A INCOMPATIBILIDADE ENTRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- Os Princípios Constitucionais Penais; 2.1- O Princípio da Legalidade; 2.2- O Princípio da Culpabilidade; 2.3- O Princípio da Pessoalidade da Pena; 2.4- O Princípio da Lesividade; 2.5- O Princípio da Intervenção Mínima; 2.6- O Princípio da Necessidade; 2.7- O Princípio da Proporcionalidade; 3- Da Inviabilidade de sua aplicação no Brasil; 4- A legislação brasileira e o Direito Penal do Inimigo; 5- CONCLUSÃO.
1 INTRODUÇÃO
Com a evolução constante da sociedade, cada vez mais o âmbito do Direito
Penal se estendeu, pois este deve acompanhar o desenvolvimento social. Porém,
atualmente, nos deparamos com um aumento alarmante de tipos penais, a chamada
inflação legislativa. Tal fenômeno ocorre devido à tendência do legislador de tentar
resolver os problemas sociais, tais como o avanço da criminalidade, através do
Direito Penal. Porém, o Direito Penal Clássico não responde eficazmente a esta
criminalidade pós-moderna. Assim, surgem o Direito Penal de Risco, de
Emergência, e o Direito Penal do Inimigo, que visam tornar o Direito Penal eficaz no
combate e no controle de crimes, tais como o terrorismo, o tráfico de drogas e a
macrocriminalidade. É com o intuito de analisar a legitimidade do Direito Penal do
Inimigo sob a perspectiva Constitucional Brasileira que nos propomos elaborar o
presente trabalho. Serão estudados os Princípios Constitucionais Penais, de onde
concluiremos ser inviável a aplicação do Direito Penal do Inimigo no Brasil, por se a
mesma contrária aos referidos Princípios e ao Estado Democrático de Direito.
Porém, mesmo concluindo ser inconstitucional a referida teoria, apresentaremos
alguns casos onde se percebe a existência do Direito Penal do Inimigo em nossa
legislação.
1
2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS
A Constituição Brasileira é consolidada com bases num Estado Democrático
de Direito, que visa a proteção dos direitos fundamentais do homem, fornecendo-
lhes garantias de um processo penal justo e da ampla defesa. O rol dos princípios
processuais penais está relacionado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988,
dentre os quais passaremos a analisar os de maior relevância para o presente
trabalho.
2.1 O Princípio da Legalidade
Primeiramente, cabe analisar aquele que talvez seja o mais basilar dos
princípios fundamentais do Direito Penal, qual seja, o princípio da legalidade. Tal
princípio “exprime o mais importante estágio do movimento então ocorrido na
direção da positividade jurídica e da publicização da reação penal”1.
Representa um direito subjetivo público do cidadão de conhecer o crime,
através da norma legislativa, relacionando-o a um dever imposto ao Congresso de
legislar em matéria criminal sem controles semânticos difusos2.
É em decorrência do Princípio da Legalidade que surge a exigência de
elaboração de normas penais de substância precisa, onde não existam termos
ambíguos, a fim de proteger o cidadão das arbitrariedades judiciais, visto que fixado
com a certeza e clareza necessárias ao âmbito de incidência do ilícito penal, fica
restrita a discricionariedade do aplicador da lei3.
1 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 5ª ed., Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 65.
2 Idem, p. 80.
3 LUISI. Op. Cit., p. 24.
2
A lei deve ser precisa, configurando uma preocupação com a linguagem,
com a redação a ser utilizada pelo legislador com o intuito de definir a incriminação.
Isto se dá uma vez que, como argumenta Nilo Batista “formular tipos penais
‘genéricos ou vazios’, valendo-se de cláusulas gerais ou conceito indeterminados ou
ambíguos eqüivale a nada formular, mas é prática politicamente muito mais
perigosa”4.
De nada valeria a anterioridade da lei se esta, necessariamente, não
estivesse dotada da clareza e da certeza imprescindíveis para que sejam evitadas
maneiras arbitrárias de sua aplicação, ou seja, para que se reduza “o coeficiente de
variabilidade subjetiva na aplicação da lei”5. Isto porque, corolário do Princípio da
Legalidade, é a taxatividade da lei penal ou, como prefere Luiz Luisi, a
“determinação taxativa”6.
A irretroatividade da lei penal também é determinada pelo Princípio a
Legalidade. Dessa forma, a lei penal mais grave não se aplica aos fatos ocorridos
antes de sua vigência, seja quando cria figura penal até então inexistente, seja
quando se limita a agravar as conseqüências jurídico-penais do fato, insto é, a pena
ou medida de segurança7.
4 BATISTA. Op. Cit., p. 78.5 LUISI. Op. Cit., p. 24.6 Idem, ibidem. 7 TOLEDO, Op. Cit., p. 31.
3
Concluindo, como bem destaca Luis Luisi, hoje o Princípio da Legalidade
deve ser entendido como: “não há crime, não há pena sem lei prévia, precisa ou
determinada e atual”8.
2.2 O Princípio da Culpabilidade
Dentre os principais princípios penais, temos o Princípio da Culpabilidade, o
qual é uma exigência do respeito à dignidade do ser humano. A imposição de uma
pena sem culpabilidade, ou se a medida da pena extrapola o grau de culpabilidade,
supõe a utilização do ser humano como um mero instrumento para a consecução de
fins sociais. A culpabilidade na determinação da pena consiste na totalidade de
pressupostos subjetivos da punibilidade e na responsabilidade do autor pelo injusto
culpável cometido, assim como pelo seu comportamento prévio e posterior ao fato,
junto com o conjunto dos fatores dos quais se deriva o grau de reprovabilidade do
fato para a determinação da pena. A sentença penal não condena a integridade da
pessoa, mas o indivíduo que agiu num momento crítico da sua vida9.
Através da culpabilidade, pune-se o culpado pelo seu ato e não o homem
falível atrás da sua infração. É censurabilidade do fato, que exprime uma
contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma penal. É expressão de
indisciplina social, de rebeldia10.
Na realidade, o Princípio da Culpabilidade, como fundamento do Direito
Penal moderno, não pode admitir penas que não se considerem merecidas, não
8 LUISI, Op. Cit., p. 111.9 TZITZIS, Stamatios. Filosofia Penal. Trad. de: Mário Ferreira Monte. Portugal: Coleção IVS
Commvne, 1994, p. 20.10 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal da Culpa. Ciência Penal – Doutrina –
Jurisprudência-Legislação. Ano II, nº 1, [ s.l]:[s.ed.], 1975, p. 71-2.
4
podem exercer uma influência positiva, nem sobre o condenado, nem sobre a
coletividade. Na prática judicial, só o Princípio da Culpabilidade pode aplicar-se
como Princípio de medição da penas, e estas, por sua vez, visem à correção do
agente, só lhe podendo imputar culpavelmente a violação da norma, se o mesmo
agente, através da pena aplicada, puder ser corrigido11.
O Princípio da Culpabilidade marca a oposição a uma responsabilidade pelo
resultado referida exclusivamente à imputação de fatos objetivos. Afirma-se que a
imputação do ilícito a uma pessoa só é procedente se houver a vinculação individual
com o ilícito realizado através da possibilidade de reconhecer a contrariedade à
norma de seu comportamento e de motivar-se conforme a ela12.
Mir Puig, nesse sentido, tem que o Princípio da Culpabilidade se funda no
Princípio da dignidade humana, resultado de um Estado Democrático que respeita o
indivíduo. A dignidade humana "exige e oferece ao indivíduo a possibilidade de
evitar a pena comportando-se segundo o Direito"13.
2.3 O Princípio da Pessoalidade da Pena
A garantia de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado
constitui-se verdadeiramente no Princípio da Pessoalidade da Pena, e está presente
em nossos textos constitucionais desde o Código do Império de 1824 (art. 179,
inciso XX). A pessoalidade é uma característica da pena que está intimamente
11 GÜNTHER, Klaus. A culpabilidade no Direito Penal atual e no futuro. Trad. de: Juarez Tavares. Doutrina Internacional. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 6, n. 24. São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro-dezembro 1998, p. 80.
12 HIRSCH, Hans Joachim. El principio de culpabilidad y su función en el Derecho Penal. NDP Nueva Doctrina Penal, 1996/A, Publicación del Instituto de Estudios Comparados em Ciencias Penalies y Sociales. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 1996, p. 28-9.
13 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal - parte general. 5ª edición. Barcelona: [s.ed.], 1998, p. 97.
5
ligada aos seus fins e fundamentos, e principalmente dentre as “teorias unitárias ou
ecléticas que buscam conciliar a exigência de retribuição – essência da pena – com
os fins de prevenção geral e de prevenção especial”14.
A pessoalidade ou personalidade impõe-se pela “finalidade de retribuição da
pena”, isso porque “se a pena é o mal da sanção oposto ao mal do crime, se é
retribuição de um mal por outro, é evidente que deve recair sobre quem praticou
aquele mal e somente sobre ele”15.
2.4 O Princípio da Lesividade
Com a separação entre direito e moral, temos que “à conduta interna, ou
puramente individual - seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente - falta a
lesividade que pode legitimar a intervenção penal”16. E conseqüentemente, surge o
Princípio da Lesividade, o qual delimita materialmente o avanço do Direito Penal.
Maurício Lopes leciona que, em observância ao Princípio da Lesividade, o
tipo penal possui dois momentos distintos, sendo eles: 1) "no processo de escolha
das condutas potencialmente ofensivas aos bens jurídicos mais relevantes" (no
momento da produção legislativa - e tipicidade formal); 2) "e na confirmação da
ofensa material significativa ou de perigo potencialmente relevante de dano ao bem
jurídico tutelado" (tipicidade material)17.
14 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte geral. 2º ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p.156-187.
15 NORONHA, Magalhães E. Direito Penal, v. 1. 30º ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 222.16 BATISTA. Op. Cit., p. 91.
17 LOPES, Maurício Lopes, Princípio da Insignificância no Direito Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 113.
6
Como exemplo da necessidade de lesividade ao bem jurídico para
configuração do crime, temos que atitudes derivadas não podem ser punidas, tais
como a vadiagem e a embriaguez. Neste sentido, também temos que os atos
meramente preparatórios não podem ser punidos (artigo 14, II do CP), desde que
não sejam delitos próprios, bem como, o conluio de duas ou mais pessoas para a
prática de um ilícito penal não será punido se não iniciada a execução18.
2.5 O Princípio da Intervenção Mínima
Embora não expresso na Constituição, mas de extrema importância, temos o
Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido como Princípio da
Subsidiariedade ou Necessidade, corolário inafastável da legalidade estrita, como
forma de tentar restringir ou, até mesmo, eliminar o arbítrio do legislador, no
momento da confecção das normas penais incriminadoras. Somente fracassando as
sanções do ordenamento jurídico positivo é que deve o Direito Criminal mostrar-se.
A pena, portanto, deve ser sempre utilizada como ultima ratio, e não como prima ou
sola ratio.
Luis Luizi defende a subsidiariedade do Direito Penal, afirmando que,
“destarte, embora não explícito no texto constitucional, o princípio da intervenção
mínima se deduz de normas expressas da nossa Grundnorm, tratando-se, portanto,
de um postulado nela inequivocamente implícito”19. Segundo o mesmo autor o
Princípio da Intervenção Mínima torna-se “orientador e limitador do poder criativo do
18 LOPES. Op. Cit., p. 92.
19 LUISI. Op. Cit., p. 40.
7
crime20”, funcionando como alicerce de delimitação qualitativa abstrata para o
processo de seleção e tipificação de condutas.
De enunciado um tanto quanto simples, o Princípio da Intervenção Mínima
encerra em si um dos mais importantes capítulos da Ciência Penal, escondido atrás
da obviedade de reservar-se ao Direito Penal apenas e tão somente para aqueles
casos de extrema necessidade, visto que, se existir alguma outra forma de
intervenção estatal, e estas se revelarem suficientes para efetivar sua tutela sobre
àquele bem jurídico, não se deve operar a ingerência do Direito Penal21.
A presença e existência do Direito Penal apenas e tão somente se justificam
e, mais que isso, se legitimam, quando os diversos ramos do direito se mostram
incapazes de proporcionar a devida tutela a bens de relevância para a própria
existência humana e social22. Isto porque, como assevera Nilo Batista, “se o fim da
pena é fazer justiça, toda e qualquer ofensa ao bem jurídico deve ser castigada; se o
fim da pena é evitar o crime, cabe indagar da necessidade, da eficiência e da
oportunidade de cominá-la para tal e qual ofensa23”.
Além desses dois corolários, possui ainda o Princípio da Intervenção Mínima
algumas importantes funções que merecem destaque: o estabelecimento das
hipóteses de incidência das leis penais, a indicação dos limites de restrição da
20 Idem, p. 39.21 Idem, ibidem.22 BATISTA. Op. Cit., p. 85-7.23 Idem, p. 86.
8
liberdade de ação para que esta possa ser alcançada pela norma penal e o
estabelecimento da necessidade de incidência da conseqüência jurídica do delito24.
2.6 O Princípio da Necessidade
Dentre todos os referidos princípios em matéria penal, está previsto no caput
do artigo 5º da Constituição Federal, a garantia à inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança [...] dos brasileiros e estrangeiros residentes no
Brasil. Garantias estas que representam a máxima do Estado Democrático de
Direito, qual seja, o direito a uma vida digna.
Neste contexto, Luis Luisi sustenta a existência de um princípio implícito na
Constituição Federal, o Princípio da Necessidade. Pois, como afirma o autor,
é evidente que as privações ou restrições desses direitos invioláveis só se justificam quando estritamente necessários. Sendo as penas, em suas várias espécies formas de privação e /ou restrição desses direitos invioláveis, só se justificam quando a resposta penal é meio indispensável par a proteção de um determinado bem jurídico25.
2.7 O Princípio da Proporcionalidade
Pode-se destacar outro princípio implícito na Constituição de extrema
importância, o Princípio da Proporcionalidade. Segundo Humberto Bergmann Ávila,
a proporcionalidade não é princípio, mas dever que integra e norteia a estrutura de
todo o ordenamento jurídico26. Para Luis Luisi, o mesmo decorre da inviolabilidade
prevista no artigo 5º da Constituição, sendo que a privação e a restrição dos direitos
mencionados no dispositivo referido além de só poder ser legítima quando constituir
24 ROBERTI, Maura. A intervenção mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 73.
25 LUISI. Op. Cit., p. 183-4.26 ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípio e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 215, jan.mar.1999, p. 151-179.
9
um meio necessário para a efetiva proteção de um bem jurídico há de ser também
proporcional à importância do bem, a gravidade da ofensa e a intensidade de
culpabilidade do agente27.
O Direito Penal brasileiro é sustentado sob princípios que primam pela
dignidade do indivíduo e pela sua liberdade. Em decorrência dos mesmos, tem-se
que, ao cometer um crime, ao sujeito deve ser presumida a inocência e dispostos
todos os meios e garantias de um processo justo e legal. Neste contexto,
passaremos a analisar a inviabilidade da aplicação da teoria do Direito Penal do
Inimigo no Brasil.
3 DA INVIABILIDADE DE SUA APLICAÇÃO NO BRASIL
A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 1º, definiu o perfil político-
constitucional do Brasil como o de um Estado Democrático de Direito. A liberdade,
como característica e direito fundamental da pessoa, é o pressuposto irrenunciável
de toda a culpa jurídico-penal e do modelo político-criminal próprio de um Estado de
Direito Democrático. Dessa forma, um Direito Penal do Inimigo vai contra este
postulado, pois a liberdade do indivíduo deixa de ser primordial e passa a ser
contida e suprimida como medida de política criminal e de neutralização do inimigo,
afrontando, de uma maneira geral, os princípios constitucionais analisados.
O Direito Penal do Inimigo é claramente inconstitucional, visto que a
Constituição Federal de 1988 só concebe medidas excepcionais em tempos
anormais (estado de defesa e de sítio), e afirma em seu artigo 5º, XXXVII, que “não
haverá juízo ou tribunal de exceção”. Não é o caso da criminalidade etiquetada
27 LUISI. Op. Cit., p. 184.
10
como inimiga, que não chega a colocar em risco o Estado vigente, nem suas
instituições essenciais. Ela afeta bens jurídicos relevantes, causa grande clamor
midiático e às vezes popular, mas não chega a colocar em risco a própria existência
do Estado. Logo, contra ela só se justifica o Direito Penal da normalidade que
reafirme os postulados do Estado de Direito vigente28.
O Estado Democrático, voltado à proteção da dignidade humana e orientado
no sentido da proteção ao pluralismo político, deve ser entendido juridicamente
como um Estado garantidor e incrementador tanto das liberdades individuais e das
características diversificadas de cada um de seus cidadãos, quanto da realização
integral das potencialidades humanas e de sua concreta execução dentro de uma
política de integração e de participação29.
Portanto, dentro de um moderno Estado de Direito Democrático, de base
constitucional, onde o poder se encontra limitado por sua mesma regulamentação e
legitimado pelo respeito de direitos fundamentais, a finalidade do ordenamento
punitivo não pode ser outra se não a proteção dos direitos humanos e dos bens
jurídicos imprescindíveis a sua coexistência30.
Dessa forma, como argumenta Baratta,
a escola clássica e a escola assim chamada social do direito penal estão na origem de uma relação funcional entre a concepção utilitária do direito como garantia do delinqüente (a Magna Carta de Von Lizt) e do cidadão que ainda não está ultrapassada. Reconhecendo a função instrumental da norma punitiva, a escola clássica e a escola social
28 GOMES. Op. Cit., p. 3.29 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A Incongruência dos Métodos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, ano 6, nº 24. São Paulo: Revista dos Tribunais, out-dez 1998, p. 151.30 ROSSI, Vázquez. Derecho Procesal Penal, Tomo I, Argentina: Rubinzal Culzoni, [s.d.], p. 106.
11
acreditam ser possível determinar na utilidade e na necessidade da incriminação o limite do ius puniendi do Estado e o fundamento da pena justa31.
E reafirma o mesmo autor que, atualmente, deve-se procurar manter a
coerência dos Estados de Direito com seus próprios princípios garantistas:
“princípios de limitação da intervenção penal, de igualdade, de respeito ao direito
das vítimas, dos imputados e dos condenados”32.
Pelo princípio de que todos são iguais perante a lei, esculpido no artigo 1º da
Constituição Federal, e considerando a diferenciação feita por Jakobs entre pessoa
e indivíduo num plano normativo, conclui-se que, num plano Constitucional, a
mesma não pode existir. Além disso, os direitos fundamentais, como o direito à
liberdade e, principalmente, à dignidade, são previstos a todos os seres humanos,
isto desde a época da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e reafirmadas
pelo Pacto de São José da Costa Rica. Neste sentido também se pronunciou Muñoz
Conde:
[...] um regime totalitário, no que se dava por justificado que existisse um Direito penal deste tipo para os “inimigos” ou “estranhos à comunidade”. Mas uma distinção similar é mais dificilmente assumível no Estado de Direito, que, por definição, não admite que se possa distinguir entre “cidadãos” e “inimigos” (ou “amigos” ou “inimigos”, na clássica distinção do famoso politólogo nazista Carl Schmitt), como sujeitos com distintos níveis de respeito e proteção jurídica. Os direitos e garantias fundamentais próprias do Estado de Direito, sobre tudo as de caráter penal material (princípios de legalidade, intervenção mínima e culpabilidade) e processual penitenciária (direito à presunção de inocência, à tutela judicial, a não declarar contra si mesmo, etc), são pressupostos irrenunciáveis da própria essência do Estado de Direito.Caso se admita sua derrogação, embora seja em casos pontuais extremos e muito graves, tem-se que admitir também o desmantelamento do Estado de Direito, cujo Ordenamento jurídico se converte em um ordenamento puramente tecnocrático ou funcional, sem nenhuma referência a um sistema de valores, ou, o que é pior, referido a qualquer sistema, embora seja injusto, sempre que seus protetores tenham o poder ou a força suficiente para impô-lo. O Direito, assim entendido, se converte em um puro Direito de Estado,
31 BARATTA. Op. Cit., p. 23.32 Idem, p. 24.
12
no que o direito se submete aos interesses que em cada momento determine o Estado ou a forças que controlam ou monopolizam seu poder. O direito é então simplesmente o que em cada momento convém ao Estado, que é, ao mesmo tempo, o que prejudica e faz o maior dano possível a seus inimigos33.
A coerência referida acima deve ser buscada num Direito Penal em sintonia
com ditames constitucionais, como os definidos no artigo 5º da Carta Magna
Brasileira, transcritos a seguir, pois são limites ao poder punitivo do Estado não
deixando margem legal para a inclusão de um Direito Penal do Inimigo no Brasil.
Artigo 5º da Constituição Federal do Brasil:
XLVII não haverá penas:
.a de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.
84, XIX;
.b de caráter perpétuo;
.c de trabalhos forçados;
.d de banimento;
.e cruéis;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
33 MUÑOZ CONDE, Francisco. As Reformas da Parte Especial do Direito Penal Espanhol em 2003: da “Tolerancia Zero” ao “Direito Penal Do Inimigo”. Trad. de: Themis Maria Pacheco de Carvalho. Revista Eletrônica de Ciências jurídicas. Disponível em: <http://www.pgj.ma.gov.br/Ampem/artigos/artigos2005/TRADUÇÃO%20ARTIGO%20MUÑOZ%20CONDE.pdf> Acesso em 6. jul. 2005, p. 26-7.
13
LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVlI - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;
LXVIII - conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público;
O Direito Penal do Inimigo representa ou pode representar uma ameaça
para os princípios e garantias do Estado de Direito, e que com isso desvaloriza a
segurança normativa, acentuando tão só a puramente cognitiva, quer dizer, a
eficácia frente a perigos, não o restabelecimento da vigência da norma e a confiança
dos cidadãos na mesma ao contrário do que prega a doutrina funcionalista. O
14
Direito Penal do Inimigo é um Direito Penal excepcional, contrário aos princípios
liberais do Estado de Direito e inclusive aos direitos fundamentais reconhecidos nas
constituições e declarações internacionais de direitos humanos, dentro dos Estados
Democráticos de Direito, que acolhem em suas constituições e textos jurídicos
fundamentais princípios básicos de Direito Penal material do Estado de Direito,
como o de legalidade, proporcionalidade, culpabilidade e, sobretudo os de caráter
processual penal, como o de presunção de inocência, devido processo e outras
garantias do imputado em um processo penal, tendo, portanto, postulados
incompatíveis entre si, de forma que deve-se negar em absoluto a legitimidade de
um Direito Penal de inimigo34.
Ao reafirmar-se um Direito Penal no Brasil em conformidade com os
princípios e garantias constitucionais, e rechaçar-se a hipótese de um Direito Penal
do Inimigo, resta aberta a questão de como responder a criminalidade pós-moderna
e emergencial com eficácia. A solução mais acertada parece ser, conforme
argumenta Hassemer, a de se afastar estes delitos modernos do Direito Penal,
reafirmado-se um Direito Penal nuclear. Segundo o autor, pertencem a este Direito
Penal todas as lesões aos bens jurídicos individuais clássicos, e pertencem a esse
também, os perigos graves e visíveis, como [...] formação de associações
criminosas e as subversões35.
O Direito Penal tem suportado um fardo que não cabe a ele, o avanço da
criminalidade de massas, o surgimento da criminalidade organizada (tráfico de
drogas, terrorismo), são decorrentes de problemas sociais enraizados e de difícil
34 MUÑOZ CONDE. Op. Cit., p. 18 e 32.35 HASSEMER. Op. Cit., p. 65.
15
solução. O Estado social fracassa no seu dever de dar saúde, educação e as
mesmas oportunidades a todos, e se utiliza do Direito Penal como instrumento para
conter os danos que causa com sua omissão, de mera política criminal. Neste
sentido transcreve-se parecer de Munõz Conde:
seguindo o modelo da de Nova York a princípios dos anos noventa, ainda que momentaneamente tenham parecido reduzir algo nas cifras de criminalidade geradora de insegurança pública (furtos, roubos, danos, etc.), analisadas em um prazo mais longo foi constatado que não fizeram baixar de forma relevante o número de delitos, nem sequer o dos delitos menores, e sim, ao contrário, provocaram um aumento impressionante do gasto policial, o que, obviamente, conduz também a um aumento da atividade judicial e do número de condenações, com o conseqüente aumento da população penitenciária, já que a maioria destes delinqüentes é condenada a penas de prisão. Inclusive este aumento do efetivo policial tem provocado também o aumento das queixas de muitos setores comunitários contra a violência e excessos policiais, motivadas pelas reações desproporcionadas com que às vezes a Policia tem atuado em casos nos quais não havia nenhum perigo de prática de um delito. [...] À vista de todos estes dados, e de outros muitos similares que se tem constatado nos lugares nos quais se tem implantado a política de «tolerância zero», se pode prever o que pode ocorrer, o que está ocorrendo já na Espanha, com as reformado Código penal, que recentemente entrou em vigor em matéria de segurança pública. O que provoca esta política, no fundo, é, desde o ponto de vista de sua eficácia preventiva, uma irrelevante diminuição de algumas formas de criminalidade escassamente relevante desde o ponto de vista qualitativo em troca de um aumento da «criminalização da pobreza» Certamente, é muito difícil que alguma sociedade admita que três milhões de desempregados possam impunemente roubar, mas o problema do desemprego não se soluciona com um aumento da repressão penal e policial, nem com a construção de mais prisões, mas com uma inteligente política social e econômica, com uma mais justa redistribuição da riqueza, com maior gasto em ajuda e obras sociais. Desgraçadamente, isto parece hoje estar distante dos programas da maioria dos governos, incluídos os de esquerda, nos países de maior nível econômico. A «globalização do modelo econômico» está provocando uma redução do Estado social e um aumento do Estado policial, penal e penitenciário; e a idéia de «tolerância zero» não é mais que a expressão de um pensamento único sobre como proceder e prevenir a delinqüência, que se quer estender como modelo a todo o mundo, independentemente das diferenças econômicas, culturais e sociais de cada país36.
O Direito Penal não é o melhor meio para evitar a violência e o avanço da
criminalidade, destas deveriam se encarregar outros ramos do Direito, como o
Administrativo e o Civil. O Direito Penal moderno, na visão de Aury Lopes Jr., deve
36 MUÑOZ CONDE. Op. Cit., p. 14 -6.
16
encarregar-se da proteção dos direito fundamentais do ser humano, exercendo uma
função de garantia dos mesmos frente ao poder punitivo do Estado:
O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc. 37.
No sentido de uma necessária reforma do sistema penal advoga, também,
Salo de Carvalho:
Não basta, portanto, em nosso discurso, advogar a plenitude da estrutura acusatória e a necessidade de manutenção de instrumentos de limitação da violência arbitrária. Se o garantismo pode ser entendido como tecnologia dirigida à minimização do poder punitivo ilegítimo através de vínculos formais e materiais balizados pelo respeito à dignidade humana, é extremamente necessária a recomposição do sistema penal, processual penal e punitivo.
O programa de direito penal mínimo, estruturado em amplo processo de descriminalização e na ‘reserva de código’, qualificaria o potencial garantista do direito que é a radical tutela do pólo mais fraco na relação jurídico-penal: a parte ofendida no momento do delito, o réu no momento do processo e o condenado no momento da execução38.
Assumir, portanto, a matriz teórica garantista, impede a aceitação do
discurso da eficácia da repressão penal, como os que pregam a necessidade de um
Direito Penal de emergência e, mais extremadamente, do inimigo, visto que situadas
em locais diametralmente opostos – celeridade, informalização e privatização dos
conflitos, viabilizados pela retórica da ação eficiente e a luta contra a impunidade,
não são pautas político-criminais possíveis desde o interior de um modelo político-
criminal crítico. Sua incompatibilidade é notória, padecendo de ingenuidade os
37 LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. O Fundamento da Existência do Processo Penal: Instrumentalidade Garantista. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dpp0012.html> Acesso em 15. Jul. 2005.
38 CARVALHO, Salo de. Considerações sobre o discurso das reformas processuais penais. Mundo Jurídico. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto098.htm>. Acesso em: 15.jul.2005.
17
discursos que ousam congregar projetos políticos tão opostos. Eficácia, no interior
do projeto garantista, pode ter apenas um sentido: efetividade plena das garantias e
dos direitos individuais contra as violências arbitrárias (públicas e/ou privadas)39.
Assim, o Direito Penal do Inimigo não pode ser aceito num Estado
Democrático de Direito como o Brasil, frente à incompatibilidade gritante entre os
mesmos. Além disso,
A democracia é um sistema político-cultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da relação Estado-indivíduo. Inegavelmente, leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal. Pode-se afirmar, com toda segurança, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes, ou seja, o processo penal como direito protetor dos inocentes. Esse status (inocência) adquire caráter constitucional e deve ser mantido até que exista uma sentença penal condenatória transitada em julgado. O objeto primordial da tutela não será somente a salvaguarda dos interesses da coletividade, mas também a tutela da liberdade processual do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetiva parte do processo40.
Estado Democrático de Direito significa não apenas aquele que impõe a
submissão de todos ao império da lei, mas aquele em que as leis possuem conteúdo
e adequação social, descrevendo como infrações penais apenas os fatos que
realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade. Sem
esse conteúdo, a norma se configurará como atentatória aos princípios básicos da
dignidade humana. A norma penal, portanto, não é apenas aquela que formalmente
descreve um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende ou não o
sentimento social de justiça; ao contrário, sob pena de colidir com a Constituição, o
tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, de todos os comportamentos
humanos, só aqueles que realmente possuem real lesividade social. Sendo o Brasil
39 CARVALHO, Op. Cit., p. 8.40 LOPES JÚNIOR. Op. Cit., p. 7.
18
um Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu Direito Penal há de ser legítimo,
democrático e obediente aos princípios constitucionais que o informam, passando o
tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em
consonância com os princípios derivados desse perfil político-constitucional41. Resta
ao Estado buscar soluções eficazes para conter o avanço da criminalidade em
outros setores e não somente no Direito Penal.
4 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O DIREITO PENAL DO INIMIGO
O legislador brasileiro esforça-se para implantar um Direito Penal eficaz no
país. Conseqüentemente, percebe-se na legislação brasileira muitos aspectos
relacionados ao Direito Penal de Emergência e ao Direito Penal do Inimigo, entre os
quais cita-se os aspectos da intimidade do agente como relevantes para o Direito
Penal, caracterizando, sob este aspecto um Direito Penal do autor.
A separação almejada pela secularização é, ainda hoje, uma luta por parte
da doutrina e da jurisprudência, que tenta, através de muitas críticas, afastar critérios
subjetivos na aplicação do direito penal. Assim,
o Juiz não deve submeter à indagação a alma do imputado, nem deve emitir veredictos morais sobre sua pessoa, mas apenas investigar seus comportamentos proibidos. E um cidadão pode ser julgado, antes de castigado, apenas por aquilo que fez, e não, como no juízo moral, também por aquilo que é 42.
41 CAPEZ, Fernando. Os novos caminhos do Direito Penal. AMAERJ. Disponível em: <http://www.amaerj.org.br/Editorial/MontaHome.asp?qsTpl=artigos7b.tpl&qsCaminhoTpl=../tpl/> Acesso em 06. jul. 2005.
42 CARVALHO, Salo; CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 09.
19
Leciona Ferrajoli, que os princípios inerentes ao direito e ao processo penal
do Estado Democrático de Direito, exigem que os juízos emitidos pelo julgador não
versem
acerca de la moralidad, o el caráter, u otros aspectos substanciales de la personalidad del reo, sino sólo acerca de hechos penalmente proibidos que le son imputados y que son, por outra parte, lo único que puede ser empíricamente probado por la acusación y refutado por la defensa. El juez, por conseguiente, no debe someter a indagación el alma del imputadado, ni debe emitir veredictos morales sobre su persona, sino sólo investigar sus comportamientos prohibidos. Y un cidaudano puede ser juzgado, antes de ser castigado, sólo por aquello que ha hecho, y no, como en el juicio moral por aquello que es43.
A personalidade do agente está prevista em nosso Código Penal atual, no
artigo 59, sendo levada em consideração para o cálculo da pena-base. Contrariando
esta previsão, Salo de Carvalho, afirma que a liberdade de pensamento não foi
pactuada (referência à tese do contrato social), permanecendo o “ser” como núcleo
inviolável por parte do Estado. E conclui dizendo que a “a consciência permanece
liberta mesmo se direcionada ao ilícito”44.
Os direitos fundamentais são inalienáveis, indisponíveis e invioláveis. Dessa
afirmação surgiu a idéia do direito à perversidade (reforçada pelo princípio da
secularização). Ser mau é um direito do homem, pois o Estado não pode penetrar
em seu interior, não pode dizer como a pessoa dever ser, e sim, deve que respeitar
às diferenças.
Amilton Bueno de Carvalho, reforça o entendimento anterior, conforme
percebemos na transcrição de um julgado seu: “A pena-base tenho que merece ficar
no mínimo. A personalidade não pode vir contra o apelante porque o cidadão não
43 FERRAJOLI. Op. Cit., p. 233. 44 CAVALHO. Op. Cit., p. 34.
20
pode sofrer sancionamento por ela – cada um a tem como entende”45. E, seguindo o
argumento, o Estado deve proteger o cidadão, repelindo o preconceito. Continua o
autor dizendo que, a alegação de “personalidade distorcida, com perfil psicológico
apropriado aos delitos praticados é retórica”. Além de que,
os juízes não tem habilitação técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir “diagnósticos” desta natureza 46.
Neste sentido, temos, também, a valiosa lição de Sylvio Baptista:
As circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no art. 59, do CP, só podem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e conseqüências do crime. E excepcionalmente minorando-a face a boa conduta e/ou a boa personalidade do agente. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade, prevista no art. 5º da Constituição Federal. Se assegurado ao cidadão apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se sua conduta (lato sensu) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais) elas não podem ser utilizadas para aumentar sua pena, prejudicando-o47.
O conceito de periculosidade é isento de significado técnico, representa, “o
mais espetacular resíduo etiológico nos sistemas penais contemporâneos48. A
periculosidade está encoberta, na nossa legislação, pelo conceito de personalidade
e conduta social (artigo 50 CP), e representa nada além de ”um juízo futuro e incerto
sobre condutas de impossível determinação probabilística, aplicada à pessoa
rotulada como perversa, com base em uma questionável avaliação sobre suas
condições morais e sua vida pregressa”49.
45 Apelação crime n.º 70000284455, 5ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS; julgado em 09/02/2000.
46 Idem.47 Apelação-crime nº 70000907659, 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS; julgado em
15/6/2000.48 CARVALHO. Op. Cit., p. 137.49 Idem, 139.
21
Além disso, a noção conceitual de periculosidade vai contra os princípios
consagrados pelo Estado Democrático de Direito, baseado na liberdade e na
tolerância às diferenças individuais, onde cada ser humano deve ser respeitado pelo
que é (direito à intimidade) atuando como instrumento de controle social, buscando
neutralizar os diferentes, neste caso os criminosos50.
Como relata Salo de Carvalho, percebe-se em nossa legislação formas de
avaliação da personalidade em vários institutos, como na dosimetria da pena, nas
limitações a direitos derivados da reincidência, e nas avaliações de periculosidade,
demonstrando que a estamos longe de um direito penal secularizado51.
Ao direito secularizado passou a interessar somente os aspectos externos
da conduta humana em desacordo com as normas vigentes. Portanto, para que o
Direito Penal incida sobre determinado fato, este deve lesionar um bem jurídico, não
bastando uma suposta ameaça pra concretizar um crime, o pensamento ou intenção
tem que se concretizar numa ação ilícita.
Percebe-se a falta de lesividade no crime impossível, onde a vontade é
perfeita, mas o meio é inócuo para a realização do crime. Outro exemplo é os casos
de autolesão, onde embora a conduta formalmente atinja um bem jurídico, essa
exteriorização não ultrapassa âmbito do próprio autor52. Neste sentido temos como
crimes de autesão o uso de drogas, por exemplo.
50 Idem, ibidem. 51 Idem, ibidem.
52 CARVALHO. Op. Cit., p. 139.
22
Outra afronta ao princípio da lesividade são os crimes de perigo abstrato,
pois o delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico. “[...]
Ás ]vezes a lei exige o perigo concreto, [...] outras vezes refere-se ao perigo
abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe
ser ele perigoso (arts. 135, 253 etc.)”53.
Nas palavras de Cézar Roberto Bitencourt,
Crime de perigo é o que se consuma com a simples criação do perigo para o bem jurídico protegido, sem produzir um dano efetivo. Nesses crimes, o elemento subjetivo é o dolo de perigo, cuja vontade limita-se à criação da situação de perigo, não querendo o ano, nem mesmo eventualmente. [...] O perigo abstrato é presumido juris et de jure. Não precisa ser provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação que pressupões perigosa” 54.
Ao analisar-se os crimes de omissão de socorro (perigo abstrato), percebe-
se que, pelo Princípio da Lesividade, os mesmos somente podem configurar crime
quando ocorre a permanência do perigo, neste caso se outra pessoa socorrer a
vítima o perigo cessa e o crime deixa de existir.
Na lição de Nilo Batista, o Direito não pode reprimir condutas desviadas ou
simples estados e condições pessoais que não afetem nenhum bem jurídico. O que
importa ao direito é o fazer e nunca o ser, pois senão deixaria de ser Direito Penal
de ação e passaria a se Direito Penal de autor, em perfeita harmonia com os
pressupostos de um Direito Penal do Inimigo. Como exemplo temos o
homossexualismo. Também, refere o mesmo autor, não podem ser punidas práticas
53 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 1. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 132.
54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.148.
23
que só podem ser objeto de apreciação moral, como a mentira e práticas sexuais
entre adultos55.
O delito de perigo abstrato, previsto no artigo 306 do CTB, é exemplo de
ofensa ao Princípio da Lesividade. Neste sentido colaciona-se o parecer de Lenio
Luiz Streck,
[...] com efeito, como venho sustentando, o delito imputado ao apelante – art. 306 do CTB – exige perigo concreto. Não basta, e foi somente isso descrito na exordial acusatória, a existência de dano potencial. O fato de o réu dirigir embriagado, à noite e com os faróis desligados, indiscutivelmente gera perigo, mas, salvo prova em contrário, perigo para o próprio condutor. A "ação delitiva" descrita nem de longe – e nem de perto – anunciou o efetivo perigo a alguém ou a alguma coisa. Logo, concluo inexistente o necessário perigo concreto.
[...] o apelo merece provimento em razão do princípio da secularização do direito, próprio do moderno Estado Democrático de Direito. Com efeito, no Estado Democrático de Direito não se pode admitir a punição de condutas ou comportamentos que abstratamente possam colocar em risco a sociedade. O direito penal somente pode estar voltado à punição de condutas que violem concretamente bens jurídicos especificados. Afinal, não há crime sem vítima. E não se diga que, no caso, a vítima é a sociedade. Ora, ‘a sociedade’ nada mais é do que um conceito metafísico. Assim, somente pode haver crime se, no caso concreto, ficar provado que houver risco, para um determinado bem jurídico. O resto é -–respeitando opiniões m contrário – resquícios de um direito não secularizado56.
Transcreve-se, igualmente, o voto acolhido, à unanimidade, de Luiz
Gonzaga da Silva Moura:
Acolho a inconformidade recursal manifestada pelo acusado. É que para a configuração do crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, conforme reiteradamente vem sendo decidido, não basta a simples comprovação de que o agente conduzia veículo automotor, em via pública, sob a influência do álcool ou substância de efeito analógico – mera infração administrativa do art. 162, I, do CTB. Para a imposição da sanção de natureza penal, à luz do dispositivo supra mencionado, é indispensável a exposição a dano potencial a incolumidade de outrem57.
55 BATISTA. Op. Cit., p. 92-4.56 Apelação Criminal nº 70.001.513.910, julgada pela 5º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
RS; em 11 de outubro de 2000.57 Apelação Criminal nº 70.001.513.910, julgada pela 5º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
RS; em 11 de outubro de 2000.
24
Um aspecto da intervenção do Estado na intimidade dos cidadãos é a
suposta função ressocializadora da pena, baseada na periculosidade do agente, que
tem o intuito de evitar a reincidência. A periculosidade nada mais é do que a
antecipação do Estado, frente a uma previsão de que o sujeito possa vir a cometer
um crime, tese usado a fim de justificar o Direito Penal do Inimigo, como forma de
neutralizar o inimigo.
O conceito de ressocialização é tão vago quanto o de periculosidade,
poderia ser sinônimo de cura, de mudança interior, de reabilitação individual, ou de
neutralização de reincidência. Considerar a pena como instrumento curativo ou
reeducativo aproxima os conceitos de direito com de moral e direito natural58.
Além, disso, como argumenta Tatiana Amorim:
pedir uma modificação “qualificativa” da pessoa do delinqüente é sem dúvida, pedir demasiado. Esperar tal milagre no que tange a intervenção do Estado é desconhecer por completo as atuais condições de cumprimento da pena privativa de liberdade e o efeito que esta produz no homem. Não parece razoável que o Estado garanta a ressocialização do condenado, quando não é capaz sequer de assegurar sua integridade física. Apesar desta, o esforço concentrado em legitimar a área penal está sendo dirigida ao conceito ontológico da pessoa que praticou o delito59.
A sanção penal não deve ter conteúdo nem fins morais. Sendo que a
execução da pena não pode ter o escopo de modificar o pensar do apenado, muito
menos condicionar seus direitos a esta mudança60.
Os exames previstos na Lei de Execução Penal são reflexos da manutenção
de um modelo processual inquisitivo, devido à impossibilidade de serem
58 CARVALHO. Op. Cit., p. 141-2.59 AMORIM, Tatiana. O princípio da secularização na seara penal brasileira. O Direito. Disponível
em:<http://www.odireito.com/default.asp?SecaoID=2&SubSecao=1&ConteudoID=000226&SubSecaoID=5>. Acesso em: 20. mar. 2005.
60 CARVALHO. Op. Cit., p.13.
25
demonstrados e apreciados empiricamente e a ausência de contraditório. Percebe-
se que, em sua maioria visam analisar sua reabilitação, pois, geralmente, a maioria
das indagações feitas ao condenado versa sobre a sua interioridade, sobre os seus
valores, enfim, sobre o seu ‘Eu’. Analisa-se naquele instante se o sujeito
arrependeu-se do delito, se se comportou bem no cárcere, se internalizou
suficientemente as regras da instituição. Estas entrevistas pretendem, assim, dessa
forma precária, emitir um parecer sobre as condições psicológicas do apenado,
responder à dúvida sobre se ele merece ou não ter o seu ‘benefício’ concedido.
Pretende-se, em poucos instantes, traçar um perfil daquela pessoa, quando existem
tratados inteiros de psiquiatria definindo como a personalidade humana se dá e de
que forma pode ser apreendida. Constata-se, portanto, que a forma como são feitos
esses exames, compromete relevantemente o sistema processual acusatório que
deveria viger entre nós, pois são feitos, ainda, calcados em um Direito Penal do
autor61.
E, continua o autor,
como exemplo da extrema importância conferida aos laudos, podemos citar que segundo o Código Penal, um dos requisitos para a concessão do livramento condicional ao condenado por crime doloso cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, consiste na constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir. O parecer tem como fundamento probabilidades, o que por si só não poderia justificar a negação de direitos públicos subjetivos62,
Conforme Foucault, “estes pareceres funcionam como discursos de verdade,
porque discursos com estatuto científico, ou como discursos formulados, e
formulados exclusivamente por pessoas qualificadas, no interior de uma instituição
61 CARVALHO, Salo de. Práticas Inquisitivas na Execução Penal, in: Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2002, p.150.
62 CARVALHO. Op. Cit., p.150.
26
científica”. Como se realmente os pareceres fossem a transcrição real do que se
passa na mente do indivíduo. E acrescenta, ele, “deslocam o nível de realidade da
infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei, porque nenhuma lei
impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, ter distúrbios emocionais, ou
orgulho pervertido63”.
Os referidos laudos vêm de encontro à Constituição, pois além de
contrariarem o princípio da secularização, contrariam os princípios da liberdade de
consciência e de pensando e da intimidade. Eles punem a esfera íntima do agente.
O preso tem o direito de não se arrepender do delito, e o Estado, em contra
partida, deve ficar inerte até que haja o efetivo dano ou o perigo concreto a um bem
jurídico. A esfera do pensamento, das convicções, das paixões e emoções
permanece como núcleo inviolável como reserva de direitos do cidadão na qual o
Estado não pode interferir64.
Muito embora a Lei 10.792/03, que alterou a Lei de Execução Penal, ter
abolido os laudos para a progressão de regime (também para o livramento
condicional, indulto e comutação de pena), do parecer da Comissão em referência,
assim como do Exame Criminológico, grande progresso garantista, a mesma lei
instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado, um retrocesso no mesmo aspecto e uma
afronta a Constituição Federal e ao princípio da dignidade do ser humano.
63 FOUCAULT, Michel. Os anormais curso no collège de France : 1974-1975. São Paulo: Martins Fontes, [s.d.], p. 8.
64 CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias: uma leitura de Luigi Ferrajoli no Brasil. Porto Alegre: Lumen Juris, 2001, p.47.
27
A referida lei tem raízes profundas num modelo político-criminal violador
dos direitos fundamentais do homem, em especial do apenado, a ponto de não
considerar o criminoso como ser humano e, além disso, capaz de substituir um
modelo de Direito Penal de fato por um modelo de Direito Penal de autor65,
característico de um Direito Penal do Inimigo.
Entre as expressões marcantes contidas na lei encontra-se, no parágrafo
2º do artigo 52, a seguinte: “[...] o preso provisório ou condenado sob o qual
recaiam fundadas suspeitas [...]”. O que seriam objetivamente as fundadas
suspeitas a lei não refere, e nem o parâmetro para delimita-las. Com certeza o
critério utilizado para tanto será nada mais do que um mero juízo de valor,
caracterizando o já mencionado Direito Penal do autor.
Sobre o RDD, argumenta Tatiana Amorim:
Num campo mais delimitado e como conseqüência da abrupta separação do direito e moral levada a extremos no decorrer da “era legiferante”, o Estado inconscientemente se embrenhou no perigoso terreno das teorias da profilaxia e da surrada defesa social. Como corolário, a instrumentalização do ordenamento jurídico-penal fez surgir o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) consistindo num agravamento das sanções previstas para o cometimento da falta disciplinar grave a que alude o art. 52 da LEP (Lei de Execuções Penais), ou seja, a prática de 'fato previsto como crime doloso' pelo preso. Ora, resta evidente que a simples prática de crime não pode gerar sanções até que seja ele objeto de julgamento e condenação transitada em julgado, assim é o princípio da presunção de inocência. O RDD, segundo a redação de então, prevê isolamento celular de até trezentos e sessenta dias, devendo o sentenciado ficar em sua cela por até dezesseis horas diárias, sendo permitida a visita de somente duas pessoas por semana. Desde logo ressalta a grave imprecisão legislativa, a começar porque a MP não regulou o evidente conflito do RDD com as citadas normas da LEP, as quais não foram expressamente revogadas. Nascido das cabeças sapientes desta nação, representantes do Estado Democrático de Direito adotou uma 'resposta' imediata contra aquele tipo de preso, dito de 'alta periculosidade”. O homem nesta concepção é pouco mais que nada66.
65 BUSATO, Paulo César. Regime disciplinar diferenciado como produto de um Direito Penal do inimigo. Revista de estudos criminais, Sapucaia do Sul: Notadez, v.4, n. 14, p. 138.
66 AMORIM. Op. Cit., p. 3.
28
Por fim, como bem acentua a mesma autora, “na justificação da pena,
comporta que a sanção penal não deve possuir ´fins terapêuticos´””67. Como já
referido, a intimidade é uma esfera do ser humano isenta da ação do Estado e do
direito. E continua, ela, “o Estado não possui o direito de alterar, reeducar, redimir,
recuperar a personalidade do réu”. O problema da criminalidade vai muito além de
um tratamento ressocializador e de uma intervenção clínica no apenado durante o a
execução, é antes de tudo um problema social, com o qual o Direito Penal não pode
arcar sozinho.
5 CONCLUSÃO
Os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito não permitem a
coexistência de um Direito Penal voltado para o cidadão e de outro voltado para o
inimigo, pois todos são iguais perante a lei, e função do Estado é a proteção da
liberdade e da diferenças, de forma que não se pode cogitar a existência da
categoria de “não-pessoas”, as quais estariam à margem do sistema jurídico dentro
de um ordenamento jurídico da normalidade. O Estado deve dispor de mecanismos
sociais e políticos efetivos, que reduzam e combatam as causas da criminalidade,
oferecendo as mesmas oportunidades a todos. Quando o Estado Social falha o
Estado Polícia entra em ação, porém como este é freado pelo ordenamento jurídico
que prevê garantias aos acusados, necessita encurtar o procedimento de acusação,
para mostrar eficácia, e o Direito Penal do Inimigo serve para este fim. Assim, o
Direito Penal do Inimigo serve como legitimador para os desmandes do Estado, que
frente à ineficácia dos meios que dispõe para gerir a criminalidade pós-moderna
tende a buscar soluções rápidas e simbólicas, que transmitam uma idéia, também
67 Idem, ibidem.
29
simbólica, de segurança à população. Utilizando-se do Direito Penal para este fim, o
Estado demonstra total despreparo para responder a nova onda de criminalidade,
que tende a não diminuir, porque mesmo o Direito Penal do Inimigo, não traz
soluções reais para tanto. Mesmo neutralizando-se um certo número de criminosos
novos vão surgir, os inimigos de amanhã talvez não sejam mais os inimigos de hoje.
Além da dificuldade que representa identificá-los. Embora devam receber um
tratamento mais severo por parte do Direito Penal, os terroristas e traficantes, por
exemplo, devem ter direito a um processo justo e legal, pois senão estaremos
retrocedendo no tempo e cedendo espaço a pena por mera vingança, esta sim,
ilegítima e desproporcional, como na época da Inquisição.
As conquistas democráticas devem ser respeitadas, são conquistas de
séculos de evolução do Direito Penal, que não podem ser renegadas pela ânsia do
Estado em buscar soluções imediatas aos problemas sociais através do Direito
Penal. Deve-se repensar o Direito como um todo e buscar soluções em outros
ramos do Direito, e reservar o Direito Penal para a proteção de um núcleo de direitos
fundamentais que requeiram sua incidência. Dessa forma, deve-se reafirmar a
ordem social e jurídica da normalidade, dando plena eficácia a proteção dos direitos
e garantias fundamentais do homem, como manifestação pura de um verdadeiro
Estado Democrático de Direito.
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