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A ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO NA REDE DE
ATENÇÃO À SAÚDE EM MANAUS: HIPERTENSÃO
ARTERIAL, DIABETES MELLITUS E DOENÇA
RENAL CRÔNICA
REFLEXÕES E PROPOSTAS INICIAIS PARA A SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE DE MANAUS
ORGANIZADOR: AILTON CEZÁRIO ALVES JÚNIOR
07 DE JULHO DE 2013
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1. INTRODUÇÃO
A base para a organização da assistência de uma rede de atenção à saúde de
usuários com condições crônicas deve ser a estratificação de risco desses usuários, o que
observa um dos mais importantes princípios do SUS: a equidade (SES/MG, 2013).
Estratos de risco diferenciados devem ser beneficiados com intervenções distintas em
sua natureza ou em sua freqüência.
A proposta deste documento é discutir as principais estruturas de apresentação
de estratificações de risco atualmente utilizadas em saúde pública, especialmente no
Sistema Único de Saúde, trazendo uma reflexão sobre os avanços necessários para a
efetivação do Modelo de Atenção às Condições Crônicas neste conteúdo.
2. CENÁRIO ATUAL: AS ESTRATIFICAÇÕES DE RISCO CLÍNICO
Existem várias propostas de estratificação de risco para indivíduos com
condições crônicas de saúde reconhecidas internacionalmente: no âmbito
cardiovascular, Sheffield, Framingham e suas modificações são algumas amplamente
utilizadas. Embora apresentem eficácia clínica, devem ser alvo de uma importante
reflexão: essas estratificações limitam-se a avaliação clínica, não considerando
especialmente a relevância da autonomia do sujeito para cuidar-se de si mesmo, ou seja,
a sua capacidade para o auto-cuidado.
2.1 Estratificação de risco cardiovascular
2.1.1 A Experiência de Minas Gerais
A idade, o sexo, a pressão arterial elevada, o tabagismo, a dislipidemia e o
diabetes são sabidamente os principais fatores de risco para se desenvolver doença
cardiovascular. A interação e o agrupamento destes fatores levaram ao desenvolvimento
de uma predição baseada em algoritmos de análise multivariada, que podem ser
utilizados por profissionais de saúde da atenção primária para avaliar o risco de
desenvolver doença cardiovascular, ou seja, doença coronariana, AVC, DVP e
insuficiência cardíaca. Esta avaliação tem sido defendida por estimar o risco
cardiovascular global e para guiar o tratamento destes fatores de risco (SES/MG, 2013).
3
A avaliação do risco de Framingham original é uma ferramenta validada para
brancos e negros americanos e é transportável (com a devida calibração) para várias
populações da Europa, Mediterrâneo e Ásia (D’AGOSTINO, 2008).
A VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão (2010) valorizou a estratificação de
risco, baseada no reconhecimento dos fatores de risco cardiovasculares, em fatores
adicionais para a HAS, na identificação de lesões em órgãos-alvo e de lesões subclínicas
destes órgãos.
Os fatores de risco adicionais para a HAS representam homens com idade acima
de 55 anos e mulheres acima de 65 anos; o tabagismo; as dislipidemias, especialmente,
triglicérides acima de 150 mg/dL, LDL-colesterol maior que 100 mg/dL e HDL-
colesterol menor que 40 mg/dL; a presença de diabetes mellitus associada à história
familiar prematura de doença cardiovascular em homens com idade menor que 55 anos
e mulheres com idade menor que 65 anos.
Como lesões subclínicas de órgãos-alvo, cita-se a presença de HVE ao ECG.
Índices recomendados são os de Sokolov-Lyon (soma do S de V1 ou V2 e do R de V5
ou V6 acima de 35 mm) ou Cornell (soma do R de aVL e do S de V3, acima de 28 mm
para homens e acima de 20 mm para mulheres).29
Aliado à presença de HVE, pelo
ecocardiograma transtorácico, com índice de massa de ventrículo esquerdo (VE) maior
que 134g/m2 em homens ou acima de 110g/m
2 em mulheres, a espessura médio-intimal
de carótidas acima de 0,9 mm ou a presença de placa de ateroma pelo doppler de
carótidas; o índice tornozelo-braço menor que 0,9; a depuração de creatinina estimada
menor que 60 ml/min/1,72 m2; o baixo ritmo de filtração glomerular menor que 60
ml/min/1,72 m2; presença de microalbuminúria ou velocidade de onda de pulso acima
de 12m/s, são outros indicativos de lesões subclínicas de órgãos-alvo.²
As condições clínicas associadas à HAS referem-se a evidências de lesões em
órgãos-alvo em hipertensos. É amplamente aceito que as DCV constituem um grande
problema de saúde pública. O risco de morte destas condições, muitas vezes silenciosas,
ressalta a relevância da prevenção. Os fatores de risco cardiovasculares, especialmente
com concomitância num mesmo indivíduo, podem ser mediadores do risco de doença
vascular.
A estimativa global de DCV facilita o ajustamento entre a intensidade do fator
de risco e a probabilidade estimada da doença, tornando o tratamento mais custo-
efetivo. Desta forma, o estudo de D’Agostino e cols. (2008) foi motivado pela
necessidade de se simplificar a predição de risco, informando, através de um
4
algoritmo, pessoas com alto risco de doença cardiovascular aterosclerótica em
geral, sendo capaz de identificação do risco para eventos específicos, como doença
coronariana, DVP, AVC e insuficiência cardíaca. A presente investigação se
estende à formulação anterior de Framingham e a expande, com base em um
número maior de eventos (D’AGOSTINO, 2008).
A SES/MG denominou a estratificação de risco cardiovascular de D’Agostino et
al (2008) como “Framingham Revisado” e recomenda a utilização desta escala para
realizar a estratificação de risco cardiovascular em usuários hipertensos (2012).
O quadro 1 apresenta os estratos propostos e o critério de acordo com a escala de
risco de Framingham revisada (SES/MG, 2012).
Quadro 1. Estratos e critério para a estratificação da hipertensão arterial
sistêmica, segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
Estratificação Critério (Framingham revisado)
HAS de baixo risco cardiovascular Estimativa de risco cardiovascular menor que
10% em 10 anos
HAS de moderado risco cardiovascular Estimativa de risco cardiovascular entre 10% a
20% em 10 anos
HAS de alto risco cardiovascular Estimativa de risco cardiovascular maior que
20% em 10 anos
Onde: HAS: Hipertensão arterial sistêmica. Fonte: Coordenadoria da Rede de Hipertensão e
Diabetes da Secretaria de Estado de Minas Gerais, 2012.
Os quadros seguintes propiciam a estimativa do risco cardiovascular em 10 anos
(morte coronariana, infarto do miocárdio, insuficiência coronariana, angina, AVC
isquêmico e hemorrágico, ataque isquêmico transitório, DAP e insuficiência cardíaca)
sem doença cardiovascular no exame de base. Os preditores utilizados são: idade, sexo,
diabetes, tabagismo, pressão arterial sistólica tratada e não-tratada, colesterol total e
HDL.
Os usuários que têm insuficiência coronariana, insuficiência cardíaca, hipertrofia
ventricular esquerda, insuficiência arterial periférica, insuficiência renal crônica estágio
3 ou mais e que tenham tido acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório
são considerados como de alto risco cardiovascular.
Inicialmente são apresentados os escores para estratificação de risco
cardiovascular, por sexo.
5
Quadro 2. Escore de Framingham revisado para homens
Pontos Idade HDL Colesterol
total
PAS não
tratada
PAS
tratada Tabagismo Diabetes
-2 60+ <120
-1 50-59
0 30-34 45-49 <160 120-129 <120 NÃO NÃO
1 35-44 160-199 130-139
2 35-39 <35 200-239 140-159 120-129
3 240-279 160+ 130-139 SIM
4 280+ 140-159 SIM
5 40-44 160+
6 45-49
7
8 50-54
9
10 55-59
11 60-64
12 65-69
13
14 70-74
15 75+
Onde: HDL= Colesterol HDL (High Density Lipoprotein); PAS= pressão arterial sistólica.
Fonte: D’Agostino et al, 2008.30
7
Quadro 4. Escore de Framingham revisado para mulheres
Pontos Idade HDL Colesterol
total
PAS não
tratada PAS tratada Tabagismo Diabetes
-3 <120
-2 60+
-1 50-59 <120
0 30-34 45-49 <160 120-129 NÃO NÃO
1 35-44 160-199 130-139
2 35-39 <35 140-149 120-129
3 200-239 130-139 SIM
4 40-44 240-279 150-159 SIM
5 45-49 280+ 160+ 140-149
6 150-159
7 50-54 160+
8 55-59
9 60-64
10 65-69
11 70-74
12 75+
Fonte: D’Agostino et al, 2008.30
9
Quadro 6. Classificação de risco global, segundo escore de risco de Framingham
revisado, com prevalências estimadas para Minas Gerais
Categoria Risco de evento cardiovascular
maior
Prevalência estimada
Baixo <10% em 10 anos 40%
Moderado 10 a 20% em 10 anos 35%
Alto >20% em 10 anos 25%
Fonte: D’Agostino et al, 2008 30
e Coordenadoria da Rede de Hipertensão e Diabetes da
Secretaria de Estado de Minas Gerais, 2012 31
Principais considerações
Essa proposta trouxe importantes diferenciais: reconhece que faixas etárias
distintas apresentam comumente distintos riscos cardiovasculares clínicos, reconhece a
pequena, mas existente possibilidade de diabéticos jovens com bom controle pressórico
e metabólico, não tabagistas, por exemplo, possam ser considerados para o fim de
organização de rede como estrato de não alto risco necessariamente. Além disso, para
tal proposta, foi elencada uma objetiva programação de cuidados por estrato de risco, a
qual está sendo praticada no SUS com resultados preliminares favoráveis.
Entretanto, a proposta mineira carece de um importante determinante de risco
não considerado naquele momento: a capacidade para o auto-cuidado apoiado.
2.1.1 A Experiência da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba
A Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba aplica o cálculo do risco
cardiovascular nos próximos 10 anos também segundo o escore de Framingham
modificado, baseado nos seguintes critérios (LABORATÓRIO DE INOVAÇÕES NO
CUIDADO DAS CONDIÇÕES CRÔNICAS NA APS - OPAS, 2012):
a. Escore de Framingham para DCV global–esse escore estima o risco de pessoas entre
30 a 74 anos e sem DCV prévia de desenvolverem eventos CV nos próximos 10 anos
devido à presença de diferentes fatores preditores de risco (sexo, idade, DM, tabagismo,
pressão arterial sistólica tratada e não tratada, níveis de colesterol total e HDL
colesterol). O risco é classificado em baixo (< 10%), médio (de 10 a 20%) e alto (>
20%). Na diretriz de HAS, o grupo optou por extrapolar o risco para as faixas etárias de
10
20 a 30 anos e para 75 anos e mais, assim como feito em Minas Gerais (SES/MG,
2012).
b. Presença de LOA – hipertrofia de ventrículo esquerdo identificada no
eletrocardiograma de rotina, estágio de função renal 3 ou achados evidenciados em
exames anteriores não recomendados como rotina na atenção primária (espessura
médio-intimal de carótida > 0,9 mm ou placa de ateroma em carótida, índice tornozelo-
braquial < 0,9 e velocidade de onda de pulso > 12 m/s).
c. Presença de condições clínicas associadas:
Doença cerebrovascular – acidente vascular encefálico isquêmico ou
hemorrágico, ataque isquêmico transitório.
Doença cardiovascular – angina, infarto agudo do miocárdio, revascularização
coronária, insuficiência cardíaca.
Doença Arterial Periférica.
Retinopatia avançada – papiledema, hemorragias e exsudatos.
Doença renal – estágio de função renal 4 ou 5.
Como passo 1, calcula-se o número de pontos de cada tabela correspondente a
um fator de risco, segundo o gênero.
12
Se a pessoa for portadora de DM, a estratificação dessa condição e que
determina o manejo e a organização da atenção.
13
Principais considerações
Como diferenciais, a experiência de Curitiba agrega melhores especificações
para alguns preditores e apresenta a estratificação em 4 faixas de risco: baixo,
moderado, alto e muito alto risco. Nesse último, estão os indivíduos hipertensos com as
condições clínicas associadas, citadas, independente do escore de Framingham.
Não há relevância para a capacidade do autocuidado.
2.1.1 A Experiência da Estratificação de risco da VI Diretrizes Brasileiras de
Hipertensão.
Na estratificação de risco cardiovascular global da VI Diretrizes, para a tomada
da decisão terapêutica, leva-se em conta além dos valores da pressão arterial, a presença
de fatores de risco adicionais, de lesões em órgãos-alvo e de doenças cardiovasculares,
conforme expressos a seguir.
Como fatores de risco cardiovascular adicionais nos indivíduos hipertensos,
lesões subclínicas de órgão-alvo e condições clínicas associadas à hipertensão entende-
se o conteúdo expresso nas tabelas seguintes:
15
Principais considerações
Ainda que a estratificação proposta trabalhe distintos estratos de risco e defina o
tratamento e metas por estrato, para fins de abordagem populacional da hipertensão, há
que se considerar a necessidade de que esses estratos estejam diretamente relacionados a
uma atenção programada e especialmente que esses estratos considerem a capacidade
do indivíduo hipertenso para o autocuidado.
2.1.1 A Experiência do Ministério da Saúde (Caderno de atenção básica número 15)
Para a estratificação do risco cardiovascular, é necessário pesquisar a presença
dos fatores de risco, das doenças cardiovasculares e das lesões em órgão-alvo, conforme
mostra o quadro a seguir. A classificação de risco de cada indivíduo deve ser avaliada
pelo calculo do escore de Framingham (Ver Caderno de Atenção Básica nº14-
Prevenção Clínica de Doença cardiovascular, cérebrovascular e renal crônica).
16
Quadro. Componentes para estratificação do risco individual dos pacientes em
função do Escore de Framinghan e de lesão em órgãos-alvo
Assim, a classificação do risco cardiovascular global individual dos pacientes
em função do escore de risco de Framingham revisado e da presença de lesão em
órgãos-alvo pode ser expressa da seguinte maneira, conforme essa proposta do
Ministério da Saúde.
Quadro. Classificação do risco cardiovascular global individual dos pacientes em
função do escore de risco de Framingham e da presença de lesão em órgãos-alvo.
Decisões terapêuticas segundo o risco e o valor da pressão arterial também
podem ser efetivadas, conforme quadro a seguir.
17
Principais considerações
Ainda que a estratificação proposta considere a idade como preditor, haja a
possibilidade de um diabético não ser considerado sempre de alto risco e defina o
tratamento e metas por estrato, para fins de abordagem populacional da hipertensão, há
que se considerar a necessidade de que esses estratos estejam claramente relacionados a
uma atenção programada e especialmente que esses estratos considerem a capacidade
do indivíduo hipertenso para o autocuidado.
2.2 Estratificação de risco do diabetes mellitus
2.2.1 A Experiência da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
Para a SES/MG, a estratificação de risco dos diabéticos na sua rede de atenção
dá-se por meio da classificação de seu controle metabólico, especialmente avaliado
pelos valores da sua hemoglobina glicada ou glicemia de jejum, como se pode observar
no quadro a seguir (SES/MG, 2012).
Quadro. Estratificação de risco dos diabéticos na rede de atenção à saúde
da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
Classificação do Controle
Metabólico Critério
Controle metabólico bom HbA1c < 7% ou
Glicemia de jejum < 130 mg/dl
Controle metabólico regular HbA1c entre 7% e 9% ou
Glicemia de jejum entre130 e 200 mg/dl
Controle metabólico ruim HbA1c > 9% ou
Glicemia de jejum > 200 mg/dl
18
Onde: HbA1c = hemoglobina glicada; mg = miligrama; dl = decilitros. Fonte: Coordenadoria
da Rede de Hipertensão e Diabetes da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. 2012.1
Principais considerações
O grande avanço para a estratificação citada foi a percepção de que o risco de
complicações está mais relacionado ao controle do diabetes mellitus do que ao fato de o
diabético ser ou não insulinodependente. Adicionalmente, há uma clara programação da
assistência em função dos estratos propostos.
A fragilidade da utilização da glicemia de jejum como critério deve ser
considerada. Além disso, tal estratificação não considera a autonomia do indivíduo para
o autocuidado.
2.2.2 A Experiência da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba
A organização da atenção deve considerar a estratificação de risco frente à
doença conforme quadro a seguir. A experiência de Curitiba (LABORATÓRIO DE
INOVAÇÕES NO CUIDADO DAS CONDIÇÕES CRÔNICAS NA APS - OPAS,
2012) traz como diferencial o argumento de que as pessoas com pré-diabete (GJA e
ISG) têm maior risco para desenvolvimento do DM, sendo assim estratificadas como de
risco baixo. Toda pessoa com diabete apresenta risco para complicações decorrentes da
doença. Este risco, no entanto, é maior quando não há controle metabólico e pressórico,
ou quando há antecedente recente de internações por complicações agudas ou presença
de complicações crônicas. As pessoas estratificadas como de risco médio apresentam
controle metabólico e pressórico adequado (HbA1c < 7%, LDL-colesterol < 100 mg/dL
e PA < 130/80 mmHg) e não apresentam complicação crônica (micro ou
macroangiopatia) nem antecedente de internação por complicação aguda nos últimos 12
meses. Todas as pessoas com controle metabólico e pressórico inadequado são de risco
alto. Aquelas com controle adequado, mas que apresentam complicação crônica ou
antecedente de internação por complicação aguda nos últimos 12 meses também são de
alto risco. Já as de risco muito alto apresentam associação destes fatores.
Quadro - Estratificação de risco da população em relação ao Diabetes Mellitus.
19
Principais considerações
A estratificação proposta pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba
reconhece a importância do controle metabólico e pressórico para a estratificação do
diabético. Para a experiência curitibana, a existência da glicemia de jejum alterada e da
intolerância a sobrecarga de glicose corroboram para a estratificação desse usuário
como de baixo risco. Assim, todo diabético é no mínimo de moderado risco. Internações
e complicações crônicas são também preditores do risco, classificando os usuários que
os apresentem como de alto risco.
Em Curitiba, a incapacidade para o auto-cuidado é considerada como fator para
gestão de caso, mas não interfere na estratificação e programação do baixo ou moderado
risco.
2.2.3 A Experiência do Ministério da Saúde (consulta pública número 13)
20
Baseia-se na experiência mineira, ao considerar o controle metabólico como seu
eixo norteador. A partir disso, propõe uma atenção programada por risco, conforme
quadros que se seguem.
Principais considerações
Diferentemente da experiência mineira, essa proposta já não considera o valor da
glicemia de jejum como critério para a estratificação do diabético. Entretanto, não
reconhece a autonomia para o auto-cuidado.
2.3 Estadiamento da Doença Renal Crônica (DRC) (SES/MG, 2012)
O diagnóstico e estadiamento da DRC baseiam-se na documentação da
diminuição da TFG e lesão do parênquima renal.
A utilização da creatinina sérica, isoladamente, para estimar a TFG é
insatisfatória pelos seguintes motivos: 1) A creatinina é produzida nos músculos e,
consequentemente, depende da massa muscular, devendo ser ajustada para fatores que
influenciam este parâmetro, quando empregada para determinação da TFG; e 2) a
relação inversa da creatinina com a TFG não é uma relação direta (linear) e, por isso, o
nível de creatinina sérica só aumentará após a TFG ter decaído cerca de 50%-60% de
seu valor normal.
21
A TFG é a melhor medida geral da função renal e a mais facilmente
compreendida pelos profissionais de saúde e pelos usuários. Estimar TFG permite uma
medida mais acurada da função renal do que a dosagem isolada da creatinina sérica,
particularmente em usuários idosos, além de alertar para a necessidade de ajuste da
dosagem de medicações de excreção renal quando necessária. As equações ou fórmulas
de estimativa da TFG são amplamente disponíveis, sendo as mais utilizadas a de
Cockcroft e Gault (CG), a desenvolvida para o estudo Modification of Diet in Renal
Diseases (MDRD) e, mais recentemente, a equação do grupo Chronic Kidney Disease
Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) (LEVEY, 2009).
A equação de CG estima a depuração da creatinina e foi desenvolvida em
homens caucasianos hospitalizados, com idade de 18 a 92 anos e com função renal
normal. Não foi padronizada para a área de superfície corporal de 1,73m2 e necessita de
correção para as mulheres. Como o peso encontra-se na parte superior da fórmula, a
equação de CG sistematicamente superestima a depuração creatinina em indivíduos
obesos e edemaciados.
A equação do estudo MDRD foi originalmente desenvolvida em usuários com
DRC e não incluiu indivíduos saudáveis. O padrão-ouro usado no desenvolvimento da
equação MDRD foi a depuração de iotalamato e, portanto, estima a TFG em
mL/min/1,73m2. Atualmente, uma fórmula abreviada do MDRD com “quatro variáveis”
tem sido recomendada, porque seu desempenho é tão bom quanto a equação original.13
As TFG calculadas com a equação do MDRD e a TFG real (determinada) são muito
próximas para resultados <60 mL/min/1,73 m2, enquanto a TFG excede a taxa estimada
por um valor pequeno quando a TFG é >60 mL/min/1,73 m2.
O grupo Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI)
desenvolveu, a partir de coorte que incluiu indivíduos com e sem DRC, uma nova
equação que é uma variação da fórmula do MDRD. A equação, denominada de CKD-
EPI, usa as mesmas quatro variáveis que a equação do MDRD, mas, comparativamente,
apresenta melhor desempenho e previsão de risco. As observações de menor viés e
maior acurácia da equação CKD-EPI relativamente à equação do estudo MDRD, em
particular nas faixas de TFG >60 mL/min/1,73 m2, constitui o racional para preconizar o
seu uso clínico em substituição às equações de estimativa da TFG até então utilizadas
(LEVEY, 2009).
A estimativa da TFG pode ser realizada, de maneira simples, e por todos os
membros que compõem a equipe de saúde, através de nomogramas. Os nomogramas 1
22
(para mulheres) e 2 (para homens) foram construídos para estimar a TFG a partir da
fórmula CKD-EPI, utilizando três das quatro variáveis que compõem a equação CKD-
EPI: idade (nos limites de 18 a 80 anos), sexo e creatinina sanguínea (nos limites de 0,6
a 5 mg/dL).15
A quarta variável, raça negra, foi omitida pois é importante somente para
a população dos Estados Unidos da América.
A documentação da lesão do parênquima renal é o outro componente da
definição de DRC. Particularmente nos casos em que a TFG for > 60mL/min/1,73 m2, o
diagnóstico de DRC só pode ser estabelecido, se houver documentação de lesão do
parênquima renal.
A albuminúria é o marcador de lesão do parênquima renal mais amplamente
utilizado. É um achado frequente e precoce nas lesões glomerulares decorrentes da
hipertensão arterial e do diabetes. A utilização das fitas de imersão para a pesquisa de
albuminúria (método semi-quantitativo) só detecta níveis de albuminúria>300 mg/g de
creatinina (macroalbuminúria ou proteinúria). O resultado positivo para albuminúria, na
fita de imersão, demanda a quantificação da perda urinária de albumina, através da sua
determinação na urina coletada em 24 horas ou através da relação proteína/creatinina na
primeira amostra urinária da manhã.
A observância de resultado negativo para albuminúria com fita de imersão, em
usuários hipertensos e/ou diabéticos, indica a necessidade da pesquisa de
microalbuminúria, a qual pode ser realizada em amostra urinária isolada (relação
albumina/creatinina) ou em urina coletada em 12 horas ou 24 horas.
A quantificação da albuminúria em usuários hipertensos e diabéticos permite
prever usuários que evoluirão com perda funcional renal, usuários com maior propensão
a desenvolver complicações cardiovasculares e usuários com maiores chances de óbito
no curso da doença.
2.3.1 A Experiência da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG, 2012)
A DRC é, atualmente, estratificada em estágios de um a cinco, de acordo com a
TFG do usuário. Em reunião de consenso recente, os debatedores propuseram manter a
classificação da DRC em cinco estágios, mas subdividindo o estágio 3 em 3A e 3B
(ECKARDT, 2009). O estadiamento da DRC permite identificar os usuários com maior
probabilidade de apresentar as complicações e comorbidades da doença, bem como
23
aqueles com maiores chances de progressão para falência funcional renal e necessidade
de tratamento dialítico ou transplante renal, além de uniformizar a terminologia
empregada, facilitando a comunicação entre os profissionais de saúde e destes com o
usuário e seus familiares.
A diminuição progressiva da TFG se associa com níveis de hemoglobina
diminuídos, cálcio baixo e fósforo aumentado e acidose metabólica. Consequentemente,
estratificar a TFG estimada é recomendado, no diagnóstico precoce das complicações
metabólicas da DRC. A redução da TFG para valores <45 mL/min/1,73 m
2 (estágios
3B, 4 e 5) é um preditor importante de doença cardiovascular futura e de
necessidade de TRS (diálise ou transplante renal) (K/DOQI, 2002).
O Quadro a seguir apresenta a classificação da DRC, proposta pela NKF
KDOQI™1, recentemente referendada pela fundação Kidney Disease Improving Global
Outcomes (KDIGO), em reunião de consenso sobre definição, classificação e
estratificação de risco da DRC.
Quadro. Estágios da doença renal crônica baseados na taxa de filtração
glomerular e presença ou não de lesão do parênquima renal Estágio da DRC TFG (mL/min/1,73 m
2) Lesão do parênquima renal
1 90 Sim
2 60-89 Sim
3A 45-59 Sim ou não
3B 30-44 Sim ou não
4 15-29 Sim ou não
5 <15 Sim ou não
5 <15 Sim ou não
Onde: DRC = doença renal crônica; TFG = taxa de filtração glomerular;
mL/min/m2=mililitro/minuto/metro quadrado. Fonte: K/DOQI 2007.
As tabelas a seguir apresentam os nomogramas citados.
Tabela 1. Nomograma para estimativa da taxa de filtração glomerular em mulheres
24
Onde: CKD-EPI = Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration; mg/dL =
miligrama/decilitro; DRC = doença renal crônica; mL/min/m2
= mililitro/minuto/metro
quadrado. Fonte: modificado de Magacho EJC et al, 2012. 15
Tabela 2. Nomograma para estimativa da taxa filtração glomerular para homens
25
Onde: CKD-EPI = Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration; mg/dL =
miligrama/decilitro; DRC = doença renal crônica; mL/min/m2
= mililitro/minuto/metro
quadrado. Fonte: modificado de Magacho EJC et al, 2012. 15
Principais considerações
Ainda que atualizada e de fácil manejo essa proposta de estadiamento não
expressa uma fácil visualização do risco e não considera uma a autonomia do indivíduo
para o auto-cuidado apoiado.
2.3.2 Outras experiências de Estadiamento
Outras experiências encontradas referem-se a variações concernentes a outras
fórmulas de cálculo da TFG estimada e versões anteriores da fórmula do MDRD.
26
3. UMA PROPOSTA: ASSOCIAÇÃO DO RISCO CLÍNICO À CAPACIDADE
PARA O AUTO-CUIDADO.
3.1 A Experiência do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) (STURMER E
BIANCHINI, 2013)
A capacidade do auto-cuidado refere-se ao grau de confiança e o apoio que as
pessoas têm para cuidar de si mesmas. Pode ser avaliada pela percepção do profissional
de saúde, com conhecimento das atitudes da pessoa frente à condição crônica e do seu
contexto (GHC, 2013). A capacidade para o auto-cuidado relaciona-se aos seguintes
aspectos:
• Conhecimento e crenças sobre a condição de saúde;
• Atitudes, confiança e motivação frente às mudanças;
• Importância dada à condição;
• Presença e força das redes de suporte social e familiar.
Uma capacidade insuficiente pode ser observada em indivíduos nas seguintes
situações:
Quando se recolhe em sua condição crônica, sem ação para melhoria de sua
condição;
Abandona o acompanhamento porque não atingiu uma de suas metas;
Apresenta depressão grave com prejuízo nas atividades diárias.
A experiência piloto do GHC demonstrou que 80% dos usuários apresentava
capacidade suficiente para o auto-cuidado.
O quadro a seguir apresenta uma proposta inicial do GHC para estratificação
mediante a análise da severidade da condição clínica e da capacidade de auto-cuidado.
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O quadro a seguir, proposto pelo GHC, apresenta as ações de saúde propostas
por níveis e exemplos de atividades específicas a serem desenvolvidas.
Principais considerações
Os níveis de atenção utilizados nesta experiência não correspondem aos níveis
do MACC. Nessa estratificação, os indivíduos com fatores de risco para desenvolverem
condições crônicas são considerados como de baixo risco. A proporção “verdadeira” de
auto-cuidado suficiente ainda não é conhecida. Algumas atividades propostas precisam
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ser contextualizadas ao nível de atenção e à individualidade dos usuários. De maneira
inovadora, a capacidade para o auto-cuidado interfere na estratificação de risco,
especialmente nos graus de complexidade 3 e 4.
3.2 A Experiência da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (a ser elaborada)
Principais pontos a serem pré-discutidos:
a) Visando associar o risco clínico (biológico) à capacidade para o auto-
cuidado, provavelmente a estratificação em 3 níveis é insuficiente.
Minimamente, deveríamos falar em baixo, moderado, alto e muito alto
risco.
b) Como ponto de partida para reflexão:
Indivíduo de baixo risco com capacidade para o autocuidado
insuficiente poderia ser considerado como de moderado risco
(acompanhado na APS)?
Indivíduo de moderado risco com capacidade para o autocuidado
insuficiente poderia ser considerado como de moderado risco
(acompanhado na APS), entretanto com freqüência de cuidados
programados maiores?
Indivíduo de alto risco com capacidade para o auto-cuidado
insuficiente poderia ser considerado como de muito alto risco
(beneficiado pela gestão de caso)?