o inglês como língua estrangeira nos primeiros anos do ensino fundamental
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O INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NOS
PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Felipe de Souza Costa1
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir a presença de uma língua
estrangeira, o inglês, nos primeiros anos do ensino fundamental, que se inicia
no primeiro ano e se estende ao quinto, de acordo com a legislação vigente.
Pretende-se elencar e refletir aqui as abordagens de ensino de línguas, bem
como suas possíveis aplicações de uso a alunos que estão iniciando seus
percursos de aprendizagem em língua materna, coadunados a outra língua
estranha ao seu convívio, sobre a qual não possuem conhecimentos explícitos.
PALAVRAS-CHAVE: Inglês. Crianças. Ensino fundamental.
INTRODUÇÃO
No cenário atual, temos assistido a uma verdadeira avalanche de ofertas
de ensino de línguas estrangeiras por diversas escolas de idiomas. Temos
visto, também, inúmeras propostas sendo levadas a todas as classes sociais e
em diferentes faixas etárias. Seja qual for a idade, o pleno domínio, e até
mesmo o conhecimento básico, de uma língua estrangeira é sempre encarado
com bons olhos.
Isto posto, parece-nos redundante discutir a importância da presença de
uma língua estrangeira no currículo do ensino brasileiro. Para isso, temos
assegurado, inclusive por meio de legislação específica, o direito à
aprendizagem de outras línguas que não a nossa materna, o português.
1 Licenciado em Letras e especialista em Estudos da Linguagem pela Universidade de Mogi das Cruzes;
Licenciado em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho; Especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela Universidade de São Paulo; Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de São Paulo.
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Ademais, interessa-nos, neste artigo, discutir as questões legais e
didático-pedagógicas em que se dá o ensino do inglês como uma língua
estrangeira hegemônica na contemporaneidade, especificamente nas séries
iniciais do ensino fundamental, haja vista que essa é uma realidade
relativamente nova para escolas públicas brasileiras e que tem ganhado forças
na manutenção e implementação de práticas que, outrora, só víamos em redes
particulares.
Como essa experiência tem alcançado redes com números
elevadíssimos de escolas no Brasil, entendemos que colocar em pauta um
assunto importante como esse é, de fato, encarar esse avanço como algo de
relevância para os estudos científicos do ensino e da língua.
Para tanto, reunimos, neste artigo, o resultado de uma pesquisa
bibliográfica que pauta as discussões existentes em torno do assunto,
acrescida, é claro, de leituras críticas do autor. A partir dessas leituras,
destacamos três tópicos que consideramos de suma importância para a
compreensão do assunto escolhido, são eles: o aspecto legal do ensino de
língua estrangeira, a dimensão sócio-ideológica e as abordagens existentes.
Há, também, que se discutir e considerar uma polêmica recorrente
quando nos deparamos com o ensino de língua estrangeira para crianças, a
questão da aprendizagem, praticamente concomitante, de duas línguas na
escola: a estrangeira e a materna, ou seja, o português na modalidade escrita.
Como, na maioria das redes, não se trata de uma proposta bilíngue, isso pode
aparecer como um entrave nas relações de ensino-aprendizagem de línguas.
Por fim, entendemos com certa aceitabilidade o inglês, ou qualquer outra
língua estrangeira, doravante LE, incluso no currículo nacional, desde que essa
ação seja amplamente discutida com aqueles que farão dessa prática uma
realidade, sem prejuízo teórico e, acima de tudo, com total consciência de que
ensinar e criar condições para a aprendizagem de qualquer língua é, antes de
tudo, uma maneira de incluir o aluno em mundo global e, de igual modo,
mostrar a ele, desde a tenra idade, que a língua pode ser um instrumento e
recurso de poder ao longo de toda a sua existência cidadã.
1. O ASPECTO LEGAL EM TORNO DO ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA
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No Brasil, temos atualmente uma lei específica para a educação,
intitulada como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, doravante LDB, a qual se coaduna e reflete os
princípios norteadores da Constituição Federal. No que tange ao ensino de
línguas, podemos perceber, em ambas, a preocupação em legitimar o uso e a
aprendizagem de um idioma.
Na Carta Magna e na própria LDB existe um artigo que se repete,
entendemos que essa, talvez, seja uma preocupação em reforçar uma
identidade da cultura brasileira, haja vista que, com exceção dos índios,
nenhuma outra comunidade pode ensinar no Brasil totalmente em LE, uma vez
que o ensino fundamental deve ser ministrado em língua portuguesa, como
podemos observar no 2º parágrafo, artigo 210 da Constituição e 3º parágrafo,
artigo 32 da LDB:
O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.
Em tempo, ainda sobre essa necessidade explícita em reforçar, a partir
de legislação própria, a identidade cultural brasileira pelo viés linguístico, a
Constituição define o idioma oficial do país: “Art. 13. A língua portuguesa é o
idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Quanto ao ensino de LE,
encontramos a seguinte determinação legal na LDB, artigo 26:
§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído,
obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo
menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a
cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da
instituição.
Nesse sentido, conseguimos fazer um paralelo entre os preceitos que
regulamentam e instituem a língua portuguesa como sendo aquela que
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oficialmente conduzirá o ensino no Brasil e a obrigatoriedade do ensino de LE
somente a partir da 5ª série ou 6º ano do ensino fundamental, pois segundo
Costa (2007), durante muito tempo rondou entre os brasileiros a ideia de que a
adesão, desde criança, a uma língua estrangeira poderia acabar por
descaracterizar uma cultura dita como própria. Hoje, sabemos que essa
ideologia infundada de neutralidade cultural é obsoleta e, ao mesmo tempo,
equivocada. O mundo global diminuiu as fronteiras culturais e aproximou os
que estavam cada vez mais distantes. Dessa forma, esse mesmo autor
supracitado defende que a LDB, até por ignorância dos próprios legisladores,
tenha desconsiderado fatores cruciais que unem e determinam a aprendizagem
de línguas.
De qualquer forma, o que queremos explicitar aqui é que, embora a LDB
determine como obrigatória no ensino fundamental o ensino de língua
estrangeira moderna somente a partir do 6º ano, não encontramos respaldo
legal para a proibição optativa de seu início desde os primeiros anos do ensino
fundamental (1º ao 5º).
Ademais, podemos entender que a iniciativa de se começar a
aprendizagem de uma LE desde os seis anos de idade pode ser muito
produtiva, se partirmos de um ponto de vista teórico-metodológico e, também,
não esbarra em impedimentos legais, pois a legislação vigente em nosso país
por mais que queira, de maneira tácita, anular o direito dos menores em
aprender outra língua, que não a sua materna, perde força quando essa
necessidade emana de uma sociedade. Afinal, segundo Orlandi (2009), a
língua só faz sentido porque está inscrita numa história.
Outrossim, como ainda estamos falando de lei normatizando a
aprendizagem de línguas, não podemos deixar de falar de outra
obrigatoriedade que se impõe ao ensino formal de LE. A última etapa da
educação básica no Brasil é conhecida como Ensino Médio, nele podemos
verificar que, além de se ter uma LE como obrigatória no currículo, deve-se
oferecer uma segunda, como podemos observar no inciso terceiro do Artigo 36
da LDB:
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como
disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e
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uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades
da instituição.
Portanto, ainda respaldados pela instituição legal de preceitos para o
ensino-aprendizagem de LE, gostaríamos de salientar que, embora existam
preocupações culturais em torno da aquisição linguística, é de suma
importância refletir sobre aspectos universais que, de certa forma,
institucionalizam procedimentos indispensáveis à manutenção do direito de ser
poliglota sem, necessariamente perder sua identidade cultural. Nesse sentido,
conseguimos encontrar na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, no
artigo 13º, a seguinte asserção:
Todos têm direito a serem poliglotas e a saberem e usarem a
língua mais apropriada ao seu desenvolvimento pessoal ou à
sua mobilidade social, sem prejuízo das garantias previstas
nesta Declaração para o uso público da língua própria do
território.
Dessa forma, entendemos que o direito à LE é construído na medida em
que entendermos e respeitarmos a real necessidade das diversas comunidades
heterogêneas que existem em nosso país, sem que isso possa parecer ou soar
como um processo de aculturalização de nossas tradições e costumes. Uma
vez que, para aprender outra língua, precisamos apenas querer e não contar
com a prerrogativa da idade.
2. LÍNGUA, IDEOLOGIA E PODER: POR QUE O INGLÊS?
Como vimos, os aspectos legais influem na construção de um currículo
linguístico e seus influxos só podem ser percebidos porque, de certa forma, há
entre as leis um diálogo, um acordo firmado que converge para um único
objetivo. Não obstante a esse discurso legal, podemos encontrar notadamente
em documentos oficiais da nação brasileira, respaldo para a manutenção de
uma ideologia libertária com ares de uma pseudo neutralidade.
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Por isso, antes de prosseguirmos com a discussão do ensino de LE nos
primeiros anos do ensino fundamental, gostaríamos de fazer algumas
considerações a respeito de situações que se associam para assegurar o
ensino de uma LE. Não há nenhum aspecto legal que institua o inglês como
língua obrigatória, a nomenclatura “língua estrangeira moderna” é abrangente e
pode ser escolhida pela comunidade escolar.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacional de Língua Estrangeira
(1998), doravante PCN, alguns critérios devem ser levados em consideração
para a inclusão de uma LE no currículo, são eles: os fatores históricos, os
relativos às comunidades locais e à tradição. Dessa forma, podemos entender
que, dependendo de onde a escola estiver instalada, a LE pode ser escolhida a
partir desses critérios. Como exemplo de aplicabilidade, podemos pensar em
cidades ou bairros que sejam colonizados por alemães, italianos, poloneses,
japoneses, chineses, etc., ou ainda em regiões fronteiriças que exigirão mais o
espanhol do que, necessariamente, o inglês.
O fato é que, para além desses critérios apontados no documento oficial,
existem outros que poderão surgir de maneira impeditiva, pois para dar conta
dessa demanda teríamos que contar com formação de professores que
pudesse atender a esse diferente público, além disso, as secretarias de
educação teriam de depreender um elevado contingente de servidores para
poder garantir e assegurar a qualidade no ensino de uma forma plural. É claro
que esses impedimentos podem ser superados com esforços, mas pelo que
podemos observar, é muito mais fácil homogeneizar o ensino de LE, porque
afinal:
A primeira observação a ser feita é que o ensino de Língua
Estrangeira não é visto como elemento importante na formação do
aluno, como um direito que lhe deve ser assegurado. Ao contrário,
frequentemente, essa disciplina não tem lugar privilegiado no
currículo, sendo ministrada, em algumas regiões, em apenas uma ou
duas séries do ensino fundamental. (MEC, 1998, p. 24)
De qualquer modo, podemos dizer que assistimos a uma ditadura do inglês,
principalmente nos grandes centros urbanos em que ele é visto apenas como um
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meio de alcançar melhores condições de trabalho e porque é considerada uma
língua mundial, dada a elevação capital de um dos países que o tem como língua
materna, conhecido como Estados Unidos da América. Essa constatação rasa e
prejudicial tem levado a grandes distorções dos objetivos do ensino de LE.
O fato é que a realidade nos está posta e, nos primeiros anos do ensino
fundamental, temos encontrado por parte do poder público certo interesse em iniciar
práticas que conduzam à introdução e manutenção de uma segunda língua desde
os seis anos de idade. Esse início se dá com o inglês, então o momento se faz
oportuno para aproveitar e rediscutir ideias obsoletas, totalmente questionáveis e
fundadas em um falso nacionalismo ou em uma alienação cultural que se pretende
fazer aqui por estrangeiros, dessa forma:
[...] os professores de inglês podem cooperar em sua própria
marginalização imaginando-se como meros “professores de língua”
sem conexão alguma com questões sociais e políticas. Ou então
podem aceitar o paradoxo do letramento como forma de
comunicação interétnica que muitas vezes envolve conflitos de
valores e identidades, e aceitar seu papel como pessoas que
socializam os aprendizes numa visão de mundo que, dado seu poder
[...] deve ser analisada criticamente. (GEE, 1986, p. 722, apud, MEC,
2006, p. 109).
É claro que, no Brasil, muitos fatores convergem para a manutenção do inglês
como língua estrangeira na maioria dos estados. Dada essa realidade, cabe àqueles
que pretendem lecionar inglês como LE manterem o foco nas questões da língua e,
como também estão ligadas a ela questões de ideologia e poder, ater-se em ensinar
o inglês não apenas porque o aluno precisará de um emprego melhor, elevar-se
socialmente ou meramente para passar em vestibulares. O professor de inglês
precisa compreender que sua função extrapola os muros da escola e do conteúdo
linguístico, é preciso instrumentalizar o aluno, e isso independe da idade, a tomar o
seu lugar de sujeito histórico no mundo, de um cidadão crítico e globalizado, mesmo
que, para isso, sua única ferramenta seja o pouco conhecimento de uma LE:
(...) assim, a “língua” como sistema se encontra contraditoriamente
ligada, ao mesmo tempo, à “história” e aos “sujeitos falantes” e essa
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condição molda atualmente as pesquisas linguísticas sob diferentes
formas. (PÊCHEUX, 2009, p. 20).
Dessa forma, conseguimos compreender que, para além da LE escolhida, o
que deve ser levado em consideração é o sujeito-aluno, que pode ser a ela
apresentado desde a tenra idade e aprender que a partir dela, da língua, relações de
poder são construídas desde a gênese da humanidade. Conhecer uma língua
estrangeira, portanto, como o inglês pode ser um instrumento de luta e não de mera
subjugação da condição trabalhista, que tanto impera nos dias atuais.
3. ABORDAGENS DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Percebemos, neste artigo, que as condições legais e sócio-ideológicas do
ensino de LE, embora pareçam antagônicas, convergem para a superação de
problemas enfrentados ao longo da educação. Se realizados de maneiras acertadas
ou não, o fato é que temos percebido esforços que, embora sejam poucos,
conseguem refletir em ações produtivas como, por exemplo, o alto índice de adesão
do inglês no currículo do ensino fundamental desde os primeiros anos.
Baseados nessa realidade, queremos apresentar aqui algumas abordagens
que, ao longo da história do ensino de LE, se fizeram e ainda se fazem presentes
nas mais diversificadas instituições de ensino espalhadas pelo Brasil e pelo mundo.
Segundo Leffa (1988), a opção por utilizar, neste artigo, o termo abordagem e não
método se dá porque o primeiro é muito mais abrangente e contempla pressupostos
teóricos que estão abarcados nas diversas práticas de ensino de LE, enquanto o
método dá a ideia de um modelo a ser seguido, como se ensinar fosse aprendido
em um manual de instruções, como a receita.
Principiamos, portanto, pela apresentação da Abordagem da Gramática e da
Tradução (AGT), que, como o próprio nome sugere, consiste no ensino da segunda
língua pela primeira e segue três passos indispensáveis à sua realização: (a)
memorização prévia de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras
necessárias para juntar essas palavras em frase e (c) exercício de tradução e versão
(tema). (LEFFA, 1988, p.4).
A segunda, conhecida como Abordagem Direta (AD), dá uma ênfase maior na
aprendizagem da LE por ela mesma. Não se pode utilizar a língua materna para se
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expressar durante as aulas, deve ser tudo ensinado na língua alvo e, por conta
disso, sua ênfase recai na língua oral. Tudo é ensinado de maneira indutiva.
A terceira abordagem é a da Leitura (AL), como o próprio nome indica, o ato
de ler é o mais importante. Isso porque a leitura sempre foi elevada a certo status
dominante, principalmente se ela estiver ligada aos cânones literários que
representam uma parte importante da língua de um povo estudado.
A quarta é a Audiolingual (AAL), que surgiu na Segunda Guerra Mundial e
pode ser facilmente reconhecida nos dias de hoje pelos CDs de áudio, que visam à
língua oral e à ininterrupta repetição como forma de aprendizagem e aquisição de
uma LE. Segundo Leffa (1998), seus princípios fundamentais são: língua é fala, não
escrita; língua é um conjunto de hábitos; ensine a língua e não sobre a língua; as
línguas são diferentes.
A quinta é muito utilizada nos dias atuais e remonta muito do
audiolingualismo, é a Abordagem Comunicativa (AC), pensada como uma maneira
de transpor o mero conhecimento do código, ela está preocupada com os
significados da língua e por qual maneira ela pode ser aplicada em situação
comunicacionais do dia a dia.
Na contemporaneidade, podemos dizer que essas abordagens históricas têm
como pedra basilar uma visão behaviorista, em que o estímulo, a resposta e o
reforço se convergem para a aprendizagem de uma LE. Os procedimentos
linguísticos são encarados como sendo um crescente e, embora uma tente anular a
outra, podemos perceber que no bojo de seus pressupostos existe um pêndulo
frondoso que insiste em reanimar algo de mais valioso que, de certa forma, cada
uma delas apresentou.
Outrossim, com o avanço dos estudos e com a crescente preocupação dos
estudiosos da língua e da aprendizagem, podemos detectar na atualidade ainda
duas visões que se coadunam para formar o amplo leque que o professor de LE tem
à sua disposição para filiar sua prática, são elas: a cognitivista e a sóciointeracional.
A primeira desloca o foco de preocupação da aprendizagem e passa a centrar-se no
aluno, enquanto a segunda localiza a aprendizagem da LE no tempo, na história, na
cultura e no discurso. Essas duas últimas visões ganham reforços nos PCN.
O fato é que, neste artigo, estamos tratando do inglês como proposta de
língua estrangeira para crianças, e vale ressaltar que muitas delas, por se
encontrarem nos primeiros anos, estão em processo de alfabetização e, portanto,
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não sabem ler e escrever. Utilizar-se, por exemplo, das cinco primeiras abordagens
apresentadas poderia ser, a priori, um completo fiasco. Além disso, não podemos
supor que uma única abordagem ou método daria conta de todos os objetivos que
precisamos alcançar quando estamos diretamente envolvidos com crianças não
alfabetizadas.
Dessa forma, temos que pensar que a LE, o inglês, pode e deve andar junto
com essa fase de efervescência de aprendizagem que o aluno dos primeiros anos
do ensino fundamental está experimentando nesse universo do conhecimento
linguístico. Baseados na proposta sociointeracional da linguagem, os autores das
Orientações Curriculares Nacional, lançam mão de um termo bastante abrangente
que, com certeza, pode ser facilmente aplicado ao currículo de inglês nos primeiros
anos, o multiletramento, que se baseiam nos usos da língua, materializados em
gêneros textos, com os quais as crianças entram em contato desde muito pequenos:
Quando antes nos referimos a uma “alfabetização” de uma
linguagem tecnológica, que é nova, e de uma comunicação, que se
renova em face das variadas modalidades dessa linguagem (como
as interligações entre o verbal e o visual, entre texto e imagem, que
ampliam as possibilidades de cada meio envolvido), e quando
descrevemos o usuário dessa comunicação como aquele que
também é produtor dessa linguagem, tínhamos em mente os
conceitos de letramento e multiletramento para o ensino de Línguas
Estrangeiras nas escolas regulares. Essa proposta tem a ver com os
objetivos da inclusão [...]. (MEC, 2006, p. 97)
Por fim, as abordagens teóricas podem fornecer inúmeros instrumentos que
auxiliarão os procedimentos práticos em sala de aula, o que não pode e não deve
ser levado como uma única maneira de ver a aprendizagem ou aquisição de LE. Os
extremos, numa filiação de abordagem, pode ser altamente prejudicial,
principalmente quando tomados como unívocas de conhecimentos e prática. De
qualquer forma, como estamos falando de crianças, o mais adequado é tomarmos a
ideia de alfabetização, pelo viés do multiletramento, em que a criança poderá
aprender o inglês, por exemplo, utilizando-se primeiro da modalidade oral e escrita
da língua de maneira concomitante e, até mesmo, simultânea às da língua materna.
Por isso, ensinar a LE partir de um viés que incorpore os diversos gêneros textuais,
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adequados, é claro, à faixa etária das crianças pode ser um indicador de que o
inglês contribui, para além de todas as questões sociais apresentadas aqui, com a
aprendizagem e análise crítica de sua própria língua materna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando pensamos em uma proposta plural como é essa de inclusão de uma
língua estrangeira no currículo do ensino fundamental, temos que, antes de tudo,
considerar teoria e prática, prós e contras que podem se juntar para a realização de
um trabalho que atinja sucessos.
Nesse sentido, percebemos que essa iniciativa que emana de uma autonomia
participativa, da qual gozam as instituições de ensino privado e público no Brasil, é
salutar. Pois principiamos com os aspectos legais do ensino de LE e pudemos
constatar que, neles, não há nenhum impeditivo à inclusão do inglês, por exemplo,
desde o primeiro ano do ensino fundamental de maneira optativa. De igual modo,
percebemos que as teorias a respeito do assunto tratado neste artigo não anulam
essa autonomia, pelo contrário colocam uma luz nos cenários das contradições em
que estão submersas as políticas públicas em nosso país.
Podemos, ainda, perceber que quando as autoridades, por qualquer motivo
que seja, querem implementar práticas plausíveis como o inglês no ensino
fundamental do nível I, recursos financeiros e humanos são investidos como
esforços para que esse currículo seja repleto de sucesso e, como bem sabemos, o
currículo, de maneira ampla, não é:
um elemento neutro de transmissão desinteressada do conhecimento
social. O currículo está implicado em relação de poder, o currículo
transmite visões sociais e particulares e interessadas, o currículo
produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não
é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história,
vinculada a formas específica e contingentes de organização da
sociedade e da educação (MOREIRA & SILVA, 1995, p. 8)
Por fim, podemos dizer que o currículo de LE nos primeiros anos do ensino
fundamental, mesmo com todas as dificuldades e entraves surgidos ao longo dessa
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implantação, está construindo história e, por conseguinte, não é de se espantar se
assistirmos dentro de alguns anos vindouros mudanças circunstanciais nas políticas
públicas, viabilizando, de fato, a LE como um veículo propulsor de formação de
cidadãos conscientes e críticos. Sem que, para isso, precisemos incorporar
resquícios de uma concepção preconceituosa, que supõe no fator etário um escape
para ser considerado em lei, ditando idade para a aprendizagem de uma LE. É
notório que para se aprender é preciso mais que vontade, é preciso condição. Toda
língua é um bem cultural que está a serviço da sociedade, não existe língua sem
sociedade, elas são indissociáveis. Não podemos nos esquecer de que as crianças
fazem parte dela e não pode ser negado a elas o direito de aprender, com
qualidade, outra língua que não seja apenas a sua materna.
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