planejamento ambiental: criaÇÃo do parque estadual restinga de bertioga/sp

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PLANEJAMENTO AMBIENTAL: CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL RESTINGA DE BERTIOGA/SP Resumo A presente pesquisa buscou compreender a evolução dos critérios para criação de áreas protegidas, um vez que essa tem sido uma das principais estratégias para proteção da natureza no Brasil. Este estudo teve como caso a criação do Parque Estadual Restinga de Bertioga (PERB), ocorrida em dezembro de 2010, em Bertioga, SP. Analisou-se o processo de planejamento, a partir da investigação documental indireta, diálogo com diversos envolvidos e participação observante nas reuniões do Conselho Gestor do parque estudado. Verificou-se que os critérios para a seleção da área representam o que tem de mais atual do ponto de vista científico. O planejamento do processo de criação do PERB aproximou-se do método Planejamento Estratégico Situacional - PES. A pesquisa também indicou que as inovações trazidas pelo SNUC ocorreram nesse processo. Soma-se a esse caso, a vontade política, a viabilidade financeira, a motivação antiga dos órgãos ambientais, a mobilização e pressão da sociedade civil. Palavras-chave: Unidade de Conservação, PERB, planejamento ambiental. Introdução No Brasil, assim como no mundo, a conservação de áreas naturais terrestres e aquáticas, com características naturais raras, belas ou relevantes por meio de restrições de uso, é uma das políticas ambientais mais conhecidas (DIEGUES, 2001). A criação das primeiras áreas protegidas não evidenciam critérios objetivos de seleção de territórios , que tivesse como base as ameaças a destruição da da natureza (MORSELLO, 2008). Assim, diversas modalidades de áreas protegidas foram criadas sob diferentes bases legais, o que resultou em confusão, descumprimento da lei e conflitos de caráter socioambiental (DRUMMOND, 1997, 2010). O que se observa é que na história

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PLANEJAMENTO AMBIENTAL: CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL RESTINGADE BERTIOGA/SP

ResumoA presente pesquisa buscou compreender a evolução dos critériospara criação de áreas protegidas, um vez que essa tem sido umadas principais estratégias para proteção da natureza no Brasil.Este estudo teve como caso a criação do Parque Estadual Restingade Bertioga (PERB), ocorrida em dezembro de 2010, em Bertioga,SP. Analisou-se o processo de planejamento, a partir dainvestigação documental indireta, diálogo com diversosenvolvidos e participação observante nas reuniões do ConselhoGestor do parque estudado. Verificou-se que os critérios para aseleção da área representam o que tem de mais atual do ponto devista científico. O planejamento do processo de criação do PERBaproximou-se do método Planejamento Estratégico Situacional -PES. A pesquisa também indicou que as inovações trazidas peloSNUC ocorreram nesse processo. Soma-se a esse caso, a vontadepolítica, a viabilidade financeira, a motivação antiga dosórgãos ambientais, a mobilização e pressão da sociedade civil. Palavras-chave: Unidade de Conservação, PERB, planejamentoambiental.

IntroduçãoNo Brasil, assim como no mundo, a conservação de áreas

naturais terrestres e aquáticas, com características

naturais raras, belas ou relevantes por meio de restrições

de uso, é uma das políticas ambientais mais conhecidas

(DIEGUES, 2001). A criação das primeiras áreas protegidas

não evidenciam critérios objetivos de seleção de

territórios , que tivesse como base as ameaças a

destruição da da natureza (MORSELLO, 2008). Assim, diversas

modalidades de áreas protegidas foram criadas sob

diferentes bases legais, o que resultou em confusão,

descumprimento da lei e conflitos de caráter socioambiental

(DRUMMOND, 1997, 2010). O que se observa é que na história

da criação de áreas protegidasos critérios adotados foram

de diferentes ordens e de forma isolada na tomada de

decisão. Segundo Diegues (1994), em sua origem dois

aspectos a proteção e ambientes naturais sem a presença

humana e a oferta de espaços naturais para recreação,

denotando uma escolha por aspectos cênicos, destituídos de

história e de valores ambientais intrínsecos, tais como a

biodiversidade. Logo a sistematização de informações que

exponham o processo e critérios de criação de áreas

protegidas, se faz necessária para que as medidas sejam

efetivas na criação e gestão desses espaços protegidos.

Dessa forma, pesquisar sobre o tema é contribuir para a

construção democrática de políticas públicas voltadas à

proteção da natureza (IRVING, 2006).

A Lei nº 9.985/2000 do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC) juntamente com o Decreto nº 4.340, de

2002, que a regulamenta, preencheram uma lacuna legislativa

que nunca operou de forma organizada, pois criaram o

aparato técnico, jurídico e conceitual, estabelecendo

critérios, normas e parâmetros para criação, implantação e

gestão das UC (BENJAMIN apud MACIEL, 2007; MACHADO, 2011).

É nesse contexto que o planejamento da proteção da

natureza tem evoluído (Anexo 1) no sentido de incorporar

perspectivas políticas, econômicas, biológicas e

territoriais, com apoio de conhecimento científico, nas

tomadas de decisão para criação de UC (WWF, s/d), conforme

será exposto no trabalho. É possível notar que desde a

criação do Parque de Yelowstone nos Estados Unidos, no

final do século XIX, houve mudanças nos critérios para

seleção e territórios a serem protegidos. Inicialmente os

territórios eram escolhidos pelo cenário natural, isto é

pelas belezas cênicas e pouco alteradas pelo homem. Pode-se

afirmar que a proteção da natureza como recurso a ser

explorado também foi um dos critérios adotados nas

políticas públicas, sobretudo no Brasil (MONOSKOWSKI, ver

referência). A biogeografia de ilhas e a teoria de refúgios

( ver referência) se tornou umas das bases científicas

adotadas a partir da valorização da biodiversidade , como

um critério para proteção de territórios naturais.

Finalmente, o planejamento ecológico estratégico ( ver

referência) passou a ser o método atual cujos critérios: (

ver) são considerados como um avanço em relação a

biodiversidade como parâmetro para seleção de territórios.

Entretanto, de fato, os aspectos políticos sempre

preponderaram, em última análise, no processo de criação de

áreas especialmente protegidas.

Diante do cenário de mudança brevemente exposto, a

criação do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB),

instituída pelo Decreto nº 56.500, de 9 de dezembro de

2010, foi escolhida como estudo de caso a fim de

compreender o processo de implementação dessa política

pública ambiental. Tendo em vista as peculiaridades de

criação do PERB, após as diretrizes do SNUC e com uma

decisiva participação do movimento ambientalista,

idealizou-se o estudo, que tem como objetivo analisar o

processo de planejamento para a criação do PERB.

Basicamente, planejamento é projetar-se para o futuro,

conforme aponta Matus (HUERTAS, 1996): “Planejamento é

indispensável, preside a ação em qualquer espaço do jogo

social, válido em qualquer sistema social democrático”, é

“pensar sistematicamente, com métodos”, é o resultado de

uma medição entre o conhecimento e a ação. Por isso, o

planejamento deve definir os objetivos e orientar o caminho

através de instrumentos metodológicos, administrativos,

legislativos e de gestão para o desenvolvimento de

atividades num determinado espaço e tempo, incentivando a

participação dos cidadãos (SANTOS, 2004). O planejamento no

interior das políticas públicas pode ser hierarquizado em

níveis programáticos (política, planos, programas, normas e

projetos); temporais (curto, médio e longo prazo) e

territoriais (federal, estadual e municipal) (SANTOS,

2004). Atualmente, a criação de UC encontra respaldo em

diversos instrumentos legais tangentes às políticas

públicas para conservação in situ (MMA, s/ano). Percebe-se

que aos poucos, objetivos, princípios e diretrizes da

discussão internacional sobre proteção à natureza são

incorporados na formação de um aparato jurídico e

institucional (PADILHA, 2010), dando força à estratégia de

conservação por meio da criação de UC. A seleção dessas

áreas, portanto, envolve três aspectos principais:

ecológicos, econômicos e político-institucionais (MORSELLO,

2008).

A unidade de conservação estudada situa-se no

Município de Bertioga, um dos nove que compõe a Região

Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), no litoral do

Estado de São Paulo. O PERB é constituído por uma área de

9312,32 hectares de proteção (SÃO PAULO, 2010) que faz

fronteira com o Parque Estadual da Serra do Mar, Área de

Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro – setor Guaíbe

(APAMLC), Terra Indígena Guarani e loteamentos residenciais

que beiram a praia.

A UC guarda uma das mais preservadas áreas de Floresta

Alta de Restinga e Floresta Ombrófila Densa de Terras

Baixas do Estado de São Paulo, além de manguezais nas

planícies flúvio-marinhas, formadas pelas sub-bacias dos

rios Itaguaré, Guaratuba e Itapanhaú, Município de Bertioga

(FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2012). Configura um importante

corredor ecológico entre ambientes marinho – costeiros, ou

seja, um contínuo biológico que permite o equilíbrio dos

processos ecodinâmicos e fluxos gênicos (SÃO PAULO, 2010;

MARTINS et al, 2008).

A proteção dessa área é significativa, considerando os

vetores de pressão típicos de uma região costeira (MORAES,

2007) e da RMBS, tais como acelerada expansão urbana,

atividades turísticas sazonais e emissão de efluentes

domésticos sem tratamento adequado (SABINO, 2007; CBHBS,

2011) e ocupações irregulares na borda das áreas legalmente

protegidas do município1. Além disso, a construção de

barramentos para captação de água superficial, práticas

agrosilvopastoris, ocupação humana existente na região,

ainda que em pequena escala, a longo prazo, são indicados

como vetores de pressão das condições ecológicas e

hidrológicas deste ecossistema (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2012).

Outras preocupações, citadas durante as reuniões do

Conselho Consultivo, foram caça de animais silvestres,

retirada de palmito e lixo deixado pelos visitantes da

praia e das trilhas.

1 Informação apresentada durante as reuniões do Conselho Consultivo.

Considerando esses aspectos, formularam-se as

seguintes perguntas norteadoras da pesquisa: Como ocorreu o

planejamento para a criação do PERB? Será que as inovações

do SNUC, mais especificamente no processo de criação,

ocorreram para a criação da UC? O estudo teve como objetivo

analisar o processo de planejamento para a criação do PERB

como representante de uma inovação histórica dos critérios

de criação de áreas protegidas no Brasil.

Procedimento metodológicoAdotou-se uma metodologia multirreferencial por meio de

levantamento documental, diálogos com pessoas de diferentes

setores, participação nas reuniões do conselho, com o

objetivo de coletar informações das diversas perspectivas

envolvidas, uma vez que há percepções muito divergentes do

processo de criação do PERB, de acordo com a impressão

causada pelas notícias veiculadas nos jornais na época de

criação, avaliação pessoal do clima da última audiência

pública e relatos de Conselheiros do PERB durante as

reuniões do Conselho Consultivo. Esse cuidado corrobora o

ponto de vista de Carlos Matus (HUERTAS, 1996), quando

sustenta a Teoria de Situações: considera-se que há mais de

uma verdade, mais de uma versão para explicar a realidade.

Dessa forma, Matus reforça que “toda explicação é declarada

por alguém, e esse alguém é um ser humano que tem seus

valores, suas ideologias e seus interesses. Sua leitura

está carregada de subjetividade e está animada por um

propósito. Ainda mais no caso de tratar-se não de simples

observadores, mas de atores interessados no resultado do

jogo, a explicação é guiada por esses interesses”.

Como referência, para buscar dados do processo de

criação do PERB, adotaram-se os procedimentos previstos no

SNUC, bem como no Decreto que o regulamenta: Estudos

técnicos (a); Decreto de Limitação Administrativa

Provisória (b); mecanismo para envolvimento da sociedade

(c); participação e interferência no perímetro (d);

informações disponibilizadas para consulta (e); integração

com a administração das terras e águas circundantes (e).

Analisaram-se documentos sobre as etapas do processo de

criação da UC na sede do órgão público proponente da

criação do PERB. Também foi feito um levantamento de

notícias veiculadas pelos jornais locais e informações

obtidas na rede mundial de computadores. Para

compreender a participação da sociedade na criação da UC,

tendo em vista que pode haver diversas “escalas de

participação2” (ARNSTEIN, 1967), foram feitas entrevistas

abertas, semi-estruturadas, com atores envolvidos na

criação do PERB. Também houve observação participante nas

reuniões do Conselho Consultivo, auxiliando na compreensão

dos posicionamentos. As pessoas solicitadas para o diálogo

foram indicações de outras que participaram do processo de

criação.

2 Desde níveis onde não há espaço para discussão e as pessoas são apenas informadas até o estágio em que os cidadãos possuem autonomia esão os tomadores de decisão.

O estudo foi de natureza qualitativa, baseada na análise

de pequenas amostras não necessariamente representativas da

população, procurando entender os processos, em vez de

mensurá-los (LAKATOS, 2010). Para interpretação dos dados,

teve como referência a Análise de Conteúdo de Bardin, um

procedimento metodológico fundado num “conjunto de técnicas

de análise das comunicações que utiliza procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens” (FARAGO & FOFONCA, 2011), o que permite a

inferência de conhecimentos relativos às condições de

produção e recepção das mensagens.

Resultados e discussão

A proteção da área, que atualmente corresponde ao

PERB, era um projeto antigo. Começa em 1986 com o

Tombamento da Serra do Mar e Paranapiacaba (Resolução nº

40/1985, da Secretaria de Estado da Cultura/SP, pelo

Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Artístico e Turístico do Estado – CONDEPHAAT). Na década de

90, havia propostas de criação de novas UC na Baixada

Santista que protegeriam a área citada, porém o

arquivamento se deu pela ausência do conhecimento sobre a

situação fundiária e da falta de recursos financeiros e

corpo técnico para a execução (OLIVA, 2003). Também havia o

indicativo de “urgência de ação extremamente alta”

(Portaria MMA nº 09/2007), diversos estudos técnico-

científicos de entidades, universidades e projetos

reconhecidos do Estado de São Paulo, além de forte

mobilização da sociedade pela sua proteção (FUNDAÇÃO

FLORESTAL, 2012).

O projeto é retomado em escala federal, em 2004,

quando o Instituto iBiosfera, uma Organização não

Governamental (ONG) protocola, no Ministério do Meio

Ambiente (MMA), uma solicitação para criação de UC nas

restingas de Bertioga, indicando a categoria de Refúgio da

Vida Silvestre, portanto Proteção Integral. Tal solicitação

foi embasada em mais de uma dezena de estudos técnicos

realizados pela rede articulada da ONG, com cerca de 400

páginas anexadas, contendo dados biológicos, sociais,

econômicos, fundiários e ações judiciárias existentes que

eram contra grandes empreendimentos imobiliários no

entorno. Em resposta à solicitação, em 2007, técnicos da

Diretoria de Áreas Protegidas do MMA visitam a área, os

manguezais e as restingas e, após reuniões dos órgãos

ambientais com os municípios envolvidos, apoiaram a

proposta de criação de uma UC federal com o Processo nº

02001-000718/2007-4 – Criação de UC no município de

Bertioga.

O projeto passa para a esfera estadual devido a um

projeto para aumentar o grau de representatividade3 de UC

no Estado de São Paulo, que acontecia em parceria com

3 A representatividade é definida no método Rapid Assesment and Prioritizationof Protected Areas Management (RAPPAM) como “grau que uma unidade deconservação contribui com um ecossistema subrepresentado e/ou muitoreduzido ao sistema de unidades de conservação” (ERWIN, 2003).

órgãos ambientais estaduais 4e a ONG World Wild Fund Brasil

(WWF-Brasil), com o apoio financeiro do MMA. Durante esse

tempo, uma série de estudos técnicos e científicos é

realizada (IBAMA & WWF, 2007; IBAMA 2010; FUNDAÇÃO

FLORESTAL, 2012; WWF s/a), destacando-se a necessidade de

aumentar a proteção em áreas de restinga, ambiente de

praia, costões rochosos e fragmentos que garantissem os

fluxos entre os ecossistemas. Selecionou-se uma área

prioritária para conservação denominada Polígono de

Bertioga.

Foi realizada uma avaliação socioambiental, cultural e

fundiária (relação de glebas devolutas, áreas estaduais ou

de empresas públicas; ações de desapropriação; usucapião;

visitas a campo e solicitação de apresentação de documentos

de título da propriedade) para diagnosticar a abrangência e

a categoria de manejo mais adequada e subsidiar as

consultas públicas (INSTITUTO EKOS BRASIL, 2008; processo

FF 320/2010, volume IV). De forma breve, destacaram-se a

presença da fitofisionomia de restinga, uma das mais

ameaçadas da Mata Atlântica do Estado de São Paulo, devido

à ocupação da faixa do litoral e a importância da

conectividade da fisionomia com o Parque Estadual da Serra

do Mar para forrageamento de espécies ameaçadas de

extinção, apontadas no Plano de Manejo do PESM.

4 Fundação Florestal e o Instituto Florestal são dois órgãos vinculadosà Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, responsáveispelo gerenciamento das Unidades de Conservação Estaduais.

O momento seguinte foi de consulta pública junto à

sociedade e comunidades locais para apresentação e adesão à

proposta, cabendo à população manifestar seu apoio ou

crítica, e contribuir com sugestões para um perímetro mais

adequado. É nesse ponto que o conflito vem à tona, segundo

posicionamento dos atores. O órgão proponente, a Fundação

Florestal, planejou quatro reuniões em dezembro de 2009,

buscando diferentes setores (governo, ONG, setor privado e

proprietários e comunidades locais) “para dinamizar o

direcionamento”, embora a divisão não tenha sido seguida à

risca. Foram realizadas mais três reuniões públicas pela

Fundação Florestal (ocorridas em março, maio e agosto de

2010). Para esse trabalho, foi analisado o conteúdo das

primeiras reuniões (dezembro de 2009) e da Audiência

Pública (outubro de 2010) promovida pelo Conselho Estadual

do Meio Ambiente (CONSEMA) porque se entendeu que nessas

duas, a sociedade teve ampla participação e que as

propostas apresentadas na última foram sendo construídas

durante essas reuniões. Dessa forma, o conteúdo essencial

surge nas primeiras consultas (Anexos 2 a 5) e na última

Audiência Pública.

Durante o período de consulta, surgem as

manifestações, tanto de apoio como de críticas por meio de

cartas, e-mails, abaixo-assinados e mensagens escritas por

indivíduos ou em nome de um coletivo, destinadas ao órgão

proponente conforme se constatou nas cópias arquivadas

junto ao processo. Argumentos que caracterizam um conflito

entre “empresários e ambientalistas”, foram exaustivamente

repetidos ao longo da etapa de Consulta Pública: nas

reuniões públicas, na Audiência promovida pelo CONSEMA, nas

redes sociais e nos jornais de grande circulação da Baixada

Santista.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo

decreta Limitação Administrativa Provisória em parte do

Polígono de Bertioga com o Decreto 55.661, de 30 de março

de 2010, excluindo a área dos índios Guarani e o restante

do Polígono de Bertioga dentro do município vizinho, São

Sebastião. No entender da Fundação Florestal, ficaria um

fragmento pequeno dividido pela área indígena. Também foi

realizado um contorno em áreas de ocupação consolidada

(próxima aos loteamentos na beira do mar) e em outra área

próxima ao PESM, onde, na época, já havia um processo de

licenciamento em andamento.

No dia 7 de outubro de 2010, o CONSEMA promove uma

grande audiência pública, sendo apresentadas, questionadas

e criticadas as propostas da Fundação Florestal, Prefeitura

de Bertioga, Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio), ONGs e pesquisadores, Grupo de

Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério

Público (GAEMA) e Reservas Particulares do Patrimônio

Natural (RPPNs) (Figura 1). Resumidamente, os que eram a

favor, solicitavam a inclusão da praia de Itaguaré e

aqueles que não concordavam integralmente com a proposta da

Fundação Florestal, defendiam o Plano Diretor. Tudo isso

levou cerca de cinco horas e foi assistida por mais de 300

pessoas, segundo a lista de presença. Vale notar a

preocupação levantada quanto à gestão do Parque, uma vez

criado. Foram feitos questionamentos em relação à

fiscalização e invasão, geração de emprego, precatórios, o

futuro dos comerciantes de ostras situados dentro do

Polígono e na beira da estrada.

Segundo a Fundação Florestal, “a proposta final

contempla parcialmente todas as reivindicações”, protegendo

os principais remanescentes de Mata Atlântica e

ecossistemas associados de Bertioga. São excluídas áreas de

ocupação consolidada, faixas ao longo da rodovia, o “cantão

do Itaguaré” (entre a foz do rio Itaguaré e a Riviera de

São Lourenço), atendendo a reivindicações do Plano Diretor.

Áreas de ocupação irregular são incluídas no Parque,

buscando parceria com a Companhia de Desenvolvimento

Habitacional e Urbano (CDHU) para que Bertioga também seja

atendida pelo Programa de Recuperação Socioambiental da

Serra do Mar. Ao PERB, somam-se as duas RPPNs, que já

possuem o Decreto de criação publicado, porém com

dificuldades para averbação porque há indícios que possuem

processo de desapropriação pelo tombamento da Serra do Mar.

Figura 1 – Síntese de todas as propostas encaminhadas ao órgão proponente. Fonte: Fundação Florestal, sem escala.

Conclusões

Com base no que foi visto, o planejamento para a

criação do PERB aproximou-se do Planejamento Estratégico

Situacional de Matus, no qual não há uma única verdade, mas

uma situação explicada por diversos atores, sendo um

processo dinâmico e participativo. Todas as inovações e

diretrizes do SNUC em relação ao procedimento de criação

ocorreram.

Os critérios para a seleção da área e criação do PERB

estiveram em sintonia com a evolução do planejamento das

políticas públicas incidentes sobre áreas protegidas.

Possivelmente, isso foi resultado de um conjunto de

fatores, tais como: a participação e mobilização social,

bem como a atuação das forças do estado. Em relação aos

critérios técnico-científicos para a seleção da área,

merecem destaque a representatividade, a integração entre

áreas terrestres e marinhas, a conectividade entre

fragmentos e vulnerabilidade. Soma-se a esse caso, a

vontade política, a viabilidade financeira, a motivação

antiga de proteção à área, proposta pelos órgãos

ambientais, a mobilização e pressão da sociedade civil.

A participação não foi vista da mesma forma pelos

diversos atores, o que demonstra que o órgão tomador de

decisão buscou atender, de modo equilibrado, todas as

reivindicações e propostas. Isso pode ser observado no

desenho final do PERB, que não expressa somente uma

proposta ou ponto de vista.

Apesar de muitas áreas do mesmo já serem protegidas

por leis ambientais antes de sua criação, o SNUC induz a

mudança da organização espacial em Bertioga. A criação do

Parque, como UC restritiva se tornou uma ferramenta de

maior eficácia para proteção frente às outras estratégias

normativas (Código Florestal, Lei da Mata Atlântica e leis

municipais). Além de tornar certas áreas ainda mais

restritivas, o PERB também exerce influência no entorno

(zona de amortecimento). O município poderá futuramente

aproveitar o atrativo do Parque e fomentar outro tipo de

turismo, com soluções criativas e alternativas, indo além

do modelo vigente.

A compreensão desse processo é importante para a

superação das visões simplistas e dos estereótipos dos

setores envolvidos no exercício da complexa governança

territorial. Esse é um fator determinante para o diálogo e,

a partir disso, a construção de possibilidades novas em

torno do uso dos recursos naturais e da ocupação dos

espaços costeiros.

Referências

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WWF-Brasil. Visão da biodiversidade da Ecorregião da Serrado Mar. s/a._____. Implementação do RAPPAM em Unidades de Conservaçãodo Instituto Florestal e da Fundação Florestal de SãoPaulo. s/a.

Ano Instrumento Objeto Categoria Critérios para seleção da Área Protegida1934 Lei nº 23.793 Código

FlorestalParque Composição florística primitiva.

1965 Lei nº 4771 Código Florestal

Parque Atributos excepcionais da natureza; proteção integral da flora, fauna e belezas naturais.

1979 Decreto nº 84.017

Regulamento dos Parques Nacionais

Parque Atributos naturais excepcionais; amostrasdos principais ecossistemas naturais; base técnico-científica e socioeconômica.

1981 Lei nº 6902 Criação de EE e APA

Estação Ecológica

Áreas representativas de ecossistemas brasileiros.

1984 Decreto nº 89.336

Reservas Econômicas eARIE

Reserva Ecológica

Vegetação natural de preservação permanente; pousos das aves de arribação protegidos por acordos internacionais.

1984 Decreto nº 89.336

Reservas Econômicas eARIE

Área de Relevante Interesse Ecológico

Características naturais extraordinárias ou abrigam exemplares raros da biota regional.

1994 Decreto nº 2.519

Ratificação da CDB

Áreas protegidas

Conservação da diversidade biológica, pelos princípios da Biologia da Conservação.

2000 Lei nº 9.985 SNUC Sistematização de todas ascategorias

Estudos técnicos baseados nos critérios das políticas posteriores.

2002 Lei nº 4.339 Política - Representatividade, conectividade e

Nacional de Biodiversidade

complementaridade; espécies ameaçadas.

2006 Decreto nº 5.758

PNAP - Ecologicamente representativas; integradas a áreas terrestres e marinhas;conectividade entre fragmentos naturais; áreas prioritárias.

2007 Portaria MMA nº 9

Áreas Prioriárias

- Planejamento sistemático para conservação

Anexo 1 - Evolução temporal dos diferentes critérios para seleção de áreas protegidas, incorporados em instrumentos legais.

Anexo 2 - Principais pontos levantados pelos diferentes atores – governo.

REUNIÃO DO DIA 04 DE DEZEMBRO DE 2009 (manhã) – GOVERNOATORES PREFEITURA/ VEREADORES PESQUISADORES CONSEMA IBAMA/ DER FUNDAÇÃO

FLORESTAL

PONTOS LEVANTADOS

Há ocupações irregulares dentro do polígono, "culpa da gestão anterior".

Pré-sal é um vetor de ocupação.

Solicita materiaispara consulta.

Vetores de pressãodo entorno.

Modelo de ocupação "grandes empreendimentos versus ocupações irregulares".

Há demandas por loteamento e moradia.

Possível existência de sambaquis.

Solicita prazos para encaminhar propostas.

Há uso dos rios pela pesca.

Taxa de crescimento elevada em Bertioga.

Haverá impacto negativopara a arrecadação do município.

Geodiversidade rica.

Há áreas de soltura em Guaratuba e Fazenda Acaraú, ambos os pontos dento do Polígono.

UC pode potencializaro turismo.

Sugere mosaico em áreasconflitantes.

Feições de praia única na costa paulista.

Ocupações irregulares adjacentes à rodovia (comerciantes de frutos do mar, “quiosqueiros”).

“Plano Diretor não consultado”.“Dados censitários incorretos”.

Anexo 3 - Principais pontos levantados por diferentes atores – ONGs.

REUNIÃO DO DIA 04 DE DEZEMBRO DE 2009 (tarde) – ONGsATORES ONGs FUNDAÇÃO FLORESTAL

PONTOS LEVANTADOS

Bertioga apresenta concentração de renda pelo Índice Paulista de Responsabilidade Social.Muitas áreas do polígono já estão protegidas pela legislação ambiental, inclusive pelo Plano Diretore ZEE, porém há alguns pontos divergentes, como, por exemplo, a Praia de Itaguaré.Crescimento no setor público, construção civil e serviços, com tendência para o crescimento desordenado e poluição dos corpos hídricos.Há um forte interesse de empreendimentos.Há um forte interesse de empreendimentos de luxo na Praia de Itaguaré.Conectividade entre PESM, Terra Indígena e Polígono

Há projetos de demarcação de terra indígena e ampliação doPESM

Sugestão de rios com uso sustentável. Uso dos rios pode esbarrar em questões legais.

Potencial para um turismo temático e planejado.Rica biodiversidade no local.

Solicitação de canal de comunicação, com materiaispara consulta tais como mapas e legislação pertinente."Legislação confusa e população sem informação".Questionamento sobre restrições e usos como pesca e surfe."Proprietários particulares também cuidam da fiscalização".

Anexo 4 – Principais pontos levantados por diferentes atores – proprietários.

REUNIÃO DO DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2009 (manhã) – PROPRIETÁRIOSATORES PROPRIETÁRIOS OU REPRESENTANTES FUNDAÇÃO FLORESTAL

PONTOS LEVANTADOS

Áreas próximas ao rio Itapanhaú merecem atenção. Turismo ecológico."Todos os proprietários possuem interesse em conservar", pois o "Plano Diretor foi feito com a consulta de todos os proprietários".

Bertioga como o novo núcleo do PESM.

Morro próximo a Riviera é Reserva Legal e pode ser incluída no Polígono.Proprietários particulares também cuidam da fiscalização.

Propostas de RPPNs são bem vindas.

O município possui demandas por áreas.Acima da rodovia já é área protegida pelo Plano Diretor.Polígono em discordância com o ZEE.Não ficou claro as atribuições e quem é o proponente . É obrigatório realizar

consultas pela lei e sãooficialmente entendidos como coleta de informações para tomada de decisão.

Criar uma UC Estadual dificulta a compensação que seria feita com uma UC Municipal.O governo do Estado tem dificuldade com a fiscalização.

Anexoo 5 – Principais pontos levantados por diferentes atores – Comunidade local.

REUNIÃO DO DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2009 (tarde) – COMUNIDADE LOCALATORES COMUNIDADE LOCAL ONG FUNDAÇÃO FLORESTAL

PONTOS LEVANTADOS

Há demanda por expansão urbana, mas responsabilidade deconservação.

Importância ecológica e histórica do município.

Ocupações irregulares por causa dos grandes empreendimentos.

A população quadruplica no verão com população flutuante.

Leis que não saem do papel (munícipe referindo-se a um grande empreendimento ocupando área protegidaatualmente).

Há áreas para ocupar, sem ocupar o manguezal ou áreas protegidas.

São ocupações anterioresà legislação ambiental.

Questionamento sobre como fica a situação dos "comerciantes de ostras" na beira da estrada que estão ali há 20 anos e ajudam a preservar a região.

Área pode ser considerada consolidada,sendo um atrativo turístico a ser considerado no zoneamento.

Famílias tradicionais ocupando a região.

Devem entrar com pedido para a permanência na

Fundação.

Legislação confusa, categorias do SNUCnão compreendido pelas pessoas.

O órgão proponente explica sobre o SNUC atendendo aos pedidos.