indicadores de atenção básica em quatro municípios do estado do rio de janeiro, 2005: resultados...

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643 ARTIGO ARTICLE Indicadores de atenção básica em quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro, 2005: resultados de inquérito domiciliar de base populacional Primary health care indicators in four municipalities of the Sate of Rio de Janeiro, 2005: results of a domestic survey in the population Este estudo teve financiamento do Ministério da Saúde e da Faperj. 1 Departamento de Informações em Saúde, Centro de Informação Científica e Tecnológica, Fiocruz. Av. Brasil 4365, Manguinhos, 21045-900 Rio de Janeiro RJ. [email protected] 2 Departamento de Administração e Planejamento em Saúde/ENSP, Fiocruz. Célia Landmann Szwarcwald 1 Maria Helena Magalhães de Mendonça 2 Carla Lourenço Tavares de Andrade 2 Abstract The domestic survey carried out in the population of four of the 22 municipalities with more than 100 thousand inhabitants of the State of Rio de Janeiro that implemented the PROESF aims at institutionalizing assessment and moni- toring of primary health care. This study was de- veloped in the context of the baseline studies of the PROESF. The tool used in this study is an adaptation of the questionnaire used before on national level for assessing the performance of the health care system from the viewpoint of the user. The adaptations made refer to assessment of basic care focusing the PSF. Indicators were constructed for covering the areas quality of pre-natal care, assisted delivery, child health, prevention of colon and breast cancer, care for the aged and oral health were constructed. The results found with respect to the prevention of colon cancer were out- standing due to the high number of gynecological examinations performed during the period of three years covered by the study. The time gap be- tween the examinations and the receipt of the re- sults however shows clearly the weakness of the system, indicating the urgent need for evaluating the quality of the provided primary care from the viewpoint of the users, in order to establish goals and define priorities. Key words Primary health care, Family Health, Domestic survey, Rio de Janeiro State, Brazil Resumo O inquérito domiciliar de base popula- cional, realizado em quatro dos 22 municípios com mais de cem mil habitantes do Estado do Rio de Janeiro que implementaram o Projeto de Ex- pansão e Consolidação do Saúde da Família (Proesf), visa à institucionalização da avaliação e monitoramento da atenção básica. Este estudo desenvolveu-se no contexto dos Estudos de Linha de Base (ELB) do Proesf. O instrumento utilizado é uma adaptação do questionário aplicado ante- riormente em âmbito nacional para avaliação de desempenho de saúde, sob a ótica dos usuários. As alterações voltaram-se para a avaliação da atenção básica, com foco no Programa de Saúde da Família (PSF). Construíram-se indicadores de cobertura, qualidade de atendimento pré-natal, assistência ao parto, saúde infantil, prevenção de câncer de colo uterino e mama, assistência a ido- sos e saúde bucal. Destacaram-se os resultados ob- servados na prevenção de câncer de colo de útero, pelas elevadas coberturas de exame ginecológico no período de três anos, ficando evidente a fragili- dade do sistema de saúde em relação ao tempo de entrega do resultado do exame. Reforça-se a im- portância de avaliar a qualidade da atenção bási- ca recebida sob a ótica do usuário, para o estabele- cimento de metas e definição de prioridades. Palavras-chave Atenção básica, Saúde da Fa- mília, Inquérito domiciliar, Estado do Rio de Ja- neiro, Brasil

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Indicadores de atenção básica em quatromunicípios do Estado do Rio de Janeiro, 2005:resultados de inquérito domiciliar de basepopulacional

Primary health care indicators in four municipalities of the Sate of Rio de Janeiro, 2005:results of a domestic survey in the population

Este estudo tevefinanciamento doMinistério da Saúde e da Faperj.1 Departamento deInformações em Saúde,Centro de InformaçãoCientífica e Tecnológica,Fiocruz. Av. Brasil 4365,Manguinhos, 21045-900Rio de Janeiro [email protected] Departamento de Administração e Planejamento emSaúde/ENSP, Fiocruz.

Célia Landmann Szwarcwald 1

Maria Helena Magalhães de Mendonça 2

Carla Lourenço Tavares de Andrade 2

Abstract The domestic survey carried out in thepopulation of four of the 22 municipalities withmore than 100 thousand inhabitants of the Stateof Rio de Janeiro that implemented the PROESFaims at institutionalizing assessment and moni-toring of primary health care. This study was de-veloped in the context of the baseline studies ofthe PROESF. The tool used in this study is anadaptation of the questionnaire used before onnational level for assessing the performance of thehealth care system from the viewpoint of the user.The adaptations made refer to assessment of basiccare focusing the PSF. Indicators were constructedfor covering the areas quality of pre-natal care,assisted delivery, child health, prevention of colonand breast cancer, care for the aged and oralhealth were constructed. The results found withrespect to the prevention of colon cancer were out-standing due to the high number of gynecologicalexaminations performed during the period ofthree years covered by the study. The time gap be-tween the examinations and the receipt of the re-sults however shows clearly the weakness of thesystem, indicating the urgent need for evaluatingthe quality of the provided primary care from theviewpoint of the users, in order to establish goalsand define priorities.Key words Primary health care, Family Health,Domestic survey, Rio de Janeiro State, Brazil

Resumo O inquérito domiciliar de base popula-cional, realizado em quatro dos 22 municípioscom mais de cem mil habitantes do Estado do Riode Janeiro que implementaram o Projeto de Ex-pansão e Consolidação do Saúde da Família(Proesf), visa à institucionalização da avaliação emonitoramento da atenção básica. Este estudodesenvolveu-se no contexto dos Estudos de Linhade Base (ELB) do Proesf. O instrumento utilizadoé uma adaptação do questionário aplicado ante-riormente em âmbito nacional para avaliação dedesempenho de saúde, sob a ótica dos usuários.As alterações voltaram-se para a avaliação daatenção básica, com foco no Programa de Saúdeda Família (PSF). Construíram-se indicadores decobertura, qualidade de atendimento pré-natal,assistência ao parto, saúde infantil, prevenção decâncer de colo uterino e mama, assistência a ido-sos e saúde bucal. Destacaram-se os resultados ob-servados na prevenção de câncer de colo de útero,pelas elevadas coberturas de exame ginecológicono período de três anos, ficando evidente a fragili-dade do sistema de saúde em relação ao tempo deentrega do resultado do exame. Reforça-se a im-portância de avaliar a qualidade da atenção bási-ca recebida sob a ótica do usuário, para o estabele-cimento de metas e definição de prioridades.Palavras-chave Atenção básica, Saúde da Fa-mília, Inquérito domiciliar, Estado do Rio de Ja-neiro, Brasil

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Introdução

Nos últimos anos, os gestores e administrado-res do setor de saúde têm enfatizado o papel daavaliação de desempenho das ações e progra-mas de saúde, com o objetivo de garantir aqualidade da atenção e subsidiar decisões queatendam às reais necessidades da população.

Entretanto, a insuficiência e a precariedadefreqüentes dos sistemas de informações dispo-níveis não têm permitido a construção dos in-dicadores necessários para o monitoramento ea avaliação do desempenho do sistema nacio-nal de saúde. Neste sentido, os inquéritos po-pulacionais de saúde vêm sendo utilizados deforma crescente como meio de se obterem in-formações, não apenas sobre a morbidade refe-rida e os comportamentos saudáveis, mas tam-bém para avaliar o funcionamento da assistên-cia de saúde1.

Por meio dos inquéritos de saúde, é possí-vel obter um variado conjunto de indicadorespara avaliação do desempenho do sistema desaúde, como acesso, utilização e grau de satis-fação do usuário com os serviços, além de ca-racterísticas sociodemográficas, que possibili-tam investigar as relações entre as diversas va-riáveis2. Em particular, as informações obtidaspor meio dos inquéritos de saúde podem com-plementar, de maneira importante, o conheci-mento sobre as desigualdades em saúde3, 4.

Em 2001, a Organização Mundial da Saúde(OMS) propôs a elaboração da Pesquisa Mun-dial de Saúde (PMS) em vários países-membros,como parte de um projeto de avaliação de de-sempenho dos sistemas nacionais de saúde5.Trata-se de um inquérito de base populacional,que abordou diversos aspectos da saúde de seushabitantes para suprir os países-membros deinformações fidedignas. Entre os seus objetivos,estava o de assegurar a comparabilidade entrediferentes culturas ou grupos demográficos6.

A PMS foi realizada no Brasil no ano de2003, mediante inquérito populacional, de âm-bito nacional, em cinco mil domicílios escolhi-dos por amostragem probabilística. A execuçãoda pesquisa no Brasil significou a oportunida-de de desenvolver instrumental próprio e cole-tar informações para avaliar o desempenho dosistema nacional de saúde7. Foram pesquisadosos seguintes aspectos: estado de saúde da po-pulação; fatores de risco; situações crônicas;utilização de medicamentos e de serviços desaúde e grau de satisfação com a resposta dosserviços de saúde do ponto de vista do usuário,

que recolocou antigos questionamentos quan-to à qualidade dos serviços oferecidos à popu-lação brasileira8.

No contexto do Projeto de Expansão e Con-solidação do Saúde da Família (Proesf), princi-pal estratagema para organização e fortaleci-mento da atenção básica, negociado em 2002na esfera federal, através do Ministério da Saú-de, a implementação dos Estudos de Linha deBase (ELB) refere-se à elaboração de uma pro-posta de avaliação e monitoramento da aten-ção básica e da estratégia da saúde da família.Esta proposta adota metodologias diversas earticuladas, que consideram aspectos estrutu-rais, históricos, do contexto político-institucio-nal, do processo de trabalho e do desempenhodo sistema de saúde.

Para apoiar a institucionalização da avalia-ção e monitoramento da atenção básica, o Es-tudo de Linha de Base no Estado do Rio de Ja-neiro (ELB-RJ) suscitou a importância de adap-tação do instrumento da PMS, resultando emrevisão e detalhamento de alguns módulos doquestionário original e na introdução de no-vos, dirigidos, especificamente, ao objeto de in-vestigação. As alterações voltaram-se para abor-dar o domicílio, enfatizando a família, sua com-posição, as formas de parentesco presentes, ascondições socioeconômicas, bem como a per-cepção sobre o desempenho do Programa deSaúde da Família (PSF) em seus diversos aspec-tos. Em relação à cobertura de programas, deu-se ênfase àqueles já estruturados e implemen-tados a partir de ações programáticas que se-guem normas consensuadas e pactuadas ao ní-vel do sistema de saúde, por apresentarem con-dições traçadoras para a avaliação de desempe-nho da atenção básica. A pesquisa foi denomi-nada Pesquisa Mundial de Saúde – Atenção Bá-sica (PMS-AB), e sua aplicação se estendeu aoito municípios da Região Norte, três da Nor-deste, cinco da Sudeste e dois da Centro-Oeste.

Neste artigo, apresenta-se a experiência derealização da PMS-AB em quatro municípiosdo Estado do Rio de Janeiro com populaçãosuperior a cem mil habitantes, onde se expandea estratégia de Saúde da Família para reorgani-zar a atenção básica.

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Material e métodos

Características sociodemográficas dos municípios pesquisados

O ELB-RJ foi realizado segundo um dese-nho metodológico que buscou responder aoobjetivo geral de integrar indicadores de saúdede variados tipos e considerar as especificida-des regionais, sociais, institucionais e políticasdos diversos municípios do estado. Para tal, de-senvolveram-se cinco instrumentos que busca-ram apreender a dinâmica social através das re-presentações e percepções de diversos atoresque gerenciam e operam as ações preconizadasou as sofrem. Dois instrumentos foram aplica-dos ao universo dos 22 municípios com maisde cem mil habitantes: questionário sobre agestão da atenção básica e do Programa de Saú-de da Família e estudo ecológico. Três outrosinstrumentos, que objetivam observar ligaçõescausais entre intervenções e situações de vidareal, bem como ressaltar o contexto em queocorrem, foram utilizados na lógica de estudosde caso: a PMS com foco na AB, o estudo qua-litativo com profissionais de saúde em duas si-

tuações traçadoras e um inquérito de estabele-cimentos de saúde da AB.

A pesquisa foi realizada em quatro municí-pios do Estado do Rio de Janeiro, denominadosMunicípio 1, Município 2, Município 3 e Municí-pio 4, nos meses de julho e agosto de 2005. A es-colha destes municípios refletiu a necessidade decompor um universo de estudo que compreen-desse a totalidade de modelos no nível de atençãobásica e de serviços especializados contínuos a es-te nível. Os municípios selecionados têm diversosportes populacionais e estão localizados em dife-rentes regiões do Estado do Rio de Janeiro.

As informações sobre população residente,número de setores censitários e número de do-micílios particulares permanentes (DPP) à épo-ca do censo demográfico de 2000, bem como ascaracterísticas sociodemográficas de cada umdos quatro municípios pesquisados, encontram-se na tabela 1.

Amostragem e trabalho de campo

À época do censo de 2000, o território bra-sileiro foi subdividido em cerca de 216 mil se-tores censitários, áreas geográficas que agre-

Tabela 1Informações censitárias, características sociodemográficas, número de setores pesquisados e número de domicílios pesquisados por sexo, segundo os municípios.

Informações MunicípiosMunicípio 1 Município 2 Município 3 Município 4

Censitárias1

População 775.456 187.479 459.451 242.063Número de setores censitários 1.065 122 633 450Número de DPP 219.977 27.921 127.154 70.890

Características sociodemográficas2

% de analfabetos no grupo de 18-24 anos 2,4 2,9 1,1 1% de pessoas + 25 anos com ensino fundamental incompleto 60,8 71,3 30,9 50,4Renda per capta 226,1 202,3 809,2 348,2Razão de renda (10% mais ricos e 40% mais pobres) 16 15 25 16% de pobres 26,9 28,9 9,9 15,9% de domicílios com água encanada 87,3 81,5 91,6 98,7

Características da amostraNúmero de setores pesquisados 29 20 25 25Número de entrevistas (individuais)

Mulheres 355 222 319 280Homens 198 149 172 176Total 553 371 491 456

Número de entrevistas extras (individuais) 29 20 25 25

Fontes: 1 Censo demográfico 2000, IBGE (www.ibge.gov.br); 2 Sistema de monitoramento de indicadores da mortalidade infantil, Fiocruz (www.monitorimi.cict.fiocruz.br).

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gam, em média, 300 domicílios. Os setores cen-sitários são classificados segundo situação ur-bana ou rural e de acordo com o tipo, que dis-tingue as áreas normais dos aglomerados sub-normais (favelas), bem como dos setores espe-ciais (penitenciárias, instalações militares, asi-los, reservas de índios, entre outros).

Os tamanhos de amostra foram assim esta-belecidos: 480 indivíduos em Município 1, 400indivíduos em Município 3 e Município 4 e320 indivíduos em Município 2, obedecendoao critério de escolha de maior número de se-tores censitários nos municípios maiores e nú-mero fixo de domicílios (16) em cada setor.

Em cada município, a amostragem foi rea-lizada em dois estágios. No primeiro, foram se-lecionados os setores censitários, com probabi-lidade proporcional ao tamanho, dado pelo nú-mero de domicílios do setor.

Para a seleção dos setores censitários em ca-da um dos quatro municípios, a etapa prelimi-nar consistiu em preparar uma lista de setores.Nesta etapa, a partir das informações da Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (CD-ROM – Censo Demográfico 2000,agregado por setores censitários), foram consi-derados, primeiramente, todos os setores comdomicílios particulares permanentes, isto é,aqueles que servem como residência de famíliase são construídos com material durável (per-manente). Para a seleção da amostra de setores,foram eliminados todos aqueles com menos de20 domicílios particulares permanentes.

Em cada setor, foram selecionados dois pon-tos geográficos, de maneira aleatória. Esperan-do-se pesquisar, em média, 16 domicílios porsetor e contando com possíveis perdas, em ca-da ponto geográfico foram selecionados os dezprimeiros domicílios para a pesquisa.

Em todos os domicílios, um indivíduo foiselecionado com eqüiprobabilidade entre osmoradores adultos (idade igual ou superior a18 anos) para responder ao questionário indi-vidual. Também foi escolhido um morador pa-ra responder às perguntas relativas às caracte-rísticas do domicílio.

Em cada setor, foi realizada uma entrevistaadicional (extra) para assegurar número sufi-ciente de crianças com até dois anos de idadepara análise estatística. A entrevista foi condu-zida com a mãe da criança, contemplando osmódulos de atendimento pré-natal, assistênciaao parto e cuidados preventivos com as crian-ças e assistência a elas.

Em cada município, a pesquisa foi realizada

por uma equipe composta por um supervisor equatro entrevistadores. Na tabela 1, apresen-tam-se, por município, o número de setorescensitários pesquisados e o número de entre-vistas (individuais) por sexo. Adicionalmente,apresenta-se o número de entrevistas extras queforam realizadas para obter número suficientede crianças para análise estatística.

Observa-se que houve um excesso de entre-vistas com mulheres, em proporções bem maio-res do que as observadas no censo demográficode 2000. Apesar de a amostragem ter sido pro-babilística, o viés ocorreu, provavelmente, pelapresença mais freqüente de mulheres em domi-cílio e pela sua maior disponibilidade para par-ticipar da pesquisa – o maior percentual de recu-sa ocorreu entre indivíduos do sexo masculino.

Para a análise estatística, foi, portanto, ne-cessário ponderar os dados amostrais para ob-tenção de distribuição por sexo e idade seme-lhante à do último censo demográfico.

O questionário

O instrumento utilizado é uma adaptaçãodo questionário aplicado no Brasil, por ocasiãode realização da PMS, inquérito nacional paraavaliação do desempenho de saúde. As altera-ções propostas, discutidas, aceitas e pré-testa-das pela equipe envolvida na pesquisa, no con-texto da linha de base do Proesf, foram dirigi-das à avaliação da atenção básica em saúde. Al-guns módulos do instrumento original da PMSforam mais detalhados, visando ao aprofunda-mento de certas questões, em particular o de-sempenho do Programa de Saúde da Família,sob a ótica dos usuários.

O questionário é modular e composto deduas partes. Na primeira, o entrevistado é o res-ponsável pelo domicílio. No domicílio, são in-vestigados: a composição (lista de moradorespor idade, sexo e situação conjugal); as caracte-rísticas do domicílio (número de cômodos,bens, abastecimento d’água e destino do lixo);os gastos com assistência de saúde; a coberturae a avaliação do PSF; e, entre os moradores, asrelações de parentesco, a situação socioeconô-mica e a posse de plano de saúde privado.

Na segunda parte, o entrevistado é selecio-nado entre os moradores elegíveis do domicílio(idade igual ou superior a 18 anos) para res-ponder ao questionário individual. São abor-dados os seguintes aspectos: informações so-ciodemográficas; auto-avaliação do estado desaúde nos seus vários domínios (locomoção,

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cuidados pessoais, sociabilidade, visão, audi-ção, sono, ânimo); fatores de risco (fumo, ál-cool, atividade física, nutrição, fatores ambien-tais); situações crônicas (diagnóstico, trata-mento, uso de medicamentos) e promoção decomportamentos saudáveis; doenças sexual-mente transmissíveis; programas de saúde (pre-venção de câncer de colo de útero e de mama,assistência bucal, atendimento pré-natal, assis-tência ao parto); cuidados preventivos e assis-tenciais às crianças; assistência a idosos; e ava-liação da resposta do sistema de saúde do pon-to de vista do usuário.

O ELB-RJ foi apresentado ao Comitê de Éti-ca da Escola Nacional de Saúde Pública comparecer favorável no 23/05 – CAAE no 0075.0.031.000-05. No trabalho de campo, os pesqui-sadores iniciaram sua abordagem em domicí-lios pela leitura do termo de consentimento li-vre e esclarecido, especialmente preparado pa-ra a pesquisa PMS-AB.

Análise dos dados

No presente trabalho, foram analisados osseguintes módulos: PSF, fatores de risco, situa-ções crônicas, cobertura de programas de saú-de e desempenho do sistema de saúde.

A análise, que buscou fazer comparaçõesentre os municípios, contemplou indicadores:de atenção materno-infantil; de coberturas dosprogramas de prevenção de câncer de colo ute-rino e das mamas, entre as mulheres; de examede vista e de vacinação contra gripe, entre ido-sos, e de assistência bucal, entre todos os indi-víduos entrevistados. Com base no conjunto deindicadores propostos nos ELB para avaliaçãoprogressiva da atenção básica, foram conside-rados:1) Indicadores de cobertura e de qualidade doatendimento pré-natal, mediante informaçõessobre número de consultas, exames laborato-riais básicos (coleta de sangue para medir gli-cose, exame para sífilis e teste para infecção pe-lo HIV), freqüência dos procedimentos preco-nizados (medida de peso, pressão arterial, fun-do de útero e ausculta do bebê), orientaçõesadequadas (sobre sinais de trabalho de parto,sinais de risco na gravidez e informações sobrequal estabelecimento de saúde procurar na ho-ra do parto), recebimento de aconselhamentos(não faltar às consultas agendadas, manter umaalimentação saudável, não fumar, não beberem excesso, informações sobre o HIV) e núme-ro de ultra-sonografias realizadas;

2) Indicadores de assistência ao parto, median-te informações sobre internação para o partono primeiro estabelecimento de procura, tipode parto e realização de consulta pós-parto;3) Indicadores de saúde infantil, como cober-tura de vacinação tetravalente (três doses), cal-culada a partir das informações anotadas nacaderneta de vacinação das crianças com idadeentre um e dois anos, percentual que não fazacompanhamento do crescimento em serviçode saúde, bem como a proporção de criançascom mais de seis meses e menos de dois anoscompletos que foram amamentadas (exclusivae predominantemente) até os seis meses;4) Indicadores de prevenção de câncer de colouterino, entre mulheres de 18 a 69 anos, combase nas informações sobre regularidade noexame ginecológico, na realização do preventi-vo e dos procedimentos preconizados (examedas mamas e medidas de peso e pressão arte-rial) e nas orientações recebidas sobre hábitossaudáveis e auto-exame das mamas;5) Indicadores de prevenção de câncer das ma-mas, entre mulheres de 40 a 69 anos, com basena realização de mamografia;6) Indicadores de assistência a idosos (60 anose mais), como cobertura de vacinação contragripe e periodicidade do exame de vista;7) Indicadores de assistência bucal, entre to-dos os indivíduos pesquisados, a partir de in-formações sobre a regularidade de consultaodontológica para revisão periódica, perda detodos os dentes naturais e uso de dentadura.

Em relação aos fatores de risco, foram con-siderados:1) Obesidade: mensurada pelo índice de mas-sa corporal, índice de Quetelet, dado pela razãoentre o peso e a altura ao quadrado (kg/m2).Foram considerados obesos os indivíduos comíndice de Quetelet maior do que 30;2) Fumo: mensurado pela freqüência de fumo(não fuma; fuma, mas não diariamente; fumadiariamente);3) Atividade física por lazer ou condiciona-mento físico ou, ainda, para melhorar sua saú-de: mensurada por três tipos de atividade (vi-gorosa, moderada e caminhada) e pela freqüên-cia semanal e número de minutos durante a rea-lização da atividade física. Foram consideradossedentários os indivíduos que não fazem ne-nhum tipo de atividade física;4) Freqüência de consumo de frutas e vegetais.

Para a avaliação do controle da hipertensãoarterial, foram feitas seis perguntas ao indiví-duo: Quando foi a última vez que teve sua pres-

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são arterial medida? Alguma vez já teve diag-nóstico de hipertensão arterial? Em caso afir-mativo (exceto para diagnóstico apenas na gra-videz), foram feitas perguntas sobre o trata-mento: Alguma vez já foi tratado por esse mo-tivo? Quando foi a última vez que recebeu as-sistência de saúde por esse motivo? Nas últimasduas semanas, tomou algum medicamento poresse motivo? Além disso, questionou-se tam-bém se o indivíduo recebeu orientações sobrehábitos saudáveis no último atendimento, co-mo controle do peso, alimentação saudável como consumo de frutas e vegetais, prática de ativi-dade física regular, não fumar e não beber emexcesso. Na análise dos dados, foram construí-dos indicadores referentes aos hábitos saudá-veis entre os indivíduos com diagnóstico de hi-pertensão arterial.

No que se refere à avaliação do desempenhodo sistema de saúde, foram construídos indica-dores de cobertura e de desempenho do PSF,com base nas informações dos moradores dosdomicílios cadastrados. Além disso, conside-rando todos os indivíduos que tiveram consul-ta ambulatorial no último ano, o acesso aos ser-viços de saúde e a utilização dos mesmos noano que precedeu à pesquisa foram analisadospor forma de pagamento do atendimento (não-SUS, representando os indivíduos que pagarampor desembolso direto ou através do plano; SUS,representando os indivíduos que não pagarampelo atendimento).

Por fim, com base na pergunta “você achouque foi tratado pior do que outras pessoas noserviço de saúde ou por algum profissional desaúde por um desses motivos (sexo, idade, faltade dinheiro, classe social, cor, preferência se-xual, tipo de doença)?”, calculou-se a propor-ção de pessoas que se sentiram discriminadaspor falta de dinheiro ou classe social.

Resultados

Foram realizadas 553, 371, 491 e 456 entrevis-tas nos Municípios 1, 2, 3 e 4, respectivamente(Tabela 1).

A análise comparativa das característicassociodemográficas dos quatro municípios pes-quisados mostra que o Município 2 é o queapresenta pior situação, enquanto o Município3 é o que tem o melhor nível socioeconômico,com renda per capita quatro vezes maior doque a do Município 2 (Tabela 1). Todavia, o Mu-nicípio 3 é também o que mostra maior desi-

gualdade na distribuição de renda, com rendatotal dos 10% mais ricos 25 vezes maior do quea renda total dos 40% mais pobres. Quanto àsituação de saneamento básico, o Município 4tem a maior proporção de domicílios com águaencanada, alcançando quase 100%.

Na tabela 2, são apresentados indicadoresde atenção materno-infantil. Em relação aoatendimento pré-natal, todos os municípiosmostram coberturas altas, com proporções degestantes que tiveram seis ou mais consultassuperiores a 80%, destacando-se o Município 3com o maior percentual (95%). Já no que se re-fere à qualidade do atendimento, o percentualde gestantes com todos os exames laboratoriaisbásicos (glicose, sífilis e HIV) variou de 69%(Município 2 e Município 3) a 84% (Município1 e Município 4). No que diz respeito às orien-tações sobre sinais de trabalho de parto, riscona gravidez e informações sobre o estabeleci-mento de saúde para realização do parto, cha-ma a atenção o percentual baixo obtido no Mu-nicípio 2: menor do que 50%. Este município éo que apresenta, igualmente, a menor propor-ção de gestantes que realizaram três ou maisultra-sonografias na gestação: 64%.

No que se refere à peregrinação na hora doparto, o Município 3 apresentou a maior pro-porção de parturientes que não realizaram oparto no primeiro estabelecimento que procu-raram (20,5%), enquanto a menor foi observa-da no Município 4 (7,4%). Este último foi oque mostrou também a maior proporção demulheres com consulta pós-parto (87%). Emcontraste, este percentual foi de apenas 54% noMunicípio 2. Já as proporções de parto cesáreosão elevadas em todas as localidades analisadas,atingindo 67% no Município 3, provavelmentepela maior cobertura de plano de saúde priva-do na localidade analisada (Tabela 2).

Quando se analisam os indicadores de saú-de infantil (Tabela 2), observa-se que os piorescuidados ocorrem no Município 2 e no Muni-cípio 1, onde, respectivamente, 15% e 9% dascrianças com menos de um ano não fazemacompanhamento do crescimento em serviçode saúde. Da mesma forma, estes dois municí-pios detêm as menores coberturas de vacina-ção tetravalente (três doses) em crianças commenos de um ano. Quanto ao aleitamento, aproporção de amamentação exclusiva (só leitematerno) por seis meses ou mais variou de26% a 42%, enquanto a exclusiva ou predomi-nante (leite materno e outros líquidos) por seismeses ou mais ficou entre 60% e 70%.

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tude de variação (Tabela 3): nos Municípios 1 e2, foram menores do que 55%; no Município4, foram de 71% e apenas no Município 3, ul-trapassaram 80%. Quando se considera a co-bertura da mamografia como a proporção querealizou o exame e recebeu o resultado menosde um mês depois, os indicadores decrescemsubstancialmente, sobretudo no Município 2(27%) e no Município 1 (44%).

Quanto à assistência a idosos, enquanto acobertura de vacinação contra gripe mostrouhomogeneidade entre os municípios, no pata-mar de 65%, foi grande a variação da propor-ção de idosos que realizaram exame de vistanos três anos que precederam a entrevista: de42%, no Município 2, a 78%, no Município 3(Tabela 3).

Os resultados apresentados na tabela 3 mos-tram ainda que a assistência bucal é precária

Na tabela 3, são apresentados os indicadoresde prevenção de câncer de colo de útero entreas mulheres. Evidenciam-se elevadas coberturasde exame ginecológico no período dos três anosanteriores à data da pesquisa. Entre estas, o per-centual de mulheres que fizeram o teste Papani-colau situou-se em torno de 90% em todos osmunicípios estudados. O gargalo do sistema desaúde ocorreu, porém, no recebimento dos re-sultados. No Município 3, a cobertura de examepreventivo decresce de 93% para 69%, quandose considera o recebimento de resultado menosde um mês depois da realização do mesmo. NoMunicípio 2, o de pior situação, observa-se quedade 89% para 42%. As baixas freqüências de me-didas de peso e pressão arterial nas consultas gi-necológicas foram outro problema encontrado.

Entre mulheres de 40 a 69 anos, as cobertu-ras de mamografia mostraram grande ampli-

Tabela 2Indicadores de atenção materno-infantil, segundo os municípios pesquisados. Estado do Rio de Janeiro, 2005.

Indicadores MunicípiosMunicípio 1 Município 2 Município 3 Município 4

Tamanho da amostra 62 46 39 54

Atendimento pré-natal% de gestantes que tiveram seis ou mais consultas 82,3 80,4 94,9 87% de gestantes que tiveram todos os exames laboratoriais básicos1 83,9 69 69,4 84% de gestantes que tiveram os procedimentos preconizados2 78,7 60 59 85,2em todas as consultas % de gestantes que receberam todas as orientações adequadas3 60,7 46,7 76,9 50% de gestantes que receberam os aconselhamentos preconizados4 83,6 68,9 69,2 75,9% que fez três ou mais ultra-sonografias 75,4 64,4 76,9 66,7

Assistência ao parto% de parturientes que realizaram o parto no primeiro 85,5 91,3 79,5 92,6estabelecimento que procuraram% de parturientes que tiveram parto cesáreo 41,9 52,2 66,7 57,4% de mulheres que fizeram consulta pós-parto 62,9 54,3 79,5 87

Saúde infantil % de crianças com menos de 1 ano que não fazem acompanhamento 8,9 14,8 0 2,7do crescimento em serviço de saúde% de crianças (>6 meses e < 2 anos) amamentadas até os 6 meses

Exclusivamente 26,2 42,5 35,7 26,3Exclusiva ou predominantemente 66,7 60 60,7 65,8

% de crianças de 1 a 2 anos de idade com vacinação tetravalente 64 68,2 90 92completa (três doses)

1 Exame de sangue para medir glicose, exame para sífilis, teste para infecção pelo HIV.2 Medida de peso, pressão arterial, fundo de útero e ausculta do bebê.3 Orientações sobre sinais de trabalho de parto, sinais de risco na gravidez e informações sobre qual estabelecimento de saúde procurar na hora do parto.4 Aconselhamentos: não faltar às consultas agendadas; manter uma alimentação saudável; não fumar;não beber em excesso; informações sobre o HIV.

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nos quatro municípios do Estado do Rio de Ja-neiro: a proporção de pessoas que realizam con-sulta odontológica para revisão periódica pelomenos uma vez ao ano não alcança 50% emnenhuma das localidades.

Os indicadores relativos aos comportamen-tos saudáveis, apresentados na tabela 4, são se-melhantes para o hábito de fumar, entre 16,1%e 17,7%, e para a obesidade, entre 10,9 e 12,8%,embora os menores valores sejam sempre apre-sentados no Município 3 e os maiores, no Mu-nicípio 2. Já a proporção de pessoas que não fa-zem atividade física por lazer ou condiciona-mento físico apresenta gradiente bem maior,com variação de 48% a 78% nestes municípios,respectivamente.

Os resultados da tabela 4 mostram, adicio-nalmente, altas coberturas de medida de pres-

são arterial no último ano, com destaque parao Município 4 (85%). A proporção com diag-nóstico de hipertensão arterial foi de, aproxi-madamente, 23% nos Municípios 1, 2 e 4 e de27% no Município 3, explicada, possivelmente,pela maior freqüência de idosos residentes nes-te município. As falhas nas orientações sobrecomportamentos saudáveis podem ser eviden-ciadas quando se analisam as proporções de hi-pertensos obesos e fumantes: mais de 20% doshipertensos são obesos e mais de 10% mantêmo hábito de fumar, em todos os municípiospesquisados.

Os indicadores de desempenho da atençãobásica em saúde estão apresentados na tabela5. No que se refere ao PSF, o percentual de do-micílios cadastrados foi de 29%, no Município2, de 17%, nos Municípios 1 e 4, e de 11%, no

Tabela 3Coberturas de programas de saúde por grupo populacional, segundo os municípios pesquisados.Estado do Rio de Janeiro, 2005.

Grupo Populacional Indicadores MunicípiosMunicípio 1 Município 2 Município 3 Município 4

Mulheres 18-69 anos Tamanho da amostra 250 158 226 207% de mulheres que fizeram exame 86,8 81,8 88,3 83,4ginecológico nos últimos 3 anos

Mulheres 18-69 anos Tamanho da amostra 217 129 200 172que fizeram exame % com exame preventivo 91,2 88,7 93,3 90,7ginecológico nos % com preventivo e conhecimento últimos 3 anos do resultado menos de 1 mês depois 62,7 41,7 69,2 68,9

% cujas mamas foram examinadas 80,4 72,3 83 84,3% cujo peso foi medido 50,3 37,5 43,3 43,6% cuja pressão arterial foi medida 57,7 54,9 52,9 59,3% que recebeu orientações sobre hábitos 70,3 61,9 58,1 67,9saudáveis

% que recebeu orientações sobre auto- 80,4 71,2 74,6 81exame das mamas

Mulheres 40-69 anos Tamanho da amostra 111 70 117 101% que fez mamografia nos últimos 3 anos 54,6 50,8 82,4 71,4% que fez mamografia com conhecimento 43,6 27,3 74,2 57,7do resultado menos de 1 mês depois

Idosos (+ 60 anos) Tamanho da amostra 66 43 90 60% que realizou exame de vista nos 63,6 42 78 58,2últimos 3 anos% que se vacinou contra gripe nos 63,2 69,9 64,8 68,7últimos 12 meses

Adultos (18 anos e mais) Tamanho da amostra 552 371 491 456% que realiza consulta odontológica para 30,7 18,9 44,8 42,8revisão periódica uma vez ao ano% que perdeu todos os dentes naturais 7,4 6,5 8,7 8,5

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Município 3. O Município 1 mostrou o maiorpercentual de domicílios visitados pelo menosseis vezes ao ano (67%), enquanto o Município3, o maior percentual de domicílios cadastra-dos e nunca visitados (33%). De acordo com osmoradores dos domicílios visitados por equi-pes do PSF, os menores percentuais de respos-tas afirmativas corresponderam ao monitora-mento das consultas agendadas, com exceçãodo Município 1.

Quanto aos indicadores de assistência am-bulatorial, as taxas de utilização no último anosão menores justamente nos municípios comas maiores necessidades: ficam em torno de65% nos Municípios 1 e 2, e no patamar de80%, nos Municípios 3 e 4.

As diferenças na cobertura de plano de saú-de privado são nítidas (Tabela 5). No Municí-pio 2, 65% utilizaram serviços do SUS no últi-mo atendimento. Ao contrário, nos demais mu-nicípios, a maioria utilizou serviços privados(cerca de 54% nos Municípios 1 e 4, e 72% noMunicípio 3).

Em relação à obtenção de assistência no pri-meiro serviço de procura (Tabela 5), os resulta-dos foram positivos em ambos os setores, pú-blico e privado. As proporções em todos os mu-nicípios alcançaram valores maiores do que 93%.Porém, chamam a atenção os tempos médiosde espera para o atendimento, sobretudo entreusuários do SUS, alcançando duas horas e 40minutos, no Município 4, e cerca de duas horas,no Município 1. Nos quatro municípios, a pro-porção que esperou mais de três horas para oatendimento ultrapassa 12% no setor público.

Em relação à percepção de discriminaçãopor falta de dinheiro ou classe social, apenas o

Município 2 mostrou percentual expressivo:8% entre os usuários do SUS.

Discussão

No presente trabalho, foram apresentados in-dicadores de atenção básica construídos me-diante informações coletadas em inquérito do-miciliar de base populacional, realizado em qua-tro municípios do Estado do Rio de Janeiro. Oinstrumento foi resultado da adaptação doquestionário utilizado na PMS brasileira, parteintegrante de um projeto da OMS para avalia-ção do desempenho dos sistemas de saúde dospaíses-membros.

A Pesquisa Mundial de Saúde dirigida àatenção básica (PMS-AB) teve, pois, a vanta-gem da experiência anterior em nível nacional,tanto no que diz respeito à elaboração das per-guntas, como na realização do trabalho de cam-po. O questionário foi simplificado, diminuin-do o tempo de entrevista e facilitando a sua apli-cação. Por outro lado, trouxe perguntas especí-ficas para avaliação do sistema de saúde brasi-leiro, como as voltadas para o PSF.

A aplicação do inquérito em quatro municí-pios do Rio de Janeiro possibilitou construir umconjunto de indicadores de atenção básica, oque não seria possível fazer através dos sistemasde informações do Ministério da Saúde. Porexemplo, no caso da atenção à gestante, atravésdos dados do Sistema de Nascimentos (Sinasc) épossível extrair apenas indicadores de coberturado atendimento pré-natal ou do número deconsultas. Já da PMS-AB resultaram indicadoresque permitem uma avaliação da qualidade do

Tabela 4Indicadores de prevenção, diagnóstico e controle de hipertensão arterial, segundo os municípios pesquisados.Estado do Rio de Janeiro, 2005.

Indicadores MunicípiosMunicípio 1 Município 2 Município 3 Município 4

% de indivíduos que têm o hábito de fumar 16,8 17,7 16,1 17,4% de obesos 11,2 12,8 10,9 11,6% de indivíduos que não realizam atividade física por lazer 65,8 77,9 48,3 61,2ou condicionamento físico% de indivíduos que tiveram medida da pressão arterial no último ano 74 74,8 81,2 85% com diagnóstico de hipertensão 22,5 23,3 27,9 23,1% de hipertensos que receberam assistência de saúde no último ano 63,9 76,7 89,9 78,9% de hipertensos que tomaram medicamento nas últimas duas semanas 53,3 49,9 67,7 63,6% de hipertensos que são obesos 27 22,7 21,1 26% de hipertensos que fumam 17,6 11,5 18,2 13,3

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Tabela 5Indicadores de desempenho da atenção básica em saúde, segundo os municípios pesquisados.Estado do Rio de Janeiro, 2005.

Indicadores MunicípiosMunicípio 1 Município 2 Município 3 Município 4

Programa de Saúde da Família% de domicílios cadastrados 17,2 29,2 11,1 17,5Entre os domicílios cadastrados

Número de domicílios cadastrados 100 114 57 84% que recebeu pelo menos seis visitas anuais 67 55,3 35,1 55,9% que nunca recebeu visita domiciliar 18 23,7 33,3 21,4% em que algum profissional de saúde fez perguntas 86,4 80,9 89,5 92,5sobre problemas de saúde% que recebeu orientações sobre comportamentos saudáveis 77,8 58,4 73,7 73,6% em que houve encaminhamento para serviços de saúde 81,1 59,3 77,1 72% em que foi feito monitoramento às consultas agendadas 79,5 53,4 56,8 52

Entre os domicílios cadastrados com crianças% que recebeu orientações sobre cuidados de saúde infantil 67,7 70 93,3 80% em que foi feito acompanhamento do crescimento das crianças 75 60,5 85,7 69,2% em que foi feita a verificação do cartão de vacinação das crianças 82,1 73,7 92,9 69,2

Atendimento ambulatorialNúmero e percentual de indivíduos que receberam atendimento 345 246 394 371ambulatorial no ano que precedeu a pesquisa (62,3%) (66,3%) (80,2%) (81,4%)% de indivíduos que não pagaram pelo atendimento (SUS) 46,7 65,2 28,4 45,5% de indivíduos que conseguiram assistência no primeiro serviço que procuraram

Não-SUS 98,9 93 98,9 97,5SUS 96,3 93,8 97,3 94,7Total 97,7 93,5 98,5 96,2

Tempo médio de espera (minutos) para receber atendimentoNão-SUS 55 46 40 46SUS 123 97 87 160Total 87 80 53 98

% de indivíduos que esperaram mais de três horas para receber atendimento

Não-SUS 3,8 1,2 1,8 2,5SUS 14,9 15 12,6 16,6Total 9 10,2 4,8 8,9

% de indivíduos que se sentiram tratados pior do que os demais por falta de dinheiro ou classe social

Não-SUS 0,5 1,2 0,4 1,5SUS 1,9 8,2 0,9 1,8Total 1,2 5,7 0,5 1,6

atendimento pré-natal, como a proporção degestantes que realizaram todos os exames labo-ratoriais básicos ou a proporção de gestantesque tiveram todas as orientações sobre sinais departo, riscos na gravidez e informações paraqual estabelecimento de saúde se dirigir na horado parto, o que indica a relevância da eleiçãodestes eventos como condições traçadoras.

No que se refere à saúde infantil, o inquéritopermitiu construir indicadores relativos à ama-

mentação e calcular a cobertura de vacinação te-travalente, mediante os dados anotados na ca-derneta de vacinação da criança, com mais pro-priedade do que com as informações do Sistemade Ações Básicas (Siab). As coberturas de vaci-nação estimadas mediante os dados do Siab sãocalculadas por local de ocorrência e não é raroapresentarem valores maiores do que 100%.

Um outro aspecto interessante da pesquisafoi a sua realização em quatro municípios do

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Estado do Rio de Janeiro, com diferenças im-portantes tanto nos contextos socioeconômi-cos e demográficos, como também nos compo-nentes organizacionais e estruturais dos siste-mas locais de saúde. Alguns indicadores mos-traram-se importantes marcadores dessas dife-renças. É o caso do percentual de crianças me-nores de um ano que não fazem acompanha-mento do crescimento em serviço de saúde, quefoi nulo no Município 3, mas alcançou númerosubstancial no Município 2. Outro indicadorque reflete, de maneira singular, as desigualda-des socioeconômicas em saúde é a proporçãode pessoas que realizam consulta odontológicaregular. Além dos valores baixos encontradosem todos os municípios, o gradiente de varia-ção intermunicipal foi também importante.

Em relação à cobertura dos programas desaúde, de maneira geral, os indicadores segui-ram a mesma lógica perversa: tanto pior a con-dição socioeconômica, tanto pior a cobertura ea qualidade do atendimento. Entretanto, noque se refere à análise da cobertura do examepara prevenção do câncer de colo de útero, nãose pode deixar de registrar que houve homoge-neidade dos indicadores, com valores próximosa 90% em todos os municípios estudados. Em-bora uma parcela significativa das mulheres es-teja se beneficiando deste serviço, com interva-lo de tempo adequado entre os exames, mos-trou-se que um dos gargalos do sistema de saú-de é o atraso no recebimento do resultado. Sa-bendo-se que o câncer de colo de útero apre-senta um grande potencial de cura, sobretudoquando diagnosticado e tratado precocemen-te9, esse resultado merece atenção específica.

Os resultados da PMS-AB revelaram que acobertura do exame de mamografia é baixa nosMunicípios 1 e 2, abrangendo pouco mais dametade das mulheres entre 40 e 69 anos de ida-de. Já os Municípios 3 e 4 mostram uma situa-ção privilegiada em relação ao indicador no ní-vel nacional10, com coberturas superiores a 70%.

Desigualdades de acesso ao diagnóstico decâncer de colo de útero e de mama são bem do-cumentadas na literatura internacional. Demodo geral, são associadas ao baixo nível de es-colaridade11, ao desequilíbrio geográfico na dis-tribuição dos serviços12 e se acentuam em fun-ção do poder de compra do usuário, seja pormeio do plano privado ou desembolso direto13.Apesar do seu caráter universal, o SUS carece,ainda hoje, de mecanismos de fato eficientes,de modo a fazer com que determinados servi-ços, disponíveis no setor privado, possam se

tornar também acessíveis à população de maisbaixo nível socioeconômico.

Nos últimos anos, os debates internacionaissobre as políticas de saúde têm enfatizado o pa-pel da avaliação de desempenho do sistema desaúde, ressurgindo o interesse na eqüidade emsaúde e justiça social na distribuição dos servi-ços. À eqüidade em saúde foi atribuída priori-dade alta e muitos serviços estão sendo disponi-bilizados, tendo como motivação os ganhos po-tenciais na diminuição das desigualdades. Nestesentido, alguns programas setoriais estão sendoimplantados, especificamente com a intenção debeneficiar os desfavorecidos socialmente14.

Nos municípios do Estado do Rio de Janei-ro, considerando-se a hipertensão arterial, umdos focos da atenção básica, efeitos nítidos daestratégia de prevenção de doenças podem serpercebidos. Mostrou-se que as coberturas demedida de pressão arterial no ano que prece-deu a pesquisa foram superiores a 70%, inde-pendentemente do contexto social do municí-pio, resultando na homogeneidade do diagnós-tico e dos cuidados assistenciais com a doença.

No Brasil, o PSF tem sido adotado como aestratégia principal de reorganização dos mo-delos de atenção em saúde e considerado prio-ridade política do Ministério da Saúde para aexpansão e a qualificação da atenção básica15.

É interessante observar que no Município 3foi obtida a menor proporção de domicílios ca-dastrados no PSF, e entre estes, o menor per-centual de domicílios com pelo menos seis vi-sitas anuais. Com a maior proporção de pes-soas com plano de saúde privado, esses resulta-dos comprovam a lógica de consolidação doPSF, na qual os municípios de pequeno portepopulacional e pouca capacidade instalada deserviços de saúde encontram menos obstáculospara a implementação do programa16. Outrapossível explicação estaria na singularidade doprograma local, no qual as atividades assisten-ciais e mesmo promocionais estão centradasno médico de família, obedecendo a lógica pró-pria, em que a freqüência de visita domiciliarcorresponde às necessidades da população ads-crita atendida.

Na esfera da assistência ambulatorial, me-recem destaque as desigualdades na utilizaçãodos serviços de saúde. Reproduzindo a lei docuidado invertido, as taxas de utilização são me-nores nas localidades onde há maior necessida-de de atenção. Porém, um resultado muito po-sitivo foi encontrado para as pessoas que con-seguiram assistência no primeiro estabeleci-

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Agradecimentos

As autoras agradecem a colaboração dos pesquisadoresenvolvidos no ELB e pesquisa PMS-AB (2005), na fase deadaptação do instrumento de investigação com revisãoconceitual, proposta e discussão de alterações e pré-teste.São eles: Alberto Najar (ENSP/Fiocruz), Ligia Giovanella(ENSP/Fiocruz), Maria de Fátima Lobato Tavares (ENSP/Fiocruz) e Miguel Murat Vasconcellos (ENSP/Fiocruz),responsáveis pelo ELB, e Francisco Viacava (CICT/Fiocruz),Silvana Granado Gama (ENSP/Fiocruz), Mariza MirandaTheme Filha (SMS/RJ), Carla Lourenço Tavares de Andra-de (ENSP/Fiocruz), Luiz Otávio Azevedo (CICT/Fiocruz),Paulo Roberto Borges de Souza Júnior (CICT/Fiocruz) ePaulo Frias (IMIP/PE), responsáveis pela PMS-AB.

Colaboradores

CL Szwarcwald trabalhou na pesquisa, metodologia, con-cepção e redação do artigo. MHM Mendonça, na meto-dologia, concepção do artigo e revisão crítica do texto.CLT de Andrade, na pesquisa, metodologia, concepçãodo artigo, elaboração de tabelas e revisão crítica.

mento em que procuraram atendimento. Com-parando-se por forma de pagamento, mostrou-se que mais de 90% dos indivíduos conseguematendimento no primeiro estabelecimento emque procuram assistência, independentementede o serviço ser pago pelo SUS, por desembol-so direto ou através do plano de saúde.

Diferenças importantes, entretanto, foramencontradas no tempo de espera para o atendi-mento. Nos Municípios 2 e 4, entre os usuáriosdo SUS, os tempos médios de espera ultrapas-saram duas horas. Os resultados da presenteanálise corroboram, assim, os achados de ou-tros estudos no Brasil, que revelam que as prin-cipais queixas relacionadas ao atendimento mé-dico são: demora no atendimento; várias idasao local de atendimento para conseguir o ser-viço e falta de garantia de conseguir os examessolicitados ou mesmo de continuidade de tra-tamento17. Adicionalmente, os achados indica-ram que as desigualdades de acesso e distribui-ção de benefícios são função do poder de com-pra do usuário, resultando na qualidade dife-

renciada da atenção prestada nos serviços pú-blicos.

O papel da atenção básica como elemento-chave para a promoção da eqüidade tem sidoenfatizado, principalmente nas sociedades comgrandes disparidades sociais. O desenvolvimen-to de estratégias para reduzir as iniqüidades,entretanto, requer preliminarmente o entendi-mento de como elas ocorrem, determinando osfatores que podem amenizar relevantemente ogradiente social18. Neste sentido, os resultadosdos inquéritos populacionais que avaliam aatenção recebida sob a ótica do usuário sãofundamentais para o estabelecimento de metase definição de prioridades.

Por outro lado, vale a pena dizer que as li-mitações dos resultados aqui apresentados re-caem justamente no fato de os achados teremsido depreendidos a partir de entrevistas pre-senciais, cujas respostas variam, relevantemen-te, com a percepção, o nível de informação egrau de escolaridade do respondente19.

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Artigo apresentado em 27/02/2006Aprovado em 31/03/2006Versão final apresentada em 17/04/2006