planejamento ambiental: criaÇÃo do parque estadual restinga de bertioga/sp
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PLANEJAMENTO AMBIENTAL: CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL RESTINGADE BERTIOGA/SP
ResumoA presente pesquisa buscou compreender a evolução dos critériospara criação de áreas protegidas, um vez que essa tem sido umadas principais estratégias para proteção da natureza no Brasil.Este estudo teve como caso a criação do Parque Estadual Restingade Bertioga (PERB), ocorrida em dezembro de 2010, em Bertioga,SP. Analisou-se o processo de planejamento, a partir dainvestigação documental indireta, diálogo com diversosenvolvidos e participação observante nas reuniões do ConselhoGestor do parque estudado. Verificou-se que os critérios para aseleção da área representam o que tem de mais atual do ponto devista científico. O planejamento do processo de criação do PERBaproximou-se do método Planejamento Estratégico Situacional -PES. A pesquisa também indicou que as inovações trazidas peloSNUC ocorreram nesse processo. Soma-se a esse caso, a vontadepolítica, a viabilidade financeira, a motivação antiga dosórgãos ambientais, a mobilização e pressão da sociedade civil. Palavras-chave: Unidade de Conservação, PERB, planejamentoambiental.
IntroduçãoNo Brasil, assim como no mundo, a conservação de áreas
naturais terrestres e aquáticas, com características
naturais raras, belas ou relevantes por meio de restrições
de uso, é uma das políticas ambientais mais conhecidas
(DIEGUES, 2001). A criação das primeiras áreas protegidas
não evidenciam critérios objetivos de seleção de
territórios , que tivesse como base as ameaças a
destruição da da natureza (MORSELLO, 2008). Assim, diversas
modalidades de áreas protegidas foram criadas sob
diferentes bases legais, o que resultou em confusão,
descumprimento da lei e conflitos de caráter socioambiental
(DRUMMOND, 1997, 2010). O que se observa é que na história
da criação de áreas protegidasos critérios adotados foram
de diferentes ordens e de forma isolada na tomada de
decisão. Segundo Diegues (1994), em sua origem dois
aspectos a proteção e ambientes naturais sem a presença
humana e a oferta de espaços naturais para recreação,
denotando uma escolha por aspectos cênicos, destituídos de
história e de valores ambientais intrínsecos, tais como a
biodiversidade. Logo a sistematização de informações que
exponham o processo e critérios de criação de áreas
protegidas, se faz necessária para que as medidas sejam
efetivas na criação e gestão desses espaços protegidos.
Dessa forma, pesquisar sobre o tema é contribuir para a
construção democrática de políticas públicas voltadas à
proteção da natureza (IRVING, 2006).
A Lei nº 9.985/2000 do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) juntamente com o Decreto nº 4.340, de
2002, que a regulamenta, preencheram uma lacuna legislativa
que nunca operou de forma organizada, pois criaram o
aparato técnico, jurídico e conceitual, estabelecendo
critérios, normas e parâmetros para criação, implantação e
gestão das UC (BENJAMIN apud MACIEL, 2007; MACHADO, 2011).
É nesse contexto que o planejamento da proteção da
natureza tem evoluído (Anexo 1) no sentido de incorporar
perspectivas políticas, econômicas, biológicas e
territoriais, com apoio de conhecimento científico, nas
tomadas de decisão para criação de UC (WWF, s/d), conforme
será exposto no trabalho. É possível notar que desde a
criação do Parque de Yelowstone nos Estados Unidos, no
final do século XIX, houve mudanças nos critérios para
seleção e territórios a serem protegidos. Inicialmente os
territórios eram escolhidos pelo cenário natural, isto é
pelas belezas cênicas e pouco alteradas pelo homem. Pode-se
afirmar que a proteção da natureza como recurso a ser
explorado também foi um dos critérios adotados nas
políticas públicas, sobretudo no Brasil (MONOSKOWSKI, ver
referência). A biogeografia de ilhas e a teoria de refúgios
( ver referência) se tornou umas das bases científicas
adotadas a partir da valorização da biodiversidade , como
um critério para proteção de territórios naturais.
Finalmente, o planejamento ecológico estratégico ( ver
referência) passou a ser o método atual cujos critérios: (
ver) são considerados como um avanço em relação a
biodiversidade como parâmetro para seleção de territórios.
Entretanto, de fato, os aspectos políticos sempre
preponderaram, em última análise, no processo de criação de
áreas especialmente protegidas.
Diante do cenário de mudança brevemente exposto, a
criação do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB),
instituída pelo Decreto nº 56.500, de 9 de dezembro de
2010, foi escolhida como estudo de caso a fim de
compreender o processo de implementação dessa política
pública ambiental. Tendo em vista as peculiaridades de
criação do PERB, após as diretrizes do SNUC e com uma
decisiva participação do movimento ambientalista,
idealizou-se o estudo, que tem como objetivo analisar o
processo de planejamento para a criação do PERB.
Basicamente, planejamento é projetar-se para o futuro,
conforme aponta Matus (HUERTAS, 1996): “Planejamento é
indispensável, preside a ação em qualquer espaço do jogo
social, válido em qualquer sistema social democrático”, é
“pensar sistematicamente, com métodos”, é o resultado de
uma medição entre o conhecimento e a ação. Por isso, o
planejamento deve definir os objetivos e orientar o caminho
através de instrumentos metodológicos, administrativos,
legislativos e de gestão para o desenvolvimento de
atividades num determinado espaço e tempo, incentivando a
participação dos cidadãos (SANTOS, 2004). O planejamento no
interior das políticas públicas pode ser hierarquizado em
níveis programáticos (política, planos, programas, normas e
projetos); temporais (curto, médio e longo prazo) e
territoriais (federal, estadual e municipal) (SANTOS,
2004). Atualmente, a criação de UC encontra respaldo em
diversos instrumentos legais tangentes às políticas
públicas para conservação in situ (MMA, s/ano). Percebe-se
que aos poucos, objetivos, princípios e diretrizes da
discussão internacional sobre proteção à natureza são
incorporados na formação de um aparato jurídico e
institucional (PADILHA, 2010), dando força à estratégia de
conservação por meio da criação de UC. A seleção dessas
áreas, portanto, envolve três aspectos principais:
ecológicos, econômicos e político-institucionais (MORSELLO,
2008).
A unidade de conservação estudada situa-se no
Município de Bertioga, um dos nove que compõe a Região
Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), no litoral do
Estado de São Paulo. O PERB é constituído por uma área de
9312,32 hectares de proteção (SÃO PAULO, 2010) que faz
fronteira com o Parque Estadual da Serra do Mar, Área de
Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro – setor Guaíbe
(APAMLC), Terra Indígena Guarani e loteamentos residenciais
que beiram a praia.
A UC guarda uma das mais preservadas áreas de Floresta
Alta de Restinga e Floresta Ombrófila Densa de Terras
Baixas do Estado de São Paulo, além de manguezais nas
planícies flúvio-marinhas, formadas pelas sub-bacias dos
rios Itaguaré, Guaratuba e Itapanhaú, Município de Bertioga
(FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2012). Configura um importante
corredor ecológico entre ambientes marinho – costeiros, ou
seja, um contínuo biológico que permite o equilíbrio dos
processos ecodinâmicos e fluxos gênicos (SÃO PAULO, 2010;
MARTINS et al, 2008).
A proteção dessa área é significativa, considerando os
vetores de pressão típicos de uma região costeira (MORAES,
2007) e da RMBS, tais como acelerada expansão urbana,
atividades turísticas sazonais e emissão de efluentes
domésticos sem tratamento adequado (SABINO, 2007; CBHBS,
2011) e ocupações irregulares na borda das áreas legalmente
protegidas do município1. Além disso, a construção de
barramentos para captação de água superficial, práticas
agrosilvopastoris, ocupação humana existente na região,
ainda que em pequena escala, a longo prazo, são indicados
como vetores de pressão das condições ecológicas e
hidrológicas deste ecossistema (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2012).
Outras preocupações, citadas durante as reuniões do
Conselho Consultivo, foram caça de animais silvestres,
retirada de palmito e lixo deixado pelos visitantes da
praia e das trilhas.
1 Informação apresentada durante as reuniões do Conselho Consultivo.
Considerando esses aspectos, formularam-se as
seguintes perguntas norteadoras da pesquisa: Como ocorreu o
planejamento para a criação do PERB? Será que as inovações
do SNUC, mais especificamente no processo de criação,
ocorreram para a criação da UC? O estudo teve como objetivo
analisar o processo de planejamento para a criação do PERB
como representante de uma inovação histórica dos critérios
de criação de áreas protegidas no Brasil.
Procedimento metodológicoAdotou-se uma metodologia multirreferencial por meio de
levantamento documental, diálogos com pessoas de diferentes
setores, participação nas reuniões do conselho, com o
objetivo de coletar informações das diversas perspectivas
envolvidas, uma vez que há percepções muito divergentes do
processo de criação do PERB, de acordo com a impressão
causada pelas notícias veiculadas nos jornais na época de
criação, avaliação pessoal do clima da última audiência
pública e relatos de Conselheiros do PERB durante as
reuniões do Conselho Consultivo. Esse cuidado corrobora o
ponto de vista de Carlos Matus (HUERTAS, 1996), quando
sustenta a Teoria de Situações: considera-se que há mais de
uma verdade, mais de uma versão para explicar a realidade.
Dessa forma, Matus reforça que “toda explicação é declarada
por alguém, e esse alguém é um ser humano que tem seus
valores, suas ideologias e seus interesses. Sua leitura
está carregada de subjetividade e está animada por um
propósito. Ainda mais no caso de tratar-se não de simples
observadores, mas de atores interessados no resultado do
jogo, a explicação é guiada por esses interesses”.
Como referência, para buscar dados do processo de
criação do PERB, adotaram-se os procedimentos previstos no
SNUC, bem como no Decreto que o regulamenta: Estudos
técnicos (a); Decreto de Limitação Administrativa
Provisória (b); mecanismo para envolvimento da sociedade
(c); participação e interferência no perímetro (d);
informações disponibilizadas para consulta (e); integração
com a administração das terras e águas circundantes (e).
Analisaram-se documentos sobre as etapas do processo de
criação da UC na sede do órgão público proponente da
criação do PERB. Também foi feito um levantamento de
notícias veiculadas pelos jornais locais e informações
obtidas na rede mundial de computadores. Para
compreender a participação da sociedade na criação da UC,
tendo em vista que pode haver diversas “escalas de
participação2” (ARNSTEIN, 1967), foram feitas entrevistas
abertas, semi-estruturadas, com atores envolvidos na
criação do PERB. Também houve observação participante nas
reuniões do Conselho Consultivo, auxiliando na compreensão
dos posicionamentos. As pessoas solicitadas para o diálogo
foram indicações de outras que participaram do processo de
criação.
2 Desde níveis onde não há espaço para discussão e as pessoas são apenas informadas até o estágio em que os cidadãos possuem autonomia esão os tomadores de decisão.
O estudo foi de natureza qualitativa, baseada na análise
de pequenas amostras não necessariamente representativas da
população, procurando entender os processos, em vez de
mensurá-los (LAKATOS, 2010). Para interpretação dos dados,
teve como referência a Análise de Conteúdo de Bardin, um
procedimento metodológico fundado num “conjunto de técnicas
de análise das comunicações que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens” (FARAGO & FOFONCA, 2011), o que permite a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção e recepção das mensagens.
Resultados e discussão
A proteção da área, que atualmente corresponde ao
PERB, era um projeto antigo. Começa em 1986 com o
Tombamento da Serra do Mar e Paranapiacaba (Resolução nº
40/1985, da Secretaria de Estado da Cultura/SP, pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado – CONDEPHAAT). Na década de
90, havia propostas de criação de novas UC na Baixada
Santista que protegeriam a área citada, porém o
arquivamento se deu pela ausência do conhecimento sobre a
situação fundiária e da falta de recursos financeiros e
corpo técnico para a execução (OLIVA, 2003). Também havia o
indicativo de “urgência de ação extremamente alta”
(Portaria MMA nº 09/2007), diversos estudos técnico-
científicos de entidades, universidades e projetos
reconhecidos do Estado de São Paulo, além de forte
mobilização da sociedade pela sua proteção (FUNDAÇÃO
FLORESTAL, 2012).
O projeto é retomado em escala federal, em 2004,
quando o Instituto iBiosfera, uma Organização não
Governamental (ONG) protocola, no Ministério do Meio
Ambiente (MMA), uma solicitação para criação de UC nas
restingas de Bertioga, indicando a categoria de Refúgio da
Vida Silvestre, portanto Proteção Integral. Tal solicitação
foi embasada em mais de uma dezena de estudos técnicos
realizados pela rede articulada da ONG, com cerca de 400
páginas anexadas, contendo dados biológicos, sociais,
econômicos, fundiários e ações judiciárias existentes que
eram contra grandes empreendimentos imobiliários no
entorno. Em resposta à solicitação, em 2007, técnicos da
Diretoria de Áreas Protegidas do MMA visitam a área, os
manguezais e as restingas e, após reuniões dos órgãos
ambientais com os municípios envolvidos, apoiaram a
proposta de criação de uma UC federal com o Processo nº
02001-000718/2007-4 – Criação de UC no município de
Bertioga.
O projeto passa para a esfera estadual devido a um
projeto para aumentar o grau de representatividade3 de UC
no Estado de São Paulo, que acontecia em parceria com
3 A representatividade é definida no método Rapid Assesment and Prioritizationof Protected Areas Management (RAPPAM) como “grau que uma unidade deconservação contribui com um ecossistema subrepresentado e/ou muitoreduzido ao sistema de unidades de conservação” (ERWIN, 2003).
órgãos ambientais estaduais 4e a ONG World Wild Fund Brasil
(WWF-Brasil), com o apoio financeiro do MMA. Durante esse
tempo, uma série de estudos técnicos e científicos é
realizada (IBAMA & WWF, 2007; IBAMA 2010; FUNDAÇÃO
FLORESTAL, 2012; WWF s/a), destacando-se a necessidade de
aumentar a proteção em áreas de restinga, ambiente de
praia, costões rochosos e fragmentos que garantissem os
fluxos entre os ecossistemas. Selecionou-se uma área
prioritária para conservação denominada Polígono de
Bertioga.
Foi realizada uma avaliação socioambiental, cultural e
fundiária (relação de glebas devolutas, áreas estaduais ou
de empresas públicas; ações de desapropriação; usucapião;
visitas a campo e solicitação de apresentação de documentos
de título da propriedade) para diagnosticar a abrangência e
a categoria de manejo mais adequada e subsidiar as
consultas públicas (INSTITUTO EKOS BRASIL, 2008; processo
FF 320/2010, volume IV). De forma breve, destacaram-se a
presença da fitofisionomia de restinga, uma das mais
ameaçadas da Mata Atlântica do Estado de São Paulo, devido
à ocupação da faixa do litoral e a importância da
conectividade da fisionomia com o Parque Estadual da Serra
do Mar para forrageamento de espécies ameaçadas de
extinção, apontadas no Plano de Manejo do PESM.
4 Fundação Florestal e o Instituto Florestal são dois órgãos vinculadosà Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, responsáveispelo gerenciamento das Unidades de Conservação Estaduais.
O momento seguinte foi de consulta pública junto à
sociedade e comunidades locais para apresentação e adesão à
proposta, cabendo à população manifestar seu apoio ou
crítica, e contribuir com sugestões para um perímetro mais
adequado. É nesse ponto que o conflito vem à tona, segundo
posicionamento dos atores. O órgão proponente, a Fundação
Florestal, planejou quatro reuniões em dezembro de 2009,
buscando diferentes setores (governo, ONG, setor privado e
proprietários e comunidades locais) “para dinamizar o
direcionamento”, embora a divisão não tenha sido seguida à
risca. Foram realizadas mais três reuniões públicas pela
Fundação Florestal (ocorridas em março, maio e agosto de
2010). Para esse trabalho, foi analisado o conteúdo das
primeiras reuniões (dezembro de 2009) e da Audiência
Pública (outubro de 2010) promovida pelo Conselho Estadual
do Meio Ambiente (CONSEMA) porque se entendeu que nessas
duas, a sociedade teve ampla participação e que as
propostas apresentadas na última foram sendo construídas
durante essas reuniões. Dessa forma, o conteúdo essencial
surge nas primeiras consultas (Anexos 2 a 5) e na última
Audiência Pública.
Durante o período de consulta, surgem as
manifestações, tanto de apoio como de críticas por meio de
cartas, e-mails, abaixo-assinados e mensagens escritas por
indivíduos ou em nome de um coletivo, destinadas ao órgão
proponente conforme se constatou nas cópias arquivadas
junto ao processo. Argumentos que caracterizam um conflito
entre “empresários e ambientalistas”, foram exaustivamente
repetidos ao longo da etapa de Consulta Pública: nas
reuniões públicas, na Audiência promovida pelo CONSEMA, nas
redes sociais e nos jornais de grande circulação da Baixada
Santista.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo
decreta Limitação Administrativa Provisória em parte do
Polígono de Bertioga com o Decreto 55.661, de 30 de março
de 2010, excluindo a área dos índios Guarani e o restante
do Polígono de Bertioga dentro do município vizinho, São
Sebastião. No entender da Fundação Florestal, ficaria um
fragmento pequeno dividido pela área indígena. Também foi
realizado um contorno em áreas de ocupação consolidada
(próxima aos loteamentos na beira do mar) e em outra área
próxima ao PESM, onde, na época, já havia um processo de
licenciamento em andamento.
No dia 7 de outubro de 2010, o CONSEMA promove uma
grande audiência pública, sendo apresentadas, questionadas
e criticadas as propostas da Fundação Florestal, Prefeitura
de Bertioga, Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), ONGs e pesquisadores, Grupo de
Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério
Público (GAEMA) e Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (RPPNs) (Figura 1). Resumidamente, os que eram a
favor, solicitavam a inclusão da praia de Itaguaré e
aqueles que não concordavam integralmente com a proposta da
Fundação Florestal, defendiam o Plano Diretor. Tudo isso
levou cerca de cinco horas e foi assistida por mais de 300
pessoas, segundo a lista de presença. Vale notar a
preocupação levantada quanto à gestão do Parque, uma vez
criado. Foram feitos questionamentos em relação à
fiscalização e invasão, geração de emprego, precatórios, o
futuro dos comerciantes de ostras situados dentro do
Polígono e na beira da estrada.
Segundo a Fundação Florestal, “a proposta final
contempla parcialmente todas as reivindicações”, protegendo
os principais remanescentes de Mata Atlântica e
ecossistemas associados de Bertioga. São excluídas áreas de
ocupação consolidada, faixas ao longo da rodovia, o “cantão
do Itaguaré” (entre a foz do rio Itaguaré e a Riviera de
São Lourenço), atendendo a reivindicações do Plano Diretor.
Áreas de ocupação irregular são incluídas no Parque,
buscando parceria com a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU) para que Bertioga também seja
atendida pelo Programa de Recuperação Socioambiental da
Serra do Mar. Ao PERB, somam-se as duas RPPNs, que já
possuem o Decreto de criação publicado, porém com
dificuldades para averbação porque há indícios que possuem
processo de desapropriação pelo tombamento da Serra do Mar.
Figura 1 – Síntese de todas as propostas encaminhadas ao órgão proponente. Fonte: Fundação Florestal, sem escala.
Conclusões
Com base no que foi visto, o planejamento para a
criação do PERB aproximou-se do Planejamento Estratégico
Situacional de Matus, no qual não há uma única verdade, mas
uma situação explicada por diversos atores, sendo um
processo dinâmico e participativo. Todas as inovações e
diretrizes do SNUC em relação ao procedimento de criação
ocorreram.
Os critérios para a seleção da área e criação do PERB
estiveram em sintonia com a evolução do planejamento das
políticas públicas incidentes sobre áreas protegidas.
Possivelmente, isso foi resultado de um conjunto de
fatores, tais como: a participação e mobilização social,
bem como a atuação das forças do estado. Em relação aos
critérios técnico-científicos para a seleção da área,
merecem destaque a representatividade, a integração entre
áreas terrestres e marinhas, a conectividade entre
fragmentos e vulnerabilidade. Soma-se a esse caso, a
vontade política, a viabilidade financeira, a motivação
antiga de proteção à área, proposta pelos órgãos
ambientais, a mobilização e pressão da sociedade civil.
A participação não foi vista da mesma forma pelos
diversos atores, o que demonstra que o órgão tomador de
decisão buscou atender, de modo equilibrado, todas as
reivindicações e propostas. Isso pode ser observado no
desenho final do PERB, que não expressa somente uma
proposta ou ponto de vista.
Apesar de muitas áreas do mesmo já serem protegidas
por leis ambientais antes de sua criação, o SNUC induz a
mudança da organização espacial em Bertioga. A criação do
Parque, como UC restritiva se tornou uma ferramenta de
maior eficácia para proteção frente às outras estratégias
normativas (Código Florestal, Lei da Mata Atlântica e leis
municipais). Além de tornar certas áreas ainda mais
restritivas, o PERB também exerce influência no entorno
(zona de amortecimento). O município poderá futuramente
aproveitar o atrativo do Parque e fomentar outro tipo de
turismo, com soluções criativas e alternativas, indo além
do modelo vigente.
A compreensão desse processo é importante para a
superação das visões simplistas e dos estereótipos dos
setores envolvidos no exercício da complexa governança
territorial. Esse é um fator determinante para o diálogo e,
a partir disso, a construção de possibilidades novas em
torno do uso dos recursos naturais e da ocupação dos
espaços costeiros.
Referências
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Ano Instrumento Objeto Categoria Critérios para seleção da Área Protegida1934 Lei nº 23.793 Código
FlorestalParque Composição florística primitiva.
1965 Lei nº 4771 Código Florestal
Parque Atributos excepcionais da natureza; proteção integral da flora, fauna e belezas naturais.
1979 Decreto nº 84.017
Regulamento dos Parques Nacionais
Parque Atributos naturais excepcionais; amostrasdos principais ecossistemas naturais; base técnico-científica e socioeconômica.
1981 Lei nº 6902 Criação de EE e APA
Estação Ecológica
Áreas representativas de ecossistemas brasileiros.
1984 Decreto nº 89.336
Reservas Econômicas eARIE
Reserva Ecológica
Vegetação natural de preservação permanente; pousos das aves de arribação protegidos por acordos internacionais.
1984 Decreto nº 89.336
Reservas Econômicas eARIE
Área de Relevante Interesse Ecológico
Características naturais extraordinárias ou abrigam exemplares raros da biota regional.
1994 Decreto nº 2.519
Ratificação da CDB
Áreas protegidas
Conservação da diversidade biológica, pelos princípios da Biologia da Conservação.
2000 Lei nº 9.985 SNUC Sistematização de todas ascategorias
Estudos técnicos baseados nos critérios das políticas posteriores.
2002 Lei nº 4.339 Política - Representatividade, conectividade e
Nacional de Biodiversidade
complementaridade; espécies ameaçadas.
2006 Decreto nº 5.758
PNAP - Ecologicamente representativas; integradas a áreas terrestres e marinhas;conectividade entre fragmentos naturais; áreas prioritárias.
2007 Portaria MMA nº 9
Áreas Prioriárias
- Planejamento sistemático para conservação
Anexo 1 - Evolução temporal dos diferentes critérios para seleção de áreas protegidas, incorporados em instrumentos legais.
Anexo 2 - Principais pontos levantados pelos diferentes atores – governo.
REUNIÃO DO DIA 04 DE DEZEMBRO DE 2009 (manhã) – GOVERNOATORES PREFEITURA/ VEREADORES PESQUISADORES CONSEMA IBAMA/ DER FUNDAÇÃO
FLORESTAL
PONTOS LEVANTADOS
Há ocupações irregulares dentro do polígono, "culpa da gestão anterior".
Pré-sal é um vetor de ocupação.
Solicita materiaispara consulta.
Vetores de pressãodo entorno.
Modelo de ocupação "grandes empreendimentos versus ocupações irregulares".
Há demandas por loteamento e moradia.
Possível existência de sambaquis.
Solicita prazos para encaminhar propostas.
Há uso dos rios pela pesca.
Taxa de crescimento elevada em Bertioga.
Haverá impacto negativopara a arrecadação do município.
Geodiversidade rica.
Há áreas de soltura em Guaratuba e Fazenda Acaraú, ambos os pontos dento do Polígono.
UC pode potencializaro turismo.
Sugere mosaico em áreasconflitantes.
Feições de praia única na costa paulista.
Ocupações irregulares adjacentes à rodovia (comerciantes de frutos do mar, “quiosqueiros”).
“Plano Diretor não consultado”.“Dados censitários incorretos”.
Anexo 3 - Principais pontos levantados por diferentes atores – ONGs.
REUNIÃO DO DIA 04 DE DEZEMBRO DE 2009 (tarde) – ONGsATORES ONGs FUNDAÇÃO FLORESTAL
PONTOS LEVANTADOS
Bertioga apresenta concentração de renda pelo Índice Paulista de Responsabilidade Social.Muitas áreas do polígono já estão protegidas pela legislação ambiental, inclusive pelo Plano Diretore ZEE, porém há alguns pontos divergentes, como, por exemplo, a Praia de Itaguaré.Crescimento no setor público, construção civil e serviços, com tendência para o crescimento desordenado e poluição dos corpos hídricos.Há um forte interesse de empreendimentos.Há um forte interesse de empreendimentos de luxo na Praia de Itaguaré.Conectividade entre PESM, Terra Indígena e Polígono
Há projetos de demarcação de terra indígena e ampliação doPESM
Sugestão de rios com uso sustentável. Uso dos rios pode esbarrar em questões legais.
Potencial para um turismo temático e planejado.Rica biodiversidade no local.
Solicitação de canal de comunicação, com materiaispara consulta tais como mapas e legislação pertinente."Legislação confusa e população sem informação".Questionamento sobre restrições e usos como pesca e surfe."Proprietários particulares também cuidam da fiscalização".
Anexo 4 – Principais pontos levantados por diferentes atores – proprietários.
REUNIÃO DO DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2009 (manhã) – PROPRIETÁRIOSATORES PROPRIETÁRIOS OU REPRESENTANTES FUNDAÇÃO FLORESTAL
PONTOS LEVANTADOS
Áreas próximas ao rio Itapanhaú merecem atenção. Turismo ecológico."Todos os proprietários possuem interesse em conservar", pois o "Plano Diretor foi feito com a consulta de todos os proprietários".
Bertioga como o novo núcleo do PESM.
Morro próximo a Riviera é Reserva Legal e pode ser incluída no Polígono.Proprietários particulares também cuidam da fiscalização.
Propostas de RPPNs são bem vindas.
O município possui demandas por áreas.Acima da rodovia já é área protegida pelo Plano Diretor.Polígono em discordância com o ZEE.Não ficou claro as atribuições e quem é o proponente . É obrigatório realizar
consultas pela lei e sãooficialmente entendidos como coleta de informações para tomada de decisão.
Criar uma UC Estadual dificulta a compensação que seria feita com uma UC Municipal.O governo do Estado tem dificuldade com a fiscalização.
Anexoo 5 – Principais pontos levantados por diferentes atores – Comunidade local.
REUNIÃO DO DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2009 (tarde) – COMUNIDADE LOCALATORES COMUNIDADE LOCAL ONG FUNDAÇÃO FLORESTAL
PONTOS LEVANTADOS
Há demanda por expansão urbana, mas responsabilidade deconservação.
Importância ecológica e histórica do município.
Ocupações irregulares por causa dos grandes empreendimentos.
A população quadruplica no verão com população flutuante.
Leis que não saem do papel (munícipe referindo-se a um grande empreendimento ocupando área protegidaatualmente).
Há áreas para ocupar, sem ocupar o manguezal ou áreas protegidas.
São ocupações anterioresà legislação ambiental.
Questionamento sobre como fica a situação dos "comerciantes de ostras" na beira da estrada que estão ali há 20 anos e ajudam a preservar a região.
Área pode ser considerada consolidada,sendo um atrativo turístico a ser considerado no zoneamento.
Famílias tradicionais ocupando a região.
Devem entrar com pedido para a permanência na