leurquin, pablo; lara, fabiano teodoro. a integração dos transportes aéreos no mercosul e a...
TRANSCRIPT
Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI Tema: "A Ordem Jurídica Justa: um diálogo Euroamericano."
16, 17, 18 e 19 novembro de 2011 – Vitória – ES
Membros da Diretoria:
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Eneá de Stutz de Almeida
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Roberto Grassi Neto
Jose Alfredo de Oliveira Baracho Jr. (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Rogério Monteiro Barbosa (titular)
Felipe Magalhães Bambirra (suplente)
Colaboradores:
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduanda em Administração - UFSC
Carlos Fernando Montibeller da Silva
Graduando em Ciências da Computação – UFSC
Marcus Souza Rodrigues
Diagramador dos Anais
Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
C749a Congresso Nacional do CONPEDI (20. : 2011 : Vitória, ES)
Anais do [Recurso eletrônico] / XX Congresso Nacional do CONPEDI. –
Florianópolis : Fundação Boiteux, 2011.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-7840-070-5
Modo de acesso: http://www.conpedi.org.br em anais dos eventos
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos.
2. Direito – Filosofia. I. Título.
CDU: 34
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
A INTEGRAÇÃO DOS TRANSPORTES AÉREOS NO MERCOSUL E A ATUAÇÃO
DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL
Fabiano Teodoro de Rezende Lara
Pablo Georges Cícero Fraga Leurquin
RESUMO
Faz-se uma reflexão sobre a integração dos transportes aéreos no Mercado Comum do Sul
(Mercosul). Aponta-se a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), instituída pela Lei
11.182, de setembro de 2005, como uma importante instituição. Apresentam-se conceitos
econômicos e jurídicos fundamentais para a compressão da temática. Em seguida são
desenvolvidos três pontos essenciais, começando pela importância da integração do setor
aéreo para o desenvolvimento do Mercosul. Busca-se compreender a atuação da ANAC
dentro da sistemática das agências reguladoras no contexto da Constituição Federal de 1988.
Por fim, analisa-se a concepção moderna da defesa da concorrência como instrumento de
efetivação de políticas públicas.
Palavras-chave: Integração dos serviços aéreos, Mercosul, ANAC.
RÉSUMÉ
Ce travail présente une réflexion sur l'intégration des transports aériens dans le Marché
commun du Sud (Mercosur). L'Agence Nationale de l’Aviation Civile (ANAC),instituée par
la loi 11.182, de septembre 2005, est reconnue comme étant une importante institution. Le
thème est tout d'abord contextualisé et dans un second temps des concepts permettant sa
compréhension sont présentés. Trois points essentiels sont ensuite développés, d’abord
l’importance de l’intégration du secteur aérien dans le développement du Mercosul.
Comprendre l’ANAC dans la systématique des agences régulatrices dans le contexte de la
Constitution Fédérale de 1988. À la fin, analyser la conception moderne de la défense de la
concurrence en tant qu’instrument effectif des politiques publiques.
Mots-clés: Intégration des services aériens, Mercosul, Anac.
4797
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
1. Considerações iniciais
Contextualizando o objeto de estudo
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada1 (IPEA), no comunicado de
nº 54, de maio de 2010, intitulado de “Panoramas e Perspectivas para o Transporte Aéreo no
Brasil e no Mundo”, em perspectiva mundial e de longo prazo, vive-se extraordinária expansão
do setor aéreo. Isso decorre de uma junção de ganhos de eficiência em quatro searas, a saber:
tecnológica nas aeronaves e dos sistemas de propulsão; profissional, aumento da produtividade
dos empregados das empresas aéreas; gerencial, no que tange à condução dos recursos
financeiros, humanos e materiais das empresas; e institucional, no melhor relacionamento entre
o poder público concedente e as empresas operadoras, em termos da modernização e adequação
da função reguladora. (IPEA, 2010, p-3).
Pois bem, a despeito do panorama positivo aviação civil, cumpre destacar que existe
forte concentração do tráfego aéreo mundial de pessoas nas rotas internas dos Estados Unidos,
Canadá e da Comunidade Européia. Em 2008, essa concentração chegava a 61% da demanda
mundial e se acrescido as rotas internacionais do Atlântico Norte para o pacífico – Sudeste e
Asiático – Japão, a concentração chega a 88%. (IPEA, 2010, p - 5). Para compreender melhor
os dados apontados colaciona-se tabela 01, elaborada pelo IPEA (2010, p-6), que compara a
relação passageiros-quilômetros pagos em vôos regulares2 internacionais e domésticos de
passageiros em grandes regiões3.
TABELA 01
1 O IPEA é uma fundação pública federal que se vincula à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O seu principal objetivo é fornecer suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Via de regra, o Instituto publica comunicados com fito de antecipar alguns estudos e pesquisas realizados pelo mesmo, com linguagem sintética e objetiva sobre a temática abordada e, em geral, são sucedidos por notas técnicas, textos para discussão, livros e demais publicações. (fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/, acessado em 06 de abril de 2010) 2 De acordo com Pinto (2008, p-7), há duas categorias o transporte aéreo: o regular e o não regular. A primeira engloba todas as linhas permanentes, já a segunda engloba as linhas de caráter eventual, incluindo vôos charter, que são aqueles que esperam completar a lotação para levantar vôo, e taxi aéreo. 3 As regiões são: América do Norte; Europa; Ásia, Extremo Oriente e Pacífico; América Latina e Caribe; Oriente Médio e África.
4798
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
Constata-se que, na divisão realizada pelo IPEA, a região da América Latina e Caribe é
a terceira região que menos tem concentração de tráfego aéreo mundial para vôos regulares
internacionais e domésticos de passageiros em 1996, ficando à frente apenas da África e
Oriente Médio. Acontece que, do ano de 1996 a 2008, a região da América Latina e Caribe
cresceu 112,2 %, ficando à frente, no que tange ao crescimento, da Europa (71,3%) e da
América do Norte (36,9%). No entanto, não foi suficiente para alterar sua posição diante das
demais regiões, mantendo-se na mesma situação de 1996.
Para analisar a situação do transporte de carga, o Instituto também utilizou a mesma
estratégia, isto é, dividiu os países nas mesmas seis grandes regiões. Ao analisar os dados da
Tabela 2, constata-se que os resultados foram bem similares ao apresentado na Tabela 1, sendo
ponto divergente o fato de a concentração ser um pouco mais elevada no grupo Ásia, Extremo
Oriente e Pacífico (IPEA, 2010, p - 6). Para compreender essas informações referentes a esse
setor do transporte aéreo colaciona-se a tabela 02, que o IPEA (2010, p-6) trouxe em seu
estudo.
TABELA 02
4799
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
Percebe-se na Tabela 02 que o grupo América Latina e Caribe encontra-se na mesma
posição da tabela relativa ao transporte de passageiros. Todavia, no que tange à concentração a
nível mundial do tráfego aéreo mundial de cargas, está dividido de forma mais equânime entre
América do Norte; Europa; e Ásia, Extremo Oriente e Pacífico. Este último grupo apresentou
crescimento durante o período de 1999-2008 que o levou para segundo lugar no ranking de
concentração dessa modalidade de transporte, superando a Europa. Esses dados mostram que a
participação da América Latina ainda é muito insipiente no contexto internacional e não
coaduna com suas perspectivas de crescimento econômico.
De acordo com o IPEA (2010, p-2), para se compreender a relação íntima entre o
crescimento econômico e o crescimento do setor aéreo em perspectiva global, é necessário que
se analisem as duas espécies de transporte aéreo, de passageiros e de cargas.4 No que tange à
movimentação de cargas, vem-se induzindo cadeias logísticas complexas que visam suprir as
demandas das compras pela internet, bem como para dinâmica de mercadorias que exigem
rapidez na entrega e cujo valor justifica a utilização do transporte aéreo. Já no tocante ao
transporte de passageiros, o aumento de produtividade e diminuição dos preços das passagens
gerou grande crescimento das escalas de movimentação, aumentando o fluxo de viagens de
turismo e de negócios, agregando valor à complexa cadeia de aviação civil.
Isto posto, Barat (2007) elucida que, no atual panorama de economia globalizada, a
logística e o transporte passaram a atuar como questões de grande importância na inserção mais
4 De acordo com a visão de Pinto (2008, p - 7), o transporte aéreo subdivide-se em passageiros, carga e mala
postal. É válido neste momento registrar que no presente estudo utilizar-se-á o termo transporte de cargas para englobar não apenas as cargas, mas também os correios e malas postais, devido à similitude da tecnologia empregada.
4800
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
plena no comércio mundial. Assim, a existência de infraestruturas adequadas, sistemas
operacionais eficientes e empresas nacionais privadas de porte para a logística e o transporte
são condições fundamentais para que as negociações entre países e blocos se realizem com
maior reciprocidade.
Ainda sobre a relação entre o crescimento econômico e o crescimento do setor aéreo, a
título de ilustração, recorde-se estudo feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
(BNDES), sob organização de Marchetti (2001, p-2), ressaltando que o crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) de um país gera um impacto de cerca de três vezes maior na aviação. Para
ilustrar essa relação, no referido estudo foi feita uma tabela que compara o crescimento do
Produto Interno Bruto do Brasil e a quantidade de vôos, senão veja-se:
O estudo destaca que a queda que aconteceu no ano de 1999 se deu principalmente pela
variação cambial ocorrida no mês de janeiro, fato este que trouxe forte impacto sobre a
demanda e os custos das empresas.
Nesse sentido, resta evidente que o crescimento do setor aéreo é efeito do crescimento
econômico, ou seja, o aumento do PIB de um país aumenta a quantidade de vôos de transporte
de passageiros e de carga. Nesta perspectiva, importa trazer os dados apresentados na citada
pesquisa que estipulam como previsão crescimento, em média, de 4,8 a.a. nos próximos 20
anos. Sendo aguardado crescimento acima da média nos mercados da China, América do Sul e
Ásia-Pacífico.
Levando-se em consideração os fatos expostos, percebe-se que o desenvolvimento
econômico da América Latina, em especial dos membros do Mercosul, está vinculado
obrigatoriamente ao crescimento no transporte aéreo. Repise-se, a situação atual dos transportes
dos países membros do Mercosul impede o aprofundamento das relações comerciais entre si; o
4801
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
turismo não se desenvolve em toda sua potencialidade; e não se estabelece um adequado
sistema concorrencial entre as empresas, prejudicando a qualidade do serviço prestado.
Assim, questiona-se o tipo de postura que devem assumir os países-membros para
adequarem à política institucional relativa ao setor da aviação civil, levando-se em
consideração as experiências de outras regiões que mostram índices de maior desenvolvimento
no transporte aéreo de pessoas e cargas.
Nesse ponto, é forçoso citar a experiência de integração de transportes bastante
consolidada vivida pela União Européia, a ponto de se estabelecer um mercado comum aéreo.
Ou seja, ela acabou com as restrições para o transporte aéreo, permitindo o exercício
incondicional das nove “liberdades do ar”5, consolidadas pelo advento da Convenção de
Chicago de 1944. Portanto, um vôo entre países na União Européia é considerado doméstico e
não internacional, conforme aduz Neto (2007).
De acordo com Pinto, em seu artigo O marco regulatório da aviação civil: elementos
para a reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica6, o grande diferencial da fase de
integração dos transportes aéreos na União Européia foi o fato de conceder, através de acordo
multilateral, os privilégios de cabotagem7, viabilizando que empresas aéreas sediadas em outros
países membros possam voar dentro do bloco. Além disso, foi eliminado qualquer empecilho à
nacionalidade dos capitais que controlam as empresas aéreas operante apenas nas linhas
internas do bloco. O autor indica como única limitação, o fato das empresas que operem linhas
internacionais serem obrigadas a manter 51% do capital europeu.
Ao analisar a experiência européia, Neto (2007) mostra que os resultados dessa
liberalização foram bastante positivos, pois aumentou-se a quantidade de companhias aéreas
voando dentro da União Européia8. Ele também mostra que, com o aumento da concorrência
5 Posteriormente, as liberdades do ar serão melhor analisadas. 6 Em seu artigo: “Abertura do mercado brasileiro de aviação: a questão da cabotagem e da participação do capital estrangeiro nas companhias aéreas brasileiras.” Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos.htm. Acessado em: 05 de março de 2011. 7 A cabotagem é objeto do art.7º da Convenção de Chicago de 1944: Art. 7º Cabotagem: Cada um dos Estados contratantes terá o direito de negar às aeronaves dos demais Estados contratantes permissão para tomar em seu território, contra remuneração ou frete, passageiros, correio ou carga destinados a outro ponto de seu território. Cada um dos Estados contratantes se compromete a não estabelecer acordos que especificamente concedam tal privilégio a título de exclusividade a qualquer outro Estado ou a uma empresa aérea de qualquer outro Estado, e se compromete também a não obter de qualquer outro Estado algum privilégio exclusivo desta natureza. 8 Nesse ponto, ressalta-se a doutrina trazida por Kuhn (2003) no sentido de destacar a inovação trazida pelo crescimento da quantidade de empresas lowcost/low-fare (baixo-custo/baixa- tarifa) na Europa, que garantiu desenvolvimento na concorrência nos transportes aéreos, bem como gerou uma reorganização da rede aérea, na forma de hub-and-spoke (sistema de distribuição de voos baseado em aeroportos concentradores (hubs) que centralizam as operações e conexões e outros que recebem apenas ligações secundárias (spokes).)
4802
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
entre as companhias aéreas, diminuiu-se o preço das tarifas e aumentou-se a possibilidade de
novas rotas, principalmente devido ao crescimento de companhias aéreas de baixos custos.
Entende-se, assim, que, além dos desdobramentos positivos já citados da integração nos
transportes aéreos na União Européia, indica-se também o estabelecimento de um sistema de
concorrência no setor, que garantiu utilidade às normas de antitruste como ferramenta para a
efetivação de políticas públicas (FORGIONI, 2008). Sem dúvidas, esse ponto é crucial para
compreender esse estudo, pois faz remeter à postura do Estado frente à Economia, ressaltando-
se o princípio da subsidiariedade e o processo de desregulamentação, como características do
chamado novo papel do Estado, conforme afirma Fonseca (2010).
Partindo-se da idéia de que a integração de transportes aéreos do Mercosul mostra-se
como situação possível e adequada para desenvolver o transporte aéreo, destaca-se o Acordo de
Fortaleza de 17 de dezembro de 1996. São signatários do Acordo de Fortaleza, Argentina,
Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia, como documento que regula os serviços aéreos sub-
regionais desses países, com vistas à integração dos serviços aéreos dos mesmos. De acordo
Pinto (2008), a intenção desse tratado é, inicialmente, viabilizar a ligação entre cidades como
Campo Grande, Porto Velho, Cuiabá, Rio Branco, Manaus, Belém, Boa Vista e Macapá e os
países contíguos, sem necessidade de escalas em São Paulo ou Rio de Janeiro.
Nessa perspectiva de integração dos transportes aéreos entre os países do Mercosul,
partindo-se do pressuposto de que a regulação do setor aéreo é realizado no Brasil pela Agência
Nacional de Aviação Civil, surgem indagações sobre como deverá atuar a referida autarquia
frente esse processo. Dentre elas, destacam-se: Qual será a postura da Agência Nacional de
Aviação Civil no processo dessa integração? Qual a sua finalidade e sua atuação, considerando
suas atribuições legais? Poderá a ANAC dentro de suas atribuições legais, contribuir para a
efetivação de uma concorrência com o viés moderno? Além disso, indaga-se em que momento
e de que forma a ANAC poderá atuar na efetivação da integração dos transportes aéreos no
Mercosul. Essas questões são de diversas ordens e demandam, por isso, uma reflexão plural.
Elas desenham o olhar que se deve lançar ao objeto de estudo.
O que já se tem e o que é preciso fazer
Para melhor compreender a integração dos transportes aéreos, é necessário traçar pontos
de convergências a fim de que se possam unir diversos temas importantes do Direito
Econômico. Alguns autores, desde o início do século XXI, vêm se aprofundando nestas
questões. Dentre trabalhos publicados, destacam-se estudos realizados sobre regulação (GRAU,
4803
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
2010; FONSECA, 2010; SUNDFELD, 2006), agências reguladoras (ARAGÃO, 2006;
BARROSO, 2006; NETO e FERNANDES, 2006), integração do Mercosul (SENNES e
MENDES, 2008; VAILLANT, 2001; BOHLKE, 2008), direito concorrencial (NUSDEO, 2002;
FORGIONI, 2008; OLIVEIRA, 2009).
Como se vê, são temáticas vastamente estudadas de forma separada. A proposta aqui em
defesa sugere a combinação desses segmentos como ponto essencial para compreender a
complexidade do fenômeno aqui estudado. Nesse sentido, o pesquisador precisa buscar na
Economia, nas Relações Internacionais e em outras áreas afins, respostas para complementar a
formação jurídica da problemática.
As reflexões desenvolvidas se sustentam na proposta de uma análise conjuntural da
situação, levando-se em consideração as conexões apresentadas pelas temáticas, sem se
restringir a um estudo independente de cada assunto.
O plano do artigo
O objetivo principal deste artigo é desenvolver uma reflexão sobre a integração dos
transportes aéreos no Mercosul, considerando o conceito de integração de transportes aéreos;
intervenção por regulação; modelo brasileiro de agências reguladoras; e livre concorrência,
na constituição de fatores que contribuem para a compreensão do referido fenômeno. A partir
deles, buscar-se-á desenvolver três pontos que merecem destaque, a saber: A integração de
transportes e sua importância no desenvolvimento regional do Mercosul; Agências reguladoras
e as formas intervenção estatal trazidas pela Constituição Federal de 88; e a concorrência como
instrumento de efetivação de políticas públicas.
No constructo dessa reflexão, ressalta-se a atuação da Agência Nacional de Aviação
Civil (ANAC), autarquia brasileira, instituída pela Lei 11.182, de 27 de setembro de 2005. Essa
entidade é integrante da Administração Pública Federal indireta, vinculada ao Ministério da
Defesa, responsável pela regulação e fiscalização das atividades de aviação civil e de infra-
estrutura aeronáutica e aeroportuária.
Portanto, a fim de que se possa viabilizar tal objetivo, propõe-se que o fenômeno seja
visto a partir de um olhar interdisciplinar que agregue contribuições de duas grandes áreas de
conhecimento, a saber, Direito e Economia. Mas, é em um entroncamento dessas áreas de
conhecimento, no Direito Econômico, com ancoragem no Direito Constitucional, no Direito
4804
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
Administrativo e no Direito Internacional que se aponta como viável a possibilidade de
investigar o fenômeno do espaço aéreo no Mercosul.
Não se tem nenhuma pretensão de dar respostas aos problemas levantados, mas de pôr
em evidência inquietações que serão refletidas, considerando os conceitos anteriormente
elencados e também os itens aqui destacados. Inicia-se o artigo questionando o alcance de uma
determinada área de conhecimento, neste caso o Direito, ao tentar dar conta de fenômeno
estudado, de maneira isolada. Em seguida, traz-se em evidência conceitos fundamentais que
contribuirão para a discussão sobre a integração dos transportes aéreos no Mercosul. Na
sequência, põe-se em evidência aspectos a serem considerados nesta discussão. Nas
considerações finais, apresentam-se questões que podem contribuir para um aprofundamento
sobre a problemática da integração dos transportes aéreos, sugerindo-se pesquisas posteriores.
2. Teria o Direito sustentabilidade para, isoladamente, dar conta da integração do
transporte aéreo?
O Direito é uma disciplina aplicada que tem como foco principal estudar a regulação
do comportamento humano. Por ter esse perfil, já se vê uma necessidade de se entender de
maneira mais ampliada essa área de conhecimento. Tal postura se ancora na crença de que o
grande desafio do moderno jurista é a capacidade de enxergar a interação humana e sua
regulação, como fenômenos que combinam diversas áreas do saber. Dessa forma, aquele que
se propõe a estudar o Direito precisa entender que a compreensão do fato social não pode se
dar de forma atomista, ou seja, é forçoso que o mesmo combine diversas áreas do
conhecimento para entender a profundidade e a complexidade da sociedade do Século XXI.
Nessa perspectiva, e considerando o objeto dessa reflexão, sugere-se que se
aprofundem os conhecimentos sobre a comunicação entre o Direito e a Economia. Ao se unir,
tornou-se uma disciplina relativamente recente, ao se comparar com outras da dogmática
jurídica, que estuda as normas que regem as relações sob o prisma da direção da política
econômica pelo Estado (FONSECA, 2010), a saber, o Direito Econômico.
O surgimento dessa disciplina ratifica a crença de que atualmente é necessário
entender que a doutrina brasileira vive um grande momento e que esta situação exige um
estudo da integração de diversos fenômenos jurídicos e econômicos modernos. Tendo em
vista o próprio conceito de Direito e a visão mais atualizada
Tendo compreendido a importância da disciplina Direito econômico, passa-se a tratra
de conceitos relevantes neste artigo.
4805
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
3. Conceitos fundamentais
Como já se disse, há quatro conceitos basilares para que se entenda o fenômeno da
integração dos transportes aéreos. É justamente sobre eles que se passará a tratar.
A Integração, de acordo com o Dicionário LEXIQUE DES TERMES JURIDIQUES
(GUILLIEN e VICENT, 2010, p-397), é a “Fusion de certaines compétences étatiques dans
un organe superétatique ou supranational”9. Trazendo este conceito para o âmbito da
Economia, pode-se dizer que o processo de integração na Economia pressupõe um conjunto
de Estados, normalmente constituídos em um Grupo Econômico, que se propõe a liberalizar
as relações econômicas entre si, aproximando os mercados. Sob o viés da problemática dos
transportes aéreos, o conceito de integração pode ser interpretado como um aprofundamento
na comunicação entre os mercados nacionais de aviação civil. Assim interpretado, passa-se a
tratar de suas etapas.
Considerando o percurso aqui feito pelo conceito de integração, importa destacar que a
doutrina clássica costuma listar algumas etapas na evolução da integração econômica. Bohlke
(2008) não conceitua integração, mas apresenta em seus estudos seis etapas que contribuem
na compreensão da construção do conceito. Segundo ele, as etapas são normalmente
identificadas, variando de acordo com a realidade dos blocos estudados, a saber: (i) área de
preferências tarifárias; (ii) zona de livre-comércio; (iii) união aduaneira; (iv) mercado comum;
(v) união econômica; (vi) união econômica total. Essas etapas são fundamentais para o bom
desempenho do Mercosul.
O Mercosul se propõe a instituir um mercado comum. No entanto, a doutrina entende
que o referido bloco ainda não atingiu esse estágio (BOHLKE, 2008). Todavia, a partir do
momento que se institui, através do Tratado de Assunção de 26.03.1991, que tem por fim a
integração econômica nos moldes de um mercado comum, deve-se utilizar esse dado como
paradigma. Portanto, para compreender melhor a situação, destaca-se o conceito dessa etapa
na integração econômica, trazido por Bohlke (2008), que identifica a necessidade da completa
liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, política de comércio exterior
harmonizada e a existência de tarifa externa comum aplicada por todos os Estados-membros
para ser considerado um mercado comum. Nesse diapasão, compreende-se que a integração
9 Tradução livre: Fusão de certas competências estatais dentro de um órgão supra-estatal ou supra-nacional.
4806
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
dos transportes aéreos no Mercosul deve estar consoante com o conceito de mercado comum
trazido por Bohlke (2008), dado que o Bloco econômico fora criado com esse objetivo.
Pontuados os conceitos iniciais sobre a discussão acerca da integração de transportes
no Mercosul, passa-se a tratar da intervenção estatal na Economia. Pois bem, quando se trata
da intervenção por regulação, é importante trazer para a discussão o conceito desse fenômeno
trazido por Sundfeld (2006, p. 23). Segundo ele:
A regulação é – isso, sim – característica de um certo modelo
econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o
exercício de atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no
mercado, utilizando instrumentos de autoridade. Assim, a regulação
não é própria de certa família jurídica, mas sim de uma opção de
política econômica.
Na regulação, o Estado assume postura subsidiária na atividade empresarial, cabendo,
a princípio, ao setor privado, as atividades econômicas e ao Estado, os serviços públicos.
Todavia, cabe a este, através de atividade normativa, intervir sobre o domínio econômico
(GRAU, 2010) de forma a garantir a implementação da política econômica e social.
Uma das formas de intervenção do Estado no domínio econômico é a intervenção por
intermédio de agências reguladoras. Para Mello (2008), agências reguladoras são autarquias
sob regime especial, criadas para disciplinar e controlar diversas atividades, dentre elas: (a)
serviços públicos propriamente ditos; (b) atividades de fomento de atividade privada; (c)
atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das
atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo; (d) atividades que o Estado
também protagoniza; (e) regulação do uso de bens públicos.
Por fim, destaca-se a doutrina de Fonseca (2007, p.4) sobre livre concorrência, a saber:
A concorrência no mercado decorre de um conjunto de condições que
permite a todos os agentes do mercado correr à compra e venda de
forma que cada um possa alcançar seus objetivos sem ferir,
desarrazoadamente, as metas pretendidas pelos demais. Entende-se
que nesse jogo de interesses se propicie a formação dos preços pelo
ajustamento espontâneo e recíproco da procura e da oferta,
assegurando-se a compradores e vendedores plena liberdade de
comportamento. O justo preço seria assim o resultado da inter-atuação
4807
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
de todos os integrantes do mercado, que atenderiam à sua maior
vantagem individual, dentro de um quadro de realização do interesse
coletivo.
Esse conceito de livre concorrência é fundamental para compreender a importância da
competitividade na garantia de prestação de serviços de melhor qualidade. Além disso, a
partir do momento em que o Estado consegue garantir um sistema concorrencial adequado, de
acordo com Forgioni (2008), poderá o mesmo conduzir a defesa da concorrência como
instrumento capaz de implementar políticas públicas.
4. A integração de transportes e sua importância no desenvolvimento regional do
Mercosul
Na América do Sul, foi constituído, em 26.03.1991, pelo Tratado de Assunção, o
Mercosul, que tem como objetivo construir um Mercado Comum entre os Estados Partes, a
saber, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Nesse ponto, importa destacar o próprio
preâmbulo do referido documento:
A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República
do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados
"Estados Partes";
Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus
mercados nacionais, através da integração, constitui condição
fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento
econômico com justiça social;
Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o
aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do
meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a
coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos
diferentes setores da economia, com base nos princípios de
gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;
Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em
especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a
importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus
países;
4808
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
Expressando que este processo de integração constitui uma
resposta adequada a tais acontecimentos;
Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como
um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento
progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo
do Tratado de Montevidéu de 1980.
Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico
e tecnológico dos Estados Partes e de modernizar suas economias para
ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de
melhorar as condições de vida de seus habitantes;
Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para
uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de
alcançar os objetivos supramencionados. (grifos acrescidos).
Como se vê, está evidente o interesse em aprofundar a integração econômica dos países
membros, visando ampliar as dimensões dos mercados nacionais. Acontece que, para ocorrer a
consolidação desse processo, faz-se imperioso uma verdadeira integração de transportes de
diferente modais, inclusive o aéreo.
Quando se trata da integração de transporte aéreo, é forçosa a menção da Convenção de
Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago no dia 7 de dezembro de 1944. Esta
regulamentou os serviços internacionais de transporte aéreo, consolidando a soberania dos
Estados sobre seus respectivos espaços aéreos. Importante desdobramento da promulgação
dessa convenção foi o surgimento das liberdades do ar, conforme elucida Neto (2007, p. 02):
Do sistema da Convenção de Chicago, surgiram as chamadas
liberdades do ar. As liberdades do ar são diferentes direitos, relativos
ao transporte aéreo, que podem ser negociados bilateralmente ou
multilateralmente entre os países. Como visto, os acordos assinados
no âmbito da Convenção criaram cinco liberdades do ar.
Posteriormente, embora não estejam listadas num tratado
internacional, foram criadas mais quatro liberdades do ar, de modo
que, atualmente, nove são as liberdades passíveis de negociação, quais
sejam:
4809
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
_ Primeira liberdade do ar – o direito de sobrevoar o território do
Estado sem pousar;
_ Segunda liberdade do ar – o direito de pousar no território de um
Estado por motivos técnicos, sem embarcar ou desembarcar
passageiros ou carga;
_ Terceira liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e
carga do território do Estado de origem da aeronave para o território
de outro Estado;
_ Quarta liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga
do território do outro Estado para o território do Estado de origem da
aeronave;
_ Quinta liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga
entre o território de outro Estado e um terceiro Estado, desde que na
realização de um serviço aéreo entre o Estado de origem da aeronave e
o terceiro Estado;
_ Sexta liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga,
através do território de origem da aeronave, entre o território de um
terceiro Estado e o território de outro Estado;
_ Sétima liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga
entre o território do outro Estado e o território de um terceiro Estado,
sem realizar um serviço aéreo entre o Estado de origem da aeronave e
o terceiro Estado;
_ Oitava liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga
entre dois pontos no território do outro Estado, desde que na
realização de um serviço aéreo proveniente do Estado de origem da
aeronave (é conhecida como cabotagem, ou consecutive cabotage);
_ Nona liberdade do ar – o direito de transportar passageiros e carga
entre dois pontos no território de outro Estado, sem qualquer vínculo
com um serviço aéreo originado no Estado de origem da aeronave (é
conhecida como cabotagem pura, ou standalone cabotage). (Grifos
feitos).
4810
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
Dessa feita, estudar a integração de transportes aéreos remete-se à análise dessas nove
liberdades do ar.
Neste sentido, é relevante citar o exemplo da União Européia que hoje se encontra em
um estágio de Mercado de Aviação Comum atualmente apresenta irrestrito gozo das liberdades
do ar entre os países membros. Tal fato contribuiu para que os vôos entre países não sejam mais
considerados internacionais, mas meramente domésticos.
No Brasil, grande avanço, para a referida integração dos transportes aéreos no
Mercosul, foi realizado com o Acordo de Fortaleza, celebrado no dia 17 de dezembro de 1996.
O objetivo é, de acordo com o art.1º, “promover e desenvolver novos mercados para atender
devidamente à demanda dos usuários”. Para isso, buscou-se permitir a realização de novos
serviços aéreos sub-regionais regulares dos países signatários (Brasil, Argentina, Bolívia, Chile,
Paraguai e Uruguai), em rotas diferentes das rotas regionais efetivamente operadas nos termos
dos Acordos Bilaterais.
Mas, apesar disto, estudos mostram que ainda falta muito a desenvolver no setor,
conforme já fora explorado no que tange às estatísticas referentes à concentração de vôos de
transporte de passageiros e de cargas (tabela 01 e 02). Tratando disto, Sennes e Mendes (2008)
afirmam que as empresas de serviços aéreos sul-americanas vivem um de seus piores
momentos. Este fato fica claro ao analisar a quantidade de falências, bem como a diminuição
de rotas e freqüências. Nesse setor, contrapõe-se o aumento de eficiência tecnológica dos
equipamentos e da capacidade gerencial com problemas de ordem regulatória e institucional. O
Brasil não foge a esse panorama. Agravando a situação ainda há a saturação de aeroportos dos
grandes aglomerados urbanos, as crescentes exigências de segurança, concorrência predatória,
por exemplo.
Constata-se, portanto, que ainda há muito a fazer no sentido de se ter melhores
condições no setor de transportes aéreos.
5. Agências reguladoras e as formas de intervenção estatal trazidas pela Constituição
Federal de 88
A Constituição Federal estabeleceu, no Título VII, “A ordem Econômica e Financeira”,
que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado ocorrerá apenas nos casos de
segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme regra do art. 173. Essa disposição
é de extrema importância para compreender o posicionamento que deve ter o Estado frente à
4811
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
economia, após a promulgação da Carta de 88. A regra deixa em evidência o princípio da
subsidiariedade do Estado.
Para a efetivação desse mandamento Constitucional foi implementada uma política no
início da década de 90 de desregulamentação, através do Programa Nacional de Desestatização,
Lei nº 8.031/90, que foi posteriormente revogada pela Lei nº 9.491/97. A desestatização teve
relevância na implementação do modelo proposto pelo constituinte, sobre o assunto destaca-se
a opinião de Bichara (2008, p. 45):
L’adoption du PND obéit donc également à une contrainte posée par
le Droit interne brésilien qui exige que l’initiative privée prenne en
charge les activités économiques. Le repositionnement de l’Etat dans
l’économie étant alors une conséquence des dispositions impératives
de la constitution fédérale de 1988. En d’autres termes, l’adoption du
PND resulte aussi de la nécessité de se mettre en conformité avec
l’ordre économique et financier institué par la constitution fédérale de
1988, lequel est fondé sur des principes constitutionnels (Section1) qui
limitent l’intervention de l’Etat et le confinent dans des fonctions de
régulation des activités économiques (Section 2)10
Também relevante para a compreensão da Ordem Econômica Constitucional, é o art.
174, que indica qual deve ser a postura do Estado em face da Economia:
Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado
A postura reguladora como forma de intervenção do Estado na Economia, segundo
GRAU (2010), ocorre de três formas: 1) por absorção ou participação; 2) por direção; e 3) por 10 BICHARA, 2008, P 45. Tradução livre: “A adoção do PND obedece então também a uma limitação posta pelo Direito interno brasileiro que exige que a iniciativa privada tome à frente das atividades econômicas. O reposicionamento do Estado na economia sendo então uma consequência das disposições imperativas da Constituição Federal de 1988. Em outros termos, a adoção do PND resulta também da necessidade de se colocar em conformidade com a ordem econômica e financeira instituída pela Constituição federal de 1988, a qual é fundada nos princípios constitucionais (Secção1) que limitam a intervenção do Estado e o restringem nas funções de regulação das atividades econômicas (Secção1)”
4812
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
indução. A primeira seria quando aquele intervém no domínio econômico em sentido estrito,
praticando a função de sujeito econômico. Ou seja, monopoliza setor da economia, controlando
os meios de produção (absorção) ou atua em regime de competição com empresas privadas
(participação). Sobre a intervenção do Estado na Economia: “No segundo e no terceiro casos, o
Estado intervirá sobre o domínio econômico, isto, sobre o campo da atividade econômica em
sentido estrito. Desenvolve ação, então, como regulador dessa atividade” (GRAU, 2010, P.
147-148).
Nas situações em que o Estado atua direcionando, as normas têm natureza imperativa,
dotadas de cogência, impondo a postura que deve ser cumprida obrigatoriamente pelos agentes.
Já nos casos de indução, as normas, a despeito do caráter deôntico, prescritivo, não possuem a
mesma cogência do primeiro tipo, pois têm como objetivo garantir seus objetivos através de
estímulos e incentivos, ou seja, garantindo benefícios nos casos de adesão aos seus comandos.
Importa destacar que o art. 175, da Constituição Federal, dispõe que:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos.
Sem esquecer do paralelo trazido por Grau (2010, p. 48), de que a atividade econômica
está para o setor privado, assim como os serviços públicos estão para o Estado, cumpre destacar
que embora o Estado conceda ou permita o setor privado que preste os serviços públicos, ainda
caberá ao mesmo garantir a qualidade de sua prestação. A respeito, Barroso (2006) defende que
o Estado não tem recursos que garantam satisfatórios investimentos necessários, além disso,
não foi capaz de administrar à ampla gama de serviços públicos, passando assim para as mãos
do setor privado a sua execução. Todavia, este auto ressalva que, a despeito de alguns serviços
públicos serem executados por empresas privadas, os mesmos não perdem sua condição de
público, devendo o Estado se responsabilizar pela correta sua prestação11.
Nesse diapasão, devido ao alto grau de complexidade e especialidade das situações a
serem reguladas, o Estado passou a criar autarquias com poderes especiais para que cumpram
adequadamente o seu papel Constitucional, conforme ressalta Fonseca (2010). Essas entidades
11 Barroso(2006, p-67): “A constatação de que o Estado não tem recursos suficientes para todos os investimentos necessários e que, além disso, é geralmente um mau administrador, conduziu ao processo de transferência para o setor privado da execução de ampla gama de serviços públicos. Mas o fato de determinados serviços públicos serem prestados por empresas privadas concessionárias não modifica sua natureza pública: o Estado conserva responsabilidades e deveres em relação à sua prestação adequada.”
4813
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
são denominadas de Agências Reguladoras e protagonizam as funções estatais de garantir a
qualidade dos serviços públicos, zelando a sua boa prestação.
Nesse contexto, destaca-se a Agência Nacional de Aviação Civil, instituído pela Lei
11.182 de 27 de setembro de 2006, com o fim de ser órgão regulador e fiscalizador das
atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, conforme alude o
artigo 2º. Dentre suas atribuições, dispostas no artigo 8º, destacam-se:
Art. 8o Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento
do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação
civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando
com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade,
competindo-lhe:
I – implementar, em sua esfera de atuação, a política de aviação
civil;
II – representar o País junto aos organismos internacionais de
aviação civil, exceto nos assuntos relativos ao sistema de controle do
espaço aéreo e ao sistema de investigação e prevenção de acidentes
aeronáuticos;
III – elaborar relatórios e emitir pareceres sobre acordos, tratados,
convenções e outros atos relativos ao transporte aéreo internacional,
celebrados ou a ser celebrados com outros países ou organizações
internacionais;
IV – realizar estudos, estabelecer normas, promover a
implementação das normas e recomendações internacionais de
aviação civil, observados os acordos, tratados e convenções
internacionais de que seja parte a República Federativa do Brasil;
V – negociar o estabelecimento de acordos e tratados sobre transporte
aéreo internacional, observadas as diretrizes do CONAC;
VI – negociar, realizar intercâmbio e articular-se com autoridades
aeronáuticas estrangeiras, para validação recíproca de atividades
relativas ao sistema de segurança de vôo, inclusive quando envolvam
certificação de produtos aeronáuticos, de empresas prestadoras de
serviços e fabricantes de produtos aeronáuticos, para a aviação civil;
4814
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
VII – regular e fiscalizar a operação de serviços aéreos prestados,
no País, por empresas estrangeiras, observados os acordos, tratados
e convenções internacionais de que seja parte a República
Federativa do Brasil;
VIII – promover, junto aos órgãos competentes, o cumprimento dos
atos internacionais sobre aviação civil ratificados pela República
Federativa do Brasil;
IX – regular as condições e a designação de empresa aérea brasileira
para operar no exterior;
(...)
§ 8o O exercício das atribuições da ANAC, na esfera internacional, dar-
se-á em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores. (Grifos
feitos).
Outra perspectiva institucional importante é a estabelecida no art. 6º, da mesma Lei, in
verbis:
Art. 6o Com o objetivo de harmonizar suas ações institucionais na
área da defesa e promoção da concorrência, a ANAC celebrará
convênios com os órgãos e entidades do Governo Federal,
competentes sobre a matéria.
Parágrafo único. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANAC
tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração
contra a ordem econômica, ou que comprometa a defesa e a promoção
da concorrência, deverá comunicá-lo aos órgãos e entidades referidos
no caput deste artigo, para que adotem as providências cabíveis. (Grifos
feitos).
Como se vê, o arcabouço normativo permite que se faça uma reflexão aprofundada
sobre o papel da ANAC na integração aérea do Mercosul. Também é importante o estudo
dessas autarquias, que demonstra a sua clara importância na condução das políticas públicas do
setor regulado: o do transporte aéreo.
4815
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
6. A concorrência como instrumento de efetivação de políticas públicas
A disciplina da concorrência, de acordo com Forgioni (2008), passou por três momentos
históricos. No primeiro, tinha como função eliminar distorções tópicas, ou seja, visava
resultados práticos e imediatos no regrar dos agentes econômicos. Na segunda etapa, a
regulamentação do comportamento dos agentes econômicos tem função técnica, pois visa a
garantir a manutenção do próprio mercado, do sistema como um todo, assumindo que o mesmo
possui efeitos auto-destrutíveis. Por fim, o atual terceiro momento, que passa por uma
compreensão mais complexa, tendo em vista que concebe a defesa da concorrência como
elemento essencial na manutenção da saúde do mercado, mas também pode atuar como
instrumento de implementação de políticas públicas.
Sobre o assunto, cita-se Forgioni (2008), que defende que a intervenção do Estado na
Economia deve objetivar a tutela da livre concorrência ou impedir os abusos do poder
econômico, em outras palavras, uma norma antitruste. Sendo assim, as normas antitrustes
devem ser consideradas na atualidade como instrumento do Estado para executar determinada
política pública.12
Isto posto, Forgioni (2008, p. 87) denomina de “dupla instrumentalidade” do direito
concorrencial moderno, inicialmente por organizar os processos que fluem segundo as regras
da economia de mercado, posteriormente sendo instrumento que o Estado possui para influir
nestes mesmos processos, visando a alcançar seus objetivos de política social.
Segundo Fonseca (2010, p. 320), o Direito da Concorrência assume o centro de
preocupação do Direito Econômico, pois constata que ao passo que se impõe às empresas o
direito e dever de concorrer, conseqüentemente, haverá benefício geral para a sociedade.
Assim, o mesmo conclui:
Com a garantia da livre-concorrência, protege-se ao consumidor, a
quem se garante o direito da livre escolha. Protege-se também o
trabalhador, pois se estarão integrando o mercado empresas, grandes,
12Forgioni (2008, p - 85) “Para nós, entretanto, importa notar que muitas vezes a atuação do Estado sobre a economia (‘intervenção’) é efetuada mediante a utilização de uma norma destinada a tutelar a livre concorrência entre os agentes ou reprimir o abuso do poder econômico, ou seja, uma norma antitruste. Dentre as técnicas de organização de mercados colocam-se, então, as normas destinadas a regular a concorrência entre os agentes econômicos e o abuso do poder econômico.Ora, vista sob esse novo ângulo, a análise contemporânea das normas antitruste não pode prescindir de sua consideração como uma técnica, como um instrumento de que lança mão o Estado para atuar determinada política pública.”
4816
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
médias, de pequeno porte e microempresas, a propiciar-lhe maior
oportunidade de trabalho, com perspectivas de melhores salários.
A regulação do mercado, por parte do Estado, garantirá ao consumidor
melhores condições de acesso aos serviços públicos concedidos.
Dessa forma, forçosa é a conclusão no sentido da vinculação umbilical entre o Direito
Econômico moderno e a legislação concorrencial, tendo em vista que esta se tornara um
instrumento estatal na implementação das políticas públicas adotadas.
7. Considerações finais
Tendo em vista a exposição feita, entende-se que se trata de um tema complexo e por
isso deve ser tratado de forma interdisciplinar. No viés da interdisciplinaridade, conceitos são
relevantes para que se entenda de mais significativa a integração do transporte aéreos no
contexto do Mercosul.
Pode-se concluir que é necessário realizar pesquisas que possam contribuir para a
construção do conceito de integração de transporte aéreo, partindo da análise das nove
“liberdades do ar” compreendidas a partir da Convenção de Chicago de 1944, que foi
recepcionada pelo ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 211713, de agosto de 1946. É
preciso investigar a importância da integração do transporte aéreo no Mercosul, levando-se em
consideração o Acordo de Fortaleza, celebrado em 17 de dezembro de 1996 e recepcionado
pelo Decreto nº 3.045, de maio de 1999, no ordenamento jurídico pátrio. É vital estudar o
modelo de intervenção por regulação no processo de integração, sob o viés das agências
reguladoras, em especial a ANAC e analisar o estágio de integração dos transportes aéreos na
União Européia, considerando que seus êxitos podem servir de parâmetro na consolidação
desse processo no Mercosul.
Referências
BARAT, Jofef. Logística e transporte no processo de globalização: oportunidades para o
Brasil. São Paulo: UNESP, Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais
(IEEI), 2007.
BICHARA, Jahyr-Philippe. La Privatisation au Brésil: Aspects Juridiques et Financiers,
Paris: L’Harmattan, 2008
4817
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 6ª Ed. Forense: Rio de Janeiro,
2010.
_________________________________ Lei de Proteção da Concorrência: comentário à
legislação antitruste. 3ª Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2007.
FORGIONI, Paula Andrea. Os fundamentos do Antitruste. 3ª Ed. Revistas dos Tribunais, São
Paulo: 2008.
GUILLIEN, Raymond; VINCENT, Jean. Lexique des termes juridiques 2010. Paris: Dalloz,
2009.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14ª Ed. Malheiros: São
Paulo, 2010.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA. Panoramas e Perspectivas para
o Transporte Aéreo no Brasil e no Mundo. Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República: Comunicado de nº 54 de maio de 2010.
KUHN, Ernani Lustosa. Impactos da competição entre aeroportos no Brasil. Dissertação
(Mestrado) – Universidade de Brasília, Departamento de Economia, Brasília,
2003.
MARCHETTI,Dalmo dos Santos; SOUZA, Rosane M. Alcântara T.; ÁVILA, José Roberto
Gois de; e CASTRO, Mariana S. de. Aviação Regional Brasileira (Modal Aéreo
II) Informe Infra-Estrutura - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES nº42. Março/2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª Ed. Malheiros:
São Paulo, 2008.
PINTO, Victor Carvalho. O marco regulatório da aviação civil: elementos para a reforma
do Código Brasileiro de Aeronáutica. Brasília: Consultoria Legislativa do
Senado Federal, 2008 (Texto para Discussão, n. 42). Disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS
/texto42%20-%20Victor%20Carvalho%20Pinto.pdf.
____________________. Abertura do mercado brasileiro de aviação: a questão da
cabotagem e da participação do capital estrangeiro nas companhias aéreas
brasileiras. Consultoria Legislativa do Senado Federal, disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos.htm.
ROESSING NETO, Ernesto. Perspectiva de um acordo de céus abertos na América do Sul.
Revista Jurídica da Casa Civil. Presidência da República. Vol. 9, n. 86. ISSN 1808-
2807. Brasília, 2007.
4818
* Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011
SENNES, Ricardo; MENDES, Ricardo Camargo (coord.) Projeto América do Sul: serviços
de logística, IIRSA e integração regional. Prospectiva Consultoria Brasileira de
Assuntos Internacionais, São Paulo: 2008. Disponível em:
http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2009/03170.pdf, acessado em: 18 Mar. 2011.
SUNDFELD, Carlos Ari. (coord.) Direito Administrativo Econômico. 1ª Ed. 3ª tiragem.
São Paulo: Malheiros, 2006.
4819