o processo de construção da interpretação do cantor popular: um estudo de caso com cantores de...
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Universidade Federal da Paraíba Centro de Comunicação, Turismo e Artes Departamento de Educação Musical Curso de Licenciatura em Música
O processo de construção da interpretação do cantor popular: um estudo de caso com cantores de João Pessoa
Maria Gabriella Cavalcanti Villar
João Pessoa – PB Fevereiro de 2015
Universidade Federal da Paraíba Centro de Comunicação, Turismo e Artes Departamento de Educação Musical Curso de Licenciatura em Música
O processo de construção da interpretação do cantor popular: um estudo de caso com cantores de João Pessoa
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Música – Habilitação em Práticas Interpretativas. Orientação: Ms. Daniella da Cunha Gramani
Maria Gabriella Cavalcanti Villar João Pessoa – PB Fevereiro de 2015
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, quero agradecer à Deus pela força e fé que me concebe.
Aos meus pais, Gerlane e Jean e ao meu irmão, pela força, pelo amor e
dedicação sempre.
À minha avó, Walkíria, pelo grande exemplo que é, pelo incentivo, pelo
apoio, pela força e pelo amor.
À toda a minha família, em especial a minha bisavó, Dionísia, pela doce
mulher que foi e por acreditar em mim. Também à minha tia Girlene por todo
apoio, incentivo, pelo amor e carinho sempre.
Aos meus professores de música, que me preparam para ingressar na
universidade, em especial à Adriano Taurino.
Aos meus amigos, em especial à Rodolfo Rangel que me abriu os olhos,
e me fez ver que eu era capaz de passar no vestibular para este curso, quando
eu já queria desistir. Obrigada meu querido amigo. Não tenho nem palavras por
tanta gratidão. Também à Amanda Cunha e Kojak pelo grande incentivo e por
me fazerem entender o lugar que eu deveria ocupar no curso e assim o fiz:o
canto popular. À Raquel Dantas, Olga e Wilame pela parceria durante a
graduação. À Aninha Guedes, também pela parceria, sempre sendo uma
amiga e me ajudando.
À todos os professores do curso pelos ensinamentos, pelos exemplos,
em especial à Tom K, Vanildo, Luis Ricardo e Fábio Henrique.
Aos membros da banca professores Tom K e Fábio Henrique.
E por fim, à minha “amada professora de canto popular” ou orientadora,
por existir na minha vida acadêmica, profissional... um divisor de águas, não
menos que isso.
RESUMO
Esta pesquisa buscou compreender o processo de construção da
interpretação do cantor popular, no intuito de investigar como se dá tal
processo e que forma de aprendizagem está inserida neste contexto. Para isso
foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com três cantores profissionais
da música popular brasileira, com diferentes níveis de aprendizagens e
experiências, que atuam no cenário musical da cidade de João Pessoa.
Através destas, foi possível compreender que o autodidatismo, por meio da
prática profissional e, a prática coral, contribuíram para a formação destes
cantores. Outros pontos relevantes - para os entrevistados - nesse processo de
construção da interpretação, são: a função do intérprete e a construção da
personalidade vocal. Também, a pesquisa apontou que o estudo formal do
canto popular e a rotina de shows, agem como meios de desenvolvimento
interpretativo. Esta pesquisa é a base desta monografia de conclusão do curso
de Licenciatura em Música, com habilitação em Práticas Interpretativas, pela
UFPB.
Palavras chaves: canto popular brasileiro midiatizado; interpretação; processo
de construção; aprendizagem.
ABSTRACT
This research intends to understand the development of the popular
singer’s interpretation, aiming to comprehend how this proceeding works and
what kind of learning is involved within it. In this matter, semi-structured
interviews were done beforehand with three professional singers from João
Pessoa, each having a different amount of knowledge on this subject. By these
interviews, it was possible to notice that the act of self-teaching, both by
professional and choral practice has shaped their singing. Other relevant
matters - concerning the singers - within this process of building up the
interpretation are: the interpreter’s role and creating a vocal personality. This
research has also appointed that the formal studying on popular singing and
shows’ schedules act as a relevant means of interpretative development. The
research forms the basis of this end-of-course monograph for the Degree in
Music at UFPB, also qualifying oneself in Interpretative Practices.
Keywords: Mediatized Brazillian popular singing; Interpretation; Shaping
process; Learning
Sumário
Introdução .................................................................................................................. 8
1. Apresentação da pesquisa ................................................................................... 10
2. Breve revisão de literatura .................................................................................... 17
2.1. O canto popular e o cantor da música popular brasileira .................................. 18
2.2. Canto popular e seu ensino/ aprendizagem ...................................................... 26
3. O processo de desenvolvimento interpretativo do cantor popular ......................... 31
3.1. Conhecendo os cantores e sua prática ............................................................. 31
3.2. O processo de construção da interpretação ...................................................... 33
3.2.1. Aprendizado do canto popular ........................................................................ 33
3.2.2. A interpretação da canção .............................................................................. 37
4. Considerações finais ............................................................................................. 54
Referências ............................................................................................................... 57
Apêndices.................................................................................................................. 59
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Introdução
Esta monografia de conclusão de curso é fruto de alguns
questionamentos que passaram a me envolver, a partir do momento em que
comecei a estudar canto popular, no curso superior de Licenciatura em Música.
Paralelamente, eu cantava profissionalmente e, posteriormente passei a dar
aulas de canto popular. Então, envolvida pelo estudo, prática e pelo exercício
com o ensino desta arte, as dúvidas e questionamentos foram tomando a forma
dessa pesquisa. E através dela pude obter os dados e informações
necessárias à saciar algumas das minhas inquietações enquanto profissional
da área, a fim de trazer mais conhecimentos específicos não só para mim, mas
para a área em questão.
Assim esta pesquisa, fruto da disciplina de Trabalho de Conclusão
de Curso, buscou compreender o processo de construção da interpretação da
canção por parte do cantor popular, investigando como se dá tal processo e
que forma de aprendizagem está inserida neste contexto. Para isso foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas, com três cantores profissionais da
música popular, que atuam no cenário musical da cidade de João Pessoa. A
apresentação da pesquisa em forma de monografia foi dividida em quatro
partes: 1- Apresentação da pesquisa. Neste, apresentei o tema, a questão
problema, os objetivos, metodologia e a forma como foi realizada a coleta de
dados para a pesquisa. 2- Revisão de literatura: Este capítulo possui dois
subtítulos, que tratam de questões deste canto, fazendo-se conhecer um pouco
mais da sua história, sua prática e seu ensino, com base na literatura da área e
afins que tivessem relações com a mesma. 3- O processo de desenvolvimento
interpretativo do cantor popular. Neste apresentei os resultados das
entrevistas, caracterizei os entrevistados e coloquei em discussão os dados
coletados com os conteúdos advindos dos autores que pesquisaram e
estudaram os assuntos em questão, de forma que houvesse uma articulação
entre estes. 4- Considerações finais. Faço neste, um resumo da pesquisa,
coloco a minha posição diante desta, trazendo seus resultados e aspirações
para futuras pesquisas na área.
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Esta pesquisa vem somar a outras pesquisas já realizadas no canto
popular e que teve o intuito de trazer respostas mais consistentes a ponto de
contribuir para construção de novos conhecimentos acerca do tema em
questão, para o desenvolvimento da prática e do ensino desta área como
também para o meu aprimoramento como cantora e professora. Tendo ciência
que todo saber pode e deve ser cada vez mais explorado, para obter novos
resultados e se fazer novas descobertas, esta pesquisa não se dá por
acabada.
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Capítulo 1. Apresentação da Pesquisa
São várias as questões que poderiam ser abordadas nesta gama de
elementos que abarcam a temática do canto popular. Dúvidas que ainda me
circundam e me provocam a buscar um aprofundamento maior para lidar com
todos os processos, formas e “jeitos” desta prática. Mas tive que focar em
apenas uma questão, que de certa forma, é conectada com algumas outras.
Assim, para escolher o tema, parti da minha maior inquietude com
relação à prática e a aprendizagem no canto popular, e também, com o que
nele, mais me inspira a exercer este ofício: a interpretação. Então, comecei a
me perguntar, como se dava a interpretação não só na prática, no palco, mas
também, antes deste momento? Será que os cantores populares pensavam
sobre o assunto ou isso acontecia naturalmente? Esses e outros
questionamentos ao longo da minha trajetória como estudante, como cantora e
como professora, acerca do tema, foram se desenvolvendo e somados aos
estudos sistemáticos da literatura da área, e também à prática nos os palcos e
a prática docente. Diante disso, pensando em reunir todas as inquietações em
torno de uma única pergunta, objetivando obter as respostas para a partir daí
poder fundamentar a minha prática como um todo, a questão que se deu foi:
Como é o processo de construção da interpretação do cantor popular?
Com base nessa questão foquei nos seguintes objetivos:
Analisar o discurso do cantor popular no que se refere à construção da
interpretação;
Investigar os procedimentos citados pelos cantores, na construção da
performance;
Comparar as diferentes visões acerca da construção da performance;
Compreender o processo de aprendizagem dos cantores;
A partir deste norte a metodologia de pesquisa escolhida foi a pesquisa
qualitativa, mais especificamente o estudo de caso que teve como instrumento
de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Foram entrevistados três
cantores populares.
Vale ressaltar que na abordagem qualitativa, não há o uso de dados
estatísticos. Ela é um procedimento descritivo e “o processo e seu significado
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são os focos principais de abordagem” (KAUARK, et.al, 2010). Segundo
Godoy, esta, acontece através do “contato direto do pesquisador com a
situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a
perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo”.
(GODOY, 1995, p.58). Através desta, o pesquisador tem a possibilidade de
“penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e relações
adquirem sentido. Sua utilização é, portanto, indispensável quando os temas
pesquisados demandam um estudo fundamentalmente interpretativo.
(PAULILO, 1999, p.136). E, para esta forma de pesquisa, existem algumas
questões nas quais o pesquisador precisa estar atento. Uma delas, é que, este
precisa reconhecer os “atores sociais como sujeitos que produzem
conhecimentos e práticas.” (PAULILO, 1999, p.136). Assim, este tipo de
abordagem foi o mais indicado para esta pesquisa, pois ela visou compreender
a construção do processo de interpretação do cantor popular e, este é um tema
de cunho subjetivo1 e abrangente, fazendo-se necessário a sua realização por
este meio de abordagem. Os cantores eram e são os sujeitos detentores desse
conhecimento, de natureza subjetiva: a construção da interpretação da canção.
O estudo de caso foi a abordagem específica, dentre as várias da
pesquisa qualitativa, escolhida para o tema estudado. Segundo Godoy (1995),
o estudo de caso consiste em analisar profundamente e particularmente um
único caso. Para pesquisas que envolvem, “dois ou mais sujeitos, [...],
podemos falar de casos múltiplos.” (GODOY, 1995, p.26). Portanto, para o
estudo que se desenvolveu nesta pesquisa, foi utilizado o termo multi-caso,
pois se trata de 3 (três) cantores (as) da cidade de João Pessoa/PB, que
cantam profissionalmente, atuando no cenário da música popular brasileira, e
estão inseridos em diferentes contextos profissionais (bares, bandas, bandas
baile, corais, etc.) e de aprendizagem (universidade de música, curso técnico
de música, aulas particulares, etc.). Assim, são três sujeitos diferentes, em
contextos distintos, mas tendo uma mesma prática: o canto popular.
1 Subjetivo é a opinião pessoal de cada indivíduo à respeito de algo ou alguém. Não existe um
padrão de definição para esta opinião, variando de pessoa para pessoa, sofrendo influências por cultura, religião, política, região geográfica, instrução, conhecimentos. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/subjetivo/>. Acesso em 13 de Outubro de 2014.
12
Tal estudo deverá produzir um relatório que se coadune de maneira
mais informal, através de citações, exemplos, ilustrações, descrições
fornecidas pelos próprios sujeitos pesquisados, a fim de transmitir o caso.
O estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os
pesquisadores procuram responder às questões “como” e “por quê”
certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de
controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesse é
sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de
algum contexto de vida real. (GODOY, 1995, p.25).
Como estratégia de coleta de dados, foram realizadas entrevistas na
presente pesquisa, pois
No âmbito das representações e da produção de sentido, as
entrevistas são tratadas como encontros sociais, nos quais
conhecimentos e significados são ativamente construídos no próprio
processo da entrevista; entrevistador e entrevistado são, naquele
momento, co-produtores de conhecimento. Participação, neste nível
de interação, envolve ambos em um trabalho de produção de sentido,
trabalho no qual o processo de produção de sentido é tão importante
para a pesquisa como o é o sentido produzido. (PAULILO, 1999,
p.143.)
Entre os tipos de entrevistas existentes, esta pesquisa utilizou a semi-
estruturada, que segundo Lakatos, et al. (2003), Triviños (1987) e Manzini
(1990/1991) é feita por perguntas básicas e abertas, podendo o entrevistado
responder de forma livre, dentro de uma conversação. Ainda, tais perguntas
poderão se desdobrar, conforme a necessidade da pesquisa, para uma melhor
obtenção dos dados. Fato que ocorreu no decorrer da coleta de dados.
As entrevistas ocorreram com os cantores(as) acima citados, e conforme
os objetivos dessa pesquisa, tiveram como meta traçar um perfil dos
entrevistados, verificar a trajetória de aprendizado, analisar como estes se
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constroem e se vêem como intérprete. A escolha dos entrevistados teve como
parâmetro a diversidade de atuação e formação além do fato de serem
profissionais da área. Assim, são estes os autores e atores de suas histórias e
vivências com esta prática e possivelmente, teriam mais conteúdos a serem
trabalhados, mediante suas experiências com palco, com ensaios, com banda,
com repertório, com o público, podendo trazer novas perspectivas e novas
contribuições, ainda não identificadas pela área em questão.
Para a realização das entrevistas, foi necessário elaborar um roteiro com
questões (ver apêndice nº1) que foram organizadas em quatro blocos
temáticos da seguinte forma:
- Perfil profissional dos cantores entrevistados
- O aprendizado no canto popular
- Processos de construção da interpretação
- Reflexões acerca da prática interpretativa
Para entender melhor a relação dos entrevistados com o canto popular,
foi necessário traçar um perfil profissional, onde estes pudessem relatar suas
experiências com este canto. Se fez necessário para o conteúdo desta
pesquisa saber sobre as trajetórias do profissional com o canto popular, porque
como cantora que sou, sei da importância que se tem o tempo e qualidade da
experiência.
Para tanto, fiz algumas perguntas: “Há quanto tempo canta
profissionalmente?” “Quais os tipos de trabalhos com o canto popular que já
exerceu e/ou exerce? Como era a formação (banda, solo, com coral, como
professor(a), etc.) e onde aconteceram as apresentações (bares, shows,
apresentações, estúdio de gravação, sala de aula)? Conte um pouco desta
experiência”.
No intuito de compreender como se deu o aprendizado da prática dos
cantores entrevistados, propus três perguntas. A primeira questão tem relação
direta com o estudo formal do canto: “Você já teve aulas de canto? Se sim, fale
um pouco à respeito”. “Principalmente a partir da década de 1980, intérpretes
consagrados e iniciantes vêm procurando professores de canto popular para
aperfeiçoar suas habilidades e saúde vocal” (PICOLLO, 2006, p.4). As aulas de
canto popular são recentes, e essa pergunta visava verificar a relação dos
cantores com o ensino formal do canto.
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As outras duas seguintes se referem às outras formas do aprendizado
do canto popular. “Quais os cantores da música popular brasileira são
referência para você?” e “Como estes influenciam na sua prática como
intérprete?”. As preferências dos cantores pode nos indicar muito sobre sua
maneira de cantar e de entender seu canto. Segundo Piccolo (2006), Queiroz
(2009), Latorre (2002) e Goulart (2001), a imitação é uma das formas de
aprendizagem mais presente na música popular brasileira e as referidas
questões buscavam aprofundar esse tema.
Para compreender o processo de construção da interpretação dos
cantores, elaborei sete perguntas: “O que significa pra você interpretar uma
canção?”. Questão que buscava refletir sobre a visão que o entrevistado tinha
de sua prática, significando suas opções estéticas e técnicas. O sentido da
prática musical, está diretamente ligada aos processos da interpretação.
(Aragão, 2011).
“Como intérprete, quais elementos costuma utilizar em suas
performances?”. O objetivo dessa pergunta é verificar até que ponto os
recursos interpretativos utilizados pelos cantores são conscientes. Piccolo
(2006), Goulart (2011), falam em gestos vocais, como: “improvisações rítmicas
e melódicas, que incluem portamentos, apojaturas e vibratos, entre outros,
recursos vocais como o uso de respirações e ainda a maneira peculiar de
utilização do aparato vocal” (PICCOLO, 2006, p.1).
“Na música popular brasileira, a integração da letra e música configura a
canção. Pensando nisso, e sabendo você ser um intérprete desta música, qual
a sua relação com estes dois elementos ao construir sua interpretação? Essa
questão investigava a forma com a qual o entrevistado enxergava a relação
melodia e letra, objetivando perceber se este priorizava uma das duas, bem
como a forma de lidar com elas na sua interpretação. A voz é o veículo de
transmissão dos sentidos que, letra e melodia, imprimem numa canção. (DINIZ,
2001, apud, PICOLLO, 2006).
A última pergunta relacionada a construção de interpretação foi
“Sabemos que um cantor (a) precisa ser afinado, ter uma boa noção rítmica,
saber do pulso na música, ter uma boa memória para não esquecer a letra.
Porém existe um outro fator, que na arte, não pode faltar, é a emoção. Como
você lida com mais este elemento como intérprete?” A emoção está presente
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na música tanto no intérprete como na plateia, é elemento que conecta e se faz
presente nas melhores interpretações.
O importante, portanto, é que o intérprete emocione o ouvinte. Assim, um cantor que consegue transmitir emoção e verdade no que diz, provavelmente será mais prestigiado do que aquele que possui uma linda voz com grande domínio técnico, mas, pouca emoção. (PICCOLO, 2006, p.82).
Estas perguntas visaram investigar os recursos que os cantores utilizam
para construir suas interpretações, e assim entender o que faz parte deste
processo e como este se dá.
As próximas duas, abordaram a questão da identidade vocal do
intérprete. “Na MPB, há uma ‘exigência’ de que o cantor popular tenha sua
própria marca, sua personalidade na música. O que você pensa com relação à
isto?” e “Como se dá este processo de construção da personalidade vocal
como intérprete?”. Segundo Piccolo (2003), a naturalidade e a personalidade
do intérprete, são características marcantes da música popular.
Por fim, uma questão que se referiu ao desenvolvimento interpretativo
no tocante a aprendizagem. “Para você, o que julgas necessário, como parte
complementar da sua aprendizagem como intérprete, que não teve, mas que
precisa ter para seu desenvolvimento interpretativo?”. Tendo em vista as
variadas formas de aprendizagem no canto popular, esta pergunta pretendeu
entender quais destas os cantores entrevistados poderiam se valer para se
aprimorar enquanto intérpretes.
Propus, também no bloco de reflexões acerca da prática interpretativa,
duas perguntas referentes à função do intérprete na música. A primeira: “Você
acha que a música comunica algo? Se sim, como pode se dar esta
comunicação?” A comunicação se dá através da interpretação do artista. “... ele
dirige a música como seu veículo, trafegando por um longo caminho até chegar
ao seu destino. O destino, já sabemos, é o público, o caminho é a
interpretação”. (ARAGÃO, 2011, p.15). A segunda: “Como cantor popular, qual
a importância da interpretação?”. Segundo Piccolo (2006) “...o que define a
popularidade do canto é a prática interpretativa da canção...”. (PICCOLO, 2006,
p.6).
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Os entrevistados responderam a todas as perguntas. Notei que quando
se tratava de algo que eles estavam acostumados a realizar na sua prática,
mas não tinham o hábito de pensar sobre isto, eles tiveram certa dificuldade
em responder. No geral, estas, foram as que eles mais se alongaram nas
respostas. Não foi necessário mudar as ordens das perguntas, porém foi
preciso fazer algumas novas, para um melhor entendimento da questão.
Para o registro de tal material, as entrevistas foram gravadas através
dos celulares Samsung Fame Duos, Samsung Galaxy Win Duos e Moto G, por
meio dos aplicativos: gravador de voz e câmera em forma de áudio e vídeo,
nos formatos de MP3 (áudio) e MP4 (vídeo). Assim, o entrevistador não
precisou fazer anotações ao passo em que realizava a entrevista e o discurso
oral foi totalmente transcrito, podendo até detectar “detalhes de entonação da
voz” que foram pertinentes na construção do sentido (QUEIROZ, 2009, p.36).
O vídeo capturou gestos faciais e/ou corporais do entrevistado, enquanto este
expressava suas ideias, mesmo quando em silêncio. Neste caso, os
entrevistados não se mostraram tão expressivos nesta entrevista, com relação
ao gestual. Não comentaram, mas provavelmente o fato de saberem que
estavam sendo filmados, pode ter causado algum tipo de inibição. Portanto,
não houveram assim, mais contribuições para a obtenção de mais dados,
fazendo o uso desse instrumento.
Logo após realizar as entrevistas, fiz as transcrições e pude observar
vários aspectos da relação dos cantores com a sua prática no canto popular e
com a sua aprendizagem. Como a interpretação se dava em todo este contexto
e qual a importância desta em suas trajetórias, nos trabalhos que
desenvolviam.
Em seguida, correlacionei este estudo com outros existentes na área,
dando destaque aos pontos em comum e aos divergentes, elaborando assim a
presente monografia.
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Capítulo 2. Breve revisão de literatura
Este capítulo abordará alguns aspectos da história, prática e ensino do
canto popular. Mas, antes, haverá uma breve introdução sobre o canto, de um
modo geral.
Há algumas teorias que buscam descobrir de onde vem a musicalidade
humana e por consequência abordam a questão do canto. Uma delas, proposta
por Charles Darwin, afirma que a música pode ter surgido de forma evolutiva,
da seleção sexual, onde, o canto funcionava como uma forma de saúde e
disposição, assim como acontece entre alguns animais, como a cigarra e os
grilos. Em outra teoria, o cantar, também surgiu evolutivamente, porém, servia
para os humanos, como também para alguns animais, pra manter os grupos
unidos, reunidos. Esta última é a mais aceita pelos zoomusicólogos. (MILLER,
2000; FITCH, 2006, apud QUEIROZ, 2009).
Estas teorias podem nos mostrar o porquê do canto estar entre os
humanos. Se essas foram realmente as razões pelas quais o canto surgiu,
então o que o levaria a permanecer na nossa espécie até hoje, se já não
precisamos dele desta forma? Com quê intuito? Como nos serviria o canto?
Queiroz (2009), diz que o canto é a primeira forma de musicalidade
expressada pelo homem, utilizando a voz como instrumento. Seja nas igrejas
ou em manifestações pagãs, o canto se insere na história, como a primeira
forma de fazer música, se modificando ao passar do tempo, agindo também,
como instrumento de expressão da população (MACHADO, 2007). Esta arte
está inserida em diversas culturas, expressada de forma peculiar por quem a
exerce, pois é a voz o seu instrumento e esta é exclusiva de cada ser humano,
como sua impressão digital (PICCOLO, 2006). Mas como o canto se dá?
O voltar-se para dentro, desenvolvendo essa capacidade a partir do refinamento da percepção, é o ponto de partida da iniciação do cantar que vai exigir um completo domínio do mecanismo respiratório, do controle muscular abdominal e intercostal, do ajuste fonatório e articulatório, possibilitando que o instrumento-voz responda de maneira adequada quando solicitado, superando toda e qualquer intempérie emocional ou física que se apresente, equilibrando
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palavras e sons musicais sobre a tênue linha da emissão. (MACHADO, 2007, p.14).
Pensando nisso, surge uma curiosidade com relação a quem de fato é
este cantor. Para Queiroz (2009), o cantor é aquele que é treinado,
formalmente ou não, para executar seu cantar em situações musicalmente
formais, em um palco, onde o artista e o público “estão cuidadosamente
separados um do outro [...] apenas estes performistas vocais” recebem o nome
em nossa sociedade de cantor. “A existência do cantor só ocorre na existência
do não-cantor” (QUEIROZ, 2009, p.56).
“O canto é atividade virtualmente universal do homo sapiens. É global,
como a vontade de viver, e tão inerente a nós quanto à linguagem!” (QUEIROZ,
2009, p. 49). Existem vários tipos de cantos, dos étnicos ao lírico por exemplo,
e por consequência, uma diversidade de cantores que se utilizam de diferentes
técnicas para executar sua música.
Adentraremos agora, neste próximo tópico, no tipo de cantor que será o
foco desta pesquisa, o cantor da música popular brasileira, aqui chamado de
cantor popular.
2.1. O canto popular e o cantor da música popular brasileira
A canção brasileira teve sua origem no período colonial e gradualmente
foi se desenvolvendo. Podemos citar alguns gêneros musicais desse período
que tiveram influência na formação da música popular brasileira. A modinha é
um deles e sofreu mudanças e influências musicais, deixando de ser uma
música que tinha algumas características da canção crítica, para ser uma
música com uma temática amorosa. Outro gênero importante para a canção
brasileira é o lundu. Este, também surgiu no período colonial e sofreu suas
modificações (NAVES, 2010). Mas é considerado o primeiro gênero afro-
brasileiro da canção popular e precursor do samba. Além destes, podemos
citar ainda a valsa brasileira, que passou de música instrumental para canção,
na virada do século XIX. A valsa brasileira se tornou mais popular e “música
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romântica por excelência, só sendo suplantada muito mais tarde pelo samba-
canção, que atingiu plenitude no final dos anos 1940” (NAVES, 2010, p.63).
O samba surge por volta dos anos 1910, através dos encontros que
aconteciam na casa de Tia Ciata, no Rio de Janeiro. Ganha força e
popularidade, com a primeira gravação de um samba, “Pelo Telefone” de
Donga, em 1917. Próximo de 1920, o samba sofre algumas modificações, tanto
em elementos musicais, incorporação e utilização de outros instrumentos
musicais, quanto em suas letras. (NAVES, 2010). Essas transformações no
samba também trouxeram mudanças na sua forma de cantar e
consequentemente a forma de se cantar a música popular brasileira, passando
a fazer uso dos parâmetros da fala e cada vez menos do vibrato, “valorizando a
articulação rítmica em detrimento da potência e da dramaticidade,
características da seresta e em que se observavam mais claramente as
influências do belcanto sobre a canção popular” (MACHADO, 2007, p.21). É
partir deste período, momento também do surgimento e expansão do rádio,
que está posto o canto à que esta pesquisa se refere, dentro da estética da
música popular brasileira urbana, tendo como principal veículo de distribuição
sonora inicialmente o rádio (PICCOLO, 2006).
Para definirmos a MPB, hoje, devemos considerá-la como um produto da história, um produto globalizado que, em decorrência da crescente competitividade e acirramento do mercado, verificada ininterruptamente principalmente a partir do surgimento do rádio no final da década de 1920, contribuiu para a profissionalização do canto popular. (PICOLLO, 2006; p.3).
Assim, a partir deste veículo de comunicação, se configurava um novo
momento para a música popular brasileira e, consequentemente, para o canto
popular. A competitividade começou a aparecer neste meio, em maior escala,
provavelmente, devido à abrangência que o rádio tinha e do que ele estava
representando nacionalmente, ou seja, as oportunidades que traria para o
mercado musical popular. Esta era uma grande oportunidade para o músico, o
cantor, “mostrar o seu talento”, fazer sua música, exercer seu ofício e ser
reconhecidos. “Na época em que o rádio se comercializa, a partir de 1931, ser
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músico e/ou cantor deixa de ser considerado um passatempo e adquire status
de profissão, cada vez com mais prestígio”. (SANDRONI, 1998, p.51 apud
PICOLLO, 2006, p.45).
Este período ficou conhecido como a época de ouro do rádio, em que
grandes intérpretes foram revelados, a exemplo de: Carmem Miranda, Dalva de
Oliveira, Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Francisco Alves, Orlando Silva,
Nelson Gonçalves, Cyro Monteiro, entre outros. Duas destas vozes aqui
citadas, foram fundamentais na construção do canto popular que hoje
conhecemos. São elas: Carmem Miranda e Orlando Silva. A pequena notável2,
incorporou à este canto, o elemento entoativo, onde a fala se fazia presente no
canto. Para isso, valorizava a articulação dos fonemas como também a
articulação rítmica musical, associando à sua interpretação um gesto vocal que
expressava o sentido da música e da poesia. E Orlando Silva, dono de uma
excelente afinação, aliada ao seu singular fraseado musical e refinação vocal, o
fez ser fonte de referência para muitos cantores da música popular,
posteriormente.
Nos meados dos anos 40, as rádios brasileiras passaram a veicular a
música norte-americana, que influenciaram os músicos e compositores
brasileiros. Tal influência se fez perceptível nas tensões encontradas nos
acordes do renovado samba-canção, que trouxe como principal acompanhador
dos cantores, a orquestra. Os temas das canções eram de cunho amoroso e a
utilização da região mais grave da voz configuravam novos rumos para o canto
popular. A partir de então, o samba sofre influência do bolero, e os cantores
procuravam valorizar seus timbres e o fraseado musical, buscando para a voz
uma elegância encontrada na canção norte-americana. Uma voz suave,
sensual e também entoada em regiões mais graves da voz. Assim, com esse
distanciamento do padrão sambístico, onde elemento entoativo sai de cena pra
dar lugar ao cuidado com a melodia, com a afinação, com a qualidade
trimbística e com a expressividade, os cantores passaram a se aprimorar
tecnicamente, muito embora de forma intuitiva.
Mais tarde, com a Bossa Nova, e através de João Gilberto, o canto
voltou a sofrer as influências rítmicas do samba, porém com rigorisidade
2 Um dos codinomes pela qual Carmem Miranda era conhecida.
21
técnica, tanto vocal quanto musical, em padrões rítmicos e entoativos advindos
da fala. Uma voz sem vibratos, uma busca pela afinação correta e a exploração
dos sons das palavras utilizados como elementos rítmicos, configurou uma
suposta simplificação na forma de se cantar a música popular brasileira. João
Gilberto ainda trouxe o redimensionamento do equilíbrio do volume sonoro das
vozes com os instrumentos, principalmente com o violão.
Já nos anos 60, com o rock, se estabelecem dois outros recursos
vocais: o grito e a estridência advinda da incorporação da guitarra elétrica
nesta música.(MACHADO, 2007). E, outros momentos foram marcantes na
MPB.
Aliás segundo nos escreve Piccollo (2006), a música popular brasileira, a
chamada MPB, foi assim intitulada apenas através do cantor Ary Barroso, por
volta de 1960, na contracapa do LP Bossa Nova, de Carlos Lyra. A sigla não
era designada a um estilo musical, nem a toda música brasileira e passou a ter
mais força na época dos Festivais da Canção, em 1965. Foi em 1966, a MPB
ou MMPB (Moderna Música Popular Brasileira), passa a ser entendida como
toda música feita no Brasil, afora o rock, blues, samba de raiz, brega e outras
músicas da velha guarda e, somente depois, abarcou toda a música que era
feita no Brasil e cantada em português.
O samba, o samba-canção, a bossa nova, a música de seresta, o forró,
a música de protesto, a música romântica, o rock nacional, entre outros, além
dos movimentos da MPB, como a jovem guarda, a tropicália, a era dos
festivais; cada um trouxe novas visões e conceitos no seu modo cantar, no
modo de tocar, nas formações instrumentais e nos arranjos. Assim como
também novos nomes foram surgindo e grandes vozes foram reveladas, à
exemplo de Elis Regina, Elza Soares, Maria Bethânia, Gal Costa, Milton
Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso. Afora, os
compositores que também foram revelados cantores, como: Chico Buarque,
João Gilberto, Tom Jobim, Dorival Caymmi e inúmeros outros.
Graças à indústria fonográfica, grande parte dessa história está devidamente registrada, possibilitando um estudo dos referenciais estéticos nos diferentes momentos da canção industrializada, não apenas no que se refere à execução vocal, mas também à utilização
22
de determinados tipos de acompanhamento instrumental que redimensionam as concepções de arranjo, bem como a relação da voz com os instrumentos acompanhadores. (MACHADO, 2007, p.21).
E em meio a esta indústria midiatizada, a música popular do Brasil, teve
como aliada, os dois principais e grandes meios de comunicação, para a sua
difusão. Por volta dos anos 1920 até 1960, o rádio, como já mencionado acima,
era o principal divulgador da música brasileira. Em seguida, a televisão
“suplantou o rádio como meio de comunicação; no caso da música popular,
esse processo sem dúvida teve início com os festivais da canção da segunda
metade dos anos 60.” (NAVES, 2010, p.7).
A televisão por sua vez, acabou trazendo uma outra consciência para os
intérpretes e inovações à sua prática. “A performance dos cantores passou a
ser vital na complementação da expressão vocal, pois a música já não era
apenas som, mas um espetáculo cênico transmitido pelo grande veículo da
época.” (MACHADO, 2007, p.27). Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa,
são as referências em performance, em virtude do movimento tropicalista - do
qual faziam parte - que objetivava ser inovador na música e na forma. Porém,
Elis Regina e Maria Bethânia, são as referências em performance vocal e
cênica neste período. (MACHADO, 2007).
Tanto uma quanto outra faziam uso da voz a serviço de uma expressão dramática, ignorando qualquer tipo de comportamento vocal preestabelecido, e não aceitando nenhum dos inúmeros rótulos que a indústria fonográfica e a própria crítica quiseram lhes impingir. Considerando ainda a questão da performance, seriam exatamente elas a iniciar uma transformação no espetáculo musical, incorporando ao show elementos da linguagem teatral, inclusive a própria direção cênica. (MACHADO, 2007, p.29)
Assim o canto popular se configura na história da música popular
brasileira, surgindo junto à esta música e passando por várias modificações,
mediante aos transformações musicais, e também se adaptando às
necessidades deste mercado. O canto popular de hoje é fruto desse processo
23
histórico que resumimos rapidamente. Sua prática interpretativa foi
transformada com o passar dos movimentos e momentos da música popular
brasileira e atualmente, apesar da grande diversidade de estilos e formas de
cantar, há algumas questões sobre o cantor popular que podem ser
generalizadas.
Piccolo (2006) levanta que o canto popular é assim denominado em
função da sua prática interpretativa. Há outros aspectos importantes para a
prática de um cantor popular, que serão abordados ao decorrer deste tópico,
mas a questão da interpretação da canção é ponto chave dessa pesquisa. Por
isso antes de entendermos o que é interpretação e os outros pontos
pertinentes ao canto popular, vamos buscar definir o que é canção, para que
compreendamos todo o contexto que o cantor popular está inserido. Segundo
alguns autores a canção, junção de melodia e letra, se compõem no núcleo de
sentido da música popular brasileira (MACHADO, 2007).
Mais uma vez ficou provado que o êxito da música popular depende e quase exclusivamente do valor intrínseco de sua melodia e da graça e inspiração de seus versos. Arranjos, gravações trabalhadas, etc., naturalmente ajudam... mas são simples acessórios... (Almirante. No tempo de Noel Rosa cit. In A Canção - eficácia e encanto. p. 1 apud MACHADO, 2007, p.29.)
E, Tatit (1986) comunga da mesma ideia e acrescenta, nos
dizendo que:
Se pedirmos a alguém que cantarole uma canção para que a possamos identificar, certamente ouviremos uma linha melódica com trechos da letra ou talvez uma declamação de versos acompanhada de fragmentos melódicos. O próprio registro autoral de uma composição incide sobre os versos e o contorno melódico emitidos pela voz do cantor. A harmonia, o arranjo instrumental e a gravação, ainda que fundamentais, são trocados ou alterados a cada versão apresentada. Pelo menos tem sido assim na história da música popular brasileira, e só assim, podemos compreender a observação de Almirante que captava, neste núcleo de identidade da canção, o seu principal núcleo de sentido. Como se este sentido pudesse ser anterior ou até independente do enriquecimento introduzido pela
24
harmonia, pelo arranjo e pela gravação. (TATIT, 1986, p.1 apud MACHADO, 2007, p.30).
Assim a canção popular brasileira se forma com a letra e melodia, numa
comunhão ordenada e sincronizada e é através dela que o cantor popular
trabalha a sua interpretação. Diniz (2001), coloca que “música e palavra estão
intrinsecamente ligados e tensionados na interpretação da canção, tendo a voz
como o seu grande mediador.” (DINIZ, 2001, p.212, apud, PICCOLO, 2006,
p.83).
Aragão (2011), diz que:
A interpretação coloca o artista diante da pedra, da tela ou dos sons, como diante de um espelho, de onde ele pode se observar e modelar a imagem que ele vê para corresponder à imagem que tem de si próprio, internamente [...] Nenhuma obra de arte existe sem a interpretação [...] Na verdade, a interpretação é um processo de fusão do artista com sua obra. Obra e artista revelam-se um ao outro ao longo da estrada e, neste intercâmbio, ambos são transformados. Através da obra, o artista se desenvolverá e desenvolverá a obra num processo de realimentação. O intérprete recriará a obra à sua própria imagem. O verdadeiro intérprete sempre será um criador [...] a música será sempre uma representação de sons, enquanto não forem submetidos aos processos de interpretação. (ARAGÃO, 2011, p.16)
O cantor popular precisa interpretar e sua interpretação deve ser
surpreendente, deve trazer o novo para a música executada mostrando sua
personalidade. Este necessita observar a sua sonoridade, timbre, na busca de
formar sua personalidade vocal, sua identidade, sua “marca”. Deve procurar
enaltecer certas características da sua voz que a faça ser reconhecida
facilmente (GOULART, 2001). Piccolo (2006), escreve sobre a importância da
utilização de alguns recursos interpretativos, que fazem toda a diferença na
performance do intérprete, quando este faz uso de improvisações rítmicas,
melódicas, de variados gestos vocais, da utilização da voz falada. Tais
recursos podem contribuir para a construção da personalidade vocal e são
variações presentes e bem características no canto popular (GOULART, 2001).
Porém, além destes aspectos, há um outro, bem subjetivo, mas relevante neste
25
contexto, é a emoção. O intérprete deve estar atento a ela. Pois, é importante
na música popular que o ouvinte se emocione por meio da interpretação do
artista. A técnica, o domínio vocal, uma linda voz, provavelmente não se
sobreporá a uma performance carregada de emoção e verdade no que diz,
para o ouvinte (PICCOLO, 2006).
Ainda sobre interpretação e emoção, Luiz Tatit, em seu livro, Musicando
a semiótica: ensaios coloca que:
Sabemos que não há nada mais gratificante ao ouvinte que sentir que o intérprete de uma canção disse tudo. Mais que isso, que ele “disse realmente” durante o tempo da interpretação. Que ele não era um ator, mas o sujeito real de todos os sentimentos, eufóricos e disfóricos, transmitidos por sua emissão vocal. Quem ouve sabe que as emoções ou os conteúdos registrados naquela emissão, foram criados num tempo passado, no entanto, a presença física da voz sustenta a crença de que tudo está sendo fielmente reproduzido, ou melhor, passado a limpo durante a interpretação. Quem canta sabe que se não recuperar aos conteúdos virtualizados na composição, durante o período da execução, deixando transparecer uma inegável cumplicidade como que está dizendo (o texto) e com a maneira de dizer (melodia), simplesmente inutiliza o seu trabalho e se desconecta do ouvinte.” (TATIT, 1997, p.88).
Dessa forma a interpretação por parte de um cantor popular é bem
sucedida quando o discurso da música é ouvido pela plateia como verdade por
parte do intérprete. A música tem uma relação com seu ouvinte, com seu
público. Uma relação de comunicação que se dá através do intérprete, que vai
levar às pessoas a mensagem que a música traz nela. Esta mensagem é a
emoção que está na interpretação do artista. (ARAGÃO, 2011).
Machado, (2007) corrobora com ideia de que a música comunica e,
resume alguns aspectos já levantados quando escreve que
... o cantor trabalha com a emissão equilibrada dos componentes melódicos e lingüísticos, pois da junção desses elementos com os conteúdos sonoros da própria voz que canta é que se dá a comunicação com o ouvinte. Na canção popular, a relação entre o conteúdo do texto com a melodia confere ao intérprete um papel definitivo na expressão dessa junção, cabendo ainda ao cantor somar a essa explicitação emotiva as características vocais, bem como o carisma pessoal, visto que a canção popular tornou-se também um
26
ambiente de realização cênica. Esteja ele inserido na grande mídia ou não, o cantor carrega, associadas à sua voz, a sua imagem e história pessoal, criando um elo de paixão com o ouvinte. (MACHADO, 2007, p. 17).
A canção como o núcleo de sentido da música popular, a interpretação
como processo de fusão do artista e da obra, a personalidade do cantor
popular, os recursos interpretativos, os componentes melódicos e linguísticos.
Ainda, a emoção como ponto central da interpretação, a verdade no discurso
interpretativo como fonte de conecção com o ouvinte, assim como o carisma
pessoal, a imagem, a história pessoal do cantor também corroboram para que
se crie o elo entre plateia e intérprete. Estes são pontos chaves no canto
popular. No qual o cantor popular precisa estar atento à estas questões, se
valendo destes, para que se construa como tal.
2.2. Canto popular e seu ensino/aprendizagem
Mas, diante da multiplicidade do cenário descrito anteriormente, surge
uma questão. Como o cantor popular aprende seu ofício? Veremos agora como
se dá seu ensino/aprendizagem, segundo alguns professores de canto popular
e também, pesquisadores da área.
Queiroz (2009), diz que “a pedagogia se preocupou muito mais em usar
o canto que realmente ensinar o canto.”(QUEIROZ, 2009, p.58). É justa a sua
afirmação, pois não há tradição no ensino da música popular e também “não há
tradição em pesquisa de canto popular, tampouco em canto popular brasileiro,
também não há especialista”. (PICCOLO, 2005, p.2). Segundo Machado (2007)
e Piccolo (2006), o cantor da música popular, em geral, aprendeu sua prática
de forma intuitiva, por imitação, pois não existia um método do canto popular;
também não se sabe ao certo, mas a procura por parte deste cantores, por
aulas, em busca de seu aprimoramento, não acontecia de forma esfervescente
e também não havia professores específicos, neste sentido. Só a partir dos
anos 1980, o mercado passa a ser mais exigente e a procura por estas aulas
ficam mais intensas. A partir de suas pesquisas, Picollo (2006) constatou que:
27
Principalmente a partir da década de 1980, intérpretes consagrados e iniciantes vêm procurando professores de canto popular para aperfeiçoar suas habilidades e saúde vocal, o que impulsionou – ou foi impulsionado por ele – o surgimento desses profissionais do ensino. (PICOLLO, 2006, p.4).
Segundo a autora, mesmo surgindo os professores de canto popular,
como não havia pesquisa na área, não era possível que houvesse uma
formação docente capaz de suprir a necessidade técnica específica que o
canto popular exigia, nos moldes da estética da música popular brasileira. O
que existia era a técnica de canto lírico, adaptada pelos professores para o
canto popular, por entenderem que o processo fisiológico é o mesmo.
No caminho de conhecimento e desenvolvimento técnico da voz, o trajeto percorrido é, hoje em dia, bastante semelhante para ambos, divergindo, no entanto, nos objetivos estéticos pretendidos, pois os ideais pregados pelo belcanto não são adequados à canção popular, cuja emissão se processa próxima à fala, evidenciando a relação entre texto, melodia e articulação rítmica, bem como o emprego de vocalidades que reforçam a construção dos sentidos. (MACHADO, 2007, p.14).
Diante disso, fica claro que o canto popular precisa ter sua própria
técnica, sua própria metodologia. As diferenças dos objetivos e finalidades que
se tem para cada um destes estilos de canto são realmente contrastantes. O
lírico prioriza o virtuosismo vocal, a extensão da voz, preocupando-se muito
mais com o alcance, a projeção, os contornos melódicos. Também o cantor
lírico geralmente não faz uso do microfone, precisando assim, que a sua voz
tenha um grande volume e projeção, para que possa se fazer ouvir em amplos
espaços. E diferentemente do erudito, o popular faz uso quase que constante
do microfone, como recurso de ampliação da voz, por ser um canto, como já
dito, mais próximo da fala. Ainda, o cantor popular tem uma relação estreita
com a letra da música, pois não há canção popular sem um poema, poesia ou
texto. Então, a dicção ou a articulação deste cantor precisa estar clara, nítida,
28
para que o público entenda exatamente as suas palavras, compreendendo
assim o sentido geral do texto.
Sobre os contrastes e as diferenças dos objetivos e finalidades que se
tem quanto ao ensino para cada um dos estilos de canto, Picollo (2006)
problematiza mais ainda estas questões. Diz que alguns alunos do canto
popular, que tentaram aplicar a ‘técnica adaptada’ por seus professores, na
prática sentiram certa dificuldade, principalmente quando as suas referências
eram os consagrados cantores da MPB.
Hoje, após alguns anos do surgimento desta problemática, o interesse
pela realização de novas pesquisas, estudos que envolvem diretamente o
canto popular e seu ensino, inclusive dentro das universidades brasileiras, está
aumentando. Muito embora a área continue carente em literatura que abarque
temas fundamentais para que se evolua cientificamente e assim possa nortear
à prática.
Assim como acontece na literatura a inserção do canto popular como
disciplina das graduações em música ainda é tímida. Através de uma pesquisa
realizada por Queiroz (2009), em sua dissertação de mestrado, intitulada Canto
Popular – pensamentos e procedimentos de ensino na UNICAMP, foi
constatado que apenas 15,4% de 65 instituições de ensino superior em música
no Brasil tem canto popular mas ainda nem todas com ensino exclusivo e
dissociado do canto erudito ou como uma habilitação exatamente. Houve sim a
implantação ou adequação do canto popular a partir dos anos 1990, nos
currículos de alguns destes cursos de música mas nota-se que este processo é
lento.
Esta situação já vem sendo discutida pelos professores da área há
algum tempo, principalmente porque o ensino/aprendizagem do canto popular
já é uma realidade fora das universidades e com maior extensão. Mas para que
esta prática pedagógica continue acontecendo e com mais qualidade, com a
possibilidade de criação de métodos, de uma sistematização de ensino, da
criação de uma escola, há a necessidade de que se formem professores de
canto popular nas universidades.
29
A necessidade de um maior tempo de estudo para a formação do cantor, a importância da formação do professor, a demanda pelo ensino, o mercado de música popular no Brasil e no mundo, a crescente profissionalização de todos os envolvidos, a curiosidade dos nossos profissionais - apesar de todas as adversidades -, a necessidade de um maior aprofundamento em todas as questões relativas à técnica, estilo, ensino/aprendizagem, tudo isto, ao nosso ver, aponta para a sistematização do ensino do canto popular e seu ingresso na Universidade.(PICCOLO, 2006, p.51).
Segundo Piccolo (2003) apud Piccolo (2006) os professores Felipe
Abreu, Regina Machado e Clara Sandroni, também comungam da mesma ideia
e propõem algumas abordagens pedagógicas.
Sandroni (1998, p.16) é uma das que defendem o curso superior em canto popular: “imagino que numa Universidade de Música Brasileira, da mesma forma que instrumentistas, arranjadores e maestros estudariam os gêneros brasileiros (...), os cantores estudariam os estilos e técnicas de canto referentes a estes géneros”. Que incluiria o estudo dos estilos dos cantores brasileiros: Estudaríamos os estilos de canto de nossos grandes intérpretes como Aracy Cortes, Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Mário Reis, Dalva de Oliveira, João Gilberto, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Milton Nascimento, enfim, os exemplos não acabam e o assunto é imenso. Os cantos regionais, o malabarismo das emboladas, as harmonias vocais dos sertanejos, as heranças culturais européias, africanas, indígenas e muitas outras. (ibid., p.17).(SANDRONI,1998, p.16, apud, PICCOLO, 2006, p.51).
Regina Machado diz que
... o aluno não só trabalhará a questão da técnica vocal como também entrará em contato com a trajetória histórica da nossa canção, compreendendo o desenvolvimento técnico e estético percorrido pela voz na canção brasileira [...] e assim irá acordar a memória cultural da nossa história... (Regina Machado in CASTRO, 2002, p.20, apud, PICCOLO, 2006, p.51).
Ainda, Machado (PICCOLO, 2003, apud, PICCOLO, 2006), diz que a
escola do canto popular, existe de forma natural, mas que não há
30
sistematização. E Sandroni (PICCOLO, 2006), diz que não há esta escola.
Felipe Abreu (PICCOLO, 2003 apud PICCOLO, 2006) nos fala que a escola
não há dentro de uma perspectiva formal, mas que de maneira informal sim. E
nos traz algumas orientações quanto à construção desta escola:
1) na pesquisa permanente e divulgação dos princípios anátomo-fisiológicos da voz falada e cantada, como a laringologia, a fonoaudiologia e o canto os definem. 2) na aceitação de que sempre co-existirão estéticas distintas no que se refere aos vários cantos populares brasileiros, e que isso é natural e benfazejo. 3) no dar-se conta de que o empirismo não pode substituir o conhecimento científico e técnico. 4) no dar-se conta de que uma metodização da técnica não pode ser um "gesso" artístico, "mumificando" as experiências e descobertas individuais e de grupos, no que se refere à estética vocal 5) na ideia de que a técnica vocal existe para SERVIR à arte vocal, e não é um fim em si mesma 6) no fato de que o objetivo final de qualquer técnica vocal é salvaguardar a saúde vocal do indivíduo e dar-lhe as ferramentas para conseguir atingir seus objetivos artísticos. 7) na percepção de que só haverá uma relativa unificação de métodos em canto popular quando houver uma demanda acadêmica nesse sentido. (ibid., p. 86) (PICCOLO,2003, apud, PICCOLO, 2006, p.52).
Segundo Queiroz (2009), em sua análise ao ensino de canto popular na
UNICAMP, nos conta que o curso apesar de ser voltado para o canto popular,
ainda tem algumas lacunas dentro de sua estrutura curricular, para atender às
necessidades do graduando. “Na Unicamp, o aluno de canto tem que procurar
por fora em aula de dança ou de teatro elementos que contribuam com sua
performance de cantor, pois o curso não oferece este tipo de
‘disciplina'”.(QUEIROZ, 2009, p. 54).
Portanto, vê-se que a escola de canto popular está ainda se
estruturando, muito embora se faça presente dentro das universidades. O que
é um ponto muito positivo e uma grande conquista, conseguir inseri-lo na
academia, mesmo que a área ainda esteja experimentando o seu processo
pedagógico. Mas o seu ingresso em nível superior, é justamente, como
disseram alguns autores acima citados, a forma que encontramos, para
formularmos e construirmos sua pedagogia, metodologia e sistematização.
Assim como obteremos mais avanços em pesquisas, em publicações
31
pertinentes à área, para que a realidade atual onde “há uma carência de
referências e uma abundância de autodidatismo e empirismos” (QUEIROZ,
2009, p.25) seja revertida.
3. O processo de desenvolvimento interpretativo do cantor
popular
Neste capítulo, apresento o material coletado na pesquisa e os
correlaciono com a literatura da área. Esta discussão visa fazer uma análise
crítica a fim de trazer dados que vejo como relevantes para o canto popular,
tanto para a sua prática quanto para a sua aprendizagem. Como citado no
primeiro capítulo da presente monografia, realizei um estudo de caso baseado
em entrevistas semi-estruturadas. Foram entrevistados três cantores com
atuação na cidade de João Pessoa.
As entrevistas foram realizadas em João Pessoa/PB, nas dependências
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus I. Antes destas, realizei
um piloto (entrevista teste), a fim verificar a validade das perguntas. Após isso
algumas destas foram reformuladas. O roteiro das questões está no apêndice
dessa monografia.
Para a coleta de dados, as questões éticas foram observadas. O
anonimato dos entrevistados foi respeitado, por isso optei por usar os nomes
fictícios: Pedro, Paola e Gabriel. Ainda, todos os entrevistados assinaram um
termo de consentimento, que representa uma segurança para o pesquisado e
para o pesquisador, que consta nos apêndices desta monografia.
3.1. Conhecendo os cantores e sua prática
Os entrevistados para a realização desta pesquisa foram, como já
mencionados anteriormente, cantores profissionais da música popular
brasileira, que possuem uma vivência diferenciada na área, e estão,
atualmente, inseridos no mercado musical da cidade de João Pessoa/PB.
Pedro canta profissionalmente há 20 anos. Paola possui
aproximadamente 9 anos de experiência profissional e, Gabriel, que tem uma
32
carreira mais recente, vem há 3 anos atuando neste mercado. Essas
diferenças de tempo em suas atuações profissionais podem ser consideradas
como positivas para a presente pesquisa, visto a possibilidade de haver uma
maior riqueza em seus depoimentos, justamente por conta dessa diversidade
de experiências.
Pedro começou sua carreira na formação de voz e violão (cantando e
tocando) e segundo ele foi o que o manteve finaceiramente no início. A
utilização dessa formação, voz e violão, é uma prática muito comum no cenário
da música popular brasileira. É uma atividade que, em geral, é realizada em
bares, festas particulares, eventos, em que um músico toca o violão e canta ao
mesmo tempo. Também ocorre quando um cantor contrata um violonista para o
acompanhar ou vice versa. Pedro, assim como muitos cantores, iniciou sua
prática nessa formação, mas logo depois, segundo ele quando passou a cantar
melhor, foi vocalista de bandas que tocavam samba, forró (nomes não
específicados) e cantou em um coral. Recentemente, há cinco anos, começou
a dar aulas de canto popular e cursa Licenciatura em Música. Segundo seu
depoimento, sua prática musical transita entre a chamada MPB e mais
especificamente o samba.
Paola também passou por experiências similares a Pedro. Cantou em
coral de igrejas, em banda de forró, banda baile, voz e violão (acompanhada de
um violonista), formou bandas e participou de dois programas de canto na
televisão em rede nacional, onde teve boa repercussão. Hoje tem sua banda
(nome e gênero musical não específicados), e faz várias participações em
shows de amigos. Paola se coloca como cantora de samba, por ser este o
gênero musical com o qual mais se identifica.
Gabriel participou de alguns corais, fez voz e violão (cantando e
tocando), cantou em bandas, participando de alguns festivais, eventos
fechados e hoje canta também em barzinhos. Seu estilo musical permeia o
rock, a MPB, o soul e o samba rock.
É interessante perceber que os três cantores, apesar de terem tempo
de carreira diferente fizeram apresentações em bares com voz e violão. Esse
cenário apresentou-se nessa pesquisa como um importante local de
estruturação da carreira do cantor popular. Além disso, os três participaram de
corais e cantaram em bandas, práticas comuns na formação do cantor popular.
33
3.2. O processo de construção da interpretação
Depois de conhecer os sujeitos e expor suas práticas enquanto
profissionais do canto popular, coloco agora dois subtópicos que irão abordar
como foi o processo de aprendizagem e de construção da interpretação destes.
3.2.1. Aprendizado do canto popular
A questão da formalização do ensino do canto popular através de aulas
apareceu vivenciada de formas diferentes pelos entrevistados. Pedro não teve
aulas de canto durante muito tempo da sua vida profissional e relatou que
inicialmente aprendeu a cantar sozinho, fazendo voz e violão.
(...) no início eu não tive aula de canto não. Fui aprendendo sozinho...é...tentando pegar o tom mesmo na marra, fui aprendendo do meu jeito assim, cantava pouquinho e tal (...) tinha uma razoável afinação, foi melhorando, treinando o ouvido, mas eu demorei pra ter aula de canto. (Pedro)
Iniciou suas aulas de canto depois que estava atuando há 10 anos
profissionalmente. Ele contou que fazia o curso de arquitetura e passou a
cursar umas matérias optativas no curso de música, pois sentiu a necessidade
de se aprimorar enquanto cantor. Mas a aula era canto erudito e, portanto, não
correspondia ao estilo musical que ele praticava. No entanto afirmou que
nessas aulas aprendeu alguma base de técnica de respiração que lhe serviu à
sua prática.
Pedro só veio ter contato com aulas de canto popular, quando começou
a cantar samba e optou por fazer aulas numa escola voltada para o samba e o
choro no Rio de Janeiro. Mas ainda não era uma aula concentrada na técnica
deste estilo, mas sim, na prática do repertório, segundo relatou, se aprendia a
cantar melhor a partir das dificuldades de cada canção trabalhada.
34
Em paralelo trabalhou com uma preparadora vocal que explorava um
pouco de técnica e cena para o canto popular, mas, as aulas eram voltadas
para cantores da música pop. Em seguida Pedro ingressou no curso superior
de canto erudito onde passou três semestres, migrando após isso para o curso
superior de licenciatura em música, onde está atualmente e cursa a disciplina
de canto popular, já há 4 anos.
Já Gabriel e Paola não fizeram aulas de canto. Como dito anteriormente
os três participaram de corais e em meio os ensaios aprenderam algo a mais
sobre canto, com preparadores vocais. Mas, Gabriel disse que sente falta de
uma aula de canto, tanto para melhorar a técnica vocal quanto para a
interpretação no palco.
(...) aula de canto seria importante pra alcançar alguns registros que eu não alcanço (...) de como chegar talvez em algumas notas que eu não consigo. Gostaria de fazer isto. Tenho forçado muito (...) como intérprete, aí num vai muito a questão do canto, mas a parte da interpretação, eu sou muito travado (...) eu não sou muito de me jogar (...) normalmente como eu canto e toco, às vezes eu me valho disso. Ás vezes eu to sem o instrumento na mão eu fico sem saber como, né? Então fica a mão no microfone, no pedestal, sem saber o que fazer. Então essa parte da interpretação pra mim, às vezes, compromete um pouco, né? Ás vezes, eu fecho o olho e me deixo levar. Mas a parte de como se portar, da expressão corporal, eu acho muito limitada minha. (Gabriel)
E Paola contou que sente muita falta de uma aula de respiração, embora
não tivesse certeza que este tipo de aula existisse. Ela acha que uma aula de
respiração poderia ajudá-la a alcançar notas agudas que geralmente tem
dificuldades em executá-las. Também aulas que a ensinasse a ler partitura
melhor, solfejar e orientá-la na questão da afinação para desafinar menos. E
ainda fala:
(..) eu sou muito coração (...) eu sinto necessidade mesmo de fazer uma aula de canto, pra saber realmente se eu to fazendo certo (...) que muita gente gosta, mas pode ser o errado, entendeu? Pra ser melhor, eu sinto total necessidade disso. (Paola)
35
Gabriel e Paola disseram que sentem falta de aulas de canto popular
para se desenvolverem mais enquanto intérpretes. Piccolo (2006) traz em sua
dissertação intitulada O canto popular brasileiro: uma análise acústica e
interpretativa, depoimentos de cantores, que relataram sobre a necessidade
que tinham em ter aulas de canto, a fim de melhorarem a sua prática. Assim
como Gabriel e Paola, estes cantores sentiram em um determinado momento
da vida profissional deles que precisavam melhorar. Identificaram o que não
conseguiam aprimorar sozinhos e procuraram um professor de canto para
orientá-los em suas necessidades enquanto intérpretes. “... a técnica vocal
pode ajudar o profissional a disponibilizar recursos que ele muitas vezes tem,
porém não o usa em conformidade com determinada prática”. (PICCOLO,
2006, p.61).
Mas, Gabriel também tocou em outro ponto importante para o cantor, a
performance em palco. Muitos cantores apresentam dificuldades com relação à
forma de se portar no palco. Tanto os que “só cantam” como os que cantam e
tocam, como é o caso de Gabriel.
O cantor é um artista do palco e ele precisa a aprender a estar no palco, precisa aprender sobre aquele espaço de ritualização, coisa que o ator e o bailarino têm consciência, mas o cantor muitas vezes não, devido a sobrecarga de informação técnica e muitas vezes a uma limitação de pensamento. (Regina Machado in QUEIROZ, 2009, p.53).
Esta também deve ser uma preocupação da aula de canto popular e
atualmente existem algumas propostas metodológicas que direcionam a
aprendizagem da performance para o cantor popular. (LATORRE, 2002,
QUEIROZ, 2009, GOULART, 2001) Porém, o cantor que está no palco, utiliza
elementos que advém de outras artes, como a dança, o teatro e que, em geral,
não estão presentes, como deveriam, nos conteúdos das aulas deste canto.
Neste caso, o aluno muitas vezes tem que procurar outros profissionais.
Portanto, mesmo quem está inserido no contexto de aprendizagem formal do
36
canto popular, encontra dificuldades em reunir os conhecimentos necessários a
esta prática. (QUEIROZ, 2009). Com essa descrição percebemos que há uma
lacuna na formação dos profissionais deste ensino.
Como não há uma tradição em pesquisa da técnica popular de canto no país e, menos ainda, de canto popular brasileiro, também não há especialistas nessa área. Ou seja, não há um treinamento formal para o professor de canto que considere as especificidades do canto popular brasileiro e, mais especificamente, a MPB. (PICCOLO, 2006, p.5).
Em virtude disso, há a necessidade de sistematizar este ensino, com
metodologias, propostas pedagógicas, pesquisas, publicações, de criar uma
escola e isso só acontecerá com a inserção do ensino do canto popular nas
universidades, não só como disciplina do curso de música – como vem
ocorrendo e em curta abrangência - mas como curso superior, para que se
formem professores especializados na área. (PICCOLO, 2003, apud PICCOLO,
2006).
(...) quando a aprendizagem passa a ser realizada também através do ensino formal, ela passa a ser fruto do conhecimento de quem ensina também. O professor, portanto, tem a responsabilidade de transmitir um conjunto de ideias sobre o canto popular que esteja de acordo com seu modo de fazer. O fato de que a música popular tem sido aprendida por meios não formais, não quer dizer que ela não possui características muito bem definidas. (PICCOLO, 2006, p.49).
Contudo, a realidade de quem está cursando música em uma
universidade que tem a disciplina de canto popular, como é o caso de Pedro e
a outra de quem nunca teve aula de canto, como Gabriel e Paola, traz à prática
destes cantores suas diferenças. Como foi o caso de Gabriel e Paola que não
tiveram aulas de canto, sendo estas, para eles, o caminho para o
desenvolvimento interpretativo. Enquanto Pedro que já estuda canto há alguns
anos, disse que a rotina é o meio pelo qual ele continuará a se desenvolver
37
como intérprete, pois precisa pôr em prática o que vem aprendendo nas aulas.
A questão da rotina que Pedro colocou como forma do seu desenvolvimento
interpretativo, remete as autoras Machado (2007) e Piccolo (2006), quando
trazem o fato de que os grandes cantores da música popular brasileira se
aprimoraram enquanto intérpretes por meio de suas vivências profissionais, na
prática. Portanto, percebe-se que a aprendizagem advinda da prática
profissional e aprendizagem proveniente do ensino formal, são, segundo os
relatos dos entrevistados, como também segundo alguns estudos,
complementares e fundamentais para o desenvolvimento do cantor popular.
É interessante perceber que os cantores entrevistados, por mais que
tenham níveis diferentes de experiência profissional e de aprendizagem,
souberam identificar neles o precisam para serem melhores intérpretes, para
exercerem melhor seu ofício. Muito embora não tenha sido levantada por eles,
a questão da saúde vocal, finalidade primeira da técnica vocal, parte relevante
para o desenvolvimento do cantor popular que deseja prolongar o tempo útil da
sua voz direcionada à sua prática profissional. (PICCOLO, 2006; MACHADO,
2007; LATORRE, 2002; QUEIROZ, 2009).
3.2.2. A interpretação da canção
A partir deste tópico começo a desdobrar e aprofundar o foco da
pesquisa. Cada um dos entrevistados tiveram diferentes abordagens sobre
esta questão da interpretação e isso foi importante pois trouxe vários pontos a
serem observados sobre a performance no canto popular, mostrando a
pluralidade desse tema. No entanto, Gabriel, Pedro e Paola, falaram da
interpretação como algo indispensável ao cantor popular.
Com relação à interpretação, Gabriel disse que:
Às vezes é uma canção que só tem um vocalize ou só precisa balbuciar sílabas, e ás vezes ela te traz um significado exatamente pela interpretação. Tem algumas pessoas que conseguem fazer de uma coisa simples, algo majestoso. Algo genial. Aí como fazer isso, aí envolve muito da capacidade vocal daquela pessoa que ta fazendo e talvez do arranjo, dos músicos, que ta fazendo tudo aquilo, e da emoção que ela tá passando, né, naquela canção. (Gabriel)
38
Pedro é mais enfático e coloca que a interpretação é:
(...) um coroamento de (...) um monte de coisa técnica que você traz dentro de você, da música, da canção, do compositor. Então a interpretação é aquele fechamento fino (...) do seu produto, que vai fazer aquela música (...) ser mais importante pra você, vai ser pras outras pessoas. E te colocar como uma pessoa especializada pra fazer (...) aquela função de interpretar aquela canção. Fazer ela acontecer de uma maneira (...) refinada, um refinamento da canção. Então a interpretação vem nesse ponto aí, o ponto (...) de fazer o produto final da melhor maneira possível. De você não ser mais um cantor daquela música, né? Se você não tiver essa capacidade de ser esse intérprete, então de repente, é melhor você passar pra outra canção ou mudar de profissão! (Pedro)
E Paola resume:
(...) interpretação é tudo! É o jeito como você se comunica com as pessoas que querem te ouvir. Então, seja através da música, seja através da letra, seja através da sua postura de palco, interpretação é tudo. É o show, é o seu trabalho, é a sua identidade. (Paola)
Cada um vê a importância da interpretação no canto popular de uma
forma um tanto diferente. Mas, apenas Paola disse que a interpretação é tudo,
corroborando com a ideia de Piccolo (2006), que diz que o canto popular assim
se qualifica em função do exercício da interpretação. E diante destes relatos
gerais acerca da interpretação, faz-se necessário adentrar mais
especificamente neste tema, segundo as vivências, impressões, definições dos
cantores entrevistados e mediante a literatura da área, pretendendo traçar um
paralelo entre ambos. Vários pontos levantados por eles corroboram com
descrições de outros estudos, apontando importantes questões sobre esta
prática do cantor popular. Tais pontos foram:
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a) a relação do intérprete com o sentido que o compositor quis dar à
sua canção;
b) a necessidade de o canto popular fazer a música "ser sua”, isto é,
dar veracidade ao discurso poético-musical para atingir o público;
c) a emoção presente no ato de cantar;
d) a criação da personalidade do intérprete, que deve interpretar à
sua forma, criando e recriando de seu jeito.
E a partir destes pontos destacados, se desdobrará o tema proposto.
Pedro falou da importância da melodia e da letra da canção e disse que
interpretar
é como fazer sua letra ficar mais clara e ao mesmo tempo não necessariamente. É fazer a letra ficar da maneira que o compositor quer, mas fazer ela ficar da maneira que o cantor consegue, (...) deixar ela melhor (...) acho que interpretar é a função do cantor! (...) os grandes intérpretes faziam do jeito que tinha que ser, respeitavam melodia e tal, mas chegava um determinado momento que ele se apoderava da canção pra ele (...) Uma grande intérprete que eu considero que é Elis Regina (...) Às vezes quando você tá cantando, vem alguém te pedir uma canção da Elis Regina (...) Sendo que ela não é uma compositora (...) então é um pouco isso, acho que é se apoderar da canção da melhor maneira que conseguir e adaptando pra isso tudo o que você tiver que fazer. Vai mudar o ritmo, o andamento (...) Interpretar pra mim é isso, trazer a canção mais próxima do ouvinte. (Pedro)
Podemos perceber no depoimento de Pedro várias questões levantadas.
A primeira diz respeito a relação autor e intérprete. Ele inicia afirmando que o
sentido da letra deve ser o do compositor, mas logo em seguida passa na sua
reflexão à questão do apoderamento do sentido pelo intérprete. Portanto, para
Pedro, interpretar é em suma comunicar o sentido da música, da canção, dada
pelo compositor, como também por ele, às pessoas. Na literatura essa
discussão é apontada por Latorre (2002), Aragão (2011) e Tati (1997) quando
mencionam que o intérprete deve atentar, a princípio, para o significado que o
compositor deu à sua música, para em seguida, colocar suas impressões na
mesma e assim construir o sentido geral da canção, que será transmitida ao
público através da sua interpretação. Vale ressaltar que além da questão do
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compositor e autor, ao final de seu depoimento Pedro acrescenta um terceiro
elemento a esse eixo da interpretação que é a plateia, o ouvinte como ele
denomina. Ao colocar o público como finalidade da interpretação, entra em
questão a relação do intérprete para com ouvinte. A música pode exercer uma
função de comunicação para levar ao público a mensagem que o compositor, o
intérprete deseja passar através de todos os recursos existentes nela, sejam os
melódicos, rítmicos, harmônicos, seja por meio do texto da canção e através
das pausas, que configuram os momentos de silêncio numa música. E, “a força
da comunicação atribuída à música, está na realidade, na interpretação do
artista”. (ARAGÃO, 2011, p.15) A música é um meio de comunicação, não a
comunicação em si. O intérprete é o veículo desta comunicação. (ARAGÃO,
2011).
(...) a música é um veículo de comunicação utilizado pelo intérprete pra levar uma mensagem de simbolismo universal ao público. A música carrega em sua forma diversas informações como estilo e técnica usados em sua composição. No entanto, esses atributos não apresentam características de uma linguagem universal. (ARAGÃO, 2011, p.14).
Já Paola disse que a emoção posta na interpretação gera uma
comunicação com o ouvinte.
(...) acho que interpretar uma canção é passar emoção, não emoção de chorar, mas passar o que a música diz. Quando você consegue passar o que a música diz, você consegue um retorno pra você. Então, eu acho que é isso, emocionar através da letra, através da melodia que pode ser animada ou não, né, através de uma ambientação do palco e da letra, da melodia, eu acho que você consegue passar a emoção com o que você diz, com o que você sente. (Paola)
E acrescentou que para ela a música comunica também por ser uma
linguagem universal, pois mesmo quando a música está em outro idioma que a
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pessoa não domine, ela pode causar nelas sentimentos de tristeza, alegria, de
saudade, entre outros. Até mesmo trazer à tona memórias da sua vida, fazer
referências há momentos ou passagens de sua história, mediante à emoção
colocada pelo cantor ao interpretar uma canção, fazendo surgir assim a
comunicação. Tatit (1997) afirma que uma interpretação musical, deve dizer
tudo que está presente em seu intérprete, o que é de verdade, o que é real. E
com isso, o tempo passado e o futuro, tornam-se presente e reais naquele
momento da interpretação e Aragão (2011) ressalta que a mensagem que a
música carrega “é a emoção de seu intérprete”. (ARAGÃO, 2011, p.17).
Gabriel corrobora da ideia de Paola e disse que a emoção é o meio pelo
qual o intérprete se comunica com o público.
(...) pode fazer referências aí a lembranças ou expectativas de futuro, de vida, enfim, a música não deixa de ser uma manifestação artística tão importante quanto qualquer outra, com a diferença que ela pode afetar diretamente a parte da escrita da poesia, digamos assim, pela sua letra, mas a parte musical, que eu acho que atinge de forma mais direta a emoção. Ás vezes você quando escuta uma música, você não sabe por quê se arrepia todo, né? E você fica feliz naquele momento (...) acho que é basicamente isso. É uma questão muito de sensações. (Gabriel)
Piccolo (2006) em sua pesquisa de mestrado - já supracitada -
entrevistou o cantor Brasileiro Ney Matogrosso e este em uma de sua falas traz
a questão da emoção na interpretação do cantor, acordando com o
pensamento de Paola e Gabriel.
... pra ser um bom cantor, não digo só de música brasileira, você tem que transmitir as emoções que as palavras induzem. Se você consegue transmitir para o público as emoções que a palavra gera, você é um bom cantor. Não adianta você ter uma linda voz se você não se comunicar através do emocional”. (Ney Matogrosso in PICCOLO, 2006, p.82).
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Já Pedro contou que por muito tempo não teve contato com a emoção
na música que fazia, pois o tipo de trabalho que exercia, os locais onde tocava,
o público presente, o afastava deste elemento, emoção. Disse que fazer voz e
violão o deixava sem muitas perspectivas musicais e isso não o estimulava a
vivenciar a canção. Apenas cantar e tocar bem e já era o suficiente. Mas que,
hoje, depois de estar estudando canto popular no curso superior, foi que
começou a se observar quanto à isso e que só agora está despertando para
colocar emoção dentro de sua interpretações. Para isso, Pedro disse que
costuma assistir os vídeos de seus shows e por em prática as orientações de
sua professora. Ainda acrescenta:
Eu to tentando buscar um pouco nos outros, o que tá faltando em mim, assim. Vê se realmente eu to tendo (...) essa entrega. Porque é o elemento que vai dizer se você tá falando a verdade ou não. (...) também emoção é um troço que ela só vai acontecer na presença do público. Dificilmente você vai sozinho (...) por mais que você estude (...) acho que uma coisa que facilita pra chegar nesse ponto da emoção, é quando você se entrega, se entrega muito à música, se entrega plenamente a ela. (Pedro)
Pedro ressalta a entrega do cantor à música, como o fator facilitador
para fazer a emoção acontecer e estar presente no ato da interpretação.
Aragão (2011), Tati (1997) e Piccolo (2006), dizem que o intérprete deve se
valer um tanto do desprendimento dos aspectos técnicos e mergulhar nos
sentimentos que a canção traz para ele, de suas vivências, suas histórias, suas
memórias, fazendo acontecer no momento da interpretação, a sua verdade
enquanto sujeito de sua própria história. Só assim poderá sentir emoção,
imprimi-la na canção e emocionar o público. “Os grandes intérpretes não
sentimentalizam as plateias, eles emocionam. O sentimentalismo é brega; a
emoção é transcendente”. (ARAGÃO, 2011, p.27).
Mas, além dos aspectos abordados, há uma outra questão bem
relevante à prática do canto popular: o desenvolvimento da personalidade vocal
do intérprete. (PICCOLO, 2006).
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Para abordar esse tema perguntei: Como se dá este processo de
construção da personalidade vocal como intérprete?
Todos os entrevistados relataram que esta questão não foi tão fácil de
responder, o que pode indicar que a reflexão sobre esse aspecto não é muito
comum nos cantores, parece ser uma questão mais vivenciada do que
pensada. Machado (2007), Piccolo (2006), Queiroz (2009) e Latorre (2002)
concordam que o cantor popular tende a praticar mais o canto do que pensar
sobre ele e seus processos de construção.
Gabriel, Paola e Pedro apontaram que ter uma identidade vocal, uma
personalidade na música como intérprete, cantor, os tornam únicos e
facilmente reconhecíveis na arte em que exercem.
Gabriel disse que o cantor precisa ter sua identidade vocal para se fazer
reconhecer como àquele que é e não o que reproduz.
(...) eu não gosto de fazer o trabalho como a gente chama (...) fotocópia. Eu não gosto, simplesmente (...) por mais influência que você tenha de determinado artista, mas eu acho que é interessante você sempre colocar um pouco uma coisa sua, né? Aí, então, interpretar pra mim, tem muito esse lado. Eu não gosto de fazer igual, igualzinho ao que eu ouvi. Mesmo se for (...) todo o arranjo tiver igual, que tiver, é (...) a canção original, na hora de interpretar, mesmo a canção já conhecida, eu procuro colocar algum tempero, alguma coisa que seja minha. E se for uma canção desconhecida ou minha, ou de qualquer outra pessoa, eu acho que isso também é importante, você tentar criar uma marca sua. (Gabriel)
Machado (2007), Piccolo (2006), Goulart (2001), Queiroz (2009) e
Latorre (2002), ressaltam a importância de se ter uma identidade como cantor.
O desenvolvimento da personalidade do cantor se dá através da interpretação,
podendo este criar novas formas no seu ato de cantar, através das mudanças
rítmicas, melódicas, de entonação, de expressão, de variações possíveis ao
cantor, mediante seus conhecimentos musicais, sem descaracterizar a canção.
Pedro citou Maria Bethânia e Lenine, como exemplos de intérpretes que
tem sua personalidade impressa na música que cantam e em suas
interpretações. Analisou que Bethânia, tem um “jeito muito próprio” de compor
seus shows com as leituras que faz de poesias, e criou uma marca que faz a
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diferença. Para ele, Lenine, criou sua identidade por sua maneira de tocar o
violão, de usar a música eletrônica, de ter seu registro através dos elementos
que utiliza em suas performances. Pedro disse que hoje em dia é bem difícil de
fazer diferente, “porque tem muita gente fazendo música também”. Mas acha
que cada um tem a sua marca, que tem coisas que só a pessoa sabe fazer, por
mais que sofra outras influências.
(...) tem que ser uma coisa sua. Que não é algo assim: vou pintar o cabelo desse jeito, não. Tem que ser uma diferença que ela faça parte do seu conjunto, enquanto uma obra do intérprete, ali. Ou se essa diferença (...) ela tá só dentro da voz, ela tá na estética, ela tá na concepção do trabalho, na maneira como a pessoa é.(Pedro)
Paola disse também que cada pessoa tem sua própria identidade e a
direciona para a voz, para a forma de cantar de cada um, fazendo esta ser um
ponto importante entre o público e o cantor. Nas palavras dela:
(...) eu acho que todo mundo tem a sua marca. Eu não conheço uma voz que seja igual a outra, né? Às vezes tem um timbre muito parecido, mas sei lá, não faz vibrato no final que o outro faz (...) são marcas naturais do seu organismo, você nasce com aquela voz e você vai lapidando ela com o passar dos anos. Então acho justo que exista uma marca. Mesmo até porque, pra as pessoas se identificarem com você. (Paola)
Quanto à construção desta personalidade neles, enquanto intérpretes,
cada um relatou uma experiência diferente.
Gabriel, falou que hoje ele tem a voz dele como ele quer. Que as
pessoas reconhecem a sua voz através da sua forma cantar, de como ele
utiliza o seu timbre. Mas que a forma como ele construiu sua personalidade
vocal, aconteceu por um caminho, segundo ele, errado.
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(...) eu não faço aquecimento vocal, beber antes que o álcool acaba relaxando, tira um pouco de timidez, mas acaba anestesiando as cordas vocais e o que é pior, você faz coisas que normalmente você não faria. Fumo, não eu não fumo hoje, mas já fumei, que acaba piorado a qualidade das cordas vocais. Piorando, fazendo errado, mas nesse sentido alcançando o timbre que eu queria ter. Então (...) pelo tipo de música que eu escutava, e pelo tipo de voz que eu queria, aí chegou ao ponto que acabou se formando essa (...) pelo menos o que eu queria fazer, que a voz saísse daquele jeito. Hoje ela sai do jeito que quero. E eu consigo também cantar mais limpo, quando eu canto alguns tipos de música. (Gabriel)
Gabriel contou também que foi através da observação de alguns
elementos que seus ídolos usavam cantando e da integração destes, com o
jeito que cantava, explorando seu timbre e sua extensão vocal, que construiu
sua personalidade vocal como intérprete.
Pedro respondeu que pra um cantor chegar a ter sua personalidade
vocal construída, ele tem que ter maturidade não só musical, mas também de
vida. E que seja uma maturidade na qual o cantor saiba onde quer chegar, o
que quer para a voz dele e o que não quer também, o que ele pode ou não
cantar. Continuou dizendo que com ele aconteceu de começar a ir a uns shows
ao vivo, como o de Djavan e perceber o que ele fazia de melhor quando
cantava. Depois passou a fazer isso com outros cantores que ele gostava e
incorporou os elementos que aprendeu na sua prática. Mas conta que essa
identidade, não chega a ser consciente para ele. Pois não sabe exatamente o
que usa em suas interpretações, mais detalhadamente. Acredita que tem coisa
que só ele faça.
Você pega muita coisa, de muita gente, de dicção, de respiração (...) mas a personalidade em si, ela é uma descoberta de uma coisa sua, que dificilmente vai tá em outro. Se tiver em outro, quando alguém te ver, não vai entender como uma personalidade sua (...) trazer à tona aquele pedaço de você, aquilo que é seu, que ninguém vai fazer igual, só você faz daquele jeito. (Pedro)
Paola acredita que não construiu sua personalidade vocal.
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Eu não faço nada muito forçado assim, eu não forço grave porque eu acho que vai ser bonito, ou eu não forço um agudo, porque eu acho que vai ser bonito. Eu deixo fluir sabe? Por isso que muita gente se identifica comigo. Porque eu não faço nada forçado, nada (...) lógico que eu quero agradar público, mas a identidade vocal é muito minha, eu não construí ela, ela simplesmente existe. (Paola)
Pedro discorda de Paola, e afirma que todo cantor tem um jeito de fazer
seu, uma técnica sua, que aprendeu de alguma forma, seja imitando, repetindo,
vendo alguém próximo cantar, “todo mundo tem alguma técnica que ta
escondida”. Autores como Piccolo (2006), Queiroz (2009), Latorre (2002), falam
que o cantor popular aprende o seu ofício, constrói sua prática com base no
empirismo. “Assim, quando dizemos que um indivíduo ou um grupo possui uma
técnica para executar algo, significa que possui um jeito peculiar de fazer,
mesmo que o próprio nunca tenha refletido sobre isso.” (PICCOLO, 2006,
p.59).
Muitos cantores encontram um jeito de fazer, aquilo que ele quer fazer
na voz, a maneira como quer cantar, utilizando-se de recursos como a
imitação, a repetição, entre outros. A maneira como Paola coloca pode dar a
ideia semelhante a questão do dom, onde o cantor, o músico ou o artista, já
nasce com aquela habilidade. Esta é uma discussão de alguns autores da
área, pois muitos cantores populares pensam desta forma. Ainda existe a ideia
de que a pessoa nasce com o dom, com o talento para cantar, sem que tenha
havido ao longo de sua carreira sequer algum aprendizado. Em geral, o cantor
que pensa assim, acha que não precisa de uma orientação de um profissional
da área. (QUEIROZ, 2009; PICCOLO 2006).
Vale lembrar que ainda persiste uma crença muito disseminada de que o canto popular, tal como a música popular de um modo geral, não deve ser ensinado já que o “verdadeiro” artista deve ter o “dom natural”. (PICCOLO, 2006, p.4)
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Esta questão do dom como o principal responsável pelo domínio da arte,
também é tratado por Queiroz(2009), ao dizer que
A persistência da ideia do dom no mundo da música pode ser fruto de algum “atraso” histórico da pedagogia nesta área. O que não quer dizer que o fenômeno do dom simplesmente não exista. Ele ocorre na medida que realmente existem pessoas que detém habilidades musicais maiores que outras, e a palavra parece lhes cair bem, mas é também possível que por trás do fenômeno esteja nada mais que mais uma construção cultural, uma ideia que transforma e causa a realidade tanto quanto tenta representá-la. Uma ideia a ser confrontada pela racionalidade da educação. (QUEIROZ, 2009, p.52).
Em nenhum momento, os entrevistados citaram a palavra “dom” ou
“talento” com relação às suas experiências com o canto. Apenas Paola
mencionou que para ela, tudo aconteceu de forma natural.
Contudo, o cantor popular precisa buscar em si, dentro de suas
possibilidades, o seu diferencial, algo que construa a sua identidade como
intérprete. Para isso ele pode começar explorando seu timbre, sua sonoridade,
sua emissão vocal, encontrar sua tonalidade (o tom adequado para sua voz;
região confortável para o cantor), por exemplo, a fim de conhecer melhor suas
características pessoais, no qual tornará sua voz reconhecível. (GOULART,
2001).
Em seguida os questionei quanto às influências que eles tinham na
música popular brasileira, como fonte de direcionamento nesse caminho da
construção a personalidade enquanto intérprete. Pedro e Gabriel disseram que
gostavam do que os intérpretes que eles admiram faziam e fazem como
cantores, como músicos, como compositores e tentam se espelhar no que
acham que eles tem de melhor. Paola, não fugiu a essa regra, mas
acrescentou que chega a prestar muito atenção no que estas cantoras fazem
ou faziam, para trazer para a atividade dela como cantora, embora a intenção
dela não seja ser uma cópia de suas referências. Nas palavras dela:
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Eu acho que eu observo muito o que elas fazem. Não pra copiar, não gosto de cópia. Até porque eu acho que cada (...) cada voz é completamente singular, né? Eu posso até querer me aproximar do que elas são, mas, num vou ser de maneira alguma. Então eu gosto de ver o que é que elas fazem, o que é que elas brincam com a voz, pra saber: será que eu consigo também? Mas não pra copiar, pra ter uma identidade. (Paola)
Este ponto que Paola ressaltou da observação da prática de suas
grandes referências, e a partir disso construir sua interpretação, sua identidade,
remete a Latorre (2002), quando a autora diz que a imitação pode ser uma das
formas do cantor popular se construir como intérprete, observando o que o
artista de renome, por exemplo, faz, o que utiliza enquanto cantor. Como citado
anteriormente, Pedro e Gabriel também relataram que utilizaram a referência
de outros cantores para a construção de seu cantar mas sempre ressaltaram
que a intenção era apenas analisar e aprender e não fazer exatamente igual ao
cantor escolhido. O surgimento dessa questão da imitação para o aprendizado
do canto popular nas entrevistas corrobora com os estudos da área. Piccolo
(2006), Queiroz (2009), são também autores que dão destaque a imitação,
como forma eficaz no aprendizado do canto, no processo de construção do
intérprete.
Outro ponto que Paola chamou atenção foi para a singularidade da voz,
de cada um. Picollo (2006), traz também essa preocupação
...Cada voz é única, pessoal e intransferível, e muitas vezes comparada a uma impressão digital. Por mais que se imite um cantor, não o substituiremos jamais. Se fosse fácil criar “clones” de cantores, não haveria o culto e o desejo por uma nova Elis Regina ela já teria surgido há muito, considerando as inúmeras cantoras para quem ela serve de referência. Podemos dar como exemplo da força da sua personalidade a revelação de sua filha, a cantora Maria Rita, que gerou frisson junto ao público pela semelhança gestual, interpretativa e de qualidade vocal. Aos poucos, no entanto, vai se percebendo que, por mais que tenha herdado da mãe características físicas e comportamentais, ela possui suas particularidades naquelas três categorias em que tanto se assemelha, além de apresentar uma série de gestos vocais que aparentemente são próprios. (PICCOLO, 2006, p.6).
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As referências e influências de cada cantor se refletem no palco, no
momento da sua interpretação. Através delas é que o intérprete se constrói
com tal. Pedro, Gabriel e Paola trouxeram este conceito para a pesquisa,
embora já existisse na literatura da área. O que é satisfatório para este
trabalho, pois tanto há a busca pelo novo, como pela integração de conceitos já
estabelecidos por outros pesquisadores, mas que também estão presentes na
prática das pessoas, neste caso, destes cantores. E pensando na maneira
como estes cantores tem a consciência de como suas referências
influenciaram sua prática, Pedro, é o único, pelo seu histórico, que pode ter tido
orientações através das em aulas de canto. Nos outros dois pesquisados
diante das experiências, por eles relatadas, aconteceu de maneira não
escolarizada. Em meio a esta construção, estão presentes os elementos
interpretativos que são utilizados pelos cantores no ato da interpretação. São
as opções estéticas que cada cantor faz conscientemente ou não, que vão
desde a utilização de vibratos, ornamentos, opções de articulação das
melodias e letra até as questões de movimentos corporais.
Pedro descreveu que fazia uso de dinâmicas musicais, staccato, ligado,
crescendo, diminuindo, e também da interação do intérprete com os músicos.
“O qual o cantor deve está em comunhão com quem estiver tocando com ele”
(Pedro), pois isto reflete na hora do cantor construir sua interpretação, de
visualizar os elementos que podem ser usados pelo intérprete. Pedro também
ressaltou que isso depende muito de se ter músicos ou um músico, como um
violonista ou um pianista, que sempre esteja acompanhado o cantor, porque,
para ele, é da sucessão de vezes que se toca juntos, da continuidade dos
ensaios, da integração entre esses sujeitos, que os elementos interpretativos
podem surgir e/ou amadurecer. E ainda ressaltou um ponto que para ele é
importante: “a musicalidade do intérprete”.
O cantor não ficar mais com aquele, aquela pessoa muito mais ignorante, só saber cantar, entender um pouquinho mais. Tem como hoje ter um pouco de percepção musical legal,tocar um instrumento, um violão, um piano, uma coisa assim. Não é uma coisa tão inacessível. Eu acho que os instrumentos de percussão ajudam muito na musicalidade do cantor, criar independência na voz entendeu? É (...) fazer umas coisas de ostinatos com percussão, isso vai dá mais liberdade pra ele, mesmo que não venha a tocar estes instrumentos,
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ao vivo (...) e pode ser que nem seja necessário dependendo da carreira dele, mas isso aí ele vai aprender a linguagem das pessoas que tão trabalhando com ele. (Pedro)
O cantor que improvisa, ou seja, que cria novas frases rítmicas,
melódicas, dentro de um padrão rítmico, melódico, harmônico, pré-estabelecido
pela música, normalmente tem formação instrumental, mesmo que razoável. O
cantor que improvisa deve estar ciente que precisa ter um alto grau de domínio
musical (GOULART, 2001). Pedro, com a mesma ideia da autora, que o cantor
precisa aprender mais sobre música, procurar conhecer mais o material que ele
está trabalhando, saber do que se tratam as construções musicais,
ritmicamente, melodicamente, harmonicamente, para que seu campo de
possibilidades se abranja na música. Para que o cantor comece a ter uma nova
postura e passe a ser músico também, mesmo que o intérprete use isso como
forma de enriquecer-se como cantor e nem toque algum instrumento em cena.
Portanto, na visão de Pedro e da autora Goulart (2001), o cantor com algum
tipo de formação instrumental, em geral, tem mais possibilidades de criar, de
inovar, de improvisar e com isso trazer novos elementos musicais para sua
interpretação.
Já Paola sentiu certa dificuldade em falar sobre este assunto. Ela disse
que não sabia direito o que usava, como usava, porque tudo isso acontecia de
forma natural.
Mas assim, o que costumam dizer é que eu tenho um grave muito bom (...) tenho uma extensão vocal boa, também (...) me utilizo de recursos como postura de palco, gosto de interagir com a banda e gosto de interagir com o público também, né? Mas se for pra focar numa coisa de voz, que o pessoal mais fala é sobre o meu grave. Então, que seja o grave, então. (Paola)
Como já colocado no capítulo 2, segundo os autores Queiroz (2009) e
Machado (2007), o canto é uma forma de expressão humana, que acontece de
maneira natural, a priori, e vai se desenvolvendo ao passo que se estuda, que
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se busca o aprimoramento nesta arte. No caso de Paola, esta naturalidade que
apontou e enfatizou durante sua resposta, também está ligada ao que um
cantor pode fazer a mais numa interpretação, na sua voz, ao cantar.
Exatamente o que a questão estava buscando como resposta, os elementos
utilizados pelo intérprete. Quando refiz a pergunta que se refere à esta
temática, e falei de alguns possíveis elementos, como o uso de “firulas”, por
exemplo, pra que ela compreendesse ainda mais a pergunta, Paola logo
respondeu enfaticamente:
Não, não gosto de firula! Eu não gosto de firulas! É muito difícil você me ver cantando com firulas (...) não é uma coisa da minha identidade. Não é que eu veja uma pessoa fazendo firulas, que eu vá dizer: eu não gosto daquilo. Mas não é uma coisa da minha identidade. Eu sou muito simples, sem ser simplória [...] na questão da música. Você não precisa gritar, você não precisa berrar, você não precisa fazer firulas muito estrambólicas, extravagantes, pra você mostrar que você canta bem. Acho que muita gente se utiliza desse tipo de recurso, pra dizer: eu canto bem! Nem sempre é assim. Eu acho realmente, os agudos, quando você canta agudo, quando você faz (...) tem algum desfecho na música que é agudo, chama muita atenção do público né? Acho que é da consciência de cada um também. Mas é eu enquanto cantora, enquanto intérprete (...) eu não utilizo esses recursos pra mostrar que eu canto bem (...) eu tô ali e é, é tão natural o que eu faço (...) num é da minha identidade vocal, musical. (Paola)
Paola não pensou em outro elemento interpretativo, quando o fator
“firula” apareceu em questão, pois para ela, este elemento, não é natural ao
canto e isso tomou toda a sua atenção. Como já mencionei, desde o começo
de sua resposta, apresentou dificuldades em falar sobre o assunto: elementos
interpretativos. Isso pode está ligado ao fato dela nunca ter tido efetivamente
uma aula de canto que pudesse encaminhá-la neste sentido ou até de uma
busca por definições do que cerca o ofício que exerce, mesmo se aprendidos
na sua prática. Estas são hipóteses por mim levantadas, com base no perfil
profissional da entrevistada e com base na literatura da área, que trata o
conhecimento específico do canto popular como um caminho que o cantor faz
no decorrer da sua vida profissional, que são advindos de maneira sistemática
por meio de aulas de canto ou por sua vivência nos palcos. As firulas, o agudo,
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outros gestos vocais ou outros recursos feitos com a voz em determinadas
partes de uma música, pode ser colocado pelo cantor de forma natural, sem
parecer forçado, quando estudado, com uma técnica específica ou através da
experiência com esta prática profissional, trazendo a estes elementos,
naturalidade em sua execução.
A manutenção dessa naturalidade será buscada sempre pelo cantor, fazendo-se valer, para isso, do desenvolvimento técnico que pode ser conquistado através de um estudo formal, ou pela experiência adquirida através da atividade profissional, como foi para a maioria dos cantores populares no Brasil até pouco tempo atrás. (MACHADO, 2007. P.13)
Gabriel também não teve aulas de canto, mas conseguiu por meio
da experiência que tem como cantor, perceber o que utiliza em suas
performances, apesar de ser o cantor com menos tempo de profissão.
O drive na voz, principalmente! (...) mas eu costumo forçar a barra pra que os agudos saiam. E normalmente onde eles saem, saem mais rasgados, então (...) pelo menos a minha característica e do estilo que normalmente eu toco, eu me valho muito disso, do drive na voz. O rouco, o drive, a rouquidão (...) acho que a potência vocal, os graves (...) é, basicamente que eu lembro, puxando pro estilo que normalmente eu faço. (Gabriel)
Piccolo (2006) fala que “na música popular não há tratados sobre regras
de interpretação como na música barroca”. (PICCOLO, 2006, p. 79). Mas que
há uma série de recursos que são utilizados no canto popular brasileiro, no
qual se estabeleceu uma forma particular de se fazer, que foi passado de
gerações em gerações. Alguns estão definidos na literatura da área, outros
não, e são chamados por ela de “efeitos” vocais.
Os elementos interpretativos são recursos que estes cantores fazem
uso, porém não foram tão simples de identificá-los, pelo menos, por um dos
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sujeitos, foi o que tal pesquisa me apresentou referente a este tema específico.
Citei acima a questão das aulas de canto como facilitadoras deste processo e
também, a experiência adquirida pelo exercício da profissão. Assim como estas
serviram de base, como forma de “manutenção da naturalidade” no cantar.
(MACHADO, 2007). No entanto, não só uma experiência calcada no tempo de
trabalho, e sim na sensibilidade, enquanto cantores, músicos, de percebê-los,
do cantor ter uma boa observação sobre si, sobre o que faz em suas
performances, como foi o caso de Gabriel. Estes caminhos (hipóteses) foram,
de forma geral, os apontados por esta pesquisa, através dos dados coletados,
os oriundos da percepção da utilização e da descoberta destes elementos na
prática interpretativa.
Ao longo deste capítulo citei os pensamentos dos autores que se
coadunavam com os temas propostos e com os dados desta pesquisa. Porém,
não obstante, este tema requer um maior aprofundamento e exploração, em
uma abordagem mais ampla dos conteúdos aqui apresentados, como também,
buscar investigar outros conceitos e saberes acerca do respectivo tema e a
área em questão, em trabalhos futuros.
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Considerações Finais
Nesta pesquisa tive como objetivo compreender o processo de
construção da interpretação do cantor popular e para isto, realizei entrevistas
semi-estruturadas com três cantores profissionais da música popular da cidade
de João Pessoa, com diferentes níveis de aprendizagens e experiências. As
principais questões apontadas pela pesquisa como pontos relevantes ao longo
da aprendizagem e do processo de construção interpretativo destes cantores,
foram:
1) O autodidatismo 3 , sendo esta forma de aprendizado uma
realidade entre estes profissionais, que se deu, entre outras
formas, na prática de voz e violão e bandas de estilo
específico;
2) O coral, como outra base de formação no canto;
3) A interpretação como meio pelo qual o intérprete estabelece
uma comunicação com o ouvinte. No qual, os caminhos
percorridos para tal objetivo, permeiam:
a emoção (verdade no que diz): elo de conexão
com o público;
a relação do cantor com a canção e os sentidos
atribuídos pelo compositor, atentando para o
apoderamento da mesma;
a construção da personalidade do intérprete: a
relação de aprendizado com cantores referência
pelo processo da imitação, o uso de elementos
interpretativos, a relação cantor x banda e o cantor
ser músico. Também, o cantor ter uma “maturidade
de vida”, ter naturalidade ao cantar e atentar para
sua performance no palco.
3 Autodidatismo: s.m. Capacidade de instruir-se sem o auxílio de um mentor ou de professores.
Dicionário online de português. Disponível em:< http://www.dicio.com.br/autodidatismo/> Acesso em 13 de Outubro de 2014.
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4) Desenvolvimento interpretativo:
O aprendizado formal do canto popular, como meio de
desenvolvimento técnico vocal – interpretativo em
função da prática;
Rotina de shows.
Os questionamentos foram muitos, mas optei pelos os que mais me
intrigavam, enquanto cantora, professora de canto popular e pesquisadora.
Não julgo esta pesquisa como suficiente para responder todos os
questionamentos aqui colocados. Acredito que os dados que obtive, me
ajudaram a entender mais sobre o todo desta pesquisa, mas se faz necessário
um maior detalhamento, aprofundamento, de um modo geral, para que, de fato,
se dê por encerrada, muito embora tenha conseguido fazer alguns paralelos
com a literatura da área. Obtive indicações de como estes cantores constroem
sua interpretação, pelo fato de ser uma intérprete da música popular brasileira,
de ter estudado à respeito, de ser professora e de lidar com este assunto com
meus alunos. Senão fosse por isto, não seria possível compreender certas
colocações dos entrevistados.
Penso que este é um tema que trata de questões que estão inseridas
diretamente na prática do cantor popular, e, no entanto, não por eles pensadas,
ou seja, não estão de forma consciente na mente deles, de modo geral.
Questões como: a emoção na interpretação, o uso de recursos interpretativos,
a construção da personalidade, e até mesmo a interpretação em si, foram as
que mais provocaram nos entrevistados uma certa inquietude, no sentido deles
não saberem como tudo isso se dava de forma consciente, apresentando
dificuldades ao falar à respeito. Queiroz (2009) diz que o canto popular tem
uma grande incidência de auto didatismo e saberes empíricos. “O cantor
popular, na maioria das vezes, aprende seu ofício ouvindo e imitando”.
(PICCOLO, 2006, p.4). De fato, como já tratado no capítulo 2 e observado
através dos relatos dos entrevistados, o canto popular ainda é carregado das
afirmações de tais autores. Pouco se é pensado, problematizado, pesquisado
nesta área. Hoje, já existem algumas pesquisas, mas não o suficiente para
mudar esta situação. E esta é uma discussão da área, pois desta forma,
construindo cada vez mais conhecimento, com base na prática dos cantores,
56
estes saberes poderiam se tornar conscientes e àqueles que buscam por
aprimoramento, também teriam onde se aportar.
Sabe-se que esta produção advém da inserção do canto popular nas
instituições de ensino superior. Pois são nelas que o conhecimento científico se
constrói e se fomenta. Esta é outra problemática, que igualmente foi
mencionada no capítulo 2, e que retomo neste capítulo, pois, segundo os
autores aqui estudados, o canto popular foi muito mais inserido como uma
prática aprendida de forma intuitiva, por imitação, do que ensinada, com base
numa escola. Portanto, para um canto que foi mais utilizado, praticado, do que
pensado à respeito, faz todo o sentido que estes cantores entrevistados
tenham apresentado dificuldades ao falar sobre certas questões, até mesmo
para um deles que está inserido em um contexto de ensino superior. Há muito
o que se explorar em pesquisa nesta área, para transformar em saber científico
o que já existe na prática, para que se possa, desta forma, nortear à quem a
exerce, dando-os a possibilidade de se conhecer como intérprete e aprimorar-
se como tal, como também, proporcionar cada vez mais o desenvolvimento de
trabalhos acadêmicos e produção de livros acerca do canto popular,
fundamentados em uma bibliografia mais ampla.
Contudo, esta pesquisa a qual me debrucei, me revelou a necessidade
de que, eu, agora como também pesquisadora, continue contribuindo para área
desenvolvendo este tema que se mostrou ser bastante subjetivo e profundo,
diante do material colhido.
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<http://www.dicio.com.br/autodidatismo/>. Acesso em 13 de Outubro de 2014.
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Paulo, 1995.
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Acesso em: 24 de novembro de 2011. Rio de Janeiro.
GOULART, Diana. Material Didático para o Canto Popular: Discussão e
Proposta. Disponível em: <www.dianagoulart.com>. Acesso em: 24 de
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do canto popular do Brasil: a escuta de época. São Paulo, 2002 (Artigo não
publicado).
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independente. Estudo específico sobre a regravação da canção “sua estupidez”
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos) pela cantora Ná Ozzetti. Unicamp.
Dissertação (Mestrado em Música). Disponível em:
<http://www.hist.puc.cl/iaspm/baires/articulos/reginamachado.pdf>. Acesso em:
22 de Dezembro de 2011.
58
MACHADO, Regina. História do canto na música popular brasileira. Disponível
em: <http://www.iar.unicamp.br/docentes/reginamachado/historiacanto.htm>.
Acesso em: 10 de Dezembro de 2011.
MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27,
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MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de
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ensino. ANPPOM – Décimo Quinto Congresso. Rio de Janeiro.2005.
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em Música). Rio de Janeiro, 2006.
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ensino na Unicamp. Dissertação (Mestrado em Música). Campinas, 2009.
SANDRONI, Clara. 260 dicas para o cantor popular, profissional e amador.
Ed.Lumiar,1998.
TATIT, Luiz. Musicando a semiótica: ensaios/Luiz Tati. São Paulo: Annablume,
1997.
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Apêndices
Roteiro e Termo de Consentimento
Roteiro de entrevista - cantores profissionais, atuando no cenário da
música popular brasileira, e estão inseridos em diferentes contextos
profissionais (bares, bandas, bandas baile, corais, etc.) e de aprendizagem
(universidade de música, curso técnico de música, aulas particulares, etc.).
1) Há quanto tempo canta profissionalmente?
2) Quais os tipos de trabalhos com o canto popular que já exerceu e/ou
exerce? Como (banda, solo, com coral, como professor(a), etc.) e
onde(bares, shows, apresentações, estúdio de gravação, sala de aula)?
Conte um pouco desta experiência.
3) Você já teve aulas de canto? Se sim, fale um pouco à respeito.
4) O que significa pra você interpretar uma canção?
5) Como intérprete, quais elementos costuma utilizar em suas
performances?
6) Quais os cantores da música popular brasileira são referência para
você?
7) Como estes influenciam na sua prática como intérprete?
8) Na música popular brasileira, a integração da letra e música configura a
canção. Pensando nisso, e sabendo você ser um intérprete desta
música, qual a sua relação com estes dois elementos ao construir sua
interpretação?
9) Sabemos que um cantor (a) precisa ser afinado, ter uma boa noção
rítmica, saber do pulso na música, ter uma boa memória para não
esquecer a letra. Porém existe um outro fator, que na arte, não pode
faltar, é a emoção. Como você lidar com mais este elemento como
intérprete?
10) Você acha que a música comunica algo? Se sim, como pode se dá esta
comunicação?
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11) Na MPB, há uma “exigência” de que o cantor popular tenha sua própria
marca, sua personalidade na música. O que você pensa com relação à
isto?
12) Como se dá este processo de construção da personalidade vocal como
intérprete?
13) Para você, o que julgas necessário, como parte complementar da sua
aprendizagem como intérprete, que não teve, mas que precisa ter para
seu desenvolvimento?
14) Como cantor popular, qual a importância da interpretação?
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Concordo em participar, como voluntário, do estudo que tem
como pesquisador responsável o(a) aluno(a) de graduação Maria Gabriella
Cavalcanti Villar, do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal
da Paraíba, que pode ser contatado pelo e-mail [email protected] e pelo
telefone (83)8882-1030. Tenho ciência de que o estudo tem em vista realizar
entrevistas com cantores profissionais da música popular, visando, por parte
do(a) referido(a) aluno(a) a realização de um trabalho de conclusão de curso,
cujo o tema é “O processo de construção da interpretação do cantor popular”.
Minha participação consistirá em conceder uma entrevista que será gravada
em áudio, vídeo e transcrita. Entendo que esse estudo possui finalidade de
pesquisa acadêmica, que os dados obtidos serão utilizados
exclusivamente com finalidade acadêmica e a citação da minha participação
nas publicações desse estudo se dará de forma anônima, assegurando assim
minha privacidade. O aluno providenciará uma cópia da transcrição da
entrevista para meu conhecimento. Além disso, sei que posso abandonar
minha participação na pesquisa quando quiser e que não receberei nenhum
pagamento por esta participação.
______________________________
Assinatura
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Assinatura
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Assinatura
João Pessoa, ___ de _________ de 2014.