projetar no tempo: o iluminismo e a cidade
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Projetar no tempo: o Iluminismo e a cidade
Arte & Utopia. Lisboa: CHAIA – UE; Dinâmia'CET-IUL, ISCTE-IUL; FCSH- UNL,
2013, pp. 79-87
Helena Murteira
“A excelência pública pode ser considerada como uma vantagem política e moral para
qualquer nação: politicamente, através da relação com os estrangeiros que despendem
grandes quantias nas nossas curiosidades e produtos; moralmente, porque tende a
promover a indústria, a estimular a invenção e a incentivar a emulação nas artes
liberais e educadas”1.
Em 1766, o arquiteto inglês John Gwynn publicou London and Westminster Improved
criticando a ausência de um plano geral e a a secundarização do papel do arquiteto na
reconstrução e expansão de Londres após o grande incêndio de 1666, e propondo um
conjunto de medidas para a sua requalificação e modernização.
Esta obra de Gwynn interessa-nos particularmente pelo lugar que ocupou no debate
Iluminista sobre a cidade.
Não obstante a ausência de um projeto global, a Londres dos espaçosos squares do West
End tornou-se o modelo de cidade para a Europa do século XVIII. Construída pelo
grande proprietário fundiário, o empreiteiro e o especulador imobiliário, a nova área
residencial da capital inglesa continha todavia as premissas fundamentais de excelência
arquitetónica e lógica funcional defendidas pelos teóricos Setecentistas.
É esta aparente contradição entre a praxis pré-industrial londrina e a ideia de cidade
preconizada pelo Iluminismo que pretendemos abordar. Nela está imanente a ampla
dimensão pragmática da cidade idealizada pela Europa do século XVIII, bem como a
ambiguidade de propósitos que deu corpo à emergência da cidade industrial.
1 “Publick magnificence may be considered as a political and moral advantage to every nation; politically, from the
intercourse with foreigners expending vast sums on our curiosities and productions; morally, as it tends to promote
industry, to stimulate invention and to excite emulation in polite and liberal arts” Gwynn, 1766, Introduction, p. XIV
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1. A ideia de cidade
Antes do mais, é necessário situarmo-nos no quadro do pensamento europeu sobre a
cidade no século XVII e 1ª metade do século XVIII.
Os instrumentos conceptuais e técnicos que deram corpo ao pensar e fazer a cidade
durante este período articularam-se com as exigências do desenvolvimento do comércio,
particularmente o marítimo de longo curso, e a criação e expansão dos estados
nacionais.
O espaço urbano foi crescentemente considerado na sua dimensão abstrata e organizado
segundo preceitos de uniformidade e regularidade. Subjacente a este exercício, que
cruzou os domínios da arquitetura e engenharia militares, arquitetura civil e
ordenamento urbano, encontrava-se a convicção crescente de que a cidade era o centro
da sociedade, o seu motor e, fundamentalmente, o seu reflexo.
É por demais conhecido o papel que o racionalismo cartesiano desempenhou na
evolução da ideia de cidade neste período, ao advogar a unidade do conjunto em
detrimento da singularidade arquitetónica, mesmo quando modelar na sua conceção e
expressão física2. Curiosamente este entendimento da cidade teve lugar numa época em
que o urbanismo favorecia os grandes eixos perspéticos, dinamizados por elementos
arquitetónicos.
Esta dualidade de soluções tinha, no entanto, um ponto de convergência fundamental e é
nele que encontramos a essência do pensamento urbano da época: a dignificação e a
otimização do tecido urbano.
É o tempo das reformas urbanísticas que romperam e reestruturaram núcleos urbanos
pré-existentes, como o caso dos projetos papais para Roma (1588-1671), e das places
royales em Paris (1605-1686), ou da extensão em “novas cidades”, como em Nancy
(1588; 1752-1756), Turim (1584-1714) e Edimburgo (1766).
2 Ver Descartes, René (1637) Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la vérité dans les
sciences. Leiden: Jan Maire.
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Os instrumentos teóricos e práticos (tratadística e experiência de intervenção urbana)
partilhados pela Europa foram utilizados e reequacionados de forma discricionária de
acordo com os objetivos a atingir. No entanto, cidade idealizada e construída
aproximaram-se tendencialmente segundo uma lógica de transformação da realidade
que respondia, como já afirmámos, a um arquétipo preciso.
Lavedan escrevia em 1941 que a cidade ideal da época moderna se caraterizava pela
prevalência do conjunto sobre o elemento, pelo planeamento global que regularizava,
uniformizava, equipava e embelezava:
“É antes do mais aquela em que se afirma a noção de conjunto urbano, não somente a
regularidade do plano, mas a homogeneidade monumental: uma feliz mediocridade
geral é preferível a uma juxtaposição de palácios e casebres. Os edifícios públicos
comunicarão facilmente uns com os outros; os mercados serão bem distribuídos em
todos os bairros. Os hospitais serão transferidos para a periferia do aglomerado, da
mesma forma os matadouros, os cemitérios e também as oficinas. A água correrá em
abundância através de belas fontes. Os direitos de estética serão ainda salvaguardados
pelo estabelecimento de praças e perpetivas monumentais, nomeadamente praças reais
e adros defronte das igrejas. Esta cidade ideal terá finalmente vários espaços livres,
várias árvores e vistas longínquas na medida do possível” 3.
Mais do que sumarizar a ideia de cidade na Europa moderna, Lavedan traça a sua
evolução até ao paradigma que o Iluminismo irá plenamente abraçar.
O reequacionamento do tecido urbano através da utilização de eixos espaciais em torno
de edifícios ou estruturas urbanas monumentais refletiu a emergência de um olhar sobre
a cidade enquanto conjunto total. A regularidade do traçado urbano e a uniformidade
arquitetonicamente dignificavam o espaço urbano, bem como a construção (e
3 « C’est d’abord celle ou s’affirme la notion de l’ensemble urbain, non seulement la régularité du plan, mais
l’homogénéité monumentale: une heureuse médiocrité générale est préférable à une juxtaposition de palais et de
taudis. Les édifices publics seront en communications faciles les uns avec les autres; les marchés bien distribués dans
tous les quartiers. Les hôpitaux seront transférés à la périphérie de l’agglomération, de même les abattoirs, les
cimetières et aussi les usines. L’eau coulera en abondance par de belles fontaines. Les droits de l’esthétique seront
encore sauvegardés par l’établissement de places et de perspectives monumentales, notamment de places Royales et
de parvis devant les églises. Cette ville idéale comportera enfin beaucoup d’espaces libres, beaucoup d’arbres et de
vues lointaines dans la mesure du possible » - Lavedan, 1959, pp. 201-202.
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manutenção) de infraestruturas e equipamentos urbanos. A cidade era olhada
crescentemente não só como um instrumento de representação do poder político, mas
também como veículo de progresso económico e social.
Mas se é possível identificar um quadro comum no que respeita à ideia de cidade,
convém salientar que nem toda a Europa partilhava o mesmo contexto político e social.
Enquanto o absolutismo real, mais ou menos esclarecido, dominava o cenário político
europeu Setecentista, a dinâmica no sentido da preeminência da classe média e do
estabelecimento de um regime político parlamentarista despontava no horizonte
histórico. Os Países Baixos e a Inglaterra lideraram este processo a partir do século
XVII, com consequências significativas para a história urbana de ambos os países.
É exatamente a relação entre o arquétipo Iluminista de cidade e a dinâmica
idiossincrática da Londres pré-industrial que a obra de Gwynn evoca de forma singular.
Esta problemática remete-nos ainda para uma outra questão fundamental: a cidade
idealizada é, para os teóricos do Iluminismo, um empreendimento exequível através de
uma ação coerente e sistemática de intervenção no tecido urbano.
2. A Londres de John Gwynn
“O autor do trabalho que se segue sugeriu suficientemente a necessidade de um plano
geral para toda a capital (…) propondo que a execução dos respetivos melhoramentos
deveria ser colocada sob a direção de pessoas capazes e competentes, que deveriam ser
investidas com autoridade para regular a aparência confusa e dispersa que tem,
restituir a beleza às partes arruinadas e estabelecer o modo adequado para os novos
melhoramentos; através dos quais não só o valor da propriedade seria
consideravelmente aumentado, mas também estes melhoramentos tornar-se-iam
conducentes à riqueza e utilidade pública”4.
4 “The author of the following work sufficiently intimated the necessity of a general plan of the whole capital (…) the
execution of which improvements he proposed should be put under the direction of fit and able persons, who should
be empowered by authority, to regulate the scattered and confused appearance they make, to restore the ruinated
parts to beauty, and fix the proper mode of new improvements; by which means not only the value of property would
be considerably increased, but these improvements become conducive to health as well as publick convenience” -
John Gwynn, 1766, Preface, p. V.
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Em 1766, Londres era uma vasta metrópole com cerca de 700 mil habitantes (contra
cerca de 150 mil em 1500) que surpreendia pela modernidade dos amplos squares
residenciais do West End5. As habitações unifamiliares, cómodas e funcionais, as ruas
pavimentadas, a novidade das infraestruturas de saneamento básico, as múltiplas áreas
de lazer promoviam o dinamismo económico e cultural da cidade e explicam o papel
modelar que desempenhou no contexto da Europa Setecentista.
A génese deste quadro urbano remonta às restrições impostas à construção em Londres
que se confinava aos limites da City e Westminster até ao século XVII. Estas medidas
traduziram-se em legislação datando de finais do século XVI, e aos projetos de Jaime I
(1566-1625) e Carlos I (1600-1649) no sentido da dignificação da imagem da capital,
numa expressa comparação com Roma6.
Carlos I reforçou ambas as orientações com as proclamações de 1625 e 1630. No
entanto, contrariando as restrições de construção para além dos limites de Londres,
apoiou o primeiro projeto de urbanização da área a oeste da cidade, o conjunto de
Covent Garden. A novidade do empreendimento, promovido pelo 4º Conde de Bedford,
e os desenhos de inspiração palladiana assinados pelo arquiteto inglês Inigo Jones (1573
– 1652) foram considerados pelo rei como uma solução controlada e de qualidade para o
problema da expansão e modernização de Londres.
Esta unidade residencial, construída em torno de uma praça, incluía ainda uma igreja e
um mercado e desenvolvia-se em várias ruas de desenho regular e construção uniforme
(Fig. 1). O proprietário pretendia otimizar financeiramente a sua propriedade atraindo
compradores que dignificassem, pelo seu estatuto social, o empreendimento. Gerava-se
riqueza e enobrecia-se arquitetonicamente Londres. Estava criado o esquema que iria
servir como modelo para o desenvolvimento da capital até ao período vitoriano.
5 Mckellar (1999). 6 “Wee could desire and wish, according to Our former Proclamation and Ordinances touching Brick-buildings, that
as it was said by the first Emperor of Rome, that he found the Citie of Rome of Bricks, and left it of Marble, So that
Wee whom God hath honoured to be the first King of Great Britain, might be able to say in some proportion, That
Wee hath found Our Citie and Suburbs of London of Sticks, and left them of Bricks being a Meteriall farre more
durable, safe from fire, beautiful and magnificent” - Excerto do Decreto de 1615, Jaime I de Inglaterra.
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Fig. 1 - Covent Garden em 1690.
Fonte: John Thomas Smith (1809) Antiquities Of The City Of Westminster. London.
A evolução do square londrino revela de forma exemplar como se processou a
articulação entre o projeto, enquanto veículo de uma ideia de cidade, e a dinâmica
imposta pelo emergente mercado imobiliário da capital inglesa.
Segundo um processo iniciado em 1661 e decisivamente impulsionado após o Grande
Incêndio de 1666, a área a ocidente de Londres foi recebendo numerosos squares
destinados a acolher a aristocracia e a classe média empreendedora. Organizaram-se em
torno da residência do proprietário e promotor, ou enquadrando campos comunais que a
população pretendia proteger da apropriação privada e que o Município e a Coroa viam
como áreas de desafogo essenciais para o aliviar da pressão urbana. Este carácter
híbrido dos primeiros squares é revelador da transição entre a cidade de herança
medieval e a rentabilização pré-capitalista dos terrenos circundantes. Nesta fase inicial,
podemos incluir Bloomsbury Square (1661), St. James’s Square (1662-1665), Lincolns
Inn Fields (c. 1630) e Leicester Square (1630 - 1635) (Fig. 2).
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Fig. 2 – Bloomsbury Square c. 1725
Sutton Nicholls
Gravura.
A partir da segunda década do século XVIII, com a abertura de Hanover Square (1717-
1719), Cavendish Square (c.1720), Grosvenor Square (c. 1725) e Smith Square (1726),
estas unidades passam a ter um carácter residencial exclusivo7.
Se após 1666 não foi possível impôr em Londres um plano global de dinamização
urbana como o proposto por Christopher Wren (1632-1732), consignou-se todavia um
conjunto de normas que garantiram um controle acentuado da construção e a génese da
habitação unifamiliar londrina. Preceitos de proporção e funcionalidade aliaram-se ao
reforço do uso de materiais duráveis como o tijolo e a pedra:
“Primeiro que nenhum edifício para habitação seja doravante erigido na City a não ser
que conforme com as regras e ordens de construção prescristas no presente Acto, (caso
contrário) o construtor deverá ser enviado para a prisão comum até que o mesmo seja
destruído ou demolido. Para que os edifícios irregulares sejam melhor evitados, a City
deverá eleger uma ou mais pessoas prudentes e inteligentes ou pessoas conhecedoras
da arte da construção para assegurar que as mesmas regras são verdadeiramente
observadas. Deverão existir apenas quatro tipos de edifícios: o primeiro e menos
importante nas travessas, o segundo nas ruas e travessas mais importantes, o terceiro
nas ruas principais. As coberturas de cada edifício deverão ser uniformes. O quarto, e
mais importante, o das casas para cidadãos ou outras pessoas de qualidade
extraordinária que não ladeiam as vias anteriormente referidas. Que os exteriores dos
7 Mckellar (1999).
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edifícios sejam doravante feitos de tijolo ou pedra. Paredes divisórias que sejam feitas
de igual modo na área de cada empreiteiro (...). As proporções das casas do primeiro,
segundo e terceiro tipo a ser especificadas” 8.
Proprietário, especulador imobiliário e empreiteiro tiveram um papel determinante neste
processo. Muitas vezes o próprio empreiteiro atuou como especulador imobiliário o que
contribuiu para a rapidez da construção, facilitada ainda pela estandardização de
modelos9. Reconstruiu-se a City e impulsionou-se a expansão para ocidente.
O estabelecimento de normas construtivas e a estandardização da construção não
significaram, no entanto, a estrita uniformidade arquitetónica. O cunho de cada
empreiteiro ou promotor imobiliário prevaleceu.
A par desta dinâmica pré-capitalista, que teve no especulador imobiliário Nicholas
Barbon (1640-1698) o seu mais interessante protagonista, o square londrino seguiu
ainda uma lógica evolutiva que não ignorou os preceitos de embellissement vigentes na
Europa Setecentista. A partir do século XVIII, as áreas comunais foram sendo
gradualmente substituídas por jardins e o carácter exclusivo destas estruturas
residenciais reforçado através de portões de acesso. Abriram-se novos squares segundo
eixos perspéticos que os articulavam entre si, numa clara tentativa de enobrecer o
conjunto através de modelos de organização espacial de inspiração barroca (caso de
Cavendish Square), e intentou-se, mais do que uma vez, a colocação de estátuas reais
nos jardins, embora na maior parte dos casos sem sucesso10 (Fig. 3).
8 “First, that no building for habitation be hereafter erected within the City unless it conforms to the rules and orders
of building prescribed in this present Act, (otherwise) the builder thereof shall be committed to the common gaol till
he have abated or demolished the same. That irregular buildings may be better prevented, the City shall erect one or
more discreet and intelligent person or persons knowledgeable in the art of building to see the said rules well and
truly observed. There shall be only four sorts of building: first and least sort fronting by-lanes, second sort fronting
streets and lanes of note, the third sort fronting high and principal streets. The roofs of each shall be uniform. The
fourth and largest sort of mansion houses for citizens or other persons of extraordinary quality not fronting the three
former ways. That all the outsides of buildings be henceforth made of brick or stone. Party walls to be set out equally
on each builder’s ground (…). Proportions of first, second and third sort of houses specified”- An Act for the
Rebuilding of the City of London, 1666 – excerto. 9 John Summerson (1970). 10 Exemplo de Queen Square, Hanover Square e Cavendish Square. Ver Longstaffe-Gowan (2012).
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Fig. 3 - Hanover Square e Cavendish Square.
John Prince.
A Design of the buildings already Begun to be Built in the Parish of St. Mary La Bonne (1719).
Gravura.
Estes últimos projetos tinham em vista reforçar o controlo por parte dos residentes sobre
os mesmos e, simultaneamente, torná-los mais atrativos aos potenciais compradores.
Assim, utilizavam-se esquemas urbanísticos herdados do barroco segundo uma lógica
de exclusividade social e rentabilização capitalista.
No entanto, a diversidade urbana marcou a Londres posterior ao grande incêndio. A par
dos modernos squares, pequenos pátios e becos entrecruzavam-se na City e sua
periferia. A hereogeneidade deste cosmos urbano, reflexo de uma ocupação social
crescentemente diferenciada, não foi olhada da mesma forma na época. Samuel Johnson
considerou-a como expressão de uma capital dinâmica em constante evolução11. James
Ralph e John Gwynn constituíram-se como os seus principais detratores12.
John Gwynn não se deparou com a coesão urbana que julgava necessária a uma cidade
com o estatuto económico e político de Londres. Criticou a deficiente interligação
11 Ver Boswell, James (1826) The Life of Samuel Johnson. London: Baynes and Sons. 12 Ralph, James (1783) A critical review of the public buildings, statues, and ornaments, in and about London and
Westminster. London: J. Wallis.
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espacial entre os squares e a City e reprovou a falta de uma rigorosa regularidade em
muitos deles. Verificou ainda a ausência da chancela do arquiteto na obra feita. Em
suma, não encontrou em Londres o eco da cidade idealizada pelo Iluminismo.
Propôs um projeto ambicioso, que temia fosse considerado utópico, mas que
considerava imprescindível para a representação condigna da monarquia parlamentar
britânica e do seu império, e que via como instrumento de desenvolvimento económico
e prestígio social:
“Os Ingleses são agora o que os Romanos eram antigamente, reconhecidos como eles
pelo poder e opulência, e excedendo todas as outras nações em comércio e navegação.
A nossa sabedoria é respeitada, as nossas leis invejadas, e os nossos domínios
estendem-se sobre uma vasta parte do globo. Não mais descuremos o desfrutar da
nossa superioridade; empreguemos as nossas riquezas no encorajamento do trabalho
inventivo através da promoção do avanço da grandeza e elegância”13.
Gwynn projetou a construção de vários squares interligados por ruas amplas e regulares
nas áreas de Marylebonne, Mayfair, City e Westminster (Fig. 4). Um destes
empreendimentos traduzia-se numa ampla área de configuração circular, com quatro
entradas, que se desenvolvia em torno de uma grande bacia, enobrecida pela colocação
de uma fonte.
13 “The English are now what the Romans were of old, distinguished like them by power and opulence, and excelling
all other nations in commerce and navigation. Our wisdom is respected, our laws are envied, and our dominions are
spread over a large part of the globe. Let us, therefore, no longer neglect to enjoy our superiority; let us employ our
riches in the encouragement of ingenious labour, by promoting the advancement of grandeur and elegance” -
Gwynn,1766, Preface, p. XV .
11
Fig. 4 – A Plan of Hyde Park with the City and Liberties of Westminster Etc. Showing the Several Improvements
Propos’d. Fonte: Gwynn, John (1766) London and Westminster Improved. London.
A harmonia e grandiosidade do projeto urbano e arquitetónico têm, para Gwynn, um
carácter eminentemente didático. Estimulam o refinamento do gosto e a emulação das
classes mais cultas, mas reforçam, ao mesmo tempo, a preeminência destas e a
exclusividade social que considerava indispensável ao progresso e modernidade. Neste
sentido, Gwynn inscrevia-se plenamente no discurso Iluminista sobre a cidade.
Apesar de algumas das suas propostas terem sido retomadas mais tarde, o plano de
Gwynn traduziu-se, de facto, num exercício meramente utópico. Ignorou, ou não
percebeu, a invulgar dinâmica de crescimento de Londres desde 1666. O crescente peso
da iniciativa privada na sociedade inglesa de Seiscentos e Setecentos não permitiu
aplicar coercivamente grandes esquemas urbanísticos. No entanto, o emergente mercado
imobiliário londrino exigiu soluções regularizadoras da expansão urbana e tipologias
arquitetónicas tendencialmente uniformizadoras, que o neo-palladianismo do período
georgiano consolidou.
Londres tinha conseguido evoluir no mesmo sentido do discurso Iluminista sobre a
cidade graças a uma dinâmica singular. Não a da exclusiva representação política ou
social, mas a da retribuição económica e financeira. Deste modo, foi possível atingir o
modelo sem o primado das premissas teóricas, porque a evolução socio-económica
assim o determinava.
12
Bibliografia
Gwynn, John (1766) London and Westminster Improved, Illustrated by Plans. To which
is prefixed, A Discourse on Publick Magnificence; with Observations on the State of
Arts and Artists in this Kingdom, wherein the Study of Polite Arts is recommended as
necessary to a liberal Education: Concluded by Some Proposals relative to Places not
laid down in the Plans. London.
Lavedan, Pierre (1959) Histoire de l’Urbanisme. Renaissance et Temps Modernes.
Paris: H. Laurens.
Longstaffe-Gowan, Todd (2012) The London Square. New Haven and London: Yale
University Press.
Mckellar, Elizabeth (1999) The birth of modern London. The development and the
design of the city 1660-1720. Manchester and New York: Manchester University Press.
Summerson, John (1970) Georgian London. London: Barrie & Jenkins.