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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA INFÂNCIA: DAS BRINCADEIRAS DE RODA AOS JOGOS ELÊTRONICOS. Por: Débora Dal Castel Ferreira da Silva Orientador Prof. Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

INFÂNCIA: DAS BRINCADEIRAS DE RODA AOS JOGOS

ELÊTRONICOS.

Por: Débora Dal Castel Ferreira da Silva

Orientador

Prof. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

INFÂNCIA: DAS BRINCADEIRAS DE RODA AOS JOGOS

ELÊTRONICOS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Psicopedagogia.

Por: Débora Dal Castel Ferreira da Silva.

3

AGRADECIMENTOS

Eu, Débora Castel agradeço este trabalho a

Deus pelo dom da vida, pela fé e perseverança

para vencer os obstáculos. À minha filha amada

e amiga, somente com sua ajuda foi possível a

realização deste trabalho. À professora Fabiane

Muniz do Campus Méier, pelo acolhimento

carinhoso. Ao meu marido e filhos, amores da

minha vida, por compreenderem a importância

deste trabalho. À minha mãe querida e irmãos,

pela vibração e apoio em todos os momentos de

minha vida. Enfim, a todos os meus amigos, pela

alegria, comemorações em todas as minhas

conquistas...

4

DEDICATÓRIA

À minha mãe Marisa Verônica, por sua história

de sucesso na educação dos filhos, diante de

todas as adversidades. Ao meu adorado marido,

Hermes Ricardo, que me ensinou as prioridades

na vida. À meus filhos, Laryssa, Amanda e

Ricardo, motivo de entusiasmo e paixão pela

vida.

5

RESUMO

O presente trabalho tem como foco investigar o significado que as

crianças atribuem ao brincar livre e às brincadeiras. Além disso, apresenta

como as crianças se expressam através das brincadeiras e qual a relação

estabelecida com os brinquedos. Utilizamos como base teórica as

contribuições Vygotski, Piaget, entre outros estudiosos representativos da área.

O campo de observação foi a Brinquedoteca do Colégio Instituto Agostinho

Moreira do Bairro da Tijuca, pelo fato de ser este espaço propício à realização

de brincadeiras e atividades lúdicas, com as quais as crianças se relacionam.

Com esta pesquisa objetivamos analisar a “Infância”: das brincadeiras de roda

aos jogos eletrônicos e sua grande importância para o desenvolvimento social

da criança. As questões que se apresentam para a realização desse estudo

são de mostrar como o brincar livre, brincadeiras e jogos poderão contribuir

para a formação das funções mentais, como a atenção, a imaginação, a

memória, o raciocínio e as virtudes morais, como a lealdade, a bondade, o

cavalheirismo, o respeito mútuo, o espírito de cooperação e o senso social

ajudando no aperfeiçoamento da construção do conhecimento das crianças.

Buscamos no significado dado ao brincar obter uma compreensão sobre de

como as crianças são levadas à vivência da relação com o brincar. Vale

ressaltar que este estudo foi desenvolvido utilizando – se de material

bibliográfico de autores diversos e também de observações realizadas na

Brinquedoteca do Colégio Instituto Agostinho Moreira.

Palavras-chave: brincadeiras; infância; jogos eletrônicos

6

METODOLOGIA

Diante do contexto a ser trabalhada faz-se necessário em estudo

qualitativo.

A partir de análise do significado dado ao brincar por professores e

supervisores esperamos obter uma compreensão sobe de como as crianças

são levadas à vivênciar a relação com o brincar na educação infantil. Além

disso, será feita uma análise bibliográfica, fundamentado na reflexão de leituras

de textos, de autores diversos (livros, enciclopédias e outros), utilizados como

base para a pesquisa a fim de refletir sobre o tema e buscar algum avanço

para essa problemática.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A brincadeira Através dos tempos. 12

CAPÍTULO II - A concepção de infância e educação

Ao longo dos tempos. 20

CAPÍTULO III – De que maneira o brincar contribui

Para a socialização da criança e sua inserção no

Grupo. 29

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

ÍNDICE 43

8

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como foco a investigação sobre o significado que

as crianças atribuem ao brincar livre e às brincadeiras. Como elas se

expressam através das brincadeiras e qual a relação estabelecida com os

brinquedos. A escolha do tema se deve à experiência vivida na brinquedoteca

do colégio Instituto Agostinho Moreira, do bairro Tijuca, durante o período de

realização monográfica.

Diante da proposta de brincar, que a brinquedoteca oferecia às

crianças, percebemos que elas ficavam perdidas em meio a tantos brinquedos,

não sabendo o que fazer, nem como agir, mesmo estimuladas, a todo

momento, a escolher a sua brincadeira ou brinquedo. Observamos que elas

buscavam os “cantos”1 para, nos seus celulares, brincar com jogos eletrônicos

ou game boy portátil que traziam de casa.

A brinquedoteca vem resgatar as atividades práticas, lúdicas,

buscando um espaço reservado para a valorização do lúdico através de

brincadeiras que estimulem a imaginação da criança.

Assim, diante do contexto o objetivo deste trabalho busca discutir o

brincar através do tempo, identificar de que maneira o brincar contribui para a

socialização da criança e sua inserção no grupo e, além disso, caracterizar o

contraste entre os diferentes tipos de brinquedos e brincadeiras

Hoje percebemos que a criança não se vê tentada a brincar com

vários brinquedos como bola, blocos de encaixe, jogo da memória, pião, pipa,

amarelinha, entre outros. Isso porque os jogos eletrônicos chamam mais a

atenção. Dessa forma, o brincar perde o seu sentido que é de libertar a

imaginação e a criatividade da criança, desenvolvendo a formação da sua

identidade e resgatando valores sociais e éticos. Com isto, percebemos a

transformação que o brincar vem sofrendo, a partir da invasão da mídia e

demais tecnologias no cotidiano de ludicidade da criança.

1 Cantos é a denominação dada na Brinquedoteca para espaços caracterizados por brinquedos, materiais e brincadeiras, por exemplo, “canto da pintura”, “canto do faz de conta” , “canto do camarim”, entre outros.

9

O universo infantil está presente em cada um de nós, pois as

experiências da infância deixam marcas profundas em nossas vidas.

O crescimento das cidades, dos empreendimentos imobiliários, das

indústrias e comércio, tirou da rua o espaço das brincadeiras e o restringiu a

apartamentos. Por outro lado o histórico familiar sofreu alteração, atualmente

homens e mulheres saem para trabalhar, com isso, as crianças tendem a

brincar mais sozinhas com um jogo, computador, vídeo game ou mesmo

assistindo à televisão, consequentemente, as crianças não fazem mais

perguntas aos pais, elas são informadas diretamente por meios tecnológicos

comprometendo o diálogo em torno do conhecimento que deveria ser

desenvolvido com os adultos. Essas mudanças das práticas culturais,

brincadeiras, cantigas de roda, coisas simples, se perderam com o tempo,

deixando uma lacuna, que foi pouco a pouco substituída pela tecnologia. Os

apelos consumistas, a nova tecnologia ou os recursos eletrônicos desafiam o

lugar do brincar lúdico.

Vimos que nas últimas décadas, o avanço tecnológico e científico

ocorreu de maneira extremamente acelerado e com isto várias transformações

aconteceram no interior da sociedade. O relacionamento entre pais e filhos

sofreu modificações. Os vídeo games colocam as crianças diante de uma

realidade virtual, substituindo muitas vezes, a conversa tão importante para a

formação da criança.

Diante desta constatação a relação da criança com os meios

tecnológicos cresce em função do lugar que eles ocupam pela ausência

deixada pelos pais e demais pessoas de convivência da criança.

As vivências das crianças, quando restritas aos jogos eletrônicos,

deixam de experimentar o real significado do tempo e do espaço que estão

presentes, com todas as suas características, nas brincadeiras de rua e nas

brincadeiras tradicionais. A noção da infância não é uma categoria natural, mas

sim histórica e cultural. A diferenciação entre criança e adulto vai depender do

contexto e das condições sócio-históricas e culturais em que vivem.

Podemos, então, encontrar diversos tipos de brinquedos capazes de

aguçar a imaginação das crianças e despertar o interesse do brincar de forma

10

lúdica. Eles podem ser dos comprados em lojas aos mais simples,

confeccionados através das crianças em forma de sucata, despertando através

do brincar a conscientização da criança com reciclagem para a preservação da

natureza.

Esta pesquisa se justifica à medida que se observa a falta de

interesse das crianças nas brincadeiras tradicionais em detrimento do excesso

de jogos eletrônicos, computadores, televisão, constituindo-se em fatores

decisivos para a desvalorização da socialização.

Com esta reflexão procuramos analisar a “Infância”: das brincadeiras

de roda aos jogos eletrônicos e sua grande importância para o

desenvolvimento social da criança.

Um dos motivos da realização desse estudo é mostrar como o

brincar livre, brincadeiras e jogos poderão contribuir para a formação das

funções mentais, como a atenção, a imaginação, a memória, o raciocínio e as

virtudes morais, como a lealdade, a bondade, o cavalheirismo, o respeito

mútuo, o espírito de cooperação e o senso social ajudando no aperfeiçoamento

da construção do conhecimento das crianças.

O brincar tem sido alvo de estudos de várias linhas de pesquisas.

Uma delas é o enfoque dado neste trabalho monográfico, que é a corrente

psicológica do teórico Vygotsky que, ancorado no materialismo histórico-

dialético, concebe o conhecimento como algo produzido simbólico e

materialmente a partir das interações entre os indivíduos e destes com os

objetos.

A partir de análise do significado dado ao brincar por professores e

supervisores esperando obter uma compreensão sobe de como as crianças

são levadas à vivência a relação com o brincar. Vale ressaltar que este estudo

foi desenvolvido utilizando – se de material bibliográfico de autores diversos.

As informações coletadas, na realidade observada, serão em forma

de questionários com perguntas semi-abertas realizados com professores e

supervisores da educação infantil.

11

A pesquisa foi realizada durante o ano de 2013, no período de seis

meses entre os meses de fevereiro e agosto.

Para tanto, o conteúdo do trabalho está dividido em três capítulos.

No primeiro mais especificamente, à trajetória histórica da brincadeira, a fim de

ressaltarmos as mudanças que foram ocorrendo até chegarmos nos dias

atuais. Segundo capítulo, abordar dentro de uma perspectiva histórica, a

infância e a educação ao longo dos tempos. No terceiro e último capítulo,

procurando apontar novos caminhos para se obter um olhar diferenciado sobre

a brincadeira, discutiremos sob o enfoque do brincar na contribuição da criança

e sua inserção no grupo .

12

CAPITULO I

A BRINCADEIRA ATRAVÉS DOS TEMPOS.

A história dos brinquedos é muito antiga, pois há cerca de três mil

anos a.C, na Babilônia já existiam os piões, feitos de argila e com as bordas

decoradas; os primeiros chocalhos para crianças surgiram no Egito por volta de

1360 a.C. A origem da boneca como brinquedo provavelmente ocorreu no

Egito há cinco mil anos e os soldadinhos de chumbo apareceram em meados

do século XIII.

No final da Idade Média os jogos de desafio são os mais utilizados e

consistiam em composições de rimas, discursos e réplicas improvisadas. Esta

brincadeira, diferentemente dos jogos de azar e de exercício, que eram comuns

a todo tipo de pessoa, era reservado, às pessoas de boa condição e “bem

educadas”.

Os jogos infantis dessa época como hóquei, a bola, o pião e as

brincadeiras de pegar são também praticados pelos adultos das classes

populares. A distinção entre nobreza e plebeus só foi firmada em certos jogos

de competição, em especial nos torneios, nos quais era permitido que os

nobres se misturassem com os plebeus, mas que os nobres vencessem sem

fazer grande esforço.

Ao final do século XVI a prática dos torneios começa a ser

abandonada e outros jogos passam ser utilizados. No início do século XVII os

filhos nobres aprendiam, nas academias militares, a manejar armas e a

equitação, o que propiciou a prática de brincadeiras como a Quintana, na qual

a pessoa montada a cavalo visava um alvo de madeira, e a argolinha, na qual a

pessoa montada a cavalo deveria correr e arrancar uma argolinha com uma

lança. Com o passar do tempo os jogos foram sendo deixados à parte pela

nobreza, sendo assim apropriado pelas crianças e pela população menos

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abastada. Este fato nos mostra como estes e tantos outros jogos passariam

para o domínio das crianças e do povo. Esse fenômeno nos permite salientar

uma relação entre o sentimento de infância e o de classe.

Desde a antiguidade, os primórdios da educação grego-romana,

baseados nas ideias de Platão e Aristóteles, utilizavam-se do brinquedo na

educação, pois considerava - se que a educação estava associada ao prazer e

ao crescimento intelectual das crianças. Neste período valorizava – se a

educação sensorial, que propiciou o surgimento do jogo didático.

No século XVIII, na França, pela influência das ideias de Rousseau

foram criados vários brinquedos educativos com princípios sensoriais, visando

a atender crianças deficientes mentais, e que depois foram utilizados pelas

crianças ditas normais. Neste século, com o advento do capitalismo, começou

a fabricação dos brinquedos infantis em larga escala e surge assim a

separação de “brinquedos de meninos” e “brinquedos de meninas”. Neste

período foram criadas pelos suíços as primeiras caixinhas de música por volta

de 1770 e a bicicleta, que começou sua história oficialmente em torno de 1790,

embora Leonardo da Vinci já tinha estudos sobre a mesma antes desta época.

A partir dos trabalhos de Comenius, Rousseau e Pestalozzi surge

uma nova concepção de infância que auxilia este grupo etário a conquistar o

seu lugar como categoria social, com isso se inicia a elaboração de métodos

específicos para a educação das crianças, utilizando-se de brinquedos e

centrado no divertimento.

Com a ruptura do pensamento romântico a brincadeira assume um

espaço importante na educação das crianças pequenas, pois passa – se a

aceitar um comportamento infantil espontâneo que possui algum valor.

No século XX, simultaneamente ao aparecimento dos carros

originais surgem os primeiros carrinhos de brinquedos e o autorama. A Barbie,

a boneca mais famosa do mundo, foi lançada em 09 de março de 1959, nos

Estados Unidos.

Vimos que a brincadeira passou por transformações como a

distinção entre a brincadeira de criança e de adulto, brinquedos de meninos e

14

de meninas, brincadeiras do povo e da burguesia e, com isso, a brincadeira

assume vários contornos através da história.

As crianças da classe privilegiada, em especial as meninas, não

tinham permissão para brincar na rua. Segundo Kishimoto, as brincadeiras das

crianças da classe mais abastada eram restritas ao espaço doméstico, nos

quintais e clubes, pois a rua era considerada, por médicos e autoridades, um

espaço promíscuo que facilmente poderia influenciar a criança. As brincadeiras

de rua eram reservadas às crianças pobres, filhas dos operários que tinham a

rua como um prolongamento da casa e integrante do seu cotidiano.

Em relação à brincadeira, Kishimoto, comenta que:

Antigamente, a rua dividia as crianças conforme sua

estratificação social: brincadeira de rua e brincadeira

ecológicos de (barro, gravetos, folhagem, etc.) para os pobres

e brinquedos artesanais ou industrializados para aquelas

economicamente privilegiadas que deveriam ocupar espaços

domésticos. (KISHIMOTO, 1993, p.87).

Em função do grande número de crianças nas ruas, as autoridade e

instituições filantrópicas percebem a necessidade de resguardá-las do que

consideravam corruptível, a rua. Surgem assim, os asilos e internatos infantis

que acabam se tornando grandes “depósitos infantis”. Esses estabelecimentos,

por abrigarem um número muito grande de crianças e por seu regime fechado

e rigoroso, se assemelhavam aos quartéis.

Para Kishimoto este regime segregador a que as crianças eram

submetidas as impediam de se relacionarem socialmente e as tornava

“diferentes” das outras crianças. As organizações não permitiam que as

crianças se divertissem, tolindo-as de se divertirem como crianças que eram. A

simples brincadeira era eliminada em nome de uma educação coerente com a

natureza infantil. Sendo assim o jardim de infância veio recuperar estes erros

praticados no passado, valorizando os jogos para a educação infantil.

15

Devido a esta situação surge o jardim de infância como uma

instância que tem o objetivo de oferecer um espaço que promova o

desenvolvimento integral da criança e o aproveitamento de todas as suas

manifestações natural da criança.

No Brasil os jardins de infância começaram a surgir a partir do ano

de 1875, baseados na pedagogia froebeliana, com ênfase na utilização dos

jogos. Entretanto, a expansão dos jardins de infância ocorreu de forma lenta e

permeava a ideia de que só as crianças que os frequentavam por meio período

tinham o direito de aprender pelos jogos, ou seja, as crianças da classe mais

abastada.

Segundo afirma Kishimoto, a imagem da criança pobre não era tida

como compatível com a educação pelo jogo:

A educação pelo jogo não se harmonizava com a natureza da

criança pobre e asilada ou frequentadora de escola de tempo

integral, uma vez que emergia a imagem da criança má que

precisava ser domesticada, disciplinada, para não cair em

desvios de conduta. A liberdade e o potencial da educação

pelo jogo, ao permitir a expressão dessa natureza infantil,

considerada má, revelava-se incompatível com a educação das

camadas populares (KISHIMOTO, 1993, p.94).

Desta forma, a imagem das crianças desfavorecidas

economicamente atuava como contradição à importância das atividades

lúdicas. A elas destinava-se a ideia de conter, reprimir, disciplinar e o jogo seria

um instrumento premiador e libertador, em oposição à errônea ideia de

adequar comportamentos, regras, limites e convivência harmoniosa. E assim

permanecia a ideia de que a criança pobre deveria permanecer sendo assistida

por tempo integral pelas instituições infantis.

Com o passar do tempo os brinquedos mudaram e já não são mais

construídos para uma criança específica e nem tampouco possuem uma

história própria. Eram as espadas de madeira, os carrinhos feitos com caixas e

16

rodas de carretéis, os bonecos e as bolas de pano, as pipas... que não

possuíam marcas, exceto a de seus construtores: os pais e os avós.

Na atualidade os brinquedos reproduzem o mundo e o modo de

vida atual e possuem a marca das indústrias que os produzem em diversos

tipos e em grandes quantidades. Suas histórias se resumem à compra na loja

e à eventual surpresa de um presente inesperado, mas mesmo com a magia e

o encanto que sempre tiveram, continuam sendo instrumentos indispensáveis

nas diversas etapas do desenvolvimento infantil, porém a escolha de um

brinquedo ocorre a partir de uma determinação do mercado, pois é ele que

define quais se tornarão objetos de desejo das crianças.

As crianças do campo, da cidade e também dos diferentes níveis

econômicos procuram expressar – se através das brincadeiras. Segundo

Friedman:

Confrontando o passado e o presente, não há dúvida quanto

ao fato da criança continuar a brincar. Desde a criança da

cidade até a criança do interior ou do campo, desde a criança

mais estimulada e com melhores condições econômicas, até a

criança de rua ou à criança institucionalizada. Todas elas

procuram espaços e forma de expressar – se e descobrir o

mundo através da brincadeira. Nesses diferentes contextos, as

crianças estabelecem relações com o mundo, transformando,

através do brincar, seus significados. (FRIEDMAN, 1996, p.27)

Com o avanço tecnológico, as brincadeiras que antes eram

passadas de pais para filhos ficaram esquecidas perdendo o lugar para os

brinquedos tecnológicos. Antes o pai saia para trabalhar e os cuidados da casa

e dos filhos era função da esposa. A estrutura da cidade também se modificou ,

antes haviam casas grandes com quintal, as crianças brincavam muito em ruas

e praças, havia espaço para a criança se expressar e estimular sua

imaginação. Isso ocorria porque libertavam a sua imaginação, a criatividade, o

faz de conta. Hoje quase não se vê casas e sim prédios, muitos prédios com

17

pouco espaço para a criança brincar, e as necessidades lúdicas, o estímulo à

manifestação da potencialidade da criança ficaram esquecidas.

Por outro lado, de uma maneira geral os pais acabam

negligenciando a infância de seus filhos pelo fato de desconhecerem o real

significado do brincar e o direito a essa atividade da criança. Ao privar a criança

do direito de brincar e preencher o seu tempo com muitos compromissos, os

pais não percebem que o brincar é indispensável para a saúde física,

emocional e intelectual dos filhos e que brincar não é passatempo, mas sim

uma forma de interagir com o mundo adulto proporcionando lhes desafios e

motivação. A falta de brincadeiras compromete o desenvolvimento dos

pequenos e a desculpa, utilizadas pelos pais hoje é que: “Temos que preparar

o filho para o futuro”.

Devido a essas mudanças, as crianças passaram a ter problemas de

socialização, o que se vê é, que cada vez mais o individualismo toma conta das

relações e a comunicação com os outros se torna mais difícil, pois só se

aprende a brincar, brincando, e esta é uma ação fundamental para aprender a

conviver, a cooperar, respeitar as regras e para representar sentimentos e

moções. É por meio da brincadeira que a criança interpreta a realidade,

desenvolvendo sua fantasia, pensa e soluciona problemas, sem interferência

do adulto. Crianças estressadas, desatentas, sobrecarregadas e dependentes

sempre precisa de um adulto que diga o que ela deve fazer, são resultados

desta falta de espaço para brincar.

O brincar capacita as crianças a controlarem a atividade em que

estão envolvidas. Em um sistema educacional que parece, progressivamente,

retirar das crianças o controle e as decisões e substituí-los pela obediência, na

melhor dos casos, e pela subserviência, no pior, as crianças, por meio do

brincar, podem seguir adiante em seu próprio ritmo, fazer escolhas e

desenvolver autoconfiança. Por meio do brincar, as crianças podem tentar e

tentar novamente até terem sucesso ou decidirem o momento de pedir ajuda,

de desistir ou de modificar planos e intenções, sem sentir que essas tentativas

foram um fracasso. Estão também desemaranhando o mundo em seu próprio

ritmo, saboreando-as. A criança, essencialmente, está no controle. Essa

18

exploração ativa, esse envolvimento e esse senso de possuir a atividade e a

experiência permitem que a criança se sinta apoiada e satisfeita.

Apesar de diversão e da aprendizagem que podem ocorrer pelo

brincar livre, certas formas de brincar podem se tornar muito repetitivas.

Portanto, argumenta-se que os educadores têm um papel-chave a

desempenhar: ajudar as crianças a desenvolver o seu brincar. O adulto pode,

assim estimular, encorajar ou desafiar a criança a brincar de formas mais

desenvolvidas e maduras.

Vygotsky (1984) argumentou que o adulto desempenha um papel-

chave como auxiliar da aprendizagem infantil. Ele lançou a ideia da zona de

desenvolvimento proximal (ZDP). A ideia é que a criança pode ter desenvolvido

um certo nível de competência em uma habilidade, que pode ser realizada de

forma independente e sem ajuda. Esse nível é chamado por Vygotsky de nível

desenvolvimental real. Entretanto, se ajudado por um adulto, essa capacidade

pode ser um pouco ampliada, para que a criança possa tentar algo levemente

mais difícil. Esse nível é chamado por Vygotsky de nível de desenvolvimento

potencial. A diferença entre esses dois é a ZDP- a área de desenvolvimento

que a criança é capaz de manejar e compreender com a ajuda do adulto ou

com a ajuda de seus pares mais capazes.

Alguns educadores começaram a se preocupar com este fato e

começou um movimento de resgate da ludicidade da criança, resgatando jogos

e brincadeiras do passado, buscando essa interação da criança dentro da

sociedade, tão prejudicada pela falta de espaço e tempo.

Dentro do contexto social brasileiro, a oportunização do brincar

assumiu, através da brinquedoteca, características próprias, voltadas para a

necessidade de melhor atender as crianças e as famílias brasileiras. Um dos

objetivos da brinquedoteca é resgatar o viver da criança no seu próprio tempo,

através das brincadeiras que realizam.

Para a professora Cunha (2007), o brincar é uma característica

primordial na vida das crianças. Segundo a autora em seu livro “Brinquedoteca:

um mergulho no brincar”, o brincar para a criança é importante:

19

Porque, brincando, a criança desenvolve a sociabilidade, faz

amigos e aprende a conviver respeitando o direito dos outros e

as normas estabelecidas pelo grupo e porque, brincando, a

criança está nutrindo sua vida interior, descobrindo sua

vocação e buscando um sentido para sua vida (CUNHA, 2007,

p.11)

É brincar, jogar e se divertir dentro de um espaço onde a ludicidade

e a criação têm muitas semelhanças e são essências no processo de formação

do ser humano voltado ao desenvolvimento infantil, e o que vemos é a

confirmação cada vez mais precisa sobre a importância deste comportamento

para a formação de uma criança feliz e saudável.

20

CAPÍTULO II

A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO AO LONGO DOS

TEMPOS.

De acordo com os diferentes contextos históricos, a infância é

percebida diferentemente ao longo dos tempos, pois o modo de produção

vigente numa sociedade determina o processo político, social, intelectual,

sentimental e as formas de relacionamento dos homens entre si e destes com

as crianças.

Segundo Rego:

Com ajuda do adulto as crianças assimilam ativamente aquelas

atividades que foram construídas pela História social ao longo

de milênios: ela aprende a sentar-se à mesa, a comer com

talheres, a tomar líquidos em copo, etc. Através das interações

constantes do adulto (e de crianças mais experientes) os

processos psicológicos mais complexos começam a se formar.

(REGO 2004. p. 60.)

Na Idade Média, a infância significava um estado de transição para a

vida adulta e a criança era considerada um adulto em miniatura. Devido a isso,

executava as mesmas tarefas que o adulto e também se vestia como ele, pois

não existiam modelos específicos de roupas para as crianças. Porém, a

hierarquia social era visualizada através das mesmas, por haver diferenciações

destas por classes sociais.

Para a sociedade, era de suma importância que a criança crescesse

rapidamente para poder participar do trabalho e das demais atividades do

mundo adulto.

21

A educação destas crianças consistia em inseri-las numa família

estranha por volta dos sete anos de idade, independentemente de sua função

social, para aprenderem os serviços domésticos através da prática, e o anfitrião

era chamado de mestre e a criança de aprendiz. Os trabalhos domésticos não

eram considerados degradantes ou inferiores como hoje, pois era uma forma

de educação comum a ricos e pobres, e os conhecimentos e valores humanos

que as crianças deveriam possuir eram transmitidos desta forma.

A educação escolar estava reservada a um pequeno grupo de

clérigos e nobres, com faixa etária diversificada, pois era considerado normal o

fato de um adulto interessado em aprender ser integrado numa turma infantil,

pois o que importava era a matéria a ser ensinada.

A partir dos séculos XV e XVI algumas obras artísticas começam a

dar destaque às crianças que eram representadas nas obras em grupos,

muitas vezes em tipos de jogos com adultos, com a mãe no meio do povo etc.

No entanto o sentimento de que Deus mandava para o mundo várias crianças

para serem conservadas apenas algumas, durou por muito tempo e assim as

crianças morriam em grande quantidade. Para os adultos, diferentemente dos

nossos dias, elas não continham a personalidade de um homem. Tal

concepção era tão forte nos adultos que eles não davam muita importância a

este acontecimento.

Na Idade Moderna (século XVI a XVIII), no período de transição do

feudalismo para o capitalismo, ocorreram transformações nas relações sociais

que refletiram na organização familiar, escolar e no sentimento de infância. A

criança nobre passou a ser vista como fonte de alegria para os adultos, um ser

frágil que necessitava de muitos cuidados e atenção, porém isto não ocorreu

com as crianças da plebe.

No século XVII o excesso de paparicação dado às crianças foi

considerado pelos moralistas algo prejudicial, pois as tornava mimadas e mal-

educadas. Eles tinham preocupação com a educação da criança que deveria

ser separada dos adultos para que sua inocência fosse preservada então foi

proposta uma educação para moralizar as crianças. Esta moralização

22

aproximou os pais das crianças, gerando assim, um sentimento de família e de

infância.

Nesta época o uso do castigo corporal, inclusive com chicote,

tornou-se uma coisa comum na escola e na família, que também passou a ser

considerada uma instituição educativa. Neste século surgiu um traje especial

para as crianças que fazia distinção de sexo, de classe social e das roupas dos

adultos.

Com o passar do tempo ocorreu uma formalização do atendimento à

criança, seguindo o ideário dos movimentos religiosos da época, com uma

rígida disciplina de execução de tarefas e a instigação da autodisciplina. Em

algumas regiões da Europa havia uma pessoa responsável por educar cem

crianças, coisa que está quase sendo reimplantada em nossos dias com a

superlotação das escolas.

A partir do século XVIII emergiu uma preocupação, por parte dos

teóricos educacionais com a infância, na qual a criança passou a ser o centro

do interesse educativo dos adultos sendo vista como sujeito de necessidades e

objeto de expectativas e cuidados, pois este é o período de preparação da

criança para ser inserida no mundo adulto.

Ao final do século XVIII, ocorre na Europa a Revolução Industrial,

marcando assim o início da sociedade capitalista e a ocorrência de um

atendimento filantrópico em creches a crianças vítimas da pobreza, abandono

e maus tratos, e cujos pais trabalhavam nas indústrias.

A creche surgiu com um caráter assistencial e de custódia, sem

nenhuma proposta educativa que favorecesse o desenvolvimento e a

apropriação do conhecimento por parte da criança. As creches visavam,

prioritariamente, o afastamento das crianças pobres do labor que o sistema

capitalista em expansão vinha impondo, além de “guarda” as crianças filhas de

trabalhadores e as órfãs.

Com o advento do capitalismo, a criança se tornou alguém que

precisava ser cuidada, escolarizada e preparada para assimilar a ciência e a

tecnologia que iria pôr em prática futuramente, no âmbito do trabalho. A

23

escolarização da criança é um fator que demonstra a estratificação social, pois

só as crianças das classes dominantes tinham a perspectiva de ascender aos

níveis mais elevados de ensino, já que as das camadas populares, na maioria

das vezes, nem frequentavam a escola.

A sociedade capitalista, fundamentada na ideologia burguesa,

caracteriza a criança como um ser a-histórico, a-crítico, a-político, fraco,

incompleto e economicamente improdutivos e a quem o adulto tem de

alimentar e proteger.

No final do século XVIII e início do século XIX, surgem concepções

educacionais que corroboraram para uma mudança na educação, dentre elas

está a concepção de Pestalozzi, que influenciado pelas concepções de

Rousseau, afirmou que a educação deveria cuidar do desenvolvimento afetivo

das crianças desde o nascimento e deveria ocorrer em um ambiente natural,

com estrita disciplina, amor e que as possibilitasse exteriorizarem o

conhecimento que já possuíssem, desenvolvendo assim o seu caráter infantil.

Ele destacou também o valor da atividade manual e a importância de a criança

se desenvolver com prática e destreza.

Ainda no século XIX Froebel, influenciado por Pestalozzi, criou o

“jardim de infância” onde as crianças eram expostas a condições favoráveis de

seu meio ambiente e teriam a oportunidade de aprender sobre si e o mundo. O

jardim de infância tinha uma dimensão pedagógica que incluía atividades de

cooperação e o jogo, como originários da atividade mental. Ele preconizou uma

auto-educação da criança pelo jogo, valorizou a atividade manual, criou

canções, jogos para educar sensações e emoções, e propunha atividades que

incluíssem conversas, poesias e o cultivo de horta pelas crianças.

Com as concepções de Pestalozzi e Froebel surge uma nova função

da pré-escola mais ligada à ideia de educação do que de assistência e, surge

assim, o conceito de educação compensatória. A função assistencial e

compensatória da creche e pré-escola em alguns aspectos se assemelha, pois

ambas procuram suprir as deficiências de origem social, sejam estas físicas ou

intelectuais.

24

No pós-Segunda Guerra Mundial, a educação assumiu um caráter

salvacionista, porém nós, educadores, não podemos trabalhar com as crianças

pensando no que o adulto quer que ela seja, mas pensando no entendimento

da criança com uma visão ativa e crítica.

Neste mesmo período surgiu uma série de teóricos que analisavam

o desenvolvimento das crianças, psicologicamente, e dentre eles estão:

Vygotsky(1994), que afirmava que a criança é introduzida na cultura por

pessoas com uma experiência cultural maior; Wallon(1995), que destaca a

importância da afetividade nas relações de aprendizagem das crianças;

Celestin Freinet(1985), que considera que a educação deveria ir além do

espaço da sala de aula e deveria integrar as experiências vivenciadas pelas

crianças em seu meio social.

No nosso país os relatos sobre a vida infantil começam no início do

século XVI, no momento de seu processo de colonização no qual atracaram

em nosso continente caravelas com um grande contingente de crianças, nas

quais compunham 10% da tripulação das embarcações, em geral meninos

recolhidos na periferia de Lisboa para dar conta dos piores e mais perigosos

serviços da viagem. Essas crianças eram chamadas de “grumetes” e dormiam

ao relento, comiam pão embolorado e, nas noites de tempestades, se

penduravam nos mastros das embarcações, manejando cordas e roldanas.

Eles faziam isso para receber uma pequeníssima quantia em dinheiro. Com

isso se percebe que a ideia que a mão-de-obra infantil é a mais barata, a mais

disponível para serviços ingratos e está impressa na cultura do país como uma

mão-de-obra descartável.

Assim como os grumetes da época da colonização existem meninos

que não vivem a sua infância, pois são postos prematuramente no mercado de

trabalho, quer nas esquinas das grandes metrópoles, nas carvoarias do centro-

oeste ou na zona da mata. Ainda há as meninas que se transformam em

empregada doméstica na sua tenra infância ou se enredam para a prostituição

infantil.

No Brasil, o cuidado com a infância parece ter realmente começado

no século XIX, intensificando-se nos séculos seguintes. Para Fontes:

25

É importante resaltar que a história da infância no Brasil se

confunde com a história do preconceito, da exploração e do

abandono, pois, desde o início, houve diferenciação entre as

crianças, segundo sua classe social, com direitos e lugares

diversos no tecido social. (FONTES,2005,p.88).

Uma coincidência histórica paira sobre os grumetes, pois no início

do século XX, as crianças que perambulavam nas ruas do Rio de Janeiro,

cometendo atos de vadiagem, eram chamados de “pivettes”. Abrasilerou-se o

termo com a supressão de um “t” e manteve-se a nomenclatura. A diferença é

que os pivetes de hoje praticam roubos e cheiram cola de sapateiro.

A criança no Brasil Imperial tinha uma educação aristocrática,

destinada apenas à elite da sociedade, na qual possuíam um ensino doméstico

e escolar no intuito de formar uma cultura antidemocrática, de privilégios, de

distância social entre adultos e crianças, com rigor de autoridade, uma grande

diferenciação na educação dos dois sexos e o predomínio de atividades

intelectuais em detrimento de atividades manuais e mecânicas.

As crianças desta fase Imperial do Brasil apresentavam um aspecto

triste e sombrio, com ares de adulto e uma precoce maturidade exterior, nos

trajes e nas maneiras.

No Brasil o primeiro olhar voltado à infância foi por volta de 1549,

com a atuação da Companhia de Jesus que tinha o objetivo de educar as

crianças para a fé católica e para submissão. As crianças foram alvo dos

jesuítas, pois estes preconizavam que a alma infantil ainda não estava

corrompida pelo pecado. A educação jesuítica estava fundamentada numa

moral religiosa com uma severa disciplina, castigos e ameaças, pois para eles

isso era indispensável para uma boa educação dos futuros cidadão da colônia.

Na fase do Brasil escravocrata a criança escrava era incorporada ao

trabalho da mãe, pois, para trabalhar, a mesma tinha por hábito a amarrar em

suas costas. Os filhos das escravas que viravam amas de leite eram, em

grande maioria, postos na Casa dos Expostos ou Roda.

26

A roda era um dispositivo cilíndrico, dividido em duas partes,

dando respectivamente uma para rua e outra para o interior da

Santa Casa. Era assistida por uma ama – rodeira que, à noite,

vigiava a entrega dos expostos, tendo como obrigação dar logo

parte ao Magistrado da Terra ou administrador da Roda, da sua

entrada. (DEL PRIORE, 1996, p.30)

O abandono das crianças nas rodas dos Expostos ou

reconhecimento em instituições para meninas pobres eram fatos que

revelavam as dificuldades de muitas famílias para garantir a sobrevivência de

seus filhos. Viam na misericórdia cristã, materializadas nas Santas Casas uma

possibilidade de sobrevivência e esperavam que a sorte trouxesse soluções

para um futuro menos desesperador.

A partir dos seis anos a criança escrava tem sua infância encerrada

e começa a desempenhar pequenas tarefas. Dos doze anos em diante, as

meninas e os meninos escravos passam a ser considerados adultos no que se

refere ao trabalho e à sexualidade.

O menino branco, a partir dos seis anos, começa a aprender latim,

gramática e boas maneiras e colégios religiosos onde eram utilizadas a vara e

a palmatória, para transformá-los num adulto em miniatura. Dos sete anos em

diante os meninos brancos já se vestiam como adultos.

Neste período a falta de cuidado com as crianças, tanto brancas

como negras, era tão acentuada que o número de óbitos infantis era imenso.

Dentre as crianças negras a situação era mais caótica, pois as mães escravas

deixavam de amamentar seus filhos para serem amas-de-leite dos filhos da

senhora da casa grande. As crianças brancas de classes desfavorecidas

tinham um tratamento parecido com o das crianças negras, o único fator que as

diferenciavam era a liberdade que gozavam e, com isso, as crianças que eram

rejeitadas pela família ficavam à mercê da sorte pelas ruas.

Devido à grande quantidade de crianças abandonadas pelas ruas e

na Roda dos Expostos, e a consequente falta de higiene nestes locais, as

27

doenças infantis e as inúmeras mortes de crianças despertaram nos higienistas

a necessidade de criar um movimento em que se divulgassem a criação de

novos hábitos e costumes higiênicos para que houvesse uma reversão no

quadro de mortalidade infantil. Devido ao movimento higienista, ocorre uma

transformação no grupo familiar, na qual cada membro passa a assumir novos

papéis. E assim, a crianças passa a ser considerada um ser frágil que

necessita de cuidados especiais, tornando-se o centro das atenções do grupo

familiar.

Na fase de industrialização do Brasil, em meados da década de

1870, no início do século XX, 40% da mão-de-obra da indústria têxtil paulista

eram assumidas por crianças. Esta situação perdura, atualmente, nas fábricas

de plásticos vidros, tijolos e pedreiras pelo país, onde crianças repetem a saga

dos pequenos tecelões. Em contrapartida, o dinheiro que estas crianças

recebem é considerado uma complementação da renda das famílias pobres,

um desafio para governos e um constrangimento para os setores empresariais.

Com o surgimento, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova que propunha uma educação pública, turmas mistas e um

ensino laico, gratuito e de qualidade, surge uma preocupação por parte dos

teóricos brasileiros com a educação pré-escolar, pois o manifesto também

vislumbrava a educação pré-escolar como base do sistema educacional.

No Brasil República a preocupação com a criança era voltada para

uma educação que abrangesse o campo moral e intelectual, pois havia surgido

uma abordagem educacional calcada na privação cultural, entendendo que as

crianças das classes populares fracassavam, no âmbito educacional, por

apresentarem deficiências socioculturais. Então, para suprir este déficit,

surgem os programas de educação compensatória. Essa preocupação é

estendida para a classe social mais abastada e os mesmos apontam a

necessidade da escolarização da criança de 3 a 6 anos como a solução para

suprir as deficiências educacionais, e assim tem início as primeiras creches e

pré-escolas no país.

Com este caráter compensatório e salvacionista da educação pré-

escolar, no final da década de 1970, com uma maior abertura política do país,

28

vários educadores brasileiros como, por exemplo, Zaia Brandão, criticaram este

cunho compensatório da educação pré-escolar no sistema educacional

brasileiro, juntamente com alguns grupos isolados e associações que

passaram a exigir do Poder Público a organização e a manutenção de creches

e pré-escolas com um caráter diferente de compensar deficiências.

Devido a isso o governo cria, em 1981, o Programa Nacional de

Educação Pré-Escolar que analisa os métodos educacionais pré-escolares e

chega à conclusão de que ela deve promover o desenvolvimento global e

harmônico da criança e também a desvincula do Ensino Fundamental.

Ao fim do século XX, com a promulgação da Lei 9394/96 foi

estabelecida a função da Educação Infantil, que é o atendimento de crianças

de 0 a 3 anos de idade em creches e as crianças de 4 a 6 anos em pré-

escolas; visando proporcionar condições adequadas para promover o bem-

estar da criança, seu desenvolvimento físico, motor, emocional, intelectual,

moral e social, a ampliação de suas experiências, bem como estimular seu

interesse pelo processo de conhecimento do ser humano, da natureza e da

sociedade.

Atualmente a educação infantil tem o desafio de atender à

diversidade humana, que está ameaçada de extinção pela globalização da

economia e, consequentemente, das instituições sociais. Como exemplo disso,

temos as imagens da televisão que são expostas em diferentes países onde as

crianças a têm como uma “babá”.

A proposta pedagógica das creches e pré-escolas devem possibilitar

a interação das crianças com os demais alunos, a construção de sua

identidade num ambiente de segurança, exploração e autonomia, provocando a

atividade infantil e a descoberta. Deve promover o envolvimento em

brincadeiras para propiciar o desenvolvimento da linguagem, da imaginação,

do raciocínio e da reflexão.

29

CAPÍTULO III

DE QUE MANEIRA O BRINCAR CONTRIBUI PARA A

SOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA E SUA INSERÇÃO NO GRUPO.

Com base nas ciências biológicas, considera – se criança toda a

pessoa na faixa etária desde seu nascimento até doze anos. Já a infância tem

sido construída como um bolsão de sentidos que se sobrepõe a todas as

crianças. Trata – se então, de um conjunto de sentidos normativos que, de

maneira geral, prescrevem o seu brincar, o seu tempo, a sua sociabilidade, a

estética, a higiene, os hábitos, etc. e enfatizam o caráter disciplinar do que é

ser criança.

O brincar é o principal modo de expressão da infância. É uma

linguagem, por excelência, para a criança aprender, se desenvolver, explorar o

mundo, ampliar a percepção sobre ele e sobre si mesma, organizar seu

pensamento, trabalhar suas emoções, coordenação motora, capacidade de

iniciativa e de criar e se apropriar da cultura.

Sintetizando a ideia do quanto o lúdico é importante para o

desenvolvimento infantil encontramos algumas palavras de Maluf:

Devemos ter espírito aberto ao lúdico, reconhecer sua

importância enquanto fator de desenvolvimento da criança.(...)

Quanto mais a criança participa de atividades lúdicas, novas

buscas de conhecimento se manifestam, seu aprender será

mais prazeroso. (MALUF, 2003, p.31, 32).

A criança brinca por brincar por brincar e porque sente prazer neste

ato. Ela se interessa por brincar desde muito pequenina. Haidt cita:

O interessante é regulador de energia e sua intervenção

mobiliza as reservas internas de força, bastando que um

30

trabalho seja interessante para parecer fácil e para que a

fadiga diminua. É por isso que os escolares alcançam um

rendimento melhor quando se apela para seus interesses e

quando os conhecimentos propostos correspondem às suas

necessidades. (HAIDT, 2003, p. 39).

A brincadeira assume concepções diferenciadas de acordo com as

diferentes correntes da psicologia relacionada ao desenvolvimento infantil.

A corrente histórico-cultural concebe o homem como um ser social e

histórico que interage com seus semelhantes e com a sua cultura. Esta linha de

análise enfatiza a relação do sujeito com o objeto de uma forma dialética.

Vygotsky é o principal representante desta linha teórica, pois enfatiza a

interação do ser humano em todas as suas dimensões.

Vygotsky também é um teórico do desenvolvimento cognitivo sócio-

interacionista por considerar que é no plano intersubjetivo, isto é, na troca entre

as pessoas, que tem origem as funções-psicológicas dos indivíduos, pois

entende-os como seres ativos que agem sobre o mundo, sempre em relações

sociais que se transformam em ações para que constituam o funcionamento de

um plano inteiro.

Um outro ponto enfatizado por Vygotsky em seus estudos é a

importância da relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Para ele o

desenvolvimento está atrelado à aprendizagem, que é essencial para promover

o desenvolvimento: é como se ela “puxasse” o desenvolvimento para frente.

Nisto está concentrada a importância que Vygostky dá para cultura, para a

experiência da vida do sujeito, pois desde o nascimento a criança está num

processo contínuo de aprendizagem que colabora para o desenvolvimento da

mesma. O aprendizado constitui-se num aspecto fundamental do processo de

desenvolvimento das funções psicológicas humanas. Utilizando-se de um

termo mais abrangente, o aprendizado sempre envolve interação social, inclui

sempre aquele que aprende, o que ensina e a relação entre ambos. Essa

concepção estabelece uma ligação entre o desenvolvimento do indivíduo, a

sua relação com o ambiente sócio-cultural no qual está inserido e o seu

31

organismo, que não se desenvolve plenamente sem a interação de outros

indivíduos.

O desenvolvimento psíquico do indivíduo parte de uma relação

intersubjetiva para uma relação intra-subjetiva, na qual a linguagem tem o

papel de mediar o desenvolvimento e o conhecimento do mundo, pois a criança

ao se apropriar da linguagem passa a conceituar e categorizar o ambiente no

qual está inserida.

No entanto, por serem as pessoas constituídas por experiências

individuais e particulares, essa gama de experiências tem de ser simplificada e

generalizada ao extremo, pois assim dará condições de ser traduzido em

signos capazes de serem transmitidos a outras pessoas. Esse fato gera a

segunda função da linguagem, o pensamento generalizante. A linguagem da

criança dá uma forma mais definida ao pensamento, agrupando, segundo

Vygotsky, as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações,

sob uma mesma categoria conceitual.

Vygotsky considera o pensamento e a linguagem processos

interdependentes, mas ressalta que ambos possuem origens e

desenvolvimento independentes até o momento de uma ligação mais estreita.

Em estudos feitos por ele com primatas superiores, os chimpanzés, encontrou

formas de funcionamento intelectual e de comunicação social através de uma

determinada linguagem.

Os animais ao mesmo tempo em que exibem essa forma de

pensamento pré-verbal também se utilizam de uma linguagem própria, com

sons, gestos e expressões que são utilizadas para expressar emoções e, ao

mesmo tempo, um meio de comunicação com os iguais do grupo. Esse tipo de

linguagem é considerado pelo teórico como “pré-intelectual”, pois ainda não

tem função de signo. É assim que tanto pensamento quanto linguagem têm

suas próprias trajetórias, porém, num determinado momento do

“desenvolvimento filogenético”, pensamento e linguagem se unem e o

pensamento e linguagem é considerado, por Vygotsky, crucial no

desenvolvimento da espécie humana, pois surge da necessidade dos

indivíduos de manterem um intercâmbio durante o trabalho, atividade

32

especificamente humana. O surgimento do pensamento verbal e da linguagem

como sistema de signos marca o momento de transformação do que é

biológico em sócio-histórico.

Nos estudos que Vygotsky realizou sobre a relação entre

pensamento e linguagem tem lugar central a questão do significado. É no

significado que se encontram as duas funções básicas da linguagem: o

intercâmbio social e o pensamento generalizante. Os significados propiciam a

mediação simbólica entre os indivíduos e o mundo real, dando-lhes

possibilidade de ação e compreensão sobre os mesmos. Os significados são

construídos ao longo da história pelos grupos humanos e não é estático, pois

sofre alterações no tempo, o que ocasiona assim a história da língua.

No processo de apreensão da linguagem pela criança ocorre algo

parecido, pois quando a mesma começa utilizar determinados significados das

palavras ela o faz de acordo com suas vivências de interação verbal com

adultos ou crianças maiores, de modo a ajustar os significados utilizados,

predominantemente, pelo grupo cultural e linguístico que está inserida. Este

fato pode ser exemplificado a partir das brincadeiras infantis, pois ao brincar de

faz-de-conta a criança, muitas vezes, assume papéis sociais baseados nos

seus significados, porém tentando aproximá-los daqueles construídos

socialmente.

Considerando que a linguagem tem como função inicial a

comunicação entre os sujeitos e que a criança, inicialmente, também a utiliza

para este fim, em certos momentos de seu desenvolvimento ela começa se

utilizar da fala egocêntrica com uma função pessoal, ligada às necessidades do

seu pensamento a criança faz uma trajetória que parte dos processos

socializados para os processos internos. Partindo desta concepção é relevante

destacar que o brincar infantil propicia situações de interação entre as crianças,

e das mesmas com os brinquedos, criando nelas um espaço de elaboração de

significados e conceitos, mediados pela linguagem, sobre o mundo no qual

esta inserida.

A brincadeira se constitui como um fator fundamental no processo

de desenvolvimento infantil, pois ao brincar a criança, na maioria das vezes,

33

assume um comportamento mais avançado do que assumido em sua vida real.

Sendo assim, a brincadeira e as situações escolares criam na criança uma

zona de desenvolvimento proximal, pois ao interagir com as pessoas, ao

simbolizar o mundo e ao perceber suas próprias necessidades, ela se

desenvolve.

Para Vygotsky, a atividade lúdica, além de ser um espaço de

conhecimento sobre o mundo externo, proporciona à criança a possibilidade de

experimentar as emoções com que convive em sua realidade interior. Enquanto

brinca, pode realizar de forma simbólica toda a necessidade que faz parte da

experiência infantil saudável e encontra maneiras de lidar com sua carga de

impulsos agressivos.

No convívio com esses impulsos, a criança desenvolve, desde cedo,

a disciplina de exprimi-los através do brinquedo. É importante que seja

preservado esse espaço para que a criança possa exprimir seus sentimentos

em momentos em que está realmente zangada.

Brincando, a criança desenvolve uma estrutura de organização para

relações emocionais que lhe dá condições para o desenvolvimento das

relações sociais. Nas brincadeiras que envolvem outras crianças ajustadas a

papéis pré-determinados, como por exemplo, da mãe, dos filhos, da avó, do

pai, do médico, do professor dentre outros, a criança se “obriga” a obedecer às

regras comportamentais do personagem que assumiu; ela encontra assim

condições de aprender a aceitar que as outras tenham uma existência social e

emocional independente da dela.

À medida que as crianças crescem e suas condições de

pensamento se desenvolvem num processo de socialização, os jogos com uma

situação imaginária e com regras ocultas dão lugar aos jogos com regras claras

e situações imaginárias ocultas. O jogo com regras é considerado atividade

lúdica do ser socializado. Através das brincadeiras, as crianças se veem

capazes de se projetarem em relação às atividades dos adultos, procurando

avançar e buscar soluções coerentes para os papéis assumidos.

O adulto não deve impor regras ou obrigar a criança a brincar da

maneira que ele acha correta, mas deve sim levá-las a pensar e a encontrar

34

soluções para os problemas encontrados durante o ato de brincar. Quando à

participação do adulto nas brincadeiras infantis, Maluf diz:

A criança sente-se ao mesmo tempo, prestigiada e desafiada,

quando o parceiro da brincadeira é um adulto. Este por sua

vez, pode levar a criança a fazer descobertas e viver

experiências que tornam o brincar mais estimulante e mais rico

em aprendizado. (MALUF, 2003, p.30).

Então podemos dizer que não é positivo encarar a brincadeira como

simplesmente um momento para relaxar e achar que as experiências diárias já

bastam para a concretização do aprendizado, não se pode negar que a

participação de um adulto, questionando e estimulando a criança durante a

brincadeira, é sem dúvida muito relevante.

Muitas vezes, a brincadeira é encarada como passatempo ou

recreação, outras vezes, acredita-se que a brincadeira por si só dá conta

totalmente da aprendizagem. Entretanto, deve-se reconhecer o importante

papel que o brincar ocupa no processo educativo, principalmente por promover

o desenvolvimento dos processos psíquicos; assim, entende-se a atividade

infantil de brincar como essencial tanto para a construção de conceitos que

compõe a constituição do sujeito como um ser social, afetivo e do

desenvolvimento cognitivo quanto por relações intra-subjetivas ou

intersubjetivas.

Garantir a criança o brincar é assegurar uma educação lúdica capaz

de proporcionar a ela coordenação motora, alto estima, responsabilidade

dando espaço a sua imaginação.

A criança ao brincar está em ação livre, despreocupada e nessa

hora o seu comportamento é totalmente espontâneo, ela se revela como é, em

toda expressão de sua personalidade.

O brincar pode se dividir em três etapas: O brincar de antigamente, o

espontâneo e o brincar com regras.

35

Antigamente a brincadeira era um fenômeno social do qual todos

participavam. As brincadeiras tradicionais retratam a cultura de diversas

sociedades em diferentes momentos históricos. Pode – se citar como exemplo

a amarelinha, seus primeiros registros foram, encontrados apresentando um

traçado às plantas baixas dos templos religiosos da antiguidade, onde são

encontrados conceitos como céu, inferno, terra, lembrando uma espécie de

jogo divinatório.

As brincadeiras tradicionais como esconde – esconde, empinar pipa,

cobra cega, bolinha de gude, pular corda, carrinho de rolimã, peteca, pião,

andar de balanço e diversas cantigas de rodas são transmitidas de geração em

geração, além de diversão, ela ajuda no aperfeiçoamento das funções mentais,

como a atenção, a imaginação, a memória, o raciocínio e virtude morais, como

a lealdade, a bondade, o cavalheirismo, o espírito espontâneo, ela se revela

como é, em toda expressão de sua personalidade.

Segundo Kishimoto (1999), “A brincadeira tradicional tem a função

de perpetuar a cultura infantil, desenvolver formas de convivência social e

permitir o prazer de brincar. Por pertencer a categoria de experiências

transmitidas espontaneamente conforme motivações internas da criança, a

brincadeira tradicional infantil garante a presença do lúdico, da situação

imaginária”.

As crianças viviam mais livres, sem medo, sem preocupações, sem

classes sociais, pois não era preciso brinquedos caros ou da alta tecnologia

para essas brincadeiras. Elas brincavam em ruas e praças, suas brincadeiras

eram simples.

Sabe – se que o movimento auxilia na oxigenação do celebro, então

o movimento é importantíssimo. Não só para o bom funcionamento corporal,

cerebral, emocional, mas também para facilitar o aprendizado. Com o

movimento e a brincadeira a criança faz representações mentais e estas

representações são fundamentais para a organização do raciocínio e a

construção do conhecimento.

A brincadeira desenvolve a noção espacial e corporal, a capacidade

de solucionar problemas, a criatividade, a imaginação, a autonomia entre

36

tantas outras habilidades essenciais para um desenvolvimento cognitivo

saudável. Todo o tipo de brincadeira e jogo é importante.

Através dos jogos com regras, segundo Piaget (1978), as atividades

lúdicas atingem um caráter educativo, tanto na formação psicomotora, como

também na formação da personalidade das crianças. Assim, valores morais

como honestidade, fidelidade, perseverança, hombridade, respeito ao social e

aos outros são adquiridos.

Os jogos com regras são considerados uma ferramenta

indispensável para este processo que implicam relações sociais e individuais.

Através do contato com o outro a criança vai internalizar conceitos básicos de

convivência. A regra implica regularidade imposta pelo grupo, e sua violação

representa uma falta.

A criança por si mesma não se impõe regras, mas o faz por analogia

com as que recebeu. Jamais comprovou regras espontâneas em uma criança,

quando tem bolinhas de gude, constrói com elas símbolos(ovos de um ninho)

ou jogar de arremessá-las etc.(simples exercício), adquirindo costumes. Na

regra, além da regularidade, existe uma ideia de obrigação que supõe a

existência de dois indivíduos, pelo menos.

As regras transmitidas se referem os jogos institucionais, que se

impõe por pressão das gerações anteriores. As espontâneas se referem aos

jogos de natureza contratual e momentânea, isto é, procedem da socialização

dos jogos de simples exercício ou dos simbólicos.

As brincadeiras com regras pré-estabelecidas e com objetivos

estimulam a responsabilidade, a disciplina, entre outros valores sem que as

crianças se sintam obrigadas a cumprir, tendo como exemplo os jogos de

tabuleiro. As responsabilidades na vida da criança irão favorecer o seu convívio

na sociedade.

Para Vygotsky (1989), há dois elementos importantes na atividade

lúdica das crianças no que se refere aos jogos com regras: o jogo com regra

explícita e o jogo com regras implícitas. O primeiro destes fatores são as regras

pré-estabelecidas pelas crianças e que a sua não realização é considerada

37

uma falta grave, por exemplo, em um jogo de pega pega quem for tocado pelo

pegador passa a ser o perseguidor, isto direciona a criança a seguir regras

sociais já estabelecidas pelo mundo dos adultos. O outro segmento são regras

que não estão propriamente ditadas, mas entende-se que são necessárias

para o seguimento do jogo, no exemplo citado acima, não se coloca que as

crianças não podem sair do local da brincadeira (como exemplo, uma quadra),

portanto as regras implícitas oferecem a criança uma noção de entendimento

às regras ocultas, mas necessárias.

Além do conhecimento de uma maneira espontânea, as brincadeiras

livres trazem vantagens em todas as etapas da vida das crianças. São elas que

aguçam a sua imaginação, fazem que a criança tome decisões. Mais a cada

dia esta forma de brincar se torna escassa.

Algumas escolas, mantém na Educação Infantil e séries iniciais

momentos de brincar, mas estes não são suficientes para suprir a necessidade

das crianças. Todo pai sabe e espera que a escola cumpra sua função de

ensinar, mas hoje não é difícil encontrar criança que quer tanto aproveitar a

companhia dos colegas que não consegue parar de brincar na sala de aula! Há

pais pedindo aos educadores brincadeiras dirigidas até nestes momentos

livres, com o objetivo de não deixar a criança se machucar ou brigar. Os pais

reclamam e se aborrecem muito com joelhos ralados, brigas e confusões na

escola, dificilmente encaram com naturalidade e entendem o quanto o brincar

espontâneo é importante para o aprendizado.

O brincar em grupo não pode ficar restrito à escola. Mesmo nas

festas de aniversário já não se brinca muito livremente, a maioria das

brincadeiras é dirigida por monitores ou brinquedos, mas a criança aproveita

mesmo assim, embora com os adultos tentando distraí-la da convivência, ela

brinca, briga e aprende! Temos que pensar porque não toleramos pequenos

confrontos de nossos filhos, os adultos tem que aprender a deixar as crianças

resolverem seus conflitos, pois só assim elas aprenderão e terão auto

confiança para resolver grandes conflitos da vida adulta.

Os pais devem oferecer mais tempo para que as crianças brinquem,

oferecer outros espaços além da escola para brincadeiras livres, observar seu

38

filho brincando e orienta-lo e oferecer diversos materiais e estímulos para que

seu filho possa construir sua brincadeira. Um lençol pode transformar numa

capa, numa cabana ou num fantasma, por exemplo. Deixe seu filho criar, deixe

que ele discuta e que nem sempre ele consiga brincar do que quer, mas que

aprenda que para conviver é necessário ceder em algumas situações, assim

ele trabalha a socialização, o trabalho em conjunto. Deixe que ele rale seu

joelho e dê topadas com seu dedão permita que ele resolva seus problemas e

tente não interferir.

Hoje se vê crianças ligando na hora do recreio para a mãe, pedindo

auxilio para administrar suas frustrações com os colegas, ofereça a

oportunidade de negociação. Não fique brava se ele for escolhido na

brincadeira, não deixe que ele se sinta menosprezado, mas ensine que às

vezes só o fato de poder ser coadjuvante de uma brincadeira pode deixa – lo

feliz.

A aprendizagem, compreendida sob a ótica do brinquedo e da

criatividade, deve encontrar maior espaço para ser dinamizada, na medida em

que os pais e professores compreenderem toda a capacidade potencial que o

brinquedo e o brincar têm para contribuir com o desenvolvimento harmônico da

criança.

CONCLUSÃO

Quando optamos a questão dos brinquedos e brincadeiras na

brinquedoteca, nosso olhar dirigiu-se para as brincadeiras das crianças, no intuito de

demonstrarmos que estas são construções e interpretações que as crianças fazem

39

do mundo que as cerca, sendo influenciadas pelo contexto sócio-cultural em que

estão inseridas.

Partindo do pressuposto teórico de que a brincadeira interfere

positivamente no desenvolvimento da criança e que esta a utiliza como uma forma

de interação do mundo, passamos a analisá-la como um fenômeno social.

A partir dos estudos teóricos baseados, principalmente, em Vygotsky

caminhamos no sentido de demonstrar que a brincadeira tem papel fundamental no

desenvolvimento infantil e na constituição da identidade sócio-cultural do sujeito.

O brincar da criança está comprometido com suas emoções, com as

imagens assimiladas do mundo e com a curiosidade face ao desconhecido.

Portanto, ao transformar os objetos numa criação própria, a criança estará

traduzindo sentimentos internalizados.

À medida que a criança manipula os objetos empregados nas

brincadeiras, vai adquirindo, também, a capacidade de manobrar os dados da

realidade e reinventa o mundo, em consequência, começa a fortalecer dentro dela

um sentimento de poder, de domínio, diante das coisas do mundo.

É importante ressaltar que foi neste sentido que o conjunto das leituras

efetuadas apontou para o que parece ser a questão mais importante do brincar, que

é o poder que este confere a criança, possibilitando que ela transforme a realidade

utilizando-se a imaginação.

Percebemos ainda em nossa análise que a brincadeira influencia

positivamente o desenvolvimento infantil, pois expressa muitas funções intrísecas

das crianças no ato de brincar. O brinquedo proporciona à criança a oportunidade de

realizar as mais variadas experiências, tanto aquelas que lhes dão prazer como as

que proporcionaram conflitos que precisam ser elaborados.

Um outro ponto que ainda nos deparamos em nosso caminhar, refere-se

à questão do consumo de brinquedos. Isto nos remete à reflexão de que o brincar

está banhado pelo contexto sócio-cultural em que a criança está inserida. A

qualidade e a quantidade do que é consumido servem para identificar a classe social

das pessoas, já que o brinquedo torna-se grande fonte de desejo das crianças.

40

Falar do desejo é também falar de denúncia. É revelar as manobras que o

sistema capitalista se utiliza para capturar o potencial criador da criança para

transformá-lo, posteriormente, em mercadoria. O sistema capitalista, entre outras

estratégias, quer “anular” o desejo da criança, à medida que oferece brinquedos cuja

estruturação traz uma identidade pronta e uma função explícita, que levam a criança

a reproduzir, de certa forma, sempre o mesmo modelo de brincadeira.

A promoção de atividades que favoreçam o envolvimento em

brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações

imaginárias, têm nítida função pedagógica. A escola e, particularmente as pré-

escolas, poderiam, apartir desse tipo de situação, atuar no processo de

desenvolvimento das crianças. Principalmente na pré-escola, a brincadeira não deve

ser considerada uma atividade de passatempo, sem outra finalidade que a diversão.

Para tanto, é preciso, inicialmente, considerar as brincadeiras que as

crianças trazem de casa ou da rua e que organizam independentemente do adulto,

como um diagnóstico daquilo que já conhecem, tanto no que diz respeito ao mundo

físico ou social, bem como do afetivo e, é necessário que a escola possibilite o

espaço, o tempo e um educador que seja o elemento mediador das interações das

crianças com os objetos de conhecimento.

Ressaltamos que obtivemos, através deste trabalho, dados que nos

possibilitaram uma maior apreensão do nosso objeto de estudo, uma vez que fomos

levados a praticar um olhar crítico sobre a realidade concreta.

Ao realizarmos este trabalho, acreditamos ser fundamental importância

para a interação cultural as brincadeiras. As atividades lúdicas podem ser o melhor

caminho de interação entre os adultos e as crianças e entre as crianças entre si para

gerar novas formas de desenvolvimento e de reconstrução de conhecimento.

BIBLIOGRAFIA: ACKERMAN, Nathan. Diagnóstico e tratamento das Relações Familiares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1995.

41

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ÍNDICE

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FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A brincadeira através dos tempos. 12

CAPÍTULO II

A concepção de infância e educação ao longo dos tempos 20

CAPÍTULO III

De que maneira o brincar contribui para a socialização

da criança e sua inserção no grupo. 29

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 41

ÍNDICE 43