados, caboclos, mestiços, escravos fugidios,
entre outros. O setor ervateiro, que exigia grande contingente de trabalhadores e pouca capacita-
ção técnica, tornou-se uma opção de fonte de renda para esses homens. “Atraídos pelas notícias
da extraordinária abundância e superioridade da erva-mate, eles se arranchavam como agregados
ou por conta própria, dentro dos matos baldios para realizarem a extração da erva91
”. Já nos me-
ses de entre safra, eles se dedicavam a agricultura de subsistência, muitas vezes cultivada em
meio aos próprios ervais. É provável que a necessidade de fornecer produtos básicos a esses tra-
balhadores logo despertou o interesse de comerciantes que, dispostos a vender ferramentas de
trabalho, artigos e provisões, também migraram para esses matos afastados.
Assim, esses comerciantes se distribuíram por essa região nos distritos de Passo Fundo,
Soledade, Campo Novo e Palmeira das Missões. Muitos deles abriram, bem próximo aos ervais,
pequenas vendas em que aceitavam a erva como moeda de troca. Joaquim Pereira Motta, por
exemplo, iniciou seus negócios, na década de 1860, com uma pequena casa de comércio no dis-
trito de Palmeira das Missões, município de Cruz Alta. Ele atuava como prestamista e como
agenciador de erva, atividades que lhe renderam fortunas. Em 1885, ano de sua morte, ele deixou
uma herança avaliada em cerca de 149:320$290 réis, que era composta por dois campos de terras,
rebanhos, imóveis, mercadorias e, também, uma aplicação de 27:756$560 réis no banco de Porto
Alegre92
.
Outros comerciantes também atuaram diretamente sobre o processo de produção da er-
va-mate. Eles compraram os engenhos e, com estes, realizavam a trituração e o empacotamento
dela, adquirida ainda cancheada dos extratores. Com o domínio dessas duas últimas etapas e com
o controle das vendas, esses negociantes agregaram valor à mercadoria e aumentaram suas renta-
bilidades. Por exemplo, o comerciante francês Luiz Perié, residente em Cruz Alta, acumulou co-
mo herança, segundo o inventário de sua morte em 1851, artigos de comércio, um galpão nas
margens do arroio Santo Christo (sic), uma casa coberta de capim, um pequeno rincão de campos
91 José Velloso da Silveira Hemetério. As missões Orientais e seus antigos domínios. Porto Alegre: Erus, 1990, p. 326 92 Luis Cristiano Christillino. Litígios ao Sul do Império: A Leis de Terras e a consolidação política da Coroa no Rio Grande do
Sul. Tese apresentada na Universidade de Niterói. 2007 p, 93
31
e um engenho hidráulico de erva-mate, tudo avaliado na quantia de seiscentos mil réis93
. Em ou-
tro exemplo, Evaristo Teixeira do Amaral, em 1854, fundou, em Itaqui, a empresa Evaristo &
Cia, casa comercial que se dedicava à exportação de erva-mate, lã e couros e à importação de sal,
açúcar, tecidos, cigarros, fumos e charutos. Com o pecúlio oriundo dos seus negócios, ele acumu-
lou terras, gado e escravos. Por conseguinte, em 1869, foi nomeado Major Ajudante da Guarda
Nacional e, em 1870, foi então transferido para Cruz Alta. Devido a essa transferência, o Major
estendeu seus empreendimentos para essa região ervateira, na qual, além de uma casa de comér-
cio, também investiu num engenho de erva-mate em Palmeira das Missões94
.
Devido ao grande fluxo de pessoas que migraram para os ervais de Castelhano, o gover-
no provincial começou a se preocupar em protegê-los, sobretudo os matos de Campo Novo, regi-
ão limítrofe com a Argentina e, por isso, suscetível a invasões de extratores estrangeiros oportu-
nistas. Para isso, em 1879, ele abriu novas estradas, construiu pontes, e fundou uma colônia mili-
tar, investimentos que também ajudaram a desenvolver a região95
. Em especial, a abertura de es-
tradas possibilitava o transporte de produtos com maior segurança, o que favorecia o comércio, e
conectava essa região ervateira com os centros urbanos portuários, como Porto Alegre, o que
facilitava o escoamento da produção.
Aos poucos, as vilas e povoados, originárias ou expandidas do fluxo migratório, cresce-
ram e, com isso, sobrecarregaram a câmara municipal de Cruz Alta, encarregada de administrar,
como já mencionado, um município de 60.000 Km quadrados. Portanto, com o tempo, elas inevi-
tavelmente se desmembraram dele. Passo Fundo, por exemplo, emancipou-se de Cruz Alta em
janeiro de 1857. Já Palmeira das Missões se desvinculou em 1874. Soledade, por sua vez, des-
membrou-se de Passo Fundo em 1875. Todos os novos municípios se constituíram, de certa for-
ma, com a ajuda da extração e produção de erva-mate, que, de acordo com os próprios relatórios
e documentos das suas novas câmaras, era considerada o principal produto econômico da região.
Assim, com esses desmembramentos de distritos, o mato Castelhano se segmentou em
novas regiões ervateiras, Palmeira das Missões, Passo Fundo e Soledade, as quais, integradas às
já existentes – Cruz Alta, Rio Pardo e Taquari –, compuseram os principais centros produtores de
erva-mate da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul durante o século XIX. Por outro lado,
com a emergência e a subsequente valorização desses centros produtores, os conflitos agrários
93 Marcos Gerhardt. Op. Cit. p, 77 94 Lurdes G. Ardengui. Caboclos, Ervateiros e Coronéis: Luta e resistência no norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: editor
da UPF. 2003. p, 135 95 Lurdes Ardengui. Op. Cit. p, 75
32
decorridos do apossamento de terras com ervais e os seus desdobramentos, tratados na sequência
desse estudo, protagonizaram um capítulo à parte na história da Província, sobretudo com o ad-
vento da Lei de Terras de 1850 e com o início do processo de colonização.
33
2 REFLEXOS DA LEI DE TERRAS NAS REGIÕES ERVATEIRAS
Neste capítulo, serão abordados aspectos das regiões de ervais na Província do Rio
Grande do Sul oitocentista. Entre os agentes desse contexto histórico estão as formas distintas de
como a Lei de Terras de 1850 foi aplicada e os seus desdobramentos políticos, sociais e econômi-
cos. A interpretação e a aplicação da Lei, tanto em sua jurisprudência quanto em seus efeitos na
mercantilização da terra, estiveram sujeitas às certas especificidades regionais como, por exem-
plo, o aparato judiciário responsável pelos registros legais. Por conta disso, é parte fundamental
deste trabalho a investigação de como os municípios das cinco regiões ervateiras, apresentadas no
capítulo anterior, receberam a referida Lei e como ocorreram as demarcações e apropriações das
terras, que passaram da administração pública à privada.
Essa investigação se fundamentou na análise de documentos oficiais da época: os regis-
tros paroquiais de terras, os ofícios Províncias, as correspondências das Câmaras Municipais, a
sanção de Leis municipais, entre outros. A partir dessa documentação, pôde-se avaliar a maneira
como os órgãos públicos agiram: se a Lei de Terras de 1850 foi cumprida em sua totalidade ou se
em determinados momentos permaneceu letra morta. Além disso, essa documentação oficial
também continha registros de conflitos devido à posse ilegal de terrenos e revelava informações
importantes sobre a atuação do Estado enquanto órgão fiscalizador e regulador desse processo.
Outro fato relevante presente nessa documentação são os indícios do processo de colonização
praticado nas áreas de ervais. A presença dos colonos, como será melhor abordado adiante, con-
tribuiu com o avanço da privatização e consequente evolução do preço dos terrenos em áreas de
matas nativas, o que posteriormente dificultou que a população luso-brasileira de baixa renda
tivesse acesso à terra.
Como a Lei de Terras influenciou profundamente a economia ervateira emergente, a
compreensão e a contextualização do momento histórico da sua institucionalização são importan-
tes ao propósito desta pesquisa. De forma direta e simplificada, o principal objetivo da Lei era
regulamentar a propriedade, e com isso, proibir a posse de terras devolutas por ocupação ou inva-
são. Como em diversas partes do país, a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, após a
sanção da Lei, também passou por uma série de transformações socioeconômicas, especialmente
nas regiões Norte, Noroeste, do Vale do Rio Pardo e do Vale do Rio Taquari, todas localidades
de terras públicas com abundantes ervais.
34
2.1 A LEI DE TERRAS DE 1850: CONTEXTO HISTÓRICO
A história agrária brasileira, desde os tempos da Colônia, foi marcada pela prática do
apossamento de terras públicas. Durante o período colonial, a legislação agrária implantada no
Brasil foi a mesma vigente na metrópole. Em Portugal, a ordenação jurídica da apropriação terri-
torial era baseada no sistema de Sesmarias, que tinha como objetivo impedir o esvaziamento do
campo, resolver a crise do abastecimento das cidades, mediar os conflitos entre as distintas clas-
ses sociais e também acabar com as terras ociosas ao estabelecer a possibilidade de perda do ter-
reno caso o mesmo não fosse cultivado. Em Portugal, em um primeiro momento, essa legislação
alcançou os resultados esperados, tendo fracassado depois. No caso da colônia brasileira, entre-
tanto, o sistema de sesmarias apresentou resultados distintos, em parte devido a certas especifici-
dades da colônia. A proporção territorial era significativamente maior do que na metrópole e a
maioria das terras ainda não possuía proprietários civis96
. Isso, posteriormente, possibilitou que o
apossamento ilegal se tornasse a forma dominante de apropriação de terras públicas. Com o pas-
sar do tempo, as tensões entre a metrópole e a colônia desencadearam questionamentos acerca
dos vínculos entre ambas e, em consequência, deslegitimaram a legislação das sesmarias. Isso,
reforçou, ainda que de forma indireta, o rompimento dos laços coloniais existentes. Portanto, a
supressão desse sistema de partição territorial ocorreu junto com a declaração da Independência
do Brasil em 1822.
De 1822 a 1850, o único modo de apropriação da terra foi através da posse. De certo
modo, durante o Império, debater a questão agrária requeria a discussão de opiniões conflitantes
entre o governo e a elite da época, representada pelos grandes proprietários rurais. O debate a
respeito da regulamentação das propriedades só se iniciou na década de 1840, devido principal-
mente ao problema de abastecimento de mão de obra caso se pusesse fim ao tráfico negreiro. Ou-
tra questão, entretanto, de igual importância estava subjacente: a necessidade de afirmação e de
desenvolvimento do Estado brasileiro. Essa discussão fazia sentido porque somente através da
regulamentação das terras é que os proprietários seriam amparados pelo direito legal. Apesar dis-
so, a dificuldade de aplicação de uma legislação agrária que fosse conveniente aos grandes pro-
prietários, beneficiados pela posse indiscriminada da terra e também pelo então sistema de plan-
tations, postergou a criação dessa regulamentação. Assim, o primeiro projeto da Lei de Terras
96 Ligia Osório Silva. Op. Cit. p, 41-42
35
discutido em 1843 foi engavetado97
.
Foi somente em 1850, com as novas demandas socioeconômicas, que a regulamentação
de terras se efetivou. A falta de controle do governo Imperial sobre as terras públicas e a adoção
da Lei Eusébio de Queiros, de cessação do tráfico, que atingia diretamente a forma predominante
de mão-de-obra, levaram os setores da elite nacional e os órgãos governamentais a reavaliarem as
políticas agrárias e a forma de organização do trabalho. O sistema produtivo vigente, assentado
na escravidão, estava sendo ameaçado pelas políticas imperiais da Inglaterra visando a acabar
com o tráfico internacional de escravos, uma vez que o desenvolvimento do capitalismo alterou o
padrão das relações comerciais e econômicas em âmbito mundial98
. Diante dessa pressão exerci-
da pelos ingleses, Dom Pedro I fora obrigado em 1830 a tomar medidas em relação ao tráfico
negreiro. A despeito disso, o governo imperial, obediente aos interesses da classe dominante,
postergou a adoção de medidas drásticas. Porém, o posicionamento irredutível da Inglaterra, para
findar com o tráfico negreiro tornava, em 1850, necessário esse debate, ao mesmo tempo em que
diminuía a resistência de alguns grupos contrários ao término da escravidão99
.
A sanção da Lei Eusébio de Queiros, em 04 de setembro de 1850, pôs fim ao tráfico ne-
greiro e, com isso, engendrou uma profunda transformação socioeconômica na segunda metade
dos oitocentos. Com a proibição do tráfico, os recursos disponíveis, antes destinados à compra de
escravos, foram reinvestidos em outros setores econômicos como, por exemplo, o ferroviário, o
varejista, o bancário, o telegráfico, entre outros. Esses novos investimentos, por sua vez, contri-
buíram com a dinamização da economia e da sociedade100
. Diante desse quadro, foi imprescindí-
vel uma discussão sobre a transição do trabalho cativo para o trabalho livre. A solução pensada
pela elite nacional e pelo governo Imperial foi a retomada do antigo plano de colonização, posto
em prática pela primeira vez entre os anos de 1823 a 1830. Nessa época, tal plano foi abandonado
devido a uma derrota política do Imperador para a elite agrária, contrária à colonização e aos inte-
resses de Dom Pedro I101
. Contudo, para retomar o projeto de colonização do Brasil, primeiro
havia a necessidade de resolução da questão agrária.
Alguns dias após a promulgação da Lei Eusébio de Queiros, foi também outorgada a Lei
97 Daniel do val Cosentino. Um Múltiplo de Transições: A Transição do Trabalho Escravo para o Trabalho Livre em Minas gerais.
Dissertação de Mestrado. Unicamp. IE. 2006, p. 27 98 Daniel do val Cosentino Op. Cit. p, 30-45 99 Ligia Osório Silva. Op. Cit. p,132-33 100 Ligia Osório Silva. Op. Cit. p, 132-33 101 Paulo Pinheiro Machado. Colonizar Para Atrair: A montagem da Estrutura Imperial de Colonização no Rio Grande do Sul.
Tese de Doutorado. IFCH. 1996. P, 16
36
Imperial nº 611 em 18 de setembro de 1850, popularmente denominada Lei de Terras. Ela foi um
projeto com 108 artigos elaborado pelo partido conservador e regulamentado pelo decreto nº 318
de 20 de janeiro de 1854. Essa compilação de normas visava resolver duas questões concomitan-
tes: a regulamentação das terras e a questão da mão-de-obra102
. A Lei de Terras pretendia demar-
car as áreas devolutas, vendê-las e, com o lucro das vendas, promover um projeto de colonização,
tanto para os imigrantes quanto para os nacionais, para remediar a eventual falta de trabalhadores
desencadeada pela Lei Eusébio de Queirós. Para que esse planejamento fosse bem sucedido, os
proprietários primeiramente deveriam regularizar as suas propriedades para que posteriormente
as terras públicas fossem então demarcadas. No entanto, grande parcela dos posseiros se recusava
à demarcação das suas terras e continuava a se apropriar das áreas devolutas.
Em termos jurídicos, a aplicação da Lei de Terras objetivava discriminar as áreas públi-
cas das áreas privadas e evitar as fraudes e as apropriações indevidas. Ao contrário disso, as difi-
culdades de aplicação dessa Lei, atrelada a uma série de desdobramentos políticos e socioeconô-
micos, possibilitaram a apropriação e a concentração territorial legal e ilegal em todo Brasil, pois
na prática não era a Lei em si mesma que garantia a aquisição e a manutenção das terras, mas sim
as condições socioeconômicas e políticas dos requerentes envolvidos no processo. Assim, a pos-
se de terras continuou por muito tempo ocorrendo de forma desordenada pela iniciativa privada, o
que contribuiu com a não democratização do acesso à terra. Esse fenômeno ocorreu em pratica-
mente todo o Brasil. Contudo, esse trabalho abordará principalmente a aplicação da Lei de Terras
na Província do Rio Grande do Sul, especialmente nas áreas de ervais. Além disso, também será
analisado, a seguir, o impacto da imigração e da colonização nas regiões ervateiras e os decorren-
tes reflexos dessa nova conjuntura na economia e na sociedade oitocentista Rio-grandense.
2.2 A COLONIZAÇÃO E A LEI DE TERRAS NA PROVÍNCIA RIO-GRANDENSE
O processo de ocupação do Rio grande do Sul foi lento e tardio. Os primeiros avanços
territoriais, iniciados em torno de 1730, ocorreram principalmente por dois motivos: a instalação
de postos militares para defender as áreas de fronteiras, para consolidar a presença portuguesa no
102 Lígia Osório salienta, que a Lei de Terras não pode ser vista unicamente com o objetivo de regulamentar a propriedade so-
mente como efeito da Lei Eusébio de Queiros. A questão da regulamentação da terra era uma questão que demandava uma solu-
ção por si só.
37
local, e a atividade predatória de animais livres, para a produção e comercialização de couro.
Com o passar do tempo, essa atividade predatória evoluiu à criação de rebanhos em espaços cer-
cados. A opção pelos cercamentos viabilizou o acesso à terra e a subsequente formação das es-
tâncias. A apropriação dos rebanhos e a posse de terras foram estratégias adotadas por alguns
grupos de pessoas para demonstrar condições materiais para a requisição de sesmarias perante ao
governo colonial.
No Rio Grande do Sul, a concessão de sesmarias privilegiou militares, comerciantes de
animais e pessoas ligadas a administração colonial. Essas posses originaram as grandes estâncias,
controladas por homens que consideravam que a manutenção e a expansão do território eram
meios de favorecer a Coroa portuguesa e meios de assegurar as suas propriedades. Dessa forma, a
ocupação do espaço agrário, especialmente nas regiões de campo destinados à pecuária, tornou-se
um processo excludente baseado no monopólio da terra. O acesso a esta e aos animais alicerçou
as bases para a concentração de poder nas mãos de poucos. Esses agentes causaram a formação
de uma realidade agrária heterogênica, com a formação tanto de grandes proprietários quanto de
uma massa de despossuídos, que serviam como mão-de-obra nas estâncias ou engrossavam o
contingente das milícias particulares103
.
Uma nova fase de ocupação territorial ocorreu após a independência do Brasil, já em
uma nova conjuntura política e econômica. Na Província do Rio Grande do Sul, a primeira tenta-
tiva de colonização ocorreu durante o Primeiro Reinado entre os anos de 1824 a 1830104
. Esse
projeto tinha como objetivo povoar o território e defender as fronteiras através do trabalho fami-
liar. A ocupação foi implantada em áreas consideradas estratégicas para garantir a hegemonia e a
consolidação do Império em territórios marcados por disputas geopolíticas. Além disso, essa
ocupação deveria garantir a mão-de-obra livre em áreas dedicadas à diversificação da produção
agrícola, com o intuito de contrabalançar a escassez de gêneros alimentícios do mercado interno,
uma vez que que as grandes unidades produtivas estavam arraigadas na monocultura, voltadas
para atender as demandas do mercado externo105
. Porém, as colônias implantadas nessa época
não prosperaram, com exceção de São Leopoldo, que se tornou um polo econômico, em parte
devido à sua proximidade com a rio dos Sinos, localização que facilitava o escoamento da produ-
103
Marcia Eckert Miranda. A Estalagem e o Império: Crise do Antigo Regime, fiscalidade e fronteira na Província de São Pedro
(1808 – 1831). Campinas: 2006, p, 41. Tese de Doutorado. 104 Sobre a colonização nesse período: Guilhermino César. História do Rio Grande do Sul – período colonial. 2º ed. Porto Alegre:
Globo. 1980. Sandra Jataí Pesavento. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. 105 Bassanessi, op. Cit. p. 32.
38
ção agrícola à capital da Província106
. Devido ao seu desenfreado crescimento vegetativo em con-
junto com a incapacidade da colônia de suprir as demandas da população emergente, os filhos
dos primeiros colonos buscaram novas áreas, o que intensificou a dispersão dos descendentes e
ajudou a formação de outras colônias próximas.
Já no Segundo Reinado, com o término do período Regencial e da Revolução Farroupi-
lha, houve um subsequente período de relativa estabilidade política e econômica, que foi essenci-
al à retomada do projeto de colonização. Diferente de outras províncias brasileiras – especialmen-
te São Paulo e Rio de Janeiro, nas quais os colonos pouco a pouco substituíram a mão-de-obra
cativa pelo regime de parcerias – no Rio Grande do Sul, após a Lei de Terras de 1850, o objetivo
da imigração permaneceu o mesmo tentado anteriormente: povoar as terras consideradas isoladas
através da colonização dirigida e produzir alimentos para o mercado interno. Além disso, o pro-
cesso de colonização abrangeu áreas não concorrentes com o latifúndio pastoril, sem portanto
provocar conflitos com os grandes estancieiros e charqueadores107
. Ao contrário das regiões pro-
dutoras de café, por exemplo, a economia do extremo sul, ao longo do XIX, era dependente da
pecuária extensiva. Essa atividade, por sua vez, era um sistema de produção que, embora também
exigisse muito espaço físico, requeria bem menos trabalhadores do que a cafeicultura.
O projeto de colonização, baseado na pequena propriedade, não alcançou êxito em de-
terminadas províncias do Império como, por exemplo, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Mi-
nas Gerais. Nessas províncias, a solução encontrada para resolver o problema da falta de mão-de-
obra foi, incialmente com o desenvolvimento do tráfico interno de escravos e, posteriormente,
através da vinda de estrangeiros que se estabeleceram em um sistema de parceria com proprietá-
rios de terras108
. De acordo com essa parceria, os imigrantes, normalmente, tinham as despesas da
viagem e as acomodações pagas pelo proprietário da fazenda, uma espécie de adiantamento que
seria depois cobrado acrescido de juros de 6% ao ano. Na propriedade, as famílias recebiam uma
determinada quantidade de pés de cafés, proporcional à capacidade de trabalho das mesmas, para
que os cultivassem, colhessem e beneficiassem. Após a venda, os lucros eram divididos entre
ambas as partes. Segundo os contratos, também lhes era permitido produzir alimentos consorcia-
dos entre os cafezais; no entanto, se essa produção fosse vendida, o lucro seria igualmente dividi-
106 Conforme informações contidas no Relatório de Presidente de Província, no ano de 1857. P. 25 107 Sandra J. Pesavento. O imigrante na política rio-grandense. In: DACANAL, José Hildebrando (org). RS: Imigração e coloni-
zação. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1992, p. 156-194, p, 157. 108 Daniel do val Cosentino. Op. Cit. p,33
39
do com o dono da propriedade. Esses imigrantes só podiam deixar a fazenda após pagarem todas
as suas dívidas com o proprietário109
.
A aplicação de Lei de Terras de 1850, tal como trabalhado no tópico anterior, pretendia
regulamentar as propriedades, evitar os apossamentos e resolver o problema da possível falta de
mão-de-obra. No entanto, em relação a esse último propósito, no caso da Província do Rio Gran-
de do Sul, a aplicação da Lei não promoveu a substituição dos escravos pelos trabalhadores es-
trangeiros livres, como ocorreu em outras províncias do Império. Os imigrantes, nesse caso, fo-
ram recrutados para preencher as terras devolutas em um sistema de pequenas propriedades. A
Lei de Terras, por conseguinte, ocorreu de forma heterogênea, lenta e precária. O não cumpri-
mento dela por parte da população, e em alguns casos mesmo por órgãos públicos, desdobrou-se
em inúmeros casos de apossamentos ilegais e grilagens. Alguns se tornaram grandes proprietários
a partir de 1850 enquanto que muitos pequenos posseiros não tiveram recursos, ou influência
política, para legalizar as suas terras e, por conta disso, pouco a pouco perderam seus espaços
para os latifúndios ou para áreas de colonização. Essa dinâmica se intensificou nas áreas de matos
baldios com concentrações de ervais nativos, onde esses pequenos posseiros geralmente extraiam
e produziam a erva-mate, e suscitou violentos conflitos pela disputa da posse da terra, que serão
trabalhados com maiores detalhes ao longo deste capítulo.
De certa forma, todos esses fatores conjunturais (regulamentação da terra, imigração e
mão-de-obra) exigiram medidas do governo provincial que, diante desse contexto, viabilizou a
venda e o financiamento das terras públicas, organizou diretorias coloniais e forneceu apoio téc-
nico aos colonos que se tornaram pequenos proprietários arraigados no trabalho familiar. Em
contrapartida, o governo também se preocupava em atrair recursos com a seleção de imigrantes
com algum poder aquisitivo. João Lins Vieira S. de Sinimbú, por exemplo, então presidente da
Província, em 1853, argumentou a necessidade do projeto de colonização para superar as defici-
ências da produção nacional, abastecer os núcleos urbanos e gerar crescimento agrícola e desen-
volvimento tecnológico. Para alcançar esses objetivos, a imigração não deveria ser composta so-
mente por indivíduos pobres, mas também por capitalistas que com seus recursos investiriam nas
propriedades rurais e na construção de novos centros comerciais110
.
Sinimbú também reiterou a necessidade de um projeto de colonização voltado para a po-
109 Brasílio J. Sallum. Capitalismo e cafeicultura: Oeste Paulista, 1888-1930. São Paulo: Duas cidades LTDA. 1982, p, 74 110 Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Resoluções da Assembleia legislativa da
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 1º sessão da 4º Legislatura. Porto Alegre: Typographia de F. Pomatelly. 1833. p,
20
40
pulação pobre da Província que não possuía terras. Segundo ele, as colônias não deveriam ser
formadas somente por imigrantes europeus e, sim, por cidadãos também nascidos no Brasil; e,
além disso, a melhor forma de promover a colonização seria primeiro a compra e o loteamento de
terras vagas para posterior venda às numerosas famílias que viviam embrenhadas nos matos ou
de favor em propriedades alheias. Sinimbú acreditava que essa política traria muitos benefícios à
Província pois ajudaria a concentração populacional, o que, por sua vez, facilitaria projetos do
estado para a promoção da educação e do trabalho. Isso consequentemente aumentaria e também
melhoraria as forças produtivas do país111
. Entretanto, a concessão ou venda de lotes de terras
para os luso-brasileiros pobres praticamente não fez parte do projeto de colonização oficial, que
favoreceu basicamente a vinda de estrangeiros. As estatísticas indicam que até o final do século
XIX entraram cerca de 150 mil apenas no Rio Grande do Sul112
. Alguns autores inclusive desta-
caram, ao estudar a imigração brasileira, a existência de uma ideologia dominante que pregava a
superioridade da população branca europeia e que, provavelmente imbuído por esse ideal precon-
ceituoso, o governo imperial favoreceu os europeus em detrimento dos nacionais113
.
Por outro lado, o governo também sancionou a Lei nº 183, outorgada em 18 de outubro
de 1850, que proibia a entrada de escravos nos territórios das colônias. Com isso, ele procurava
impedir que os imigrantes adquirissem escravos. O colono que descumprisse tal Lei estaria sujei-
to a pagar 32$000 réis de multa114
. Diante disso, é possível que o suposto afinco com o qual os
imigrantes se dedicavam ao trabalho nas áreas de colonização estava associado a falta de alterna-
tiva a curto prazo, pois eles estavam distantes dos seus países de origem, em geral não tinham
condições financeiras para comprar escravos e, mesmo que dispusessem de tais recursos, ainda
havia uma legislação que os proibia de comprar. Adicionado a esses fatores, eles ainda precisa-
vam angariar recursos para quitar a dívida da compra das terras de colonização, que poderiam ser
pagas em um prazo de cinco anos, sem juros, em três parcelas nos finas do 3º, 4º e 5º ano115
. Lo-
go, precisavam realizar com as próprias forças todas as tarefas da vida cotidiana. De certa forma,
é provável que esses fatores tenham contribuído para a formação do ideário social de que o colo-
111 Relatório de Presidente da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. João Lins Vieira Sansansão de Sinimbú. 1853. Porto
Alegre. Typographia do Mercantil.1853, p. 21. 112 Jean Roche. A Colonização Amemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969 – p 167-170. 113 Loirane S. Giron. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: DACANAL, José H. e GONZAGA, Sergius. RS:
Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 55 114 Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Resoluções da Assembleia legislativa da
Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul - 1º sessão da 4º Legislatura. Porto Alegre: Typographia de F. matelly. 1859. 115 De acordo com a Lei Província nº 304 sancionada em 1854.
41
no era laborioso enquanto que a população nativa era vista como preguiçosa e de hábitos rudi-
mentares.
A despeito do ponto de vista, os imigrantes europeus, detentores de algumas inovações
técnicas, desenvolveram um artesanato doméstico que, em um primeiro momento, supriu as ne-
cessidades básicas, como a produção de tecidos de linho e algodão, a alfaiataria, a carpintaria, a
sapataria, entre outros. Com o passar do tempo, essa produção artesanal evoluiu e se disseminou
para vários setores econômicos116
. Já em relação à agricultura, no início eles se dedicaram ao
cultivo de gêneros de subsistência, com os quais já estavam familiarizados, como a batata inglesa,
a aveia, o centeio, a ervilha e o trigo; e posteriormente introduziram outros cultivos locais como o
milho, a mandioca, o feijão e o fumo. Esse arcabouço de produções artesanais e agrícolas foi im-
portante para o crescimento e o desenvolvimento das colônias.
2.3 A COLONIZAÇÃO E O AVANÇO SOBRE OS ERVAIS
Na província do Rio Grande do Sul, Santa Cruz (1849), Santo Ângelo (1857), Nova Pe-
trópolis (1858) e Monte Alverne (1859) foram as primeiras colônias a surgir. Nestas, entre 1849 e
1973, ingressaram cerca de 22 mil imigrantes, a grande maioria oriundos da Alemanha117
. Elas
se localizavam nas regiões do Vale de Taquari e Rio Pardo e do Rio Caí, repletas de densas flo-
restas e desprovidas de acesso, o que dificultava o trânsito de pessoas e mercadorias. Logo essas
novas colônias se integraram com os demais municípios da Província por meio da abertura de
estradas, em parte construídas pelos próprios colonos como forma de abatimento da dívida da
imigração118
.
Com poucos instrumentos de trabalho, os imigrantes inicialmente cultivaram a terra de
maneira similar à praticada pelos pequenos agricultores brasileiros, ou seja, o preparo do solo
ainda estava baseado no método da coivara. Como a extensão das plantações dos colonos era
maior do que as áreas comumente plantadas pelos caboclos, a devastação das matas nativas se
intensificou nas imediações das colônias pois a maioria dos estrangeiros recebia lotes com cerca
de 25 hectares e procurava usufruir de todo espaço disponível. Uma carta de um colono aos seus
116 Jorge Luiz da Cunha. Os Colonos Alemães e a fumicultura. Santa Cruz do Sul: Fisc. 1991. 117 Paulo Pinheiro Machado. Op. Cit. p, 16 118 Paulo P. Machado. Op. Cit. p,43
42
familiares oferece, de certa forma, um retrato dessa realidade e demonstra as dificuldades enfren-
tadas pelos imigrantes nesse período inicial.
[...] a mata era floresta virgem, árvores grossas, seculares, de todos os tipos, terra
excelente com profunda camada de húmus de inigualável fertilidade para qual-
quer cultura [...] Não sabíamos ‘fazer roça’ cortando primeiro a vegetação baixa
a foice e depois as árvores, deixando secar um pouco tudo para em um dia quen-
te incendiá-la. Atiramo-nos ‘a mata como um inimigo atacando-o com todas as
ferramentas que dispúnhamos, facões, machadinhas, machados e serras, mane-
jando-os ‘à (sic) torto e a direito’, sem método cortando arbustos, samambaias,
árvores pequenas e grandes, numa sequência desordenada e num esforço bru-
tal119
.
Possivelmente, essa prática de substituição de cultura fez com que muitos imigrantes
destruíssem áreas de ervais. O presidente da Província em 1858, Ângelo Muniz da Silva Ferraz,
destacou em seu relatório que, devido à negligência com o trato desses matos, esse importante
ramo da riqueza provincial se tornaria escasso. De acordo com ele, os colonos estragavam e der-
rubavam os ervais, pois não compreendiam os seus benefícios120
. Algumas autoridades solicita-
ram providências governamentais e sugeriram a criação de uma legislação que proibisse a derru-
bada dessas árvores. No entanto, essas solicitações não foram atendidas.
Tabela 2.1 – Produção de erva-mate nas colônias.
Ano Quantidade (Arrobas) Preço (Réis) Colônia
1842 8 2$400 São Leopoldo
1843 24 2$500 São Leopoldo
1844 10 2$200 São Leopoldo
1845 393 2$200 São Leopoldo
1856 150 - Santa Cruz
1865 420 - Estrela
1869 156 - São Luís
1876 253 - Nova Petrópolis
Embora os colonos praticassem a destruição indiscriminada dos ervais, através da inves-
tigação dos relatórios dos presidentes da Província do Rio Grande do Sul no período entre 1845 e
1889, ainda se encontra, mesmo que em pequena proporção, alguma informação a respeito da
119 Roger Stoltz. Cartas de Imigrantes. Porto Alegre: Suliani. 1997 p, 58-59. 120 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Monis da Silva Ferraz. 1
sessão da 8 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul 1858, p, 33.
43
extração e produção da erva-mate nas colônias, o que leva a crer que o seu consumo também fa-
zia parte do processo de adaptação dos imigrantes. Os relatórios de Província sobre colonização
apresentam as quantidades de erva vendida resumidas na Tabela 2.1121
.
Segundo o relatório de Presidente de Província de 1876, na ponta da serra, próximo à co-
lônia do Rio Pardo, existia uma povoação germânica com cerca de 213 moradores que, em 1874,
possuía um engenho a vapor para socar erva e descascar arroz122
. Além desse exemplo, o relató-
rio de 1876 da Câmara Municipal do mesmo município menciona que o comerciante Guilherme
Bernhard, imigrante alemão era dono de um estabelecimento de socar erva avaliado em dois con-
tos de réis123
. Esses relatos de engenhos contradizem a hipótese corrente de que os colonos não se
dedicavam ao extrativismo e beneficiamento do mate. Para construir tais empreendimentos, é
provável que esses imigrantes possuíssem capital e avaliassem tal atividade como lucrativa.
Outros exemplos também elucidam uma certa produção e consumo de erva-mate nas co-
lônias. A documentação redigida por João Martins Buff, presidente de Santa Cruz em 1869, relata
que a viúva Ostereich e seus três filhos tinham, como principal atividade econômica, a extração
dos ervais presentes no interior e nas proximidades da propriedade deles, localizada na Picada
Santa Cruz próximo à divisa com a colônia Monte Alverne124
. Já no Relatório Provincial de
1856, consta que a colônia Estrela colheu e beneficiou, naquele ano, 500 Kg de erva-mate, dos
quais 420 foram destinados ao mercado125
. Supõe-se que o restante ficou para o consumo dos
próprios colonos, os quais, de acordo com a carta do imigrante Josef Umann, passavam por difi-
culdades financeiras, especialmente nos primeiros anos, e por isso não podiam comprar bebidas
caras como cerveja ou vinho. Assim, cedo se habituaram ao consumo de chimarrão126
. Esses
exemplos ajudam a sustentar a hipótese de que os colonos, além de produzir diferentes gêneros
121 Tais informações foram consultadas nos seguintes Relatórios de Presidentes de Província: Relatório apresentado pelo Presiden-
te de Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Lins Vieira Cansansão de Siminbu. Porto Alegre. Tipographia do Mer-
cantil. 1855; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza
Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865. p, 101; Relatório apresentado pelo presidente da Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Sertório, Porto Alegre. Typographia do Rio Grandense. 1870, p, 70; Relatório apresen-
tado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Antônio de Azevedo Castro. Porto Alegre. Typogra-
phia do Rio Grandense. 1876. p, 39. 122 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Carvalho de Moraes. Porto legre.
1874. 123 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Taquari. Maço 65, 28 de junho de 1876. 124 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Taquari. Maço 65, 08 de julho de 1969. 125 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga.
Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865, p, 101 126 Josef Umann. Memórias de um imigrante Boêmio. Porto Alegre: São Lourenço de brindes, 1981.
44
agrícolas, também se dedicavam à produção da erva-mate, fato ainda pouco trabalhado pela histo-
riografia e dependente de uma investigação mais aprofundada.
O fato é que a aquisição das terras pelos imigrantes transformou a região do vale do Rio
Pardo e Taquari em diversos aspectos, tanto na ocupação geográfica quanto nas atividades eco-
nômicas. Os imigrantes, alojados em pequenas propriedades, desenvolveram uma economia di-
versificada e modificaram a paisagem natural em detrimento do crescimento regional127
. Entre-
tanto, as terras destinadas à colonização já estavam ocupadas128
, existia grande massa de caboclos
que se dedicava à agricultura itinerante e à extração de erva-mate em um sistema de apossamento
de terras129
. Essa população era vista por alguns integrantes da Câmara de Vereadores de Taquari
como indesejável. De acordo com eles, o processo de colonização, além de levar o progresso à
região de matos, deveria resolver alguns “problemas sociais”, como a expulsão dos homens po-
bres e livres. Nesse sentido, esses vereadores acreditavam que com a venda das terras eles presta-
vam um serviço significativo ao município, pois levavam paz e sossego àquelas áreas. Esse pode
ter sido um dos motivos pelos quais alguns homens públicos não atuaram no controle do avanço
das grilagens e das posses indevidas sobre os ervais130
. É difícil afirmar com precisão a causa
desse preconceito. Supõe-se que eles acreditavam que, em meio a grande massa de caboclos,
existiam desertores de guerra, escravos fugidios e criminosos foragidos, todos mal vistos pelas
autoridades. A despeito dessa motivação, as áreas de ervais, durante toda a segunda metade do
Império, nunca deixaram de ser regiões conflituosas, fato que será melhor trabalhado nas próxi-
mas sessões.
O comércio de terras públicas gerou grandes fortunas aos integrantes das companhias de
colonização particulares, que se apossavam das áreas de forma ilegal, ou compravam terras do
Estado a valores módicos, e as revendiam, em regime de parcelamento, aos imigrantes em forma
de lotes coloniais de 25 hectares, precificados em geral de acordo com a existência de água na
propriedade, com as condições topográficas da mesma e com a proximidade de estradas131
. As
terras da região do alto Taquari, ao longo dos anos 60 e 70, eram as mais procuradas e disputadas
para a criação de colônias particulares, entre as quais se destacaram Mariante, Conventos, Teutô-
127 Lurdes G. Ardenghi. Caboclos, Ervateiros e Coronéis. Luta e Resistencia no Norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo.
UPF.2003. p.31 128 Paulo A. Zarth. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Unijuí, 2002. p, 98 129 Lurdes G. Ardenghi. Op. Cit. p, 42. 130 José Paulo Eckert. Op. Cit. 131 Paulo Afonso Zarth. Op. Cit. p, 65-68.
45
nia e Estrela. Além disso, os filhos dos primeiros imigrantes, devido ao alto crescimento vegeta-
tivo, também migraram e adquiriram novos lotes de terra dessas companhias de colonização. Esse
movimento corroborou para a rápida ocupação do vale dos rios dos Sinos, Caí, Rio Pardo e Ta-
quari. Posteriormente, esse processo de colonização se estendeu para o norte e para o noroeste da
Província. No final do século XIX, as regiões do vale do Taquari e Rio Pardo já estavam total-
mente loteadas. Por conta disso, novas áreas foram incluídas nas rotas de expansão colonial. As
companhias de colonização compraram terrenos de particulares e negociaram terras devolutas em
Cruz Alta, Palmeira das Missões e Passo Fundo. O processo de colonização dessas áreas ocorreu
próximo ao fim do período Imperial e nos primeiros anos da República. A Figura 2.1 mostra es-
sas zonas de povoamento de imigrantes, quase todas com a presença de ervais nativos.
Figura 2.1 – Mapa das áreas de colonização no Rio Grande do Sul132
.
132
Mapa adaptado do site do IBGE.
46
A mercantilização das terras no norte e no noroeste da Província promoveu o interesse
de empresários que procuravam transmitir o ideal de que se sacrificavam para atingir projetos
grandiosos de progresso e civilização. Várias empresas de colonização, fundadas por capital es-
trangeiro, instalaram-se nessas regiões: a Dr. Herrmann Meyer, a Caetano Pinto e Irmão e Hol-
tzweissing Luce, a Rosa & Cia., a Schmitt & Oppitz, a Silva & Cia., a Colonizadora Matte, a
Jeiwish Colonization Association, a Schilling Göelzer e Almeida, a Colonizadora de H.A. Hac-
ker, a Firma Gomes, a Sul-Rio-Grandense e Sturm & Cia., entre muitas outras133
.
Figura 2.2 – Gráfico de evolução dos preços de terras no planalto rio-grandense134
.
O aparecimento de tantas empresas de colonização provavelmente colaborou com a va-
lorização territorial em áreas de matas nativas, algumas também regiões de ervais. A Figura 2.2
apresenta a dinâmica desses negócios na segunda metade do século XIX e a forte valorização
monetária dos terrenos rurais nas regiões Norte e Noroeste da Província. A curva verde mostra o
preço máximo, enquanto que a curva azul mostra o preço mínimo, ambas em réis por hectare, da
venda de terras no período de 1851-86. De acordo com as curvas, no período de 1861-86, há uma
evidente diferença entre os valores máximos e mínimos de aquisição dos terrenos, fato também
133 Aldomar A. Rückert. Op. Cit. p, 124-125 134 Paulo Afonso Zarth. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: UNIJUÍ, 2002.
0
5000
10000
15000
20000
25000
1851 1856 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896
Rei
s p
or
hec
tar
Preço das Terras no Planalto Rio-grandense
Preço Máximo em Réis Preço Mínimo em Réis
47
constatado nos anos de 1886-96. Isso pode indicar que houve forte especulação no preço da terra
durante esses períodos. A diferença máxima registrada ocorreu no ano de 1896, com preço míni-
mo de 2100 e com preço máximo de 22000, uma razão 10 vezes maior que o valor original da
terra registrado anteriormente.
Além dessas companhias, a exploração da erva-mate teve sua parcela de contribuição
com a apropriação e a valorização das matas provinciais. Como a produção ervateira garantia
altos rendimentos no mercado platino, essa atividade atraiu os caboclos, os grandes proprietários
e os imigrantes. Isso, por conseguinte, estimulou o comércio de terras em regiões de matas de
ervais públicos. Com a desenfreada apropriação destes, as disputas por essas áreas, antes de uso
coletivo, engendraram uma série de apossamentos e grilagens.
2.4 OS APOSSAMENTOS EM ÁREAS DE ERVAIS
A expansão da fronteira agrícola causou a apropriação indevida de áreas situadas em re-
giões de matas nativas que, entre outras espécies de plantas, apresentavam ervais. Essas regiões
eram terras cultivadas por caboclos posseiros que viviam da extração da erva-mate e de uma agri-
cultura de subsistência. Os principais alimentos cultivados eram o milho, o feijão e a mandioca.
Com o avanço da colonização e da concentração fundiária, os pequenos posseiros foram pouco a
pouco desapropriados de seus terrenos, fato que incitou os conflitos entre eles, os colonos e os
grandes proprietários da região. Estes fazendeiros, por meio de influência política e econômica,
fraudavam os registros de terras em conluio com os órgãos responsáveis pela regulamentação das
mesmas. De acordo com § 4º do artigo 5º da Lei de Terras de 1850, os caboclos recebiam amparo
legal para praticarem a extração da erva-mate.
Art 5º § 4º Os campos de uso commum dos moradores de uma ou mais fregue-
zias, municípios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas di-
visas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a pratica actual, enquanto
por lei não dispuzer o contrario135
.
135 Lei nº 601, de 18 de Setembro de 1850. In: Coleção das Leis do Império do Brasil. Disponível
em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-601-18-setembro-1850-559842-publicacaooriginal-82254-pl.html.
Acesso em 16/06/2014.
48
O não cumprimento desse artigo possibilitou que particulares adquirissem terras devolu-
tas através da posse ilegal e sem custo. Muitos posseiros com influência política e econômica se
valeram dos seus cargos de juízes de paz, subdelegados e fiscais dos ervais, para assegurar, ou
conceder a terceiros, a apropriação das áreas de matas nativas ricas em mate.
2.4.1 A Apropriação em Cruz Alta
O município de Cruz Alta, um dos mais antigos do Rio Grande do Sul, criado pela reso-
lução de 11 de março de 1833, era um dos maiores em extensão territorial e, devido a isso, ao
longo do XIX e XX, o seu desmembramento daria origem a muitos outros municípios. Cruz Alta
foi elemento importante em quase todos os acontecimentos políticos, militares e econômicos da
Província. Recebeu o alto comando farroupilha em janeiro de 1841. Forneceu voluntários à 4º
divisão da cavalaria que atuou na Guerra do Paraguai. E, além disso, foi um importante centro
extrator ervateiro136
. Dado o seu grande território, nesse município, após a sanção da lei de 1850,
ocorreram muitos casos de posses de terra irregulares, especialmente nas regiões dos ervais.
Em um de seus distritos, Santo Angelo, os moradores, através de oficio, reclamavam que
os hervaes, existentes na Serra geral Juhy Grande, foram tomados pelo cidadão Jõao Rodrigues
da Fonseca e outros individuos que se consideravam possuidores sob a alegação de os terem me-
dido e demarcado. No entanto, nenhum archivo, que assegurava a legalidade desses atos, consta-
va no cartório da cidade. A Câmara Municipal requisitava, por meio de correspondência ofical ao
governador da Província, urgência na solução desse problema e esclarecia que, entretanto, não
embargara as referidas medições e demarcações em virtude do Artigo 221 do Código de Postu-
ras137
. Mas de acordo com a Câmara, os extratores de erva-mate tinham o direto de explorar a-
quela região porque esta era propriedade do municipio e porque a extração e beneficiamento da
erva-mate era o único ramo industrial que empregava a população de baixa renda138
.
Em outro ofício, enviado a Repartição de Terras Públicas da Província, ainda retratando
o mesmo caso, um abaixo assinado, com 25 assinaturas dos moradores de Santo Angelo, solicita-
136 Cruz Alta (Prefeitura). Disponível em: <http://www.cruzalta.rs.gov.br>. Acesso em: 16/06/2014. 137 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 520, Maço 60, Cx. 28, de1870 138 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 517, Maço 60, Cx. 28, de 24 de maio de 1870.
49
va providências das autoridades. O traço impreciso das assinaturas sugere que o documento foi
redigido com apoio de um indivíduo letrado, o que corrobora a hipotese de que os caboclos, ou
extratores de erva-mate, não conheciam bem as leis juridicas e, talvez, por isso não se preocupa-
vam em legalizar suas posses conforme exigido no Artigo 5º da Lei de Terras.
Art. 5º. Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação
primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com
principio (sic) de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem
o represente (...)
Registros primários do acervo documental das Câmaras Municipais, contendo abaixo as-
sinados de cidadãos pobres prejudicados, são raros e, portanto, valiosos para a compreensão da
situação vivenciada por essa população. Além disso, são raros também documentos que retratam
a intervenção do poder público em socorro a essa gente.
Além da documentação oficial da Câmara Municipal de Cruz Alta, os Registros Paro-
quiais do mesmo município também apresentam documentos que revelam a intensa disputa de
terras na região. Os primeiros registros desse tipo, a cargo das paroquias locais, revelaram-se na
prática omissos ou imprecisos. Contudo, a despeito das deficiências, eles também são fontes vá-
lidas que contribuem para a elucidação de aspectos da formação fundiária brasileira. Eles ganha-
ram importância histórica devido à Lei de Terras de 1850, pois esta exigia de todos os possuido-
res de terra, qualquer que fosse o título de sua propriedade, a obrigação de registrá-la, dentro dos
prazos estabelecidos pelo regulamento139
. Esses registros eram realizados pelos vigários, que os
lançavam em livros paroquiais exclusivamente destinados a esse fim, e posteriormente eram en-
viados ao Diretor Geral de Terras Públicas da Província. As condições precárias em que os do-
cumentos eram confeccionados permitiam fraudes, pois, conforme o Art. 100, os párocos não
podiam recusar as declarações de posse do suposto possuidor, mesmo se essas apresentassem
erros notórios140
. Assim, amparados na Lei, os posseiros muitas vezes burlavam o artigo 100 para
pagar um valor menor pelo registro ou para assegurar uma área maior do terreno. Em geral, o
declarante da posse estava desobrigado a prestar informações precisas sobre a forma como adqui-
rira a propriedade e suas reais dimensões141
. Dessa forma, as descrições sobre os terrenos eram
vagas e caracterizadas, por exemplo, por acidentes geográficos: uma encosta, uma encruzilhada,
139 Art. 91 do Decreto nº. 1.318 de 30 de Janeiro de 1854. 140 Artigo 102. 141 Ortíz, Helen Scorsatto. Ocupação, valorização e comércio de terras no norte do Rio Grande do Sul -séculos 19 e 20, in: Dos-
sier: Los mercados de tierras em Argentina y Brasil durante el siglo XIX. 2009, no. 35, p, 05
50
uma queda d’água, uma árvore torta, entre outros. Essa prática, embasada pelo parágrafo 1º do
artigo 5º da Lei de Terras, possibilitava o apossamento eficiente de áreas imensas.
Matheus Ferreira, por exemplo, em 1856, registrou na Paroquia de Cruz Alta a posse de
campos e matos no Rincão de Nossa Senhora, distrito do município, adquiridos, segundo ele, em
1839. No entanto, a declaração de posse não discriminava a extensão e as divisas da propriedade.
De acordo com o documento, (...) “o terreno principiava em uma quebrada onde tem um marco
na estrada que vem dos hervaes, cujo mesmo marco é divisa do mesmo vendedor ”(....)142
. Outro
exemplo de registro paroquial impregnado de imprecisões documentais, datado de 1867 e decla-
rado por Joaquim Antonio Cardoso do distrito de Boticarahy, relata uma propriedade na Serra
“onde tem um estabelecimento de posse desde 1836 e cujo lugar é conhecido como herval limpo,
tendo de fundo um quarto e meio de legua e de frente mais ou menos”143
. Essas duas fontes pri-
márias, consideradas documentos oficiais de posse, revelam, de maneira indubitável, o descuido
na oficialização de terrenos e, dada a evidente falta de critério na regulamentação e elaboração
desses registros, sugerem a viabilidade para a possessão fraudulenta de terras devolutas. Essa
forma descuidada de registrar os empossamentos facilitava a expansão territorial e evitava possí-
veis contestações judiciais, em parte porque dificultava a localização, as metragens e as frontei-
ras dos terrenos, apresentadas na maioria dos casos com sentenças do tipo “mais ou menos” ou
“três quartos de frente”, e em parte porque não questionava a veracidade de declarações que não
precisavam de comprovação.
Além da imprecisão documental, outro registro paroquial expõe um caso de falsificação
explícita para assegurar a posse de terrenos. O cidadão Thomas Rodrigues Gonçalves declarou,
em 1855, a aquisição, próximo à estrada de Santa Cruz, de 5.445 hectares de campos e matos144
.
Nesse caso, a declaração indica um apossamento cinco anos após o advento da Lei de Terras
(1850), que garantia o direito a propriedades empossadas somente até a data de sansão da Lei. Ou
seja, esse registro paroquial contrariava uma Lei Imperial e, ao mesmo tempo, legitimava uma
posse indevida.
A decisão imperial, através do artigo primeiro da lei de terras de 1850, transformou to-
dos os posseiros, que ocupavam as áreas vazias, em transgressores da lei. No entanto, essa juris-
142RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 578, de 19
de junho de 1856. 143RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 813, de 02
de abril de 1857. 144Luís Cristiano Cristillino. Litígios ao Sul do Império: A Leis de Terras e a consolidação política da Coroa no Rio Grande do
Sul. Tese apresentada na Universidade de Niterói.
51
dição logo começou a ser questionada e colocada em dúvida. Enquanto o governo Imperial tentou
definir as novas posses como ilegais, a elite agrária, que exercia alguma influência social, eco-
nômica e política, resistiu a essa legislação. Com o tempo, eles também ganharam o apoio de uma
parcela de juristas e políticos influentes. Esse apoio aos grandes proprietários, por consequência,
pressionou algumas decisões do governo imperial, que em vários casos se viu obrigado a realizar
concessões como tentativa de salvaguardar as autoridades provinciais que constantemente eram
desafiadas145
. Diante de tantos casos de posses, o governo não conseguiu pôr fim a essa forma de
aquisição da terra e, ao mesmo tempo, não conseguiu descobrir quais eram de fato as áreas ainda
devolutas. Na tentativa de resolver essa questão da ilegalidade territorial, que aumentava cada vez
mais, em 04 de outubro de 1873, o governo Imperial expediu una nota que concedia aos posseiros
o direito de comprar as terras que foram ocupadas após 1854146
. Entretanto, essa nota também
não surtiu o desejado efeito e os apossamentos ilegais continuaram.
2.4.2 A Apropriação em Palmeira das Missões
Palmeira das Missões se emancipou do município de Cruz Alta, em 06 de maio de
1874147
. As motivações para os primeiros núcleos de ocupação desse município estavam correla-
cionadas à extração da erva-mate, abundante naquela região, e posteriormente à pecuária. A ocu-
pação desorganizada dessas áreas, pouco a pouco, formou uma população com interesses socioe-
conômicos e políticos distintos. Isso, com o tempo, contribuiu para o surgimento de vários confli-
tos agrários.
Um desses casos, por exemplo, ocorreu em Campo Novo, segundo distrito do município
de Palmeira das Missões, considerado área comunal de exploração de erva-mate, regulamentada
desde 1861 por determinação do governo Imperial. Em 1876, a Câmara Municipal desse municí-
pio enviou uma correspondência oficial ao Presidente da Província, Dr. José Antônio de Azevedo
Castro, para acusar o Juiz Comissário de Passo Fundo, Benedito Marques da Silva Acauã, por
autorizar mais de 20 medições ilegais de campos e matos nos rincões do referido distrito, com o
intuito de tornar essas áreas terrenos privados. Segundo a Câmara municipal, tais terras eram
145
Lígia Osório. Op. Cit. 168-69. 146 Lígia Osório. Op. Cit. p, 197 147 Mozart P. Soares. Santo Antônio da Palmeira. Porto Alegre: Bels. 2974. p, 131.
52
consideradas devolutas e de servidão pública, conforme decisão do governo Provincial148
. Por
conta disso, os vereadores solicitavam as devidas providências do governo provincial, para impe-
dir a continuação das medições do Juiz Comissário que, com suas medidas, favorecia as compa-
nhias de colonização e grandes fazendeiros. Entretanto, já havia caboclos que sobreviviam nessas
terras e que, embora alegassem a falta de documentação que legitimassem a posse dos terrenos,
reivindicavam o direito por usucapião dessas áreas consideradas, a muitos anos, de servidão pú-
blica149
.
Em princípio do corrente mês o juiz comissário deu começo à medição dos ter-
renos naquele distrito em cuja medição dividiu o Campo Novo, ocupado por
mais de três mil almas há anos. Cujo campo fora questionado por outros cida-
dãos, que se chamavam à posse há mais de vinte anos, cujo campo, por uma sen-
tença ficou sendo propriedade municipal onde os habitantes tinham suas resi-
dências nos capões e imensas árvores de erva-mate, de onde se fabrica milhares
de arrobas da dita erva, para exportação e mesmo de onde se fornecem de ma-
deiras para o mister de suas habitações e hoje que o dito juiz Comissário não
tendo em consideração os graves prejuízos que causa aos habitantes do sobredito
distrito em dividir a meia dúzia de interessados fazendo assim um prejuízo con-
siderável a Ilma. Câmara sobre as rendas do município, visto que os ervais do
comum ficam pertencendo a propriedade particular150
.
Em outro documento da Câmara Municipal, os vereadores alegavam que os caboclos,
presentes nas regiões dos ervais, estavam amparados pela Lei do Código de Postura do Município
e ainda acusavam o Juiz Comissário de “sega ambição para incluir essas terras como áreas agrí-
colas destinadas a colonização151
”.
Em ofício de 10 de agosto de 1876, o presidente da Província solicitou esclarecimentos
ao Juiz Acauã152
, que respondeu ao governo provincial que a Câmara de Palmeira queria que
aquelas áreas permanecessem como servidão pública, contrários aos interesses progressistas das
companhias de Colonização. Segundo ele, a Câmara o atacava porque tinha interesses na disputa
dessas terras e, por conta disso, também fazia suas próprias demarcações, que as concediam a
terceiros ilegalmente. Isso desrespeitava as posses legais e, além disso, incitava o mal exemplo a
148 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 18. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876 149 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876 150 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876. 151 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. S/m Nº. Maço 75 c, Lata 124, Cx 43, de 04 julho de 1879 152 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 10 de agosto de 1876.
53
população local que considerava desnecessário a regulamentação das propriedades, pois não es-
tava habituada a necessidade desses registros153
.
Três anos após esse embate, a questão de terras públicas e coletivas reacendeu, devido a
denúncias similares, com uma nova correspondência oficial da Câmara de Palmeira das Missões.
Em 1879, o novo Juiz Comissário Tibúrcio Álvaro de Siqueira Fortes também foi o protagonista
de disputas de terras entre os órgãos municipais e pequenos posseiros:
A Camara (sic) municipal da Villa de Palmeira se apresenta ao governo Imperi-
al, a inclusa representação, por ela informada, de diversos moradores do mesmo
município contra o respectivo Juiz Commipario (sic), não só por haver este
mandado commprender (sic) nas medições de posses existentes entre os rios
Turvo, Uruguai e Varzea (sic), terras em que há hervais (sic). Aos quais pelos
anos de 20 de maios de 1861 foram concedidas para uso comum (sic) dos res-
cpectivos (sic) moradores, mais ainda autorizando a medição de outras que tem
contra si a lei de 1850, e mais por haver feito medir uma posse que comprou a
José Joag Cordeiro por este estabelecido posteriormente a lei citada e Reg. De
1854... Na citada representação se pede a suspensão da medicao (sic) naquela
localidade154
O manuscrito acima, tal como o documento anterior, revela o desrespeito à legislação e
o abuso de poder daqueles que deviam cumprir a Lei. Essa petição dos caboclos moradores do
Campo Novo, enviado à Câmara Municipal de Palmeira, também denunciava a demarcação ilegal
de terras, autorizada pelo Juiz Comissário Tibúrcio Álvaro de Siqueira Fortes.
De acordo com esses registros, com a intensificação da privatização de terras devolutas,
subsequentes ao advento da Lei de Terras de 1850, os conflitos, entre os diversos extratos sociais
que disputavam esses espaços, tornavam-se cada vez mais latentes. Nas áreas em disputas, vivi-
am os despossuídos, os caboclos, os negros, os índios, os escravos fugidos e os caboclos, que
sobreviviam da extração da erva-mate e pequenas culturas de subsistência. Por outro lado, as
mesmas áreas interessavam tanto aos grandes proprietários rurais, desejosos de manter o mono-
pólio da terra, quanto às companhias de colonização, que obtinham proveitosos lucros com a
venda de lotes para os colonos. Para os órgãos públicos competentes, esses conflitos se tornaram
complicados para administrar; como, por exemplo, o caso da Câmara Municipal de Palmeira das
Missões que não sabia como arbitrar diante de tantos casos de litígio e que, ao mesmo tempo, não
153 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876 154RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência
da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 74 b. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 28 de dezembro de 1879.
54
sabia como se defender da acusação de doações ilegais de terras. Com isso, a legalização das ter-
ras era um problema dúbio para os órgãos municipais: a compra, ou a posse ilegal, em regiões de
ervais colaborava com a expulsão dos pequenos extratores de erva-mate, que pagavam impostos
sobre a exploração e venda desse produto, enquanto que os grandes proprietários e colonos, por
não depender diretamente dessa atividade econômica, não contribuíam com as mesmas quantias;
por outro lado, a permanência dos caboclos reduzia o espaço para os imigrantes, mão de obra
laboriosa e responsável por introduzir novas técnicas de cultivo.
2.4.3 A Apropriação em Passo Fundo
Passo Fundo também se originou do município de Cruz Alta. Ele possuía vastas áreas de
campos e matos. A ocupação inicial dessas áreas ocorreu por causa do ciclo do tropeirismo, no
século XVIII, que levou a abertura de estradas para conectar o Rio Grande do Sul a São Paulo.
Mais tarde, no XIX, essa mesma área foi ocupada por fazendeiros escravocratas, que se dedica-
vam a atividade da pecuária e que, para isso, mantinham grandes extensões de campos, e também
foi ocupada por caboclos, que extraiam e beneficiavam o mate.
A presença de ervateiras nas regiões de matos no município de Passo Fundo fez com que
alguns fazendeiros influentes almejassem a posse dessas terras e, com esse propósito, contavam
com a com ajuda da Câmara Municipal, que servia de intermediaria entre os civis e o governo
provincial, como pode ser observado no manuscrito abaixo:
Serafim Antonio Dias, por intermédio da Câmara Municipal, tem a honra de so-
licitar ao governo provincial uma concessão dos terrenos com um quarto de le-
goás (sic) de frente e meia legoás (sic) de fundo, outro no centro dos mattos (sic)
denominado = matto (sic) castelhano, e no lugar denominado= Herval dos ma-
cacos onde existe uma lagoa secca (sic)155
.
Em algumas circunstâncias, a própria Câmara recomendava doações de terrenos devolu-
tos. Por exemplo, em janeiro de 1862, ela enviou, ao governador da Província, uma correspon-
dência oficial em que ressaltava a necessidade de abrir a estrada que ligaria Passo Fundo à Ta-
quari, pois essa via já tinha um projeto e diminuiria o percurso até a capital da Província. Essa
155
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 123 a. Lata 124, sem data.
55
construção, de acordo com o órgão público, facilitaria o comércio. Além disso, a Câmara também
cobrava a abertura da picada que daria acesso ao Mato Castelhano. Devido à falta de recursos
financeiros para abrir ambas as vias, ela sugeriu ao governo a doação de datas de terra no Mato
Castelhano, aos pobres do município, pois assim ficaria a cargo desses a abertura das referidas
estradas e picada156
. Assim, a própria prefeitura, diante das dificuldades administrativas, incenti-
vou a doação dessas terras a particulares. Contudo, não se sabe exatamente se essas terras, de
fato, foram doadas somente aos caboclos da região ou se outros fazendeiros oportunistas aprovei-
taram a situação para tomar posse delas, uma vez que o mato Castelhano era uma região rica em
pés de araucária e Ilex paraguariensis. De certo modo, esse caso, sugere que o próprio governo
ignorou a legislação vigente, pois, segundo a Lei de Terras, a única forma de adquirir proprieda-
des era através da compra. No entanto, esses documentos indicam que a prefeitura as concediam
gratuitamente, o que de certo modo, também sugere as dificuldades de implantação da referida
lei.
Outro tipo de apossamento de terras públicas empregado como método de concentração
fundiária nas regiões ervateiras de Passo Fundo foi a utilização de um preposto no lugar do fa-
zendeiro absenteísta (por extensão essa prática foi chamada de absenteísmo). A Lei de terras de
1850 exigia que o posseiro residisse na área declarada; por conta disso, os grandes proprietários
designavam representantes (laranjas)157
para ocupar as áreas pretendidas. Um caso clássico que
ocorreu nesse município exemplifica como o absenteísmo era praticado. João de Vergueiro, filho
de um grande proprietário de terras, em julho de 1897, anexou a sua fazenda, de 71.160,58 hecta-
res, três outras propriedades, próximas ao Rio da Várzea, de 12.888,38 hectares. Vergueiro, nos
autos de legitimação, atestou que três caboclos, seus representantes, residiam nessas áreas desde
1848, 1851 e 1855 e que os mesmos possuíam morada no local e se dedicavam ao cultivo do fu-
mo, do milho, do feijão e fabricavam erva-mate158
. Em geral, os caboclos eram motivados por
interesses pessoais e não só por obediência a um grande proprietário, pois se, por exemplo, Ver-
gueiro perdesse um dos lotes em uma disputa territorial, o seu agregado perderia o espaço de tra-
balho e a proteção do dono da terra. Dessa forma, essas associações, ainda que desiguais já que
156RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência
da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 140 a. Maço 102, Cx 45, janeiro de 1862. 157 Aldomar Ruckert. A Trajetória da Terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do Sul (1827 -1931) Passo
Fundo: Edipurcs.1997, p, 57. 158Aldomar Ruckert. Op. Cit. p, 71
56
um grande proprietário era mais influente do que um caboclo, eram estabelecidas em favor de
interesses mútuos.
Com essa prática Vergueiro expandiu sua propriedade para áreas de matos ricos em ma-
deiras, erva-mate e araucárias e também para áreas de campos irrigados com pequenos lajeados
propícios à pecuária. Na prática Vergueiro usou uma brecha da Lei, que concedia terras por sim-
ples declaração, para garantir a posse desses terrenos, os quais posteriormente foram vendidos a
companhias de medições que dividiram essa área em lotes destinando-os a imigração159
.
2.4.4 A Apropriação no Vale do Taquari
As terras do Vale do rio Taquari estão localizadas no centro leste da Província, a uma
distância média de 150 km da Capital, Porto Alegre. Essas terras eram consideradas férteis, pois
as inundações do rio permitiam o cultivo permanente nas lavouras, em uma época em que a exa-
ustão do solo era marcante nas demais regiões160
. Atraídas pelas excelentes terras, as companhias
de colonização e os grandes proprietários promoveram negócios imobiliários e intensificaram as
posses ilegais em áreas florestais, que pouco a pouco se valorizavam. O consequente aumento
demográfico contribuiu para o avanço sobre as matas de ervais.
Um caso, por exemplo, de posse ilegal de terra em regiões de ervais no vale do Taquari
foi praticado por Ignácio Teodoro de Godoy. Ele solicitou um pedido de legitimação de posse de
2.887 hectares de terra, em 1883, num lugar denominado Paredão, nos fundos da Colônia Nova
Berlin localizada no município de Estrela. Para justificar seu pedido, o posseiro argumentou que
as terras estavam repletas de acidentes geográficos, rios, matas e morros, e que por isso, necessi-
tava de uma extensão que viabilizasse a agricultura e à pastagem161
. Isso, segundo o posseiro,
justificava a requisição de uma vasta área. Entretanto, o Godoy, na verdade, solicitou terras com
extensos ervais públicos e pretendia explora-los comercialmente.
Casos de posses ilegais, como o retratado acima, sugerem que talvez fosse mais fácil e
rendoso se apossar ilegalmente de terras públicas do que adquirir uma propriedade por meio do
viés juridicamente legal. Outro fato que colabora com essa hipótese é a persistência de anúncios
159 Aldomar Ruckert. op. Cit. p, 72 160 Marcos Kreutz. O contexto ambiental e as primeiras ocupações humanas no Vale do Taquari/RS. (Dissertação de Mestrado
em Ambiente e Desenvolvimento). Lajeado RS: Univates, 2008. 161Cristiano Christillino. A Lei de Terras e a afirmação da grilagem no Rio Grande do Sul. Consultado em 18/06/2014. Saeculum:
Revista de História n. 26. 2012
57
de vendas de terras encontrados nos jornais da época. A Figura 2.3 mostra a imagem de anúncio
desse tipo. No Jornal do Commercio162
, no período entre 10/06/1886 e 12/12/1886163
, uma sessão
de classificados anunciava a venda de um terreno no Vale do Taquari, em regiões de matos com
ervais, com infraestrutura para o beneficiamento da erva-mate, galpões, fontes de água e bons
potreiros.
Figura 2.3 – Imagem de anúncio de venda de terras164
.
Esse anúncio foi publicado 35 vezes ao longo do período mencionado. Devido às ineren-
tes limitações da busca em fontes primárias, não se sabe, com exatidão, por quanto tempo as refe-
ridas terras foram anunciadas. Porém, os seis meses em que classificado perdurou são suficiente-
mente eloquentes para conjecturar que a venda de terrenos, através de jornais, não era tão imedia-
ta e que, portanto, um mercado imobiliário que se valesse apenas desses anúncios não deveria ser
muito promissor. Entretanto, a quantidade de registros de posses datados do mesmo período reve-
162162
Tais informações foram retiradas do Jornal do Commercio (1864-1911). Esse períódico esteve entre os mais importan-
tes jornais impressos no Rio Grande do Sul. Com o maior formato impresso (49,5 cm x 70 cm) e publicado diariamente, ele circu-
lou na cidade de Porto Alegre e demais cidades do interior. 163 Venda de Terras. Jornal do Commercio. Porto Alegre, n. 290, 12 dez. 1886, p. 3. 164
Venda de Terras. Jornal do Commercio. Porto Alegre, n. 290, 09 dez. 1886, p.2
58
la uma forte expansão imobiliária, capitaneadas principalmente pelas Companhias de Coloniza-
ção. Ou seja, é bem provável que a maior parte das possessões territoriais ocorria por meio de
apossamento ilegal por falsa declaração, como todos os casos citados anteriormente, e não por
meio de compra e venda convencional.
Além dos apossamentos ilegais de terras, o município de Taquari sofreu com curiosos
casos de corrupção. De acordo com os registros encontrados, a fiscalização das terras públicas era
tão precária que os órgãos municipais não conseguiam conter os abusos praticados por particula-
res e, por conta disso, esses órgãos recorriam ao governador da Província. Em julho de 1864, por
exemplo, a Câmara Municipal enviou ao governo provincial um oficio que solicitava a concessão
pública de uma passagem entre os arroios Castelhano e Sampaio, que ligava Taquari a Santo
Amaro. Segundo as denúncias, num local denominado Passo da Cruz, no arroio Castelhano, ter-
ceiros cobravam uma espécie de pedágio e impediam a livre circulação pela estrada. Essa cobran-
ça indevida afligia a população de ervateiros e de colonos com custos onerosos e enfraquecia a
autoridade do município sobre as terras públicas165
.
Todos os casos analisados sugerem que os dispositivos impostos pela Lei de 1850, que
pretendia regulamentar a questão das terras no Império, na prática, foram subvertidos pela elite
fundiária rio-grandense, que utilizou de vários mecanismos, legais e ilegais, para tomar os terre-
nos devolutos e, com isso, garantir o aumento de seus territórios. Esses apossamentos causaram
inúmeros conflitos entre os órgãos públicos, as elites locais e a população menos privilegiada, em
sua grande maioria, pequenos posseiros que sobreviviam da produção ervateira e da agricultura
de subsistência. No entanto, não se pode atribuir a eclosão desses conflitos unicamente à sanção
da lei de terras de 1850. Existia uma série de outros agentes que tornavam essa questão mais
complexa. Como visto nos tópicos anteriores, ao longo do século XIX, ocorreu uma série de
transformações econômicas e sociais que moldavam a sociedade oitocentista e, nesse sentido, a
própria sanção da Lei foi parte desse processo de mudança. Além disso, como visto no capítulo 1,
a erva-mate se tornou um produto de exportação e, com isso, atraiu um fluxo migratório para as
regiões onde existia a planta. É provável que esse aumento demográfico também tenha contribuí-
do para a eclosão das disputas territoriais. Diante disso, boa parte dos conflitos já existentes, so-
mados a dubiedade da Lei de Terras e por não contar com a boa vontade das classes dominantes,
e também não contar com o empenho do Estado em cumpri-la, não foram sanados. No caso das
165 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Taquari. N. 14. Maço 278, Lata 95, Cx 152, de 22 de julho de 1864.
59
regiões ervateiras, portanto, a sanção dessa lei, além de incitar novas disputas, também colaborou
para a intensificação dos conflitos agrários antecedentes.
A partir de meados do século XIX, por conta da Lei, as terras começaram a ser mercanti-
lizadas. Excepcionalmente, alguns caboclos conseguiram adquirir ou regulamentar suas terras. A
grande beneficiária da Lei, entretanto, foi a elite local, integrada pelos grandes latifundiários, que
puderam regulamentar e estender suas propriedades. Segundo José A. Morais de Nascimento, por
exemplo, que estudou a intervenção do poder público no processo de apropriação da terra no nor-
te do Rio Grande do Sul, após meados do século XIX, “os grandes proprietários se espalharam e
incorporaram a maior parte dos ervais e das novas terras, o que obrigou os trabalhadores nacio-
nais – por serem posseiros e não terem propriedade e nem condições financeiras de solicitá-las –
a se subjugarem a elite latifundiária local166
”. Esse processo de expropriação governamental e a
subsequente apropriação latifundiária se tornou cada vez mais frequente a partir de 1860.
Muitos negociantes se estabeleceram próximo às áreas de exploração de erva-
mate, onde estava concentrado um grande número de trabalhadores. Eles geral-
mente possuíam uma casa de comércio e aceitavam a erva-mate produzida nos
carijos próximos como moeda de troca para as suas mercadorias. Outros atua-
vam diretamente no agenciamento do produto propiciando a acumulação de
grandes fortunas aos negociantes167
.
Esses novos proprietários, negociantes que simplesmente se apropriavam de áreas de er-
vais de domínio público, utilizavam o trabalho dos caboclos, que ocupavam a região anteriormen-
te, como mão-de-obra barata para trabalhar em seus recentes ervais particulares. Esse domínio foi
importante para que a aristocracia garantisse a posse das novas terras. A tomada dessas áreas foi
uma maneira de exercer o controle sobre os homens livres e pobres que nelas atuavam”168
e, além
disso, criou “uma região de homens despossuídos, em meio à imensidão de terras, numa região
com alta concentração fundiária”169
. A polarização das forças entre esses extratos sociais gerou
um clima de belicosidade por interesses diversos, que se manifestou ao longo de distintos mo-
mentos históricos. Em consonância com esses fatos, a próxima sessão analisa os reflexos sociais
e econômicos decorrentes da colonização e dos apossamentos nas regiões ervateiras.
166 José Antônio Morais do Nascimento. Derrubando Florestas e plantando povoados: A intervenção do poder público no proces-
so de apropriação da terra no norte do Rio grande do Sul. Porto Alegre. Puc. Tese de doutorado. 2007. 167José Antônio Morais do Nascimento. Op.cit. p, 97 168José Antônio Morais do Nascimento Op. Cit. p, 98 169 Paulo A. Zarth. Op. Cit. p, 59
60
2.5 OS REFLEXOS DA LEI DE TERRAS E DA COLONIZAÇÃO
A Lei de Terras de 1850 possivelmente influenciou a vida dos estratores de erva-mate.
Esse estrato populacional era constituído por um contingente de trabalhadores à margem da soci-
edade, com modo de vida em meio à mata e distante dos grandes centros. Não há como estabele-
cer com precisão o tamanho e a origem dessa população, porque essa gente possuía uma ativida-
de econômica itinerante e porque os responsáveis pelo senso demográfico, nessa época, não aden-
travam as matas e os lugares mais ermos. A título de conhecimento, o senso de 1872, que classi-
ficou a população de acordo com a raça, publicou o seguinte sensoriamento: 6% de caboclos;
7,88% de negros; 11,19% de pardos; e, por fim, 75% de brancos170
. Por outro lado, os relatos de
viajantes estrangeiros, mesmo que imprecisos, também possibilitam uma estimativa da composi-
ção populacional desse período. Nos ervais de Campo Novo em Palmeira das Missões, por
exemplo, havia, segundo os registros de Henrique Ambauer, cerca de 3.000 mil trabalhadores que
se dedicavam a extração do mate171
.
Os moradores dos ervais eram vistos na época como uma população de moral duvidosa:
mulheres de poucos escrúpulos e homens volúveis, que se aproveitavam da imensidão da mata
para ficar impunes dos seus atos condenáveis172
. Para essas comunidades que sobreviviam através
da ocupação da terra, após 1850, as condições de acesso à mesma se restringiram consideravel-
mente. As alternativas para esses indivíduos foram o avanço sobre as áreas florestais e a intensi-
ficação da extração de erva-mate. Eles eram atraídos pelas notícias de extraordinária abundância
de ervais e se arranchavam como agregados de fazendeiros ou construíam moradas dentro dos
matos baldios173
, de forma simples e pouco estruturada. Normalmente eram feitas de pau a pique
ou de barro e cobertas de palha, matéria-prima abundante na natureza. Não possuíam assoalho ou
qualquer outro tipo de cobertura acima do solo, o chão era constituído somente por terra batida.
Embora não fossem construções grandes, possuíam espaço suficiente para abrigar os ervateiros e
seus familiares durante a noite ou mesmo dos rigores do inverno.
O extrativismo nos ervais públicos foi, durante muito tempo, uma forma de sobrevivên-
cia para os homens pobres que, encurralados pelo latifúndio pastoril, embrenhavam-se nas matas
170 Paulo Zarth. Op. Cit. p, 176 171 Relato do viajante Henrique Ambauer. Localizado In: Revista Trimestral do Instituto Histórico e Etnográfico do Brasil. Rio de
Janeiro: Livreiro, 1866, 390. 172 Henrique Ambauer. Op. Cit. p,390 173 Hemérito José V. S. As Missões Orientais e seus antigos Domínios. Porto Alegre: Erus. 1990. p. 326
61
para se dedicar a essa atividade, controlada pelas câmaras municipais através dos códigos de pos-
tura. Essas Leis regulamentavam a extração, a fabricação e a manutenção dos ervais para impedir
a poda desenfreada e a consequente destruição deles. Nos meses de entressafra (outubro, novem-
bro, dezembro e fevereiro), os caboclos ervateiros se dedicavam à pequena agricultura de subsis-
tência, permitida pelos referidos códigos, desde que estes não ameaçassem os ervais174
. Eles plan-
tavam alimentos como o milho, o feijão, a mandioca e a abóbora. Se houvesse excedente, este era
destinado ao comércio. A forma de plantio consistia na derrubada, com auxílio de machados e
foices, e posterior queima dos matos, onde não havia concentração de ervais. Quando caiam as
primeiras chuvas, o solo era cavado com um pedaço de madeira e as sementes eram depositadas
nos sulcos. Feito isso, a roça só demandaria novos trabalhos na época da colheita175
.
Além dessa pequena agricultura, havia a criação bovina. O gado complementava a ali-
mentação (carne, leite e derivados) e servia como meio de transporte da erva beneficiada até os
centros comerciais. Carretas puxadas por seis a oito bois a transportavam para Itaqui e Uruguaia-
na, municípios portuários nos quais o mate era exportado para os países do rio da Prata176
. Além
dessa importância, a produção de gado fornecia o couro, matéria-prima para o surrão, espécie de
bolsa que servia para armazenar até 75 Kg de erva. Em média, do couro de um animal eram feitos
dois surrões e meio. Para confeccionar tais embalagens, os couros dos bois eram amolecidos, em
seguida cortados em quadrados e, por fim, costurados lateralmente, o que formava uma espécie
de saca. Após feito essas sacas, a erva-mate era surrada para dentro das mesmas com força, de
modo a formar um fardo grosso, provável origem da denominação surrão. Postos para secar, os
surrões de couro se contraiam e exerciam pressão sobre o mate, o que garantia o seu acondicio-
namento177
. Esse recipiente era preferivelmente utilizado para auxiliar o transporte porque manti-
nha as propriedades organolépticas da erva.
Próximo ao final do Império, outro recipiente para transportar a erva se popularizou: as
barricas. Estas eram confeccionadas principalmente de madeira de araucária. A produção delas
possivelmente estimulou o setor extrativista madeireiro e as serrarias responsáveis pelo corte de
madeira. Além disso, também estimulou o trabalho nas ferrarias que produziam as peças de metal
174 Segundo o Artigo 46 do Código de Palmeira das Missões por exemplo: É proibido fazer roças contiguas a ervais ou em matos
onde tenha erva e queimá-los sem ter feito um aceiro pelo menos de sete metros bem limpos para impedir incendiar-se o erval.
Entende-se por lugar contiguo ao erval distante das roças ao menos 500 metros. 175
Castro 1887, p, 280 176 Henrique Ambauer. Op. Cit. p,392 177
Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 161-65
62
utilizados na fabricação desses recipientes. Distinto do surrão, os tamanhos das barricas variavam
e comportavam de 05 até 100 Kg de erva-mate socada.
A pequena agropecuária e algumas pequenas manufaturas (como a produção de recipien-
tes, cuias e bombas) constituíram parte importante da formação do complexo ervateiro, pois fo-
ram atividades subsidiárias à economia extrativista do mate. O cultivo de alimentos e a criação de
animais, principalmente realizadas durante a entressafra, integravam o modo de vida dos extrato-
res e tornavam a economia principal factível. Conforme os relatórios das Câmaras178
, a extração e
o beneficiamento do mate também eram atividades produtoras essenciais à arrecadação de impos-
tos aos municípios que apresentavam ervais. Em Cruz Alta, por exemplo, entre 1865-66 a erva-
mate contribuiu com aproximadamente 69% dos tributos179
.
Com a crescente mercantilização e valorização das terras, os órgãos públicos passaram a
fiscalizar as áreas devolutas, especialmente as com presença de ervais, para evitar que sofressem
danos. No ano de 1863, por exemplo, a Câmara de Cruz Alta processou seis pessoas (provavel-
mente não se tratava de ervateiros) por derrubarem grande extensão de matos públicos próximos
de ervais, para simples plantação de roçados180
. Logo, as áreas florestais da província Rio-
grandense se tornaram espaços com inúmeros conflitos territoriais ao longo do Segundo Reinado.
A expansão da colonização e dos apossamentos indevidos sobre as áreas de ervais, considerados
como terras devolutas, não foi um processo pacífico. Os extratores de mate, nesse contexto, resis-
tiram a esse avanço, tanto através dos meios jurídicos quanto através da violência.
A documentação oficial da Câmara Municipal de Cruz Alta apresenta informações dos
conflitos judiciais relacionados às áreas de ervais do município. De acordo com os registros, os
ervateiros pobres reivindicavam legalmente seus direitos de fabricar mate em ervais públicos. No
ano de 1855, por exemplo, os extratores de erva-mate enviaram um manifesto a Câmara Munici-
pal para denunciar José Antonio da Cruz por tentativa de venda de terras devolutas em áreas de
ervais. A Câmara diante dessa denúncia averiguou o caso e multou o transgressor. Dois anos de-
pois dessa denúncia e da respectiva providencia tomada pela Câmara, o mesmo transgressor foi
denunciado por apropriação indevida em terrenos públicos no distrito de Campo Novo. Ele e seus
familiares invadiram e cercaram áreas de ervais e, com isso, impediam que os ervateiros extraís-
178 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. S/nº. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 15 de janeiro de 1876. 179 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. S/d. Cx 159. 180 Paulo A. Zarth. Op. Cit. p, 84
63
sem erva-mate181
”. Outro caso de denúncia de extratores à Câmara de Cruz Alta ocorreu no ano
de 1862 nos ervais do Faxinal. Segundo os denunciantes, o comissário Francisco José Alves
Monteiro concedeu a terceiros terrenos nos campos de Monte Alvão, uma região do município
que possuía um extenso erval público onde parte dos extratores pobres produziam erva-mate.
Em Palmeira das Missões também ocorreram casos similares. Um exemplo de grande
repercussão ocorreu no ano de 1879, quando os habitantes do distrito do Campo Novo, agora
pertencente ao município de Palmeira182
, elaboraram um abaixo-assinado, e o enviaram ao Presi-
dente da Câmara, ao Presidente da Província e ao Imperador, para acusar o juiz comissário Tibúr-
cio Álvares Siqueira Fortes de apossamento de áreas entre os rios Várzea, Turvo e Guarita, desti-
nadas ao uso coletivo e a fabricação de erva-mate. Embora essas terras fossem reconhecidamente
devolutas desde 1861, o juiz ainda assim as registou em nome de terceiros para futuramente
transferi-las para seu próprio nome183
. Essas denúncias de ervateiros pobres são evidências de
que, em alguns casos, eles reivindicavam seus direitos perante os órgãos públicos. No entanto, na
mesma documentação consultada, são difíceis de encontrar as providências adotadas pelos órgãos
públicos. Ainda assim, essas denúncias possivelmente adiaram a demarcação e a mercantilização
desses matos e, de certa forma, postergaram a presença dos extratores nesses locais.
Outra forma de luta pela permanência nos ervais foi por meio da violência. No municí-
pio de Palmeira das Missões, em 1881, Luiz Martinho Flores, considerado um articulador político
dos caboclos, aconselhou-os para que estes não realizassem as medições e não cumprissem a le-
galização das terras. Segundo ele, suas recomendações se justificavam pelo fato de que a Lei de
Terras de 1850 deixara de valer pois a Princesa Imperial a havia suplantado em favor do povo e
da pobreza daquele município184
. Logo após esses acontecimentos, Luiz Martinho Flores foi as-
sassinado por um proprietário de terras que, em sua defesa, alegou que a vítima invadira sua pro-
priedade para coletar erva-mate185
. Esse caso demonstra que os extratores não possuíam clareza
sobre a nova legislação em vigor. Essa falta de discernimento era possivelmente consequência do
analfabetismo dessa parcela da população, que vivia somente entranhada nos matos a cultivar
181 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. S/D. de 1863. 182 Após a emancipação política do Município de Palmeira das Missões de Cruz o Distrito do Campo Novo ficou pertencendo ao
município de Palmeira. 183 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Sem data. 184 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên-
cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Sem data. 185 Paulo A. Zarth, Op. Cit.; 1887, p, 68
64
pequenos roçados e que raramente se deslocava até a sede do município. Diante dessa realidade, a
documentação oficial analisada sugere que os órgãos oficiais, ou mesmo os grandes proprietários,
não tinham interesse em esclarecer os pequenos extratores a respeito da nova legislação, porque
estes se tornariam fortes concorrentes aos grandes proprietários, os maiores influentes políticos e
econômicos da região e, de certa forma, principais beneficiados com a sanção da Lei de Terras de
1850.
Além dos pequenos ervateiros, possivelmente a população indígena foi a outra parcela
da população mais atingida pelos impactos da Lei de Terras e pelo processo de colonização. De
1848 a 1855, praticamente todas as tribos foram aldeadas em reservas indígenas: Guarita, Nono-
ai, Inhacorá, Ligeiro, Votouro e Cacique Doble; situadas na região do mato castelhano, localiza-
ção ainda sem a presença de imigrantes. Restritos a essas reservas, essas sociedades sofreram
restrições às práticas da pesca, da caça e da coleta de alimentos. O governo ressaltava que uma
das formas de “civilizar” os indígenas era por meio da catequização e do trabalho. Em espaços
geofísicos reduzidos, os índios se dedicaram mais ao plantio de subsistência: feijão, milho e
mandioca, principalmente. Além disso, dedicavam-se a produção de erva-mate, atividade em que
alguns trabalhavam por conta e outros alugavam sua força produtiva em fábricas de particula-
res186
. De acordo com o relatório de 1860, a tribo Sagas, por exemplo, semeou, naquele ano, 18
alqueires de milho e nove de feijão e, durante o inverno, extraiu cerca de duas mil arrobas de er-
va-mate, que foram vendidas ao valor de 1$200 réis por arroba, abaixo do preço corrente porque
era erva cancheada187
. Segundo esse e outros relatórios188
, as comunidades indígenas, em contato
com a sociedade luso brasileira, passaram por influências culturais e econômicas. A erva-mate,
por exemplo, originalmente consumida com finalidades rituais ou meramente habituais, já não
era mais extraída e preparada só para atender esses costumes, era produzida com a expectativa de
gerar excedente à comercialização.
186 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Desembargador Francisco de Assis
Pereira Rocha. 1 Sessão da 10 Legislatura da Assembleia Provincial. 1863, p, 38. 187 Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Joaquim Antão Fernandes Leão. 1
sessão da 9 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul. 1860, p, 20 188 Sobre catequização e colonização do índios ver os seguintes relatórios: Relatório apresentado pelo presidente da Província de
São Pedro do Rio Grande do Sul, Joaquim Antão Fernandes Leão. 1 sessão da 9 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio
do Sul. 1860, p, 50; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Desembargador
Francisco de Assis Pereira Rocha. 1 Sessão da 10 Legislatura da Assembleia Provincial. 1863. p, 38; Relatório apresentado pelo
presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia
Universal de Laemmert. 1865. p, 102; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
Conselheiro Jeronimo Martiniano Figueira de mello. Porto Alegre. Typographia Rio grandense. 1872 p, 33, entre outros.
65
É difícil quantificar o número exato de indígenas e caboclos expropriados direta ou indi-
retamente pois, em geral, esses homens não possuíam os títulos da terra que ocupavam e nem
recursos para efetuar as medições e os registros oficiais exigidos pela Lei de 1850. A prática cos-
tumeira de utilizar a terra, sem considerar os aspectos formais, deixava-os vulneráveis diante dos
órgãos públicos, dos comissários e dos usurpadores que possuíam poder político ou econômico.
Assim, essa população era muitas vezes coagida e não buscava seus direitos.
No final do século XIX, a mercantilização das terras, destinadas ao processo de coloni-
zação, avançou de forma desenfreada sobre os ervais do mato Castelhano. A situação dos cabo-
clos e dos indígenas se agravou. Conforme ocorriam as demarcações e os apossamentos das terras
devolutas, processo que se acelerou nos últimos anos do Brasil Império, os extratores eram ex-
propriados e empurrados para os poucos espaços livres que sobravam. Muitos deles se tornaram
mão-de-obra barata para os fazendeiros e colonos que se instalaram na região ou, como outra
alternativa, optaram por migrar para os ervais de Santa Catarina e Mato Grosso, que nos anos de
1880 também emergiu como um importante polo ervateiro.
A partir da sanção da Lei de Terras e do processo de colonização e com os decorrentes
apossamentos e devastação de ervais, não surgiu nenhum outro polo ervateiro expressivo na Pro-
víncia do Rio Grande do Sul, além dos já trabalhados. Enquanto disponibilidade de matéria-
prima, as regiões do mato Castelhano e mato Português juntas – que se estendiam por quase todo
o Planalto, Norte e Noroeste da Província – tinham potencial para se desdobrar em vários centros
ervateiros, sobretudo por conta da existente demanda dos países platinos e por conta das crises do
Paraguai e da província do Paraná, principais concorrentes do mate Rio-grandense. Contudo, é
provável que tanto o desmatamento desenfreado quanto os conflitos de terras inibiram o cresci-
mento e o desenvolvimento do setor. Não houve reinvestimento e progresso tecnológico como no
período anterior. O mesmo pilão de ferro introduzido nas manufaturas de erva por volta de 1847
ainda fazia parte das fábricas no decênio de 1880. A mesma tração animal, utilizada na época da
Revolução Farroupilha para transporte de erva, permanecia indispensável para o escoamento da
produção na transição do Império para a República. Embora, como tratado em detalhes no pró-
ximo capítulo, o setor ervateiro Rio-grandense tenha gozado de um rápido momento de ascensão
durante a guerra do Paraguai e a concomitante crise paranaense, os reflexos da Lei de Terras de
1850 e do avanço da colonização foram determinantes para justificar os motivos do declínio des-
se setor econômico no final do Império.
67
3 ASCENSÃO E DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO
Nesse capítulo, serão analisados o auge e a posterior crise da economia ervateira na Pro-
víncia do Rio Grande do Sul, que ocorreu próximo ao final do período Imperial. Para entender
como ocorreu esse processo, serão levadas em conta a conjuntura internacional, a economia e a
política do Império, as demais províncias também produtoras de erva-mate, como a província
Rio-grandense se inseriu nesse contexto, como esse emaranhado de políticas se refletiu sobre a
sua economia e sociedade ervateira e como, por fim, ela se comportou e respondeu diante desses
condicionantes externos, que foram determinantes para seu auge e posterior crise.
Em relação à conjuntura internacional, no início da década de 1860, a política externa,
praticada pelo Império com o Estado do Paraguai e os demais países da região Platina (Uruguai,
Argentina e Paraguai), estava inserida num quadro de tensões geopolíticas e econômicas caracte-
rizado por instabilidades e desconfianças quanto aos interesses de cada nação. A não resolução
dessas tensões e a incapacidade dos governantes de praticarem politicas diplomáticas eficientes
culminaram com a Guerra do Paraguai, com início em dezembro de 1864 e término em março de
1870.
A referida guerra foi o principal confronto bélico durante o Império. Para o Brasil, a be-
ligerância provocou grandes prejuízos financeiros, acelerou a instabilidade monárquica e contri-
buiu para a implementação da Republica189
, enquanto que, para o Paraguai, ela causou a morte de
milhões de soldados e combatentes civis, cerca de 75% da população, e perda territorial. Áreas de
abundantes ervais foram desmembradas do território Paraguaio190
. Os demais Estados aliados,
tanto o Uruguai mas principalmente a Argentina, terminaram a guerra com um déficit público
muito superior ao existente em 1864 e, além disso, perderam também grande parte da popula-
ção191
.
Esse conflito foi estudado e interpretado por três principais correntes historiográficas.
Essas distintas interpretações, a respeito do mesmo conflito, foram utilizadas nesse trabalho como
fontes de informação para análise socioeconômica da erva-mate. A primeira versão foi baseada
em narrativas elaboradas pelos membros do exército brasileiro, que personificaram suas vivên-
189 Wilma Peres Costa. A espada de Dâmocles: O exército e a crise do Império. São Paulo: Hucitec; Campinas: Editora da Uni-
camp, 1996 190 Barbosa Lessa. Op. City. p, 29. 191 Júlio José Chiavenatto. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1979. p, 7.
68
cias e experiências através de suas memórias. Essas narrativas, presentes nas cartas, nos diários e
em outros documentos militares oficiais, que surgiram logo após o término do conflito, enalteci-
am o exército imperial e seus feitos heroicos. Segundo essas interpretações, as forças armadas
brasileiras, em conjunto com os exércitos aliados, lutaram contra o terrível e cruel Solano Lopes
e, com a derrota desse ditador, cumpriram a solene missão de libertar a sofrida nação guarani.
Essa abordagem patriótica dos fatos predominou como a principal versão historiográfica brasilei-
ra nos anos de 1870 a 1950192
.
Na década de 1960, para contrapor essa interpretação excessivamente patriótica, surgiu
uma nova corrente teórica. Este revisionismo teve como principais representantes León Pomer,
na Argentina, e Júlio José Chiavenato, no Brasil. Ambos partiram da hipótese de que as motiva-
ções do conflito estavam atreladas aos interesses econômicos ingleses e, por conta disso, ambos
defenderam a tese de que o Paraguai foi destruído de forma premeditada por destoar das demais
economias periféricas, subjugadas ao imperialismo inglês. O Estado paraguaio rompeu com a
dominação econômica inglesa em 1811. Esse isolamento forçou o país a desenvolver suas pró-
prias forças produtivas, o que o tornou autossuficiente e em pleno estado de progresso. O modelo
de capitalismo estatal desenvolvido no Paraguai era incompatível com o modelo de capitalismo
liberal exercido pela Grã-Bretanha, pois não havia espaço para os produtos manufaturados ingle-
ses no mercado paraguaio. Por isso, de forma intencional, o capital inglês, de acordo com essa
interpretação, suscitou o conflito193
.
Em meados do decênio de 1990, apareceu uma terceira corrente historiográfica, que dis-
cordava tanto da teoria revisionista quanto da patriótica, para explicar a mesma Guerra do Para-
guai. Wilma Peres Costa analisou com propriedade os impactos dessa beligerância sobre a socie-
dade brasileira. Ela rompeu com a simples analise calcada na participação do exército brasileiro
e, por outro lado, destacou a importância daquela Guerra para o destino nacional. A autora corre-
lacionou os desdobramentos da Guerra ao princípio da derrocada da monarquia e procurou estu-
dar os efeitos internos do conflito sobre o Estado Imperial. Dessa forma, a organização política, a
unidade territorial, a escravidão e a questão da formação das forças armadas profissionais eram
componentes de um todo, que estavam relacionados entre si e que apareciam de forma destacada
192A respeito dessa bibliografia consultar: André Rebouças. Diário e notas autobiográficas. Organização Ana Flora e Ignácio
Rose Veríssimo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938; Renato Lemos (Transcrição, organização e introdução). Cartas da Guerra:
Benjamin. Na Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: IPHAN; 6. SR; Museu da Casa de Benjamin Constant, 1999 entre outros. 193Júlio Chiavenatto. Genocídio Americano:A Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1979; A Guerra contra o Paraguai. São
Paulo, Brasiliense, 1990; León Pomer. La Guerra del Paraguay; Gran Negócio. Buenos Aires: Caldén, 1968; A Guerra do Para-
guai. A grande tragédia rioplatense. São Paulo: Global, 1981.
69
no período da Guerra e subsequente a ela.194
Seguindo a mesma linha teórica, no ano 2000, o
historiador Francisco Doratioto, baseado em novos fatos e documentos primários indisponíveis
aos autores pregressos, reduziu a hipótese da influência inglesa e defendeu que as motivações do
conflito foram as tensões geopolíticas devido às disputas territoriais. De acordo com as ideias do
referido autor, a guerra eclodiu, então, como o resultado dessas tensões, oriundas principalmente
do processo de consolidação dos Estados nacionais da bacia platina e do Estado brasileiro 195
. De
forma distinta dos demais autores dessa corrente teórica, Doratioto, em sua obra, ressaltou à im-
portância que a erva-mate teve para os acontecimentos e desdobramentos da guerra do Paraguai.
Uma dessas tensões geopolíticas, considerada o estopim do conflito pela teoria contem-
porânea, foi a disputa, entre a Coroa brasileira e o governo guarani, pela posse do território entre
os rios Apa e Branco, no atual estado do Mato Grosso do Sul. O Paraguai não reconhecia o trata-
do de Badajoz, assinado entre a Coroa Portuguesa e a Coroa Espanhola, de 1801196
, e, portanto,
reivindicava a demarcação dos limites fronteiriços de acordo com o tratado de Santo Ildefonso,
de 1777. Além dessa disputa territorial, outro determinante que acirrava as tensões era a presença
de grandes quantidades de ervais nesse território. Para o Paraguai esse fato era essencial. Histori-
camente, a erva-mate sempre fora um dos principais produtos econômicos daquela nação, que
colhia a soma de dois milhões e meio de erva-mate anualmente197
. Em um momento de incertezas
quanto às políticas externas, diante de um inevitável confronto bélico, tomar a posse dos ervais
mato-grossenses era estratégico para o setor ervateiro paraguaio em ascensão198
.
A despeito da precisão e aceitação das correntes historiográficas apresentadas, todos os
elementos provenientes das três teorias, que de alguma forma contribuem com indícios de que o
setor ervateiro foi importante para a economia Rio-grandense oitocentista, serão trabalhados e
contextualizados nas sessões adiante.
3.1 O DECLÍNIO DO MATE GUARANI
O Paraguai, após um longo período de isolamento, que ocorreu durante o comando de
194
Wilma Costa. A espada de Dâmocles. O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec; Ed.
UNICAMP, 1996. 195 Francisco Doratioto. Op. Cit. p 37-40 196 Francisco Doratioto. Op. Cit. p. 37. 197 Júlio Chiavenato. Op. Cit. p, 31 198 Francisco Doratioto. Op. Cit. p, 38-40.
70
Francia (1814-1840), retomou suas relações diplomáticas e comerciais no governo de Carlos An-
tônio Lopes (1840-1862). Essas relações se intensificaram no governo de Solano Lopes, que im-
plantou gradativamente um modelo de crescimento para fora fundamentado em políticas proteci-
onistas.
As principais medidas internas realizadas pelo governo de Solano Lopes foram a estati-
zação das riquezas do país (erva-mate, carvão, madeira, entre outras) e o arrendamento das terras
públicas, chamadas “Estâncias da Pátria”, nas quais havia a exploração desses recursos naturais,
além das atividades agropecuárias. Nessas estâncias, o governo concedia espaço aos campesinos
e pagava, por exemplo, 25 libras esterlinas por arroba de erva-mate produzida. O montante, ori-
undo desses arrendamentos, retornava aos cofres públicos um total de 1.700.000 pesos, que cor-
respondia a 20% da receita nacional, cerca de 8.450.000. Entre as citadas riquezas, a produção e
comercialização da erva-mate arrecadava, por sua vez, 3.000.000 de pesos199
. A Figura 3.1 apre-
senta um mapa que mostra a localização dos ervais paraguaios, nos arrendamentos públicos, que
forneciam a matéria-prima para o setor produtivo ervateiro; o qual, com os incentivos fiscais e a
regulamentação, contribuía para a estabilidade social, política e financeira e se consolidava, tanto
no mercado interno quanto externo, como uma das principais atividades econômicas do Para-
guai200
.
Com tais políticas econômicas, a erva-mate guarani se tornou um produto amplamente
exportado aos países da bacia platina, que tradicionalmente a consumiam, e, em menor quantida-
de, para alguns países europeus. No ano 1860, por exemplo, uma libra-peso de erva-mate, em
Buenos Aires, valia um vigésimo de libras esterlina e as exportações paraguaias desse produto, na
mesma cidade, arrecadaram cerca de 190 mil libras201
. Em relação ao mercado europeu, outro
exemplo, Solano Lopes negociou com o Rei da Prússia seis mil libras de erva-mate, produto ge-
ralmente destinado ao consumo do exército prussiano202
.
Para as regiões produtoras brasileiras de erva-mate, a eficiência da política econômica,
praticada nos governos de Lopes I e Lopes II, resultou na concorrência pelo mercado externo,
especialmente o uruguaio e o argentino. Contudo, com o desencadear da guerra, o Paraguai teve
suas relações diplomáticas estremecidas e, com isso, perdeu espaço nos mercados platino e euro-
peu. Além disso, a longa duração do conflito deslocou a mão-de-obra guarani para a defesa dos
199 Acyr Guimarães. A Guerra do Paraguai: suas causas - 1823-1864. Campo Grande, MS: UCDB, 2001. p, 35 200, Júlio Chiavenato. Op. Cit. 201 Francisco Doratioto. Op. Cit. p, 30. 202 León Pomes. Op. Cit. p, 59
71
campos de batalha e, como em outros setores produtivos, prejudicou a extração e o beneficiamen-
to da erva-mate.
Figura 3.1 – Mapa dos ervais paraguaios203
.
203
Recriado a partir de, Thomas Whigham . La yerba mate del Paraguay. Asuncion: Centro Paraguayo de Estudios
Sociologicos, 1991
72
Por consequência, a Guerra do Paraguai eliminou o maior concorrente do Brasil, fato
que influenciou positivamente o destino do mate brasileiro, pois, durante a beligerância e no pe-
ríodo subsequente, o Império usufruiu o privilégio de ser o único país a dispor de erva-mate para
abastecer os mercados externos204
. Logo, com o conflito, as vendas do mate Rio-grandense au-
mentaram.
Esse bom momento também estava atrelado ao fortalecimento do setor ervateiro da pro-
víncia do Rio Grande do Sul, que, como já tratado no capítulo 1, ocorreu após o término da Revo-
lução Farroupilha, em virtude do estabelecimento de um mercado consumidor platino, o estabele-
cimento das cinco regiões ervateiras – Palmeira da Missões; Taquari e Rio Pardo; Cruz Alta; Pas-
so Fundo e Soledade – e em virtude do desenvolvimento das novas técnicas de beneficiamento
com emprego dos pilões de ferro, como visto nos exemplos de Abel Correa Câmara205
, no relató-
rio da Vila de Cruz Alta de 1853206
e nos relatos dos viajantes Henrique Schutel Ambauer207
e
Avé-Lallemant208
. Esses melhoramentos tecnológicos foram essenciais para o aumento na produ-
ção e na qualidade da erva manufaturada, uma vez que os pilões de ferro trituravam os galhos e
as folhas com maior eficiência do que os pilões manuais.
Possivelmente, esse processo de aprimoramento dos engenhos também contribuiu com
uma certa especialização da mão-de-obra, devido a necessidade de aprender a lidar com as novas
máquinas, se comparada com as práticas artesanais anteriormente utilizadas pelos caboclos. Por
outro lado, é provável que a partir dessa época, os lucros dos ervateiros donos de engenhos te-
nham aumentado, pois os ervateiros pobres não dispunham de condições financeiras para também
adquirirem as novas tecnologias e, assim, submetiam-se a extrair e vender mate para os mencio-
nados proprietários, que agregavam valor ao produto através das suas fábricas. Nesse contexto,
alguns pequenos ervateiros optaram pelo trabalho coletivo. Eles formavam grupos de dois a três
trabalhadores para realizar as tarefas e, após o final da colheita, com a venda da erva-mate, divi-
diam igualmente os lucros obtidos. Em outros casos, alguns caboclos optavam por vender sua
força de trabalho para os grandes ervateiros. Um ervateiro italiano, por exemplo, processado pela
justiça por fazer erva sem licença, admitiu ao fiscal, encarregado do controle do extrativismo do
mate, que as pessoas autuadas eram seus funcionários assalariados209
.
204 Temístocles Linhares Linhares. Op. Cit. p. 159 205 José. P. Eckert. Op. Cit. p, 106. 206 Wilmar Bindé. Campo Novo: Apontamentos para sua história. Santo Ângelo: Gráfica Santo Ângelo, 1986. P, 58 207 Wilmar. Bindé. Op. Cit. p, 133 208Robert Avé-Lallemant. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte. Itatiaia, 1980. P, 239 209 Paulo A. Zarth. Op. Cit. p, 171
73
Esses fatos corroboram a hipótese de que nesse período os reflexos da industrialização
moderna também influenciavam a produção ervateira. De certo modo, isso fica evidente dada a
presença da mão-de-obra assalariada e da substituição de processos manuais por maquinarias.
Embora essas inserções produzissem erva com maior qualidade e eficiência, elas também come-
çavam a impor barreiras à entrada de concorrentes que não tivessem capital de investimento dis-
ponível.
3.2 A ASCENSÃO DO MATE RIO-GRANDENSE (1856 – 1863)
Para avaliar o desempenho do setor ervateiro, durante seu período de ascensão e declínio
ao longo do Império, foram considerados os seguintes agentes que o influenciaram: a sanção da
Lei de Terras de 1850, a mercantilização das mesmas, os apossamentos em áreas de ervais, o
avanço da colonização sobre tais áreas e os desdobramentos da Guerra do Paraguai. Os reflexos
desses eventos sobre esse setor foram analisados a longo prazo (33 anos), espaço de tempo neces-
sário para identificar como as decisões políticas e econômicas vieram a influenciar o desenvolvi-
mento do complexo ervateiro.
Para alcançar tal objetivo, a seguinte proposta metodológica foi utilizada: a quantifica-
ção e a análise do volume, do valor e do preço da erva-mate exportada, em comparação com ou-
tros gêneros alimentícios que integravam a cesta básica regional e que eram atividades subsidiari-
as à ervateira para a formação de um complexo econômico integrado. De acordo com esses crité-
rios, os gêneros escolhidos foram o milho, o feijão e a farinha de mandioca. Por conseguinte, os
índices de exportação desses produtos, anteriores, durante e posteriores à Guerra do Paraguai,
foram pesquisados nas Revistas do Arquivo Público do Rio Grande do Sul,210
para que suas flu-
tuações fossem monitoradas durante o período proposto. Com isso, pretende-se verificar que in-
fluência a guerra exerceu sobre as oscilações desses índices e mensurar em que proporção às ex-
portações do setor ervateiro se comparam com as demais atividades assessoras.
Em relação ao período anterior do conflito, 1856-63, os volumes de exportação, em sa-
cos de 60 Kg, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão representados no
210 Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficina gráfica da escola de engenharia de Porto Alegre. Nº
08. Dez. 1922.
74
gráfico da Figura 3.2. De acordo com este, em quatro dos oito anos do período, os volumes de
exportação do mate foram os maiores dentre todos os gêneros alimentícios e se mantiveram em
torno de 60 mil sacos anuais, a melhor média. O alcance de quase 80 mil sacas de erva em 1862
ocorreu especialmente porque nesse mesmo ano as exportações paranaenses viviam o auge de sua
crise, motivada pelo excesso de fraudes na produção. Inclusive, em discursos na Assembleia Le-
gislativa, o então Presidente da Província do Paraná, Antônio Barbosa Gomes Nogueira, conjec-
turou a paralização dessa atividade extrativa caso não fossem tomadas medidas de fiscalização
urgentes211
. No geral, também por conta dessa crise, a exportação do mate gaúcho, se comparado
com os outros produtos, foi consistente no período de 1856-62 e apresentou ligeira queda em
1863. O milho e a farinha de mandioca, por exemplo, apresentaram oscilações de grande ampli-
tude: em torno de 10 mil sacas em 1856 -58, acima de 80 mil em 1859, redução para 60 mil em
1860, nova redução para 30 mil em 1861-62 e, por fim, breve recuperação em 1863. Esse tipo de
flutuação atrapalha qualquer expectativa de retorno financeiro para o produtor e caracteriza seto-
res muito dependentes das condições sazonais. O feijão, por sua vez, exceto nos dois primeiros
anos, apresentou volumes de exportação similares à erva-mate.
Figura 3.2 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos de 1856-1863.
211 Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 128
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863
Sacc
os
de
60
Kg
Anos
Volume de Exportação
Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
75
Para os mesmos anos de 1856-63, os valores de exportação, em Contos de Réis, da erva-
mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão expostos no gráfico da Figura 3.3. Se-
gundo este, a erva-mate foi o gênero alimentício com maior rentabilidade, se comparada aos de-
mais produtos, com destaque para o ano de 1857, quando a soma exportada arrecadou
1.200:000$00. Entretanto, o gráfico apresenta uma evidente tendência de queda dos valores de
exportação, ao longo do período. Já próximo ao desencadear do conflito, 1863, os dividendos do
mate reduziram cerca de três vezes comparados à quantia arrecadada em 1857, o ano mais rentá-
vel. Os índices dos outros produtos apresentaram comportamento crescente até os anos de 1859-
60 e decrescente até o final do período.
Figura 3.3 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1856-1863.
Por fim, ainda para os referidos anos, os preços de exportação, em réis por saca de 60
Kg, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão mostrados no gráfico da
Figura 3.4. Este confirma que a erva-mate foi o produto com a melhor cotação no mercado inter-
nacional. Em 1857, ano da maior valorização, a cifra alcançou vinte contos réis por saco. Nesse
mesmo ano, o feijão, segundo produto melhor cotado, foi vendido no mercado externo por apenas
11$75, ou seja, duas vezes menos que o valor da erva. No entanto, tal como os valores de expor-
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863
Val
ore
s em
Rés
i ($
)
Anos
Valores de Exportação
Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
76
tação do gráfico 3.2, quanto mais próximo ao início da guerra, os preços decaíram até a marca de
9$94 em 1863.
Figura 3.4 – Gráfico do Preço de exportação dos produtos nos anos 1856-1863.
Essa tendência de queda dos preços dos produtos de origem agrícola, entre 1856-63,
anos anteriores à Guerra do Paraguai, está relacionado com o boom inflacionário, da década de
50 dos oitocentos, que se alastrou pela economia mundial, devido principalmente à descoberta do
ouro na Austrália, Sibéria e Califórnia. No Brasil, esse aumento da oferta do ouro contribuiu para
que grande parte da mão-de-obra disponível se dedicasse ao trabalho nas fazendas de café, que
vivia um período excelente. Com isso, as atividades agrícolas assessoras (o feijão, a farinha de
mandioca, o milho), com menor oferta, apresentaram alta dos preços nos mercados interno e ex-
terno212
. Logo, o decréscimo dos dividendos, observado no gráfico 3.2, e a desvalorização dos
preços, observado no gráfico 3.3, não indicam necessariamente um prenúncio de crise econômi-
ca, mas sim, a reestabilização desses índices após um período de hipervalorização dos mesmos.
Entre os produtos assessores, o setor ervateiro também foi influenciado por esse fenômeno.
212Sebastião F. Soares. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros alimentícios no Império do Brasil. Rio
de Janeiro, RJ: IPEA, INPES, 1977.
R$-
R$5,00
R$10,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863
Val
ore
s em
Rés
($
)/ S
acas
60
Kg
Anos Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
Preço de exportação
77
3.3 O SETOR ERVATEIRO DURANTE A GUERRA DO PARAGUAI (1864-1870)
A Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, assim como a do Mato Grosso, foi pal-
co da guerra a partir de 10 de junho de 1865. Nessa data, as forças do exército guarani tomaram a
cidade de São Borja; posteriormente, em 07 de julho, ocuparam Itaqui; e em 05 de agosto, invadi-
ram Uruguaiana. Com o objetivo de combater e expulsar o exército inimigo, a Coroa brasileira
deslocou grandes contingentes de soldados, inclusive o Imperador, para essas regiões. Diante da
tarefa de abastecer as tropas, o Rio Grande do Sul enfrentou inúmeras dificuldades estruturais:
não havia oferta de mantimentos para garantir simultaneamente as rações dos soldados e o abas-
tecimento interno, os principais centros comerciais estavam distantes dos acampamentos e os
meios de transportes eram precários e vagarosos.
Testemunhos valiosos desse quadro, repleto de conflitos e desafios, são os relatos dos
soldados e dos personagens que vivenciaram e registraram suas impressões durante o período da
batalha. As memórias dessas testemunhas oculares, encontradas em diários, relatos e correspon-
dências oficiais, descreveram as condições dos acampamentos, a qualidade dos serviços médicos
e da alimentação e, inclusive, a presença e importância da erva-mate.
Um exemplo sobre o consumo do chimarrão em meio à guerra foi o registrado por Luís
Maria Fernando Gastão d’Orleans, o Conde D’Eu, que esteve na Província do Rio Grande do Sul,
entre agosto e novembro de 1865, para acompanhar o Imperador durante a campanha. Ele relatou
que a convivência nos acampamentos do exército o fez adquirir o hábito de tomar chimarrão,
costume contraído como entretenimento para passar o tempo. Além disso, o Conde também res-
saltou que não foram raras às vezes que o Imperador e sua comitiva, ao chegarem à casa de al-
gum morador e este não tinha qualquer alimento para ofertar, nem mesmo um pão, ainda assim,
nesse caso, o anfitrião oferecia um chimarrão213
.
A erva-mate, como o relato anterior sugere, fez parte da rotina da guerra. Ela foi consu-
mida tanto por soldados do baixo escalão quanto por chefes do alto comando. Desde o início da
campanha militar, a alimentação básica das tropas do exército consistia em farinha de mandioca,
churrasco, duas vezes ao dia, e chimarrão, sempre que possível. De vez em quando, a ração era
complementada por arroz e, em razões extraordinárias, por bolacha ou sardinha214
.
213 Luis Felipe M. F. G. de Orleans. Viagem militar ao Rio Grande do Sul. São Paulo, SP: USP, 1981, p.131 214 Dionísio Cerqueira. Reminiscências da Campanha do Paraguai. 1865-1870. RJ: Gráfica Laemment. 1948. p, 121.
78
Devido à prolongada duração da guerra, as reservas de suprimentos do exército se esgo-
taram. Por conta disso, o abastecimento de alimentos, destinados às tropas, foram terceirizados.
Até mesmo a erva-mate, estocada em grandes quantidades pelos quartéis, escasseou. Nos editais
de fornecimento da guerra, portanto, o mate aparecia entre os víveres de primeira necessidade,
como fica claro nos contratos assinados com o comerciante José Luiz Cardoso de Salles.
Num exemplo desses contratos, assinado em 16 de janeiro de 1866, o mercador avaliou
que os 15 mil soldados comandados pelo barão de Porto Alegre consumiriam diariamente: 250
reses, 214 alqueires de farinha e 13 de sal, 88 arrobas de erva-mate e 15 de fumo, entre outros215
.
O montante de mate solicitado está relacionado com o fato de que o corpo da cavalaria era for-
mado basicamente por soldados da Província do Rio Grande do Sul216
e estes possuíam o hábito
de consumo do chimarrão. No dia 28 de junho de 1867, o Jornal a Sentinella do Sul publicou
uma matéria sobre a Guerra do Paraguai e informou que 30.000 gaúchos faziam parte das tro-
pas217
. No entanto, pesquisas recentes sobre o contingente dos batalhões informaram que na rea-
lidade o efetivo sul-rio-grandense era de aproximadamente 33.803 voluntários 218
.
Outro contrato, firmado em 24 de fevereiro de 1865, na Vila União, suscitou críticas e
discussões no Senado. Teófilo Otoni, senador do Império, desaprovou veementemente o exorbi-
tante valor cobrado pelo mesmo comerciante: um boi que custava de 14 a 16 mil réis era vendido
a 39 mil; o alqueire do sal que custava 2 mil réis era comercializado por 9 mil; e o mate que cus-
tava em torno de 2 mil réis era negociado por 45 mil. Segundo o senador, Salles era integrante de
uma comandita estabelecida para explorar o tesouro público219
. De fato, os preços cobrados nos
contratos eram incoerentes com a qualidade dos víveres fornecidos. Entre os produtos citados, o
mate foi o mantimento mais inflacionado, vinte vezes acima do valor comercializado na Provín-
cia.
Os registros dos campos de batalha revelam como o mate também estava presente na vi-
da dos soldados paraguaios, que o consumiam em grande quantidade. No desenrolar do conflito,
conforme necessário, Solano Lopes geralmente incumbia alguns soldados de sua confiança a tare-
fa de espionar os exércitos adversários. Para motiva-los à realização desse trabalho, Lopes pre-
215 Divalte Garcia. Soldados negociantes na Guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas, 2001 p. 130 a 135. 216 Ricardo Salles. A Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército. RJ: Paz e Terra, 1990, p, 124 217 Actualidades, Jornal a Sentinella do Sul. Porto Alegre. 28 de julho de 1867. Museu de Comunicação Hipólito da Costa. 218, Luis Cristiano Christillino. Litígios ao Sul do Império: A Leis de Terras e a consolidação política da Coroa no Rio Grande do
Sul. Tese apresentada na Universidade de Niterói. 219 Divalte Garcia. Op. Cit. p. 138
79
senteava-os com quantidades extras de milho e erva-mate nas rações220
.
No entanto, com o desenrolar da guerra e o constante avanço das tropas aliadas, o exér-
cito guarani abandonou os seus acampamentos com todos os pertences. Em agosto de 1869, por
exemplo, o Conde D’Eu, então Ministro da Guerra, ao invadir a cidade paraguaia de Peribebui,
local onde Lopes acampou por algum tempo, encontrou e confiscou grandes depósitos de melado,
polvilho, milho e erva-mate, em ótimo estado de conservação221
. Outro exemplo de espólio de
guerra foi o registrado pelo Jornal a Reforma222
, de 28 de agosto de 1869. A manchete informava
sobre o cerco ao acampamento de Caraguatahy. Nesse local, o coronel Dechamps encontrou ar-
mamentos, talheres de prata, objetos sacros, caixões com moedas de prata, documentos do gover-
no Lopes e dois mil terços (surrões) de mate. A erva encontrada foi posteriormente vendida e,
com isso, arrecadou cerca de cento e sessenta mil contos de réis223
.
Desde o início do ano de 1869, os ervais paraguaios se consagraram como um local de
refúgio para os sobreviventes da guerra. Como forma de dificultar o avanço dos exércitos aliados,
a população evacuava as cidades, queimava os campos e se abrigava nos referidos ervais224
. Du-
rante todo esse ano, o conflito praticamente se resumiu à perseguição a Lopes, que acompanhado
por um pequeno número de seguidores, também se refugiara nos ervais enquanto não conseguia
chegar até a Bolívia, local onde pretendia conseguir asilo político225
. No entanto, a captura e a
morte de Lopes ocorreram em primeiro de março de 1870, fato histórico que pôs fim ao conflito
que durou cerca de cinco anos.
Após a morte de Lopes, o Brasil instaurou um governo provisório para garantir a conti-
nuidade do Estado independente do Paraguai, pois o Império temia que este, enfraquecido políti-
co e economicamente, fosse incorporado pela Argentina. Esse novo governo atendeu primeira-
mente os interesses do capital, os quais Lopes combatia. As terras públicas, alugadas aos guaranis
por valores simbólicos, foram vendias ou concedidas aos grandes proprietários, alguns nem
mesmo residentes do Paraguai. Os camponeses, portanto, perderam suas terras e se tornaram em-
pregados dos grandes fazendeiros. Diante desse novo quadro, a legislação que regulamentava os
ervais foi alterada, para que os mesmos fossem privatizados. Por conseguinte, em 09 de dezem-
220 George Thompson. A Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro. Conquista. 1968. P. 168 221 Alfredo Taunay. Memórias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960, p. 30. 222 A Reforma, jornal fundado em 1869, pelo líder maragato Gaspar Silveira Martins, durou 43 anos. Surgiu como periódico do
partido Liberal em oposição ao sistema Monárquico e aos seus representantes. Editado na cidade de Porto Alegre, buscou retratar
em suas páginas temas de cunho comercial, informativo e principalmente político, com intensas campanhas abolicionistas. 223 Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 1. 224 Hilda A. H. Flores. Mulheres na Guerra do Paraguai. Porto Alegre: EDICUCRS, 2010. p. 118 – 125. 225 Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 1.
80
bro de 1870, o governo provisório do Paraguai declarou livre a extração e o comércio da erva-
mate e o corte de madeira das florestas226
.
Todos os percalços enfrentados pelo Estado Guarani durante os anos do conflito fizeram
com que o Paraguai perdesse seu espaço no mercado ervateiro externo, pois os principais com-
pradores da erva paraguaia, Argentina e Uruguai, deixaram de consumi-la devido ao rompimento
diplomático. Por conseguinte, o período entre 1864 a 1870 foi excelente para o setor ervateiro
Rio-grandense, já que o seu principal concorrente estava em guerra. Com o aumento das exporta-
ções, autoridades provinciais e municipais agiram, com políticas de incentivos e fiscalizações,
para garantir o melhor funcionamento do setor ervateiro. Para os governos municipais, a erva-
mate era o principal produto de arrecadação de impostos227
; por isso, as Câmaras, através dos
seus Códigos de Postura, controlavam a sua poda e a sua manufatura. Esse trabalho era desempe-
nhado por agentes de fiscalização, remunerados com 1:200$000 réis,228
responsáveis por impedir
a extração desenfreada229
.
Já na esfera do governo Provincial, a erva-mate era controlada por medidas protecionis-
tas que asseguravam a sua qualidade. Por exemplo, em 1867 o presidente da Província sancionou
a Lei 657 de 19 de Julho que autorizava somente os portos de Rio Grande, Jaguarão, Uruguaiana
e Itaquy a embarcar carregamentos de herva-mate para fora da Província230
. Em 1869, outro
exemplo, com a Lei 657, o governo estendeu a autorização de comercialização da erva também
aos Portos de São Borja e Porto Alegre. Com a mesma Lei, o despacho foi designado aos fiscais
municipais para evitar as fraudes do produto,231
combatidas desde 24 de fevereiro 1859 por meio
do regulamento 53 que já os autorizava a queimar erva-mate fora dos padrões de especificação.
Todos os elementos elencados acima contribuíram para que comércio da erva-mate se tornasse
parte da pauta de exportação. Segundo o Jornal a Reforma, em reportagem publicada em 08 de
agosto de 1869, sobre a exportação do ano anterior (1868) os principais produtos exportados pelo
porto de Porto Alegre, do referido ano, foram principalmente a herva-mate, 80.590 arrobas, o
charque, 51.505 arrobas, e os derivados de origem bovina (sebo 6,587 arrobas, graxas, 922 arro-
226 Leon Pomer. Paraguai: Nossa Guerra Contra Este Soldado. São Paulo, SP: Centro Ed. Latino Amer. 1928. P, 49. 227 Paulo Zarth. Op. Cit. p, 60-70. 228 Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Coleccão dos Actos, regulamentos e instruções
Expedidos pela presidencia da provincia em 1861. Tomo XVII. Tipographia do Jornal a ordem. 1861. 229 Paulo Zarth. Op. Cit. p, 31 230 Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis e Resoluções e Actos da Pro-
víncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXIII. 1º sessão da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869 231 Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis e Resoluções e Actos da Pro-
víncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXIII. 1º sessão da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869.
81
bas, entre outros)232
. Assim, na capital, a exportação de erva, segundo essa reportagem, foi maior
que a exportação do charque, considerado o principal produto econômico da Província. Eviden-
temente esses índices não relevam a realidade de todo o período em estudo e nem mesmo a refle-
te a realidade dos demais portos da província, uma vez que, esses volumes de exportação não se
mantinham constantes, mas ao menos revela certa flexibilidade e capacidade do porto para rece-
ber quantidades e variedades de produtos distintos.
Figura 3.5 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870.
Conforme mencionado na sessão 3.2, para mensurar com maior precisão a quantidade de
erva-mate exportada durante o período da Guerra do Paraguai foram catalogados e analisados os
seguintes índices de exportação: o volume, o valor e o preço. O gráfico da Figura 3.5 apresenta o
volume total da erva-mate exportada.
Para os anos de 1864-70, os volumes de exportação, em sacos de 60 Kg, da erva-mate,
do feijão, da farinha de mandioca e do milho apresentaram diferenças quando comparados ao
período anterior ao conflito (1856-63). De acordo com o gráfico, o volume de exportação da er-
va-mate, entre 1864-67, apresentou uma média de 70 mil sacas. Em 1868, reduziu para 40 mil e,
entre 1869-70, recuperou para a faixa de 60 mil. Essas observações mostram que o volume de
232 Exportação. Jornal A Reforma. Porto. 22 de agosto de 1869.. 52, p, 4. Museu da Comunicação Social Hipólito da Costa.
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
200.000
1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870
Saca
s d
e 6
0 k
g
Anos
Volume de Exportação
Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
82
exportação do mate, comparado ao período anterior à guerra, foi, como esperado, sensivelmente
maior, principalmente nos quatro primeiros anos. Convém destacar que, durante o conflito, os
outros produtos, o feijão, a farinha de mandioca e o milho, tornaram-se mais representativos, com
especial destaque para a farinha de mandioca que no ano de 1868 alcançou a marca de 180 mil
sacos exportados. Porém, ao longo dos cinco anos de batalha, a erva-mate ainda foi o produto
com os índices mais estáveis.
Figura 3.6 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870.
Para os mesmos anos de 1864-70, os valores de exportação, em contos de réis, da erva-
mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão expostos no gráfico da Figura 3.6. Se-
gundo este, entre 1864-67, a erva-mate foi o gênero alimentício com maior rentabilidade, se
comparada aos demais produtos. Em 1868, apresentou uma queda no valor arrecado, cerca de
443.000$00 contos de réis, devido ao baixo volume na exportação (gráfico da Figura 3.5). Em
1869, recuperou para a faixa de 60 mil e, em 1870, ano final da guerra, aumentou próximo a
900.000$00 réis, maior arrecadação do período.
Vale salientar que os valores da erva-mate oscilaram em torno de 685.00$00, enquanto
que, para o período anterior da guerra, esses mesmos valores apresentaram forte tendência de
queda. Todos os demais produtos apresentaram um ligeiro aumento em relação ao período anteri-
-
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870
Val
ore
s em
Rés
($
)
Anos
Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
Valores de Exportação
83
or, com destaque para o feijão. Em 1868, inclusive, este apresentou dividendo maior do que o
mate, aproximadamente 700:00$00 mil réis.
Figura 3.7 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1864-1870.
Por fim, ainda para os referidos anos, os preços de exportação, em réis por saca de 60
Kg, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão mostrados no gráfico da
Figura 3.7. Este confirma que o preço da erva-mate, diferente do período anterior no qual houve
tendência de queda, estabilizou-se, com pequenas oscilações, em torno do valor médio de
10.70$00. Os preços dos demais produtos, assim como o da erva-mate, também convergiram para
valores mais estáveis.
3.4 O DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO RIO-GRANDENSE (1871 – 1878)
Com o término da guerra, somado ao Rio Grande do Sul, à Santa Catarina e ao Paraná,
outra região produtora de erva-mate emergiu no Brasil Imperial, o Mato Grosso. O sul dessa Pro-
víncia possuía abundantes ervais, explorados apenas pela população indígena local. Thomaz La-
rangeira, o responsável pelo fornecimento de suprimentos para as expedições demarcatórias dos
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
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1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870
Val
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60
Kg
Anos
Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho
Preço de Exportação
84
limites entre o Brasil e o Paraguai, vislumbrou a hipótese de explorar esses ervais para fins
econômicos. Com essa meta e com a permissão da província do Mato Grosso, em 1878, ele cons-
truiu um empreendimento industrial ervateiro. Posteriormente, em 1882, Larangeira recebeu a
concessão de monopólio para a exploração desses ervais,233
que duraria até 1930. Durante esse
período, sua empresa exerceu considerável influência política nas decisões governamentais.
A exclusividade econômica na exploração do mate transformou o referido empreendi-
mento em um próspero negócio, a Companhia Matte Laranjeira. Na primeira metade do século
XX, essa empresa possuía o domínio e o controle territorial de terras devolutas, uma área com
cerca de dois milhões de hectares.234
A sua produção de erva-mate era destinada principalmente
ao mercado argentino, que a comprava no estágio de cancheamento, tal como procedeu com a
erva Rio-grandense. Com o passar do tempo, a produção Mato-grossense alcançou elevados índi-
ces de exportação e se tornou uma forte concorrente para o Rio Grande do Sul.
Na mesma década de 70 oitocentista, concomitante ao início da exploração dos ervais no
Mato Grosso, o setor ervateiro paranaense se recuperou da crise que viveu na segunda metade do
século XIX. Essa recuperação foi marcada pela substituição tecnológica do engenho hidráulico
para o engenho a vapor, o que aperfeiçoou os sistemas das secagens, das peneiras, dos pilões, dos
misturadores e, de forma geral, de toda a maquinaria.235
Além disso, o mate paranaense já era
comercializado em barricas ou em embalagens menores, ambas mais atrativas se comparados
com os surrões. Com esses melhoramentos, o mate paranaense ganhou a preferência dos merca-
dos uruguaio, argentino e chileno236
. Outra consequência dessa nova mecanização foi à substitui-
ção da mão de obra cativa pelo trabalho especializado e assalariado, assim como ocorreu em ou-
tros setores econômicos do Brasil Imperial237
.
Outro fator decisivo para a recuperação do setor ervateiro paranaense foi a implementa-
ção de um sistema de escoamento ferroviário. As ferrovias, a partir da segunda metade do XIX,
revolucionaram os meios de transporte e sua expansão ganhou grandes proporções em território
britânico e em seguida nas demais nações do mundo, o que permitiu a expansão do sistema capi-
talista, a transnacionalização de capitais – sobretudo o industrial e o financeiro – a interconexão
de mercados outrora distantes e, também, a ocupação dos espaços “vazios”. Motivadas por essas
233Corrêa Filho. A Sombra dos Hervaes Mattogrossenses. São Paulo. Ed. Ltda. SP. 1925. p, 14-15. 234 Corrêa Filho. Op. Cit. p, 26 235 Romário Martins. Ilex Mate, Chá sul americano. Curitiba: gráfica Paranaense, 1926, p, 201 236 Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 172 237 Carlos R. Santos. Vida Material, Vida Econômica. Curitiba: SEED, 2001. p,51
85
circunstâncias, as ferrovias, outro reflexo da revolução industrial, foram construídas em várias
províncias do Império. No caso do Paraná, as estradas de ferro foram instaladas no decênio de
1880 e contribuíram à prestação de serviços de locomoção tanto de passageiros quanto de merca-
dorias, o que exerceu profunda influência sobre a expansão comercial e industrial dos seus dois
principais setores econômicos: o ervateiro e o madeireiro. Além disso, essas novas vias de trans-
porte contribuíram à integração e a exploração dos ervais do planalto curitibano que, com o pas-
sar do tempo, superou a produção dos primeiros polos ervateiros: Morretes e Antônia. Essa trans-
ferência facilitou o escoamento do produto e dinamizou a economia regional238
. Desta forma, a
erva-mate paranaense retomou seu espaço no mercado internacional e, por conseguinte, superou
o mate da província Rio-grandense, que vivia uma de suas piores crises.
Para a Província do Rio Grande do Sul, os quase cincos anos de guerra resultaram em
desestabilidade econômica, desiquilíbrio na balança de pagamentos e vertiginosa queda de expor-
tação dos setores tradicionais, como a charque e a erva-mate. De certo modo, isso ocorreu porque
o setor ervateiro não se reinvestiu durante o período da guerra. As principais inovações desse
setor foram realizadas nos finais de 1840-50 e, depois disso, embora essa tecnologia atendesse às
demandas do mercado nos primeiros decênios de sua instauração, não ocorreram outros melho-
ramentos significativos até o fim do Império. Por conta disso, essa defasagem tecnológica a longo
prazo fatalmente contribui com a crise do setor. É difícil precisar a partir de que momento a crise
se instaurou de fato pois, como mencionado anteriormente, a economia passava por um período
de reestabilização dos preços de vários produtos. Além disso, é notável que a conjuntura interna-
cional lhe deu folego durante a guerra do Paraguai, período em que o volume de exportação foi
em média 20.000 sacas a mais que os anos antecedentes à guerra. Contudo, após a beligerância, e
com o restabelecimento do Paraná, o setor ervateiro Rio-grandense se viu em meio à crise, pois
não conseguiu competir.
O processo de inovação tecnológica transforma as estruturas de mercado e criam novos
paradigmas, no médio e longo prazo. “Em geral”, ocorre o aumento da qualidade do produto, a
queda nos preços e o crescimento da produção, vantagens decisivas sobre um concorrente. Esse
processo ocorre progressivamente em todos os setores econômicos como meio de sobrevivência
no mercado. E toda essa dinâmica tem como base a concorrência entre as empresas ou setores
econômicos, e principalmente a concorrência através de inovações, tanto de produtos, quando de
238 Lando R. Kroetz. As estradas de ferro do Paraná 1880-1940. São Paulo. 1985 USP. Tese de doutorado.
86
processos, pela busca do lucro239
. Ou seja, de acordo com essa teoria, as inovações paranaenses
proporcionaram o crescimento e maior competitividade do seu setor ervateiro.
Enfim, a emergência da produção ervateira no Mato Grosso e a recuperação do setor er-
vateiro paranaense foram dois fatores relevantes para a instauração da crise do setor ervateiro
Rio-grandense, pois ambas as regiões se tornaram fortes concorrentes, que, como pode ser obser-
vado no próximo gráfico, apresentou significativa queda no volume de exportação.
Figura 3.8 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878.
Para os anos de 1871-78, os volumes de exportação, em sacos de 60 Kg, da erva-mate,
do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão mostrados no gráfico da Figura 3.8. De acor-
do com este, o volume de exportação do mate, entre 1871-78, praticamente não ultrapassou a
quantia de 50 mil sacas anuais, com exceção de 1872 (65 mil sacas). Esses valores sugerem um
indicio de crise do setor ervateiro Rio-grandense, dado que o volume de exportação da erva-mate,
comparado à média anual de 65 mil sacas do período da Guerra (1864-70), reduziu 38%. No
entanto, os demais produtos, o feijão, a farinha de mandioca e o milho, apresentaram novamente
um ligeiro aumento, especialmente o feijão, que, entre 1870-78, alcançou a média de 145 mil
sacas.
239
Joseph A. Schumpeter. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar. 1984. P, 111-115.
0
50.000
100.000
150.000
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Saca
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Anos
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Volume de Exportação
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Diante desse quadro, o governo provincial propôs um programa de recuperação desse se-
tor. Para isso, ele contratou técnicos estrangeiros para avaliar as condições dessa atividade extra-
tivista e apontar os principais gargalos dela. Louis Couty, por exemplo, um especialista francês,
elaborou um relatório no qual apontava os principais problemas e destacava as virtudes do setor
ervateiro paranaense, que deveria ser tomado como exemplo. As principais falhas da produção
Rio-grandense, segundo o técnico, estão elencadas adiante240
.
Tecnologia: na província do Rio Grande do Sul o processo de beneficiamento da erva-
mate até o final do Império foi realizado por meio do carijo. Enquanto isso, o setor paranaense já
utilizava o barbaqua, um processo de secagem das folhas e galhos mais eficiente. Além disso, a
moagem da erva Rio-grandense ainda era feita nos engenhos hidráulicos, ao invés dos modernos
engenhos a vapor.
A mão-de-obra: a organização do trabalho foi um dos problemas apontados por Couty.
No final do brasil Império o setor ervateiro paranaense, devido a presença dos engenhos a vapor,
trabalhava com profissionais técnicos especializados no assunto. A mão-de-obra empregada no
Rio Grande do Sul não estava no mesmo nível técnico, o que também influenciava na qualidade
final do produto.
Estocagem: depois de beneficiada, a erva-mate era armazenada em surrões, bolsas de
couro bovino, ou em barricas, caixas de madeira. Nesses recipientes, porém, o produto era mal
acondicionado e, com isso, ficava exposto às intempéries, e principalmente, visualmente não era
atrativo, o que prejudicava a comercialização com o mercado europeu.
Qualidade: os ervateiros burlavam as Leis e misturavam outras ervas baratas junto à ilex
para aumentar a produção. Entretanto, com essa prática, o produto perdeu qualidade e espaço no
mercado internacional. Era preciso, portanto, combater essas fraudes.
Transporte: Os ervais cresciam em regiões íngremes de difícil acesso. O transporte da
matéria-prima ainda era realizado com o auxílio de mulas e carroças, obsoletos diante da concor-
rência das ferrovias. Era necessário, tal como o Paraná, a implantação das estradas de ferro e de
novas vias de acesso para o melhor escoamento da produção.
Mercado: o Rio Grande do Sul precisava conquistar novos mercados, especialmente o
europeu, onde a erva-mate ainda não era tão apreciada e consumida como na região platina.
240 Louis Couty. Le mate et les conserves de viande: rapport a son excellence Monsieur le Ministre de l'Agriculture et du
Commerce : sur sa mission dons les provinces du Parana, Rio Grande et les Etats du Sud. Rio de Janeiro: Typ. A Republica, 1880.
88
No período pós-guerra, na opinião de Couty, esses eram os principais obstáculos do se-
tor ervateiro gaúcho e os motivos da diminuição dos volumes (gráfico da Figura 3.8) e dos valo-
res de exportação. O gráfico da Figura 3.9, que apresenta os valores de exportação, em contos de
réis, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, para os anos de 1871-78, evi-
dencia essa redução.
Figura 3.9 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878.
Conforme o gráfico, a erva-mate, entre 1871-72, arrecadou cerca de 700.000$00 contos
de réis. Para os demais anos, os valores de exportação oscilaram em torno de 400.000$00 réis. O
feijão foi o produto de maior destaque nesse período, que entre 1875-78, ultrapassou os dividen-
dos do mate. A farinha de mandioca, por sua vez, uma tendência de valores crescentes. Já o mi-
lho, com exceção de 1875, não ultrapassou a marca de 200.000$00 réis anuais. Vale ressaltar que
a baixa arrecadação do setor ervateiro estava diretamente relacionada ao baixo volume de expor-
tação, como evidencia o gráfico adiante.
Por fim, os preços de exportação, em réis por saca de 60 Kg, da erva-mate, do feijão, da
farinha de mandioca e do milho, estão mostrados no gráfico da Figura 3.10. Segundo este, o pre-
ço médio da erva-mate ficou em torno de 12.00$00 réis. No entanto, descartado o ano de 1871,
em que a saca foi vendida a um valor incomum (27.72$00), a média do período, na verdade, ficou
-
200.000
400.000
600.000
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Valores de Exportação
89
em 10.20$00. Assim, a erva manteve praticamente o mesmo preço médio do período da guerra,
em torno de 10.00$00 réis. Os preços dos demais produtos, como nos anos analisados anterior-
mente, apresentaram médias menores do que o mate.
Figura 3.10 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1871-1878.
Além das razões já expostas, outros motivos internos também contribuíram com o apro-
fundamento da crise do setor ervateiro Rio-grandense no pós-guerra. O primeiro deles foi a dimi-
nuição da mão-de-obra. Grande parte dos soldados gaúchos que lutaram na guerra vieram do con-
tingente de trabalhadores que, por consequência, desfalcaram a força produtiva dos setores
econômicos. Outros dois motivos, extensamente trabalhados no capítulo 2, foram a sanção da Lei
de terras de 1850, pois ela contribuiu com a mercantilização territorial em áreas de ervais, e o
processo de colonização dirigida, pois ele contribuiu com o desmatamento de regiões ervateiras
em detrimento da substituição de cultura agrícola. Além disso, no final da guerra, alguns coman-
dantes dos Voluntários da Pátria foram beneficiados com doações de terras devolutas nas regiões
dos ervais. Em outros casos, muitos soldados, capitães da guarda nacional, companhias de colo-
nização e grandes proprietários de terra com, aproveitaram seus cargos ou de sua influência polí-
tica ou econômica para se apossar de terrenos públicos tais como, por exemplo, o caso do capitão
da Guarda Nacional, Tibúrcio Alvares Siqueira Fortes. Ele protagonizou disputas de terras devo-
R$-
R$5,00
R$10,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$30,00
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Preço de Exportação
90
lutas em Palmeira das Missões, município repleto de ervais públicos241
. Todos esses agentes que
compunham a conjuntura interna da Província foram tão essenciais na instauração da crise erva-
teira.
As análises realizadas ao longo desse capítulo permitem a conclusão que ao longo de to-
do período estudado, 1856-78, o setor ervateiro Rio-grandense apresentou primeiro ascensão com
posterior crise, de acordo com os volumes e os valores de exportação. O início da segunda meta-
de dos oitocentos, entre 1856-63, correspondeu ao período de apogeu, com média de arrecadação
de 898.596$75 réis anuais. Como visto, os elevados índices ocorreram em parte devido ao desen-
volvimento e estabelecimento das cinco regiões ervateiras, devido à crise no setor ervateiro para-
naense e também devido à descoberta de ouro na Austrália, na Sibéria e na Califórnia, que gerava
demanda e inflacionava os produtos agrícolas. Já no período da guerra, 1864-1870, os volumes de
exportação da erva-mate foram maiores do que o período anterior, de 58.286 para 64.557 sacas
anuais, em média, principalmente por causa da incorporação dos mercados uruguaio e argentino.
No entanto, os preços de exportação se estabilizaram em torno de 10:00$00 réis a saca. O último
período analisado (1871-78) correspondeu à crise do setor ervateiro, motivada por diversos fato-
res: a emergência da produção ervateira no Mato Grosso, a recuperação do setor ervateiro para-
naense, problemas internos como o sucateamento da indústria, a diminuição da mão-de-obra, o
avanço da colonização e as disputas pelos territórios dos ervais. Todos esses apontamentos leva-
ram ao declínio do setor ervateiro, que só se recuperaria adiante no período republicano.
241 Paulo A. Zarth. Op. Cit. p, 39
91
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Os temas abordados neste trabalho levantam a questão da formação, na Província do Rio
Grande do Sul, de um complexo econômico ervateiro, que provavelmente começou a se estrutu-
rar, de acordo com os indícios desta pesquisa, a partir de 1835 com a insurgência da Revolução
Farroupilha. Desse ano em diante, especialmente depois do término desse conflito em 1845, o
setor ervateiro, pouco a pouco, integrou-se com outras atividades econômicas que completavam e
assessoravam o comercio do mate. Nesse contexto, o conceito de “complexo ervateiro” subjaz
uma conjunção de fatores que se consorciam para o desenvolvimento regional e que, de certa
forma, também promovem uma acumulação de capital. A partir disso, a produção de erva-mate
conquistou um espaço na economia da Província, fato que pode ser evidenciado por sua trajetória
econômica ao longo século XIX.
Na primeira metade dos oitocentos, os extratores construíam acampamentos para se
abrigarem das intempéries durante os meses de extração da erva-mate. De certo modo, da mesma
forma que os acampamentos de bandeirantes foram importantes para a formação de vários muni-
cípios no interior do Estado de São Paulo, no Rio Grande do Sul, os extratores de erva-mate tam-
bém foram importantes para a formação de municípios nas regiões norte e noroeste da Província,
como são os casos de Passo Fundo, Soledade e Palmeira das Missões. Essa urbanização ocorreu
porque, com o passar dos anos, as pessoas se estabeleceram nesses acampamentos, onde construí-
ram pequenos vilarejos, os quais posteriormente ganharam emancipação política e se tornaram
municípios.
Com a formação desses povoados e o fomento à exportação de erva-mate, uma parcela
da população de outras regiões da Província migrou para essas áreas e também se dedicou quase
que exclusivamente ao seu extrativismo e fabricação. Esse fluxo imigratório atraiu comerciantes
que abriram, bem próximo aos ervais, pequenas vendas em que aceitavam a erva como moeda de
troca. Toda essa gente, com o passar do tempo, se estabeleceu lentamente nos lugares onde traba-
lhava. Diante dessa nova realidade, era necessário a abertura de novas estradas, tanto para abaste-
cer a região quanto para escoar a produção. Assim, o setor ervateiro contribuiu para integrar regi-
ões, nesse caso o norte e o noroeste com o restante da Província. No entanto, durante o Império,
quanto a questão de transporte, a economia ervateira não teve força econômica suficiente para
que fosse implantada ferrovias para escoamento da produção, como aconteceu no Paraná, por
92
exemplo. Das regiões produtoras de erva-mate, o único município que construiu estradas de ferro
foi Passo Fundo, já próximo ao final do Império. É possível que a crise do setor ervateiro tenha
influenciado esse fato e postergado a implementação das ferrovias só para o início do período
republicano. Destaca-se, portanto, a importância de um estudo acerca dessa hipótese para melhor
compreensão da relação entre o setor ervateiro e os avanços dos meios de transporte.
Já em relação ao desenvolvimento agrícola, a extração do mate consorciado com a agri-
cultura não gerava uma agricultura pujante. Sua plantação era primeiramente destinada para a
subsistência e somente o excedente era enviado ao mercado. Isso ocorria, em parte, porque existia
uma legislação municipal que regulamentava o setor ervateiro e não permitia a destruição dos
ervais em detrimento do simples plantio agrícola, em espaços públicos. Além disso, a documen-
tação consultada ao longo da pesquisa sugere que a extração e comercialização do mate era uma
atividade econômica mais rentável do que a dos outros gêneros de subsistência. Ainda assim, a
agricultura enquanto atividade subsidiária constituiu parte importante para a existência do com-
plexo ervateiro. A erva-mate corroborava com a arrecadação dos municípios onde ela existia e,
muitas vezes, tornava-se o principal produto econômico de muitos deles, que se preocupavam em
regulamentar a sua extração para evitar a poda desenfreada e a sua consequente destruição. O
governo provincial, por sua vez, regulamentava a qualidade do produto que seria exportado e
fiscalizava os portos que podiam exportá-lo, forma de garantir o mercado externo.
A extração e o beneficiamento do mate impulsionaram uma série de atividades assesso-
ras que atendiam as demandas do setor ervateiro. A produção de barricas, de cuias e bombas para
o chimarrão, dos surrões e a presença de oficinas que fabricavam e consertavam carroças e ferra-
rias são exemplos dessas atividades. Além disso, as pequenas ferrarias e comércios locais, que
forneciam as ferramentas e peças utilizadas nos engenhos de moer erva e nos diversos estágios de
produção, desenvolviam-se puxadas pela demanda do setor ervateiro. Essas atividades econômi-
cas, realizadas em sua grande maioria manualmente, também proporcionavam emprego e estimu-
lavam, em conjunto, o crescimento regional.
De certa forma, todo esse processo ocorreu devido a estruturação que o setor ervateiro
começou a adquirir durante a Revolução Farroupilha, uma vez que o mesmo ajudou a financiar
parte da guerra. Os desdobramentos desse episódio contribuíram com consolidação do mate no
mercado externo, representado principalmente pelo Uruguai, pela Argentina, pelo Chile e pela
Bolívia. Esse crescimento da demanda estimulou o desenvolvimento tecnológico, evidenciado
93
pelo surgimento dos engenhos de ferro movido a força hidráulica alguns anos após ao término da
insurgência. O gráfico da Figura C.1 ajuda a visualizar essa significativa ascensão. De acordo
com os índices oficiais do Império, o período mais rentável com a exportação da erva-mate ocor-
reu logo após os investimentos nos melhoramentos tecnológicos e a criação das cinco regiões
ervateiras. Esse período, entre 1854 a 1859, que apresenta o ápice de arrecadação em 1857, con-
solidou a formação do complexo ervateiro. Após esse auge, os valores de exportação se mantive-
ram, com oscilações, em torno de 600.000,00 reis, sobretudo no período da Guerra do Paraguai
(1864-1870), e, depois disso, iniciaram uma gradativa queda até o fim do Império, já em tempos
de crise.
Figura C.0.1 – Gráfico do valor de exportação da erva-mate durante o Império242
.
Com a visualização dos volumes de exportação, por outro lado, apresentados no gráfico
da Figura C.2, identifica-se que um grande volume de exportação teve início a partir de 1855,
fato condizente com o ápice de arrecadação do setor já identificado pelo gráfico anterior. No pe-
ríodo da Guerra do Paraguai, diferente do comportamento do valor, o volume de exportação cres-
ceu novamente, possivelmente reflexo da saída do Paraguai do mercado externo, o que contribuiu
242
Confeccionado a partir de dados encontrado nos seguintes documentos: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Oficina gráfica da escola de engenharia de Porto Alegre. Nº 08. Dez. 1922; Renato Antonio Dalmazo. As relações
de comércio do Rio Grande do Sul — do século XIX a 1930. Porto Alegre: Documentos FEE nº. 60. 2004.
0,00
200.000,00
400.000,00
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Réi
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Anos Erva-mate
Valor de Exportação
94
para a manutenção do mate Rio-grandense durante o conflito, uma vez que foi eliminado um for-
te concorrente. De certo modo, o descompasso entre os volumes e os valores de exportação foi
reflexo da reestabilização dos preços dos produtos agrícolas no mercado mundial, após o boom
inflacionário da década de 1850. Isso indica que, nesse período, as economias regionais, como o
setor ervateiro, já sofriam os reflexos diretos da economia mundial.
Figura C.0.2 – Gráfico do volume de exportação da erva-mate durante o Império243
.
A longo prazo, os reflexos da Guerra do Paraguai reduziram as exportações de mate no
período que compreende o término dessa guerra até o fim do Império. Grande parte da mão-de-
obra extrativista foi deslocada para os campos de batalha (cerca de 33 mil gaúchos). Além disso,
também é possível que, por conta do conflito, não ocorreram reinvestimentos nesse setor e, por
conta dessa defasagem tecnológica, o mate rio-grandense não conseguiu competir com seus con-
correntes (Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso), que se fortaleceram logo após o final da Guer-
ra do Paraguai. O setor ervateiro Rio-grandense, por sua vez, só fornece indícios de recuperação
durante o período republicano, que deve ser encarado como futura matéria de pesquisa para
acompanhar os seus desdobramentos econômicos. Ainda é necessário um estudo que aborde se
243
Confeccionado a partir de dados encontrado nos seguintes documentos: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Oficina gráfica da escola de engenharia de Porto Alegre. Nº 08. Dez. 1922; Renato Antonio Dalmazo. As relações
de comércio do Rio Grande do Sul — do século XIX a 1930. Porto Alegre: Documentos FEE nº. 60. 2004.
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Volume de Exportação
95
ocorreu replantio dos pés de ervais, se ocorreu modificações na legislação do setor ervateiro, bem
como a transformação da base tecnológica. O levantamento dessas questões possibilitaria o en-
tendimento mais amplo da consolidação do complexo ervateiro Rio-grandense.
97
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são de Sinimbú. 1853. Porto Alegre. Typographia do Mercantil.1853.
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Relatório apresentado pelo Presidente de Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João
Lins Vieira Cansansão de Siminbu. Porto Alegre. Tipographia do Mercantil. 1855
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João
Marcelino de Souza Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865.
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João
Sertório, Porto Alegre. Typographia do Rio Grandense. 1870.
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João
Antônio de Azevedo Castro. Porto Alegre. Typographia do Rio Grandense. 1876.
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Carvalho
de Moraes. Porto legre. 1874
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Desem-
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Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Conse-
lheiro Jeronimo Martiniano Figueira de Mello. Porto Alegre. Typographia Rio grandense. 1872
Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Joaquim
Antão Fernandes Leão. 1 sessão da 9 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul.
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Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Resoluções da
Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul - 1º sessão da 4º Legisla-
tura. Porto Alegre: Typographia de F. matelly. 1859
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 520, Maço 60, Cx.
28, de1870
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 517, Maço 60, Cx.
28, de 24 de maio de 1870.
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 18.
Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10.
Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97,
Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876.
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. S/m Nº.
Maço 75 c, Lata 124, Cx 43, de 04 julho de 1879
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97,
Lata 124, Cx 43, de 10 de agosto de 1876.
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10.
Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876.
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 74 b.
Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 28 de dezembro de 1879.
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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 123 a. Maço 102,
Cx 45, sem data
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 140 a. Maço 102,
Cx 45, janeiro de 1862.
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Taquari. N. 14. Maço 278, Lata
95, Cx 152, de 22 de julho de 1864.
RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fregue-
sia de Cruz Alta. N.º 578, de 19 de junho de 1856.
RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fregue-
sia de Cruz Alta. N.º 813, de 02 de abril de 1857
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Reso-
luções da Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul.1º sessão da
4º Legislatura. Porto Alegre: Typ. de F. Pomatelly. 1833.
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Reso-
luções da Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul - 1º sessão
da 4º Legislatura. Porto Alegre: Typ de F. matelly. 1859.
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Coleccão dos
Actos, regulamentos e instruções Expedidos pela presidencia da provincia em 1861. Tomo
XVII. Tipographia do Jornal a ordem. 1861.
RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das
Leis e Resoluções e Actos da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul . Tomo XXIII. 1º
sessão da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869.
Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis
e Resoluções e Actos da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul . Tomo XXIII. 1º ses-
são da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869
RIO GRANDE DO SUL. Relatório do Presidente da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul.
João Lins Vieira Sansansão de Sinimbú. 1853. Porto Alegre. Typografia do Mercantil.1853.
107
APÊNDICE – FONTES PRIMÁRIAS
Essa sessão apresenta alguns dos documentos relevantes a escrita deste trabalho. Todos os
documentos selecionados datam do século XIX e foram localizados nos seguintes Arquivos do
Rio Grande do Sul: o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, a Assembleia Legislativa,
o Arquivo Histórico, o Instituto Histórico e geográfico do Rio grande do Sul e o Arquivo Público.
Descrição dos locais pesquisados e documentos encontrados:
O MUSEU DA COMUNICAÇÃO HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA
Está instalado em um prédio histórico, na Rua dos Andradas, 959, em Porto Alegre/RS.
É uma Instituição da Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul244
e possui um impor-
tante papel na preservação da memória da comunicação social no Estado, disponibilizando ao
público um rico acervo que engloba periódicos, publicidade e propaganda, televisão e vídeo, ci-
nema, rádio e fonografia, fotografia, sala da imprensa, além de objetos e equipamentos ligados
aos veículos de comunicação de diferentes períodos históricos.
O acervo da sala da Imprensa reúne importantes periódicos do século XIX. Essas obras
contêm informações a respeito da erva-mate, objeto de interesse dessa pesquisa, e também de
diversas outros assuntos e notícias, tais como: a colonização, a venda de terras, os editais de gê-
neros alimentícios para manutenção dos exércitos e instituições públicas (entre esses, quantidades
considerais de erva-mate), a movimentação dos portos da Província, as publicações de decretos,
os relatos de guerra (Farroupilha e Guerra do Paraguai), entre outros.
Nessa instituição foram pesquisados os seguintes jornais: O Povo, O Americano, Jornal
do Comércio, A Reforma e Correio do Sul. A seguir há uma breve descrição desses periódicos e
também algumas notícias encontradas em cada um deles que foram relevantes à pesquisa.
O jornal O Povo nasceu em 1838 e morreu em 1840. Esse periódico foi criado para fins
políticos, econômicos, literários e ministeriais da República Rio-Grandense. Considerado o pe-
riódico oficial da jovem República, sua principal função foi servir como meio para a publicação
das correspondências oficiais das secretarias do Estado (fazenda, agricultura, interior...), os decre-
244
Criado através de decreto em 10 de setembro de 1974.
108
tos assinados no contexto da Revolução Farroupilha e as Correspondências oficiais entre os gene-
rais e comandantes da força do exército Republicanos. Há 160 exemplares, dos quais 45 foram
publicadas no município de Piratini e os demais (115) publicados em Caçapava, município que
também sediou o palácio do governo Farroupilha no ano de 1839.
Algumas notícias desse jornal relevantes ao tema da pesquisa estão elencadas e publica-
das abaixo:
Figura A.1 – Criação da Fábrica de erva-mate. Jornal O Povo. Piratini, nº 14, 17 out. 1838.
109
Figura A.2 – Exportação e importação. Jornal O Povo. Piratini, nº 15, 20 out. 1838.
110
Figura A.3 – Jornal O Povo. Caçapava. P. 208, nº 51. Em 26 de março de 1839.
111
A Reforma, jornal fundado em 1869, pelo líder maragato Gaspar Silveira Martins, du-
rou 43 anos. Surgiu como periódico do partido Liberal em oposição ao sistema Monárquico e aos
seus representantes. Editado na cidade de Porto Alegre, buscou retratar em suas páginas temas de
cunho comercial, informativo e principalmente político, com intensas campanhas abolicionistas.
Algumas notícias desse jornal relevantes ao tema da pesquisa estão elencadas e publica-
das abaixo:
Figura A.4 – Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 01.
112
Figura A. 5 – Exportação. Jornal A Reforma. Porto Alegre. 22 agosto. 1869. . nº.52. p, 4.
113
ARQUIVO HISTÓRICO DO MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL
O Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) é um órgão subordinado à Secretaria
da Cultura do Estado. Localiza-se no prédio do Memorial do Rio Grande do Sul, na Rua Sete de
setembro, 1020, 2° andar - sala 17, na cidade de Porto Alegre. A instituição tem como funções
primordiais a guarda e a conservação da documentação histórica de origem pública e privada.
Existe farta documentação oficial sobre a colonização do Estado, documentos relacionados à imi-
gração, conflitos políticos, documentos oficiais do ministério da fazenda da Província do Rio
grande do Sul e de outras secretarias estaduais e municipais. Além disso, nele se encontram di-
versos documentos a respeito da colonização pós Leis de Terras de 1854 e conflitos de terras que
surgiram subsequentes à referida Lei. Foram consultados, fotografados, ou copiados os seguintes
documentos: Coleção Varela, Autos de medição de Terras, Anais do Arquivo Histórico e Corres-
pondências das Câmaras Municipais dos seguintes municípios: Palmeira das Missões, Rio Pardo,
Taquari, Cruz Alta.
114
Código de Postura da Câmara de Municipal de Cruz Alta:
115
116
117
Figura A.6 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do
Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 182 A, Maço 60, Cx. 28, de1
4 de agosto de 1852.
118
Câmara Municipal de Passo Fundo: Pedido de doação de terras.
Figura A.7 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do
Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 123 a. Lata 124, sem
data.
119
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (APERS)
Localizado na Rua Riachuelo, 1031, o APERS é um dos departamentos da Secretaria de
Administração e Recursos Humanos. Ele apresenta documentos em excelente estado. Dentre to-
das as instituições visitadas, ele foi o único que dispunha de ar condicionado para a conservação
das coleções. O Arquivo mantem um vasto e rico acervo documental de fontes primárias, que
compreende registros civis, certidões de nascimento, de casamentos e de óbitos, escrituras de
terras, contratos, procurações de diversas naturezas, entre outros.
Registos paroquiais: foram consultados os Registros Paroquiais de legitimação
de terras das freguesias de Cruz Alta, Rio Pardo e Taquari, dos anos de 1855 a
1860. Eles trazem as declarações de terras após a Lei de Terras de 1854. Além
disso, esses documentos também retratam como eram as relações entre a Igreja,
o poder público e a sociedade.
Figura A.8 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fre-
guesia de Cruz Alta. N.º 578, de 19 de junho de 1856.
120
Figura A.9 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fre-
guesia de Cruz Alta. N.º 794, de 12 de junho de 1857.
121
Figura A.10 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fre-
guesia de Cruz Alta. N.º 813, de 02 de abril de 1857.
122
Figura A.11 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Fre-
guesia de Cruz Alta. N.º 818, de 01 de maio de 1857.
123
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - BIBLIOTECA BORGES DE MEDEIROS
Instalada no Solar dos Câmaras, prédio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Sul, em frente à Praça Marechal Deodoro, 10. Essa biblioteca disponibiliza a legislação estadual e
prove ao público interno e externo o acesso a coleções de documentos históricos. Atualmente
contém um acervo com mais de 20 mil obras. A seguir há uma breve descrição das obras encon-
tradas pertinentes à pesquisa:
Proibição de escravos nos territórios de colônias:
124
Figura A.12 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de medeiros. Índice das leis
promulgadas pela Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. (1835 a 1851).
Tipographia Riograndesne - praça da Alfandega n.4 . 1872
125
Portos específicos à exportação de erva-mate:
126
Figura A.13 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das
Leis e Resoluções da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXII. 2º sessão da 12º Legisla-
tura. Tipographia Riograndense. 1867.
127
Código de Postura da câmara municipal de Palmeira das Missões:
128
129
130
Figura A.14 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção dos
Actos, regulamentos e instruções expedidos pelo presidente da Província do Pedro do Rio Grande do Sul
no ano de 1875. Typ. do Jornal do Commercio. 18177.