o campo e a copa: antropologia, jornalismo e manifestações na cidade do rio de janeiro
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O campo e a Copa: Antropologia, Jornalismo emanifestações na cidade do Rio de Janeiro
The field and the Cup: Anthropology, journalism and protests in the city of Riode Janeiro
El campo y la Copa: Antropologia, periodismo y manifestaciones en la ciudadde Rio de Janeiro
EVANDRO JOSÉ MEDEIROS LAIA1
Resumo: A Copa do Mundo do Brasil, realizada em 2014, teve o Rio deJaneiro como um das sedes, onde foram disputados sete jogos, entreeles a grande final. Tudo isso exatamente um ano depois dasmanifestações de junho de 2013, marcadas pela ocupação das ruas docentro da cidade e também pela violência usada pela Polícia Militar narepressão aos atos. E ainda pela multiplicidade de vozes emtransmissões, ao vivo, pela internet, simultâneas às transmissõesfeitas pelos grandes veículos de comunicação. Considerei então este umambiente produtivo para realização de um trabalho de campo, com oobjetivo de observar como as tecnologias móveis, com destaque para otelefone celular, estão transformando a maneira de se fazer jornalismona televisão, inspirado nas propostas de Bruno Latour, Roy Wagner eEduardo Viveiros de Castro.Palavras-chave: redes, telefone celular, Copa do Mundo, jornalismo,manifestações.
Abstract: The Brazil`s World Cup, realized en 2014, have the city ofRio de Janeiro as one of the venues, where were played seven games,including the final. All this happened exactly one year after thejune/2013 protests, remembered for the central streets occupation andthe Military Police`s violence used to repress the movement. And,even, for the multiplicity of voices in alive transmissions, throughthe internet, simultaneously with the great media`s transmissions.Because of it, I have considered this as a productive environment torealize a field work, to observe how mobile technologies, principallythe cell phones, are changing the way to do television journalism,inspired by Bruno Latour, Roy Wagner e Eduardo Viveiros de Castro.Key-words: networks, cell phones, World Cup, journalism, protests.
1 Doutorando em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação daUniversidade Federal do Rio de Janeiro. Jornalista, trabalhou como repórter naTV Alterosa, afiliada do SBT em Minas Gerais. E-mail:[email protected].
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Resumen: La Copa do Mundo del Brasil, que tuvo lugar em 2014, tenía elRio de Janeiro como una de las sedes, donde jugaron siete partidos,incluindo el gran finale. Tudo esto sucedió exatamente un año despuésde las manifestaciones de junho de 2013, marcadas por la ocupación delas calles del cientro d ela ciudad e también por la violenciautilizada por la Policia Militar en la represión de los actos. Ytambién por la multiplicidad de voces en transmissiones, en vivo, porla internet, simultáneas a las transmissiones hechas por losprincipales medios de comunicación. Consideré este un ambienteproductivo para la realización de un trabajo de campo, con elobjectivo de observar como las tecnologías moviles están cambiando laforma de hacer periodismo en la televisión, inspirado en laspropuestas de Bruno Latour, Roy Wagner e Eduardo Viveiros de Castro.Palabras-clave: redes, teléfono celular, Copa del Mundo, periodismo,manifestaciones.
A ENTRADA NO CAMPO
A Copa do Mundo do Brasil, realizada entre os dias 12
de junho e 13 de julho de 2014, teve o Rio de Janeiro como
um das 12 sedes, onde foram disputados sete jogos, entre
eles a grande final. Considerei então este um ambiente
produtivo para realização de um trabalho de campo, com o
objetivo de observar como as tecnologias móveis, com
destaque para o telefone celular, estão transformando a
maneira de se fazer jornalismo na televisão, a partir da
produção de imagens. Ou seja: mapear a rede em que estariam
a princípio, incluídos repórteres, cidadãos que usam os
smartphones para enviar imagens para as redações e ainda
midiativistas, participantes ou não de coletivos.
A viabilização do trabalho começou com o contato com
redes de TV que me permitissem a entrada nas redações de
telejornalismo para observação e entrevista. O contato com
a TV Globo foi feito a partir do Programa Globo
Universidade, única maneira de, institucionalmente,
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encaminhar uma proposta de estudo para a emissora. Conforme
solicitado no site do programa, enviei um resumo do meu
projeto, acompanhado de uma ficha padrão com informações
sobre a pesquisa e ainda uma carta do meu orientador
acadêmico, cerca de três meses antes do período da
pesquisa. A resposta só veio duas semanas antes da Copa do
Mundo. De acordo com a coordenação do programa, não seria
possível atender a minha solicitação porque os
profissionais estavam com as agendas sobrecarregadas "em
função da cobertura de grandes eventos como a Copa do Mundo
e as Eleições Presidenciais".
Fiz contato com a chefia de reportagem da TV Alterosa,
afiliada do SBT em Minas Gerais, onde trabalhei por oito
anos, para tentar chegar ao SBT Rio. O chefe de jornalismo
do SBT Rio, Diego Sangermano, acenou positivamente, alguns
dias depois. Os detalhes foram combinados por telefone, na
semana em que cheguei ao Rio de Janeiro para o trabalho de
campo. Ao menos três vezes por semana, durante este
período, fui até a sede da emissora, no Bairro de São
Cristóvão, na Zona Norte da cidade, para acompanhar o
trabalho na redação e na rua. Na TV Record Rio, a entrada
foi feita por intermédio da chefe de produção, Rita de
Cássia Barreto. Fiz contato com ela pelo Facebook, durante o
trabalho de campo, e ela me recebeu na redação, onde me
apresentou repórteres, produtores e cinegrafistas, com quem
conversei. Estive uma única vez no prédio da TV Record, no
bairro de Benfica, também na Zona Norte do Rio.
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Também foram feitos contatos anteriores com a equipe
do Mídia Ninja2. Já havia estado uma vez na base de
trabalho deles, num apartamento na Urca, zona Sul do Rio,
em abril de 2014. Desta vez tentei marcar entrevistas na
casa, antes de acompanhar o trabalho deles na rua, mas não
foi possível. As observações referentes a este grupo
aconteceram, por vezes, por acaso, em manifestações, e
outras vezes, porque eu acompanhei a pesquisadora Lara
Linhalis3. Além das entrevistas com membros do grupo,
também tive a oportunidade de fazer contato com outros
coletivos, que conheci durante manifestações, como o
Coletivo Carranca e o grupo Nova Democracia. Também tive
acesso ao trabalho de freelancers, jornalistas com formação
superior ou não, midiativistas ou não, que acompanham
manifestações na cidade do Rio de Janeiro. O Facebook e o
Whatsapp foram aplicativos importantes no contato e na
observação das fontes. O que reforçou ainda mais o papel do
telefone celular não só como objeto de pesquisa, como
poderia ser numa proposta científica positivista, mas
também como agente não humano em pé de igualdade nesta
imensa rede de relações.
Esta proposta de pesquisa tem relação com a minha
experiência profissional. Bacharel em Comunicação com
2 O grupo nasceu há cerca de três anos, ligado ao movimento nacional CircuitoFora do Eixo. Nas manifestações que se formaram nas ruas das principaiscidades do Brasil, a partir de junho de 2013, o canal do grupo, na internet,teve picos de audiência de 120 mil espectadores nas transmissões, ao vivo, viastreaming, coma ajuda de voluntários, que usaram telefones celularesconectados à rede mundial de computadores com tecnologia sem fio 3G ou wi-fi.3 Lara Linhalis Guimarães é doutoranda da Escola de Comunicação da UFRJ erealiza uma pesquisa etnográfica com o grupo Mídia Ninja desde asmanifestações de junho de 2013, como parte integrante de sua tese.
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habilitação em jornalismo, trabalhei por oito anos como
repórter na TV Alterosa, afiliada do SBT em Minas Gerais.
Nos idos anos de 2006, quando fiz minhas primeiras
reportagens, o uso de imagens de câmeras de segurança na
edição final de um videoteipe, pro exemplo, era exceção,
tanto pela pouca qualidade técnica e uma carga de dados de
um tamanho que impossibilitava a leitura pelas máquinas de
edição. De lá para cá, aos poucos, as imagens produzidas
fora do controle da redação ganharam as telas e competem,
com relativa vantagem, com as imagens dos cinegrafistas,
quando o assunto é imediatismo. Neste contexto, o telefone
celular tem chamado a atenção de pesquisadores, no processo
de reconfiguração do jornalismo. É o caso de Fernando
Firmino da Silva (2008), para quem o aparelho tem
funcionado como potencializador da prática do imediatismo,
um dos valores mais caros à pratica do jornalismo.
Neste sentido, além da difusão de conteúdo para celulares,a produção de conteúdo por meio de dispositivos móveis é aoutra ponta desta perspectiva. Estas duas modalidadescomplementares – difusão e produção – fazem parte dojornalismo móvel o conceito mais apropriado paraoperacionalizar ou descrever, de forma mais próxima, estefenômeno por se constituir em uma prática jornalística quese utiliza de web móvel e de aparelhos como celular emcondições de mobilidade (SILVA, 2008, p.21).
Há relatos também de empresas que apostam no telefone
celular e na transmissão via tecnologia 3G, como
alternativa aos gastos com a estrutura de transmissão
broadcast ao vivo.
Nos moldes atuais o jornalismo pode se estruturar emoutras dimensões através da utilização de um ambientemóvel de produção formatado por ferramentas portáteis
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online como smartphones para processar as informações(áudio, vídeo, texto, imagem) de forma digital etransmitir em caráter instantâneo. Advém daí umapotencialização da produção jornalística baseada nacapacidade de desenvolvimento de atividades como apuração,edição e publicação utilizando-se de tecnologias móveiscomo plataforma (SILVA, 2008, p.23).
O fato, categoria nobre do jornalismo, passa a ser
registrado não mais pelo repórter, que agora parece estar
readequando seu papel na produção da notícia. Uma
readequação, que, de acordo com Jenkins (2009), constitui
não um processo de adequação, mas a própria condição da
produção de informações no contexto midiático
contemporâneo. “Num futuro próximo, a convergência será uma
espécie de gambiarra – uma amarração improvisada entre as
diferentes tecnologias midiáticas – em vez de um sistema
completamente integrado” (JENKINS, 2009, p.45). Vemos nisso
uma aproximação da mídia massiva com as ferramentas de
mídia pós-massiva, no sentido estabelecer diálogos com as
modalidades emergentes de jornalismo digital. O telefone
celular aparece como ferramenta-chave neste processo, como
um dispositivo híbrido, que pelo fato de oferecer
mobilidade, cumpre bem a função de acoplamento.
Os experimentos com o jornalismo cidadão têm sido
comuns não só no Brasil, mas em todo o mundo. Dan Gilmor
(2005), jornalista e professora na Universidade de Harvard,
nos Estados Unidos, chama a atenção para o fato de que o
embate entre jornalismo e tecnologia não deve ser pensado
em si mesmo, já que aponta para muita coisa mais
importantes, que deve ser pensada com urgência, já que
estamos entrando numa era e que as mensagens midiáticas
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deixam de ser transmitidas de um para muitos, e agora vão
de muitos para muitos. Gilmor nos alerta ainda para o fato
de que as transformações que presenciamos aparecem desta
forma no jornalismo, mas são muito maiores, e perpassam
todas as relações do coletivo em que vivemos.
Inspiring grass-roots activities are happening not just injournalism, but all across society. In business, forexample, the Web and open-source concepts are transformingnot just software development but the relationshipcompanies have with their customersers and otherconstituencies. Walter Lippmann, in his 1914 book, “Driftand Mastery,” warned that civilization was becoming socomplex that “the purchaser can’t pit himself against theproducer, for he lacks knowledge and power to make thebargain a fair one.” Knowledge is shifting back towardsthe purchaser, and the power is following (GILMOR, 2005,s/n).
É como se o jornalista estivesse perdendo o controle sobre
as coisas, de maneira que uma fotografia, um depoimento, um
pequeno vídeo possa trazer novas informações, um ângulo
inédito, uma abordagem que transforme o entendimento do
fato. Ninguém sabe ainda como e se isso vai tomar uma forma
comercial, garantindo a continuidade da informação como
negócio. Por isso mesmo, tudo parece ter ficado mais
arriscado, neste sentido. As observações em campo mostraram
que minha hipótese fazia sentido, logo de início. Na
primeira entrada no SBT Rio, no dia 16 de junho, acompanhei
a exibição do principal telejornal da casa, que vai ao ar
na hora do almoço. A apresentadora Isabele Benito, começou
mostrando um flagrante, feito com telefone celular, do
regate, pelo Corpo de Bombeiros, de cachorrinhos recém-
nascidos, abandonados em sacolas plásticas, na rua. Em
seguida vieram as imagens de protesto no Maracanã, no dia
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anterior, quando um policial civil à paisana que puxou a
arma e depois de discutir atirou para baixo. Ele foi
identificado e o nome foi dito. Havia uma nota da Polícia
Civil do Rio dizendo que vai investigar. Não havia crédito
para a imagem. Também foram mostrados torcedores argentinos
na Praia de Copacabana e em várias partes do Rio de
Janeiro, com imagens de telefone celular, enviadas por
telespectadores. Foram cerca de 20 minutos do jornal sem
videoteipe, apenas com imagens feitas com telefone celular.
Durante todo o tempo da exibição havia um repórter
sentado numa poltrona ao meu lado, dando palpite. Ao final,
Diego me apresentou para ele: é o Eduardo Oliveira, "o cara
das imagens de celular", porque tem muitos contatos.
Eduardo pegou o Iphone dele e já começou a me mostrar a
quantidade de contatos que tem no Whatsapp. Me mostrou
vídeos enviados por Policiais Militares, que formam boa
parte da rede de contatos dele. Descemos para a redação e
ele me mostrou uma reportagem feita por ele naquela semana.
Eduardo foi agente de uma série de observações importantes
durante este período em campo. Inclusive por ter me
apresentado os repórteres cinematográficos com quem
trabalha. Um deles, o Pedro Motta, que está no SBT há seis
anos, me disse que não é pouco comum fazer reportagens
inteiras com imagens de telespectadores. “Direto a gente
faz matéria que é só a passagem. O resto, com imagens de
telefone celular”. Mas ele não gosta disso. “Acho que
desvaloriza a gente. Mas a tendência é essa, sem volta". Na
fala dele aparece uma postura que acabei adotando
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inicialmente na pesquisa: a do embate. Toda esta mudança
parecia, a princípio, ter feito surgir uma polarização
entre estes novos atores, inicialmente tímidos, mas agora
já participantes do processo ativamente, no papel de
blogueiros, midiativistas, streamers, e os jornalistas de
redação, formados e consagrados pelo lugar que ocupam e
pelo significado da profissão como pilar da democracia.
Foi a partir desta premissas que preparei o meu
trabalho de campo e apresentei esta hipótese para uma banca
de professores, em junho de 2014, como projeto de
qualificação no Doutorado em Comunicação da UFRJ. A ideia
era receber ajuda da banca para orientação do meu trabalho
de campo durante a Copa do Mundo. E foi o que aconteceu. A
equipe que ouviu e discutiu meu projeto acabou me chamando
a atenção para o quanto eu estava tentando polarizar uma
rede de relações que parecia, para eles, bem mais complexa
do que um cabo de guerra com duas pontas, como eu fazia
parecer. Eles estavam certos.
A COPA E OS ECOS DE JUNHO
A entrada em campo, de fato, aconteceu no dia 12 de
junho. O clima de Copa do Mundo surgiu com força na
primeira sida para um almoço, nos arredores da Lapa, onde
fiquei hospedado, na casa de uma amiga, nos primeiros dias.
Bandeiras coloridas, pessoas com camisa da seleção, o verde
e amarelo por todo lado, tomando as vitrines das lojas e as
bancas de artigos nos camelôs, no comércio de rua. Tendo
chegado naquele dia bem cedo ao Rio de Janeiro, segui com a
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pesquisadora Lara Linhalis para uma manifestação nos arcos
da Lapa, no centro do Rio. Lá estavam alguns ativistas, com
faixas, panfletos, rostos pintados, andavam, ao lado de
torcedores. E um quantidade enorme de policiais nas
imediações. Abordamos os ativistas e eles nos disseram que
a manifestação já havia acabado. Um professor teria sido
detido pela PM e levado para a delegacia. Resolvemos ficar
um pouco ali, já que eu achei que poderia encontrar alguma
coisa interessante. Na verdade, eu estava impressionado,
nesta primeira incursão, com a quantidade de pessoas usando
capacetes, com micro-câmeras, e carregando máscaras de gás.
Comecei a abordar algumas delas, principalmente os que
gravavam e fotografavam. Difícil saber, neste contexto,
quem era repórter, quem era midiativista, quem estava ali
só observando.
Segui para uma outra manifestação, em Copacabana, Zona
Sul da cidade, na saída a da estação Cardeal Arcoverde do
metrô. Ali foi a oportunidade de fazer contato com
jornalistas que estavam na cobertura. Na verdade, foi nesse
momento que começou a se mostrar porá mim a diversidade de
atores neste processo. Até escrever a qualificação, eu
pensava num embate entre jornalistas profissionais X não-
profissionais. Na rua, no protesto, não dá pra saber muito
quem é quem. Na situação que presenciei, penso que isto não
é possível por dois motivos: 1) se os repórteres não
tiverem microfone com logomarca ou qualquer identificação,
não dá para saber, já que muita gente usa máscaras de gás e
capacete; 2) porque ali havia muita imprensa internacional
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e de agências de notícias. A coisa só ficaria mais
complicada depois.
Numa manifestação do dia 15, que seguiu da Praça Saens
Peña, na Tijuca, em direção ao Maracanã, encontrei um rapaz
de capacete azul, escrito Imprensa. Ele fazia algumas
anotações. Lara se aproximou e perguntou de onde ele era,
sem se apresentar. Assustado, ele respondeu “que estava
fazendo algumas imagens”, de forma independente, “não é
para veículo nenhum”. Seguimos conversando e ele me disse
que ficou com medo, por isso não disse que é repórter do
jornal O Globo. “Sabe o que acontece, os manifestantes não
gostam muito do grupo onde eu trabalho e a gente sofre na
rua por isso. Nem manifestante, nem a polícia gostam da
gente. Eu já apanhei da polícia, tive um dedo quebrado.
Depois disso, venho para as manifestações sem me
identificar”. O nome dele é Bruno. Procurando na internet,
vi que ele foi agredido e preso meses antes. Depois disso,
comecei a prestar atenção nas pessoas que faziam imagens e
anotações. Eram raros os casos em que se ostentava um
capacete com logo da empresa, um crachá ou mesmo um adesivo
na câmera, no caso dos repórteres de televisão. Se havia
mais jornalistas da “grande imprensa” ali, eles disfarçados
também. E parece que tinha sim, já que encontramos, minutos
depois, notícias da manifestação na internet, no site do
G1. A hipótese é que cheguei em campo num momento em que
uma série de estratégias já estavam sedimentadas a partir
da experiência de um ano de manifestações. Os capacetes, os
disfarces, o cuidado excessivo com a própria identificação
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aparecem nestes dois exemplos citados, mas são bem mais
abundantes durante o mês em campo.
O trabalho de jornalismo sendo desempenhado por "não-
jornalistas" também chama a atenção. É o caso do que vi
quando segui para a Favela Nova Brasília, no Complexo do
Alemão, junto com uma equipe do SBT. Uma mulher foi presa
depois de ter sido sido responsabilizada por deixar um
filho morrer queimado dentro do seu barraco, no Largo da
Vivi, local conhecido como muito perigoso na região, mesmo
depois da pacificação. Quem me levou para esta reportagem
foi o repóreter Eduardo Oliveira. A equipe levou o
equipamento para fazer uma entrada ao vivo com a tecnologia
LiveU4, chamada por eles de mochilink. Neste meio tempo chegou
um “motoca”, da TV Record, com uma mochila também com o
LiveU. Ele usava colete à prova de balas, com logomarca da
emissora, com a identificação de imprensa. Ele preparou o
material e esperava ser chamado para entrar com imagens ao
vivo da delegacia dentro do Complexo do Alemão. Ele estava
ali sozinho, sem repórter, sem auxiliar e sem ninguém que
pudesse passar para ele informações no caso de qualquer
mudança no "clima"da favela enquanto ele fazia as imagens.
É assim nas manifestações também. O chefe de
jornalismo do SBT Rio, Diego Sangermano, me disse que não
manda "repórter para a manifestação, pode ser posição
conservadora, mas não coloco equipe minha em risco. Só
trabalho com imagens de colaboradores”. Justificou este
4 A tecnologia alemã, vendida para redes de televisão no mundo todo em formatode uma mochila, conta com entrada para oito chips de telefone celular etransmite imagens e sons para uma central, usando um rede 3G ou 4G, com atrasoque varia entre 15 e 40 segundos, dependendo da velocidade da conexão.
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posicionamento dizendo que teve um carro queimado, no ano
passado, durante as manifestações. E que teve cinco carros
quebrados na mesma situação. Um destes colaboradores é o
Tiago. “O Tiago é conhecido aqui como Tiago Black Bloc”. O
nome dele apareceu várias outras vezes em conversas com
profissionais do SBT Rio. Isabela Masi, chefe de reportagem
da emissora, disse que ele é "como um infiltrado, que se
passa por manifestante”, para fazer imagens que depois
vende. Ela me disse ainda que ele vende imagens também para
outras TVs e até para a CNN. Fiquei pensando na relação de
uma figura desta com a empresa. Sem garantia trabalhista
nenhuma, se colocando num lugar de risco.
Isabela me informou o telefone do Tiago e liguei para
ele. Marcamos um encontro durante uma manifestação, em
Copacabana, no dia 23 de junho. Tiago foi desde o início
muito direto e claro nas falas dele. Talvez tenha sido o
entrevistado mais impactante até este momento da pesquisa.
Ele disse que começou a cobrir as manifestações desde o
início, quando fazia imagens para a CNN. Naquele momento
estava vendendo imagens, preferencialmente, para o SBT, mas
também para a Bandeirantes e durante a Copa do Mundo para o
El País. Ou seja, é um freelancer. Perguntei como ele consegue
ter entrada nas manifestações. “O pessoal conhece o meu
trabalho, sabe que eu não vou fazer merda. Uma vez pedi a
um Black Bloc para colocar a máscara enquanto ele tava
quebrando tudo, para não mostrar o rosto dele”. “Mas em
alguns lugares não dá para se identificar. Eu estou com
este colete aqui (com a logomarca do SBT), mas já vou tirar
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quando começar a manifestação”. Tiago me disse que tem uma
rede de contatos que permite a ele trabalhar. "Como eu são
apenas três no Rio todo. Sendo que apenas eu entro na
favela sem PM”. Tiago me contou também que já apanhou da
polícia enquanto fazia cobertura. “Era uma manifestação. O
policial ia me bater, eu vi. Coloquei a mão esquerda na
frente para proteger a câmera e o meu rosto. Ele quebrou o
meu braço”.
A conversa com este profissional me deixou mais
embaralhado do que já estava. Situação que foi piorada
quando confrontei estas informações com os relatos
anteriores de manifestações. No dia 26, na Candelária, no
centro do Rio, fotografei Policias Militares usando óculos
com uma microcâmera que lembra o Google Glass. Para que
seriam usadas aquelas imagens? E para que seriam usadas as
imagens transmitidas ao vivo durante a manifestação do dia
15 de junho, na Praça Saens Peña? Foi lá que fotografei
dois PMS, juntos: um usava uma câmera pequena e gravava o
protesto, o outro carregava uma mochila LiveU. Por que a
polícia está usando uma tecnologia de transmissão de som e
imagem ao vivo? Mais atores entravam então na minha
pesquisa. A Polícia Militar tornou-se produtora de imagens,
com tecnologia de transmissão via antena de telefone
celular. Assim como os coletivos e as emissoras. Fiquei com
uma pulga atrás da orelha. Com duas pulgas: a Polícia
Militar e o Tiago Ramos, que acabavam de colocar por terra
a minha hipótese simplista de um embate dualista entre
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jornalistas e não-jornalistas. Neste sentido, o modelo das
redes parece fazer mais sentido.
JORNALISMO EM EQUÍVOCO
Quando o pesquisador começa o seu trabalho de campo,
ele mesmo vem marcado por um modo de funcionamento
proveniente de seu contexto, no qual faz sentido produzir
uma pesquisa, que deve ser comunicada, de alguma forma, à
sua tribo, posteriormente. É assim, para Roy Wagner (2010),
no contato com a diferença, por contraste, que “nasce” para
o antropólogo a cultura, abstração que só faz sentido no
seu próprio contexto de origem, uma invenção do pesquisador
usada como forma de marcar seu lugar em relação ao outro. A
cultura não passaria então de uma estratégia, da qual o
antropólogo lança mão, como forma de entender esta
experiência. E mais: só aparece quando ele coloca-se em
confronto com o outro: seria então um tipo de precipitação,
o que surge da relação, não sendo possível defini-la
claramente, objetivamente, nem antes, nem depois do
contato. Daí o termo invenção.
De fato, poderíamos dizer que um antropólogo “inventa” acultura que ele acredita estar estudando, que a relação –por consistir em seus próprios atos e experiências – émais “real” do que as coisas que ela “relaciona”. Noentanto, essa explicação somente se justifica secompreendemos a invenção como um processo que ocorre deforma objetiva, por meio de observação e aprendizado, enão como uma espécie de livre fantasia (WAGNER, 2010,p.30).
Para Wagner, esta tentativa de repete do outro lado: o
nativo também tenta entender o pesquisador. Por isso ele
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considera a possibilidade de uma Antropologia Reversa, um
pensamento, não sistematizável, como na antropologia, mas
similar, do ponto de vista intencional, por parte do
nativo. O importante é pensar que esta invenção não é
exclusividade do antropólogo. O nativo também formula
hipótese a partir deste encontro, e mesmo que não expresse
este pensamento pelos meios acadêmicos, também inventa o
outro de alguma maneira.
A noção ganha fôlego a partir da visão de Bruno
Latour, para quem a Antropologia precisa de uma profunda
transformação. “Ela mesma evita estudar objetos da natureza
e limita a extensão de suas pesquisas apenas às culturas.
Permanece assimétrica. Para que se torne comparativa e
possa ir e vir entre os modernos e os não-modernos, é
preciso torná-la simétrica” (LATOUR, 1994, p.94). Latour
propõe que a barreira que separa ideologia e ciência seja
derrubada, desconstruindo a posição do objeto como fora do
problema. Daí a proposta de uma Antropologia Simétrica, na qual
existe a consciência de que a definição do que é científico
ou não é construída, e não uma emanação. Portanto, os
objetos pelos quais chegarmos às conclusões científicas
também fazem parte do processo, e por vezes, cumprem papel
fundamental.
O próprio fato de ser, eu mesmo, um jornalista,
repórter de televisão, me coloca no lugar da Reversibilidade e
da Simetria: não só eu quero conhecer meus "nativos",
colegas de profissão, e estabelecer parâmetros, etnografar
as vivências e as mudanças nas rotinas produtivas a partir
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dos dispositivos móveis, mas eles também querem saber de
mim, da minha produção acadêmica, do meu interesse em tudo
isso. Por isso mesmo não foram poucas as explicações sobre
o meu processo de pesquisa, sobre a conciliação entre vida
acadêmica e mercado, uma questão que é bem típica do mundo
dos jornalistas, e ainda sobre o que eu penso sobre o
trabalho de midiativistas. Mas talvez o processo de
reversibilidade mais importante tenha aparecido na fala da
presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da
Cidade de Rio de Janeiro, Paula Máiran. Conheci Paula pelo
telefone e ela me recebeu na sede do Sindicato, no centro
do Rio de Janeiro, para uma conversa de mais de duas horas.
Quando questionada sobre, se o que os midiativistas fazem é
jornalismo ou não, ela me respondeu: "Não acho que é esta
questão. O problema não é esse". Para ela, o importante,
nestes tempos de mudanças no jornalismo, é entender que
toda atividade que fomente o jornalismo, e a liberdade de
expressão, em última análise, deve ganhara atenção do
Sindicato. Uma mudança de direção, se pensarmos o Sindicato
como defensor dos interesses de uma determinada classe de
trabalhadores.
Felipe Peçanha, do Mídia Ninja, também não penou duas
vezes quando fiz essa pergunta. Para ele, "pouco importa se
as pessoas concordam ou não. Não estamos preocupados em
chamar o que fazermos de jornalismo". Ele disse que a
disputa do sentido da palavra Jornalismo não é o foco do
Mídia Ninja. Ele gastou boa parte da uma hora e meia de
entrevista com ele para me fazer perguntas e tentar
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entender a minha proposta de estudo. O que parece ser um
comportamento do grupo, já que, no dia do jogo do Brasil
contra o Chile, 28 de junho, também respondi a uma série de
perguntas do Grupo do Mídia Ninja que acompanhei na
cobertura da exibição da partida, na Praia de Copacabana.
Paulo Gianini, um deles, me perguntou, em determinado
momento, se eu achava que o movimento Não vai ter Copa
conseguiu alguma coisa com as manifestações. Eu disse que
sim que ao menos não estava sendo realizada uma Copa sem
crítica, sem incômodos. E então ele me apresentou uma
teoria, que, de acordo com ele, foi pensando coletivamente,
em reuniões do Mídia Ninja, sobre a confluência de
movimentos sociais pós junho de 2013. E que, neste
contexto, um fato marcante foi a morte do cinegrafista de
Rede Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, da TV
Bandeirantes, quando estava cobrindo os protestos do dia 6
de fevereiro de 2014 no Rio de Janeiro. Santiago, que não
usava equipamento de proteção, foi atingido por um rojão
que, a princípio partiu das mãos dos ativistas Caio Silva e
Souza e Fábio Raposo, indiciados por homicídio doloso,
quando existe a intenção de matar5, numa investigação
baseadas em imagens de câmeras de segurança e de canais de
televisão, além de fotografias. Para Gianini, "foi a mídia
que conseguiu ganhar a guerra ideológica, conseguiu uma
versão definitiva de toda esta história. Parece que foi aí
que a coisa se acirrou entre jornalistas e midiativistas.
5 Fonte: http://br.noticias.yahoo.com/acusados-de-lan%C3%A7ar-roj%C3%A3o-em-cinegrafista-ser%C3%A3o-indiciados-no-rio-de-janeiro-181733895.html.
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As brigas na porta da delegacia foram grandes. Os
midiativistas não acompanharam isso, os jornalistas sim."
Gian, como é conhecido no grupo, acha que foi um "exagero"
a condenação dos indiciados por homicídio doloso, já que,
de acordo com ele, não houve intenção de matar “Foi um
acidente que aconteceu por irresponsabilidade deles". Para
o midiativista, há um antes e um depois do acontecido, que
foi um marco na relação dos diversos atores que ocupam o
espaço na cobertura midiática das manifestações.
Fala que é corroborada por jornalistas que eu ouvi
durante a pesquisa. O chefe de jornalismo do SBT, Diego
Sangermano, disse que, na época dos protestos, em junho de
2013, "ficava ligado aqui no Mídia Ninja, aqui no
computador, o tempo todo, acompanhando o que estava
acontecendo. Foi lindo no ano passado, de arrepiar mesmo as
manifestações. Mas agora já foi, me decepcionei. A gente
sabe agora que tem muitas outras coisas, muita coisa de
política envolvida nisso. Não tem mais a mesma força”. Para
a chefe de produção do SBT, Isabela Masi, “eles se acham
jornalistas. Se acham, mas não são. (...). Eu odeio esse
tipo de coisa. Nem posso falar muito”. Ela acha que eles
não gostam da imprensa. Nem o Ninja, nem outros coletivos
porque dizem que a mídia deturpa o que eles fazem.
“Deturpar quer dizer, ouvir os dois lados, fazer
jornalismo”. As discordâncias, mesmo que negadas ou
evitadas, existem. E nos colocam no que acreditamos ser uma
disputa de sentido em torno da palavra jornalismo. Do que
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estão falando midiativistas, repórteres, editores,
policiais militares, freelancers, quando usam esta palavra?
Eduardo Viveiros de Castro (2002) reúne as propostas
de Bruno Latour (1994) e Roy Wagner (2004), considerando
também a possibilidade, mesmo como um tipo de ficção, da
existência de uma antropologia nativa. Wagner vai além, nos
dizendo que não é só o antropólogo que pensa o nativo, mas
que o nativo também pensa o pesquisador. Mas como pertencem
a mundos diferentes, a cosmos distintos, nem sempre
conseguem se entender. A simetrização da relação entre
jornalistas da grande mídia e os outros atores deste
processo parece aumentar (não apenas metaforicamente) os
riscos da atividade profissional do repórter. Daí
precipita-se o equívoco, conceito tomado de empréstimo na
obra de Eduardo Viveiros de Castro, e também de grande
importância no nosso trabalho de campo.
Viveiros de Castro propõe trazer as contribuições do
pensamento ameríndio para a teoria antropológica, lembrando
que a comparação é a base do trabalho de um etnógrafo, que
faz paralelos entre sua própria vivência social e a
observação da sociedade do outro, para fazer analogias,
numa tentativa de tradução. Supondo a separação clássica
entre natureza e cultura, esta tradução permite que este
etnógrafo descubra caminhos culturais diferentes para
acessar uma mesma realidade. O problema é que, segundo
Viveiros, quase nunca, numa relação etnográfica, os dois
entes deste processo comunicativo dividem a mesma posição,
o mesmo ponto de vista, ou seja, a mesma realidade. Nesta
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visão, não seriam as culturas acessos diferentes à mesma
natureza. Mas sim a cultura como um a priori, e as naturezas
como dependentes deste ponto de vista ocupado pelo
indivíduo. Ele oferece exemplos.
Here I have in mind the type of myth where, for example,the human protagonist becomes lost deep in the forest andarrives at a strange village. There the inhabitants invitehim to drink and refreshing gourd of “manioc beer”, whichhe accepts enthusiastically and, to his horrifiedsurprise, his host place in front of him a gourd brimmingwith human blood. (VIVEIROS DE CASTRO, 2004, p.9)
Este tipo de história, comum na bibliografia de
Viveiros de Castro, resume toda a teoria do perspectivismo,
e por consequência, a ideia de equívoco. Depois de ser
capturado por outro ponto de vista, o humano passa a ver os
animais como pares, como humanos também. É no momento de
tomar a bebida que ele percebe o erro. O que o interlocutor
chama de cerveja de mandioca, na verdade, para ele, é
sangue humano. O mesmo nome, em realidades distintas, serve
para designar coisas completamente diferentes. Aí está o
equívoco, fundamento da comunicação, na visão deste autor.
Ou seja, não é o entendimento, o consenso e a ordem, mas
sim a incompreensão que marca o processo comunicativo.
Acreditamos ser possível tomar este pensamento como um
tipo de teoria da Comunicação, apostando no equívoco como
base para o trabalho de campo. Viveiros de Castro propõe
que a antropologia se transforme pela antropologia nativa:
se ela quer pensar como o índio, precisa assumir o corpo
dele, deixar-se afetar e transformar-se. Na nossa pesquisa,
podemos colocar a questão: se queremos entender e pensar o
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lugar do jornalista é preciso nos deixar impregnar pela
vivência do repórter no dia-a-dia. Mas, ao mesmo tempo,
acessar o outro lado (ou os inúmeros outros lados...), como
um xamã, capaz de atravessar as fronteiras e traduzir um
lado para o outro. Por isso a proposta de um trabalho de
campo compartilhado, que me permitirá o acesso a outros
modos de organização, outros jornalismos. Desta maneira,
deslocamos o equívoco da relação entre antropólogos e
nativos para a relação na qual se disputa o domínio do
sentido da palavra jornalismo.
CONCLUSÃO
As primeiras observações dão conta de uma relação que
não parece ser amistosa no ambiente do meu trabalho de
campo. Jornalistas com formação superior, trabalhadores de
empresas de comunicação do Rio de Janeiro, em geral,
durante a pesquisa, apresentaram profundos questionamentos
com relação aos procedimentos e à conduta ética de
midiativistas e produtores independentes de notícias. A
situação parece ter sido agravada depois da morte do
cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, atingido
por um rojão lançado por manifestantes durante um ato na
Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, em fevereiro de
2014. Também é preciso levar em conta o número cada vez
maior de jornalistas e midiativistas feridos neste tipo de
protesto. De acordo com a presidente do Sindicato dos
Jornalistas do município do Rio de Janeiro, Paula Máiran,
foram mais de 90 agressões, registradas em boletins de
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ocorrência por 77 jornalistas da cidade, entre maio de 2013
e junho de 2014. Passado algum tempo, é hora de retomar os
dados recolhidos em campo e me debruçar sobre eles para a
reflexão.
A imersão no campo durante a Copa do Mundo foi o
início de um trabalho que teve como continuidade um segundo
trabalho de campo, desta vez em Nova Iorque com uma bolsa
de estudos da Capes, para acompanhar o trabalho de
repórtres e midiativistas durante as manifestações do
movimento Black Lives Matter, entre dezembro de 2014 e março de
2015. Os embates, a princípio, dão a sensação de que,
guardadas as devidas diferenças regionais, a difusão de
tecnologias concomitantes em quase todo o mundo colocam os
produtores de narrativas audiovisuais em situações bem
parecidas. O objetivo agora é retornar a campo, no Rio de
Janeiro, para novas entrevistas e vivências que foram
necessárias, até a conclusão da minha tese, no Programa de
Pós-graduação em Comunicação da UFRJ, que tem como titulo
provisório: “O jornalismo em equívoco: as redes, o telefone
celular e a (re)invenção do repórter”.
REFERÊNCIAS
GILMOR, Dan. Where Citizens and Journalists Intersect. Nieman Reports, Cambridge: Nieman Foundation forJournalism at Harvard, 2005. Disponível em: <http://www.nieman.harvard.edu/reportsitem.aspx?id=100559>.Acesso em: 17 abr. 2012.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
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LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
SILVA, Fernando Firmino da. Jornalismo livre streaming: tempo real, mobilidade e espaço urbano. Anais do VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo: São Paulo, 2008.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation. In: Tipití, Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, vol. 2, 2004. Disponível em: http://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/vol2/iss1/1. Acesso em: 20 maio 2013.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e Multinaturalismo na América Indígena. In: A Inconstância deAlma Selvagem. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 345-399.
WAGNER, Roy. A invenção da Cultura. São Paulo. Cosac Naify.2010.
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