A PAZ É A GENTE QUE FAZ: Estudo das virtudes contribuindo para as relações interpessoais na escola.
Autora: Rosangela M. Seguro da Silva1
Orientadora: Suzane Schmidlin Löhr2
1 Professora e pedagoga da Rede Pública Estadual/PR, participante do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) 2 Doutora em psicologia, orientadora na UFPR do PDE
RESUMO
O presente artigo descreve um projeto desenvolvido em uma escola publica da região metropolitana de Curitiba. O projeto foi direcionado a alunos de sexto ano do ensino fundamental. Participaram do mesmo, 30 alunos, de ambos os sexos, com idade média de 12 anos. O projeto “A Paz é a Gente que Faz”, teve por objetivo melhorar as relações interpessoais no ambiente escolar, minimizando situações de conflitos entre os alunos. A convivência pacífica entre pessoas pressupõe a emissão de comportamentos que favoreçam a relação interpessoal. Tais comportamentos estão, por sua vez, apoiados nos valores que a pessoa acredite e defenda, os quais provavelmente foram vivenciados direta ou indiretamente, em sua história de aprendizagem. Assim, o presente projeto começou com um estudo dos valores e virtudes morais necessários à convivência pacífica em coletividade. As ações com os alunos iniciaram com a leitura e discussão de um material, denominado Abecedário das Virtudes, composto de poemas e pensamentos relativos a virtudes correspondentes a cada uma das letras do alfabeto. O referido material foi elaborado para o projeto. Na continuidade os alunos elaboraram um material por eles denominado de Manual do Bem Viver. A etapa de implementação do projeto foi encerrada com uma atividade em que os pais de todos os alunos foram convidados, denominada de Noite da Família. Neste evento os alunos puderam apresentar o projeto e convidar os familiares para também envolverem-se com a meta de disseminar a paz. Houve grande participação dos alunos em todas as etapas do projeto e os resultados no comportamento deles em sala de aula, no que tange ao convívio interpessoal, foi satisfatório. O percentual de alunos que antes da intervenção adotaria postura passiva diante de um conflito, após a participação nos encontros, mudou. Os alunos passaram a ver a necessidade de uma mediação, através da busca de ajuda externa. Outro dado considerável que foi apurado, quanto às relações envolvendo colegas em sala de aula, foi a mudança expressiva das atitudes dos alunos perante o sofrimento alheio de um desafeto. Quando, na fase inicial, quase a metade dos alunos agiria com descaso, após a intervenção dois terços da turma manifestou sentimento de empatia diante do sofrimento alheio. .Ao implantar a cultura da paz na turma, percebe-se que foi proporcionado um cenário mais harmônico, seguro e prazeroso para o desenrolar do processo ensino-aprendizagem. A paz, reconhecida não apenas como ausência de conflitos, é um processo positivo, dinâmico e participativo, em que se promove o diálogo e a solução de conflitos num espírito de entendimento e cooperação mútuos, onde as relações são centradas no respeito, na solidariedade e na empatia.
Palavras-chave: Paz. Valores. Virtudes. Violência na escola. Relações interpessoais.
INTRODUÇÃO
Ao adentrar na escola, o aluno nem sempre sabe como agir neste novo
contexto de interação. Por vezes carece de limites que lhe apontem aquilo que é ou
não é permitido fazer neste ambiente, considerando os padrões desejáveis e
produtivos a todos, ou seja, que respeitem as regras do convívio social. Cabe à
escola traçar princípios e atitudes referentes a uma conduta embasada no respeito e
no bom senso. Quando isso não acontece, o espaço escolar torna-se vulnerável a
mal-entendidos. Segundo Bertoldi (2009), haverá menos violência se o professor,
com afeto, disciplinar os seus alunos para o exercício da cidadania, adoção de uma
pedagogia crítica, inovadora, dialética, opinativa, que leve o aluno a pensar e a
entender o mundo em que vive pelas relações interpessoais e também com as
relações com o ambiente que o cerca. O momento educacional que ora se vive pede
esse resgate de valores, visto que o grande desafio da escola contemporânea é
educar pela linguagem dos afetos, para que a educação se torne mais humanizada
e não um processo meramente cognitivo.
A escola pode escolher diferentes caminhos para concretizar ações que
estimulem um convívio interpessoal produtivo. Um projeto desenvolvido em uma
escola da rede pública estadual optou pela utilização de um Abecedário de Virtudes,
com o objetivo de disseminar a Cultura da Paz, familiarizando os alunos com o uso
de expressões de cortesia, gestos de afetividade e respeito. Na coletânea foram
contempladas algumas virtudes essenciais ao bom convívio, as quais são abordadas
sob a forma de poemas simples e bem rimados.
O presente artigo relata tal projeto educativo, o qual foi discutido e avaliado
por outros professores, participantes de um Grupo de Trabalho em Rede (GTR), que
refletiram sobre a proposta, dando amplitude maior ao projeto, capacitando-o para
vir a ser aplicado em outras turmas de alunos, ou mesmo em outras escolas.
A CONQUISTA DA PAZ NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
A educação em valores precisa caminhar, na escola, ao lado da
aprendizagem sistemática, exigindo palavra e ação. Começa na família, onde devem
ser estabelecidos os primeiros limites e prossegue na escola, onde a criança
alcança o universo das regras, dos códigos, das normas.
A educação em valores está apoiada na convicção do educador, no seu
exemplo de vida, em sua maneira de ser e de agir. Freire (1996) menciona a
coerência que deve existir por parte dos educadores na tentativa de encurtar a
distância entre o discurso e a prática educativa, caracterizando esse esforço como
principal caminho para construção de qualidades ou virtudes. Sendo o professor
elemento-chave na formação do educando, Serrano (2002) reforça a importância
deste personagem para a sensibilização dos alunos quanto à vivência das virtudes,
envolvendo sempre que possível as famílias ou responsáveis destes, para que se
efetive uma perfeita sintonia entre educação escolar e a educação familiar. Como a
criança não está fadada a viver eternamente na redoma protetora da família e da
escola, precisa criar suporte e desenvolver habilidades para enfrentar o mundo
contemporâneo.
As habilidades de relacionamento, tão necessárias ao bom desempenho
profissional foram objeto de estudo dos autores Del Prette & Del Prette (2001, p.57)
a seguir, os quais relatam “os novos paradigmas organizacionais que orientam a
reestruturação produtiva têm priorizado processos de trabalho que remetem,
diretamente, à natureza e à qualidade das relações interpessoais”. Sem dúvida,
essa qualidade buscada no relacionamento interpessoal perpassa pelo universo dos
valores e da capacidade de ser empático, tomando a dor do outro como sua, diante
do sofrimento alheio.
A importância de se demonstrar empatia a outrem é muito bem descrita por
Rosenberg (2006) ao falar da superação da dor psicológica por alguns indivíduos
cujos semelhantes mantém com eles contato suficiente a ponto de ouvi-los com
empatia. Sintomas de rejeição podem ser banidos, conversas dadas como
encerradas podem ser retomadas, tudo graças à capacidade humana de demonstrar
empatia. Segundo Rosenberg (2006, p.164), “a capacidade de oferecer empatia a
pessoas em situações tensas pode afastar o risco potencial de violência”. A empatia
pode transformar as relações passando calor humano e respeito ao outro,
desarmando a violência e agressividade. Mas além de sentir a dor do outro como
sua, é necessário que a conduta de cada pessoa seja pautada por princípios éticos.
No universo dos valores, não se pode esquecer que o princípio da ética caminha
rente a eles, na questão do bom convívio.
Segundo Savater (2005) ética é a maneira de se bem conduzir a vida
humana; sua essência reside exatamente no viver bem. Fagundes (2011, p.15), ao
discorrer sobre ética, afirma que esta “não se resume a um conjunto de deveres ou a
um código de regras; é, antes de mais nada, a aquisição de hábitos e atitudes que
se convertem em uma maneira própria de viver. E a educação não pode ser neutra
aos valores éticos”. A autora acrescenta ainda que “ser ético é pensar no coletivo.
Não se nasce ético, aprende-se a ser ético, tendo atitudes de generosidade, de
cooperação, de escuta e de compreensão para com o outro”. A cerca de quando
surgiu a ética, Fagundes (2011) se pronuncia dizendo que a mesma é tão antiga
quanto a humanidade, pois sempre houve a luta entre o bem e o mal no imaginário
do povo e em todas as civilizações.
Ética, assim como a Educação para a Paz, faz parte dos Temas Transversais
incorporados aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cujos teores
transpõem os muros escolares, devendo ser trabalhados em todas as disciplinas. A
partir de 2003, revisado em 2006, surgiu o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (PNEDH) contemplado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs
2013). As DCNs ressaltam os valores de tolerância, respeito, solidariedade,
fraternidade, justiça social, inclusão, pluralidade e sustentabilidade (DCNs, 2013,
p.499).
Na sociedade como um todo, quando a prática de valores e virtudes parece
ter caído em esquecimento, começam a aparecer estranhamentos e conflitos. Na
escola, isso não é diferente. Sendo a escola espaço de construção de conhecimento
e de formação de pessoas e estando a violência muito presente neste ambiente, o
projeto pedagógico “Conte até 10 nas Escolas” visa a prevenção e o enfrentamento
da violência escolar. Através de um material didático enviado às escolas pelo
Conselho Nacional do Ministério público para ser implementado nas turmas de
ensino médio, é onde o projeto “A Paz é a Gente que Faz” encontrou eco, com
objetivos comuns no que tange à reflexão sobre violência e suscitação de atitudes
em busca da paz, abordando valores como solidariedade, respeito, tolerância, amor
ao próximo, ética e justiça. (Conte até 10 nas Escolas, 2013, p. 48).
Gonçalves & Sposito (2002), entendem que algo precisa ser feito para
diminuir a violência no ambiente escolar. Esse desafio no sentido de ‘pacificar’ a
escola indaga sobre que políticas precisam ser implementadas de modo a não ferir
os direitos humanos.
A Declaração dos Direitos da Criança, em seu Princípio 10º, contempla a
necessidade de um ambiente onde reine compreensão, tolerância e amizade, para o
crescimento saudável da criança (ONU, 1959). Um ambiente educacional promotor
dos Direitos Humanos é aquele que não se exime da necessidade de respeito às
diferenças, cujas práticas devem ser livres de preconceitos, discriminações,
violências, assédios e outras formas de violação à dignidade. Como a convivência
com a diversidade pode gerar conflitos no ambiente educacional, a função
pedagógica da mediação permite que os sujeitos em conflito possam lidar com suas
divergências “de forma autônoma, pacífica e solidária, por intermédio de um diálogo
capaz de empodeirá-los para a participação ativa na vida em comum, orientada por
valores baseados na solidariedade, justiça e igualdade” (DCNs, 2013, p.p.504-505).
Considerando tal direcionamento, percebe-se que a Educação em Direitos Humanos
tem como desafio o combate às opressões, o exercício da tolerância e da
solidariedade, vislumbrando a construção de uma sociedade mais comprometida
com a democracia, a justiça e a paz. (DCNs 2013).
Quando se pensa em direitos humanos, vem à memória de imediato o
princípio da igualdade. De acordo com La Taille (2006, p.61), “Todos os seres
humanos, sejam quais forem as suas origens sociais, seu sexo, suas competências
cognitivas, sua nacionalidade, sua etnia, etc., têm o mesmo valor intrínseco, e, logo,
não devem usufruir de privilégios”. Quando existe o princípio da igualdade num
ambiente coletivo, nele reinará a virtude da justiça. La Taille (2006, p.62), acrescenta
ainda “vale dizer que a justiça diz respeito tanto à esfera privada quanto à esfera
pública, traduzindo, para ambas, a busca do equilíbrio nas relações interpessoais.
Em uma palavra, sem justiça não há sociedade possível, não há ética legítima”.
O equilíbrio almejado nas relações interpessoais descrito por La Taille, por
vezes parece uma utopia no mundo em que vivemos, em meio a tantos contrastes e
paradoxos. Conforme coloca Lordello (1998), mesmo com o avanço tecnológico da
contemporaneidade, deixa-se passar despercebido situações à nossa volta; sabe-se
rapidamente o que se passa em Marte, porém ignora-se a agonia de um vizinho em
seu leito de morte. Segundo o autor (1998, p. 19) “atitudes como oferecer o assento
do transporte coletivo a alguém ou cumprimentar as pessoas tornaram-se raridade,
num momento onde o caos e a incerteza rondam permanentemente nosso
cotidiano”.
Conforme Milani (2000), a paz passa a ser construída no cotidiano, nas ações
e interações, das mais simples às mais elaboradas, “envolvendo as relações
consigo, com o outro e com o ambiente, caracterizando um movimento não reduzido
ao ‘combate à violência’, mas ampliando à ‘promoção da cultura da paz’. O autor
(2003, p.31) reconhece a importância de se construir uma Cultura da Paz, afirmando
que “para que relações de paz, respeito e cooperação prevaleçam numa escola ou
comunidade não bastam boas intenções e belos discursos”; transformações
gradativas e tomada de atitudes são indispensáveis, mesmo que a longo prazo, para
que a paz seja o princípio governante de todas as relações humanas e sociais.
Nessa questão da violência, o autor aponta três abordagens presentes: a repressão,
fundamentada na força; a abordagem estrutural, que atribui a causa da violência ao
sistema econômico vigente e a Cultura da Paz. De acordo com Milani (2003, p. 38)
“a cultura da paz propõe mudanças inspiradas em valores como justiça, diversidade,
respeito e solidariedade, por parte de indivíduos, grupos, instituições e governos”.
Adotamos, na elaboração do projeto que será apresentado e analisado, a terceira
vertente apontada por Milani (2003), a qual enaltece ações voltadas para a
construção de uma Cultura da Paz. Para atingir tal meta, fica bem claro o
comprometimento que se faz necessário por parte das instituições e dos indivíduos
com a Paz.
Para que a Cultura da Paz realmente se efetive dentro da instituição, Milani
(2003) aponta a necessidade da reorganização de valores, atitudes, estilos de vida e
ações pacíficas do cotidiano. Ressalta também os pilares para o sustento das
relações interpessoais: afeto, respeito e diálogo. Para o autor, o modelo vigente da
competição e do individualismo deve ceder lugar a um modelo ancorado na
cooperação e no trabalho conjunto. Para tanto, todos os segmentos precisam estar
envolvidos: alunos, pais e comunidade escolar, numa gestão democrática que
incorpore a dimensão dos valores éticos e humanos nas relações interpessoais,
aproveitando-se as oportunidades educativas para o aprendizado do respeito às
diferenças e a resolução pacífica de conflitos. O autor ressalta ainda que o modelo
competitivo e individualista tão em voga na sociedade capitalista da atualidade
necessita ser erradicado, cedendo espaço a um modelo colaborativo.
Para dar suporte à desafiante missão de reduzir conflitos, melhorar as
relações interpessoais fomentando a Paz e demonstrar empatia a colegas em
sofrimento, objetivos do presente projeto, Fagundes (2011) convidou alunos e
professores, parceiros no processo de aprendizagem, para fazerem um percurso
seguindo a trilha dos valores, interiorizando-os e disseminando-os. Segundo a
autora (2011, p.14), “uma educação com valores permite que cada indivíduo
descubra e escolha livremente as crenças e a maneira de viver que melhor o
conduzam a um crescimento pleno e à felicidade tão almejada”.
O projeto que será descrito neste artigo, fez uso de poemas sobre virtudes,
como estímulos instigadores da reflexão e da mudança de comportamento por parte
dos educandos de uma escola. No decorrer dos meses em que o projeto foi
implementado, foi possível mensurar que o uso de poemas surtiu um efeito gradativo
de sensibilização no grande grupo, cujas manifestações começam agora a ser
descritas.
METODOLOGIA
O projeto “A Paz é a Gente que Faz”, implementado numa turma de sétimo
ano de escola pública estadual, foi partilhado com outras dezesseis educadoras num
grupo de trabalho em rede (GTR). Os pais dos educandos tomaram ciência do
projeto através de uma cartinha enviada à família, contendo os objetivos do mesmo
e as ações previstas na proposta. Assinaram então termo de consentimento
esclarecido, autorizando a inclusão de seus filhos no projeto. Nos momentos iniciais,
as dinâmicas de grupo realizadas serviram para descontrair, divertir e aproximar os
estudantes entre si.
O passo seguinte foi a apresentação do abecedário de virtudes, coletânea
com 23 poemas, de “A a Z”, enfocando valores e palavras que remetem ao bom
convívio. No trabalho com o Abecedário de Virtudes, após leitura individual e
comentário de cada poema, houve a declamação coletiva, em sala de aula,
considerando os alunos por fila, em forma de jogral. Cada aluno elegeu seu poema
ou virtude preferida, ilustrando com um desenho referente ao conteúdo do poema.
Um dos valores mencionados no Abecedário é o Respeito, sendo que este foi um
dos poemas mais escolhidos pelos alunos para ser ilustrado. Entre as ilustrações
feitas, podem-se observar cenas de respeito aos idosos, respeito à natureza e ao
ser humano em sua diversidade de etnia e cor.
A atividade descrita a seguir gerou grande expectativa e levou três encontros
para ser concluída; trata-se da produção coletiva do Manual do Bem-viver, onde os
alunos dividiram-se conforme suas habilidades criativas para pintar, escrever e
desenhar: a princípio, após uma roda de conversa, foi criado o Decálogo do Bom
convívio e cada um dos dez itens foi ilustrado com muito capricho. O manual foi
encadernado, fará parte do acervo da escola, ficando disponível na sala da equipe
pedagógica para trabalho com alunos. Por sugestão da direção da escola, o manual
do bem viver foi multiplicado em cópias reduzidas para todos os alunos dos sextos e
sétimos anos, que foram entregues, juntamente com a miniatura do abecedário de
virtudes.
No decorrer da implementação, foram confeccionados cartazes sobre as
virtudes, os quais foram afixados na sala de aula e corredores da escola. Foram
criados ainda cerca de duzentos panfletos sobre combate à violência e a Cultura da
Paz; parte para serem distribuídos às famílias dos alunos, professores e funcionários
da escola, durante a Semana Pedagógica e os demais a serem distribuídos pelos
alunos na comunidade.
RESULTADOS
Participaram do projeto 30 alunos de ambos os sexos, 18 meninos e 12
meninas, com idade variando de 11 a 13 anos, regularmente matriculados em uma
turma de sétimo ano de uma escola pública estadual de um município de 112.377
habitantes, localizado na Região Metropolitana de Curitiba.
Os estudantes foram convidados a participar de 18 encontros, realizados em
sala de aula conforme cronograma agendado com os professores das várias
disciplinas, e também nos momentos em que havia alguma lacuna nas aulas
regulares por falta de professor ou por distribuição das aulas no calendário.
Observou-se alta assiduidade aos encontros do projeto. Consultando a freqüência
escolar referente ao período de implementação do mesmo, percebemos que 70%
dos alunos envolvidos tiveram assiduidade total. Quanto aos demais 30%, a
assiduidade oscilou entre 85% a 95%.
Foram abordados nos encontros os temas: Abecedário das virtudes; bom
convívio na escola; manual do bem viver; a cultura da paz e o combate à violência.
Várias ações permitiram trabalhar os temas propostos. Dentre elas destacamos o
acolhimento dos participantes por meio de dinâmicas grupais, pesquisas dos alunos
na internet sobre os temas, discussão do abecedário de virtudes, produção coletiva
do Manual do Bem Viver, elaboração de panfletos sobre a cultura da paz e
finalizaram com uma atividade direcionada aos alunos e familiares denominada
Noite da Família na Escola.
Os alunos responderam a questionário contendo questões relativas ao
manejo de situações envolvendo violência na escola antes de iniciar a participação
no projeto e no último encontro, quando estava finalizando a implementação do
mesmo. As tabelas a seguir apresentam os resultados pré e pós intervenção. A
primeira tabela refere-se às atitudes que seriam tomadas pelos alunos frente a
agressões na escola.
TABELA 1 – POSSÍVEIS ATITUDES PERANTE CONFLITOS:
SITUAÇÕES ATITUDES (Pré
intervenção)
ATITUDES (Pós
intervenção)
Ao presenciar uma briga
Atitude Passiva
Ignorar Ajuda Atitude Passiva
Ignorar Ajuda
19/30
6/30 5/30 5/30 5/30 20/30
Sendo alvo de possível
ataque
Comunica a direção
Foge Chama “turminha”
Comunica a direção
Foge Chama “turminha”
18/30
0/30 12/30 29/30 0/30 1/30
FONTE: QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS NO INÍCIO DA INTERVENÇÃO
Ao serem questionados sobre que atitudes teriam ao se depararem com uma
briga envolvendo outros colegas, notamos que houve avanço na atitude perante este
tipo de agressão. Inicialmente muitos alunos adotaram postura passiva (19/30),
limitando-se a meros espectadores, passando a 5/30 após fazer parte do projeto.
Após a participação nos encontros, 20/30 dos participantes passaram a se
posicionar buscando ajuda externa.
Quanto à atitude frente à agressão direta à sua pessoa, também percebeu-se
avanço na posição tomada. Inicialmente 18/30 dos alunos comunicaria a direção da
escola enquanto que 12/30 agiria pedindo que uma “turminha” viesse em sua
defesa. Após a participação nos encontros, apenas 1/30 continuava alimentando o
sentimento de vingança chamando por terceiros para defendê-lo, enquanto que
29/30 comunicaria a direção da escola, tentando amenizar o problema de forma
pacífica.
A segunda tabela refere-se à s relações interpessoais diante de diferentes
situações.
TABELA 2 – RELAÇÃO ENVOLVENDO COLEGAS EM SALA DE AULA
SITUAÇÕES ATITUDES (Pré
intervenção)
ATITUDES (Pós
intervenção)
Na condição de poder inocentar
alguém
Omissão por
descaso
Omissão por medo
Ajuda Omissão por
descaso
Omissão por medo
Ajuda
13/30
6/30 11/30 4/30 6/30 20/30
Mediante sofrimento alheio de um desafeto
Desforra Descaso Empatia Desforra Descaso Empatia
12/30
5/30 13/30 2/30 8/30 20/30
FONTE: QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS AO FINAL DA INTERVENÇÃO
Observando as relações entre colegas, percebemos que inicialmente havia
resistência de boa parte dos alunos para prestar ajuda a outrem, em situação de
injustiça, quer por medo, quer por descaso. Após a participação nos encontros
percebemos melhoria de postura, quando mais de metade da turma (20/30) disse
que se pronunciaria para oferecer ajuda ao colega acusado injustamente.
Ainda na mesma tabela podemos perceber mais um crescimento de conduta.
Ao serem questionados sobre como se posicionariam ante o sofrimento alheio de
alguém com quem já se teve desavenças, inicialmente a maioria dos alunos
alimentava sentimentos de vingança ou descaso diante da situação; apenas 13/30
demonstraram empatia. Após a participação nos encontros, o número de colegas
dispostos a sentir a dor do outro como sua cresceu para 20/30.
Quanto à opinião dos alunos sobre a necessidade de se abordar no currículo
escolar temas referentes ao bom convívio e melhoria das relações interpessoais, a
mudança de pensamento foi muito expressiva. Pela resposta dada antes da
implementação do projeto a uma pergunta nesse sentido, 10/30 alunos não viam
necessidade de um trabalho enfocando virtudes e cultura da paz. Porém, ao finalizar
os 18 encontros de implementação todos foram unânimes em valorizar o teor deste
trabalho e a repercussão que ele teve no dia-a-dia escolar.
Ao serem questionados sobre qual seria o maior problema da humanidade, as
respostas “violência” e “drogas”, apareceram de forma maciça nos dois momentos;
porém, da segunda vez, as respostas foram complementadas com falta de respeito,
de tolerância e de outros valores. No segundo momento, os alunos passam a
identificar comportamentos que, quando emitidos, podem diminuir a violência e os
conflitos interpessoais, o que revela que a essência do projeto foi bem assimilada.
No registro feito pelos alunos por ocasião do último encontro, referente às
suas impressões sobre o projeto “A Paz é a Gente que Faz”, pode-se perceber a
importância que este teve na vida dos mesmos, sobretudo nas colocações feitas por
alguns deles. Na colocação da aluna F. pode-se notar que a mesma viu significado
do conteúdo abordado no projeto para a sua vivência pessoal, conforme relata:
“o projeto ensinou a gente como deve ser a vida” (F – 12 anos);
Outro colega percebeu que o projeto veio a tempo de melhorar a vida em
coletividade:
“chegou na hora certa para incentivar as pessoas a melhorar o futuro da sociedade” (M – 13 anos);
Quando a última aluna se manifesta, percebe-se que o jeito lúdico e inovador
de se trabalhar um conteúdo faz muita diferença:
“nunca vou esquecer, o projeto foi interessante, uma coisa diferente e divertida” (F - 11 anos).
O auge do projeto foi a Noite da Família na Escola, para divulgação aos pais
dos resultados colhidos, das atividades realizadas e do propósito de sequência das
atividades pela Paz constante, sem prazo de encerramento. Na ocasião, as famílias
foram acolhidas no anfiteatro da instituição, fez-se o relato das atividades com
exposição dos materiais produzidos; os alunos subiram ao palco e cantaram o
“Sambinha da Paz”, paródia da melodia Trem das onze. Os pais presentes,
jubilosos, participaram do Bingo das virtudes feitos com brindes arrecadados na
comunidade. O desfecho aconteceu no refeitório, com um lanche especial a todos e
a distribuição dos panfletos produzidos em sala de aula. O evento foi do agrado dos
familiares, que demonstraram apreço ao projeto desenvolvido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maior gratificação após a implementação do projeto consiste em
contabilizar as mudanças de comportamento que vão surgindo gradativamente, pois
jamais poderia se esperar resultados imediatos. Outro ponto de relevância é ver a
expansão de algo trabalhado com trinta alunos romper fronteiras e se alastrar a
outras turmas, a outras escolas, a novos públicos.
Percebemos então, que mesmo num processo moroso, o público adolescente
e juvenil é capaz de aprofundar seu entendimento sobre o valor da vida, bem como
de adotar uma postura que defina regras e estratégias para a prevenção da violência
nas escolas e na sociedade. Basta que os docentes envolvidos no processo
educativo acreditem, inovem, ressignifiquem sua prática pedagógica, fazendo valer o
gosto e o compromisso de ensinar.
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