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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCINCIAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
TESE DE DOUTORADO
A GEOPOLTICA E A FORMAO TERRITORIAL DO SUL DO BRASIL
JONES MURADS
ORIENTADOR: PROF. DR. GERVSIO RODRIGO NEVES
PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2008.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCINCIAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
A GEOPOLTICA E A FORMAO TERRITORIAL DO SUL DO BRASIL Volume I
JONES MURADS
ORIENTADOR: PROF. DR. GERVSIO RODRIGO NEVES
Banca Examinadora: Prof. Dr. Luiz Fernando Mazzini Fontoura (POSGea/IG/UFRGS)
Profa. Dra. Heloisa Conceio Machado da Silva (IRI/Universidade Nacional de La Plata)
Profa. Dra. Mrcia Eckert Miranda (Centro de Cincias Econmicas/UNISINOS)
Profa. Dra. Rosa Maria Vieira Medeiros (POSGea/IG/UFRGS);
Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Geografia como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Geografia.
PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2008.
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Murads, Jones
A geopoltica e a formao territorial do sul do Brasil / Jones Murads. Porto Alegre : IGEO/UFRGS, 2008.
2 v. : il.
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geocincias. Programa de Ps-Graduao em Geografia. Porto Alegre, RS - BR, 2008. Orientao: Prof. Dr. Gervsio Rodrigo Neves
1. Geopoltica. 2. Geohistria. 3. Histria do Brasil. 4. Histria do Rio
Grande do Sul. 5. Fronteiras. I. Ttulo. _____________________________
Catalogao na Publicao Biblioteca do Instituto de Geocincias - UFRGS Luciane Scoto da Silva CRB 10/1833
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DEDICATRIA
Dedico esta Tese a minha esposa Clair e meu filho Rodrigo por terem
apoiado e me acompanhado em todos os instantes desta dificlima caminhada, a
minha me Sueli por todo o esforo, fundamental, para que pudesse alcanar mais
este degrau, ao meu orientador, Prof. Gervsio Rodrigo Neves, que abraou este
projeto. Dedico tambm ao Prof. Tapir Tiago Moura Waterloo por ter me passado
segurana neste trabalho e aos que de uma forma ou de outra ajudaram na
construo desta Tese, difcil de nomear a todos sem que esquea algum. Tambm
dedico esta Tese ao Programa de Ps-Graduao em Geografia e, principalmente, a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, universidade pblica, gratuita e de
qualidade que me disponibilizou toda a minha significativa formao acadmica.
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RESUMO
Este estudo trata da conquista e da formao territorial e o estabelecimento de
limites internacionais do sul do Brasil. Nas fases desses processos mostra-se a
conexo da ocupao territorial com as aes geopolticas promovidas pelos luso-
brasileiros. So analisados os tratados entre Portugal e Espanha, assim como o
papel desenvolvido pelos bandeirantes, tropeiros, imigrantes, estancieiros,
contrabandistas, gachos e outros atores na explorao e ocupao do territrio,
cada um em seu momento histrico. Razes econmicas e aes militares
integradas iniciativas pblicas e privadas serviram aos objetivos geopolticos
fundamentais a expanso e organizao do espao do sul do Brasil. demonstrado
neste estudo que todas as aes emanadas pelos luso-brasileiros no cenrio do sul
do Brasil foram de cunho geopoltico, envolvendo todos os atores citados acima que
de uma forma ou de outra, atuaram na construo desse territrio.
Palavras chave: Geopoltica; Geohistria; Histria do Brasil; Histria do Rio Grande do Sul; Fronteiras.
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ABSTRACT
This study treaties about the formation, territorial conquest and establishment of
international limits in southern Brazil. During this procedure is revealed the
connection between territorial occupation and the geopolitical moves promoted by
Portuguese-Brazilians. These treaties between Portugal and Spain are analyzed, as
well as the role developed by bandeirantes, tropeiros, immigrants, estancieiros,
smugglers, gauchos and other actors in the exploration and occupation of territory,
each one in their historical moment. Economic reasons and military actions
integrated to public and private initiatives served as important geopolitical objectives
that were fundamental to the expansion and spaces organization of southern Brazil.
It is shown in this study that all the actions by Portuguese-Brazilians in the southern
Brazils scenario are explained by geopolitical ideas, always involving all the actors
mentioned above that, in one way or another, worked in the construction of this
territory.
Key words: Geopolitics; Geohistory; History of Brazil; History of Rio Grande do Sul; Borders.
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A GEOPOLTICA E A FORMAO TERRITORIAL DO SUL DO BRASIL LISTA DE FIGURAS Pg. CAPTULO I Figura 1.1 Fac-smile da ltima pgina do Tratado de Tordesilhas, de
1493, com as assinaturas dos Reis Catlicos da Espanha, Fernando e Isabel. 45
Figura 1.2 Mapa de Juan de la Cosa (1500) 49Figura 1.3 Distribuio das terras no sul da Amrica do Sul, de acordo
com o Tratado de Tordesilhas. 55 CAPTULO II Figura 2.1 Rota de Aleixo Garcia 61Figura 2.2 Rota de Sebastio Caboto e Diego Garcia 62Figura 2.3 Planisfrio annimo portugus chamado de Cantino (1502) 64Figura 2.4 Detalhe do Brasil no Planisfrio annimo portugus chamado
de Cantino (1502) 65
Figura 2.5 Planisfrio de Lopo Homem, 1519, constante do Atlas Muller 66Figura 2.6 Mapa da Terra Brasilis, includo no Atlas Miller 67Figura 2.7 Parte sul-americana do planisfrio de Pierre Descelliers - 1546. 71Figura 2.8 Representaes cartogrficas da Ilha Brasil ou do Magnus
Brasil entre 1550 e 1650 segundo Jaime Corteso 74
Figura 2.9 Magnus Brasil nas Cartas de Joo Teixeira Alberns 1640 76Figura 2.10 Figura da concepo atual do Magnus Brasil 77Figura 2.11 Amrica Meridional de Arnoldus Fiorentinus 79Figura 2.12 So Vicente de Joo Teixeira Alberns 1631 82Figura 2.13 Detalhe, o Brasil na Carta Atlntica de Gaspar Viegas (1534) 85Figura 2.14 Mapa de Bartolomeu Velho 1562 86Figura 2.15 Mapa do Brasil com as divises em capitanias - Lus Teixeira,
1586 88Figura 2.16 Mapa do envolvimento do Sul do Brasil pelas Expedies
Exploratrias Portuguesas Espanholas (1501 1580) 97Figura 2.17 Mapa America Mundus Novus, de Vaz Dourado 1573. 99 CAPTULO III Figura 3.1 Mapa da localizao das Misses de Guair e Tape 112Figura 3.2 Mapa das Misses de Guair - Detalhe 114Figura 3.3 Mapa das Misses localizadas no Tape 116Figura 3.4 Mapa da Rota dos Bandeirantes no Rio Grande do Sul 117Figura 3.5 Mapa da Introduo do gado no Rio Grande do Sul e as
Vacarias 119
Figura 3.6 Mapa America Meridionale, por Guglielmo Sansone 1677 125Figura 3.7 Mapa Americae Descriptio, Nicolau Visscher 1650 126Figura 3.8 Mapa da localizao das Faixas de Fronteira 127Figura 3.9 Mapa da Amrica do Sul por Antnio Sanches, 1641 128Figura 3.10 Mapa America Pars Meridionalis, de Henricus Hondius 1638 129
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CAPTULO IV Figura 4.1 Localizao dos primeiros povoados no sul do Brasil 140Figura 4.2 Evoluo geogrfica dos Gachos 145Figura 4.3 Localizao da Colnia do Santssimo Sacramento 149Figura 4.4 Plano do porto da Colnia do Sacramento 150Figura 4.5 Mapa da localizao da Colnia do Sacramento ps Tratado
Provisional 152Figura 4.6 Localizao, em detalhe, das aldeias dos Sete Povos 154Figura 4.7 Localizao dos ervais e estncias dos Sete Povos 156Figura 4.8 Animao do Triplo Vetor Colonizador do Sul do Brasil 160Figura 4.9 Representao do Roteiro Colnia do Sacramento Laguna 163Figura 4.10 Localizao de Montevidu 168Figura 4.11 Enseada de Montevidu 169Figura 4.12 Enseada de Montevidu 169Figura 4.13 Traado do caminho dos Tropeiros So Jos do Norte
Laguna 171Figura 4.14 Traado do Caminho do Morro dos Conventos 173Figura 4.15 Traado do Real Caminho de Viamo 174Figura 4.16 Localizao das principais sedes de municpios na Rota dos
Tropeiros 176Figura 4.17 Localizao da rea de distribuio das primeiras sesmarias
no Rio Grande do Sul 179Figura 4.18 Mapa do litoral, de Laguna a barra do rio Taramandi
(Tramanda), indicando os Campos de Viamo 182Figura 4.19 Discriminao das Estncias, no Rio Grande de So Pedro,
1741. 184
Figura 4.20 Planta Topogrfica da Praa da Nova Colnia com o seu novo desenho pelo Brigadeiro Joz da Sylva Paes Anno de 1736
188
Figura 4.21 Mapa da Barra do Rio Grande e suas Fortificaes 192Figura 4.22
Carta do Brasil de Guillaum Delisle (1722) comparada com uma carta portuguesa da mesma poca e com o contorno atual. 197
Figura 4.23 Mapa das Cortes 202Figura 4.24 Mapa dos limites estabelecidos pelo Tratado de Madrid no sul
do Brasil 204
CAPTULO V Figura 5.1 Planta da Fortaleza de Jesus-Maria-Jos de Rio Pardo 210Figura 5.2 Dinmica da movimentao das foras ibricas na Guerra
Guarantica 213
Figura 5.3 Etapas de povoamento inicial do Rio Grande do Sul e o cordo de defesa luso-brasileiro
218
Figura 5.4 Rotas de invaso do Exrcito Espanhol ao Rio Grande do Sul 220Figura 5.5 Esquema da invaso espanhola de Ceballos e Vertiz y
Salcedo ao Rio Grande do Sul 223
Figura 5.6 Indicao dos limites estabelecidos, por via das armas, no sul do Brasil - 1775
227
Figura 5.7 Limites do tratado de Santo Ildefonso 1777 232Figura 5.8 Dinmica da conquista luso-brasileira das Misses - 1801 240
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Figura 5.9 Territrio do Rio Grande do Sul aps a guerra de conquista de 1801
241
CAPTULO VI Figura 6.1 Municpios do Rio Grande do Sul, em 1809 248Figura 6.2 Trajeto de D. Diogo de Sousa na Banda Oriental 252Figura 6.3 rea conquistada pelo Exrcito Pacificador 253Figura 6.4 Territrio da Coroa portuguesa no sul do Brasil, em 1821 261Figura 6.5 Limites adotados no Sul do Brasil atravs da Conveno de
1819 264
Figura 6.6 Limites adotados no Sul do Brasil atravs da Conveno de 1819, com hidrografia.
265
Figura 6.7 Limites adotados no Sul do Brasil atravs do Tratado de 1821 267 CAPTULO VII Figura 7.1 Dinmica da Batalha do Passo do Rosrio 274Figura 7.2 Dinmica da invaso de Frutuoso Rivera 276Figura 7.3 rea de influncia geogrfica das capitais farroupilhas 279Figura 7.4 Limites internacionais adotados no Sul do Brasil em 1851 281Figura 7.5 Dinmica da invaso paraguaia ao Rio Grande do Sul 284 CAPTULO VIII Figura 8.1 Configurao da rea de litgio Brasil Argentina - 1889 288Figura 8.2 Figura dos limites do Rio Grande do Sul em 1909 289Figura 8.3 Figura da localizao da Ilha Brasileira 291Figura 8.4 A formao territorial do Rio Grande do Sul 295
LISTA DE MAPAS Pg. CAPTULO I Mapa 1.1 Paralelo demarcatrio do Tratado de Alcovas Toledo 36Mapa 1.2 Meridiano demarcatrio da Segunda Bula Inter Cetera 39Mapa 1.3 Meridiano demarcatrio do Tratado de Tordesilhas 41Mapa 1.4 A derrota de Pedro lvares Cabral ao Brasil 51
LISTA DE FOTOS Pg.Foto 4.1 Porto de Campo da Fortaleza de Colnia do Sacramento 187Foto 5.1 Primeiro marco do Tratado de Madrid colocado em Castillos
Grandes. 211
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A GEOPOLTICA E A FORMAO TERRITORIAL DO SUL DO BRASIL
SUMRIO Pg.INTRODUO 11 CAPTULO I - POR MARES NUNCA DE ANTES NAVEGADOS AO ACHAMENTO DO BRASIL
23
A pennsula ibrica no contexto europeu do sculo XV 23Dos feudos ao estado nacional 24O Capitalismo - A nova ordem econmica 25A Economia e a sociedade 25O mercantilismo 26A causa Emergente 28A expanso martima e comercial da pennsula ibrica 29D. Henrique e a vantagem geogrfica 30A expanso ultramarina portuguesa 33A introduo do Mare Clausum 34O tratado de Alcovas-Toledo 35A descoberta da Amrica e suas conseqncias 37As bulas alexandrinas 38O Tratado de Tordesilhas 41A rota das ndias 47O Descobrimento do Brasil 48 CAPTULO II - AS EXPLORAES IBRICAS E O MAGNUS BRASIL 57As primeiras exploraes 57A Costa do Ouro e da Prata 59A cartografia da informao e da contra-informao 63As incurses estrangeiras 69A contestao ao Mare Clausum 70O Magnus Brasil 73A colonizao do Brasil 79Estratgias Geopolticas 83A Espanha conquista o Peru 84As Capitanias hereditrias 85A tentativa portuguesa no Amazonas 90As expedies espanholas ao Prata e ao Amazonas 91A colonizao espanhola 93Portugal do Sculo XVI: a poltica e a economia 94Consolidao geopoltica 97 CAPTULO III - A UNIO DAS COROAS IBRICAS 1580 1640 100Causas da expanso territorial brasileira 101A Companhia de Jesus e os Jesutas portugueses 103A colonizao espanhola 104Os espanhis e os indgenas 105
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O serto e seus habitantes 109Os Paulistas e as Bandeiras 110Bandeirantes, Jesutas espanhis e as Misses de Guair 111As redues do Tape e os Bandeirantes 115Vacaria del Mar 119Consolidao das aes do perodo 1580 1640 120 CAPITULO IV - DA RESTAURAO PORTUGUESA AO TRATADO DE MADRID 1640 - 1750 132A Espanha ps-restaurao de Portugal na Europa e Amrica do Sul 135Continua a impossibilidade de posse territorial espanhola 135Os espanhis e o impedimento ao livre comrcio no porto de Buenos Aires 137Expanso do territrio brasileiro 139Os habitantes do Pampa dos Mozos Perdidos ao Gacho 141A fundao de Colnia do Santssimo Sacramento 148Os Jesutas espanhis se restabelecem no Tape 153Retomada do povoamento e o comrcio na Colnia de Sacramento 158A colonizao do sul do Brasil 159Medidas para reconhecimento e posse do territrio 162O Contrabando no Prata 164A segunda queda de Colnia do Sacramento 166A fundao de Montevidu 167O tropeiro e a ocupao do espao do sul do Brasil 1691. Os tropeiros e o gado espanhol 1702. Os tropeiros e a ocupao do litoral rio-grandense 1713. O tropeiro Cristvo Pereira de Abreu e o caminho ao centro da Colnia 1724. As conseqncias do tropeirismo 1755. A importncia do tropeirismo 177As concesses de Sesmarias e o estabelecimento das Estncias 178A Colnia do Sacramento e as novas ameaas 186Os planos externos pennsula ibrica 190A Vila e a Comandncia Militar do Rio Grande 192A preparao diplomtica portuguesa e os jesutas matemticos 195O Tratado de Madrid - 1750 201 CAPTULO V - AS CONSEQNCIAS DO TRATADO DE MADRID E A CONQUISTA TERRITORIAL DO ATUAL SUL DO BRASIL 206A imigrao aoriana 206A Guerra Guarantica 209O povoamento da Capitania de So Pedro 216Os Tratados e as Invases espanholas 221O Tratado de Santo Ildefonso 230A atividade Charqueadora e a ocupao portuguesa 235A Conquista das Misses 236O Tratado de Badajoz 243O Rio Grande do Sul e sua incipiente economia 244A demografia da Capitania 245As Invases Metrpole portuguesa 245A consolidao do territrio 246
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CAPTULO VI - A MONARQUIA NO BRASIL E A CONQUISTA DA BANDA ORIENTAL 247A Capitania de So Pedro no novo cenrio poltico 248O cenrio do Prata, em 1810 249O Exrcito Pacificador intervm na Banda Oriental 250A luta interna no Prata e as frices no Pampa 254As aes de Artigas 258A invaso da Banda Oriental e a tomada de Montevidu 259As conseqncias da tomada da Banda Oriental 263A Agitao Liberal Precursora da Independncia 265 CAPTULO VII PERODO IMPERIAL 269Imigrao e colonizao estrangeira 270A Guerra Cisplatina 272a. Batalha do Passo do Rosrio 273b. Invaso de D. Frutuoso Rivera 275Guerra civil dos Farrapos 278O Tratado de Limites de 1851 280A Invaso paraguaia 283 CAPTULO VIII - O SUL DO BRASIL E AS QUESTES DE LIMITES NA REPBLICA 285As questes de limites da regio de Palmas Misiones 285Tratado Brasil Uruguai - 1909 288As contestaes uruguaias 290a. A questo da "Ilha Brasileira" 290b. A Questo Masoller / Vila Albornoz 292 Concluso 297 Bibliografia 315
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INTRODUO
No decorrer de sua formao, os limites e as fronteiras do sul do Brasil
variaram e so reconhecidos pela difcil definio da linha divisria gerando
permanente disputa entre lusos e espanhis.
As circunstncias geogrficas tornaram-se marcantes na histria do Cone
Sul. A Bacia do Prata, rea de disputas e tenses ao longo sculos, foi o eixo
central do desenvolvimento econmico e comercial da regio. E assim, em torno do
Rio da Prata, disputaram-se as mais violentas batalhas da regio.
Este trabalho trata da conquista e da formao territorial e o
estabelecimento de limites do Sul do Brasil com Uruguai e Argentina, do perodo
anterior ao descobrimento at a atualidade. Ao percorrer diferentes fases deste
processo histrico, procura-se mostrar a conexo deste processo de ocupao
territorial com as aes geopolticas. Tambm a histria da territorializao do Sul do
Brasil nos remete analise das aes dos atores junto aos processos histricos.
Seu perodo de durao est compreendido entre os sculos XXV e XX. O contexto
pr-colonial (na Europa), colonial, imperial e da repblica fazem parte dessa anlise
que, atravs dos determinantes sociais, polticos e econmicos, compe o quadro da
histria do sul do Brasil.
Sendo este um estudo desenvolvido no mbito da geografia poltica,
procuraremos centrar a anlise justamente naqueles processos que possuam
alguma especificidade no amplo conjunto das questes territoriais. Desse modo, ao
examinarmos os momentos da histria de territorializao do sul do Brasil,
mostraremos a formao econmica e territorial, indicando os processos
geopolticos que expressaram essa formao, passando ao largo dos assuntos que
no atinjam diretamente o tema proposto.
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Assim, a histria do Rio Grande do Sul no sul do Brasil confunde-se com a
histria das lutas pela demarcao dos limites. No decorrer de dezenas de anos,
sucessivos acordos diplomticos (tratados) sobre limites foram assinados entre
Portugal e Espanha, que dizem respeito ao sul do atual Brasil, fizeram com que o
Estado do Rio Grande do Sul obtivesse seu contorno atual no inicio do sculo XX,
depois de anos de vaivm de fronteiras.
Esses tratados influam na forma econmico-social e poltica de agir dos
homens que habitavam a regio, destarte, tais aes tiveram, de ambas as naes,
o intuito de tirar o maior proveito do que se pudesse explorar, por ordem ou
permisso tcita de cada Coroa.
As tticas de conquista variaram nas aes, determinando a definio de
nova identidade dos habitantes do sul do Brasil. A formao de um espao platino,
envolvendo o atual Uruguai, Argentina, Paraguai e sul do Brasil, sempre foi de
relaes assimtricas entre os pases, fato que exigiu da diplomacia portuguesa e
depois brasileira imperial e republicana, atuao e negociao permanentes,
estabelecendo estratgias prprias em gerir com as dificuldades com estes vizinhos.
Ante os fatos, os problemas a que nos propomos responder so:
Foi o projeto geopoltico do Magnus Brasil o instrumento norteador da
conquista territorial portuguesa alm Tordesilhas?
A geopoltica praticada por Portugal foi o instrumento ordenador da
formao do espao do sul do Brasil?
Foram as estratgias geopolticas portuguesas/brasileiras os instrumentos
utilizados para a conquista do espao?
A geopoltica portuguesa resultou na efetiva construo do territrio?
Em razo deste objetivo geral (problema), so objetivos especficos do
trabalho:
os tratados internacionais entre Portugal e Espanha, pertinentes rea
de estudo, incluam uma determinao geopoltica portuguesa e influram no
delineamento do territrio;
os tropeiros, imigrantes e outros atores tenham sido empregados como
instrumento geopoltico por Portugal na explorao e ocupao do territrio;
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razes econmicas (pecuria) foram determinantes na fixao de
objetivos geopolticos que influram na determinao/organizao do espao do sul
do Brasil;
as aes militares simtricas e assimtricas eram defesas/expanso
territoriais e foram utilizadas por Portugal como ttica e estratgias de defesa e
ocupao territorial;
a ocupao militarizada do sul do Brasil, via distribuio de sesmarias e
ocupao com estncias, tenha sido uma estratgia geopoltica na ocupao do
espao.
Assim, o que aspiramos a demonstrar que todas as aes emanadas da
Coroa Portuguesa neste cenrio eram geopolticas, envolvendo todos os atores que,
de uma forma ou de outra, atuaram no territrio. Os atores, civis e militares sempre
executaram objetivos econmicos e os militares garantiram os interesses
econmicos e polticos da metrpole.
Desta forma, partindo de uma concepo integrada como referencial de
anlise, observamos que a dificuldade maior de Portugal / Brasil na demarcao de
seus limites foi a fixao da fronteira no sul do Brasil. No decorrer dos sculos, mais
precisamente no Rio Grande do Sul, houve uma verdadeira oscilaes de linhas de
fronteiras ocasionado por conflitos e tratados entre as coroas ibricas ocasionando
importantes conseqncias sociais, econmicas e polticas a esse territrio.
Assim, a anlise da ordenao do espao dentro da especificidade
geopoltica do Rio Grande do Sul leva em considerao atores sociais, econmicos
e polticos. Assim, o presente estudo far uma reviso dos processos histricos e
econmicos que levaram conquista e ocupao do territrio.
Outro fato importante que estudos na rea da geografia que abranja o
perodo do Brasil Colonial so escassos, principalmente na rea geopoltica. Moraes
(2002, p.17-8) tambm tem esta preocupao e diz: De incio, a geografia (ou geografias) do perodo colonial como um
todo resta ainda como um campo quase inexplorado, seja no que toca s narrativas e roteiros de viagens, seja no que importa ao ensino da disciplina nos colgios jesuticos. Toda uma geopoltica implcita em vrios movimentos e acontecimentos de nossa histria colonial no foi ainda investigada. Documentao colonial local no foi lida na tica da histria do pensamento geogrfico brasileiro;
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Em que pese a ser um tema clssico na rea da Histria, o exame na
ptica geopoltica nada tem de tradicional. O estudo da formao do territrio
brasileiro no sul do pas, neste enfoque, de extrema importncia, j que a
geopoltica o campo mais tradicional, ao lado da guerra, dos estudos de Relaes
Internacionais.
Deste modo a importncia do tema se d na medida que estudaremos as
formas, aes, fatos e estratgias geopolticas utilizadas por Portugal / Brasil na
difcil conquista e manuteno do seu territrio no sul do pas; o estudo, portanto da
origem de nossas fronteiras atuais, na viso geopoltica, torna-se relevante pelo
peso poltico-econmico da regio no antigo e atual cenrio sul-americano.
O referencial terico que utilizamos neste trabalho segue a corrente que
busca relacionar os estudos do espao com a instncia da sociedade e as
instncias econmicas e polticas em suas interaes com a sociedade. A busca de
um tratamento interativo da compreenso do ambiente geogrfico justifica-se pela
conexo inevitvel entre o elemento humano, o ambiente econmico e a dinmica
poltica. Desde o ponto de vista etimolgico, se a poltica a arte de governar, o uso
do prefixo geo significa a aplicao dos conhecimentos geogrficos para esse
escopo. Por essa razo, a geopoltica reflete a combinao de fatores geogrficos e
polticos que determinam a condio de um Estado ou regio, enfatizando o impacto
da geografia na poltica. A mais sinttica e abrangente afirmao de Friedrich Ratzel
(in Mattos, 1975, p.5) diz que: Espao poder, ento se pode sustentar que
elevado o fator geogrfico at um absoluto que se suporia determinante do Poder e,
por conseguinte, o destino dos Estados. Mattos (1975, p.6) sintetiza este
pensamento dizendo: Geopoltica destino. Adoto aqui que Geopoltica projeto.
Concebe-se o presente trabalho como instrumento tcnico de formao,
anlise e interpretao do territrio e fundamentou-se na concepo do espao de
Milton Santos, (1997, p.1-2). Segundo tal concepo, o espao considerado a
integrao da paisagem e da sociedade como um conjunto de componentes
interatuantes, com diversas escalas cronolgico-espaciais. O espao desta forma
uma realidade, cujas instncias sociais, econmicas, cultural-ideolgicas e polticas
interagem. Isso significa que, como instncia, o espao contm e contido pelas
outras instncias, assim como cada uma delas o contm e por ele contido. A
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economia est no espao, assim como o espao est na economia. Em nosso
entender, a principal instncia.
O mesmo se d com o poltico-institucional e com o cultural-ideolgico.
Isso quer dizer que a essncia do espao social e poltico. Nesse caso, o espao
no pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geogrficos, naturais e
artificiais, cujo conjunto nos d a Natureza. O espao tudo isso, mais a sociedade:
cada frao da natureza abriga uma frao da sociedade atual. Assim, temos,
paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos geogrficos distribudos sobre
um territrio, sua configurao geogrfica ou sua configurao espacial e a maneira
como esses objetos se do aos nossos olhos, na sua continuidade visvel, isto , a
paisagem, de outro lado, o que d vida a esses objetos, seu princpio ativo, isto ,
todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado
momento. Esses processos se realizam atravs das formas. Estas podem no
serem originariamente geogrficas, mas terminam por adquirir uma expresso
territorial. Na verdade, sem as formas, a sociedade, atravs das funes e
processos, no se realizaria. Da por que o espao contm as demais instncias.
Ele , tambm, contido nelas, na medida em que os processos especficos incluem
o espao, seja o processo econmico, seja o processo institucional, seja o processo
ideolgico.
As potencialidades englobam todos os aspectos e/ou caractersticas que
possibilitaram o uso e/ou formas de utilizao na rea em questo. A determinao
do potencial, neste caso, constitui uma importante ferramenta para a analise
socioeconmica e geopoltica, pois contempla as informaes necessrias para que
seja determinado o modelo de organizao do territrio. Enquanto isto, as limitaes
iniciais para a territorializao, dizem respeito aos aspectos e/ou caractersticas que
condicionaram uma fragilidade econmica do meio e que impuseram certas
restries iniciais ao uso e ocupao do solo.
METODOLOGIA Aqui temos por finalidade apresentar o delineamento e a esquematizao
da metodologia, onde foi desenvolvido este trabalho, expondo em linhas gerais, as
diversas aes operacionais que lhe do sustentao e validade cientfica. Tal
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estudo configura-se como uma anlise histrica da formao e organizao do
espao do sul do Brasil tendo como base aes geopolticas.
A metodologia proposta para o desenvolvimento deste estudo o de, em
primeiro lugar, identificar os acontecimentos, fatos, aes, tomadas de deciso ou
qualquer outro elemento que de uma forma ou de outra foi utilizado como estratgia
de Portugal, e depois Brasil, e teve influncia na formao dos limites internacionais
do Rio Grande do Sul e do sul do Brasil aliado com os conceitos de geopoltica.
Usaremos para isto o conceito de estratgia proposto pela Escola Superior de
Guerra, in lvares (1973, p.51 e 58): A estratgia, como instrumento da poltica do Estado, a arte e a
cincia de preparar e aplicar o poder - na paz e na guerra - para a conquista e preservao dos objetivos vitais da Nao;
A estratgia nacional a arte de preparar e aplicar o poder nacional tendo em vista a conquista ou manuteno dos objetivos fixados pela Poltica Nacional.
Da mesma forma usaremos os termos da finalidade da pesquisa de
natureza estratgica preconizada por lvares (1973, p.67) que : Analisar a fundo os fatores da ao, o equivalente ao estudo clssico
da misso, terreno, inimigo e meios disponveis - meios polticos, econmicos, psicolgicos e militares e selecionar os processos de ao mais apropriados;
Prever o desenvolvimento da manobra em funo das reaes possveis do adversrio e dos neutros, a fim de definir as variantes a introduzir no plano inicial.
Como vamos analisar acontecimentos do passado, utilizaremos estes
conceitos de forma a estudar os processos de aes aplicados no decorrer dos fatos
histricos e os conseqentes movimentos da sociedade neste perodo.
Assim, dada a inter-relao ambiental da atividade geopoltica e de sua
insero em um meio social ainda no consolidado, ser trazido com maior nfase o
processo de ocupao do solo, especialmente sobre as relaes na ambincia
socioeconmica, poltica e militar. Nesse sentido, tambm ser enfocado o meio
antrpico referente ao exame da scioeconomia, destacando-se o princpio da
viabilidade socioeconmica da ocupao territorial.
Desta forma, considerando um sistema, o fato de analisar as aes sob a
ptica geopoltica significa compreender a sua estrutura e funcionamento,
examinando-se cada acordo (Tratados) e suas influencias, e da mesma forma as
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aes dos atores (Governantes, diplomatas, militares, imigrantes, estancieiros,
tropeiros, contrabandistas, bandeirantes, jesutas, etc.), as formas de inter-relaes
entre eles e as interaes com o ambiente em que se inserem. Ser considerada
ainda, neste estudo, a influencia da conjuntura europia em cada poca.
A aplicao potencial da metodologia de anlise permitir que os estudos
sobre a geopoltica da rea de estudo sejam apresentados com base em dois tipos
de enfoque: as partes e o todo. A primeira corresponde a uma anlise estrutural e
funcional das partes (atores e acordos) e de sua interdependncia dentro de um
sistema integrado; j o segundo pode ser definido como o todo ou sub-elementos em
integrao (cenrio). Desta forma, ele compe os vrios aspectos que caracterizam
o problema a estudar, de modo que a definio do sistema e de seu ambiente passa
necessariamente pela definio do objetivo a ser alcanado pela anlise.
Uma anlise das partes procura mostrar que as mudanas que ocorrem no
ambiente decorrente de fatores polticos, econmicos, financeiros, tecnolgicos,
scio-culturais etc. podem alterar substancialmente a dinmica de funcionamento do
sistema. Como os fatores geopolticos so considerados sistemas abertos, suas
fronteiras estaro em interao permanente com o ambiente, permitindo constantes
mudanas no decorrer do tempo. O estudo da geopoltica da rea de estudos dentro
do enfoque das partes poder identificar as condies que afetaro seu equilbrio em
determinados momentos.
Os aspectos que se operacionalizou neste estudo foram obtidos atravs
de levantamento, a coleta, anlise e sistematizao de dados secundrios
resgatados em estudos tcnicos, pesquisa bibliogrfica, cartografia histrica, artigos,
entre outras tcnicas de resgate de informaes que contemplam o assunto e a rea
de estudos; foi feita uma anlise sobre a situao geopoltica de cada ao na rea
de estudo com a respectiva sistematizao histrica das informaes sobre o
assunto do estudo. Tambm foram identificados os atores em cada uma dessas
fases, o seu papel e o modo de atuao.
Antes de iniciarmos a discutir o trabalho, propriamente dito, mostraremos
alguns conceitos que nortearo nosso trabalho, como: geopoltica, territrio, fronteira
e limite.
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Geopoltica
Como conceito a geopoltica de uma nao visa a promover e garantir os
interesses da populao, buscando o controle ou acesso aos recursos bsicos que
condicionam as vidas dos indivduos e da coletividade nacional. A garantia desses
interesses pode dar-se de forma belicosa entre as naes ou na forma de
cooperao uma com as outras. Assim Geopoltica o termo usado para descrever
como as naes exercem sua influncia uma sobre as outras. Muitos mecanismos
podem ser usados por uma nao para mostrar sua influncia sobre outra. Entre
outros, incluem-se a fora militar, o comrcio, a ajuda econmica, a mdia, a religio,
as sanes econmicas, os protecionismos, etc.
Uma forma de compreender a Geopoltica das naes observar suas
aes e atitudes polticas no passado e no presente, fatores estes importantes para
determinar a anlise da condio mundial atual e passada, e ainda a possibilidade
de se fazer uma previso futura sobre as relaes polticas internacionais.
Golbery do Couto e Silva (2003, p.27) diz: ... ser a geopoltica sobretudo uma arte - arte que se filia poltica e, em particular, estratgia ou poltica de segurana nacional, buscando orient-las luz da geografia dos espaos politicamente organizados e diferenciados pelo homem. Seus fundamentos se radicam, pois, na geografia poltica, mas seus propsitos se projetam dinamicamente para o futuro.
Para Defarges (2003, p.13): ... o termo geopoltica faz parte daquelas palavras mgicas que explicam - ou melhor, parecem explicar - o inexplicvel: ser geopoltica toda a questo situada para alm da racionalidade clara e que ponha em jogo interesses imensos, por isso indefinveis.
A geopoltica interroga-se sobre as relaes entre o espao (em todos os sentidos da palavra) e a poltica. Por isso devemos compreender em que medida os fatores espaciais afetam o fenmeno poltico e a poltica. E, tambm, como que o poltico se serve deste espao.
Seguindo a mesma linha de Defarges, os tambm franceses Duroselle e
Renouvin (1967, p.6) se referem geopoltica como uma ao diplomtica
influenciada por foras profundas, e dizem: Para compreender a ao diplomtica, preciso procurar penetrar as
influncias que lhe orientam o curso. As condies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses econmicos e financeiros, os traos da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais, essas as foras profundas que formaram o quadro das relaes entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinam o carter.
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Assim entendida a geopoltica por alguns autores.
Fronteira e Limite Fronteira um termo essencialmente geopoltico. Tambm genrico,
relativo a uma regio ou faixa de territrio abrangente. Fronteira uma palavra
derivada do latim, aquilo que sua etimologia sugere - indica o territrio situado
"enfrente", o marco que separa soberanias; a zona de contato entre dois povos,
duas culturas, uma de frente a outra. A fronteira uma faixa existente dos dois lados
da linha limite e cada povo, devido as suas caractersticas, determina sua extenso.
Na realidade, o sentido de fronteira no de fim mas do comeo do Estado, o lugar
para onde ele, antes de fixar limite, tendia a se expandir.
Limite o termo exato cuja concepo linear define precisamente o
terreno. A palavra limite, de origem latina, foi criada para designar o fim daquilo que
mantm coesa uma unidade poltico-territorial, ou seja, sua ligao interna. Essa
conotao poltica foi reforada pelo moderno conceito de Estado, onde a soberania
corresponde a um processo absoluto de territorializao.
Miyamoto (1995, p.170) conceitua limite desta forma: Habitualmente as referncias ao termo limite estabelecem que se
trata de um conceito que determina rigidamente, pelo menos em tese, onde comea um Estado, portanto onde acaba o outro. O limite estabelece a soberania desse Estado, indica a forma como ele se encontra organizado atravs de uma linha fixa que o cerca. Serve, portanto, para assinalar o que pertence ao Estado, quais as suas competncias e quais os patrimnios nele includos.
O limite, portanto, um fator de separao, pois separa unidades polticas
soberanas e permanecem como um obstculo fixo, no importando a presena de
certos fatores comuns, fsico-geogrficos ou culturais. Assim, o termo Limite est
ligado a uma concepo precisa, linear e perfeitamente definida no terreno.
Os limites se distinguem por dois tipos: Limites Naturais e Limites
Geomtricos ou Artificiais. Entre os primeiros, esto os cursos d'gua e os
orogrficos ou secos, que so representados geralmente por divisores de guas,
montanhas ou outros acidentes geogrficos. Entre os Limites Geomtricos, temos as
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Linhas Geodsicas (equivocadamente tratadas como retas) e as Linhas Geogrficas,
os meridianos e os paralelos.
Os monumentos, que so colocados nas fronteiras, para assinalar
exatamente os locais por onde passam as linhas de limites so chamados Marcos. O
marco de fronteira um smbolo visvel do limite. Os marcos, em funo de sua
importncia, so chamados: Marcos Principais, Marcos Secundrios, Intercalados ou
Intermdios, conforme sejam os marcos colocados inicialmente, quando por ocasio
do processo inicial de Demarcao (os primeiros), ou em continuao, nos trabalhos
de Caracterizao. Existem tambm os Marcos de Referncia que so colocados
prximos linha de limite. Ele estabelecido, quando a linha segue um rio e
colocamos os marcos nas suas margens.
As diferenas so essenciais entre fronteira e limite. A fronteira est
orientada para fora (foras centrfugas), enquanto os limites esto orientados para
dentro (foras centrpetas). Enquanto a fronteira considerada uma fonte
permanente da preocupao dos estados, porque pode desenvolver interesses
distintos aos do governo central, o limite jurdico do estado criado e mantido pelo
governo central, no tendo vida prpria e nem mesmo existncia material, um
polgono.
Tambm podemos dizer que a fronteira pode ser um fator de integrao,
na medida que for uma zona de interpenetrao mtua e de constante interao
scio-poltico-cultural distintas, o limite um fator de separao, pois separa
unidades polticas soberanas e permanece como um obstculo fixo.
O territrio
Os elementos bsicos formadores de uma nao so: Povo, Governo e
Territrio. O territrio um espao social, que no pode existir sem uma sociedade
que o crie e qualifique, logo inexiste como realidade puramente natural, sendo
construdo com base na apropriao e transformao dos meios criados pela
natureza. Assim, o territrio um produto socialmente produzido, um resultado
histrico da relao de um grupo humano com o espao que o abriga. O territrio ,
portanto, uma expresso da relao sociedade/espao, sendo impossvel de ser
pensado sem o recurso aos processos sociais.
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O conceito de territrio teve origem na organizao administrativo-militar
romana - o territorium, depois foi empregado pela botnica e pela zoologia para
designar a rea de domnio de uma espcie vegetal ou animal. Na continuao, foi
utilizado pela geografia no final do sculo XIX. Ratzel foi um dos que sistematizou
estudos nesse tempo.
No pensar de Friedrich Ratzel, o territrio um espao qualificado pelo
domnio de um grupo humano, sendo definido pelo controle poltico de um dado
mbito espacial e que constituem reas de dominao do estado. Em relao a isto,
Moraes (2000, p.19) complementa dizendo que: ... o exerccio de uma soberania impe uma territorialidade a certas parcelas delimitadas da superfcie terrestre. Esse processo, de "formao dos territrios", afirmado por Ratzel como parte substancial da "trplice repartio" do objeto antropogeogrfico. O territrio teria em sua gnese um movimento de expanso e conquista de espaos, o que o localiza tambm num lugar importante no universo de preocupaes da geografia poltica e da geopoltica.
Brito (2005, p.129/130) conclui seu trabalho dizendo que: ... compreende-se a territorialidade como um processo social que envolve um feixe de inter-relaes mediadas por acordos entre distintos agentes que se interessam por algum(ns) tipo(s)de objeto(s) comuns a eles localizado(s) numa dada poro do espao geogrfico que se torna territrio.
Raffestin (1993, p.143) resume como surge o territrio: essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio.
O territrio se forma a partir do espao, o resultado de uma ao conduzida por um ator sintagmtico (ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao se apropriar de um espao, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representao), o ator "territorializa" o espao.
Depois da conceituao e a gnese do territrio evolumos para a
soberania deste. Assim, a posse e a propriedade de um territrio so lastreadas
basicamente no conceito fundamental da soberania. Definindo-se posse como a
capacidade de dispor, e propriedade como o direito de dispor da coisa, temos a
soberania como o direito e a capacidade de decidir sobre a propriedade e a posse. A
soberania de um pas estabelecida pela definio do seu territrio, o que somente
possvel atravs do estabelecimento de seus limites. Portanto o territrio a
superfcie delimitada por limites, onde uma nao exerce sua soberania.
O uso legtimo da fora militar, a capacidade de estabelecer normas
sociais e econmicas, estruturar a lngua nacional, o sistema educativo, etc. so
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elementos da soberania do estado, cujo controle efetivo exercido pelo governo
central ou estado territorial.
Portanto, a sumarizao dos captulos indica as linhas do trabalho
ocorrido de acordo com a metodologia descrita e indo ao encontro do objetivo geral
(problema) e dos objetivos especficos (hipteses). Este trabalho, em nosso
entender, indica uma nova ptica de mostrar a histria da construo territorial do
Rio Grande do Sul e do sul do Brasil. O olhar geopoltico traz tona algumas
explanaes diversas das reproduzidas na historiografia rio-grandense,
conseqncia da diferente interpretao dos fatos.
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CAPTULO I POR MARES NUNCA DE ANTES NAVEGADOS AO
ACHAMENTO DO BRASIL
No inicio do sculo XV as caractersticas da forma e funo de governo
dos Estados comearam a se modificar refletindo a ascenso da burguesia mercantil
e do nascente capitalismo, atravs da acumulao primitiva. Assim ser no
mercantilismo que os Estados buscam o seu desenvolvimento comercial e
financeiro, associados as empresas mercantis.
Portugal, diante dos elevados preos das especiarias vindas da sia e as
ameaas expansionistas da Espanha1, estava restrita a uma nica possibilidade
geopoltica, o mar. Transforma as ameaas em oportunidade e vai a busca de novo
espao a sua expanso econmica.
No decorrer deste processo esto os descobrimentos e com eles os
acordos e tratados que garantissem a repartir-se o mundo no conhecido. Em
conseqncia dessa diviso estabelecida a primeira demarcao poltica das
terras descobertas ou a serem descobertas.
A pennsula ibrica no contexto europeu do sculo XV
A partir da metade do sculo XV, o espao europeu sofreu grandes
transformaes. O sistema econmico, poltico, social e cultural que caracterizou
boa parte da Europa no perodo medieval, entrava em decadncia. A sociedade era 1 Neste trabalho faremos referncia aos reinos de Arago e Castela como Espanha.
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estratificada, ou seja, dividida em camadas sociais, o poder era descentralizado e a
economia era baseada na agricultura. No final da Idade Mdia, a convivncia do
feudalismo com o desenvolvimento comercial e urbano resultou em diversas
alteraes, decorrentes da incompatibilidade dos dois sistemas. Os fatores que
levaram do feudalismo ao capitalismo foram, principalmente:
Poltica - houve o fortalecimento e centralizao do poder real.
Econmico - a terra perde fora e o comrcio tornou-se mais
importante idia mercantilista.
Sociedade - a burguesia ganha poder e disputa interesses com a
nobreza feudal.
Cultura - houve o Renascimento artstico.
Cincias - houve o progresso tcnico e cientfico.
Religio - o Cristianismo foi divulgado em outros continentes.
Dos feudos ao estado nacional
Na questo poltica, o Estado moderno retratou a transio do perodo,
refletindo os interesses dos grupos sociais em conflito, ao preservar os privilgios da
aristocracia feudal e abrir espao ao novo grupo burgus ascendente. Na prtica, foi
o resultado da derrocada do poder universal (Igreja) e local (nobreza) e da formao
das monarquias nacionais.
O Estado caracterstico da poca moderna conhecido como absolutista,
na medida em que o poder estava concentrado nas mos do rei e de seus ministros,
os quais aproveitavam as limitaes dos grupos sociais dominantes - nobreza e
burguesia - para monopolizar a vida poltica. Incapazes de exercer hegemonia (a
nobreza estava em decadncia e a burguesia ainda se mostrava frgil), esses
grupos precisavam do Estado para preservar suas condies e privilgios; da
sujeitarem-se ao rei, reforando o poder do Estado moderno.
Devido preponderncia, nesse perodo, do absolutismo - poder capaz
de definir regras, prticas e aes em todos os nveis -, consolidou-se a concepo
de um Estado interventor, que devia atuar em todos os setores da vida nacional. No
plano econmico, essa interveno manifestou-se atravs do mercantilismo.
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Neste cenrio poltico, as Coroas da Pennsula Ibrica foram as primeiras
a estabelecer-se de fato, organizando o estado em bases nacionais. Portugal ficou
independente quatro sculos antes de se inventar o termo estado e o conceito de
soberania. Neste momento Portugal tem, em seguida a Espanha, as trs
caractersticas do estado-nao moderno: povo, territrio e governo.
O Capitalismo - A nova ordem econmica
As mudanas qualitativas na economia europia, e tambm na Pennsula
Ibrica, abriam espao para uma nova ordem poltica e social. Todas as
transformaes experimentadas no final do sculo XV levaram-se a estruturar uma
nova ordem socioeconmica, denominada capitalismo comercial. Assim, sendo um
perodo de transio, a Idade Moderna reforou a importncia do comrcio e da
capitalizao, que constituram a base sobre a qual se desenvolveria o sistema
capitalista. Como decorrncia, um novo Estado, novas normas e novos valores
foram gerados segundo as novas exigncias do ocidente. Portugal e Espanha
estavam comprometidos com esta nova ordem econmica e investiram em esforos
para concretiz-los.
A Economia e a sociedade
O capitalismo comercial evoluiu para uma crescente separao entre
capital e o trabalho. Mais e mais a burguesia acumulava patrimnio e moeda,
capitalizando-se, enquanto os trabalhadores foram sendo limitados condio de
assalariados, donos unicamente de sua fora de trabalho. A burguesia foi, ento, se
apropriando do controle dos meios de produo, o que se consolidaria
definitivamente no sculo XIX com a Revoluo Industrial. Dessa forma, a sociedade
do perodo moderno (clero, nobreza e povo), apresentava-se, na prtica, dividida em
uma classe de proprietrios de terras (clero e nobreza), uma classe de trabalhadores
(servos, camponeses livres, assalariados) e uma classe burguesa (mercantil e
manufatureira). A Idade Moderna conheceu, ento, a luta da burguesia pelo espao
social, poltico e ideolgico.
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Esta primeira etapa da acumulao capitalista comumente chamada de
acumulao primitiva. Realizada inicialmente por meio da transformao das
relaes de produo e surgimento do trabalho assalariado e concentrao dos
meios de produo nas mos de poucos seguidos da expanso capitalista -,
segundo Marx (1971, Vol 2, p.830-1): ... a acumulao primitiva apenas o processo histrico que dissocia o trabalhador dos meios de produo. considerada primitiva porque constitui a pr-histria do capital e do modo de produo capitalista. ... Marcam poca na histria da acumulao primitiva todas as transformaes que servem de alavanca classe capitalista em formao sobretudo aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, sbita e violentamente privadas de seus meios de subsistncia e lanada no mercado de trabalho como levas de proletrios destitudos de direitos. A expropriao do produtor rural, do campons que fica assim privado de suas terras constitui a base de todo o processo.
A burguesia portuguesa logo comearia a destacar-se neste ramo,
investindo em aes para a busca de mercados e mercadorias alm mar.
O mercantilismo
Dentro das caractersticas do capitalismo comercial e dedicadas
construo dos seus respectivos Estados Nacionais, as monarquias europias, com
destaque a Pennsula Ibrica, procuravam fortalecer-se aplicando sistematicamente,
com maior ou menor intensidade, os ideais e os princpios centrais daquilo que mais
tarde viria a ser chamado de poltica mercantilista. Segundo Vicentino (2000, p.175): ... o mercantilismo caracterizou-se por ser uma poltica de controle e incentivo, por meio da qual o Estado buscava garantir o seu desenvolvimento comercial e financeiro, fortalecendo ao mesmo tempo o prprio poder. No chegou a constituir uma doutrina, um sistema de idias, um conjunto coerente de prticas e aes; foi, na verdade, um conjunto de medidas variadas, adotadas por diversos Estados modernos, visando obteno dos recursos e riquezas necessrios manuteno do poder absoluto.
Na ptica de Defarges (2003, p.20), ele argumenta que:
Na lgica mercantil da Europa do fim da Idade Mdia e do Renascimento, o importante dominar as melhores rotas - as mais seguras e as menos custosas - em direo ao Eldorado, quer dizer, ao Extremo Oriente (Catai, a China, e Cipangu, o Japo). Para alcanar este objetivo h que abandonar o caminho terrestre tradicional (rotas da seda, atravs da sia Central) e descobrir outras vias, as martimas (via martima em torno da frica).
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Os pontos fundamentais que orientaram a poltica mercantilista foram:
Metalismo. A riqueza e a importncia de um pas eram avaliadas
pela quantidade de metais (moedas, ouro e prata) que conseguissem acumular.
Tambm chamado bulionismo (crena de que a acumulao de metais preciosos
a nica forma de riqueza para uma nao);
Balana comercial favorvel. Todo pas deveria exportar mais do que
importar;
Protecionismo. Conjunto de medidas que visavam proteger a
produo nacional da produo de outros paises. O Estado restringia as
importaes impondo pesadas taxas alfandegrias aos produtos estrangeiros, ou
at mesmo proibindo que certos artigos fossem importados;
Monoplio. A metrpole tinha a exclusividade no comrcio com a
colnia (Pacto Colonial).
Dessa forma, o mercantilismo quase sempre esteve ligado ao trinmio:
metalismo, balana comercial favorvel e protecionismo.
Foi dentro deste cenrio scio-econmico poltico, portanto, que comeou
a expanso martima e comercial ibrica. Abrindo perspectivas econmicas
promissoras, as descobertas vieram consolidar definitivamente o progresso
comercial. A superao dos entraves econmicos a que a Europa estava submetida
levou, assim, ao processo de completa substituio do modo de produo feudal.
Favoreceram Portugal e Espanha a se lanarem nas Grandes
Navegaes a posio geogrfica privilegiada, a tradio martima (atividade
pesqueira) e a centralizao poltica pioneira, devido Reconquista (luta dos
cristos contra os rabes).
Com o conhecimento dos mares desenvolvem-se e fixam-se as
estratgicas geopolticas dos estados Ibricos e demais naes europias.
As conseqncias da expanso martima e comercial europia foram:
Surgimento de Imprios Coloniais regidos pela poltica mercantilista;
O Oceano Atlntico passou a ser o principal centro comercial;
Propagaram-se os conhecimentos cientficos e tecnolgicos
(geogrficos e astronmicos e os das cincias naturais);
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Baixaram os preos do custo das especiarias, drogas e matrias-
primas com a conseqente expanso do consumo;
Surgiram as companhias de comrcio;
A burguesia passou a ter maior importncia social e influncia poltica;
Uso da mo-de-obra migrante livre ou forada.
Essas transformaes aceleraram definitivamente a decadncia do
feudalismo, que no mais atendia s necessidades da poca, confirmando a
ascenso definitiva de uma nova ordem scio-econmica na Europa, que encerrou o
mundo medieval.
A causa Emergente
Neste momento, o comrcio e as rotas que ligavam Europa, sia e frica
tinham como centro de convergncia o Mar Mediterrneo e eram dominados pelas
Repblicas de Gnova e Veneza. Estas Repblicas buscavam as mercadorias nas
cidades de Constantinopla, Trpoli, Alexandria e Tunis e as revendiam com preos
altos a Europa.
Com o fim do Imprio Bizantino e a queda de Constantinopla em 1453,
conquistada pelos turcos otomanos, principal cidade pela qual as especiarias 2
orientais chegavam Europa, onde eram distribudas com grandes lucros pelos
navios das Repblicas de Gnova e Veneza, o comrcio diminuiu
consideravelmente.
Assim a atividade comercial na regio do Mediterrneo foi seriamente
afetada em razo dos custos de pedgios implementados pelos controladores das
rotas por terras asiticas, o que se refletiu em toda a Europa devido a insuficincia
de moedas e de mercados e o elevado preo dos produtos orientais, necessitando a
burguesia europia urgentemente uma rota alternativa que pudesse suprir, de forma
continua, as mercadorias necessrias a um custo muito menor.
2 Especiarias eram produtos raros, vindos principalmente do Oriente, que passaram a ser consumidos em larga escala pelos europeus desde a poca das Cruzadas (Idade Mdia). Exemplos: pimentas, canela, cravo, seda, marfim, cnfora, nz moscada, gengibre, alos, incenso, sndalo, perfumes e produtos aromticos.
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Estas dificuldades que se impuseram Europa s seriam solucionadas
com uma expanso de grande envergadura, que estabelecesse novas rotas
comerciais com o Oriente. Dentro deste contexto comercial, Portugal lana-se
expanso martima, sendo o primeiro pas europeu a ter um estado centralizado e
com interesses mercantilistas. Segundo Amado e Figueiredo (2006, p.24): Portugal foi o primeiro pas europeu a construir um Estado nacional,
territrio autnomo cujos sditos se reportavam ao mesmo rei, possuam um nico exrcito, falavam a mesma lngua oficial, seguiam uma nica religio, e obedeciam s mesmas leis.
Desta forma a expanso martima do sculo XV apresentou-se como
soluo continuao do desenvolvimento comercial e urbano experimentado ao
longo da Idade Mdia, tendo como agentes a burguesia e o Estado fortalecido.
A expanso martima e comercial da pennsula ibrica
No final do sculo XV, o mundo era polarizado entre portugueses e
espanhis, que tentavam descobrir rotas para acabar com o monoplio de
muulmanos, genoveses e venezianos no comrcio europeu. Tinham como principal
objetivo busca por terras e riquezas e o acesso a mercados, principalmente os do
Oriente. Fossaert (1994, p.45) se expressa assim sobre a corrida das viagens de
descobrimentos: Su motor es la ganancia, mas que la exploracin; su principal
objetivo es evitar los monopolios establecidos por los comerciantes rivales. As, los portugueses rodean Venecia por el cabo de Buena Esperanza y transfieren a Lisboa el principal mercado europeo de las especias.
Os descobrimentos portugueses exigiram um programa nacional
progressivo, sistemtico, passo a passo, para ir-se avanando atravs do
desconhecido. Os viajantes portugueses lanaram-se numa empresa de sculo e
meio cujo real significado foi imaginado com muita antecedncia e cuja realizao foi
imediatamente conhecida. O feito dos portugueses foi o produto de um propsito
claro, que exigiu forte apoio nacional. Assim as aspiraes nacionais orientaram-se
necessariamente para o mar. O planejamento em longo prazo s foi possvel porque
os portugueses tinham empreendido uma aventura nacional com esprito de
colaborao. Assim, os portugueses tinham um projeto geopoltico de busca de
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terras e riquezas alm mar. Portugal, em contraste com todos os outros, foi um reino
unido durante todo o sculo XV e praticamente no sentiu qualquer perturbao civil,
ultrapassando em muito o que se poderia esperar de uma populao e riqueza
escassas, revelou um pas que estava na vanguarda da inovao tecnolgica, social
e poltica.
A Espanha, nico pas que compartilhava alguma da vantagem
peninsular como Portugal (embora diluda pela competio dos seus prsperos
portos mediterrnicos), encontrava-se dilacerada pela guerra civil que durante a
maior parte do sculo a manteve beira da anarquia. Em relao Espanha,
Caminha (1980) diz que: Embora houvesse ao longo do litoral uma populao de arrojados
marinheiros, ... os espanhis no teriam empreendido, possivelmente, o caminho dos descobrimentos, se um estrangeiro, o genovs Cristvo Colombo, no lhes tivesse mostrado as rotas do oceano. Desse modo, iniciou a Espanha uma poltica que no correspondia ao seu carter continental, na qual, a princpio, o povo no participou de maneira alguma. No obstante, o recm-fundado Imprio Colonial Espanhol conseguiu adquirir um imenso poder, graas sua favorvel situao geral em relao s novas rotas martimas. Alm disso, os fabulosos xitos dos primeiros aventureiros excitaram o af dos demais, fazendo com que fossem realizadas verdadeiras faanhas.
A falta de metais preciosos com que se cunhavam as moedas,
conseqentemente a falta de dinheiro em circulao, condicionava negativamente o
progresso mercantil e colocava em perigo as relaes de intercmbio com os
mercados asiticos de especiarias. Desta forma, a escassez de ouro agravava as
dificuldades financeiras dos mercadores e as desvalorizaes monetrias
prejudicavam as rendas fixas. A insuficincia de numerrios empurrou tanto a
burguesia como a nobreza portuguesa aventura expansionista, j que alm de
ouro, o continente africano oferecia aos povos ibricos trigo, sal, malagueta,
pimenta, cobre e escravos.
D. Henrique e a vantagem geogrfica
Para explorar as suas muitas vantagens, havia em Portugal um dirigente,
que uniu as pessoas certas, organizou os recursos e apontou o caminho. Este
dirigente foi o Infante D. Henrique, o Navegador. A sua obstinao e a sua
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capacidade de organizar revelaram-se essenciais para a primeira grande empresa
de descoberta moderna. Ao seu comando dera-se a acumulao do saber judeo-
cristo-rabe com as contribuies recentes das cidades italianas que dominavam o
comrcio com o Oriente.
Em Sagres3, o Infante D. Henrique reuniu os livros e as cartas martimas,
os capites, os pilotos e os marinheiros, os cartgrafos e os fabricantes de
instrumentos e bssolas, os construtores navais e os carpinteiros, e outros artesos,
tudo e todos para planejar viagens, avaliar os descobrimentos e preparar expedies
para pontos cada vez mais distantes do desconhecido. O Infante D. Henrique
considerado o iniciador da descoberta sistemtica. Para ele, cada novo passo no
desconhecido era um convite a ir mais alm.
Afora lideranas comprometidas com os objetivos nacionais, Portugal
tinha uma situao geogrfica invejvel na costa atlntica, entre o Mediterrneo e o
Mar do Norte, que lhe conferiu vantagens estratgicas adicionais. Os portos
portugueses, na Idade Mdia, alm de estratgicos, sob o ponto de vista militar,
favoreciam um comrcio crescente e contnuo com as repblicas italianas, burgos-
germnicos, franceses e escandinavos. Oliveira (2004)4 cita Corteso e comenta
sobre a importncia do mar para Portugal: "Ningum (...) poder estudar hoje o fenmeno da formao poltica
de Portugal, sem o encarar nas suas relaes com o territrio", esta afirmao atesta claramente uma indissocivel importncia dos geofatores na formao do Estado Portugus. Sendo condio fundamental de todos os Estados que para o serem devem possuir um territrio, nuns ele influ decisivamente, assumindo noutros papel de menor relevncia. No caso Portugus, a Geografia desempenhou importante papel, pois cedo a importncia estratgica da fachada atlntica da Pennsula atraiu o interesse de vrias potncias, mormente as hegemnicas peninsulares.
Oliveira (2004) continua seu comentrio dizendo: Na realidade, a viabilizao geopoltica do pas foi seguramente o
primeiro Grande Objetivo Nacional, porquanto a exgua dimenso inicial do nosso territrio seria uma vulnerabilidade que urgia superar. Assim, para alm dos aspectos histrico-factuais comparados de extraordinria importncia a anlise dos cenrios geopolticos.
3 No h comprovao histrica da existncia da Escola de Sagres. 4 Documento Eletrnico
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Carvalho (2004, p. 3) cita Corteso (1969) onde esse mostra que os
modos de vida dos portugueses aliados geografia foram fundamentais para o
desenvolvimento de sua geopoltica: ... ao dealbar do Sculo XII, o povo ocupou toda a costa e criou o gnero de vida nacional, a Nao organizou-se em funo martima e, por esse esforo de massas, Portugal comeou a viver de vida prpria. Continua Corteso a histria portuguesa pode resumir-se numa srie de esforos para o aproveitamento das possibilidades atlnticas do territrio, o primeiro de arranjo interior sobre o anfiteatro longitudinal voltado para o mar, o segundo para utilizar as vantagens da sua posio no Sudoeste da Europa esquina de dois mares, o terceiro para explorar todas as possibilidades da sua posio em relao s partes restantes do planeta, conhecidas e por conhecer... forjando a sua Individualidade na realizao destes esforos.... e influindo na histria da humanidade.
Na mesma linha de pensamento geopoltico de Jaime Corteso, Carvalho
(2004, p. 4) vai adiante e diz que: A segunda etapa da viabilizao de Portugal como Pas foi a da
atlantizao, na seqncia da derrota infligida pela Burguesia Martima a fidalgos portugueses defensores do direito do rei de Castela ao trono de Portugal, no eplogo da crise dinstica de 1383-85. Etapa que se deveu governao racional e competente do rei D. Dinis, o sbio Lavrador (da terra e do mar) que, ao criar as bases culturais, tecnmicas e fabris do poder martimo nacional (mercante e naval) possibilitou povoar e desenvolver Madeira e Aores, aumentando com mais maritimidade centrfuga as possibilidades de sobrevivncia da Individualidade do Portugal assim feito quase-arquipelgico, o que levou a professora brasileira Therezinha de Castro a classific-lo de pas da Europa fora da Europa, o professor espanhol Miguel Unamuno a afirmar que o que faz Portugal o mar.
Boorstin (1989, p. 151-2) argumenta no mesmo sentido e diz: Portugal, sem nenhuma janela para o Mediterrneo o Mar-no-
Meio-da-Terra -, mas fora abenoado com extensos rios navegveis e portos fundos, virados para o Atlntico. ... Assim o povo portugus voltou-se naturalmente para fora, ... , para o ocidente, na direo do oceano insondvel. Por isso, os descobrimentos portugueses exigiram um programa progressivo, sistemtico, passo a passo, passo a passo, para ir se avanando rumo ao desconhecido. ... O feito dos portugueses foi o produto de um propsito claro que exigiu forte apoio nacional. Tratou-se de um grande prottipo de explorao moderna.
Como resultado das aes de D. Henrique, Portugal tinha nesse tempo
informaes e equipamentos no estado da arte para a melhor navegao, o que
levou os portugueses a primazia nas exploraes e descobrimentos. Portanto, D.
Henrique organizou todos os recursos para a busca do objetivo estratgico
ultramarino, utilizando a vantagem geogrfica do territrio portugus. D. Henrique foi
o verdadeiro precursor da doutrina geopoltica expansionista portuguesa.
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A expanso ultramarina portuguesa
A crescente expanso espanhola, depois da unio dinstica de Isabel e
Fernando, fechou a expanso de Portugal para o leste, o qual no lhe impediu criar,
no intervalo de alguns decnios, feitorias comerciais na frica Ocidental e Oriental. A
presena hostil e constante da Espanha foi o fator preponderante que contribui para
o desenvolvimento de Portugal.
Possuidora de uma estrutura nutica mpar na poca, doutrinada em
Sagres5, Portugal partiu para uma expanso ultramarina de conquistas, voltada para
o comrcio. Essa expanso reflete trs posicionamentos fundamentais da poca:
O desenvolvimento econmico, social e poltico;
A estrutura econmica, domnio da tcnica e recursos de materiais;
Inicio do seu projeto geopoltico de expanso comercial martimo.
Esses posicionamentos caracterizam a fase do surto mercantil luso,
justificando as necessidades expansionistas da Revoluo Comercial. Assim, o mar
que era sinnimo de incerteza e separao, transformou-se em soluo das
dificuldades portuguesas.
No decurso da expanso atlntica, Portugal abarcou distintas fases. Sua
fase inicial correspondeu a ocupao dos arquiplagos das Canrias
(temporariamente), Aores e Madeira, entre 1340 e 1420. Logo, os portugueses
centraram seus esforos descobridores na costa do Magreb6. A tomada de Ceuta
em 1415 abriu para Portugal as portas de um mercado rico em especiarias, escravos
e ouro. Em seguida surgiram as rivalidades com Espanha porque a soberania
portuguesa sobre Ceuta colocou um freio nos interesses espanhis na frica.
Sucessivas exploraes bordejando as costas africanas levaram os marinheiros
lusos at o cabo Bojador (1434), Cabo Verde (1444), o rio Congo (1475) e,
finalmente, a Calicute (1498) com Vasco da Gama, depois de haver dobrado o cabo
de Boa Esperana.
Desta forma, inaugura-se uma estratgia geopoltica baseada no domnio
dos pontos-chave da geografia poltica e econmica da vasta regio a dominar. Esta 5 Sagres localiza-se na regio do Algarve no sul de Portugal. 6 O Magrebe ou Magreb abrange o Marrocos, Sahara Ocidental, Arglia, Tunsia, Mauritnia e Lbia.
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estratgia supe profundos conhecimentos da geografia fsica, econmica e humana
das vastas reas banhadas pelo Atlntico.
A introduo do Mare Clausum Independentemente do avanado grau nutico portugus, a Espanha,
passo a passo, formava uma concorrncia. Essa concorrncia exigia de Portugal
uma evoluo constante de aparelhamentos e estratgias diplomticas. Mas os
interesses portugueses e espanhis coincidiam na poltica do mare clausum ou mar
fechado, defendido pelas duas naes contra o resto dos pases com capacidade
naval.
Esta poltica atlntica de Portugal estabelecia que o domnio dos mares
estava ligado ao seu descobrimento, ou seja, os direitos de navegao eram
exclusivos para a nao que havia descoberto os mares. Diante dos seus
descobrimentos a Coroa portuguesa pretende obter respaldo legal a suas
pretenses, que de alguma maneira so sancionadas atravs da bula de Nicolau V
Romanus Pontifex7, em oito de janeiro de 1455, que na prtica colocava todas terras
descobertas na frica em mos de Portugal.
Na linha da poltica do mare clausum, surge o tratado de Alcaovas-
Toledo de 1480, em que Portugal, aceitando a partilha das terras do Atlntico pelo
paralelo das Canrias, afasta a concorrncia da Espanha na frica e protege a
chamada rota do Cabo. Oliveira (2004)8 enfatiza a aquisio de litoralidade para
Portugal dizendo: Devemos realar que, logo desde os primrdios da nacionalidade, foi
preocupao constante, demonstrada pela conquista dos territrios para sul, a aquisio de litoralidade e a obteno dos esturios dos grandes rios ento navegveis. Fato que assume papel de vital importncia para a sobrevivncia do Estado que, por aquela via, garantia a dimenso mnima para existir, fugindo ao poder centrpeto, vindo da Meseta Central, pela criao, em oposio, de um poder centrfugo martimo. Decorrente de tal maritimidade, veio a privilegiar-se um relacionamento de segurana com outras potncias martimas, de forma a garantir um eficaz domnio das rotas atlnticas.
7 Atravs da Bula Romanus Pontifex, o papa Nicolau V concede ao rei de Portugal, seus sucessores e ao infante D.Henrique, as terras descobertas ou a descobrir pelos Portugueses. 8 Documento Eletrnico
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Portanto a poltica ou a doutrina do mare clausum tinha como objetivo
principal proteger as rotas comerciais portuguesas da concorrncia dos outros
pases e seria a viabilizao geopoltica da conquista e posse futura dos territrios
descobertos.
O tratado de Alcovas-Toledo Portugal, na qualidade de principal Estado monrquico empenhado no
reconhecimento das ilhas atlnticas e das costas africanas, durante a dcada de
1470 enfrentou uma srie de problemas com a Espanha. Uma vez concluda uma
guerra favorvel aos espanhis, representantes de ambos Estados firmaram um
acordo de paz na localidade portuguesa de Alcovas, em quatro de setembro de
1479, ratificado em Toledo em maro de 1480. O acordo recebeu a confirmao do
papa Sixto IV pela bula Aeterni regis9 (Do Rei Eterno - 1481).
O tratado de Alcovas -Toledo se centrava em dois aspectos:
1) clusulas relativas a acordos matrimoniais e de sucesso e
2) um acordo de paz perptua entre Portugal e Espanha.
No segundo item, o tratado inclua algumas regras em torno da
navegao pelo Atlntico, de maneira que no houvesse discrepncias futuras no
domnio das rotas atlnticas. Concretamente, se adjudicaram aos reis de Portugal
todas as terras descobertas e quantas se viessem a descobrir "das ilhas Canrias
para o sul em direo a Guin", com a nica exceo das prprias ilhas Canrias
que ficavam para Espanha, conforme demarcado no Mapa 1.1. Dessa maneira, os
monarcas espanhis reconheceram a supremacia portuguesa na frica e se
comprometeram a no enviar expedies para aquelas zonas sem o consentimento
dos reis de Portugal. A bula, na pratica, dividia as terras descobertas e a descobrir
por um paralelo na altura das ilhas Canrias, dividindo o mundo em dois hemisfrios:
a Norte, para a Coroa de Espanha e a Sul, para a Coroa de Portugal.
O tratado de Alcovas no previa a possvel expanso para o oeste,
pelo qual o projeto de Colombo encontrou acolhida na corte espanhola, j que
9 A bula Aeterni regis, de 1481, garantia a Portugal todas as terras ao Sul das ilhas Canrias, descobertas ou a descobrir.
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ofereciam a soluo das aspiraes espanhola de expanso atlntica sem violar as
clusulas do tratado de Alcovas.
Mapa 1.1 Paralelo demarcatrio do Tratado de Alcovas Toledo
Mapa: Jones Murads
Em funo da expanso europia, o realmente importante deste tratado
que pela primeira vez as duas coroas que encabeavam este processo tiveram que
negociar a diviso dos espaos martimos atlnticos que se estavam abrindo.
Neste momento histrico j se manifestava a aptido diplomtica
portuguesa, preservando os locais onde j conhecia, como a costa da frica.
Portugal, na mesa de negociaes, sempre sabia o que queria, pois sempre tinha
informaes concretas a respeito dos assuntos em tratativas, fundamental para
garantir os interesses da coroa portuguesa.
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A descoberta da Amrica e suas conseqncias Economicamente debilitada pela expulso dos mouros e dos judeus, a
Espanha precisava urgentemente de novas fontes de riqueza. At mesmo a vaga
perspectiva de encontrar ouro no novo caminho martimo era bem-vinda. Diante
desta debilidade, a famlia real espanhola obrigou a cidade porturia de Palos10, que
cara em desgraa junto coroa por causa de pagamento irregular de impostos, a
entregar trs embarcaes tripuladas a Cristvo Colombo. A trs de agosto de
1492, as caravelas Pinta, Nia e Santa Maria partiram de Palos com destino a oeste
no oceano Atlntico. Nesta viagem descobre ilhas no Mar das Antilhas pensando ter
chegado s ndias, em doze de outubro de 1492. No seu retorno, tempestades o
fazem ir diretamente a Lisboa, onde relata o acontecimento a D. Joo II. No se
entende por que Cristvo Colombo foi livremente ao palcio relatar a viagem, uma
vez que deveria ser segredo de estado espanhol.
Este relato causou mal-estar em Portugal, pois segundo D. Joo II, a
Espanha no havia cumprido o tratado de Alcaovas-Toledo. Mediante as latitudes
fornecidas pelo navegador, os cosmgrafos portugueses argumentaram que a
descoberta efetivamente se encontrava em terras portuguesas. Os espanhis, por
sua parte, argumentavam no haver violado dito tratado, pois Colombo no havia
invadido o espao martimo situado ao sul das Canrias ao navegar para o oeste.
No entender dos Reis de Castela a expresso as ilhas de Canria para baixo contra
Guin, que figurava no Tratado, apenas limitava a navegao junto costa africana.
A frase muito ambgua e por isso ambos os lados lhe atriburam diferentes
interpretaes.
Escudados no papado, em busca de legitimidade para as suas
conquistas, Espanha e Portugal viveram tempos de tenso e confronto a propsito
da geografia de suas respectivas atuaes no Atlntico.
Sucederam-se ento reunies diplomticas, mas sem resultados. Em
1493, os Reis Catlicos procuraram o papa Alexandre VI, para que mediasse e
colocasse fim a controvrsia gerada. Na poca, era conferido a autoridade papal o
poder de repartir as terras que ainda no pertencessem a nenhum prncipe cristo.
Quanto a este fato ilustra Carvalho (1998) citando Lima (1900):
10 Palos atual Palos de la Frontera um municpio da Espanha na provncia de Huelva, comunidade autnoma da Andaluzia.
http://www.puc.cl/sw_educ/historia/expansion/HTML/p2501.html
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... subsistia ainda a tradio medieval da supremacia poltica da Santa S, que reconhecia a Roma o direito de dispor das terras e dos povos. Baseava-se isso, em parte, sobre o fato de o Edito de Constantino ter conferido ao papa Silvestre a soberania sobre todas as ilhas do globo; ora, isso porque as terras a descobrir eram todas, ento, supostas serem exclusivamente ilhas.11
Usufruindo a grande vantagem de o Papa Alexandre VI ser talo-
espanhol, e que, por graa dos soberanos espanhis, havia chegado ao Trono
pontifcio, e ainda, que o papa queria efetuar o casamento de seu filho Juan com
Mara Henrques, prima dos monarcas, os Reis Catlicos conseguiram obter uma
srie de Bulas de Demarcao que lhes asseguravam o direito de propriedade sobre
as terras recm descobertas e numa delas, a Bula Inter cetera, atribua entre outras
coisas a Espanha o domnio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, j
descobertas ou que viessem a s-lo, situadas a ocidente de uma linha imaginria
traada de plo a plo que passasse 100 lguas a oeste das ilhas de Cabo Verde e
dos Aores. Quanto tramitao do pedido e elaborao do documento, coloca-se
a idia de que tudo se fez secretamente para evitar a provvel oposio dos
cardeais de outras nacionalidades e inimigos de Alexandre VI muito mais prncipe
renascentista que propriamente papa ou amigos de Joo II de Portugal.
As bulas alexandrinas
A partir de maio de 1493, o papa ditou cinco bulas conhecidas como as
Bulas de Demarcao aos Reis de Espanha. Ao mesmo tempo, estas bulas de
Alexandre VI constituram o ltimo grande ato de soberania universal do pontificado
romano, pois nesta poca, o Papa tinha a condio de domnus orbis com a qual
podia dispor de terras dos pagos e conced-las para um Prncipe Cristo.
Naturalmente que os portugueses, no satisfeitos com a deciso, j que
neste momento sabiam da existncia de terras alm dos limites que lhes eram
atribudos, assumiram uma atitude belicista, colocando a pennsula Ibrica na
eminncia de um conflito armado.
As bulas estipularam o seguinte:
11 Oliveira Lima - Descobrimento do Brasil, vol. III do Livro do Centenrio, Rio, 1900.
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1) Bula Inter cetera (trs de maio de 1493): dava aos Reis Catlicos as
terras situadas ao ocidente que no pertencessem a outros prncipes cristos e reza
assim: "Doamos, concedemos e asignamos todas e cada uma das terras e ilhas
supraditas, assim como as desconhecidas e as at aqui descobertas por vossos
enviados e as que se venham descobrir que no estejam sujeitas ao domnio atual
de algum senhor cristo." O pontfice se ajustava a doutrina jurdica da Romanus
Pontifex, de Nicolau V (1445), que, a petio de Afonso V de Portugal, afirmou a
exclusividade portuguesa sobre os territrios africanos desde o cabo Bojador at a
Guine.
2) Bula Eximiae devotionis (trs de maio de 1493): ratificou e clarificou
as concesses feitas aos Reis de Espanha pela bula anterior que reconhecia os
monarcas espanhis os mesmos privilgios que se outorgaram anteriormente a
Portugal.
Mapa 1.2 Meridiano demarcatrio da Segunda Bula Inter Cetera
Mapa: Jones Murads
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3) Segunda Bula Inter cetera (quatro de maio de 1493). A bula estabelecia uma nova linha de marcao, um meridiano que separaria as terras a
conquistar de Portugal e de Espanha. O meridiano passava a cem lguas a oeste
dos Aores e de Cabo Verde. As novas terras descobertas, situadas a Oeste do
meridiano a cem lguas das ilhas do Cabo Verde, pertenceriam Espanha. As
terras a leste, pertenceriam a Portugal. Dado que a latitude de ambos arquiplagos
diferente, a linha no era reta e no se podia utilizar um meridiano para precisar a
demarcao (Mapa 1.2). Por isso se conhece como a Bula de Partio.
A bula exclua todas as terras conhecidas j sob controle de um estado
cristo. Os termos da bula no agradaram a Joo II, julgando j ter direitos
adquiridos que a Bula vinha ferir. E a bula criava confuso, pois um meridiano vinha
anular o que um paralelo tinha estabelecido.
4) Bula Piis fidelium (25 de junho de 1493): concedeu ao frei Bernardo
Boil amplas potestades para iniciar a evangelizao dos ndios americanos.
5) Bula Dudum siquidem (26 de setembro de 1493): precisou o domnio
espanhol sobre as terras que se descobrissem mais alem das encontradas por
Colombo e anula todos os benefcios anteriormente concedidos a Portugal, abrindo
aos espanhis a possibilidade de fazerem viagens no Atlntico Meridional. Admitia a
possibilidade de outros descobrimentos navegando para o oeste.
Mesmo desnecessrias para legitimar domnios, posto que o prprio ato
do descobrimento o fazia, as bulas cumpririam as seguintes finalidades:
tornavam desnecessria a prova de tal domnio;
proporcionavam aquisio de direitos sobre terras no descobertas;
excluam outros prncipes cristos de toda a interveno, navegao,
conquista ou comrcio nas reas concedidas pelo pontfice.
As bulas alexandrinas representaram os ltimos grandes atos de
soberania dos papas. Com estas bulas a Santa S tentou conciliar interesses
contrariados de prncipes cristos, evitando srios conflitos entre os reinos espanhol
e portugus.
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O Tratado de Tordesilhas
As Bulas do papa Alexandre VI no solucionaram a controvrsia que
havia iniciado entre espanhis e portugueses depois da primeira viagem de
Cristvo Colombo. Pelo contrario, os problemas prosseguiram a raiz de dois
fatores: por um lado, a linha demarcatria proposta pelo papa na segunda Bula Inter
Cetera -cem lguas ao oeste das ilhas Aores e Cabo Verde - resultava no ser uma
linha reta e era difcil de conceb-la na pratica; por outra, Portugal no aceitou esta
diviso argumentando que era impossvel respeitar as cem lguas ao oeste por
estas ilhas, j que a navegao portuguesa requeria abrir-se mais para o oeste para
aproveitar os ventos atlnticos e poder assim dar a volta ao continente africano.
Mapa 1.3 Meridiano demarcatrio do Tratado de Tordesilhas
Mapa: Jones Murads
Aps vrias misses diplomticas frustradas, a presso do rei portugus
Joo II obteve sucesso, de maneira que os Reis Catlicos Fernando e Isabel
aceitaram buscar um novo acordo. Portugal e Espanha, atravs de seus delegados,
http://www.puc.cl/sw_educ/historia/expansion/HTML/p2503.html
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resolveram realizar uma reunio na localidade espanhola de Tordesilhas, a fim de
estabelecer critrios definitivos para a conquista e posse dos territrios a serem
descobertos.
Com base nesse documento, as terras do Novo Mundo ficariam
repartidas entre as duas naes. Ali se levaram a cabo as negociaes, donde os
lusitanos impuseram habilmente seus critrios aos representantes dos Reis
Catlicos. Em sete de junho se assinou o Tratado de Tordesilhas. O Tratado tem
duas verses, uma escrita em portugus em poder da Espanha -, e outra escrita
em espanhol que ficou em poder de Portugal. Seus textos tinham contedos
diferentes. No texto em poder da Espanha (em portugus) somente fica estabelecida
a distncia de trezentas e setenta lguas a partir do arquiplago do Cabo Verde12 -
como mostrado no Mapa 1.3 - e em direo ao poente como terras da Espanha.
Suas clusulas mais significativas para este trabalho sero comentadas a seguir.
Pela ''Capitulao da Partio do Mar Oceano'', (Figura 1.1) que foi o
nome oficial do Tratado de Tordesilhas, foram admitidas duas linhas demarcatrias:
caso a Espanha descobrisse novas terras a Oeste at vinte de junho de 1494, a
linha passaria a duzentas e cinqenta lguas da ilha de Cabo Verde; do contrrio,
passaria a trezentas e setenta lguas, como vigorou. Desta forma, Espanha teria o
domnio do hemisfrio ocidental e Portugal do oriental. Portanto resolvia-se a
controvrsia atravs de uma verdadeira partilha do mundo entre Espanha e
Portugal. Parte do Tratado referente a partio est transcrito abaixo: E LOGO os ditos procura/dores dos ditos senhores rrey e rraynha de
Castella, de Liam, d'Aragam, de Cezilia, de Grada, et cetera / e do dito senhor rrey de Purtugal e dos Algarues et cetera diseram que por quanto antre / os ditos senhores seus constituintes ha certa deferena sobre o que a cada hua das ditas / partes pertence do que atha oje dia da fectura desa capitulaom estaa por deso/brir no Mar Ociano, porem que elles por bem de paz e comcordia e por conseruaam do di/uido e amor que o dito senhor rrey de Purtugual tem com os ditos senhores rrey e rra/inha de Castella e d'Aragam et cetera a suas altezas praz e os ditos seus procuradores / em seu nome e per virtude dos ditos seus poderes outorgaram e consentiram que se faa e asy/ne paloo dito mar Oceano hua rraya ou linha direita de poolo a poolo, scilicet, do Pollo / Artico e o Pollo Antartico que he de norte a sul, a qual rraya ou linha se aja de dar e / de dereita como dito he a trexentas e setenta legoas das ilhas de Cabo Verde pera a parte / do ponente per graaos ou por outra maneira como milhor e mais prestes se possa dar, / de maneira que nom sejam mais e que todo o que lhe qui he achado e descuberto / e daqui adiante se achar e descubrir por o dito senhor rrey de Purtugual e por seus na/uios, asy ilhas como terra firme, des
12 As ilhas de Cabo Verde distam do equador 15 e as 370 lguas a oeste das ilhas do Cabo Verde situam-se a 46 37' a oeste do Meridiano de Greenwich.
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a dita raya e linha dada na forma susodita, / hyndo polla dita parte do leuaante dentro da dita raia e a parte do leuante ou do norte / ou do sul della, tanto que nom seja atrauesando a dita raya, que esto seja e fique e perten/a a o dito senhor rrey de Purtugual e a seus socesores pera sempre jamais, e que todo ho outro, assy ilhas como terra firme achadas e por achar, descubertas e por descubrir, / que som ou forem achadas pollos ditos senhores rrey e rraynha de Castella e d'Aragam et cetera / e per seus nauios es a dita raya dada na fonna susodita, hindo por a dita parte / do ponente, epois de pasada a dita raia pera o ponente ou a o norte ou sul della, que / todo seja e fique e pertena a os ditos senhors rrey e rraynha de Castella e de Lian et cetera / e a seus socesores pera sempre jamais. ESPANA (1994, p. 60-1).
Esta a citao do documento portugus do Tratado Atlntico (escrito
em portugus arcaico). Encontra-se arquivado no Arquivo Geral das ndias, em
Sevilha.
Neste documento ambas as partes se comprometeram a realizar
exploraes e ocupar somente o hemisfrio que lhe correspondessem de acordo
com o tratado, ainda se autorizou aos barcos espanhis atravessar a zona
portuguesa nas viagens de regresso Espanha, provenientes do Novo Mundo, a
que est transcrito abaixo: ITEM por cuanto para que vayan los navos de los dichos seores
rey y reina de Castilla, de Len, de Aragn, etc., desde sus reinos y seoros a la dicha su parte allende de la dicha raya en la manera que dicho es, os forzoso que tengan que pasar por los mares de esta parte de la raya que queda para el dicho seor rey de Portugal, por ende es concordado y asentado que los dichos navos de los dichos seores rey y reina de Castilla y de Len y de Aragn, etc., puedan ir y venir, vayan y vengan por los dichos mares que quedan para el dicho seor rey de Portugal dentro de la dicha raya en todo tiempo y cada y cuando sus altezas y sus sucesores quisieren y tuvieren por bien. Los cuales vayan por sus caminos rectos y rotas desde sus reinos para cualquier parte de lo que est dentro de su raya y limite donde quisieren enviar a descubrir y conquistar y contratar, y que lleven sus caminos rectos por donde ellos acordaren de ir para cualquier cosa de la dicha su parte y de aquellos no puedan apartarse, salvo que el tiempo adverso en el mar los hiciera apartarse, pero que no tomen ni ocupen antes de pasar la dicha raya cosa alguna de lo que fue hallado por el dicho seor rey de Portugal en la dicha su parte, y si alguna cosa hallaren los dichos sus navos antes de pasar la dicha raya, como dicho es, que aquello sea para el dicho seor rey de Portugal, y sus altezas 10 tengan que mandar dar y entregar inmediatamente. ESPANA (1994, p. 37-8).
No texto em poder de Portugal (em espanhol), alm do estabelecimento
do meridiano divisrio, objeto do Tratado, define como fazer para demarcar: ITEM para que la dicha lnea o raya de la dicha particin se haya d
dar y de recta y lo ms cierta que se pueda por las dichas trecientas y setenta leguas desde las dichas islas de Cabo Verde a la parte de poniente, como dicho es, es concertado y asentado por los dichos procuradores de ambas las dichas partes que dentro de los diez meses siguientes contados desde el da de la fecha de esta capitulacin, los dichos seores sus constituyentes hayan de enviar dos o cuatro carabelas, a saber, una o dos
http://www.puc.cl/sw_educ/historia/conquista/parte2/html/index.html
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de cada parte, o ms o menos, segn se acordare por las dichas partes que sean necesarias, las cuales para el dicho tiempo sean juntas en la isla de Gran Canaria, y enven en ella cada una de las dich