4
Os debates na Assembleia Nacional Constituinte
Como já afirmado anteriormente, o presente trabalho não busca defender
qualquer das propostas que serão tratadas neste capítulo, mas sim evidenciar o
discurso travado acerca de institutos que, a priori, prestigiariam uma maior
participação popular nas decisões públicas. Aqui, busca-se analisar, de forma
crítica, à luz do conceito imanente do poder constituinte, o debate entre
progressistas e conservadores.
De fato, se mostra ilógico, após toda a reflexão até o momento depreendida,
afirmar ser um ou outro projeto de mecanismo de democracia semidireta debatido
na ANC como pertinente aos interesses da cidade, uma vez que quem é capaz de
afirmar isso é somente a multidão. A multidão, e só ela, se encontra apta a refletir
e produzir espaços comuns, e construir as institucionalidades que julgar melhor
para a comunidade.
Assim, através de um levantamento do discurso alinhavado entre os
representantes, sobre certos institutos que foram debatidos na ANC e que são
objeto da presente análise, pretende-se demonstrar que os argumentos para
rechaçar uma maior participação popular traduzem um discurso sempre pautado
na transcendência, no medo da multidão, da superioridade do político sobre o
social, na lógica transcendente.
4.1
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 (ANC) encerra
formalmente o longo processo de transição democrática que se iniciou nos idos de
1970 no país196. Pautada por grandes conflitos de interesses e dissensos, a ANC
196Flávio Bierrenbach destaca que, em 1974, foi possível formar uma ampla coalizão de forças
democráticas e aumentar o efeito das lutas que se desenvolviam em diversas frentes, como no
71
trouxe uma inegável mobilização da sociedade, que era inédita na história das
Constituintes brasileiras197.
A ANC, realizada entre 1º de fevereiro de 1987 e 05 de outubro de 1988, foi
um palco de atuação intensa de múltiplos setores, de atores coletivos internos e
externos. Destaca Adriano Pilatti que “o Processo Constituinte de 1987-1988
constitui uma sucessão de eventos que, para além de sua relevância histórica, abre
preciosa oportunidade para a reflexão no campo da dinâmica das decisões
legislativas.” 198 Ainda, aponta Pilatti que:
O processo Constituinte de 1987-1988 foi procedimento formal parlamentar desenvolvido no âmbito de uma instituição parlamentar constituída: a atuação e a interferência de grupos de pressão, movimentos sociais, grupos econômicos, órgãos de formação de opinião pública e quaisquer outros atores exógenos, institucionais ou não, passava necessariamente pelo filtro do mundo parlamentar, seu ethos e suas formas.199
Durante os trabalhos da Constituinte, dois blocos polarizados se formaram.
Os partidos de esquerda formavam um bloco originado da atuação unida dos
seguintes partidos: Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do
Brasil (PC do B), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista
Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores (PT) e, a partir de junho de 1988, o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
combate à violação de direitos humanos, contra a repressão de sindicatos de trabalhadores e por melhorias salariais, contra a censura à imprensa e a intimidação da cultura e das artes, contra o modelo econômico em curso. Mas foi a partir de 1982 que os níveis de poder mais decisivos para a transição democrática se tornaram mais evidentes: o governo executivo escapava das mãos dos remanescentes do regime militar implantando a partir do Golpe de 64, o modelo econômico era alvo de inúmeras críticas, assim como a excessiva presença dos militares no processo político e na gestão administrativa do país. (BIERRENBACH, 1986, p. 63).
197Mostra-se importante o destaque, para fins de contexto, da VIII Conferência Nacional dos Advogados em Manaus, realizada em 1980, cujo tema era a liberdade. A declaração de Manaus anunciava a defesa pela democracia e o regime da liberdade no país: “O grande problema atual do poder é um problema de legitimidade. Não há poder legítimo sem consentimento do povo. Os advogados brasileiros afirmam que falta legitimidade ao poder institucionalizado neste país.” Justino Vasconcellos, presidente do Conselho Seccional do Rio Grande do Sul, em sessão solene de abertura, afirmava, ainda, que sem se debruçar sobre democracia participativa, que “Liberdade é participação do povo, participação ativa, não puramente simbólica, no processo político; é convívio em que as minorias divergentes podem defender suas ideias e, pelo convencimento, transformar-se em maioria, e governar. Não haverá liberdade, quando o acesso da oposição ao Poder, pelo voto, estiver impedido. Liberdade é Democracia: Democracia Política, Democracia econômica, Democracia social. [...] A Liberdade agora se chama Constituição. A Liberdade é poder, que pertence a todo um Povo, não o Poder só de palavra, mas Poder concreto, em ato, exercido em assembleia – a Assembleia Constituinte.” (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 1980. pp. 7 e 41).
198PILATTI, 2008. p. 2. 199Ibidem. p. 2.
72
Por sua vez, o bloco “conservador” traduzia a união dos seguintes partidos:
Partido Democrático Social (PDS), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido
Liberal (PL), Partido Democrata Cristão (PDC), Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB) e fração “conservadora” do PMDB. Este bloco, que era majoritário na
ANC, se autodenominaria, em novembro de 1987, “Centrão”.
Entretanto, embora fosse majoritário, o bloco conservador apenas garantiu a
aprovação de algumas de suas propostas e a rejeição de outras após a alteração das
regras do processo decisório em janeiro de 1988, na chamada “Rebelião do
Plenário” 200. O processo decisório foi bem explorado pela articulação da minoria,
composta pelos partidos de esquerda, utilizando-se de instrumentos formais do
processo legislativo, tanto em sua atuação propositiva, quanto na sua atuação
reativa (coalizões de veto).
A instalação de Assembleia Nacional Constituinte, em 01/02/1987, foi
precedida por uma frente formada por entidades da sociedade civil, por partidos
opositores do regime, governadores eleitos pelo PMDB e pelo PDT em 1983-
1984, que mobilizou multidões em favor do restabelecimento da Democracia e
realização das eleições diretas para o mais alto cargo do poder executivo:
Presidente da República. A proposta foi vencida, mas a aliança se organizou para
a disputa da eleição indireta, sendo vencedora a nova coalizão denominada
“Aliança Democrática”.
Em 1985, pela via da eleição presidencial indireta, a “Aliança Democrática”
(coalizão PMDB-PFL) elegeu o seu candidato para a Presidência da República,
através de Tancredo Neves, que não pôde assumir a Presidência por motivos de
saúde, o que levou José Sarney ao cargo.
Pilatti destaca que um dos compromissos da Aliança Democrática fora a
convocação de uma Assembleia Constituinte. Tancredo Neves vence a disputa
eleitoral para presidência no colégio indireto e, em seu primeiro discurso, deixa
clara a intenção de convocar uma Constituinte livre e soberana, reafirmando o
compromisso assumido em 07 de agosto de 1984 pela Aliança Democrática,
através do manifesto “Compromisso com a nação”. Com a morte de Tancredo
Neves, assume o seu vice, José Sarney. “Em julho de 1985, o presidente Sarney
enviou proposta de emenda à Constituição ao Congresso Nacional, pela qual este
200PILATTI, 2008, p.4.
73
se reuniria com poderes constituintes em 1987”201. Ainda, Sarney constituiu uma
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, cujo presidente era o jurista
Afonso Arinos.
Bierrenbach, ao tratar da participação popular na Constituinte, aponta que,
ao encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional,
convocando a Assembleia Constituinte, integrada pelo próprio Congresso e, ao
mesmo tempo, designar uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, o
Presidente teria conseguido incutir na população do país o receio de que a
participação popular, tanto na elaboração do texto constitucional, como na própria
escolha dos constituintes, seria limitada por injustificáveis condicionantes202. A
“Constituinte Congressual” ia de encontro aos anseios das organizações “pró-
participação” popular na Constituinte, que defendiam uma “Constituinte
Exclusiva” 203.
Logo após a apresentação da proposta de convocação da Assembleia
Nacional Constituinte, Sarney institui a Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais, que foi batizada pela opinião pública de “Comissão de Notáveis” 204, que seria composta por advogados, empresários, professores universitários e
intelectuais, que elaborariam um anteprojeto elitista, dissociado dos anseios
sociais205. Entretanto, em que pese as críticas à época e desconfiança da opinião
pública, que acreditava que o documento que seria elaborado viria de acordo com
o agrado do governo, a conclusão da “Comissão Afonso Arinos”, que assim foi
conhecida por ter sido presidida pelo célebre jurista Afonso Arinos de Melo
Franco, apresentou diversas propostas interessantes e inovadoras em seu
anteprojeto, sendo importante sua análise devido à grande influência que exerceu
no Processo Constituinte206.
201Ibidem. p. 20. 202 BIERRENBACH, 1986, p. 94. 203 PILATTI, 2008, p. 21. 204 Em que pese as críticas da opinião pública à época, destaca Gisele Cittadino sobre a
composição da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais: “As análises sobre a composição Arinos não estavam equivocadas. Não há dúvidas de que era majoritário o grupo qualificado como “conservador” pela própria imprensa nacional. O seu anteprojeto de Constituição, no entanto, foi considerado um estudo sério e progressista e, sobre isso, tampouco há qualquer dúvida.” (CITTADINO, 2009, p. 33).
205 BIERRENBACH, op. cit., p. 94. 206Pilatti destaca: “já com a ‘Comissão Afonso Arinos’ passou-se algo singular: alvo de grande
polêmica na imprensa escrita, sua composição foi adequada ao gosto dos interesses emergentes no processo de transição, seus trabalhos foram intensamente acompanhados, noticiados e criticados e disso resultou a entrega formal de um Anteprojeto de Constituição cujos conteúdos
74
Importante destacar que várias entidades da sociedade civil questionaram o
caráter congressual da Constituinte que seria realizada e a criação da Comissão de
Notáveis, gerando uma onda de protestos. A OAB (ordem dos Advogados do
Brasil, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), ANDES (Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), a CUT (Central
Única dos Trabalhadores), a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a ABI
(Associação Brasileira de Imprensa) podem ser apontados como exemplos de
entidades que fundaram uma federação denominada “Plenário Pró-Participação
Popular na Constituinte”, que era um grupo político heterogêneo composto por
mais de 700 associações civis e que acompanhavam os trabalhos no Congresso,
procurando sensibilizar deputados e senadores e proclamando seu lema:
“Constituinte sem povo não cria nada de novo”207.
A Emenda Constitucional n.º 26 foi aprovada em 27 de novembro de 1985,
prevendo a instalação da Constituinte Congressual em 01 de fevereiro de 1987,
sendo que o Congresso Nacional assumiria as funções legislativas ordinárias e a
Constituinte.
Uma vez decidida a convocação da Assembleia Constituinte, as eleições
para os legislativos federal e estaduais, bem como para governadores de estado, se
tornaram em eleições constituintes, que resultaram na vitória do PMDB, que
elegeu 21 dos 22 governadores estaduais e 307 cadeiras das 536 em disputa para a
Constituinte, ampliando, assim, o espaço institucional do partido no âmbito
estadual e federal. “Dividindo o mesmo palco, lá estavam os partidos
conservadores (PFL, PDS, PTB, PL e PDC) a ocupar 201 cadeiras e os partidos de
esquerda, com não mais de 50”208.
A composição da ANC decorria de sua estrutura congressual unicameral,
que reunia deputados e senadores, ou seja, representantes das duas casas do
Congresso, em igualdade de condições como constituintes, sendo que cada
representante equivalia a um voto.
Com a convocação da ANC, alguns partidos (PMDB, PFL e PDS) passaram
a discutir a elaboração de anteprojetos sobre o regimento interno da Constituinte,
bem como sobre a possibilidade de participação popular no processo de
parlamentaristas, democratizantes e ‘progressistas’ não se afeiçoavam às expectativas de Sarney, que dele não fez uso algum, pois jamais o remeteu à Constituinte.” (PILATTI, 2008, p. 21.)
207BIERRENBACH, 1986, p. 94. 208PILATTI, op. ci., p. 22.
75
elaboração da Constituição. A participação popular no regimento interno da
Constituinte passou a receber apoio, não só de movimentos pró-participação
popular, mas de partidos, especialmente do PT e do Diretório Regional de São
Paulo do PMDB209. A discussão acerca do Regimento Interno da ANC já
descortinava um cenário de lutas que seriam travadas em torno do RIANC e da
participação popular na Constituinte.
Com a instalação da ANC em 01 de fevereiro de 1987, iniciou-se a
construção de um regime democrático, que seria marcado pela formação de dois
blocos e pautado pela pressão e participação de movimentos extraparlamentares e
sociais distribuídos por todo o país.
4.1.1
Regimento Interno: emendas populares na Constituinte
A primeira semana dos trabalhos da ANC foi marcada por uma série de
tomada de decisões, no que tange à composição e estrutura, à escolha do seu
presidente e a organização e funcionamento, através da elaboração de um
regimento interno. Um primeiro ponto a ser destacado se refere à composição da
ANC e a questão a respeito dos senadores eleitos em 1982, ou seja, que iniciaram
o exercício do mandato antes da Emenda Constitucional convocatória da
Assembleia Constituinte – a Emenda nº. 26, de 27 de novembro de 1985210. A
impugnação à participação dos senadores eleitos em 1982 deu-se através de
questão de ordem levantada pelo Deputado Plínio Arruda Sampaio (PT), que foi
acompanhado pelo Deputado Roberto Freire (PCB), na 2ª Sessão da ANC, em 02
de fevereiro de 1987. Se acatada, tal impugnação acarretaria a exclusão de 23
senadores do processo constituinte.
209 MICHILES, 1989, p. 58. 210 A Emenda Constitucional nº. 26/85, nos arts. 1º, 2º e 3º, dispunha que Deputados e Senadores
se reuniriam unicameralmente em Assembleia livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Ainda previa que o Presidente do STF iria instalar e dirigir a eleição para Presidência da Constituinte. Por fim, o art. 3º previa: “A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte.”. (Emenda Constitucional nº 26/85 – disponível em: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/constituinte/emenda26-85.pdf> acesso em: 12.02.2015).
76
Segundo Plínio Arruda Sampaio, os senadores eleitos em 1982 não teriam
recebido delegação expressa do povo para elaborar a nova Constituição do Brasil.
Contra a questão de ordem, se manifestaram o senador eleito em 1982, Fábio
Lucena (PMDB), e o deputado Gastone Righi (PTB), sustentando, o primeiro, que
a emenda convocatória da ANC apenas dizia senadores, não prevendo qualquer
distinção se eleitos em 1982 ou 1986. Já o segundo sustentava o entendimento que
os senadores, pelo simples fato de serem eleitos, já possuíam poderes constituintes
derivados211.
Adriano Pilatti aponta que, após as impugnações e manifestações, deu-se
um fato que, corriqueiro no legislativo ordinário, revestiu-se de relevância formal
num contexto extraordinário, através do pedido de palavra na condição de líder de
bancada partidária do deputado José Lourenço, do PFL. Após o referido
parlamentar contraditar a questão de ordem, outros líderes foram ouvidos,
assegurando assim a manifestação de líderes partidários na Constituinte, o que
assegurou que as pequenas bancadas tivessem a mesma capacidade de expressão
que as demais212.
A questão foi resolvida pelo então presidente Moreira Alves, que afirmou
sua competência para decidir a questão de ordem, por considerar o tema atinente à
eleição do Presidente da ANC, bem como acatou o pedido do deputado Plínio
Arruda Sampaio para que a questão fosse submetida ao voto nominal. Assim, a
votação ultrapassou o quórum da maioria absoluta dos presentes, regra esta fixada
por Moreira Alves, tendo sido confirmado o mandato constituinte dos senadores
de 1982213, colhendo-se 394 votos favoráveis contra 124 votos desfavoráveis e 17
211PILATTI, 2008 p. 25. 212 Ibidem. p. 25. 213 Em que pese a resolução da questão através de votação nominal, a participação dos senadores
eleitos em 1982 ainda foi alvo de críticas quando da apreciação do Projeto de Regimento nº.2/87, especificamente no que tange à apresentação de emendas ao substitutivo do relator. Sobre o tema, a emenda ao substitutivo apresentado pelo constituinte Antônio Mariz, e que alterava o §1º do art. 1º do Projeto, no seguinte sentido: “Compõem a ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE os deputados federais e os senadores, eleitos em 15 de novembro de 1986.” Em sua justificação, defende Mariz que: “os senadores de 1982, integrantes de um poder constituído, pré-constituído aliás, não têm, assim, legitimidade para compor a Assembleia Nacional Constituinte. Não tem mandato para representar o poder constituinte do povo. Pior, nem sequer representam o povo, visto como, nos termos dos preceitos constitucionais anteriores, são delegados dos Estados – Emenda Constitucional nº2, de 1969, art. 41 ‘ – o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados, eleitos pelo voto secreto e direito, dentre cidadãos, etc’”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Projeto de Resolução nº 2-A, de 1987. Documentos Avulsos. Vol. 327. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. p. 5). Destaca-se que o texto final da Resolução nº. 2 de 1987, aprovada após 2 substitutivos, na sessão de 24 de março de 1987, previa de forma genérica a participação dos senadores e deputados na
77
abstenções214. Ainda na sessão de 02 de fevereiro de 1987, resolvida a questão
referente aos senadores eleitos em 82, passou-se à eleição do Presidente da ANC,
tendo sido eleito o deputado Ulysses Guimarães (PMDB), com 425 votos,
vencendo Lysâneas Maciel, que contou apenas com 69 votos215.
No dia 03 de fevereiro de 1987, Ulysses Guimarães, após se reunir em
audiência com uma delegação organizada por comitês, plenários e movimentos
pró-participação, acompanhada de vários deputados e senadores, que entregaram
proposta para que constasse no RIANC a iniciativa popular ao projeto de
Constituição, recebe dois projetos no Plenário: O Projeto de Resolução n.º 01, que
tratava do funcionamento da ANC até a aprovação do Regimento Interno
definitivo, e o Projeto de Resolução n.º 2, que tratava do RIANC. Devido às fortes
resistências acerca da participação popular na Constituinte, a RIANC apenas seria
concluída no final de março.
Como a composição da ANC não era favorável aos movimentos populares,
travou-se uma batalha em torno do Regimento Interno, para inserir dispositivo que
permitisse a participação popular, iniciando-se na própria discussão em torno do
PR-1/87, que foi aprovado em 05 de fevereiro de 1987. O PR-2/87, originado do
consenso entre líderes dos partidos, recebeu 949 emendas216 que, na sua maioria,
tratavam da participação popular na Constituinte. Entretanto, tais emendas foram
alvo de resistência por parte do bloco conservador, principalmente do líder do
PDS, Amaral Neto217.
Após amplo debate, inúmeras emendas e 2 substitutivos, a RIANC foi
promulgada na sessão do dia 24 de março de 1987, estabelecendo todo o roteiro
dos trabalhos na Constituinte, que se iniciariam com debates nos fóruns de
discussão das vinte e quatro subcomissões temáticas, que teriam a incumbência de
elaborar seus anteprojetos e encaminhá-los para as oito comissões temáticas.
Finalizada essa etapa, as comissões encaminhariam seus anteprojetos para a
Constituinte, em seu art. 1º, § 1º: “Compõem a Assembleia Nacional Constituinte os membros do Senado Federal e a Câmara dos Deputados, no exercício do mandato.” (Idem. Resolução Nº 2, de 1987.).
214 Idem. Ata da 2ª Sessão (02/02/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Diário da Assembleia Nacional Constituinte. pp. 09-13.
215Ibidem. p. 18. 216 Idem. Ata da 18ª Sessão (21/02/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte. Brasília:
Centro Gráfico do Senado Federal. p. 439-463. 217 PILATTI, 2008, p. 40.
78
Comissão de Sistematização, que elaboraria o projeto de Constituição para
submissão ao Plenário da ANC.
A RIANC trouxe a possibilidade de apresentação de emendas populares ao
Projeto de Constituição, após ampla mobilização popular sobre o tema e atuação
de Mário Covas (PMDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Brandão Monteiro,
que subscreveram a proposta para inclusão das emendas populares no projeto do
Regimento Interno. A proposta de emenda popular deveria ser subscrita por trinta
mil ou mais eleitores brasileiros, sendo que cada eleitor poderia subscrever até
três emendas, em listas organizadas por, no mínimo, três entidades associativas
legalmente constituídas, que deveriam se responsabilizar pela idoneidade das
assinaturas218. Em que pese tais requisitos, em uma primeira leitura, parecerem
dificultar a participação popular. Contudo, de fato, a mediação das associações
permitiu uma maior organização na coleta das assinaturas, facilitando assim a
propositura das emendas219.
A possibilidade de apresentação de sugestões contendo matéria
constitucional igualmente foi mantida no texto da RIANC, no art. 13, §1º220.
Ainda, o Regimento Interno previa a realização de audiências públicas nas
218 O art. 24 da RIANC traz a seguinte previsão: “Fica assegurado, no prazo estabelecido no §1º,
do artigo anterior, a apresentação de proposta de emenda ao Projeto de Constituição, desde que subscrita por 30.000 (trinta mil) ou mais eleitores brasileiros, em listas organizadas por, no mínimo, 3 (três) entidades associativas, legalmente constituídas, que se responsabilizarão pela idoneidade das assinaturas, obedecidas as seguintes condições: I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral; II – a proposta será protocolizada perante a Comissão de Sistematização, que verificará as exigências estabelecidas neste artigo para sua apresentação; III – a Comissão se manifestará sobre o recebimento da proposta, dentro de 48 (quarenta e oito) horas da sua apresentação, cabendo, da decisão denegatória, recurso ao Plenário, se interposto por 56 (cinquenta e seis) Constituintes, no prazo de 3 (três) sessões, contado da comunicação da decisão à Assembleia; IV – a proposta apresentada na forma deste artigo terá a mesma tramitação das demais emendas, integrando sua numeração geral, ressalvado o disposto no inciso V deste artigo; V – se a proposta receber, unanimemente, parecer contrário da Comissão, será considerada prejudicada e irá ao Arquivo, salvo se for subscrita por um Constituinte, caso em que irá a Plenário no rol das emendas de parecer contrário; VI – na Comissão, poderá usar da palavra para discutir a proposta, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, um de seus signatários, para esse fim indicado quando da apresentação do proposta; VII – cada proposta, apresentada nos termos deste artigo, deverá circunscrever-se a um único assunto, independentemente do número de artigos que contenha; VIII – cada eleitor poderá subscrever, no máximo, 3 (três) propostas”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte. Regimento Interno n.º 2, de 1987. Diário da Assembleia Nacional Constituinte. 25 de março de 1987).
219 MICHILES, 1989, p. 85. 220 At. 13, §11 do Regimento Interno: “Às Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores e aos
tribunais, bem como às entidades representativas de segmentos da sociedade fica facultada a apresentação de sugestões contendo matéria constitucional, que serão remetidas pelo Presidente da Assembleia às respectivas Comissões”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, op.cit.)
79
subcomissões temáticas, indicando um número mínimo de reuniões que deveriam
ser destinadas para realização das audiências221, bem como previa o plebiscito nos
artigos 59 e 61, que seriam regulamentados no prazo de 10 (dez) dias contados da
publicação dos avulsos do Projeto de Constituição222.
Enfim, traçada essa breve introdução acerca da instalação, composição e
organização regimental da ANC, certo é que abordar a Constituinte de 1987-1988
nunca é uma tarefa fácil, devido à dimensão desse processo decisório, tanto na sua
temporalidade (quatro fases, além da fase preliminar, ao longo de 20 meses de
deliberações), quanto no seu espaço decisório (34 foros). O esforço em analisar as
discussões entre progressistas e conservadores durante todo o processo
constituinte, abarcando os mais variáveis temas, se mostra um trabalho sem fim.
Assim, se faz necessária a delimitação da análise que se busca promover,
através de embates travados pelos dois blocos políticos acerca de 3 principais
institutos, tratados a seguir: a discussão sobre a soberania popular prevista no art.
1º, parágrafo único da Constituição de 1988; a iniciativa de leis e emendas
parlamentares; e a possibilidade do voto destituinte ou revocatório de mandato.
Antes de iniciar os estudos dos institutos e dos debates na ANC, igualmente
se faz necessário destacar que a análise buscará seguir a cronologia do processo
constituinte, considerando, assim, as fases iniciais dos debates nas subcomissões e
comissões temáticas, para então passar para a Comissão de Sistematização e
elaboração do Projeto de Constituição para votação em plenário. Entretanto, antes
disso, serão destacadas previsões consideradas relevantes sobre anteprojetos que
foram publicados antes da ANC, como a obra elaborada pela “Comissão Afonso
Arinos” e o anteprojeto de Fábio Konder Comparato, datadas de 1986 e que serão
tratadas por serem documentos que influenciaram os debates sobre democracia e
participação popular à época.
221Artigo 14: “As Subcomissões destinarão de 5 (cinco) a 8 (oito) reuniões para audiência de
entidades representativas de segmentos da sociedade, devendo, ainda, durante o prazo destinado aos seus trabalhos, receber as sugestões encaminhar à Mesa ou à Comissão.” (Ibidem)
222O artigo 59, do Regimento Interno assim estabelecia: “Art. 59 Constituem proposições, além do Projeto de Constituição: I – projetos de resolução; II – requerimentos; III – indicações; IV – emendas; V – projetos de decisão. § 1º Os projetos de resolução destinam-se a regular matéria de caráter administrativo, ou de natureza regimental, ou ainda relativa a consulta plebiscitária, nos termos do art. 61 deste Regimento;”. Por sua vez, o art. 61 trazia a seguinte redação: “Art. 61 Projeto de resolução que vise regulamentar e disciplinar a consulta plebiscitária poderá ser apresentado dentro de 10 (dez) dias, contados da publicação dos avulsos do Projeto de Constituição.” (Ibidem)
80
4.2
A soberania popular
O debate acerca da Soberania iniciou-se devido a divergências na
Assembleia Nacional Constituinte sobre o sistema representativo e sua
exclusividade no exercício da Soberania conferida pelo povo e a vertente
progressista, que defendia uma participação popular direta nas decisões políticas e
nos rumos do Estado, através de mecanismos de democracia semidireta. Aqui, se
mostra importante a análise de institutos que seriam instrumentos de exercício da
soberania do povo, ou seja, uma atuação direta do seu titular. Dentre esses
instrumentos, se destacam nos debates a iniciativa popular de leis, o voto
revocatório ou recall e o plebiscito e referendo, inclusive no que tange à consulta
popular após a promulgação da Constituição de 1988, como uma última chance de
participação da sociedade na Constituinte.
O texto constitucional promulgado em 1988 estabelece, no §1º do art. 1º
que: “Todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição” 223. Mas um longo caminho de
disputa na ANC teve que ser percorrido até se chegar ao texto final da
Constituição, sendo que, durante os trabalhos da Constituinte Congressual, havia
certa resistência que defendia o sistema representativo como único meio de
manifestação da Soberania, sendo as decisões políticas tomadas exclusivamente
pelos mandatários do povo.
Medidas de consulta popular ou de participação, como o referendo e
plebiscito, eram admitidas, mas tais institutos se submetem a uma lógica de
hierarquia em relação ao poder constituído, que seria superior ao poder
223 CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988. p. 3.
81
constituinte224, limitando, assim, a participação popular no que tange ao seu
protagonismo. Nesse sentido, apenas compete ao poder constituinte opinar sobre
os assuntos que são submetidos a ele pelo poder constituído, o que parece traduzir
uma lógica invertida, já apontada anteriormente no presente trabalho.
Inicialmente, antes da instalação da ANC, importante destacar a previsão do
anteprojeto elaborado pela “Comissão Afonso Arinos”, publicado no Diário
Oficial de 26 de setembro de 1986, pelo então Presidente Sarney, que nada
dispunha sobre a participação direta do povo nas decisões políticas em seus
artigos inaugurais, estabelecendo apenas o sistema representativo:
Artigo 1º - O Brasil é uma República Federativa, fundada no Estado Democrático de Direito e no governo representativo, para a garantia e a promoção da pessoa, em convivência pacífica com todos os povos. Artigo 2º - Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido.225
Outro importante projeto publicado antes da instalação da ANC, em 1986, e
que foi encomendado pelo PT, tinha como autoria o jurista Fabio Konder
Comparato, cuja obra era intitulada “Muda Brasil! Uma Constituição para o
desenvolvimento democrático” 226. Tal anteprojeto igualmente merece destaque,
uma vez que, em uma primeira leitura, parece inovar ao tratar do tema da
Soberania em seus dispositivos inaugurais, através da participação popular nas
funções públicas, prevendo nos artigos 1º e 2º, o seguinte texto:
Art. 1.º - Todo poder emana do povo e em seu nome e proveito deve ser exercido. A organização de poderes tem por fim assegurar, a todos, condições de vida digna e feliz. Art. 2.º - A soberania popular se exerce pelo sufrágio político e a participação do povo nas funções públicas, com a garantia dos direitos e liberdades fundamentais.227 O anteprojeto se mostra um avanço, apesar da redação dos dispositivos se
mostrar aberta (funções públicas). Isto porque, discorre Comparato, nas
explicações ao anteprojeto, que a Soberania efetiva do povo é tratada na sua obra
em três dimensões: no consentimento popular como condição de legitimidade da
224 Na verdade, o poder constituído pretende-se superior ao poder constituinte, constrangendo-o mediante restrições à participação popular. Entretanto, é preciso ressaltar que a potência constituinte é ilimitada, não possuindo, o poder constituído, meios para opor à sua emergência. 225PEREIRA, 1987, p. 29. 226COMPARATO, 1986. 227Ibidem. p. 77.
82
atribuição e exercício do poder, na participação popular no exercício das funções
públicas e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais228.
Especificamente no que se refere à participação popular nas funções
públicas, Comparato afirma que a participação direta do povo na criação do
Direito se faz necessária, através da iniciativa popular e do referendo. Sobre a
iniciativa popular, o tema será tratado no presente trabalho em momento
oportuno. Entretanto, lendo o anteprojeto na sua integralidade, se mostra
temerário não reconhecer um fortalecimento da participação direta do povo nas
decisões públicas e no rumo da Constituição229.
4.2.1
Comissão I
Instalada a Assembleia Nacional Constituinte, o tema referente à soberania
popular foi alvo de amplos debates na Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher, bem como em suas subcomissões temáticas230,
notadamente nas Subcomissões I-A e I-B. Importante destacar que, segundo o art.
13 da RIANC, cada uma das 8 Comissões era composta por três Subcomissões
temáticas, 63 constituintes titulares e igual número de suplentes, enquanto que a
Comissão de Sistematização era formada por 49 titulares e mesmo número de
suplentes, tendo a sua composição complementada com os relatores e presentes
das comissões e relatores das subcomissões. Nesse sentido, a Soberania e seu
exercício direto pelo povo foi discutida na Subcomissão da Nacionalidade, da
Soberania e das Relações Internacionais e na Subcomissão dos Direitos Políticos,
Direitos Coletivos e Garantias.
A Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
Internacionais, denominada Subcomissão I-A, tinha como presidente Roberto
D’Ávila (PDT), que indicou como relator o constituinte João Herrmann Netto
228Ibid. p. 17. 229 Ibidem. p. 18. 230A Comissão I era composta das seguintes subcomissões: I-A – Subcomissão da Nacionalidade,
da Soberania e das Relações Internacionais, I-B – Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e das Garantias e I-C – Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais.
83
(PMDB)231. O Anteprojeto da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das
Relações Internacionais trazia, nos seus artigos 1º à 4º, a seguinte redação:
Artigo 1º O Brasil é uma República democrática, representativa, constituída pela vontade popular numa Federação indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Artigo 2º A soberania pertence ao povo e dele emanam os poderes do Estado. Artigo 3º O Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes, são poderes do Estado e órgãos da soberania popular. Artigo 4º Os poderes do Estado são exercidos pelo povo através de representantes ou, diretamente, pelos meios previstos nesta Constituição232
O Anteprojeto do relator da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e
das Relações Internacionais de autoria do constituinte, João Herrmann Neto
(PMDB-SP), previa a participação direta do povo, no art. 4º233. Demonstrando,
assim, o exercício da soberania pelo próprio titular através dos meios previstos na
Constituição, sendo que tal redação se assemelha à que veio a ser promulgada,
posteriormente, no texto definitivo da Constituição.
Dito isto, certo é que os artigos inaugurais do anteprojeto foram alvo de
emendas parlamentares. O art. 1º, do anteprojeto, por exemplo, foi objeto de
proposta de emenda aditiva, do constituinte José Genoíno Neto (PT), que buscava
acrescentar ao dispositivo a seguinte redação: “Todo poder é exercido por
delegação e participação popular direta. Sua organização deve ter por fim a
eliminação das desigualdades sociais e assegurar a todos uma vida, livre e feliz” 234. Saliente-se que, em parecer, o relator vota pela rejeição da emenda, por
231ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, Soberania e Relações Internacionais. Ata da Reunião de Instalação (07/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, abril de 1987.
232 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, Soberania e Relações Internacionais. Anteprojeto do Relator. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Vol. 70. 1987. p. 2.
233Merece destaque a justificativa do relator João Herrmann Neto, que afirma: “E embora não podendo antever os resultados a que chegarão outras Subcomissões, que têm a si a tarefa de explicitar direitos e garantias, julgamos que a tendência dominante será no sentido de conceber ao povo soberano alguns mecanismos da chamada democracia direta.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Anteprojeto da Subcomissão. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Vol. 70. pp. 2 e 5.)
234 Interessante destacar a justificativa da emenda 1A0009-2: “A proposta parte do princípio da soberania popular e de que o povo deve se constituir no principal sujeito político nos assuntos públicos. Dentro desta ideia de que todo poder deve ser expressão do povo, define os dois mecanismos básicos para o seu exercício: a delegação democrática e a participação popular direta. E estabelece as finalidades sociais e de realização humana em função das quais o poder
84
entender que o acréscimo versava sobre disposições que já estavam previstos nos
artigos seguintes235. A emenda foi rejeitada, à unanimidade, em votação em bloco,
realizada na Reunião do dia 22 de maio de 1987, sendo computados 12 votos
favoráveis à rejeição dos 12 constituintes presentes236.
A emenda 1A0070-0, do constituinte Vasco Alves (PMDB), igualmente
versava sobre a parte destinada à Soberania, e propunha a alteração do art. 1º do
Anteprojeto, que passaria a ter a seguinte redação: “O Brasil é uma República
Federativa, constituída sob regime democrático representativo e participativo, pela
união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos
Territórios"237. A emenda igualmente foi rejeitada, na votação em bloco.
O art. 2º, por sua vez, foi alvo de emenda modificativa 1A0027-1, de autoria
do deputado Maurício Nasser, do PMDB, que defendia que a redação do
dispositivo deveria ser: “A soberania emana do povo, a ele pertence, e, em seu
nome e interesse exclusivo, é exercido”. Defendia o parlamentar que muitos
mandatários não cumpriam fielmente o seu mandato, se omitindo na defesa dos
interesses do povo, motivo pelo qual a nova redação seria importante para
configurar como mandatário infiel tal representante membro do executivo ou
legislativo238. A emenda também obteve parecer do relator pela sua rejeição.
O constituinte Vasco Alves (PMDB), igualmente trata do art. 2º, ao propor a
emenda aditiva ao §1º do dispositivo no intuito de ampliar a participação popular
no governo: "§ 1º A soberania nacional é expressa pelo poder exercido de forma
suprema e permanente pela sociedade civil. Os demais poderes da República
deve se organizar. Com base nisso, reconhece, em seguida, aos cidadãos o direito de se insurgir contra atos de poder ilegítimo e opressor, consagrando uma prerrogativa universal dos povos, assegurada, por exemplo, na Constituição Norte-Americana.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Emendas ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. Vol. 71).
235 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, Soberania e das Relações Internacionais. Relatório e Anteprojeto do Relator. Brasília: Centro Gráfico do Senado. 1987. Vol. 72. p. 4.
236ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, Soberania e das Relações Internacionais. Atas de Comissões. Ata da 15ª Reunião. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (25/06/87). p. 123.
237 Segundo o relator, tal redação passaria a estimular a ampla participação direta da população em todos os níveis da administração pública. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Emendas ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. Vol. 71)
238 Ibidem.
85
manterão meios que objetivem a intensa participação popular no processo de
gestão do Estado”.
Por outro lado, dentre diversas emendas ao anteprojeto, algumas chamam a
atenção, uma vez que acabam por limitar mais o exercício popular da soberania do
que ampliá-la. Nesse sentido, é a emenda 1A0139-1, de autoria de Cassio Cunha
Lima (PMDB)239, que previa uma nova redação para o art. 2º: “A soberania
pertence ao povo que a exerce através de seus representantes e por meio de
referendum ou plebiscito”. Entretanto, tal redação acabava por limitar a
participação popular ao prever o seu exercício apenas na eleição dos
representantes, ou mediante referendo e plebiscito, elencando assim um rol
aparentemente taxativo.
Outra emenda digna de destaque é a de número 1A0172-2, de autoria do
constituinte Geraldo Bulhões, do PMDB, que alterava a redação do art. 2º, sem
apresentar qualquer justificação:
Toda Soberania emana do povo e em seu nome será exercida, através do poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Parágrafo único: A Soberania Popular será exercida através de Eleições livres, de Consulta Popular, Plebiscito e do Referendo.240
Ainda, o mesmo constituinte apresentou a emenda 1A0170-6, que modificava o
art. 3º, fazendo constar a República do Brasil como um Estado Soberano e
organizado sob o regime democrático representativo241. A emenda do deputado
Maurício Nasser foi rejeitada pelo relator, por motivos de redação, bem como por
entender redundantes as informações inseridas caso fosse modificado o texto242.
Igualmente, a emenda proposta por Vasco Alves é rejeitada pelo relator, por
entender que a redação do artigo original é a melhor e por passar mais ênfase no
espírito democrático que se buscava defender no texto constitucional243. A
emenda de Cássio Cunha Lima, que previa a manifestação da soberania através de
239 Ibidem. 240ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Emendas ao Anteprojeto do Relator da
Subcomissão. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. Vol. 71. 241 Ibidem. 242 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, Soberania e das Relações Internacionais. Parecer do Relator sobre as emendas apresentadas ao anteprojeto. Brasília: Centro Gráfico do Senado. 1987. Volume 72. p. 7.
243 Ibidem. p. 11.
86
referendo e plebiscito igualmente foi rejeitada244, entendendo o relator que o
tratamento desses mecanismos não seria de competência da subcomissão I-A.
Quanto à emenda 1A0172-2 de autoria de Geraldo Bulhões, tratada no parecer do
Relator como Emenda nº 172, foi rejeitada, por prever apenas a soberania através
do sistema representativo, quando se defende na Constituinte a participação direta
do povo245.
Assim, o anteprojeto da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das
Relações Internacionais seguiu para a sua respectiva comissão com poucas
alterações e consagrando a participação do povo no exercício da soberania,
através dos seus representantes ou diretamente, através dos meios previstos na
Constituição.
A Subcomissão I-B, por sua vez, possuía o constituinte Maurílio Ferreira
Lima (PMDB) como presidente eleito e Lysâneas Maciel (PDT) como relator246.
A previsão do anteprojeto de relatoria de Lysâneas Maciel247, na Subcomissão dos
Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias foi encampado pelo
anteprojeto da Comissão, do constituinte José Paulo Bisol (PMDB), adotando a
mesma redação e as formas de exercício da Soberania direta pelo povo.
Entretanto, o Anteprojeto do relator Lysâneas Maciel na Subcomissão não deixou
de ser alvo de discussão e diversas emendas parlamentares no que tange ao tema
Soberania. Nesse sentido, o constituinte João Menezes, do PFL, apresentou
emenda supressiva 1B0059-3, buscando retirar do texto do Anteprojeto todo o art.
1º e seus parágrafos do Capítulo “Da Soberania”, que tratava ser o Brasil uma
República Soberana e empenhada no acesso aos valores fundamentais da vida
humana e na integração igualitária de todos. Segundo o autor da emenda, tal
244 Ibid. p. 19. 245Ibid. p. 24. 246ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do
Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Atas de Comissões.Ata da Reunião de Instalação (07/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
247 O Anteprojeto da Subcomissão trazia a mesma previsão do Anteprojeto da Comissão. O art 2º, do Capítulo “Da Soberania”, assim destacava: “A soberania do Brasil pertence ao povo e só por uma das formas de manifestação da sua vontade, previstas nesta Constituição, é lícito assumir, organizar e exercer o poder”. O artigo subsequente elencava um rol das hipóteses de manifestação da Soberania Popular. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 77. Brasília. Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. p. 5)
87
dispositivo era confuso e não tratava o tema com clareza, bem como exorbitava a
competência regimental da Subcomissão.
Independentemente da apresentação da referida emenda, é certo afirmar que
essa não impugnou o exercício da Soberania diretamente pelo povo, previsto no
art. 2º e 3º do mesmo capítulo. A emenda supressiva foi rejeitada, tendo a redação
do art. 1º permanecido no anteprojeto da comissão.
O debate sobre a “Soberania” restou bem ilustrado, igualmente, nas atas de
comissões, na 14ª Reunião realizada em 19 de maio de 1987, pela Subcomissão.
Após apresentação do relatório e anteprojeto com redação alterada pelo relator, o
constituinte João Menezes (PFL), autor da emenda supressiva, demonstra
entender que tamanha participação popular prevista no anteprojeto seria uma
utopia, que seria impossível. E afirma:
O relatório é de inspiração quase que pessoal e a participação dos membros que compõem a Subcomissão foi ínfima, uma vez que não tiveram oportunidade de debater a matéria. Não fossem a consideração que tenho pelo Relator e as oportunidades que surgirão para se corrigir o que consta no parecer, não teria lido todas as suas considerações, não tanto pelo seu fundo ideológico, mas pela confusão com que as medidas propostas, sem ordenamento prático e razoável, procuram alterar os princípios constitucionais. Tenta o Relator dar ênfase às palavras trabalhador, povo e soberania, emitindo formas e meios mágicos para dar uma participação impossível a população, quebrando toda a sistemática que possa manter a ordem, a disciplina, a hierarquia e principalmente os direitos e deveres de todos os cidadãos brasileiros. São estas as razões que nos levam, como disse anteriormente, a ser contra o relatório, como farei na oportunidade.248
O relator Lysâneas Maciel defende o anteprojeto, sustentando o necessário
resgate do povo como participante do processo político:
Inclusive a nossa atividade parlamentar também é uma decorrência do poder que o povo nos outorgou. Isso significa – e quero que os Srs. Constituintes estejam bastante cientes deste fato – propondo uma alteração profunda na maneira de fazer leis, na maneira até de fazer política neste País. Estamos tentando dizer que as primeiras Constituições, feitas por marqueses ou homens notáveis nunca puderam resolver as contradições da sociedade brasileira e, ao contrário, as acentuaram. No entender deste Relator, é o momento oportuno para haver uma inversão e se colocar o povo – o grande ausente – dentro do processo político. Diria que isso representa um princípio totalmente novo em matéria de fazer Constituição, porque, na verdade, o povo brasileiro é considerado de segunda categoria.249
248 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do
Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Atas de Comissões. 14ª Reunião Ordinária. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (09/07/87). Julho de 1987. p. 82.
249 Ibidem. p. 82.
88
Essa não foi a única manifestação contrária à participação popular por parte
de João Menezes250, sendo que em 23 de maio de 1987, na 16ª Reunião
Extraordinária, o constituinte se posiciona desfavorável ao referendo sobre
emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso, o voto destituínte e a
iniciativa popular de emenda à Constituição, afirmando ser tais medidas um
retrocesso. Ainda, insiste o parlamentar:
Por sua vez, o Relator faz uma verdadeira revolução no seu parecer e no relatório quanto à participação do povo. Queremos essa participação. Não somos contra ela, mas os deputados são eleitos, se, no exercício do mandato, cometerem atos passíveis de julgamento, há uma lei para que eles sejam punidos. Não podem ficar sujeitos a, por qualquer coisa, sofrer na sua moral e na sua dignidade.251
Outras tentativas de supressão do artigo 1º podem ser destacadas, como por
exemplo, a manifestação anterior, na 14ª Reunião, do constituinte Humberto
Lucena, que sustenta que tal dispositivo deveria ser apresentado na Comissão de
Organização do Estado, pois seria naquela comissão que o art. 1º da Constituição
seria tratado e escrito, sendo que o dispositivo se refere à base política do país252.
O relator rejeita as alegações de Humberto Lucena contra o anteprojeto, uma vez
que a Soberania, como pertencente ao povo, seria de relevância para os direitos
políticos, que é objeto da subcomissão253, mantendo assim a pertinência temática
daquele foro de discussão.
Assim, na subcomissão I-B, dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e
Garantias, os constituintes Humberto Lucena e João Menezes surgem como os
principais opositores ao art. 1º do Capítulo “Da Soberania”. Seus fundamentos,
até os mais simples, como a pertinência temática da subcomissão, colocavam em
risco suprimir o referido dispositivo e não permitir que o mesmo fosse debatido na
250 Contra a manifestação de João Menezes, importante destacar as palavras, na mesma reunião, do
Constituinte João Paulo: “O povo brasileiro, até hoje, e principalmente nesses últimos vinte anos, foi excluído da participação em todos os níveis de decisão do nosso País. O que o relatório enseja é, daqui para a frente, se aprovado por esta Subcomissão, uma convivência democrática efetiva. Através desses dispositivos o povo pode cuidar dos seus interesses vitais e fundamentais. Portanto, não posso aceitar que uma alegação dessa venha a destruir o trabalho e inviabilizar tudo o que foi feito nesta Subcomissão, e talvez impedir que saia daqui um relatório que possa ser discutido na Comissão e, evidentemente, chegar até a Comissão de Sistematização. (Ibidem, p. 103-104).
251 Ibidem. p. 103-104. 252 Ibidem, p. 83. 253 “Então, essas questões da soberania e da nacionalidade permita-me discordar de V. Ex.ª,
Deputado Constituinte Paulo Almada – são direitos políticos do cidadão brasileiro, assunto especifico de nossa alçada, especialmente se dissermos que a soberania do Brasil pertence ao povo e só por uma das formas de manifestação de sua vontade, previstas nesta Constituição, é lícito assumir, organizar e exercer o poder.”. (Ibidem, p. 86).
89
Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, bem
como na Comissão de Sistematização254. Por 10 votos favoráveis ao art. 1º e 3
desfavoráveis, o destaque supressivo foi rejeitado na 16ª Reunião Extraordinária.
Apresentadas as emendas aos anteprojetos das subcomissões, o relator
apresentou substitutivo mantendo todas as previsões acerca da participação
popular, ainda que de forma genérica. O constituinte João Paulo Bisol, trazia, no
Título II, capítulo II, o tema acerca da “Soberania do Povo”, estabelecendo que
somente pelas formas de manifestação do povo, previstas na constituição, seria
possível exercer a soberania e organizar os poderes do Estado. Nesse sentido:
Art. 13 - A soberania do Brasil pertence ao povo e só pelas formas de manifestação da vontade dele, previstas nesta Constituição, é licito assumir, organizar e exercer os Poderes do Estado.255
Ainda estabelecia o referido anteprojeto que o povo exercia a Soberania
através dos seguintes instrumentos: consulta plebiscitária na elaboração da
Constituição e de suas emendas; pelo sufrágio universal, secreto e igual no
provimento dos cargos e funções do Executivo e Legislativo pela iniciativa na
elaboração da Constituição e suas leis; pela participação da sociedade organizada
na designação dos candidatos a membros da Defensoria do Povo e do Tribunal de
Garantias dos Direitos Constitucionais; pela obrigatoriedade do concurso público
para preenchimentos de cargos nas funções de jurisdição e administração e pela
livre ação corregedora256 sobre as funções públicas e sociais relevantes257.
254 Aqui, cumpre destacar que Humberto Lucena, diante da emenda supressiva na Subcomissão
dos Direitos Políticos, Direitos Coletivos e Garantias, apresenta outra emenda aditiva acrescentando parágrafos ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão II-A, que trata da União, Distrito Federal e Territórios, na Comissão da Organização do Estado. Entretanto, A Emenda 2A0161-1 transcrevia os parágrafos que se buscava suprimir no Anteprojeto de Lysâneas Maciel. Entretanto, a emenda foi rejeitada na Subcomissão II-A, o que permite refletir sobre o risco de se suprimir tais disposições do Anteprojeto de Lysâneas Maciel, relator da Subcomissão I-B, já que, pela Comissão de Organização do Estado, o tema não chegaria a Comissão de Sistematização. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Emendas ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Brasília: Centro Gráfico de Senado Federal. Vol. 88).
255ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Anteprojeto da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. Vol. 69.p. 19.
256O anteprojeto de relatoria de José Paulo Bisol previa, ainda, a Corregedoria Social dos Poderes, que permitia que sindicatos e associações requisitassem informações claras, atuais e precisas do Estado sobre documentos sobre programas do governo, bem como informações sobre despesas e custeios dos fundos públicos, de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, bem como empresas que exercem atividades de relevância pública. Ainda, tal requerimento não poderia ser indeferido com base em sigilo, salvo se digam respeito a questões diplomáticas ou militares com outros Estados, e nas questões econômicas e financeiras. Por fim, estabelecia o dispositivo que
90
Importante destacar que o referido anteprojeto, ainda, trazia no capítulo
relativo aos “Direitos Coletivos” a previsão acerca da participação direta, no art.
4º, inciso VII, dispondo acerca da possibilidade de participação de movimentos
sociais na administração pública no âmbito da Federação, estado, município,
distrito e bairro, visando à defesa dos interesses da população e a
desburocratização e melhoria da prestação dos serviços públicos. O dispositivo
remetia à reserva de lei a regulamentação para participação de membros da
comunidade no planejamento das ações do governo, nas informações sobre gastos
e despesas públicas do governo e de entidades controladas pelo poder público,
bem como na fiscalização de serviços públicos, sejam eles prestados diretamente
pela Administração, ou indiretamente, através de concessões e permissões. Tal
disposição buscava ampliar a participação popular, através de representantes da
comunidade que fiscalizariam as decisões públicas, como também através da
ampla divulgação de informações relevantes, conferindo maior transparência
sobre os negócios públicos.
A discussão acerca da Soberania, na Comissão I, durante os trabalhos
realizados entre os meses de maio e junho de 1987 se pauta na discussão acerca de
mecanismos previstos para o exercício da soberania popular, como a tentativa de
supressão do voto destituinte e o debate sobre a iniciativa popular legislativa.
Na Comissão I, é importante a menção a alguns destaques. A emenda
1S0288-3, de José de Morais Mendonça (PMDB)258, buscava suprimir a redação
do art. 4º, VII, “c” e art. 15, V, do Substitutivo do Relator, que estabelecia a
possibilidade de escolha popular de servidores e agentes do poder público que
viessem a exercer cargo de direção em setores relacionados a vida cotidiana da
comunidade, sendo que tal emenda é referendada por Narciso Mendes, que
entende que tal previsão estaria acabando com os cargos de prefeito, governador e
presidente da república259. Mesmo após as emendas que buscavam suprimir o voto
não haveria oponibilidade do sigilo em relação a documentos que dizem respeito a fatos econômicos, políticos, sociais, históricos e científicos, passados vinte anos de sua produção. (Ibidem. p. 15).
257Art. 15, do anteprojeto. (Ibidem.p. 19). 258ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Volume 67. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987. pp. 64-65.
259ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Atas de Comissão. 10ª Reunião (08/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (26/06/87).
91
destituinte260 e criticavam a participação popular, os mecanismos de democracia
semidireta são mantidos nos exatos moldes do documento anterior.
Assim, o anteprojeto da comissão é enviado para a Comissão de
Sistematização, em 15 de junho de 1987, garantindo a todos o direito de
participação popular no exercício da Soberania.
4.2.2
Comissão II
O tema acerca da soberania popular foi alvo de debates na Comissão da
Organização do Estado261, sendo relevantes alguns destaques.
A questão foi objeto de discussões na Subcomissão da União, Distrito
Federal e Territórios, que era presidida por Jofran Frejat (PFL) que indicou como
relator Sigmaringa Seixas (PMDB). O anteprojeto de Constituição da referida
subcomissão, previa, em seu art. A, do Capítulo I, referente às Disposições
Preliminares, que “A República Federativa do Brasil é constituída, sob regime
representativo de governo, de forma indissolúvel, da União Federal, dos Estados e
do Distrito Federal” 262. Segundo o relator Sigmaringa Seixas, a abertura do texto
constitucional deveria evidenciar princípios fundamentais do Estado Brasileiro,
como a Soberania Nacional e a legitimidade do seu exercício. Assim, para o
referido constituinte, o anteprojeto previa a fórmula clássica, que “assentava no
povo, o único e verdadeiro detentor dessa soberania, e exercido em seu nome e
por sua exclusiva representação”263. No relatório ao Anteprojeto, destaca o
constituinte Sigmaringa Seixas:
260Emenda 1S0460-6, de autoria de Antônio Mariz. ASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Volume 67. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987. pp. 106-107
261A Comissão II era formada pelas seguintes subcomissões temáticas: II-A) Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios, II-B) Subcomissão dos Estados e II-C) Subcomissão dos Municípios e Regiões.
262Ainda, o §1º do referido artigo dispunha que “Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Vol. 87. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987.p. 27).
263Idem. p. 27.
92
O § 1º consagra, segundo a fórmula clássica, a soberania nacional e a legitimidade do exercício do poder, assentada no povo, único e verdadeiro detentor dessa soberania, e exercido em seu nome e por sua exclusiva representação. O Relator entende que o novo texto constitucional deve principiar por um Capítulo que contenha os princípios fundamentais do Estado brasileiro, como o apresenta o Anteprojeto da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais. Entre os referidos princípios figura o da soberania nacional e o da legitimidade do exercício do poder, ambos os princípios inseridos na fórmula aqui prevista. Tudo indica que a futura Constituição adotará um esquema à semelhança do adotado no referido Anteprojeto, como se verifica da divisão das Comissões e Subcomissões temáticas previstas no artigo 15, ·do Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte.264
Algumas emendas ao anteprojeto merecem destaque, como a Emenda
2A0055-0, de Vasco Alves, que propunha alteração ao §1º do art. A: “O poder
popular é a expressão da soberania nacional e será exercido permanentemente por
todas as formas de organização do povo.” 265 Ainda, outra emenda aditiva
(2A0161-1) relevante é a de Humberto Lucena, que acrescentava os parágrafos do
art. 1º do anteprojeto da Subcomissão I-B, que foi alvo de emenda supressiva de
sua autoria naquela subcomissão, ao anteprojeto da Subcomissão II-A, trazendo,
assim, novamente o tema para aquele foro de discussão.
Ambas as emendas são rejeitadas. Quanto à Emenda 2A0055-0, destaca o
relator que a proposta trata de mero acréscimo de palavras e a redação atual do
dispositivo já se encontra devidamente aperfeiçoada266. Já a emenda de Humberto
Lucena, é rejeitada, por entender o relator que a matéria seria pertinente à
Subcomissão de Soberania267.
Assim, a redação do Anteprojeto da Subcomissão da União, Distrito Federal
e Territórios apresenta a seguinte redação final, que prestigia o sistema
representativo e nada dispunha sobre a participação direta:
Art. 1º. - A República Federativa do Brasil é constituída, sob regime representativo de governo, de forma indissolúvel, da União, dos Estados e do Distrito Federal. § 1º. – Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.268
264Idem. p. 3. 265ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Emendas ao Anteprojeto do Relator. Brasília: Centro Gráfico de Senado Federal. Vol. 88
266ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Relatório e Anteprojeto do Relator. Vol. 89. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 34.
267Ibidem. p. 33. 268ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 90. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 2.
93
Nas demais subcomissões o tema não é tratado com maior profundidade e
não é objeto de anteprojeto269.
Na Comissão da Organização do Estado, presidida por José Thomas Nonô
(PFL) e relatada por José Richa (PMDB), algumas emendas acerca da Soberania
são propostas, como a de autoria de Luiz Alberto Rodrigues, do PMDB, que
alterava a redação do parágrafo único do Art. 1º, fazendo constar: “Todo poder
emana do povo e com ele, por delegação sua e em seu benefício, deve ser
exercido, nos termos desta Constituição” 270.Alegava o autor da emenda que tal
previsão se mostrava necessária diante de desvios de governantes, que justificam
seus atos alegando o respaldo constitucional das suas decisões como
representantes do povo. Entretanto, a referida proposta foi rejeitada pelo relator.
Outra emenda, de autoria do constituinte Chagas Rodrigues, é a de número
2S0118-0, que modificava a redação do parágrafo único do Art. 1º: “Todo o poder
emana do povo que o exerce por meio de seus representantes ou por meio de
plebiscito ou referendo” 271. A referida emenda foi rejeitada, mas antes, gerou
discussão na 10ª Reunião da Comissão, no dia 12 de junho de 1987, tendo se
manifestado Chagas Rodrigues, que defendia o parágrafo que deveria prever que
“Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido” ao invés de “Todo poder
emana do povo e com ele é exercido”:
Tal como está poderia se concluir que estivéssemos aqui dividindo o poder do povo com outro poder. A nossa tradição aceita o seguinte princípio: "Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido". "Assim está nas nossas Constituições e assim está no Anteprojeto da Comissão Arinos. Esta redação, data venia, pareceu-me imprópria. Acho que deveríamos, ou manter a atual redação, ou então nos inspirar na Constituição francesa. A Constituição francesa, no seu art. 3º, onde me inspirei para oferecer esta emenda, diz, no seu caput: ‘A soberania nacional pertence ao povo, que a exerce através de seus representantes e através de referenduns’. Dizer soberania nacional ou "todo poder emana do povo", em última análise, é a mesma
269Contudo, se mostra importante destacar manifestação do constituinte e relator do anteprojeto da
Subcomissão dos Estados, Siqueira Campos, na 15ª Reunião realizada em 23 de maio de 1987: “Temos certeza de que o nosso esforço será gratificado, quando alguns dos artigos elaborados por esta Subcomissão aparecerem, tácita ou expressamente, no texto constitucional, ansiosamente esperado pela Nação como um verdadeiro evangelho institucional que traduz os mandamentos da soberania popular e as aspirações da democracia representativa.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Organização do Estado. Subcomissão dos Estados. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (25/06/87), p. 157).
270ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Volume 84. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. junho de 1987. p. 97.
271 Ibidem. p. 53.
94
coisa. A soberania nacional é um poder que emana do povo, que pertence ao povo, e se exerce, ou através dos representantes, ou de referenduns.272 A resposta vem através de manifestação de Del Bosco Amaral, em defesa do
relator do Anteprojeto, ao afirmar que:
Não tenho dúvida, entre o choque de dois Constituintes talentosos, gostaria de colocar que o parágrafo completa o artigo. O artigo diz: ‘O Brasil é uma República Federativa instituída pela vontade do povo, como Estado democrático de direito’. O Relator José Richa foi perfeito, abrangeu totalmente, deu ao povo todo o poder. O erro que vínhamos cometendo era o de dizer: ‘Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido’. Só depois esquecíamos do povo e não exercíamos este poder em nome dele. Desta forma esta redação realmente me comove. Ela, para mim, é como uma penitência. Trabalhei contra algumas manifestações do Relator neste projeto, mas ela é magnífica, nacional, pertinente, e dá uma força vigorosa ao povo brasileiro.273
Assim, após votação, a proposta de emenda foi rejeitada por 19 votos
favoráveis e 32 contra, mantendo-se a redação do substitutivo do relator da
comissão. A redação do anteprojeto da Comissão da Organização do Estado foi
encaminhada à Comissão de Sistematização com a seguinte redação final:
Art. 1º. - A República Federativa do Brasil instituída pela vontade do povo como um Estado democrático de Direito. Parágrafo único – Todo o poder emana do povo e com ele é exercido, nos termos desta Constituição.
4.2.3
Comissão III
Por sua vez, a Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo
era subdividida nas seguintes subcomissões: III-A) Subcomissão do Poder
Legislativo, III-B) Subcomissão do Poder Executivo e III-C) Subcomissão do
272ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Atas de
Comissões. Ata da 10ª Reunião (12/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/07/87). p.14.
273ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Atas de Comissões. Ata da 10ª Reunião (12/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/07/87) Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p.14.
95
Poder Judiciário e do Ministério Público. Aqui, os debates surgem, não nos
anteprojetos, mas nas reuniões das subcomissões e comissão.
Na Subcomissão III-A, presidida por Bocayuva Cunha (PDT) que indicou
como relator José Jorge (PFL), a reflexão sobre a soberania popular se mostra
presente em audiência pública realizada na 06ª Reunião Extraordinária da
Subcomissão, tendo participado o diretor técnico de assessoria parlamentar, Dr.
Ulisses Reidel de Resende, que defendeu uma democracia participativa e apontou
a fragilidade das constituições anteriores, nas quais o povo permanecia esquecido
pelos seus representantes:
Na nossa avaliação, embora o Poder Legislativo deva ser valorizado, embora tenhamos que dar força a esse Poder que está mais diretamente ligado ao povo, é fundamental, para que haja uma verdadeira democracia, que seja valorizada a democracia direta e não é representativo. É fundamental que as grandes questões nacionais sejam decididas de forma plebiscitária, mesmo porque, quando o cidadão, quando um trabalhador escolhe um representante, ele o faz genericamente dentro de uma linha partidária, dentro de um posicionamento mais ou menos global daquele parlamentar, mas raramente o posicionamento daquele Parlamentar corresponde ao do seu eleitor. Sei que, à primeira vista, isso pode parecer algo mais ou menos inviável, mas eu gostaria de lembrar que estamos num mundo novo, num mundo que Alvin Toffler vem caracterizando no seu livro, ‘A Terceira Onda’, como aquele em que devemos ter grandes transformações, mercê da informática e das comunicações. [...] Com todo o respeito a V. Exas. , estamos absolutamente convencidos de que a democracia representativa reproduz sempre um desvio da vontade coletiva da Nação. Esta não é fielmente representada, apresentada e apurada através da democracia representativa. A vontade da Nação só pode ser fielmente apurada através da consulta direta a ela, através da própria manifestação do cidadão. Por isso, este é um ponto que entendemos deva ser fixado na nossa Constituição, para que ela possa realmente ser democrática, com a valorização da democracia direta e com a fixação de que as grandes questões nacionais sempre serão decididas através do processo de consulta popular, onde todos os cidadãos terão oportunidade de se manifestar a respeito.274
O Presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores
(CONAM), João Bosco da Silva, na mesma ocasião, afirma que não basta para o
povo o exercício do direito de voto. O povo quer interferir diretamente nas
decisões do Poder Executivo e Legislativo275.
274ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e do
Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Atas de Comissão. Ata da 6ª Reunião Extraordinária (05/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (21/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal
275“Não basta ao cidadão brasileiro apenas o exercício do direito ao voto na escolha de seus representantes. Ainda mais num sistema de governo como o imperante, onde a maior parcela de poder encontra-se em mão do Executivo. O povo quer sim, interferir mais diretamente nas decisões do Poder Executivo. Bem como, é claro, nas do Legislativo. Quando o povo foi às ruas
96
Na Subcomissão III-B276, que trata do Poder Executivo, a participação do
povo na democracia e no exercício da Soberania é tratada de forma mais efusiva
pelo então Ministro Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Marco
Maciel, na 3ª Reunião Ordinária e Audiência Pública do dia 21 de abril de 1987.
Segundo o ministro, o regime democrático se assentaria em pilares, sendo um
deles a participação do povo, não somente na formulação, mas na execução da
política governamental, nos diferentes entes federativos, através de mecanismos
participativos. Ainda, igualmente interessante é a defesa, pelo ministro, do direito
ao dissenso, como garantia fundamental para o regime verdadeiramente
democrático277.
Na Comissão da Organização dos Poderes, o tema acerca da soberania
popular é pouco debatido, sendo mencionada, em menor medida, a defesa da
participação popular, quando da discussão acerca do regime parlamentarista e
presidencialista, que era questão que gerava polêmica à época. Por exemplo,
Márcio Thomaz Bastos, então presidente do Conselho da Ordem dos Advogados
do Brasil, em audiência pública no dia 29 de abril de 1987, defendia o
parlamentarismo e criticava o presidencialismo por propiciar uma menor
aos milhões para pôr um basta ao regime militar, o fez na expectativa do advento de profundas mudanças na realidade política, econômica e social do País.
[...] O Estado brasileiro tem sido instrumento jurídico e político nas mãos das classes dominantes e do imperialismo, voltado contra os interesses do povo e da Nação. Em nosso País nunca o poder emanou do povo como falsamente proclamam as diversas Constituições do período republicano.”(Ibidem).
276A Subcomissão III-B tinha como Presidente o constituinte Alberico Filho (PMDB) e como relator, José Fogaça (PMDB).
277 Destaca-se a manifestação de Marco Maciel: “Se V. Ex.ª compulsar o texto que estou deixando à consideração dos Constituintes, ainda que sem revisão final, poderá verificar que, em sucessivas partes, faço não somente uma apologia do regime democrático, como também sugiro mecanismos que assegurem, cada vez mais, maior participação popular nas grandes decisões nacionais. Tenho presente que uma verdadeira democracia passa pela participação, que é a palavra-chave para uma correta definição desse regime. E se fosse definir um regime verdadeiramente democrático diria que ele teria de se apoiar sobre quatro pressupostos decisivos, para mim. O primeiro seria a rotatividade do poder; o segundo seria a eleição através de um círculo amplo dos seus titulares; o terceiro, o controle do poder pela sociedade, através dos mecanismos de que dispõe a sociedade e dos mecanismos parlamentares; o quarto obviamente, é a participação não somente na formulação, mas na execução da política governamental nos diferentes entes federativos. E, por fim, não menos importante, o direito ao dissenso, aquilo que –, modernamente –, chamamos de direito à solidão,. ou seja, o direito à divergência, a possibilidade de assegurar-se à minoria o direito de participar ou de divergir e. muito mais do que isto, converter-se, quando foi o caso, em maioria.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Executivo. Atas de Comissões. Ata da 3ª Reunião Ordinária e Audiência Pública (21/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte(18/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
97
participação, já que o povo só era lembrado nas eleições, e, após as campanhas
eleitorais, era esquecido278.
4.2.4
Comissão IV
A Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições,
era formada pelas seguintes subcomissões: IV-A) Subcomissão do Sistema
Eleitoral e Partidos Políticos, IV-B) Subcomissão de Defesa do Estado, da
Sociedade e de sua Segurança, e IV-C) Subcomissão de Garantia da Constituição,
Reforma e Emendas.
O tema acerca da participação popular nas decisões políticas não foi tão
debatido na referida comissão, sendo objeto apenas de algumas manifestações,
como no caso da Subcomissão IV-C, que destacavam a democracia participativa
através de mecanismos como o referendo e plebiscito e a iniciativa de emendas à
Constituição, institutos que serão tratados mais adiante no presente trabalho.
4.3
Comissão de Sistematização
A Comissão de Sistematização tinha como presidente eleito Afonso Arinos
(PFL), que designa como relator o constituinte Bernardo Cabral (PMDB), na
reunião de instalação do dia 09 de abril de 1987. Segundo Adriano Pilatti, a
278ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Executivo. Atas de Comissões. Ata da 1ª Reunião de Audiência Pública (09/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (20/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
98
Comissão de Sistematização não seria efetivamente um foro de discussão e
negociação, pois as decisões importantes foram articuladas nos bastidores.
O anteprojeto do Relator Bernardo Cabral, de 26 de junho de 1987,
conhecido pela opinião pública como “Frankenstein”, pela sua extensão e
diversidade temática, trazia a previsão de que “Todo poder emana do povo e com
ele é exercido, nos termos desta Constituição”. Ainda, no capítulo intitulado “Da
Soberania Popular”, o anteprojeto elencava as formas de participação popular,
conforme sugerido por Lysâneas Maciel na Subcomissão I-B, dos Direitos
Políticos, Direitos Coletivos e Garantias. Por fim, trazia todas as previsões de
referendo no processo legislativo, conforme debatido e constante no Anteprojeto
da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo.
Na Comissão de Sistematização, o anteprojeto do relator, no que tange à
Soberania, igualmente foi objeto de debates e emendas, devendo ser destacadas
algumas dessas propostas.
A Emenda CS00533-3, de Aluísio Campos (PMDB), por exemplo, buscava
a alteração do art. 1º e 2º do anteprojeto, sendo a modificação mais emblemática a
prevista no parágrafo único do art. 1º, que passaria a vigorar com a seguinte
redação: “Todo poder emana do povo e com ele é exercício, manifestando-se a
soberania popular através do voto livre, direto e secreto.” 279
O art. 6º do anteprojeto280, que previa a submissão do Estado à vontade do
povo e elencava várias diretrizes, igualmente foi alvo de emenda supressiva, de
autoria de Inocêncio Oliveira (Emenda CS00902-9)281. Ainda, o mesmo
parlamentar propôs a supressão do Art. 3º, que dispunha que: “O Estado é o
instrumento e a mediação da soberania do povo”282.
Outra emenda, de caráter modificativo, que merece destaque, é a de número
CS02477-0, que alterava o Art. 1º, parágrafo único, e que passaria a trazer a
seguinte redação: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Tal
279ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Emendas
Oferecidas ao Anteprojeto de Constituição – Vol. I (Emendas 1 a 2.731). Vol. 221. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Julho de 1987. p. 141.
280O mesmo artigo foi objeto de emenda supressiva CS 02466-4, de autoria do Deputado Ivo Vanderlinde, do PMDB. (Ibidem. p. 586).
281 Ibid. p. 223. 282 Emenda Supressiva CS00900-2. (Ibid. p. 222).
99
previsão, segundo o parlamentar, se justificava uma vez que a expressão “com ele
(o povo) é exercido” limita e até impede a representatividade283.
O capítulo destinado à soberania popular igualmente foi objeto de emenda
supressiva, particularmente nos artigos 24 a 27, sendo que o art. 26 trazia rol de
instrumentos de participação popular. Nesse sentido, é a Emenda CS01443-0, de
autoria de José Santana de Vasconcellos, que abria sua justificativa com as
seguintes declarações: “O Estado, uma vez instituído, é a única expressão de
soberania Popular. O conceito de Estado monopoliza a soberania. Soberania é a
qualidade que cerca o poder”.284
Enfim, não foram poucas as tentativas de se limitar o tema acerca da
soberania popular no texto constitucional.
O anteprojeto de Bernardo Cabral recebeu propostas de 5624 emendas. O
relator, então, apresentou parecer, em 09 de julho de 1987, simplesmente
ignorando as emendas de mérito apresentadas, alegando dificuldades regimentais
e negando, inclusive, a autoria do documento. Adriano Pilatti destaca que, a partir
da divulgação do parecer, se perceberia ali o surgimento do centrão285.
Em 26 de agosto do mesmo ano, é apresentado o primeiro substitutivo do
relator, contendo 474 artigos. O texto, conhecido como Cabral 1, previa no Art.
1º, parágrafo único a seguinte redação: “todo poder emana do povo e com ele é
exercido”, sendo, portanto, suprimida a expressão “nos termos desta
Constituição”. Nesse ínterim, mostrava-se claro que a maioria dos constituintes
restava excluída do processo decisório, uma vez que as decisões mais importantes
estavam sendo tomadas no interior dos gabinetes, principalmente no da
presidência. Como o quórum para aprovação de emendas supressivas,
modificativas e aditivas exigia a maioria absoluta dos membros – o que
dificultava as alterações do projeto – os bastidores ganhavam protagonismo nas
negociações e tomadas de decisões.
Em 18 de setembro de 1987, o relator apresentou o 2º substitutivo, que ficou
conhecido como Cabral 2, que contava com 336 artigos e estabelecia no parágrafo
único do art. 1º que “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”,
283 Ibid. p.588. 284 Ibid. p. 347. 285 Destaca Adriano Pilatti que: “Sua divulgação foi precedida pelas primeiras notícias sobre a
mobilização da bancada conservadora do PMDB, autodenominada Centro Democrático e embrião do que seria o futuro centrão, com vistas à alteração do RIANC, para permitir a apresentação de um novo texto.” (PILATTI, 2008, pp. 152-153).
100
apresentando assim, uma sutil mudança redacional, mas que traz significativa
diferença, já que se mostra distinto o exercício da soberania em nome do povo
(representação) e o exercício da soberania com o povo (democracia participativa).
Ao final dos trabalhos da comissão de sistematização, foi encaminhado ao
plenário o Projeto de Constituição “A”, que estabelecia, primeiramente, no
preâmbulo da Constituição, que “A soberania reside no povo, que é a fonte de
todo o poder; os poderes inerentes à soberania são exercidos por representantes
eleitos, ou diretamente pelo povo”286. O parágrafo único, do art. 1º, estabelecia
que “Todo o poder pertence ao povo, que o exerce diretamente, nos casos
previstos nesta constituição, ou por intermédio de representantes eleitos” 287.
A supressão do artigo 6º e do capítulo V destinado à soberania popular, do
anteprojeto do relator Bernardo Cabral, apelidado de Frankenstein, fez com que
chegasse ao plenário tão-somente o Art. 1º e seu parágrafo único. Algumas
hipóteses de consulta popular, através de referendo e plebiscito determinado pelo
Congresso Nacional288 ou referendo pelo Presidente em caso de consulta para
anulação de emendas constitucionais289 ainda permaneciam no texto. Alguns
institutos de participação democrática semidireta, na redação para o segundo turno
de votação, passaram a ser previstos dentro do Capítulo dos Direitos Políticos, no
art. 14 (plebiscito, referendo, iniciativa popular e veto popular), em número
inferior ao que era previsto no art. 26 do anteprojeto do Relator da Comissão de
Sistematização, o que demonstra um arrefecimento da soberania popular.
Ao final, o texto constitucional foi promulgado com a previsão da Soberania
direta pelo povo, constante do parágrafo único, do Art. 1º, bem como pelos
institutos do art. 14.
Conforme afirma Adrian Sgarbi, o constituinte, através do Art. 1º, parágrafo
único da Constituição, firmou a base da co-titularidade do exercício do poder
político, o que pode ser considerado, inegavelmente um avanço, diante da história
constitucional brasileira. “Mas a intervenção popular, ainda que de co-titularidade,
286 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Projeto de
Constituição (A). Vol. 251. Brasília. Centro Gráfico do Senado Federal. Novembro de 1987. p. 3.
287 Ibidem. p. 3. 288 Art. 59, inciso X. (Ibid. p. 46). Saliente-se que igual previsão estava presente no Anteprojeto da
Comissão Afonso Arinos, no art. 174, inciso V. (PEREIRA, 1987, p. 64). 289 Art. 75, §3º do Projeto “A”. (Ibidem. p. 45).
101
e ainda que viabiliza em virtude dos instrumentos participativos, é de atuação
incidental.”290
Ao longo de toda a Constituinte, igualmente se mostra inegável que os
institutos de participação semidireta e o tema “soberania" passaram por uma
desaceleração, por tentativas de supressão e modificações de texto que se
calcavam no discurso da representatividade como meio exclusivo de exercício da
vontade popular, da legitimidade dos mandatários, da impossibilidade fática de se
consultar o titular do poder soberano e a da incapacidade da multidão
compreender os diversos temas debatidos na Constituinte. Enfim, um discurso que
nega, ou ao menos, limita a potência constituinte da multitudo.
Ademais, importante destacar que o tema acerca da Soberania, prevista no
parágrafo único do Art. 1º e sua aprovação no plenário da Constituinte, após o
acordo os progressistas, marca a ascensão do Centrão. Os progressistas tinham um
poderoso poder de veto, devido ao quórum alto para aprovação das propostas no
Plenário, o que fez com o que o Centrão negociasse a aprovação de uma fusão de
emendas para incluir, no parágrafo único do Art. 1º nova redação, que consagrava
o exercício direto da Soberania291.
O Projeto de Constituição A, oriundo do primeiro turno de discussão e
votação no plenário da ANC, recebeu 2.045 propostas de emendas, sendo que
dentre elas, estava a emenda coletiva do Centrão, assinado por um grupo de 286
parlamentares conservadores. Saliente-se que, dentre as emendas do Centrão, a
proposta 2P02037-2, previa a seguinte redação do Art. 1º, parágrafo único: “Todo
poder emana do povo e em seu nome é exercido.” 292
Segundo Ariano Pilatti, no primeiro turno de votação em plenário, o Centrão
sofreu a primeira derrota, o que o forçou a negociar. Os progressistas
demonstraram poder de veto em sessão de quórum relativamente alto e passaram a
exigir apoio para a aprovação da proposta originada na fusão de emendas para
incluir, no dispositivo que consagrava o princípio da soberania popular, a
290 SGARBI, 1999, p. 129. 291 O texto do centrão apresentava a seguinte redação: “Todo o poder emana do povo e em seu
nome será exercido”. (Ata da 189ª Sessão da ANC (28/01/1988). Anais..., vol. 11. pp. 6671-6674). Com a aprovação da emenda, o texto foi alterado, para constar a seguinte disposição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
292ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Projeto de Constituição (A). Emendas oferecidas em Plenário – Volume II – Emendas nº 2P00949-2 A 2P02045-8. Volume 255. Brasília. Centro Gráfico do Senado. Janeiro de 1988. p. 773.
102
participação direta dos cidadãos no exercício do poder, ao lado da representação
popular. E conseguiram, no dia seguinte, ao encaminhar a favor do substitutivo do
Centrão na segunda votação. Nesse sentido, Mário Covas, José Genoíno e
Bonifácio Andrada fizeram expressa alusão ao acordo e compromisso, o que
propiciou a aprovação da fusão de emendas sobre participação popular,
computando-se 485 votos a favor e 15 contra, além de 2 abstenções293.
Em votação subsequente, o acordo novamente foi cumprido pelo Centrão. A
votação foi novamente tranquila, com 467 votos a favor, 10 contra e 2
abstenções294, gerando assim a aprovação da fusão de emendas e a alteração do
texto sobre o exercício da Soberania diretamente pelo povo, conforme redação
atual do texto constitucional de 1988.
Assim, é certo afirmar que, a partir desse primeiro acordo entre as
lideranças do Centrão e os progressistas, foi possível que outras propostas
conservadoras, e temas polêmicos como reforma agrária, exploração mineral,
monopólios estatais sobre telecomunicações, petróleo e gás, concessões de rádio e
TV fossem incorporados no texto constitucional com pouquíssimos
enfrentamentos entre progressistas e conservadores295. Permitiu-se, assim, o
fortalecimento de forças termidorianas na Constituinte.
Paralelamente, havia um discurso de reconhecimento e estímulo à
participação direta do povo na política, tendência essa que inclusive se encontrava
insculpida no próprio art. 24 da RIANC, com as emendas populares na
Constituinte. Entretanto, a matéria inegavelmente passou por um arrefecimento,
esvaziamento depreendido por forças conservadoras.
4.4
Iniciativa Popular
No que tange à iniciativa popular para deflagração do procedimento
legislativo, a participação popular nos trabalhos da Comissão Provisória de
293PILATTI, 2008, p.237. 294Ibidem,. p.237. 295 Ibid. p. 284.
103
Estudos Constitucionais fez com que o seu anteprojeto incluísse alguns institutos
de democracia participativa. O artigo 186 previa a iniciativa popular de leis,
remetendo a matéria à regulamentação de lei complementar296. Embora a
Comissão Afonso Arinos não fosse, a rigor, criada para elaboração de um
anteprojeto de Constituição, o documento que foi elaborado serviu a esse objetivo,
sendo entregue à Sarney que, por sua vez, nunca chegou a encaminhá-lo à
Constituinte297.
Por sua vez, o anteprojeto elaborado por Fábio Konder Comparato a pedido
do Partido dos Trabalhadores (PT) igualmente previa, dentre outros instrumentos
de participação popular, a iniciativa de leis ordinárias e complementares (art. 113) 298, bem como de emendas à Constituição (art. 233) 299. Ainda submetia a revisão
constitucional à ratificação por referendo popular (art. 236)300.
A iniciativa popular de leis integrou os debates das três subcomissões
temáticas da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da
Mulher, demonstrando, assim, sua importância do assunto entre os constituintes.
4.4.1 Comissão I
Na Subcomissão I-A, o tema foi abordado em reunião realizada no dia 30 de
abril de 1987. Carlos Roberto de Siqueira Castro, então professor da PUC-RJ,
apresentou suas sugestões sobre a Soberania e sobre o seu exercício, que não pode
ser atribuído a “nenhum indivíduo, grupo, órgão ou instituição”, senão ao povo
brasileiro, sugerindo, assim, outros mecanismos de democracia participativa,
296 O art. 186 do Anteprojeto assim previa: “A iniciativa legislativa popular será admitida nos
casos e na forma estabelecidos em lei complementar, mediante a apresentação de projetos de lei articulados.” (PEREIRA, 1987, p. 65).
297PILATTI, 2008, p. 21. 298 “Art. 133 – Ressalvadas as exceções previstas nesta Constituição, a iniciativa das leis
complementares ou ordinárias cabe ao Presidente da República, qualquer membro do Congresso Nacional, partido político, ou conjunto de dez mil cidadãos”. (COMPARATO, 1986. p. 113).
299 “Art. 234 – A iniciativa das emendas constitucionais pertence: I – ao Presidente da República; II – a um terço dos membros do Congresso Nacional; III – a qualquer partido político; ou IV – ao conjunto de trinta mil cidadãos.” (Ibidem, p. 147).
300“Art. 236 – A revisão constitucional depende da iniciativa de dois terços dos membros do Congresso Nacional, ratificada por referendo popular.” (Ibidem, p. 147).
104
como a iniciativa popular de leis, o referendo e a participação e o controle dos
atos de Estado301.
No dia 11 de maio de 1987, João Herrmann Neto (PMDB) apresentou seu
relatório e anteprojeto, prevendo, de forma genérica, a iniciativa popular de leis e
que a Soberania seria exercida através dos representantes eleitos ou diretamente,
pelos meios previstos na Constituição302. No art. 3º, inciso III, estabelecia o
referido documento que a Soberania seria exercida pelo povo, pelo “direito de
iniciativa, na elaboração da constituição e das leis”303. Aprovado por
unanimidade em 22 de maio de 187, o anteprojeto é enviado para a comissão
respectiva, mantendo-se intacto os dispositivos do Art. 1º ao 5º, com poucas
alterações.
O anteprojeto do Relator Lysâneas Maciel, na Subcomissão dos Direitos
Políticos, dos Direitos Coletivos e das Garantias, trazia previsão da iniciativa
popular de lei e de emendas à Constituição, prevendo requisitos mais brandos para
a participação popular. Para a iniciativa de lei, seriam necessárias 15 mil
assinaturas, enquanto que para a propositura de emenda à Constituição seriam
requisitadas 30 mil assinaturas de eleitores, ocasião em que o Congresso Nacional
votaria o projeto de lei ou de emenda em caráter prioritário304. O relator, em
301“Proponho, também, a iniciativa popular das leis, como faz o Projeto Afonso Arinos e a maioria
das Constituições europeias. É natural que se adote este expediente de democracia semidireta em que a sociedade civil, que deve exercer uma grande participação nos assuntos do Estado, possa chamar a atenção dos Congressistas para determinadas questões e submetê-las por via de propostas, que terão curso forçado nas Comissões Parlamentares, a fim de que eventualmente possam transformar-se em normas jurídicas.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Atas de Comissões. Reunião do dia 30 de abril de 1987. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
302 “Art. 4º Os poderes do Estado são exercidos pelo povo através de representantes ou, diretamente, pelos meios previstos nesta Constituição. Também inovamos neste item, estabelecemos porque não apenas a Republica democrática e representativa, mas também a democracia direta através de outras formas, como plebiscito e o Conselho de Defesa dos Consumidores, em que o cidadão não entre em fórum cabisbaixo nem peça "pelo amor de Deus" um papel, mas em que ele tenha os seus direitos e não haja essa discriminação de que o pobre e mal vestido e, portanto maltratado.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Atas de Comissões. Ata da 11ª Reunião. Diário da Asssembleia Nacional Constituinte (25/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 107).
303 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 77. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
304 “art. 21. - Fica assegurada a inciativa popular de lei mediante proposta de quinze miI eleitores, e de emenda à Constituição, mediante proposta de trinta mil eleitores. O Congresso Nacional
105
discurso na reunião do dia 14 de abril de 1987, profere discursivo efusivo sobre a
participação do povo e defende o exercício popular da soberania305.
O tema acerca da iniciativa popular de Leis começa a ganhar maior
protagonismo nas discussões a partir da reunião do dia 22 de abril de 1987,
quando o Presidente Maurílio Ferreira Lima passa a defender o uso de
mecanismos de democracia participativa mediante a exigência de um número
mínimo de subscrições não superior ao necessário para a criação de partido
político306.
A reação vem através da manifestação de Samir Achôa (PMDB), que se
posiciona “contrário a qualquer tipo de arranhão à representação popular
legitimamente constituída.”. Segundo o constituinte:
Quanto à iniciativa dada à população, acho que constitui um desrespeito ao próprio Parlamento, porque ninguém há de negar que, se qualquer cidadão aqui chegar e me apresentar um projeto, posso não concordar com ele, mas o encaminho. Portanto não há necessidade de criarmos instrumentos que dificultem essa apresentação. Todos nós recebemos, diariamente, sugestões até na rua. E as apresentamos ou não. Mas se eu não as apresentar, eles as apresentam. Não acho que seja razoável diminuirmos a representação popular. Eu era vereador, em São Paulo, quando quase votaram uma lei que permitia uma tribuna livre ao povo. Acho isso um absurdo. Se somos advogados constituídos do povo, ou somos bons advogados ou não somos. Passarmos a nós mesmos um atestado de incompetência e incapacidade é um absurdo. Creio ainda que exigirmos um número de assinaturas – 20 mil, 30 mil, 50 mil, – que correspondem aos votos que recebemos aqui para representarmos esse mesmo povo, seria a mesma questão de o cliente passar à frente do advogado e discutir com o Juiz.307
discutirá e votará tais iniciativas em caráter prioritário.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Anteprojeto do Relator. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e das Garantias. Vol. 74. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 7).
305 “Sr. Presidente, quero falar também sobre esse problema. Não estive presente no início da reunião, mas gostaria de que fosse realmente um ponto da maior importância para esta Subcomissão, porque tendemos a fazer leis maiores e leis menores sem ouvir o povo, sem participação popular. O nosso Regimento é um dos mais autoritários da história das Constituições brasileiras e sua característica principal é precisamente a ausência da participação popular.”(ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, Direitos Coletivos e Garantias. Atas de Comissões. Ata de Reunião do dia 14 de abril 87. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/05/87) .Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 3).
306 Idem. Reunião do dia 22 de abril de 1987. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (20/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
307 A manifestação desfavorável ao “direito de iniciativa” de Samir Achôa é referendado por Gonzaga Patriota. O constituinte afirma: “Estou também de acordo com o Deputado Samir Achôa no que diz respeito ao direito de iniciativa popular para a elaboração de emenda a Constituição, com trinta mil assinaturas, porque fomos eleitos para representar a sociedade e devemos apresentar os projetos que dela emanem”. (Idem. Atas de Comissões. Ata da 3ª Reunião Ordinária (22/04/87).Diário da Assembleia Nacional Constituinte (20/05/87).Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.p. 13-14).
106
Em defesa do direito de iniciativa popular, se pronunciam Uldurico Pinto
(PMDB)308 e João Paulo (PT), que se posicionam favoravelmente à iniciativa para
propositura de projetos de leis e emendas à constituição309.
O relator, Lysâneas Maciel, ao apresentar o seu relatório, sugeriu, para além
da iniciativa popular de leis, outras formas de participação, como o voto
destituinte, que será tratado a seguir, como uma forma de revogação do mandato
do representante eleito por voto popular, devido à quebra da confiança ou abuso
de poder e outras transgressões eleitorais.
O art. 21 do anteprojeto do relator é objeto da Emenda Supressiva 1B0062-
3, de João Menezes (PMDB), que se posiciona desfavorável à iniciativa popular
de lei e de emenda à Constituição, aduzindo que tais dispositivos acabariam por
desaguar em inúmeros projetos de leis e que cada pessoa possui uma ideia própria
de lei que o beneficiaria, enquanto que para as outras impõe deveres310. O
constituinte, em sua manifestação, afirma:
Ora, emenda proposta por eleitor! Temos de ser sinceros. Imagine eu chegar lá no Xingu para pegar assinaturas de eleitores! Às vezes eles nem sabem do que se trata. A culpa não é deles, mas do Estado, que não educa os eleitores. Temos de lutar para dar-lhes instrução. A realidade é essa. Onde é que se vai arrumar trinta mil assinaturas, título de eleitor etc., para trazer para cá? Isso é um absurdo! É uma coisa que me parece impossível.311
O constituinte Uldurico Pinto encaminha voto contrário ao destaque,
aduzindo que a expressão “popular”, combatida por João Menezes, “é linda, é
bonita”. João Menezes imediatamente retruca dizendo: “Beleza, quando é real” 312. A votação na subcomissão, da emenda supressiva, conclui pela manutenção do
dispositivo do direito de iniciativa, apurando-se 9 votos a favor da manutenção do
artigo e 2 votos contrários313.
308 “Outro assunto que desejo mencionar é o da iniciativa popular. A nova Constituição brasileira
deve permitir uma participação mais democrática de toda a sociedade. Penso, realmente, que a Constituinte não foi instalada para dar continuidade à velha Constituição. Esse aspecto também fortalecerá o Poder Legislativo. Não o prejudicará. Ao se permitir que o cidadão apresente emenda, não se estará depreciando o Legislativo, principalmente a nível do que está agora, mas, pelo contrario, valorizando-o.” (Ibidem. p. 15).
309 Ibid. pp. 16-17. 310 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Subcomissão dos Direitos Políticos, Direitos
Coletivos e Garantias. Emendas ao Anteprojeto do Relator. Vol. 75. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal
311 Ata da 14ª Reunião Ordinária (19/05/1987), p. 92. 312 Ata da 16ª Reunião Extraordinária (23/05/87). pp. 116-117. 313 Ata da 16ª Reunião Extraordinária (23/05/87). pp. 116-117.
107
Assim, no dia 25 de maio de 1987 o anteprojeto final da Subcomissão I-B
foi enviado à respectiva Comissão. Prevendo, assim, a iniciativa popular de leis e
emendas à Constituição nos termos propostos pelo relator Lysâneas Maciel, que
consagrava ainda a soberania popular e outras formas de participação democrática
do povo (voto destituinte, defensor do povo, Tribunal de Garantias
Constitucionais, referendo e plebiscito).
A Subcomissão I-C, dos Direitos e Garantias Individuais, era presidida por
Antônio Mariz (PMDB) e tinha como relator Darcy Pozza (PDS). Nesse foro de
discussão, o assunto acerca da iniciativa popular de leis foi abordado em
audiência pública realizada em 30 de abril de 1987, quando José Geraldo de
Souza Júnior, vice-presidente da Comissão de Justiça e Paz da CNBB do Distrito
Federal, discorreu sobre o tema "A Construção Social da Cidadania: Instrumentos
de Participação Direta e de Iniciativa Populares como Garantias da Cidadania".
Na reunião, foram sugeridos diversos dispositivos de participação que poderiam
ser adotados, como a iniciativa popular na produção de leis e em matéria
constitucional, bem como a possibilidade de revogação de leis “através de petição
de eleitores e de pessoas jurídicas, partidos e associações de grande base e de
representação de massa”314.
O anteprojeto da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais é
aprovado em 23 de maio de 1987, e encaminhado à Comissão I, sem previsão
sobre a iniciativa popular de leis e emendas, apenas afirmando, de forma genérica,
a participação popular nas decisões do Estado, com vistas a “contribuir para o
contínuo aperfeiçoamento das instituições e do regime democrático”315.
Na Comissão, o tema acerca da participação popular foi tratado por
Lysâneas Maciel (PDT) ao expor as conclusões dos trabalhos realizados sob a sua
relatoria na Subcomissão I-B, sugerindo que fossem adotados a iniciativa popular
314ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Soberania e
dos Direitos do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais. Ata da 12ª Reunião, 6ª Audiência Pública (30/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, abril de 1987. P. 112-121.
315 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais. Anteprojeto da Subcomissão. Volume 81. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.maio de 1987.
108
de leis e emendas à Constituição, o voto destituínte e eleições diretas para
Presidente da República316.
Após emendas aos anteprojetos das subcomissões, o relator apresentou seu
substitutivo, mantendo, ainda que de forma genérica, todos os institutos de
participação popular aprovadas nas subcomissões temáticas, principalmente no
que tange à iniciativa popular e partidária na elaboração da Constituição e das
Leis. Gerson Camata (PMDB) e Delio Braz, por sua vez, apresentam emendas
supressivas para excluir a iniciativa constitucional e legislativa dos partidos
políticos317. Os demais mecanismos de democracia participativa são mantidos nos
moldes do documento anterior.
Em 15 de junho de 1987, o anteprojeto da Comissão I foi enviado para a
Comissão de Sistematização, prevendo de forma genérica a iniciativa na
elaboração da Constituição e das Leis, sem, entretanto, tratar dos requisitos
necessários para sua propositura, que ficaria pendente de regulamentação318.
4.4.2
Comissão II
Na Comissão da Organização do Estado, o tema acerca da iniciativa popular
de lei é abordado na Subcomissão II-B, presidida por Chagas Rodrigues (PMDB)
e relatada por Siqueira Campos (PDC). O anteprojeto da subcomissão, aprovado
em 23 de maio de 1987, em seu artigo 16, previa que as Constituições Estaduais
316 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas das Comissões. Comissão da Soberania e
dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Ata da 3ª Reunião (26/05/1987). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (17/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
317Nesse sentido, é a emenda 1S0647-1, de Délio Braz, que busca suprimir a alínea “d” do inciso V do art. 5º. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Vol. 67. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987. p. 151).
318 Artigos 3º, inciso III, “b” e 15, III. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Anteprojeto da Comissão. Vol. 69. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, junho de 1987).
109
disporiam sobre a iniciativa popular de leis e de referendo no estado e no
município319.
Na subcomissão II-C, Myriam Portella (PDS) apresenta emenda aditiva para
incluir no anteprojeto da subcomissão um dispositivo determinando à Câmara
Municipal a regulamentação da iniciativa popular de lei na sua esfera de atuação,
o que não é acolhido pelo relator320. Aprovado na reunião de 12 de junho de 1987,
o anteprojeto da Comissão da Organização do Estado trouxe no art. 12 a previsão
da Subcomissão Temática II-B, dispondo que a Constituição Estadual disporia
sobre a iniciativa popular de leis e o referendo no âmbito do Estado e do
Município.
4.4.3
Comissão III
Na Comissão seguinte, que trata da Organização dos Poderes e Sistema de
Governo, apenas a Subcomissão III-A trata do tema da iniciativa popular de lei.
Durante os trabalhos da referida Subcomissão, presidida por Bocayuva Cunha
(PDT) e relatada por José Jorge (PFL), o constituinte Jorge Hage (PMDB) sugere
a colocação, para discussão, da temática da iniciativa popular de leis, pois teria
sugestões a apresentar sobre o assunto, solicitadas pelo relator.
Na audiência pública realizada no dia seguinte, Jorge Hage questiona a
opinião de Célio Borja, ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre a iniciativa
de leis. Segundo o Ministro, em que pese a iniciativa popular de leis ser uma ideia
vitoriosa e aplicada em países como Suíça e Itália, o mecanismo poderia reverter
em decepção para os seus pleiteantes, devido o número de propostas que
poderiam ser apresentadas: “o Congresso já sobrecarregado com as proposições
319ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão dos Estados. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 94. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, maio de 1987.
320 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Parecer e Substitutivo (nova redação). Vol. 85. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, junho de 1987.
110
que seus próprios membros apresentam, nem sempre terá condições de processar
regularmente a enxurrada de iniciativas populares que virá”.321
O ex-deputado Nelson Marchezan, que igualmente participava da audiência
pública como convidado, ratifica o entendimento do Ministro Célio Borja,
sustentando seu posicionamento:
O ex -Presidente Célio Borja colocou uma coisa corretíssima: se nós, deputados, em aqui chegando, apresentamos um monte de projetos, às vezes passam-se quatro, seis, oito, dez anos e conseguimos converter um ou dois em lei. Imaginemos que o sindicato de minha cidade, Santa Maria, resolva criar uma lei: faz um esforço, reúne assinaturas, despende recursos, faz comissões, vem para cá – e existem outros projetos – o projeto não anda por inadequação, por qualquer coisa. Que frustração. Entendo que a liberdade há de existir, mas deveríamos ter essa preocupação, porque os deputados, nessa matéria, já são frustrados de modo geral.322
Na 7ª Reunião Ordinária realizada em 05 de maio de 1987, Lúcio Alcântara
(PFL) apresenta proposta que prestigia a participação popular direta, através de
iniciativa de lei subscrita por 50 mil eleitores ou apresentadas por sindicatos e
demais entidades representativas da sociedade civil, de âmbito nacional. A
proposta ainda previa a tramitação prioritária dos projetos, que deveriam ser
discutidas e votadas em 180 dias323. No mesmo sentido, na reunião do dia
seguinte, Jorge Hage (PFL) também propõe a iniciativa popular legislativa324.
A defesa da iniciativa popular de leis encontra resistência na mesma
audiência pública, como ilustra a declaração de João Emílio Falcão, presidente do
Comitê de Imprensa, Rádio e Televisão do Senado Federal:
Sou contra essa tese, hoje, da iniciativa popular. Digo-o pessoalmente e não como Presidente do Comitê de Imprensa do Senado – faço questão de esclarecer este aspecto. V. Exªs foram eleitos para ser os representantes do povo e assim, não se recusarão a apresentar uma emenda, se for justa. Esse negócio de encher o Congresso de ônibus de direita, de esquerda, de esquerda-volver para pressionar, causar medo no Deputado, para agarrá-lo na saída para colocar garimpeiro jogando papel em cima de mesa de Deputado, não é comigo. A característica da representação popular é o voto. Uma vez que os Deputados foram votados, que os grupos procurem seus representantes, conversem, apresentem suas propostas e os
321ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo.Atas de Comissões. Ata da 4ª Reunião Extraordinária (29/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (20/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 97-98.
322 Ibidem. p. 98. 323 Idem. Ata da 7ª Reunião Ordinária (05/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte
(14/05/87).p. 127. 324 Ibidem. Ata da 7ª Reunião Extraordinária (06/05/87). Diário da Assembleia Nacional
Constituinte (14/05/87). p. 144.
111
façam endossá-las. Por se tratar de uma iniciativa popular, virem mil sujeitos invadir o Congresso! Esses mil sujeitos nada representam em relação aos 130 milhões de brasileiros. Minha opinião, portanto, é muito cautelosa neste ponto. Sei que não é uma opinião fácil. Dirão outros que é uma opinião reacionária, mas sou muito mais a favor do reconhecimento do mandato legislativo de que dos ônibus alugados, fretados, com pessoas que podem ser pagas ou não.325
Ary Ribeiro, que era presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos
Deputados e redator do “O Estado de São Paulo”, “Jornal da Tarde” e “Rádio
Eldorado”, igualmente se posiciona contrário à proposta de iniciativa de lei,
asseverando não haver razão para permitir que 30 ou 40 mil pessoas apresentem
projeto de lei. Ainda, indaga como seriam conferidas as assinaturas e conclui
afirmando que a iniciativa de lei é do representante do povo e que “não estamos
numa democracia direta” 326.
Em sentido contrário, ou seja, na defesa da iniciativa popular de lei, Rubem
de Azevedo Lima, repórter e analista político da “Folha de São Paulo”, sustentou
na mesma audiência pública que o “Congressista não é onisciente. Por mais que o
queira ser, nem sempre o consegue, a fim de obter as informações que alguns
setores da sociedade têm e que escapam ao Congresso.” 327 Iniciada a discussão
sobre o tema, o Anteprojeto do relator da Subcomissão previa:
Art. 22 - A iniciativa de projetos de emendas à Constituição, leis complementares e de leis ordinárias, inclusive sobre matéria orçamentária, pelas Assembleias Legislativas estaduais, pelos cidadãos e por entidades da sociedade civil far-se-á na forma estabelecida em lei complementar.
Vivaldo Barbosa (PDT) apresentou o primeiro destaque, para permitir a
iniciativa de leis e de emendas à Constituição, mediante proposta de eleitores, em
número “não inferior ao quociente necessário para eleição de um parlamentar do
último pleito realizado pela Câmara dos Deputados”.328
325 Ibidem. Ata da 7ª Reunião Extraordinária (06/05/87), p. 144. 326 Ibidem. pp. 144-145. 327 Idem. Ata da 7ª Reunião Extraordinária (06/05/87). Diário da Assembleia Nacional
Constituinte (14/05/87). p. 145. 328 Emenda Substitutiva n. 3ª0092-8: “Dá-se ao artigo 22 a seguinte redação: fica assegurada a
iniciativa de projeto de emenda à Constituição, leis complementareis e de leis ordinárias, à Assembleias Legislativas Estaduais, às Câmaras de Vereadores, aos cidadãos e às entidades da sociedade civil, sempre mediante proposta articulada e justificada. Parágrafo único. Quando a iniciativa couber: III) – Aos cidadãos em número não inferior ao quociente necessário para eleição de um parlamentar do último pleito realizado para a Câmara dos Deputados. IV) – Às entidades da sociedade civil desde que de âmbito nacional e reconhecidas por lei.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Ata da 9ª Reunião
112
Jorge Hage igualmente propõe destaque, descrevendo o número de
subscrições necessárias e, ainda, o caráter prioritário à tramitação dos projetos
originários de iniciativas populares:
I - Os projetos de leis ou emendas à Constituição de iniciativa popular terão que ser subscritos por mais de 50.000 eleitores ou apresentados por entidades sindicais e outras representativas da sociedade civil de âmbito nacional, com bases legalmente constituídas em todos os Estados brasileiros. II–A discussão e votação dos projetos referidos no inciso anterior serão incluídas no prazo máximo de 180 dias contados da sua apresentação à Mesa, interrompida a contagem no recesso parlamentar. Decorrido, esse prazo, o projeto constará obrigatoriamente da ordem do dia da primeira sessão ordinária para votação sem discussão.329
Por sua vez, Victor Faccioni (PDS) apresenta emenda para incluir como
legitimadas a proporem projetos de leis às câmaras de vereadores, aduzindo que
não haveria razão para excluir as casas de representação municipal, uma vez que
entidades da sociedade civil, e até mesmo “um simples cidadão”, poderiam
apresentar projetos de leis330. Bocayuva Cunha (PDT) propõe a fusão das três
emendas, entendendo serem propostas muito parecidas. Como não houve
consenso entre seus opositores, as três emendas são votadas separadamente e
rejeitadas331.
O anteprojeto da Subcomissão III-A é aprovado no dia 22 de maio de 1987
e prevê no seu art. 22 a iniciativa popular de leis e emendas à Constituição, que
deveria ser regulamentada por lei complementar, conforme anteprojeto original do
relator José Jorge (PFL). Mas sua aprovação se deu após a rejeição de várias
emendas apresentadas ao anteprojeto do relator da Subcomissão, destacando-se as
emendas n. 300163-6 e n. 300199-7, de autoria de Oswaldo Lima Filho (PDB),
Extraordinária (22/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/07/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
329 Ibidem. 330 Colhem-se as palavras do parlamentar: “A diferença é que eu incluo as Câmaras de Vereadores,
porque entendi que não era possível que elas ficassem excluídas, quando estão incluídas entidades da sociedade civil. Quer dizer, um clube qualquer teria mais representatividade para propor uma emenda ou um projeto de lei do que a Câmara Municipal de Vereadores. Não há como suprimi-la. Estamos dando possibilidade a um simples cidadão, a entidades da sociedade civil.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Ata da 9ª Reunião Extraordinária (22/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/07/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987).
331 A emenda de Vivaldo Barbosa foi rejeitada por unanimidade, a de Jorge Hage por 11 a 4 e a de Victor Faccioni por 8 votos a 7. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Ata da 9ª Reunião Extraordinária (22/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/07/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987).
113
que permitia a iniciativa de leis e de emendas à Constituição mediante a
apresentação de projeto articulado subscrito por 50 mil eleitores332.
Ainda, destacam-se as emendas de Vasco Alves (30859-2), que garantia a
iniciativa popular nas elaborações de emendas à Constituição, leis
complementares ou ordinárias, na forma que a lei estabelecer333; e a emenda
300966-1, de Maurício Fruet (PMDB), que previa a iniciativa de leis
complementares e ordinárias por proposta popular de 30.000 (trinta mil eleitores).
Os estados e municípios deveriam, no âmbito de sua competência legislativa, fixar
o número de eleitores necessários para a iniciativa de proposta popular334.
Na respectiva comissão, o tema volta a ser alvo de debates e apresentação
de emendas, que culmina com a apresentação do substitutivo do relator, Egídio
Ferreira Lima (PMDB). Em face do substitutivo, é proposta nova emenda
3S0022-5, de Vivaldo Barbosa, que previa a iniciativa de leis e de emendas à
Constituição mediante proposta articulada e justificada dos cidadãos, que
deveriam contar com número não inferior ao quociente necessário para a eleição
de um parlamentar no último pleito realizado pela Câmara dos Deputados335.
Jorge Hage questiona o relator da comissão, Egídio Ferreira Lima, acerca da
ausência do dispositivo sobre iniciativa popular de leis e de emendas
constitucionais no substitutivo apresentado, o que considerou um grave
retrocesso. O relator esclareceu que a ausência se deu em razão de um “lapso” e
que tinha a intenção de adotar o mecanismo conforme o esquema italiano336.
Jorge Hage apresenta, então, a emenda aditiva 3S0999-1, para incluir no
anteprojeto da Comissão III a iniciativa popular de projeto de leis e emendas à
Constituição, prevendo como requisitos a subscrição por 50 mil eleitores ou
apresentação através de entidades sindicais ou representativas da sociedade civil,
de âmbito nacional. A emenda, por fim, estabelecia a tramitação prioritária dos
projetos, cuja discussão e votação deveriam ser concluídas no prazo máximo de
332ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo. Emendas oferecidas aos anteprojetos das Subcomissões. Vol. 100. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987, p. 41.
333 Ibidem. p. 242-243. 334 Ibid. p. 273. 335 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistemas de Governo. Emendas oferecidas ao substitutivo. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Vol. 102. Junho de 1987, p.10.
336 Ata da 5ª Reunião Ordinária (09/05/87). (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Diário da Assembleia Nacional Constituinte. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 78).
114
180 dias337. Entretanto, Jorge Hage logo é informado que Mário Covas (PMDB) já
havia apresentado emenda também tratando da iniciativa popular de lei338, sendo
que a referida proposta havia sido acolhida pelo relator Egídio Ferreira Lima.
Assim, buscando o consenso, Jorge Hage propõe a fusão de ambas as emendas, o
que foi aceito pelo relator e Mário Covas. Assim, com a realização da fusão das
propostas, Jorge Hage retira sua emenda.
Assim, o anteprojeto da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de
Governo foi aprovado e encaminhado para a Comissão de Sistematização com
dispositivos que contemplavam o referendo, a realização de audiências públicas
com entidades da sociedade civil nas comissões do Congresso Nacional e a
iniciativa popular legislativa e constitucional, nos moldes a emenda proposta por
Mário Covas, que condicionava a apresentação de projeto articulado de lei ou de
emenda à Constituição à subscrição de, no mínimo, 0,3% do eleitorado nacional,
distribuídos em pelo menos cinco estados, com não menos de 0,1% dos eleitores
de cada um deles339.
Essa configuração da iniciativa popular de leis e emendas foi incorporada
em todos os substitutivos apresentados na Comissão de Sistematização, sendo que
a emenda de autoria de Mário Covas permaneceu no texto até o Projeto de
Constituição (A), originário do primeiro turno de votação em plenário.
337 Dispunha a referida emenda: "Art ... - Será admitida a iniciativa popular de projetos de
Emendas à Constituição e de Leis Complementares e Ordinárias, na forma estabelecida em Lei Complementar, obedecidos os seguintes princípios: I - Subscrição por mais de 50.000 (cinquenta mil) eleitores ou por Entidades Sindicais outras representativas. da Sociedade Civil, desde que, em qualquer dos casos, tenham jurisdição Nacional e bases legalmente constituídas em pelo menos 15 (quinze) Estados brasileiros; 11 - Discussão e votação dos projetos dentro do prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias. contados da sua apresentação, interrompida a contagem no recesso. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistemas de Governo. Emendas oferecidas ao substitutivo. Vol. 102. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987, p. 259).
338 A Emenda 3S0218-0 trazia a seguinte previsão: “Art. - Fica assegurado o direito de iniciativa legislativa dos cidadãos nos termos previstos nessa Constituição. Parágrafo único - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação, à câmara dos Deputados, de projeto de lei devidamente art1culado e subscrito por, no mínimo, 0,3% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados, com não menos de 0,1% dos eleitores de cada um deles.” (Ibidem. p. 55).
339 Artigos 5º, X; 17, §1º, II e 33, parágrafo único. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistemas de Governo. Anteprojeto da Comissão.Vol. 104. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987).
115
4.4.4
Comissão IV
A Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições
igualmente foi palco de debates acerca da iniciativa de leis, sendo objeto de
discussão na Subcomissão IV-C e, em menor medida, na Subcomissão IV-A.
A subcomissão IV-A, presidida por Israel Pinheiro Filho (PMDB) e relatada
por Francisco Rossi (PTB), traz discussão acerca do instituto em apenas uma
oportunidade, na Audiência Pública realizada em 29 de abril de 1987. O ex-
constituinte João Amazonas (1946), então presidente do PC do B, expressou sua
intenção de ver incluído no texto final da Constituição a iniciativa popular de leis.
Entretanto, nenhuma emenda foi apresentada nesse sentido e o anteprojeto da
subcomissão acabou não trazendo qualquer previsão sobre iniciativa popular em
seus artigos.
Por sua vez, a Subcomissão IV-C abordou o mecanismo de forma mais
intensa. Na Audiência Pública do dia 05 de maio de 1987, o Ministro da Justiça
Paulo Brossard destacou que a iniciativa popular “é mais sedutora como ideia do
que como um instrumento eficaz” 340. José Paulo Sepúlveda Pertence, então
Procurador-Geral da República, manifestou-se, em outra oportunidade, de forma
favorável ao instituto da iniciativa popular, reconhecendo que, mesmo diante das
dificuldades práticas, o mecanismo teria uma importância didática enquanto
instrumento de promoção da cidadania341. Dom Cândido Padim, coordenador da
340Paulo Brossard continua sua exposição, afirmando: “No nosso Rio Grande do Sul,
tradicionalmente, foi admitida a iniciativa popular, das Câmaras Municipais e de cidadãos, e não me recordo de uma iniciativa neste sentido. Até tem uma explicação: um Deputado, percebendo que há um movimento popular, em determinado sentido, vai perder a ocasião de apresentar um bom projeto popular e vai esperar que 5 ou 10 mil eleitores assinem? Ele toma a iniciativa. Teoricamente é incensurável, mas na prática não funciona.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e emendas. Atas de Comissões. Ata da 6ª Reunião Ordinária (05/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (03/08/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 40).
341 Seguem as declarações de Sepúlveda Pertence: “Sobre o problema da iniciativa popular, sou favorável a mecanismos de iniciativa popular. É claro que em termos práticos a iniciativa popular tem, no mundo moderno, uma importância bem menor do que uma visão romântica lhe daria, na medida em que nenhuma aspiração de um segmento significativo da sociedade deixará de encontrar o canal da iniciativa parlamentar. Mas eu vejo na iniciativa popular o seu fator quase didático de levar segmentos sociais expressivos à mobilização. Sou, de há muito convencido que a democracia moderna, sobretudo a estabilidade do regime democrático moderno, passa como condição absolutamente imprescindível pela organização, pelo estímulo à
116
Comissão de Acompanhamento da Constituição da CNBB, em reunião realizada
no dia 08 de maio de 1987, igualmente defendeu a iniciativa popular de lei e
emendas à Constituição, sugerindo a exigência de 50 mil assinaturas342.
Euclides Scalco (PMDB), posteriormente, na 13ª Reunião Ordinária
realizada em 20 de maio do mesmo ano, se pronunciou sobre o anteprojeto
elaborado pelo relator, sustentando que, se fosse exigido um número baixo de
subscrições para a propositura de iniciativas populares legislativas, “perdemos a
necessidade inclusive de estarmos aqui”. Para o parlamentar, apenas 10% das
sugestões populares recebidas na ANC podem ser aproveitadas, sendo o que o
restante não passa de “absurdos”, uma vez que “o homem do povo não tem a
sensibilidade do que pode ser apresentado”343. A exigência de um número
significativo de subscrições para a propositura de projetos de lei de iniciativa
popular foi igualmente aventado pelo relator, sendo que o número de assinaturas
“não pode ser tão pequeno para impossibilitar que o Congresso passe a funcionar
em cima de propostas que não tem o mínimo de sentido.”344
A Subcomissão IV-C aprovou o seu anteprojeto em 25 de maio de 1987,
sendo que o direito de iniciativa popular de emendas à Constituição recebeu
tratamento nos arts. 17 a 23, que previam a iniciativa de emenda “de meio por
cento dos eleitores de cada uma de, pelo menos, um terço das unidades da
Federação”345. Já os arts. 28 e 30, que se encontravam topograficamente
organização da sociedade civil. O mecanismo da separação dos Poderes foi um mecanismo que desempenhou seu papel no estado liberal puro, no estado liberal a serviço do liberalismo econômico de um Estado ausente. No Estado intervencionista moderno, acrescida a circunstância de se tratar de um Estado partidário, um Estado de solidariedade entre a maioria parlamentar e o Governo, é óbvio que a proteção das liberdades, no mais amplo sentido das liberdades negativas, das liberdades positivas, precisa da complementação da mobilização popular. E a iniciativa popular representa esse papel de pretexto para a organização, para a discussão de assuntos políticos, de assuntos de Estado com setores da sociedade. É este o papel que, eu creio, a iniciativa popular pode desempenhar, e por isso sou a favor de mecanismos que a introduzam”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e emendas. Atas de Comissões. Ata da 9ª Reunião Ordinária (07/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (05/08/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado, 1987. p. 66).
342ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e emendas. Atas de Comissões. Ata da 10ª Reunião Ordinária (08/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (05/08/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado1987, p. 70.
343 Idem. Ata da 13ª Reunião Ordinária (20/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (05/08/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987, p. 88.
344 Ibidem, p. 88. 345Art. 21, inciso IV do anteprojeto. Ainda, cumpre destacar que o art. 18, III previa a iniciativa
popular para reforma da Constituição, condicionando ao mesmo número de eleitores para a proposta de emenda. (ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da
117
localizados no título “sugestões complementares”, previam a iniciativa popular de
lei sobre qualquer matéria, desde que o projeto fosse subscrito por “três décimos
por cento dos eleitores de um quinto das unidades da Federação”346. Ainda, previa
outros mecanismos de democracia participativa, como o referendo, o plebiscito e
o Defensor do Povo.
O anteprojeto da Comissão IV não previu a iniciativa popular de leis ou de
emendas. Entretanto, o documento encaminhava “sugestões” não enumeradas para
a Comissão de Sistematização, dentre as quais constava a iniciativa popular de
leis mediante a apresentação de projetos articulados e subscritos por, no mínimo,
0,3% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados, com não
menos de 0,1% do eleitorado de cada um deles. Essa previsão se aproximava da
proposta da Comissão III, exceto quanto à possibilidade de iniciativa de emendas
à Constituição, suprimida no anteprojeto da Comissão IV.
4.4.5
Comissão VI
O direito de iniciativa popular também se encontra presente na Comissão
VI, que tratava da Ordem Econômica, presidida por José Lins (PFL) e relatada por
Severo Gomes (PMDB). O tema foi levantado na Subcomissão da Questão
Urbana e Transporte, sendo que as deliberações são dignas de destaque por terem
sido consideradas na última fase da ANC.
Na 15ª Reunião Ordinária realizada em 06 de maio de 1987, Raimundo
Sérgio Borges de Almeida Andréas, representando a Federação das Associações
dos Moradores do Rio de Janeiro, defendeu a iniciativa popular para alteração da
legislação municipal347. A proposta foi acolhida no art. 15 do anteprojeto
Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 140. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
346 Ibidem. 347 Raimundo Sérgio Borges de Almeida Andrea afirma que: “Gestão democrática, para nós,
significa o respeito a cada cidadão, a todos os segmentos sociais e a todas as representações. É preciso que a lei obrigue o poder municipal a ter um plano de uso e de ocupação do solo urbano e do transporte. É preciso que a lei permita a participação popular em diversas instâncias. É preciso que a lei preveja formas de audiência de participação popular. É preciso que a lei
118
apresentado à Comissão VI, concedendo-se a iniciativa de projetos de lei de
interesse específico do município, do bairro ou da região a que pertençam,
mediante manifestação de pelo menos 5% do eleitorado local. Ainda, estabelecia
que a regulamentação do mecanismo seria efetivada através de lei
complementar348. Contudo, o artigo não foi contemplado no Anteprojeto da
Comissão VI, não sendo, portanto, enviado para a Comissão de Sistematização.
Assim, os resultados alcançados nos fóruns decisórios das comissões e
subcomissões temáticas traziam a possibilidade de adoção da iniciativa popular de
leis e emendas à Constituição. Segundo Rodrigo Mendes Cardoso, o bloco
progressista tinha na proposta adotada no anteprojeto da Comissão III, originária
da emenda de Mário Covas, como a mais adequada aos seus interesses. Na
Comissão de Sistematização, esse instituto, que era indesejado pelo bloco
conservador, seria adotado e permaneceria no texto constitucional até o primeiro
turno de votações em plenário349.
4.4.6
Comissão de Sistematização
Os projetos das Comissões e Subcomissões, como já dito anteriormente,
foram encaminhados para Comissão de Sistematização, que era presidida por
Afonso Arinos (PFL) e relatado por Bernardo Cabral (PMDB). Na reunião de
instalação, o presidente profere efusivo discurso em defesa da participação
popular no mesmo nível da representação350.
possibilite a participação da iniciativa popular para mudar a legislação municipal. É preciso que a lei possibilite o veto a uma lei municipal e que esse mesmo veto seja submetido ao referendo popular.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão da Ordem Econômica. Subcomissão da Questão Urbana e Transporte. Ata da 15ª Reunião Ordinária (06/05/1987). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (23/07/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987).
348 Idem. Comissão da Ordem Econômica. Subcomissão da Questão Urbana e Transporte. Anteprojeto da Subcomissão. Vol. 176. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, avulso sem data.
349 CARDOSO, 2010, pp. 95-96. 350“O dever da Comissão de Sistematização é fazer com que a representação englobe a
participação, dando não apenas as linhas próprias, incluindo no texto da Constituição aqueles aspectos de democracia direta que nos pareçam irrefragáveis, impossíveis de serem afastados. O que precisamos é tomar a iniciativa de fazer com que a nossa representação se transforme em
119
O anteprojeto de Constituição finalizado em 26 de junho de 1987 e
apresentado pelo relator Bernardo Cabral se pautou pelas decisões tomadas pelas
oito comissões temáticas e contava com 501 artigos. Adriano Pilatti destaca que o
tamanho do documento e a diversidade de conteúdos polêmicos despertaram
apreensões, descontentamento e críticas pelo bloco conservador, que foram
veiculadas amplamente na imprensa, o que levou o anteprojeto a ser apelidado de
Frankenstein351.
O referido anteprojeto reproduziu o conteúdo relativo à iniciativa popular
aprovado na Comissão III, prevendo que o povo exerceria a Soberania pelo direito
de iniciativa de leis e de emendas à constituição, mediante a subscrição de, no
mínimo, 0,3% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco estados,
com não menos de 0,1% dos eleitores de cada um deles352.
Após 5624 emendas, o relator apresenta seu parecer e novo anteprojeto,
apelidado de “Bebê de Rosemary”, contendo 496 dispositivos. O documento
mantinha o mecanismo da iniciativa popular constitucional e legislativa nos
exatos moldes do anteprojeto anterior.
O 1º substitutivo do relator, conhecido como Cabral 1, não apresenta
novidades quanto à iniciativa popular, mantendo os mesmos requisitos para o
instituto, conforme se depreende dos dispositivos 92, inciso IV e 93, §2º. Como
para alterar o anteprojeto do relator, através de emendas aditivas, modificativas ou
supressivas, era necessário quórum qualificado da maioria absoluta dos
participação. Temos de sentir tudo aquilo por que o povo está clamando, tudo aquilo que o povo está esperando, tudo aquilo contra o que o povo está protestando. Esta Comissão tem o destino terrível de desafiar a esperança. É muito perigoso desafiar a esperança de um povo. E quando isso cabe a um grupo de homens e mulheres que fazem parte desta Comissão, eu digo: é uma responsabilidade histórica da qual não poderemos fugir.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Atas de Comissões. Comissão de Sistematização. Ata da Reunião de Instalação (09/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, abril de 1987. pp. 1-8).
351 PILATTI, 2008, p. 151. 352 O art. 26 do anteprojeto previa que o povo exercesse a sua soberania através de iniciativa na
elaboração da Constituição e das Leis. Ainda, o art. 54 estabelecia que a Constituição Estadual disporia sobre a iniciativa legislativa popular e o referendo às leis, no âmbito do Estado e do Município. O art. 117 estabelecia que a Constituição poderia ser emendada mediante proposta de iniciativa popular nos termos previstos na Constituição. Por sua vez, o art. 120 assegurava o direito de iniciativa popular aos cidadãos e o parágrafo único estabelecia que o direito de iniciativa seria exercido através de apresentação, à Câmara dos Deputados, de projeto de lei ou proposta de emenda à Constituição devidamente articulado e subscrito por, no mínimo, três décimos por cento do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos 5 Estados da federação, com não menos de um décimo por cento dos eleitores de cada um deles. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Anteprojeto de Constituição. Vol. 219. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, junho de 1987.
120
constituintes, o processo constituinte se deslocava para os gabinetes, onde eram
realizados acordos para aprovação de propostas e alterações no texto do relator.
Destacam-se, nessa fase, as emendas populares n.º PE00021-1, defendida
por Dalmo de Abreu Dallari, que sustentava que a iniciativa popular deveria ser
adotada em todo o processo legislativo do Brasil; a n.º PE00022-9 e a n.º
PE00056-3, defendidas respectivamente por José Paulo Bisol (PMDB) e José
Gomes Pimenta, que tratavam igualmente do assunto. Entretanto, tais emendas
não foram acatadas na Comissão de Sistematização353. O 2º Substitutivo,
igualmente, não traz nenhuma alteração quanto ao conteúdo da iniciativa popular
de lei e de emenda à Constituição, conforme artigos 70, inciso IV e 71, §2º. O
Projeto de Constituição (A), por sua vez, contemplou a iniciativa popular de leis e
emendas à Constituição, nos exatos termos dos substitutivos do relator anteriores
(artigos 74, inciso IV, e 75, 2º)354.
Em 13 de janeiro de 1988, é apresentado o projeto do Centrão, que
representava uma séria ameaça à iniciativa popular de leis e emendas à
Constituição, sob a justificativa calcada no “princípio da representatividade
expresso no texto”355.
O constituinte João Herrmann Neto (PMDB) igualmente apresenta emenda
ao Projeto de Constituição (A), visando modificar o art. 75, §2º do texto, no 353ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Atas de
Comissões .Ata da 15ª Reunião Ordinária (01/09/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/01/88). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, pp. 429-430.
354 O Projeto de Constituição (A) estabelecia: “Art. 74. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: IV - de iniciativa popular, nos termos previstos nesta Constituição. Art. 75. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, aos Tribunais Superiores e aos cidadãos, na forma prevista nesta Constituição. § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação, à Câmara dos Deputados, de projeto de lei ou proposta de emenda à Constituição devidamente articulados e subscritos por, no mínimo, zero virgula três por cento do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados, com não menos de zero virgula um por cento dos eleitores de cada um deles”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Projeto de Constituição (A). Volume 251-253. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, novembro de 1987).
355 A emenda n. 2P02040-2, do Centrão, de autoria de Eraldo Tinoco, suprimia a iniciativa de popular de emenda à constituição e o referendo popular previsto no art. 75, e estabelecia: “Art. 72. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federa I; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Art. 73. A Iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ao Presidente da República, ao Primeiro-ministro, aos Tribunais Superiores, na forma prevista nesta Constituição. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Projeto de Constituição (A). Emendas oferecidas em Plenário – Volume II – Emendas nº 2P00949-2 A 2P02045-8. Vol. 255. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, janeiro de 1988.
121
intuito de permitir a iniciativa popular legislativa mediante apresentação à Câmara
dos Deputados de projeto de lei ou proposta de emenda subscritos por, no
mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados,
com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. Sustentou o parlamentar
que tal requisito não seria exagerado, correspondendo em aproximadamente
600.000 assinaturas, o que se mostrava razoável se comparado com a Constituição
Espanhola, que condicionava as emendas populares à subscrição de 500.000
eleitores.
Vilson Souza (PMDB), por sua vez, defende os mecanismos de democracia
participativa como uma forma que quebra do monopólio político da
representação356. No mesmo sentido, José Santana de Vasconcellos (PFL) afirma
que o mecanismo da iniciativa popular de lei irá conferir à sociedade “maior
capacidade de influir na condução dos destinos do País, ao mesmo tempo em que
acarretará sensível elevação do interesse e da conscientização política”357.
A Emenda Substitutiva n. 993, de autoria de Wilma Maia, igualmente
merece destaque. A proposta, com parecer favorável do relator, buscava alterar o
art. 29 do Projeto de Constituição (A), fazendo constar a seguinte redação: “§4º -
A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual.”. A
referida emenda é aprovada por 320 votos, tendo 106 votos contrários e 21
abstenções358.
Na mesma sessão, é proposta fusão das emendas de autoria de Vasco Alves
(PMDB), Hermes Zanetti (PMDB), Nelson Sabrá (PDT), Geraldo Alckmin
(PMDB) e Vitor Buaiz (PT), que resultaria na alteração do art. 32, que passaria a
prever: “Art. 32, V – participação das organizações comunitárias no planejamento
municipal e na fiscalização financeira e orçamentária nos termos da lei; VI –
iniciativa popular no processo legislativo”. A emenda, entretanto, recebe críticas
do constituinte Gerson Peres (PDS), que aduz que organizações espúrias e
paralelas, que se infiltram na administração dos municípios e dos estados estariam
retirando as atribuições do poder legítimo, do poder legislativo359.
356 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Diário da Assembleia Nacional
Constituinte. Ata da 187ª SESSÃO (26/01/88). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 338.
357 Ata da 188ª Sessão (27/01/88) (Ibidem, p. 366). 358 Ata da 220º Sessão (08/03/88) (Ibid., p. 349-350). 359 Ibid. pp. 366-367.
122
Mário Covas assevera o acordo celebrado nos bastidores para a aprovação
da emenda, sendo acompanhado por Bernardo Cabral, que profere parecer
favorável à aprovação. Entretanto, o texto da fusão é rejeitado, colhendo-se 245
votos favoráveis, 109 contrários e 23 abstenções360.
Em 15 de março de 1988, o projeto do Centrão é aprovado, com 359 votos
favoráveis e 81 desfavoráveis, além de 6 abstenções361. O referido documento
suprimia a iniciativa popular de leis e emendas à Constituição. Essa primeira
derrota progressista fez com o que o bloco se preparasse para buscar o consenso,
através de concessões ao bloco conservador, no intuito de garantir a manutenção
dos mecanismos de democracia participativa no texto final da Constituição. Nesse
sentido, os parlamentares Nelton Friedrich (PMDB), Myriam Portella (PDS) e
Ronaldo Cezar Coelho (PMDB) apresentam emenda modificativa em coautoria,
para inclusão da expressão “e aos cidadãos” ao caput do art. 75 do Projeto de
Constituição (A) e ao art. 73 do Projeto do Centrão362. O relator profere parecer
favorável à aprovação, entretanto, por ausência de quórum, a votação é adiada363.
Por sua vez, Vicente Bogo (PMDB) defende a proposta de iniciativa popular
de lei, entendendo que, se um grupo de eleitores consegue eleger um representante
para o Congresso Nacional, o mesmo número de eleitores deveria ter o direito à
iniciativa legislativa popular364.
A votação da emenda é retomada e Mário Covas levanta questão de ordem,
para que seja cumprido acordo previamente celebrado no gabinete da presidência,
para que a matéria seja votada ao final, após a votação de todas as emendas
relativas ao capítulo do Poder Legislativo, em clara manobra de aguardar o
momento mais propício para a votação do tema, quando houvesse o quórum
necessário para a aprovação. Assim, Ulysses Guimarães coloca em votação as
demais emendas com parecer favorável e contrário para a votação, cumprindo o
acordo.
Após a votação das demais emendas, a emenda sobre a iniciativa popular de
lei é novamente colocada em votação. Plínio Arruda Sampaio (PT), entretanto, 360 Ibid. p. 367. 361 Ata da 225ª Sessão . (15/03/88) (Ibid. p. 87). 362 Fusão das emendas D.991, D.1.214 e D.1.914: “Art. 75. A iniciativa das leis complementares
cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, aos Tribunais Superiores e aos cidadãos, na forma prevista nesta Constituição”. Ibidem. Ata da 227ª Sessão (17/03/88), p. 255.
363 Ibidem. pp. 255-256. 364 Ata da 229ª Sessão (21/03/88) (Ibid., p. 295).
123
verifica o baixo número de constituintes presentes e levanta questão de ordem,
solicitando que os membros do PT se retirem do Plenário. Inocêncio Oliveira
(PFL) e Amaral Neto (PDS) insistem para que a matéria seja imediatamente
votada e sugere à sua bancada que votem desfavorável à aprovação da emenda.
Haroldo Lima (PC do B), por sua vez, orienta o seu partido a se retirar do
plenário, no intuito de não dar quórum para votação, considerando que a emenda
seria derrotada. Assim, mais uma vez a votação da emenda é adiada365.
A emenda proposta em coautoria por Nelton Friedrich, Myrian Portella e
Ronaldo Cezar Coelho é votada no dia 22 de março de 1988, sendo aprovada em
apertada votação, computando-se 286 votos favoráveis, 128 contra e 18
abstenções366.
Na mesma oportunidade, é posto em votação a fusão de emendas propostas
pelos constituintes Nelson Aguiar, João Herrmann Neto, José Carlos Sabóia,
Ronaldo Cezar Coelho e Plínio Arruda, que previa a substituição do §2º do art. 75
e parágrafo aditivo ao art. 73 do Substitutivo, para estabelecer a iniciativa popular
de lei mediante a apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados,
subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos
5 Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.367 Através de
acordo e concessões por parte dos progressistas, com a majoração dos requisitos
para a propositura de projeto de lei, foi possível o consenso para a manutenção do
mecanismo de iniciativa popular de lei no texto final da Constituição. A
possibilidade da iniciativa popular de emendas à Constituição, entretanto, foi
totalmente suprimida. O texto da emenda é aprovado com 391 votos favoráveis,
98 contrário e 24 abstenções368.
Portanto, depreende-se que os conservadores apenas aceitaram a aprovação
da iniciativa popular de lei desde que seus requisitos fossem majorados,
dificultando, assim, a participação da sociedade perante o legislativo, bem como
através da exclusão da possibilidade de proposta popular de emenda à
Constituição.
O Projeto de Constituição (B) contemplou a iniciativa popular de leis, nada
prevendo sobre a possibilidade de emenda à Constituição. Ainda, majorou os
365 Ibidem. p. 323-324. 366 Ata da 230ª Sessão (22/03/88) (Ibidem., p. 340-342). 367 Ibid. p. 342. 368 Ibid. pp. 342-343.
124
requisitos da iniciativa, dispondo que as subscrições necessárias deveriam ser no
patamar de 1% do eleitorado nacional. Ainda, o texto elevou a exigência de 0,1%
para 0,3% das assinaturas em cada um dos 5 Estados.
Com a promulgação da Constituição em 05 de outubro de 1988, a iniciativa
popular de leis restou prevista nos artigos 14, inciso III; 27, §4º. 29, inciso XI e
61, §2º.
Portanto, resta demonstrado que, do início dos debates da Assembleia
Nacional Constituinte até a promulgação do texto final da Constituição, o direito
de iniciativa popular de leis e emendas à Constituição sofreu uma forte resistência
por parte dos conservadores, através de justificativas como representatividade,
impossibilidade fática da organização do povo e seu desconhecimento para propor
boas leis, traduzindo assim, na visão negriana, um esforço termidoriano de
afastamento da participação do povo nas decisões políticas. O poder constituinte é
limitado no espaço e no tempo, apenas vivo na Assembleia Constituinte, na
elaboração da Constituição, e através dos seus oniscientes representantes.
4.5
Voto destituinte ou revocatório de mandato
O debate acerca do instituto do voto destituinte, também denominado
“recall”, surge através do anteprojeto do relator da Subcomissão dos Direitos
Políticos, dos Direitos Coletivos e das Garantias, pertencente à Comissão da
Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. O anteprojeto da
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais nada previa sobre o referido
instituto. Quanto ao projeto “Muda Brasil!” de Fábio Konder Comparato,
igualmente não trazia disposição similar, entretanto, alguns artigos se mostram
interessantes e dignos de destaque.
Nesse sentido, o Anteprojeto de Comparato previa a possibilidade de
exercício de ação penal privada subsidiária contra funcionários e autoridades
125
públicas, bem como membros do poder legislativo (art. 13)369 e contra o
Presidente da República, em se tratando de crimes políticos, ocasião em que a
ação deveria ser proposta por um conjunto de dez mil cidadãos (art. 99)370.
Havendo condenação, tanto o membro do legislativo quanto o Presidente ou Vice-
Presidente, seriam destituídos do cargo371. Contudo, no caso de parlamentar, a
perda do mandado não seria automática, cabendo deliberação da casa respectiva,
pelo voto da maioria absoluta dos seus membros372.
As previsões e suas redações não se assemelham ao instituto do voto
revocatório, que diz respeito a voto popular para revogação de mandato.
Entretanto, a discussão não era nova no pensamento constitucional brasileiro, já
que a Constituição Castilhista do Rio Grande do Sul, em seu art. 39, previa que “o
mandato de representante não será obrigatório; poderá ser renunciado em qualquer
tempo e também cassado pela maioria dos eleitores”373.
369 “Art. 13 - Ressalvadas as disposições em contrários desta Constituição, todo cidadão tem
direito de exercer, subsidiariamente, a ação penal contra qualquer agente, funcionário ou autoridade pública, magistrado ou membro do Poder Legislativo, caso o representante do Ministério Público deixe de exercê-la ou se recuse a fazê-lo, no prazo fixado em lei. Parágrafo único – o exercício da ação penal subsidiária, prevista neste artigo, exclui a imputação de denunciação caluniosa.” (COMPARATO, 1986, pp. 80-81).
370 Art. 99 – A propositura de ação penal contra o Presidente ou Vice-Presidente da República compete, em qualquer crime, ao Procurador Geral da República, e, nos crimes políticos, também a qualquer partido político ou conjunto de dez mil cidadãos.” (Ibidem, p. 102).
371 “Art. 100, §2º - A condenação do Presidente ou do Vice-Presidente da República implica a sua destituição do cargo, sem prejuízo das penas cominadas pela prática de crimes comuns.” (COMPARATO, 1986, p. 102).
372“Art. 120 – Perde o mandato o deputado ou senador: [...] II – que for condenado criminalmente; [...] §2º - No caso do inciso II, compete à câmara a que pertencer o parlamentar, pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, deliberar sobre a perda do mandato, a pedido de qualquer dos seus membros.” (Ibidem. p. 108).
373 A Constituição Castilhista trouxe importantes contribuições para o pensamento constitucional brasileiro, abordando não apenas a possibilidade de revogação do mandato do representante da Assembleia, mas prevendo um interessante sistema de submissão das leis do Estado a um duplo controle pelo eleitorado e pelos Conselhos Municipais, sendo que o projeto permitia que qualquer cidadão submetesse emendas ao documento normativo antes que ele fosse promulgado e convertido em lei. Ainda, a lei promulgada poderia ser revogada pelos Conselhos Municipais, conforme art. 32, que assim estabelecia:
“Art. 32. Antes de promulgar uma lei qualquer, salvo o caso a que se refere o Art. 33, o Presidente fará publicar com a maior amplitude o respectivo projeto acompanhado de uma detalhada exposição de motivos. §1º O projeto e a exposição serão enviados diretamente aos Intendentes municipais, que lhes darão a possível publicidade nos respectivos municípios. §2º Após o decurso de três meses, contados dia em que for publicado na sede do Governo, serão transmitidas ao Presidente, pelas autoridades locais, todas as emendas e observações que forem formuladas por qualquer cidadão habitante do Estado. §3º Examinando cuidadosamente essas emendas e observações, o Presidente manterá inalterável o projeto, ou modificá-lo-á de acordo com as que julgar procedentes.§4º Em ambos os casos do parágrafo antecedente, será o projeto, mediante
126
4.5.1
Comissão I
O debate sobre o recall surge originalmente a partir da Instalação da
Assembleia Constituinte, na subcomissão I-B, que trata dos Direitos Políticos,
Direitos Coletivos e Garantias. O anteprojeto da referida subcomissão, de relatoria
do deputado Lysâneas Maciel (PDT-RJ)374, previa no capítulo intitulado “Dos
Direitos Políticos” o seguinte instituto:
Art. 18. - Os eleitores poderão revogar, por voto destituínte, o mandato concedido a seus representantes no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, na forma regulamentada em lei complementar. Art. 19. - A lei complementar prevista no artigo anterior será submetida à sanção presidencial no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da promulgação desta Constituição, sob pena de se aplicar, provisoriamente, norma interpretativa do princípio Constitucional a ser baixada pelo Tribunal Constitucional.375
O voto destituinte ou recall376, no direito norte-americano, em sentido
amplo, seria a medida que confere ao eleitorado o poder de substituir um ocupante
de cargo público eletivo antes do término normal de seu período. Equivaleria a
promulgação, convertido em lei do Estado, a qual será revogada se a maioria dos Conselhos Municipais representar contra ela ao Presidente.” (CASTILHOS, 1982. Pp. 453-455).
374Nesse sentido, Lysâneas Maciel, na 3ª Reunião da Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, em 26/05/87, afirmou: “O Constituinte Afonso Arinos achava que nós, representantes eleitos, perderíamos nossos vínculos com o povo, e nós, ao sugerirmos o voto destituínte, achávamos que esse vínculo existe permanentemente, e não apenas no ato do voto, que se repete de quatro em quatro anos – aquilo que chamo, de maneira jocosa, "política copa-do-mundo'', porque coincide com o campeonato mundial de futebol. Com o voto destituinte, aí, sim, estabelece-se uma relação entre o parlamentar e o povo. Sugerimos o recall, o direito de destituir o parlamentar.” (ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Atas das Comissões. Ata da 3ª Reunião (26/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (17/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
375 ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Relatório e Anteprojeto. Vol. 74. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
376 O Black’s Law Dictionary define o recall da seguinte forma: “n.1. Removal of a public official form officeby popular vote. 2. Manufacturer’s request for the return of defective products for repair or replacement. 3. Revocation of a judgement for factual or legal reasons.” (Black’s Law Dictionary. Seventh Edition. Bryan A. Garner Editor. St. Paul, Minessota: West Goup, 1999. p. 1274). Em português: n. 1. Exoneração de funcionário público de suas funções mediante votação popular. 2. Solicitado do fabricante aos consumidores para a devolução de produtos defeituosos para reparo ou substituição. 3. Anulação de julgamento por razões factuais ou legais.
127
uma revogação de mandato, pela desconfiança no representante, o que anularia a
escolha daquele mandatário para exercício da representação, sendo tal medida de
iniciativa exclusiva dos eleitores.
O relator defendia a necessidade do povo se fazer presente na política e não
mais ser esquecido pelos seus representantes. Assim, os eleitores de uma
determinada região poderiam, pela má atuação e falta de confiança no
parlamentar, cassar o mandato e, assim, participar das decisões públicas,
escolhendo as suas prioridades377.
Em outra oportunidade, na 12ª Reunião Ordinária do dia 13 de maio de
1987, o relator levanta hipótese interessante para demonstrar a necessidade do
instituto e maior participação popular. Segundo o constituinte, caso um
parlamentar eleito para um mandato de 8 anos, como no caso dos senadores,
renunciasse o seu mandato no primeiro ano, não caberia ao seus eleitores se
pronunciarem se desejariam ser representados por mais 7 anos pelo suplente?378
Na mesma reunião, o relator defende que, igualmente, qualquer cidadão poderá
questionar abusos de poder econômico e eleitoral durante o mandato do
parlamentar, tendo em vista que os prazos prescritivos da Justiça Eleitoral seriam
exíguos, beneficiando, assim, os mandatários379.
377“Submeto a apreciação desta Subcomissão o instituto existente em outras Constituições, o
chamado recall. Quando o parlamentar, pela sua má atuação decai da confiança pública os eleitores daquela região podem cassar o seu mandato por traição aos princípios que ele defendeu. Isso significaria que estaríamos devolvendo ao povo o grande ausente mais uma oportunidade de expressar as suas prioridades. Se alguns Constituintes pensam que vamos lá deitar falação fazer discurso estão enganados. Não é esse o espírito do Presidente do Relator ou daqueles que fizeram essa proposição. Evidentemente, o povo está cansado como grande ausente do processo elaborativo de uma lei, de ouvir muitas vezes, as falações dos parlamentares”. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE.Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Atas de Comissões. 2ª Reunião Ordinária (14/04/1987). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 6).
378“Invoquei precisamente o exemplo de S. Exª., o Constituinte Afonso Arinos, que foi eleito Senador pelo prazo de oito anos. O povo do meu Estado outorgou-lhe um mandato de oito anos, mas S. Exª já declarou. segundo os jornais informam, que, ao término dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. vai renunciar ao seu mandato. Este é um caso típico do direito de recall, ou seja, do direito de consultar o povo do meu Estado se ele quer que o seu suplente exerça realmente um mandato pelo prazo de sete anos a mais. E assim, por exemplo, alguns Deputados e Senadores que negociam seu mandato, muitas vezes não têm um determinado comportamento, e o povo teria o direito de rever esse mandato. a fim de que haja realmente uma partilha, um mandato exercido através de uma prática conjunta com setores populares.” (Ibidem. p. 65).
379 “Em relação ao voto destituinte ou revogatório, tomamos imprescritíveis os crimes eleitorais e os abusos do poder econômico durante o mandato. Todos sabemos que os prazos são reclusivos, são muito curtos, para a apuração desses crimes eleitorais de abuso de poder econômico. Então instituímos que durante o mandato do Senador ou do Deputado, se qualquer cidadão, qualquer
128
A implementação do instituto ficaria a cargo de lei complementar, uma vez
que não se sabia, naquele momento, qual seria o sistema de governo a ser adotado,
se o parlamentarista ou presidencialista, bem como pairavam dúvidas acerca da
votação, se ocorreria em âmbito nacional ou apenas na base eleitoral do
representante cujo mandato se pretende revogar. A lei complementar para
regulamentação da matéria deveria ser elaborada em 180 dias, depois de
promulgada a Constituição, caso contrário caberia ao Tribunal Constitucional
baixar uma norma interpretativa de aplicação provisória, até que se sanasse a
referida omissão legislativa.
A previsão dos arts. 18 e 19 do anteprojeto do relator foi alvo de emenda
supressiva 1B0007-1, de relatoria do constituinte João Rezek, do PMDB. Segundo
o parlamentar, o referido procedimento de revogação do mandato por parte do
eleitorado significaria uma “nova forma de cassação indiscriminada e
inadmissível de mandatos parlamentares que foi, aliás, características dos
governos militares e por isso mesmo autoritários”380. Ademais, salienta o
deputado, o instituto poderia servir como manobra para que o adversário político
do representante cassasse o seu mandato. Os mesmos dispositivos são alvo,
igualmente, da emenda supressiva 1B0034-8, de autoria de Haroldo Lima, do PC
do B, que entendia:
O voto destituinte, proposto pelo relator, embora positivo, só tem sentido no sistema eleitoral distrital, com o qual não concordamos, por considerá-lo antidemocrático. Assim, propomos a supressão do dispositivo.381
Outra emenda aditiva e que merece destaque é a proposta 1B0144-1, de
autoria de Samir Achôa (PMDB), que alterava a redação do parágrafo único do
art. 17 e acrescentava os parágrafos 2º e 3º ao dispositivo382. A justificativa de
emenda aborda o voto destituinte, em um discurso aparentemente a favor da
eleitor quiser questionar os abusos do poder econômico, a corrupção eleitoral, poderá fazê-lo até o término do mandato e não nos prazos preclusivos.” (Ibid. p. 66)
380 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Emendas ao Anteprojeto do Relator. Vol. 75. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987.
381 Ibidem. 382O art. 17 do Anteprojeto do Relator estabelecia:
“Art. 17 – Os detentores de mandatos eletivos têm o dever de prestar contas de suas atividades aos eleitores. Parágrafo único – A qualquer tempo, no curso do mandato parlamentar, poderá ser oferecidas impugnações à Justiça Eleitoral com fundamento em abuso do poder econômico, corrupção e fraude, transgressões eleitorais essas puníveis com a perda do mandato.”
129
soberania popular e do instituto. Entretanto, o discurso se distancia do objetivo da
emenda, que trazia nos §2º e §3º disposições gravosas para os eleitores que
buscassem impugnar o mandato parlamentar perante a justiça eleitoral. Nesse
sentido, o processo eleitoral de impugnação, em regra, sempre tramitaria em
segredo de justiça, assim como, em caso de ação temerária ou de manifesta má-fé,
o impugnante poderia ser condenado a uma pena que variava de 02 à 04 anos de
reclusão. Por fim, a redação do parágrafo único, que seria renumerado como §1º,
passava a limitar o direito de impugnação em 02 anos, contados da diplomação.
Tais medidas, na verdade, parecem erguer verdadeira blindagem em favor dos
parlamentares, até pelo conceito aberto de “temerário”, que ao fim seria
interpretado pelo Judiciário383.
Diante das emendas, o relator se posiciona pela rejeição da proposta de João
Rezek e Haroldo Lima, mas profere parecer favorável pela aprovação da emenda
de Samir Achôa384. Assim, a emenda aditiva passa a vigorar no texto do
Anteprojeto, com uma alteração em relação ao prazo preclusivo da impugnação,
que de 02 anos passa para 06 meses, a partir da diplomação.
Na Subcomissão I-C, o recall foi alvo de discussão apenas na Audiência
Pública realizada no dia 30 de abril de 1987, quando, após exposição de José
Geraldo de Souza Júnior, da Comissão de Justiça e Paz da CNBB do Distrito
Federal, o constituinte José Fernandes se posiciona desfavorável ao instituto,
entendendo que o mesmo poderia ser facilmente manipulado pelos detentores de
poder econômico385.
383ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE.ASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e Dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias. Emendas ao Anteprojeto do Relator. Vol. 75. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
384 O art. 17 do Anteprojeto do Relator, após a emenda de Samir Achôa, é renumerado como art. 18 e passa a apresentar a seguinte redação:
“Art. 18 – Os detentores de mandatos eletivos tem o dever de prestar contas de suas atividades aos eleitores.
§1º– o mandato parlamentar poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de até 06 meses após a diplomação, instruída a ação com provas conclusivas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, transgressões eleitorais essas puníveis com a perda de mandato.
§2º - salvo decisão liminar do juiz ante a prova dos autos, a ação de impugnação de mandato tramita em segredo de justiça.
§3º - Convicto o juiz de que a ação foi temerária ou de manifesta má-fé, o impugnante será condenado à uma pena de dois a quatro anos de reclusão.”
385“Só que, no Recall haveria mais um problema de inerência com a situação brasileira. Nos Estados Unidos o recall é financiado por aqueles que desejam promovê-lo. Aqui, não sei quem iria promovê-lo, porque as leis são abundantes, são consentâneas com o pensamento, com a lógica e com o progresso que se quer dar à sociedade. Mas o que se observa no Brasil é que sempre são deturpadas, sobretudo pelo poder econômico. Aqui só haveria recall para o sujeito
130
O recall foi um dos institutos de participação democrática semidireta que, já
na Comissão respectiva, foi excluída dos debates e do texto constitucional.
A anteprojeto do Relator José Paulo Bisol, da Comissão da Soberania e dos
Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, já não previa mais o voto destituinte
como no anteprojeto, trazendo a redação, tão-somente, do dever do representante
de prestar contas de suas atividades e a ação de impugnação de mandato,
conforme anteprojeto final da Subcomissão I-B, de Relatoria de Lysâneas
Maciel386. Ainda, somente mencionava o voto destituinte nos art. 5º, inciso IV,
alínea “e” e art. 15, inciso III, como meio de exercício da soberania pelo povo387
regulamentada através de lei complementar388.
Essa lacônica redação do inciso III foi alvo de emenda supressiva 1S0149-6,
de autoria de Narciso Mendes, do PDS, que justificava sua proposta no fato de
que o político que trai a convicção daquele que o elegeu sofrerá, certamente, sua
derrota na próxima eleição389.
O constituinte José Mendonça de Morais, por sua vez, propôs a emenda
supressiva 1S0286-7, atacando a previsão do art. 15, inciso III do anteprojeto e
emenda supressiva 1S0284-1, que impugnava a previsão do art. 5º, inciso IV, “e”
do Anteprojeto. Segundo o constituinte, o voto destituinte seria instituto
tipicamente engendrado para perseguições políticas desenfreadas, principalmente
no caso de minorias partidárias, bem como traduziria verdadeira “caças às
bruxas”, devendo a cassação se dar nas eleições seguintes, pela não reeleição do
candidato390. Os artigos 5º, IV, “e” e 15, III, do anteprojeto também são alvos de
propostas de supressão por parte de Lidice da Mata, do PC do B, conforme
emendas 1S0338-3 e 1S0339-1, respectivamente, justificando a parlamentar que o
instituto poderia ser manipulado pelo poder econômico e oligarquias regionais391.
que viesse defender o trabalhador que estivesse do lado das minorias”. O referido constituinte irá propor emenda supressiva na Comissão, contra o voto destituinte. (Ata de Audiência Pública realizada no dia 30 de abril de 1987, p. 122).
386 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUITNTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Parecer e Substitutivo do Relator. Vol. 66. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. p. 9
387 Ibidem. p. 10. 388 Art. 5º, inciso IV, “e” – “os eleitos pelo voto estão sujeitos a ser destituídos pelo voto, na forma
da lei complementar”. (Ibid. p. 9). 389ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUITNTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Vol. 67. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. p. 35.
390 Ibidem, p. 64. 391 Ibid. p. 76.
131
Outro constituinte que impugnou o recall foi Henrique Eduardo Alves, do
PMDB, que, através da emenda 1S0540-8, buscava suprimir a disposição do art.
5º, inciso III, alínea “e”, igualmente por temer a utilização do instituto pelo poder
econômico e maiorias partidárias392. Também do PMDB, o deputado Délio Braz,
por sua vez, propõe as emendas supressivas 1S0646-3, igualmente atacando a
disposição do voto destituinte no art. 5º393, e 1S0650-1, impugnando o art. 15 do
Anteprojeto.
Enfim, os artigos que versam sobre o voto destituinte, já reduzidos no
substitutivo do relator da Comissão, em relação ao que o Anteprojeto da
Subcomissão previa, sofreram impugnações de diversos constituintes394, conforme
as emendas supressivas apontadas. Após as emendas ao substitutivo, nova redação
do relator da Comissão, José Paulo Bisol (PMDB), manteve as disposições do art.
5º, IV, “e”395 e art. 15, inciso III396, em seu substitutivo.
Entretanto, o voto destituínte é excluído do Anteprojeto final da Comissão,
conforme se depreende da ata da reunião do dia 12/06/87397, após diversas
manifestações desfavoráveis ao instituto.
Alguns posicionamentos podem ser extraídos dos debates nas reuniões da
Comissão, como por exemplo, o entendimento do constituinte Costa Ferreira, que
opunha o voto revocatório com a imunidade parlamentar:
Outro assunto que quero ventilar para que o Relator o estude melhor é quanto ao voto destituinte. Por exemplo: a alínea ‘e’, do inciso III de um dos artigos, diz: ‘Os eleitores poderão revogar, por voto destituinte, o mandato concedido a seus
392 Ibid. p. 125. 393 Ibid. p. 151. 394 Ainda, Costa Ferreira, na 7ª Reunião da Comissão realizada no dia 01/06/1987, se pronuncia
desfavoravelmente ao voto destituinte: “Outro o assunto que quero ventilar para que o Relator o estude melhor é quanto ao voto destituínte. Por exemplo: a alínea ‘e’, do inciso III de um dos artigos, diz: ‘Os eleitores poderão revogar, por voto destituinte, o mandato concedido a seus representantes no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais’. Achamos que este assunto deve ser melhor estudado, porque há a imunidade parlamentar. Caso o parlamentar falte com o decoro, será submetido a julgamento e punido pelo Congresso. E competirá ao povo dar a resposta, na próxima eleição, pela boa ou má atuação do seu representante.”(ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher.Atas de Comissão. Ata da 7ª Reunião (01/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (18/06/87), p. 34).
395 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Parecer e Substitutivo (nova redação). Vol. 68. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987. p. 7 .
396 Idem. p. 7. 397 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Atas de Comissão. Ata da 13ª Reunião (12/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/07/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 155.
132
representantes no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais’. Achamos que este assunto deve ser melhor estudado, porque há a imunidade parlamentar. Caso o parlamentar falte com o decoro, será submetido a julgamento e punido pelo Congresso. E competirá ao povo dar a resposta, na próxima eleição, pela boa ou má atuação do seu representante.398
Por sua vez, o deputado Francisco Rollemberg, igualmente opõe a imunidade
parlamentar como garantia do pleno exercício do mandato parlamentar ao voto
destituinte, bem como demonstra receio na utilização do voto popular pela
oposição política399.
Narciso Mendes é outro constituinte que se manifesta contrário ao voto
destituinte na comissão400, entendendo pela sua inaplicabilidade na prática. De um
modo geral, algumas preocupações sobre quais eleitores seriam legítimos para
revogar o mandato foram levantadas na Comissão. Se os legitimados seriam todos
os eleitores em âmbito nacional, ou no âmbito do Estado em que o parlamentar foi
eleito ou se somente o eleitorado que escolheu o representante poderia realizar
nova votação para destituí-lo do cargo, sendo que essa última hipótese seria
inviável na prática diante do voto secreto.
4.5.2
Comissão III
O tema acerca do recall ou voto destituinte também foi objeto de debates na
Comissão de Organização dos Poderes, principalmente na Subcomissão do Poder
Judiciário e do Ministério Público.
Na referida subcomissão III-C, entretanto, o instituto do recall é pensado na
aplicação perante o poder judiciário, ou seja, um recall judicial, onde a soberania
398Ibidem. Ata da 7ª Reunião (01/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (18/06/87).
Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 34. 399 “Há, ainda, o seguinte: ‘ Os eleitores poderão revogar por voto destituínte o mandato...’ Ora,
lutamos durante todos esses anos contra a queda da imunidade parlamentar, que nos garantia o pleno exercício do mandato parlamentar. Não é possível chegarmos com a espada de Dâmocles sobre nossas cabeças, correndo o risco de termos nosso mandato cassado a todo instante. E aqueles que, como eu, são do Norte ou do Nordeste, onde há muita intriga, futrica política, tremendas lutas partidárias, sabem que vai haver cassação sobre cassação.” (Ibidem. , p. 49.
400 Idem. Ata da 10ª Reunião (08/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (26/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 76.
133
popular poderia anular uma decisão judicial ou destituir o juiz do Supremo
Tribunal Federal do seu cargo, funcionando como uma forma de controle popular
da atividade judicante estatal. O assunto surge após a indagação acerca de quem
controlaria o STF, levantada pelo professor Roberto Santos na 4ª Reunião
Extraordinária da subcomissão, realizada no dia 04/04/1987.
O presidente José Costa (PMDB) se posiciona favorável à proposta de recall
dos juízes do Supremo Tribunal Federal401, bem como Michel Temer402, ao
defender a cassação de decisão judicial sobre matérias relevantes pelo voto
popular, conforme manifestação na 6ª reunião extraordinária de 27/04/1987.
Contudo, em que pese as manifestações na subcomissão, o Anteprojeto segue sem
nenhuma previsão sobre o recall judicial.
Na comissão respectiva, o assunto acerca do recall judicial não é mais
debatido, sendo que, nas atas de comissão, apenas consta manifestação do
constituinte Plínio Arruda Sampaio, que se posiciona favorável ao recall, que
poderia ser aplicado não só para os membros do legislativo e executivo, mas
também em relação ao poder judiciário403.
401José Costa afirma: “Prof. Roberto Santos, a Presidência indaga, ainda dentro da pergunta do
Relator, Constituinte Plínio Arruda Sampaio, a respeito de quem controlaria o Supremo Tribunal Federal, ou quem controlada a Corte Constitucional? S. Ex.ª, na oportunidade, disse que ‘democracia é um sistema em que um Poder controlaria o outro’. Eu arremataria dizendo que o povo deve ter o poder e a oportunidade de controlar todos que apontem isso, originário do poder. Como V. Ex.ª veda, por exemplo, a experiência do Japão, em que o Imperador nomeia o Presidente da Corte Suprema, o Conselho nomeia os demais membros e, na primeira oportunidade em que há eleição direta, o povo é chamado a se pronunciar sobre essas indicações, havendo uma espécie de recall, oito anos depois. Só depois de decorrido esse tempo é que o povo se manifesta sobre a atuação, o desempenho de cada um desses juízes da Corte Suprema, podendo eventualmente afastá-los ou não.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público.Atas de Comissão. Ata da 6ª Reunião Ordinária (27/04/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte 20/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 113).
402 Destaca Michel Temer: “Por outro lado, indagaria também dos ilustres expositores o que acham da hipótese segundo a qual um certo número de eleitores poderia eventualmente cassar uma decisão judicial, a exemplo do que ocorre em um ou outro estado norte-americano, o chamado recall judicial. Em certas matérias que dizem respeito, por exemplo, a grandes temas constitucionais, como do meio ambiente, fixadas no texto constitucional, seria possível imaginar-se a participação comunitária. Há a ideia tantas vezes expressada de que o juiz não é onisciente; ele conhece uma técnica jurídica, determinada, técnica científica, mas na verdade muitos e muitos poderiam ser juízes de certas questões. Pelo menos foi esta a tônica dos comentários e da exposição. Então, para nosso esclarecimento, indago dos ilustres expositores o que é que achariam da possibilidade de uma manifestação popular a ser determinada pela Constituição e especificada, regulamentada em legislação infraconstitucional, em certas matérias, para a cassação da decisão judicial.” (Ibidem. Ata da 6ª Reunião Extraordinária (27/04/87). p. 134).
403 “De toda maneira, não acho que possamos eximir o Judiciário, o Legislativo nem o Executivo de um controle mais rígido por parte da própria população. Sou favorável ao recall e, em certas
134
Portanto, o instituto do voto destituinte ou revocatório de mandato já é
retirado de pauta e alijado da possibilidade de figurar no texto constitucional e
fazer parte de maiores debates e reflexões na Constituinte já na própria Comissão
da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, após as emendas
supressivas e argumentos já tratados, não tendo sido encaminhado para a
Comissão de Sistematização.
4.5.3 Comissão de Sistematização
De fato, na Comissão de Sistematização, o assunto acerca do voto
destituinte é confundido com a ação de impugnação de mandato na Justiça
Eleitoral, que se encontrava no primeiro anteprojeto da Comissão de
Sistematização, relatado por Bernardo Cabral, no art. 28, inciso IV. Tal ação
estabelecia que o mandato parlamentar poderia ser impugnado na Justiça Eleitoral
no prazo de até seis meses após a diplomação, instruída com provas conclusivas
do abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, bem como que o impugnante
responderá por denunciação caluniosa em caso de ação temerária ou movida de
má-fé404.
Nesse sentido, Samir Achôa (PMDB) propõe emenda modificativa
CS03216-1, que estabelecia que a impugnação poderia ser movida até 2 anos a
contar da diplomação, ampliando assim o prazo para o exercício da ação. Ainda,
alterava a alínea “c” do art. 28, inciso IV, para prever que o impugnante será
impugnado à pena de 02 a 04 anos de reclusão em caso de impugnação temerária
ou de má-fé. O autor da emenda trata a previsão do art. 28, inciso IV como sendo
o instituto do voto destituinte, mecanismo que se mostra presente nas
Constituições europeias e que remonta à Grécia Antiga. Segundo o constituinte, a
discordância dos parlamentares da subcomissão 1-B, relatada por Lysâneas
circunstâncias, ao mandato imperativo.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Ata da 2ª Reunião de Audiência Pública. 06/05/1987. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (04/08/87), p. 34).
404 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Anteprojeto de Constituição. Volume 219. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987, p.9.
135
Maciel, não era contra o estudo, mas somente em relação à forma com que foi
apresentado405.
Contudo, a previsão acerca da possibilidade de voto popular para revogação
de mandato do parlamentar não foi submetida à Comissão de Sistematização.
4.6
Referendo e Plebiscito
O referendo popular e o plebiscito são instrumentos que se encontram
previstos no art. 14, incisos I e II406 e art. 49, inciso XV do Texto Constitucional
promulgado em 1988. Segundo Adrian Sgarbi, tais mecanismos encontram
assento no art. 1º, parágrafo único da Constituição, que reconhece o exercício
direto da soberania popular político-decisória407. Tal disposição se assemelha ao
previsto no art. 174, inciso V, do Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, que
estabelecia ser da competência exclusiva do Congresso Nacional determinar a
realização de referendo408. Entretanto, o documento não trazia disposição sobre a
consulta plebiscitária.
405“No curso da discussão, no plenário da Subcomissão, do Anteprojeto elaborado pelo nobre
Deputado LYSANEAS Maciel, concluímos que as vozes que se fizeram ouvir contra a proposta do VOTO DESTITUINTE não eram, em verdade, contra o novo instituto, mas sim contra a forma em que fora apresentado. Afinal, não temos dúvida de que nenhum parlamentar poderia sentir-se em posição confortável na convivência inevitável com colegas espuriamente eleitos. Com as emendas acima, esperamos contribuir para a aprovação desse dispositivo, que honra esta Subcomissão como um destacado marco de seu trabalho, e que amanhã será lembrado como uma das mais significativas contribuições da Assembleia Nacional Constituinte para a defesa do prestígio e da credibilidade do Poder Legislativo. Por último, vale recordar que o VOTO DESTITUINTE, uma novidade recebida com cautela entre nós, ê um Instituto secular, que remonta ã Grécia Antiga, presente hoje nas democracias europeias ocidentais e na Constituição soviética. Em nosso Hemisfério, o direito de destituir mandatário que traem a confiança do eleitorado está enraizado nos Estados que se uniram na Confederação norte-americana, desde a proclamação da Independência das Estados Unidos da América.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Emendas Oferecidas ao Anteprojeto de Constituição – Volume II (Emendas 2732 a 5624). Volume 222. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Julho de 1987, p. 769).
406 Dispõe o artigo: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – Referendo;”. Já o artigo 49, estabelece: “Art. 49. É de competência exclusiva do Congresso Nacional: XV – autorizar referendo e convocar plebiscito”.
407SGARBI, 1999, p.27. 408PEREIRA, 1987. p. 64.
136
4.6.1
Comissão I
Os institutos do referendo e do plebiscito, que são mecanismos de
democracia participativa, são tratados na Comissão I, da Soberania e dos Direitos
e garantias do Homem e da Mulher, e nas suas subcomissões.
Na subcomissão I-A, o referendo e o plebiscito são pensados no contexto
das relações internacionais e na ratificação, pelo Brasil, de tratados e pactos
internacionais. O anteprojeto do relator João Hermann Neto nada previa sobre
esses institutos, sendo que tal documento foi alvo de emendas aditivas pelos
parlamentares membros daquele foro de discussão.
Nesse sentido, inicialmente, Aldo Arantes já apresentava sugestão ao
Anteprojeto do relator, para que a aprovação dos pactos e tratados internacionais
fossem submetidos, pelo Congresso Nacional, ao plebiscito popular409.
Nas Atas da Subcomissão, importante destacar, igualmente, o
pronunciamento do professor Carlos Roberto de Siqueira Castro, em Reunião
realizada no dia 30 de abril de 1987, que defendia o instituto do referendo
popular:
Na Europa se fazem referendos para decisão das grandes questões nacionais. A Constituição da Espanha diz que o Congresso, quando considerar, por uma maioria de quórum qualificado, que determinada matéria deve merecer a aprovação popular antes de ir à discussão congressual. Baixará uma lei orgânica neste sentido. Tenho para mim – e digo isso com muita franqueza – que se no Brasil o povo tivesse tido a oportunidade de deliberar sobre determinados projetos – megalômanos, como a construção de oito usinas nucleares de Angra dos Reis, como a inundação de
409 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Anteprojeto do Relator. Volume. 70. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 13
137
Tucuruí e outras mais, e o próprio endividamento externo, se o povo brasileiro não tivesse sido o grande ausente desse banquete faustoso e despudorado que foram esses vinte anos de centralismo tecnocrático, militar, não teríamos chegado a um resultado tão catastrófico. O povo brasileiro, no auge da sua sabedoria, de sua competência política, por que não, da sua intuição, que é insubstituível – a intuição do homem comum, do homem das ruas, do homem que é vitima de qualquer processo de decisão governamental – quando é convocado a decidir sobre temas nacionais relevantes é sempre bem-vindo e sempre subsidia o aperfeiçoamento da decisão a nível do Congresso Nacional.410
Algumas emendas igualmente merecem destaque, como a proposta de
autoria de Maurício Nasser (Emenda 1A0028-9), do PMDB, que estabelecia que
os símbolos permanentes da Nação Brasileira, como a Bandeira, o Hino, o Escudo
e as Armas da República somente podem ser alterados mediante plebiscito
popular, modificando assim o art. 9º do anteprojeto411.
Ainda, a emenda 1A0046-7, de Haroldo Lima (PC do B), propunha a
realização de plebiscito nacional como requisito de vigência de acordos, tratados e
pactos internacionais ratificados pelo Congresso Nacional412. O relator, entretanto,
se posiciona pela rejeição em seu parecer, por entender desaconselhável tal
medida, que retiraria do chefe do executivo a faculdade de ratificar tratados e, do
Congresso, de aprová-los.
Por fim, a emenda de Cássio Cunha Lima (1A00139-1), do PMDB,
estabelecia a seguinte redação ao art. 2º do anteprojeto: “A soberania pertence ao
povo que a exerce através de seus representantes e por meio do referendum ou
plebiscito”. Necessário destacar que a emenda 1A0172-2, de Geraldo Bulhões
(PMDB) igualmente trazia a previsão do plebiscito e referendo como exercício da
soberania popular413. O relator entende que a emenda de Cássio Cunha Lima
estaria prejudicada, por entender que não é de competência da subcomissão tratar
de referendo e plebiscito. Quanto à emenda de Geraldo Bulhões, o relator opina
pela rejeição, por entender que a primeira parte violaria a democracia direta414.
410 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos do
Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Atas de Comissões. Ata da 5ª Reunião do dia 30 de abril de 1987. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
411 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais. Emendas ao Anteprojeto do Relator. Vol. 71. Brasília: Centro Gráfico do Senado.
412Ibidem. 413 Ibidem. 414 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
138
Assim, o anteprojeto da subcomissão I-A segue sem alterações, nada
prevendo sobre referendo e plebiscito.
Na Subcomissão I-B, o tema acerca do plebiscito e referendo pode ser
observado já no anteprojeto do relator, Lysâneas Maciel (PDT), que previa, no art.
24, parágrafo único, a necessidade de consulta plebiscitária à comunidade
diretamente afetada em locais de instalação ou ampliação de usinas nucleares e
outras obras de grande porte que possam causar danos ao meio ambiente415.
Ainda, o art. 20 dispunha que as emendas constitucionais aprovadas com voto
contrário de 2/5 dos membros do Congresso Nacional, desde que requerido por
50% dos votos vencidos, seriam submetidas ao referendo popular416. O art. 30
estabelecia mecanismos de democracia participativa, sendo que o rol previa os
mecanismos de referendo e plebiscito417, bem como a figura do Defensor do Povo,
que, conforme art. 44, teria competência para iniciar, quando couber, processo
legislativo popular ou referendo418.
Ao anteprojeto do relator foram propostas emendas sobre o tema,
destacando-se, por exemplo, a proposta de Oswaldo Lima Filho (PMDB), que
estabelecia que as disposições constitucionais sobre matérias polêmicas poderão
ser submetidas a referendo popular na forma da lei, no prazo de 60 dias da sua
aprovação, se assim for requerido por um terço dos constituintes ou por 100.00
(cem mil) eleitores419.
A emenda 1B0061-5, de autoria de João Menezes (PFL), por sua vez,
buscava a supressão do art. 20, que entendia pela desnecessidade da consulta
popular em caso de emendas à constituição, já que era exigido um quórum
qualificado para apresentação de proposta de emenda e 2/3 dos votos favoráveis
dos membros de cada uma das casas, em dois turnos de discussão e votação sua
Internacionais. Parecer do Relator sobre as emendas apresentadas ao anteprojeto. Vol. 72. Brasília. Centro Gráfico do Senado Federal. 1987. p. 24.
415 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos E Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, os Direitos Coletivos e Garantias. Relatório e Anteprojeto. Volume 74. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p.11
416 Ibidem. p. 7. 417Estabelecia o art. 30: “São formas constitucionais de participação popular: as eleições, a
apresentação de proposta de norma legal, o voto revocatório ou destituínte, a ação popular, o Júri, a Defensoria do Povo, a consulta popular e o referendo.” (Ibidem. p. 11).
418 Ibid. p. 18. 419 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Emenda 1B0058-5.Comissão da Soberania e
dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, os Direitos Coletivos e Garantias. Emendas ao anteprojeto do relator. Volume 75. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
139
para aprovação420. Como já observado anteriormente, o constituinte criticava
fortemente o anteprojeto do relator, principalmente quanto ao voto destituinte e a
consulta popular, entendendo que a redação sobre a participação popular se
encontrava confusa. Entendia o parlamentar que referendo e plebiscito para
emendas constitucionais tornariam o processo legislativo “interminável”421.
Por sua vez, o senador José Ignácio Ferreira (PMDB) apresentou a emenda
1B0147-6, que substituía a redação do art. 3º do anteprojeto, estabelecendo que
“O aperfeiçoamento da organização do Estado é um direito do cidadão, a ser
exercido na forma da lei complementar”. Ainda, o inciso I estabelecia que a lei
complementar asseguraria a manifestação popular, por intermédio do referendo,
plebiscito ou consultas422.
Contudo, em que pese as emendas propostas, o anteprojeto da subcomissão
segue para a Comissão I sem alterações, ou seja, nos mesmos moldes do
anteprojeto do relator.
Na subcomissão I-C, o tema é pouco debatido nas reuniões da subcomissão,
havendo manifestações do constituintes Amaral Netto, que defendia a realização
de plebiscito para consultar o povo sobre a pena de morte, sendo acompanhado
pelo parlamentar Ubiratan Spinelli e José Mendonça de Morais423.
Recebidos os anteprojetos na Comissão I, o documento final elaborado
naquele foro de discussão previa a consulta plebiscitária na ampliação e
construção de usinas nucleares e grandes obras suscetíveis de causar danos
ambientais (art. 4º, inciso VIII) e na elaboração da constituição e de suas emendas
(art. 15, inciso I)424.
420ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e
Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, os Direitos Coletivos e Garantias. Emendas ao anteprojeto do relator. Volume 75. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
421 Ata da 16ª Reunião Extraordinária (23/05/87). ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos Políticos, os Direitos Coletivos e Garantias. Atas de Comissões. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (09/07/87).
422 Ibidem. 423 Ata da 18ª Reunião (08/05/87). ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da
Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais. Atas de Comissões. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (20/06/87).
424 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher. Anteprojeto da Comissão. Volume 69. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987.
140
4.6.2
Comissão II
Na Comissão II, Presidida por José Thomaz Nonô (PFL), o tema acerca da
consulta plebiscitária é pouco debatido na subcomissão II-A, cujo relator era
Sigmaringa Seixas (PMDB).
O anteprojeto do relator, no art. E, previa a consulta plebiscitária das
populações diretamente interessadas, no caso de construção de aeroportos,
hidrelétricas, pólos petroquímicos, usinas nucleares, depósitos de matéria e lixo
atômico e outros empreendimentos que prejudicassem a qualidade de vida e
oferecessem riscos à vida humana e ao meio ambiente equilibrado425.
Necessário destacar que o referido artigo foi alvo de emenda de autoria de
João da Mata (PFL), que alterava a redação do dispositivo para excluir o caso dos
aeroportos, hidrelétricas e pólos petroquímicos, por entender que seria necessário
consultar as comunidades no caso de construção de benfeitorias426. Entretanto, tal
emenda é rejeitada e o anteprojeto da Subcomissão segue para a Comissão II nos
mesmos moldes do proposto pelo relator, sendo a redação do art. “E” prevista no
art. 6º do referido documento.
Na Subcomissão dos Estados, os mecanismos de democracia semidireta
eram previstos no caso de criação de estados, através de aprovação por plebiscito
realizado na área a emancipar-se (art. 5º, III) e no caso de discussão sobre
fronteiras envolvendo estados, devendo a contenda ser dirimida através de
plebiscito entre os moradores da região em litígio sob a orientação do Tribunal
425 ASSEMBEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Anteprojeto do relator. Volume 87. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 28.
426 Emenda 2A0100-9. ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organizado do Estado. Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Emendas ao anteprojeto do relator. Volume 88. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
141
Superior Eleitoral (art. 28, §2º)427. Ao anteprojeto, foi proposta emenda de autoria
de José Maurício (PDT) que merece destaque, uma vez que buscava alterar o art.
5º, para estabelecer a realização de referendo dos eleitores dos municípios
afetados, mediante deliberação das Assembleias Legislativas e aprovação do
Congresso Nacional, não só no caso de criação de estados, mas igualmente na
hipótese de incorporação, desmembramento e subdivisão428.
Outra emenda que trata do plebiscito é a proposta 2B0083-0, de Fernando
Gomes (PMDB), que alterava o §1º do art. 24, que estabelecia: “Caberá às
Assembleias Legislativas dos Estados desmembrados, por maioria absoluta dos
seus membros, a confirmação ou não da criação dos Estados de Santa Cruz, do
Triângulo, do Maranhão do Sul, do Tapajós e do Juruá”. Segundo o constituinte,
bastaria o plebiscito para a aprovação da transformação da área desmembrada em
um novo Estado, sendo dispensável a aprovação pela Assembleia Legislativa do
Estado, por ser a consulta plebiscitária um pronunciamento da própria soberania
popular429.
Importante destacar que o anteprojeto da Subcomissão, após inúmeras
emendas, apresenta poucas alterações redacionais, prevendo no art. 16 que a
“Constituição Estadual disporá sobre os casos e as formas de iniciativa legislativa
popular e de referendo no Estado e no Município”, e no art. 25, §2º estabelecia o
prazo de 180 dias para a realização de consulta plebiscitária, no caso de criação
dos estados do Tocantins, do Triângulo, de Santa Cruz, do Maranhão do Sul do
Juruá e do Tapajós. Ainda, o plebiscito era previsto como instrumento de consulta
dos moradores de região em disputa entre estados, por questões de fronteiras (art.
29, §2º) 430.
Na Subcomissão II-C, apenas um dispositivo do anteprojeto da subcomissão
igualmente é digno de nota, que é o art. 4º, parágrafo único, que estabelecia a
427 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão dos Estados. Anteprojeto do relator. Volume 91. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
428 Emenda 2B0123-2. Outra emenda semelhante é a proposta 2B0067-8, do Senador Chagas Rodrigues, que estabelecia a realização de plebiscito das populações interessadas, quando da incorporação de Estados. (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado. Subcomissão dos Estados. Emendas ao Anteprojeto do relator. Volume 92. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal).
429 Ibidem. 430 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Subcomissão dos Estados. Anteprojeto da Subcomissão. Volume 94. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
142
consulta prévia, através de plebiscito, no caso de criação, incorporação, fusão e
desmembramento de municípios.
Encaminhados os anteprojetos para a Comissão II, o anteprojeto final da
Comissão apresentava alguns dispositivos que previam a realização de referendo e
plebiscito, como é o caso do art. 6º, §2º, das disposições transitórias, que trazia a
mesma previsão da Subcomissão II-B, mas com prazo ampliado para a realização
do plebiscito em até 360 dias. Ainda, o art. 5º, inciso III, vedava à União, aos
estados e aos municípios autorizar ou realizar empreendimentos ou desenvolver
atividades que representassem risco à vida humana, ao equilíbrio ecológico ou que
importe em alteração do patrimônio histórico sem atender o resultado de consulta
plebiscitária prévia das populações diretamente interessadas431.
4.6.3
Comissão III
Na comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, o debate
sobre referendo e plebiscito se faz presente principalmente na Subcomissão III-A
e Subcomissão III-C, e em menor medida, na Subcomissão III-B.
Na subcomissão III-A, o tema acerca da consulta popular foi amplamente
defendido por Ulysses Riedel de Resende, em reunião realizada no dia 05 de maio
de 1987. Segundo o expositor:
Nesse sentido, entendemos que o Congresso Nacional, o Poder Legislativo deve ser valorizado e assim também todos os processos e todas as modalidades de participação popular e mais especificamente todos aqueles processos de plebiscito direto, de consulta direta à população, nas matérias que sejam de importância fundamental para a coletividade, pois, repetindo e encerrando com aquelas palavras que mencionei no início, o único titular absoluto do Poder Constituinte é o povo.432
431ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização do Estado.
Anteprojeto da Comissão. Volume 86. Brasília. Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987.
432ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Atas de Comissões. Ata da 7ª Reunião (05/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (14/05/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
143
O anteprojeto do relator José Jorge (PFL) da subcomissão que trata do poder
legislativo, estabelecia a competência exclusiva do Congresso Nacional para
determinar a realização de referendo (art. 5º, inciso X)433, sendo que tal
dispositivo manteve-se no anteprojeto da Subcomissão, nos mesmos moldes do
documento do relator434.
A subcomissão III-B, por sua vez, trazia no anteprojeto do relator,
dispositivo que permitia ao Presidente da República determinar a realização de
referendo, ouvindo o Conselho da República, sobre propostas de emendas e de
projetos de lei de iniciativa do Congresso Nacional que visem alterar a estrutura
ou afetem o equilíbrio dos poderes (art. 11, XXVI). Ainda, estabelecia no art. 58,
que a Constituição será submetida a plebiscito, em data e sob regulamentação
ficada pela Assembleia Nacional Constituinte, com base no art. 61 do RIANC435.
Saliente-se que no art. 58 a necessidade de submeter a Constituição à
consulta popular foi assunto de debates, sendo inclusive alvo de emenda
supressiva 3B0030-2, de Milton Reis (PMDB), que entendia que o plebiscito não
poderia ser utilizado para matérias de alta indagação jurídica, como é a carta
magna436. No mesmo sentido, Dalton Canabrava (PMDB), através de emenda
supressiva 3B0216-0, impugnava a realização de plebiscito, que poderia jogar por
terra o trabalho da ANC, já que as massas poderiam ser influenciadas por “hábeis
comunicadores de televisão” ou serem influenciados por “exaltação
emocional”.437
Após as emendas, o anteprojeto da subcomissão III-B, manteve a
competência do Presidente da República para realização de referendo (art. 10,
XXIV), sendo acrescida a hipótese de realização de referendo, nos casos previstos
na Constituição ou naqueles que o Congresso Nacional vier a determinar (art. 10
XXV). Por outro lado, a previsão do art. 58, que estabelecia a submissão do texto
433ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Anteprojeto do Relator. Volume 106. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
434 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Legislativo. Anteprojeto da Subcomissão. Volume 109. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
435 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Executivo. Anteprojeto do Relator. Volume 110. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
436 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Subcomissão do Poder Executivo. Emendas ao Anteprojeto. Volume 111. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
437 Ibidem.
144
constitucional à plebiscito, foi suprimido, sendo encaminhado para a Comissão III
sem qualquer dispositivo nesse sentido.
Na Subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público, cujo presidente
eleito era José Costa e o relator, Plínio de Arruda Sampaio (PT), o tema acerca do
referendo e plebiscito é alvo de acalorados debates. Nesse sentido, o
pronunciamento de Lamartine Correa de Oliveira merece ser destacado, uma vez
que carrega um discurso que produz uma verdadeira inversão dos institutos da
consulta popular. O referendo e plebiscito, que são instrumentos de participação
direta do povo, titular da soberania, passam a ser vistos como instrumentos de
regimes autoritários para legitimar seus atos.
A democracia representativa é a de partidos. É esse também o motivo por que não sou um grande entusiasta das emendas na linha de referendum e de plebiscito. Confesso que tenho um grande medo de que a direita, muito sábia na utilização dos referendum e dos plebiscitos, utilize -os como instrumentos de conservantismo. Como homem comprometido com a ideia de mudança social, confesso que tenho grande receio de referendo e de plebiscito. Vide Pinochet. Acho que o referendo e o plebiscito são armas terríveis nas mãos da direita. E uma democracia funciona bem na medida em que os partidos políticos souberem assumir a responsabilidade política de opção por determinadas teses. Desejo que os Srs. Constituintes criem para o Brasil as bases de uma Constituição que avance no sentido da democracia social e representativa de partidos políticos, e que estes assumam o patrocínio e a responsabilidade de teses de natureza constitucional.438
Na mesma reunião, o constituinte Pinto Ferreira responde as alegações de
Lamartine Correa de Oliveira, explicitando que o plebiscito e referendo, em um
país democratizado, não devem ser temidos:
É também importante que o povo tenha mais participação. Por isso eu não sou contrário– e peço vênia para discordar – a que, em certas ocasiões, seja possível o plebiscito ou o referendum. A hostilidade do brasileiro contra estes mecanismos decorre de que a nossa experiência com eles rememora aos regimes ditatoriais. Por exemplo, na Alemanha se fazia um plebiscito, como o povo nos campos de concentração. De que adiantava? Na França de Napoleão I e II realizava -se um plebiscito que estava desmoralizado, porque, de antemão, já se sabia o resultado, era pré-fabricado, devido ao cesarismo e ao bonapartismo exagerado. E o Poder Executivo era contra. Tenho uma sugestão aos nobres membros desta Comissão: um plebiscito ou referendum realizados num país democratizado não seriam perigosos como os da época do cesarismo ou do bonapartismo exagerado. Assim, não sou contrário ao plebiscito, mesmo que a atual Constituição seja referendada pelo povo. Pergunto: não é o povo a sede do poder Constituinte? O poder Constituinte não é o povo? Não foi o povo que elegeu a Assembleia Nacional
438ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo.Subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público. Atas de Comissões. 6ª Reunião Ordinária(27/04/1987). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (19/06/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 118.
145
Constituinte? Então, deve haver um retorno ao povo, como órgão supremo da soberania nacional, a fim de que ele não seja um legítimo intérprete sobre se a Constituição e ou não favorável aos seus anseios.439
Necessário asseverar que o Anteprojeto da Comissão de Organização dos
Poderes e Sistema de Governo previa algumas hipóteses de realização de consulta
popular. Conforme art. 5º, inciso X, competia exclusivamente ao Congresso
Nacional determinar a realização de referendo440. O art. 54, inciso XXIII, previa a
competência do Presidente da República para determinar a realização de
referendo, ouvido o Conselho da República, sobre proposta de emendas
constitucionais e projetos de lei que visem a alterar a estrutura ou afetar o
equilíbrio dos Poderes441, bem como realizar referendo que fosse determinado
pelo Congresso Nacional442.
Essas previsões fizeram parte do texto final do anteprojeto que foi enviado
para a Comissão de Sistematização, contudo, não constaram no texto final da
Constituição de 1988.
Na Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das
Instituições, o tema acerca da Soberania Popular se traduz, igualmente, nos
debates sobre a participação do povo através dos institutos do Referendo e
Plebiscito. O anteprojeto do Relator Deputado Francisco Rossi, na Subcomissão
do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, não trazia qualquer previsão sobre
referendo. Segundo o constituinte:
Não nos definimos pela inclusão do referendo popular em nosso anteprojeto por entendermos que seu uso tem sido bastante deturpado, principalmente nos países onde a convivência partidária não é das mais pacíficas. Sua aplicação tende a fugir de suas reais finalidades e se desvirtuar, pois o conflito partidário deturpa em geral, seus objetivos. O referendo tem sido usado como resultados pouco lisonjeiros nos países que o adotara. Na 5ª República Francesa, o referendo foi largamente usado por De Gaule, que se valia do seu carisma pessoal para obter, do povo, a aprovação de diversas medidas insusceptíveis de serem julgadas pelo voto popular. As decisões eram sempre a favor ou contra De Gaule. Na Itália, o referendo sobre o aborto e o divórcio se transformou em verdadeira batalha campal, entre seus partidários e antagonistas, pouco importando o mérito dos respectivos diplomas legais. Na Turquia, para se perpetuar no poder, o regime militar promoveu uma consulta, sem qualquer garantia para os votantes, tendo obtido 92% dos sufrágios. No Sri Lanka, amparado em sua confortável maioria
439 Ibidem. p. 119. 440ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização dos Poderes e
Sistema de Governo. Anteprojeto da Comissão. vol. 104. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. junho de 1987. p. 9.
441Ibidem. p. 27. 442 Inciso XIV, do mesmo artigo. (Ibid. p. 27).
146
parlamentar, o presidente Junius Jayewardene promoveu um referendo com o objetivo de dilatar por mais seis anos seu mandato e os dos atuais membros da Assembleia Nacional. Na Espanha, Franco utilizou este instituto em julho de 1947 e em dezembro de 196, para prolongar-se indefinidamente no poder. 443
O anteprojeto do relator foi alvo de emenda 4A0126-0, de autoria do
constituinte Francisco Sales (PMDB-RO), que buscava a alteração redacional do
anteprojeto no que tange ao plebiscito (art. 19), sendo que a proposta foi aprovada
por 19 votos favoráveis contra 1 voto desfavorável444. Assim, o Anteprojeto
passou a prever, no art. 14, a hipótese de plebiscito, cujas diretrizes seriam
regulamentadas em lei complementar445, sendo que o artigo original dispunha
sobre a previsão do plebiscito para matérias de relevante interesse nacional e
regional.
O debate acerca do referendo igualmente foi alvo de debates nas Reuniões
da Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições.
Enquanto o constituinte Nelton Friedrich asseverava a necessidade de a
Constituinte atender os anseios sociais, que demandavam maior participação
popular e que a democratização absoluta da nação e de suas instituições é que
evitaria novas sublevações e golpes446, o relator Prisco Viana sustentava, baseado
443ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantia das Instituições. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Vol. 128. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 20.
444 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. Emendas ao Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Vol. 129.Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal.
445 Em relação ao plebiscito, o relator, em sentido diametralmente oposto ao referendo, se posiciona favoravelmente, sustentando: “Adotamos, em nosso trabalho, o plebiscito sobre matérias relevantes, condicionando-o a edição de lei complementar, por entendermos que, além de tratar-se de instituto perfilhado por quase todas as constituições do mundo, seu emprego em determinadas hipóteses se justifica amplamente. É notório que o Povo, quando ele seu representante, a este delega competência para decidir em seu nome. Há, no entanto, casos que, por sua natureza polêmica e sua magnitude, justificam a consulta popular. Citem-se como exemplos: a pena de morte, o aborto, a redistribuição territorial, etc.” ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Vol. 128. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 20.
446“Também não nos basta apenas que seja um estado de direito, e sim um estado democrático, na medida do sentido democrático de soberania popular. Por isso, a subcomissão incluiu tantos mecanismos de participação, de envolvimento da comunidade, instrumentos mais céleres e eficazes de controle da Constituição, e que também, como plano de fundo, como horizonte, se tenha a ideia desse estado de direito democrático e social. O nosso entendimento é o de que, se não se buscar essa edificação, frustraremos a vontade da Nação. [...] Poderíamos – e não quero alongar a minha intervenção – fazer uma interpretação de que a inviolabilidade da Constituição, o que está aqui ainda é pouco ou para alguns já é muito. A verdade é uma só. Todos sabemos que a violência às Constituições não são freadas por textos constitucionais. Os fenômenos de sublevação não são contidos por nenhum texto, tratado ou Constituição; é a democratização absoluta e completa da Nação e de todas as suas instituições
147
nas lições de “O Federalista” que o referendo seria impróprio, assim como a
iniciativa popular de emenda, uma vez que os representantes do Senado e da
Câmara dos Deputados é quem deveriam dar voz ao povo447. Assim, não caberia
devolver assuntos debatidos no Congresso, como no caso de alterações ao texto
constitucional, aos eleitores, por meio de referendo448.
No texto final, a referida comissão nada encaminha sobre o referendo e
apenas traz a previsão do plebiscito em um único artigo, que assim dispõe: “A lei
regulará a forma e os critérios a serem adotados nos plebiscitos visando à aferição
da vontade popular, a respeito de assuntos de grande relevância social”449.
4.6.3
Comissão IV
que cada vez evitará mais essas sublevações, os fenômenos que acabam pelo golpe, contragolpe, por qualquer outra forma, derrubando a ordem constitucional.”(ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Atas de Comissões. Ata da 4ª Reunião (28/05/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (01/07/87), p. 23). Procuramos, pelo menos, inovar, evidentemente ainda não contemplando aquilo tudo que era possível. Está aí a contribuição, quem sabe, muito salutar, do Constituinte e do seu próprio Partido.
447Aqui, o discurso parece caminhar para o pensamento hamiltoniano de que todo o poder do governo proposto deverá estar nas mãos dos representantes do povo, para manutenção da segurança, direitos e privilégios que o povo pode alcançar numa sociedade civil. Entretanto, destaca-se que os artigos federalistas não deixavam de observar que contra os representantes que traem o povo, cabe o exercício da autodefesa popular (Artigo número XXVIII). MADISON; HAMILTON & JAY, 1993, p. 224.
448 “Assim, é de se incluir, no art. 18 do anteprojeto, no caso, o Presidente da República como legitimado a apresentar propostas de emenda constitucional, poder igualmente conferido aos membros das duas Casas do Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas dos Estados. Diversamente, entendemos não se deva ensejar tal iniciativa diretamente aos eleitores, como proposto no item III, do mesmo artigo; não só porque, através do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas, esse mesmo eleitor poderá influir em toda e qualquer reforma do texto constitucional, sendo a sua voz refinada e aumentada através de seus representantes, tal como ensinaram os pais da democracia americana, nas lições admiráveis de "O Federalista". Nesta mesma linha de considerações, entendemos impróprio ao sistema constitucional brasileiro a introdução do referendum previsto no projeto, através do qual se pretende devolver diretamente ao eleitorado o poder de confirmar ou rejeitar emendas constitucionais aprovadas pelos seus representantes.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Atas de Comissões. Ata da 6ª Reunião (08/06/87). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (02/07/87), p. 51)
449 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUITE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. Anteprojeto da Comissão. Vol. 126. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987, p. 14.
148
O debate acerca do referendo e plebiscito se mostra presente já na
Subcomissão IV-A, que trata do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. O relator,
Francisco Rossi (PTB), em seu parecer sobre sugestões e anteprojeto, sustenta que
não adotou o referendo por ser um instrumento que pode ser utilizado por
maiorias partidárias, sendo, portanto, manejado de forma deturpada,
principalmente em países autoritários450. Já o art. 19, do referido documento,
estabelecia: “É admitida a realização de plebiscito, como instrumento de consulta
popular.”451
O anteprojeto do relator foi alvo de apenas uma emenda digna de destaque,
que é a proposta 4A0126-0, de autoria de Francisco Sales (PMDB) que alterava o
art. 19 para prever a seguinte redação: “Admite-se o instituto do plebiscito,
conforme for disciplinado por Lei Complementar.”. Tal redação é aprovada, sendo
o texto alterado no Anteprojeto da Comissão, no art. 14, submetendo o plebiscito
à regulamentação por lei complementar452.
O referendo e plebiscito são objetos de debate também na Subcomissão IV-
C, que trata da Garantia da Constituição, Reforma e Emendas, sendo tal foro de
discussão presidido por Fausto Fernandes (PMDB), que indica como relator
Nelton Friedrich (PMDB). O anteprojeto do relator previa no art. 35 que
“nenhuma decisão em matéria especialmente relevante e que possa causar grande
impacto social ou ambiental poderá ser tomado sem que seja aprovada pelo povo
em plebiscito”453.
Ainda, em relação às emendas constitucionais, o anteprojeto previa nos arts.
20 a 22 a seguinte redação:
Art. 20 - A proposta de reforma à Constituição será discutida e votada em duas sessões legislativas considerando-se aprovada quando obtiver, em ambas as votações, o voto favorável de dois terços de cada Casa do Congresso Nacional e a ratificação de pelo menos dois terços das Assembleias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas por maioria de dois terços de seus membros.
450 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantias das Instituições. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. Relatório e Anteprojeto do relator. Volume 128. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 20.
451 Ibidem, p. 15. 452ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantias das Instituições. Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos. Anteprojeto da Subcomissão. Volume 131. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p.4.
453 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. Relatório e Anteprojeto do Relator. Volume 137. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 33.
149
Art. 21-A proposta ratificada pelas Assembleias Legislativas será submetida a “referendum” dentro de cento e vinte dias a contar da publicação do resultado da votação das Assembleias. Art. 22 - A proposta referendada pelo povo será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem.454
Após apresentação de emendas, o anteprojeto final da Subcomissão passa a
prever o referendo na hipótese de emendas constitucionais, apresentando as
seguintes alterações.
Art. 22 – A proposta de emenda à Constituição será discutida e votada em sessão do Congresso Nacional em dois turnos, com intervalo mínimo de cento e oitenta dias, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambas as votações, o voto favorável da maioria absoluta de seus membros e a ratificação de mais da metade das Assembleias Legislativas, por decisão da maioria absoluta de seus membros. §1º - Dispensar-se-ão o segundo turno e a ratificação pelas Assembleias Legislativas, quando a proposta for aprovada por quatro quintos do Congresso Nacional. § 2º - Em qualquer das hipóteses previstas neste artigo, até noventa dias após a aprovação da proposta, três por cento dos eleitores, de, pelo menos, um terço das unidades da Federação podem requerer que a proposta aprovada seja submetida à ‘referendum’ popular. § 3º - A proposta referendada pelo povo será promulgada como Emenda à Constituição pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. 455
A redação do art. 35 do Anteprojeto do relator é mantido no Anteprojeto da
Comissão, sendo apenas renumerado como art. 32456, e igualmente encaminhado
para a Comissão Temática.
Na Comissão IV, o tema é tratado de forma mais tímida, prevendo o
substitutivo do relator apenas um dispositivo sobre plebiscito (art. 60),
submetendo a consulta plebiscitária à reserva de lei para sua regulamentação, em
casos de grande relevância social457.
Buscando acrescentar as disposições sobre emendas à Constituição e
referendo popular, a emenda 4S0155-1, de Vilson Souza (PMDB), trazia a
previsão de realização da consulta no caso de emendas que tratem de alteração,
inclusão ou supressão de dispositivos referentes aos direitos e garantias
454 Ibidem. pp. 30-31. 455 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantias das Instituições. Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas. Anteprojeto da Subcomissão. Volume 140. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 8.
456 Ibidem. p. 10. 457 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantias das Instituições. Substitutivo do Relator. Volume 122. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987.
150
individuais e coletivos, organização dos poderes, sistema eleitoral e partidário,
considerando-se aprovadas em dois turnos de discussão e votação no Congresso
Nacional, por maioria de 3/5 dos seus membros e após ratificação por
referendo458. Outra emenda que buscava submeter as emendas constitucionais a
referendo era a proposta 4S0549-2, de Nelton Friedrich (PMDB), que trazia a
mesma redação do anteprojeto da Subcomissão IV-C459.
Assim, após a apresentação de emendas, o Anteprojeto da Comissão IV é
encaminhado para a Comissão de Sistematização não trazendo qualquer previsão
sobre a realização de referendo no caso de emendas à constituição460. Ainda, na
parte reservada a sugestões para Comissão de Sistematização, submetia à reserva
de lei a regulamentação, a forma e os critérios a serem adotados nos plebiscitos a
serem realizados diante de assuntos de grande relevância social461.
4.6.5
Comissão de Sistematização
Em 25 de maio de 1987, findou-se a primeira fase dos trabalhos da
Constituinte, com a entrega dos relatórios das 24 subcomissões aos relatores das
comissões temáticas que, por sua vez, e, após participação da sociedade através de
emendas populares, encaminharam os anteprojetos das comissões para a
Comissão de Sistematização, presidida por Afonso Arinos de Mello Franco.
Encaminhados os trabalhos das Comissões e Subcomissões temáticas para a
Comissão de Sistematização, inicia-se a fase de concentração. O Anteprojeto da
Comissão, composto por 501 artigos, trazia a previsão da consulta popular no art.
458ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária
e Garantias das Instituições. Emendas oferecidas ao Substitutivo. Volume 123. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987. p. 33.
459 Ibidem, p. 121. 460O art. 41 do Anteprojeto suprimiu a necessidade de referendo popular, passando a prever que:
“A proposta de emenda à Constituição será discutida e votada em sessão do Congresso Nacional, em dois turnos, com intervalo mínimo de noventa dias, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambas as votações, o voto favorável de dois terços dos seus membros.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das Instituições. Anteprojeto da Comissão. Volume 126. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987, p. 10).
461 Ibidem, p. 14.
151
26, parágrafo único462; art. 99, inciso X463; art. 162, incisos XXII e XXIII464; e art.
167, III465.
Durante os trabalhos da Comissão de Sistematização, algumas vozes se
posicionaram contra o plebiscito e o referendo, como por exemplo, a posição de
Marcondes Gadelha (PFL), para quem:
a consulta plebiscitária significa o reconhecimento de que a soberania da Assembleia Nacional Constituinte tem uma limitação, a vontade popular em cujo nome devem agir os Constituintes. Particularmente entendo, Sr. Presidente, que o povo delegou poderes a esta Assembleia Nacional Constituinte e que não estabeleceu qualquer condicionamento no seu mandato, na sua outorga, na sua delegação. Ao assumir esta Assembleia Nacional Constituinte, os Srs. Parlamentares vieram imbuídos de que este é um colegiado soberano, com capacidade de erigir a nova ordem econômica e social, o novo modelo de convivência política sem preocupações, a priori pelo menos. [...] Sr. Presidente, existem correntes inconciliáveis sobre todos os temas nos quais se debruça a Assembleia Nacional Constituinte. Existem correntes inconciliáveis sobre temas como reforma agrária, educação, ordem econômica, política tributária, sobre Estados e Municípios etc. Imagine, Sr. Presidente, se tivéssemos que fazer uma consulta plebiscitária sobre todos os pontos onde existem correntes inconciliáveis! São, neste momento, cerca de 400 artigos e teríamos que fazer, pelo menos por um princípio de isonomia, de igualdade de tratamento, teríamos que fazer 400 plebiscitos, para que a Constituição tivesse então, o seu texto devidamente legitimado, referendado e devidamente aceito acima de qualquer questionamento; acima de qualquer dúvida, como a mulher de César. [...] S. Ex.ª pretende voltar aos tempos da Agora e quer colocar todo o povo no meio da rua, para decidir sobre qualquer ponto pendente, porque é um direito inalienável – sim, sem dúvida – é um direito inalienável, mas é também um direito delegável. No momento em que o povo delega a atribuição não está alienando, Sr. Presidente, está aceitando como forma de convivência até por questão técnica, até por impossibilidade de colocar 140 milhões com frequência na rua, para decidir sobre questões agudas de interesse nacional.466
462 O dispositivo dispunha que “A Lei regulará a forma e os critérios a serem adotados nos
plebiscitos visando à aferição da vontade popular, a respeito de assuntos de grande relevância social.” ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Anteprojeto de Constituição. Volume 219. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Junho de 1987.
463 O art. 99, inciso X estabelecia que era de competência exclusiva do Congresso Nacional determinar a realização de referendo. (Ibidem).
464Os incisos XXII e XXIII do art. 162 previam que “competia a Presidente da República determinar a realização de referendo sobre proposta de emendas constitucionais e projetos de lei que visem a alterar a estrutura ou afetar o equilíbrio dos poderes, bem como determinar a referida consulta nos casos previstos na constituição ou que o Congresso Nacional determinar.” (Ibidem).
465 O Art. 167, III, dispunha que competia ao Conselho da República pronunciar-se sobre a realização de referendo. (Ibidem).
466 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Ata de Comissão. Ata da 11ª Reunião Ordinária (06/08/1987). Diário da Assembleia Nacional Constituinte (22/08/87). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. p. 259.
152
Aqui, o discurso se posiciona na impossibilidade de mobilização da sociedade e
que admitir a consulta popular seria reconhecer uma limitação da soberania da
Assembleia Constituinte, o que iria de encontro aos poderes delegados pelo povo
aos seus mandatários.
Adylson Mota (PDS), igualmente, se mostra contra a realização de
referendo, uma vez que significaria a própria negação da legitimidade dos
Constituintes467. Ainda, destacava o constituinte que, caso a Constituição fosse
submetida ao referendo e não fosse aprovada, quem elaboraria um novo projeto de
Constituição? Outra posição contrária à consulta plebiscitária e,
consequentemente, à soberania popular, é capitaneada por Inocêncio Oliveira
(PFL), para quem os Constituintes foram eleitos para deliberar e agir em nome
dos eleitores, não sendo necessária a opinião do povo brasileiro, pois foram eleitos
como poderes de decisão total e irreversível468.
Após inúmeras emendas e 2 substitutivos, o Projeto de Constituição (A)
previa a realização de referendo e plebiscito em alguns dispositivos dignos de
destaque. A primeira hipótese era a previsão de realização de plebiscito no caso de
incorporação, desmembramento e subdivisão de estados para formarem novos
estados, conforme previsto no art. 20, §3º469. Ainda, o art. 59, inciso X, mantinha
a competência exclusiva do Congresso para determinar a realização de referendo.
Por sua vez, o art. 75, §3º, previa o referendo popular para deliberar sobre a
anulação total ou parcial de emenda à Constituição ou de lei, quando o requeiram,
no mínimo, 2% do eleitorado nacional, distribuídos em cinco ou mais estados,
com não menos de 0,5% dos eleitores de cada um deles470. Adrian Sgarbi destaca:
Com votação prevista para dois turnos, foi apresentado dispositivo atinente ao referendo. Na ocasião, o senador LAVOISIER MAIA, pedindo destaque, apresentou a Emenda Substitutiva de nº 2P935-2 ao art. 16, caput, que, em vista da não-previsão dos institutos de democracia participativa, acrescentou 4 possibilidades: “(a) o plebiscito; (b) a iniciativa popular; (c) o veto popular; (d) e o referendo. Tendo sido deferida a palavra, os principais argumentos do Deputado foram: 1) a soberania popular é um dos avanços mais expressivos do constitucionalismo moderno; 2) a chamada democracia semidireta, vivenciada,
467ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Ata de Comissão.
Ata de Comissões. Ata da 17ª Reunião Extraordinária. 17/08/87. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/01/88). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. pp. 318-319.
468Idem. Ata de Comissões. Ata da 20ª Reunião Ordinária. 17/09/87. Diário da Assembleia Nacional Constituinte (27/01/88). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, p. 678.
469 ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Comissão de Sistematização. Projeto de Constituição (A). Volume 251. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Novembro de 1987.
470 Ibidem. p. 45.
153
hoje, em todos os países da Europa Ocidental e nos ESTADOS Unidos da América, representa a mais autêntica forma de participação popular; 3) a retirada do dispositivo consagra o plebiscito, a iniciativa popular, o referendum, e outros instrumentos de intervenção do povo no processo político, demonstra receio de uma maior participação popular nas atividades políticas; 4) as democracias ocidentais, de já muito, consagram, em seus textos constitucionais, os instrumentos alternativos da representação política, como o plebiscito, o referendum, a iniciativa, o veto popular, além de outros meios consentâneos com a nossa realizada social; 5) o Projeto de Comissão de Sistematização admite, apenas, a iniciativa popular legislativa e o referendum, excluindo o plebiscito , que, de igual modo, é forma importante de participação popular.471
Bernardo Cabral afirmou existir um acordo de líderes para a supressão do
veto popular, solicitando, portanto, a aprovação do projeto com essa ressalva.
Contra a manifestação do relator, se insurgiu Oscar Correa, que entendia que o
regimento não permitia a supressão. Mário Covas, por sua vez, posicionou-se no
sentido de que o PMDB votaria a favor da emenda substitutiva, comprometendo-
se a retirar o veto popular no segundo turno de votação.
No plenário, o texto aprovado em primeiro turno de votação trazia a
previsão do referendo e do plebiscito no art. 15, localizado no capítulo destinado
aos Direitos Políticos472. Após, votação em segundo turno, a disposição acerca do
plebiscito e referendo se mantiveram no texto, no art. 14, sendo retirado do texto
constitucional apenas o veto popular, sendo, portanto, aprovada a emenda
conforme acordado pelos líderes.
Igualmente, a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar
referendo e plebiscito foi mantida no texto constitucional no art. 49, inciso XV,
apenas com uma pequena alteração redacional. Todas as demais hipóteses de
realização de consulta popular foram suprimidas do texto constitucional,
notadamente no que diz respeito às emendas constitucionais, bem como à
realização de referendo pelo Presidente da República no caso de emendas e
projetos de lei que visem a alterar a estrutura ou afetar o equilíbrio dos poderes.
Assim, inegavelmente o debate acerca dos mecanismos de democracia
semidireta, referendo e plebiscito, também foram objetos de preocupação por
471 SGARBI, 1999, p. 25. 472 O art. 15 do texto aprovado em primeiro turno estabelecia: “O sufrágio é universal, o voto
direto e secreto, com igual valor para todos. A soberania popular será exercitada pelo plebiscito, pela iniciativa popular, pelo veto popular e pelo referendo, conforme dispuser a lei.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Quadro Comparativo entre o texto aprovado em 1º turno, o texto renumerado, e a redação para 2º turno, organizado pelo Relator Bernardo Cabral. Vol. 298. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Julho de 1988. p. 28).
154
parte dos constituintes e da bancada conservadora, principalmente no que se refere
ao referendo, que, conforme visto na Subcomissão III-C, seria instituto utilizado
por regimes autoritários e que permitiria uma manipulação por parte das maiorias
políticas. De todas as previsões e reflexões sobre a consulta popular, o termidor da
ANC apenas permitiu a previsão genérica dos institutos, que até hoje foram pouco
utilizados no contexto brasileiro, o que impede um maior amadurecimento
político de toda a sociedade.
4.7
Balanço Final
Findos os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, cujo resultado
final foi a aprovação e promulgação do texto constitucional em 1988, considerado
uma marco na transição para o regime democrático, constatou-se que o processo
político desencadeado no Congresso Nacional foi pautado, tanto por momentos
constituintes, como por momentos termidorianos, ou seja, por propostas que
prestigiavam uma maior participação popular e oposição à esses institutos, por
parte de alguns parlamentares.
Conforme demonstrado pela análise das atas e projetos das Comissões e
Subcomissões temáticas, bem como nos grandes expedientes, a constituição
cidadã traduziu certos avanços para o regime democrático brasileiro, após muitos
conflitos entre progressistas e conservadores no jogo político travado na ANC.
Nesse sentido, a soberania popular, hoje consagrada no art. 1º, parágrafo
único da Constituição, teve sua redação impugnada e alvo de reações
conservadoras, que buscavam limitar a soberania apenas através das eleições dos
representantes e entendiam que a participação do povo no processo político seria
de difícil efetivação ou utópico, como ocorreu na fase de emendas ao anteprojeto
da Subcomissão I-A e conforme manifestações nas reuniões da Subcomissão I-B.
Entretanto, o maior risco à soberania popular foi o projeto do Centrão,
apresentado em Plenário, que buscava suprimir o seu exercício direto pelo povo.
Em que pese a derrota dos conservadores, o que demonstra um momento
constituinte, a redação prevista no texto constitucional foi objeto de ampla
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negociação nos gabinetes da Constituinte, possibilitando uma maior organização
pela oposição conservadora e a ascensão do Centrão naquele grande expediente.
A iniciativa popular de leis e emendas constitucionais, por sua vez, sofreu
forte oposição dos conservadores, onde o discurso, pautado no sentido de que o
representante sabe o que é melhor para o povo e que a efetivação da participação
popular seria utópica ou temerária para os trabalhos do Congresso, que seria
assolada por inúmeros projetos de lei, acabou por suprimir a possibilidade de
emendas à constituição, configurando verdadeiro contrassenso, já que as emendas
populares enriqueceram os debates da ANC na elaboração da própria
Constituição. Nesse sentido, finda a constituinte, o povo não teria mais iniciativa
para modificar a sua carta política.
Ainda, no que tange à iniciativa popular de leis, as propostas que antes
previam subscrição de 15 mil assinaturas de eleitores para deflagrar o processo
legislativo pelo povo passou a exigir, no texto final, o mínimo de um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Esse rigorismo veio a
dificultar sobremaneira a proposta popular de projetos de lei, sendo que em 25
anos de Constituição, apenas 5 projetos foram apresentados à câmara dos
deputados e nenhum pôde comprovar o preenchimento dos requisitos
constitucionais necessários para a sua admissão, sendo necessário que algum
parlamentar ou o Executivo assumisse a sua autoria473.
No que tange ao recall ou voto revocatório de mandato, defendido por
Lysâneas Maciel na subcomissão I-B como uma forma de povo se fazer presente
na política, tal instituto foi, de início, excluído dos debates da constituinte, sob o
fundamento de que caberia ao eleitor, após 4 (quatro) ou 8 (oito) anos, eleger um
novo representante para a Câmara ou para o Senado, caso o último mandatário
não tivesse cumprido o que se esperava do seu mandato. Uma vez eleito, não
caberia mais ao povo revogar a “procuração” que lhe foi outorgada. Ainda, o
discurso pautado na possibilidade de manipulação de tal instituto, e de que o
mecanismo poderia ser utilizado por maiorias políticas contra deputados das
473 CARDOSO, Rodrigo Mendes. A iniciativa popular legislativa da Assembleia Nacional Constituinte ao regime da Constituição de 1988: um balanço. Rio de Janeiro. 2010. 162p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. p. 115.
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minorias, contribuiu para o afastamento de qualquer possibilidade do recall
figurar no texto final da Constituição.
Por fim, os debates acerca do Referendo e do Plebiscito igualmente
demonstram um avanço rumo a democracia participativa uma vez que os
mecanismos de consulta popular restaram consagrados no texto constitucional, no
seu art. 18. Contudo, inegavelmente a regulamentação e hipótese de aplicação dos
institutos foram alvos de resistência pela bancada conservadora.
Sobre a própria realização de consulta em relação à Constituição, o debate
se mostra bem claro na comissão III e respectivas subcomissões temáticas, o tema
sofreu oposição de parlamentares que sustentavam não ser possível a consulta
popular em matérias de alta indagação jurídica e que submeter a própria
Constituição a realização de plebiscito poderia jogar por terra o trabalho da ANC,
demonstrando assim um pensamento presente na constituinte de que a massa nada
sabe e é facilmente manipulada e sujeita a “exaltação emocional”.
Ainda, os institutos do referendo e plebiscito, na mesma comissão, foram
alvo de um discurso calcado no medo, no receio de que tais mecanismos poderiam
ser utilizados para legitimar atos contrários à democracia, como foram
manuseados por regimes autoritários.
A resistência dos conservadores, se por um lado não foram suficientes para
excluir os institutos do texto constitucional, por outro, permitiram o afastamento
de certas propostas, como a previsão de plebiscito das comunidades locais que
fossem afetadas por empreendimentos que representassem risco à vida humana,
ao equilíbrio ambiental ou patrimônio histórico (usinas nucleares, hidroelétricas,
etc), a submissão de tratados e pactos internacionais à consulta popular, bem
como a consulta do povo em relação a emendas à Constituição.
Portanto, restou demonstrado, através dos debates da ANC e dos institutos
de democracia semidireta ora analisados, que os trabalhos da constituinte foram
marcados por conflitos entre progressistas e conservadores, cujo os resultados
traduziram momentos de constituinte, ou seja, de avanços em termos de
participação popular e exercício da soberania pelo poder constituinte, e momentos
de termidor.