imagens veladas, imagens re-veladas: narrativas da aids nos escritos do jornal folha de s. paulo...
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ROSANA DE LIMA SOARES
imagens veladas, imagens re-veladas: narrativas da aids nos escritos do jornal
folha de s. paulo
VOLUME I
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Ciências da Comunicação (Jornalismo) à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
agosto de 1997
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ROSANA DE LIMA SOARES
imagens veladas, imagens re-veladas: narrativas da aids nos escritos do jornal
folha de s. paulo (1994-1995)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Ciências da Comunicação (Jornalismo) à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas
Realizada com apoio da Capes e da Fapesp e desenvolvida no Núcleo Jornalismo e Linguagem
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
agosto de 1997
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banca examinadora _______________________________________________________ Profa. Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas - Orientadora _______________________________________________________ Prof. Dr. José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres - FM/USP _______________________________________________________ Profa. Dra. Maria de Fátima Gonçalves Moreira Tálamo - ECA/USP
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dedicatória A minha mãe, Zeni, e a meu pai, Sinclair, por terem cultivado na criança que fui fascínio e respeito pelos livros e por terem me apoiado e estimulado sempre e, especialmente, neste período de mestrado. Ao Thomas, que soube me ouvir incontáveis vezes, nas descobertas e nas encruzilhadas, sempre com paciência, interesse e vivacidade, mesmo quando o fluxo de idéias não parecia fazer sentido... A eles, meu amor.
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agradecimentos jeanne marie machado de freitas professora orientadora mestra que me ensinou saber coragem surpresa persistência curiosidade novidade calma paciência ritmo beleza leveza no vai e vem das idéias e das palavras pela dedicação nas leituras de rascunhos pela atenção nas conversas pelos encontros luminosos pela sensibilidade ao indicar caminhos pela sabedoria no percurso dos textos pela perspicácia ao mostrar possibilidades pela paciência em acompanhar meu tempo a ela especialmente minha amizade reconhecimento afeto admiração professora lilia blima schraiber pelas idéias iluminadas na qualificação professor josé ricardo de carvalho mesquita ayres pela entrada em cena nos momentos finais professora dulcília schroeder buitoni pela amizade e contribuições em diferentes momentos junior luciana sergio eunice por me conhecerem nos dias de bom humor e outros nem tanto pelo convívio em família pepê ju marcia cibele sônia vagner jefferson odair gianelli elcio nancy gabriel leo alison pelo convívio delicadezas bons momentos conversas palpites idéias amigos antigos geraldo mayra nilvana joanita fátima rose tina franci silvana gisely pelas luzes estudos encontros em meio aos desencontros da eca novos amigos tânia flor ivete shirlei ema zuleica arlete pela atenção e bom humor com que atenderam a intermináveis solicitações de papéis e informações à capes e à eca pela concessão de bolsa de mestrado que possibilitou dedicação exclusiva para o desenvolvimento desta pesquisa à fapesp pela complementação da bolsa de mestrado no momento crucial de finalização deste trabalho sem a qual não teria sido possível concluí-lo
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resumo Este trabalho busca apresentar as construções narrativas e discursivas sobre a Aids em matérias diversas publicadas no jornal paulista Folha de S. Paulo durante os anos de 1994 e 1995. As matérias foram selecionadas a partir de uma amostragem aleatória, em que, para cada mês, tem-se uma matéria dominical e uma matéria semanal (em diferentes dias da semana, de segunda-feira a sábado, para cada mês), num total de 31 matérias analisadas. A partir das teorias constituintes das Ciências da Linguagem (a teoria lingüística de F. Saussure, a semiótica narrativa a partir de A. J. Greimas, a etnologia de acordo com C. Lévi-Strauss e a psicanálise freudiana, na releitura de J. Lacan), deslocou-se a leitura dos textos jornalísticos da área das Ciências Sociais para a área de confluência das correntes teóricas voltadas para a linguagem, indicando como estão construídas as narrativas sobre a Aids nos textos analisados. As análises efetuadas indicaram a configuração de três grandes grupos temáticos nas matérias da Folha de S. Paulo sobre a Aids: Estado, Ciência e homossexualidade. Cada um dos grupos engloba matérias com temas e abordagens diversos, mas sua confluência se faz, finalmente, em dois grandes eixos: a oposição mal x bem, compondo a doença e o doente como recobertos por imagens de “pecado” e “dano”, e a ciência como a redentora destes males, capaz de “curar” e “salvar”. A estrutura básica do discurso da Aids reveste-se, assim, de configurações imaginárias relacionadas ao domínio do religioso e do místico, o pecado e a salvação, o pecador e o salvo. As matérias, a partir de diferentes estratégias narrativas e enunciativas, destinam à Aids um discurso que traz em si a estrutura básica das narrativas clássicas: a ação de um sujeito em busca da redenção para solucionar um dano, a Aids e aqueles infectados pelo HIV aparecendo como o dano a ser reparado pela ação da ciência em busca da cura.
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abstract This research aims to present the narrative and discursive constructions on Aids as they appeared in articles published by the Brazilian daily paper Folha de S. Paulo during 1994 and 1995. The corpus was selected out of a random sample of articles. For each month, a Sunday and a daily article were selected, in order to have a different week day for each month. In all, 31 articles were analysed. The analysis of journalistic texts was displaced from the field of social sciences to the field of the sciences of language, pointing out how the Aids stories are built up in the selected articles. The following language theories were used during the analysis process: F. Saussure linguistics theory, A. J. Greimas narration semiotics, C.-L. Strauss ethnology and J. Lacan Freudian psychoanalysis. Folha de S. Paulo articles on Aids could be divided in three major groups: State (policies and law), Science (research and discoveries) and homosexuality. Each group involves a wide range of articles with different subjects and approaches, but, in the end, they turned up to be formed by two basic axes: the evil x good opposition, presenting the disease and the diseased as covered by images of “sin” and “damage”, and science as the redeemer of these evils, capable of “curing” and “saving”. The basic structure of the Aids discourse, therefore, is covered with imaginary configurations related to the religious and mystical domains, sin and salvation, the sinner and the saved. Using different narrative and enunciative strategies, the articles present the Aids discourse as having the same structure of the classical narration stories: the action of a subject searching for redemption in order to repair a damage, Aids and the ones infected by the HIV as the damage to be repaired by the action of science searching for the cure.
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índice memorial introdução 1. pressupostos 2. objetivos 3. corpus 4. plano da dissertação 5. referenciais teóricos capítulo 1 1. jornalismo: a ilusão do real 1.1. a estrutura narrativa da notícia 1.2. para além da semiótica narrativa capítulo 2 2. as ciências da linguagem 2.1. jornalismo: das ciências sociais às ciências da linguagem 2.2. “a linguagem, essa desconhecida” 2.3. dos desfiladeiros da linguagem capítulo 3 3. breve história da aids 3.1. a aids e o ponto de vista das ciências humanas 3.2. aids: narrativas no jornal folha de s. paulo capítulo 4 4. primeiras leituras, temáticas da aids: narrativas 4.1. descrição geral das edições selecionadas 4.2. matérias sobre aids publicadas a cada edição 4.3. descrição das matérias sobre aids publicadas capítulo 5 5. segundas leituras, recorrências da aids: escritos 5.1. prelúdio: idéias em suspensão 5.2. interlúdio: por um modo de ler 5.2.1. leituras 5.3. poslúdio: remetências e recorrências
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conclusões provisórias 1. do mal radical e da ciência: narrativas da contemporaneidade 2. uma grande narrativa: discurso bibliografia 1. ciências da linguagem, comunicação e artes 2. filosofia e ciências humanas 3. aids e saúde anexos 1. íntegra das matérias 2. páginas de jornal
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epígrafe “É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. (...) Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim? ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. E com uma desenvoltura de toureiro na arena. Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato de amor - pela límpida abstração de estrela do que se sente - capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes - e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia”. clarice lispector, água viva
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memorial
Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:
ana cristina cesar, inéditos e dispersos
O objeto de estudo deste trabalho é a Aids. Muitos se espantam com tal escolha: já
chegou mesmo a ser indagada se era portadora do HIV, ou melancólica (para usar o
termo de Walter Benjamin1, inspirado no Barroco). Afinal, tratar de um tema que
envolve sexo e morte (ou seriam a mesma coisa?) é algo, no mínimo, indesejável para a
maioria das pessoas.
Às vezes ela mesma pergunta: por que Aids? Algumas respostas possíveis talvez possam
ser buscadas na própria história dessa doença, ainda tão misteriosa e assustadora entre
nós. Talvez tudo tenha começado com um choque ao ver seus amigos e amigas
morrendo. Talvez o choque maior tenha sido quando soube que uma menina de apenas
16 anos estava contaminada, filha de uma amiga sua muito especial.
Chegou ao Mestrado na ECA em 1995, cheia de expectativas e um tanto perdida. Seis
meses foram suficientes para conhecer um pouco a Escola, conhecer um pouco melhor
suas próprias intenções. Afinal, o curso de Jornalismo, concluído em 1989 no IMS,
ficara distante depois de cinco anos de estudos de Filosofia na FFLCH da USP,
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concluídos em 1994. Decidira, entretanto, fazer as pazes com a Comunicação, área
objeto de desejo dos seus 17 anos e que fora abandonada, talvez devido à desilusão tão
própria daquela idade, talvez inspirada pela leitura de Paul Nizan em seu Aden, Arábia:
“Eu tinha 20 anos. Não me venham dizer que é a mais bela idade da vida”. Talvez fosse.
Durante o curso de Filosofia, trabalhou como jornalista profissional em organizações
não-governamentais, nas quais atuou como redatora e editora de publicações diversas e,
mais recentemente, na área de jornalismo empresarial, produzindo jornais de circulação
interna e externa. Ao ingressar no Mestrado, interrompeu suas atividades de trabalho
para dedicar-se apenas aos estudos, o que só foi possível por ter sido contemplada com
uma bolsa da Capes, por dois anos, e outra da Fapesp, por seis meses complementares.
Parecia, enfim, que as condições básicas para iniciar seus estudos de Pós-Graduação
estavam dadas. Aficcionada que sempre fora por livros, idéias e estudos, sentiu que
finalmente poderia começar a trilhar mais sistematicamente um caminho que a seus olhos
parecia fascinante. Mas essa trajetória estava apenas começando.
Seu projeto de pesquisa inicial pretendia desenvolver um trabalho dividido em várias
etapas: pesquisa de campo junto a adolescentes para saber o que os mesmos pensavam,
sentiam, conheciam e percebiam com relação à problemática da Aids; levantamento de
artigos e matérias de jornais sobre o assunto; mapeamento de algumas campanhas de
prevenção divulgadas em media impressa – tudo isto com o intuito de traçar um quadro
abrangente sobre o imaginário construído socialmente em torno da Aids, destacando seu
caráter muitas vezes conservador e preconceituoso, a partir da ação dos meios de
comunicação e da imprensa. Os adolescentes mostravam-se como público prioritário
com o qual gostaria de trabalhar, por razões diversas explicitadas no plano inicial de
pesquisa quanto à relevância e importância deste grupo específico na questão da
prevenção da Aids e mudanças de mentalidades necessárias em se tratando desse tema.
A partir de entrevistas com adolescentes e pesquisa de material impresso sobre a Aids,
com o auxílio de bibliografia especializada e específica que envolveria desde publicações
científicas até discussões de caráter sociocultural, traçaria um paralelo entre o que se
divulga ao público através dos meios de comunicação em geral e a opinião e o
conhecimento dos próprios adolescentes com relação à doença.
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Ao final do projeto pensava, ainda, em lançar algumas bases que indicassem
possibilidades para futura elaboração de campanhas de prevenção voltadas para
adolescentes – que incorporassem elementos e linguagens mais identificados com este
público específico –, já que não acreditava na suposta “universalidade” das campanhas de
prevenção até então divulgadas, dirigidas indiscriminadamente a todos os segmentos
populacionais.
Nesse primeiro momento, sua preocupação estava centrada nas questões relativas à
prevenção da Aids entre um grupo específico – adolescentes entre 15 e 18 anos que já
possuíssem um nível mínimo de informações sobre a doença tratada. Questionava o fato
desses adolescentes, mesmo informados, continuarem a adotar os chamados
“comportamentos de risco” com relação à Aids – continuarem “vulneráveis” à doença,
aprenderia depois –, e sua preocupação apoiava-se no acompanhamento de estatísticas
que apontavam que o número de casos de pessoas contaminadas continuava crescendo,
principalmente em países do terceiro mundo e entre jovens. Seu enfoque principal
envolvia, portanto, as campanhas de prevenção e, acima de tudo, uma crítica severa a
elas: acreditava que parte do problema resumia-se ao fato destas campanhas serem
insatisfatórias e inadequadas para o público jovem, espalhando o preconceito e o terror
em vez de educar e esclarecer.
Após um ano de cursos, leituras e reflexões – não apenas sobre o tema da Aids mas
sobre o próprio “estado da arte” da comunicação –, percebeu a ingenuidade e até uma
certa relação mecânica entre os elementos alinhavados. Talvez por uma deficiência de
leituras atualizadas ou de maior reflexão nesse campo, seu projeto ainda estava baseado
no modelo clássico da comunicação, relacionando emissor/mensagem/receptor como
constituintes dos processos comunicacionais. Ora, nesse modelo, seu problema
apresentava-se como relativamente simples: bastaria produzir campanhas de boa
qualidade – isto é, que não disseminassem preconceitos ou informações distorcidas –,
especialmente direcionadas para o público jovem, que este, bom entendedor de boas
mensagens, adotaria os comportamentos sugeridos e a espiral da transmissão da Aids
seria cortada.
Hoje, olhando para esse esquema, não pode deixar de rir de si mesma. Parece agora
claro que a transmissão e recepção de mensagens não se coloca como um processo
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mecânico ou lógico, onde “x + y = z”. E não se refere aqui apenas aos chamados “ruídos
na comunicação” que interfeririam nesse processo (como assinalados nos livros Teoria
da dissonância cognitiva e Psychology of rumor2, por exemplo), mas a toda uma série
de fatores que interferem e interagem nos processos comunicacionais entre sujeitos.
Afinal, pessoas não são meros receptores passivos de informações e mensagens, e cada
“emissor” é também “receptor”, e vice-versa – acima de tudo, pessoas – sujeitos em
permanente interação.
Sua proposta inicial desconsiderava os processos contemporâneos envolvidos na
comunicação: as novas tecnologias, os novos media interativos, a globalização da
informação e a mundialização da cultura (cf. Ortiz3), as ciências da linguagem, a
saturação de informações e os próprios veículos de comunicação. Finalmente, percebeu
que havia tantos elementos inseridos em seu projeto – Aids, adolescentes, meios de
comunicação, jornais, artigos, jornalismo científico, campanhas, nova campanha – que se
tornava quase impossível desenvolver todos eles de forma satisfatória – ainda que
estivessem bem articulados – durante o período previsto para a realização do programa
de Mestrado.
Durante todo o ano de 1995, as disciplinas cursadas apontaram para essas deficiências e
lançaram novos desafios. E é a partir delas que começou a refletir e a questionar seu
plano inicial de pesquisa, não sem uma certa angústia pela sensação de que alguma coisa
estava perdida e precisava ser reposta. A disciplina “Jornalismo e Ciências da
Linguagem” lançou novas luzes sobre a teoria da comunicação e apontou a
complexidade dos processos comunicacionais e da linguagem enquanto sistema fundante
das relações sociais; o curso “ONGs, informação e sociedade global” abriu caminho para
o universo da globalização; as disciplinas “A poética da impureza em dois cineastas
europeus: Godard e Greenaway”, “Jornalismo e Imagem”, “Tópicos de teoria da
narrativa e do discurso” e “A divulgação científica na imprensa: problemas semióticos e
textuais”, por diferentes caminhos, levaram a questões da narrativa e do discurso,
introduzidas pela teoria semiótica, apontando possibilidades para uma metodologia de
trabalho na leitura de artigos de jornais, formas de categorizá-los e agrupá-los.
Nesse percurso, a passagem pela disciplina “Metodologia da pesquisa em comunicação”,
por sua especificidade, provocou um questionamento não apenas quanto a aspectos
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metodológicos – no que diz respeito a “métodos” de pesquisa propriamente ditos – mas,
acima de tudo, quanto à estruturação do projeto de pesquisa e à reflexão consciente em
cada uma de suas etapas. O “nível epistemológico” da pesquisa, como ficou conhecido
entre os alunos do curso, não poderia ser negligenciado. Um dos trabalhos realizados
para essa disciplina foi a reelaboração do projeto individual de pesquisa, no qual
procurou estabelecer uma nova relação com seu objeto de estudo, elaborar uma reflexão
teórica mais delimitada, procurar os autores com os quais iria dialogar e esboçar uma
possível proposta metodológica para pesquisa de campo junto a adolescentes.
Entretanto, nesse trabalho ainda privilegiava as campanhas de prevenção enquanto
tentativa de criticá-las e estabelecer novos critérios para sua elaboração, e abordava a
questão da Aids ainda de maneira mecânica. Nele, iria comparar campanhas
governamentais e campanhas de organizações não-governamentais, partindo do
pressuposto de que as campanhas das ONGs se mostrariam mais eficazes para a
prevenção da Aids entre adolescentes do que as campanhas governamentais.
Esse trabalho foi finalizado em julho de 1995. Durante o segundo semestre, a partir de
novos estudos e leituras, começou a questionar a metodologia proposta no projeto e sua
“crença” nas campanhas de prevenção como sendo as grandes portadoras de
possibilidades de mudanças quanto à questão da Aids na sociedade. Além disso,
percebeu que para abordar um tema tão complexo e delicado quanto a Aids – ainda mais
em se tratando de adolescentes –, não poderia usar métodos como os tradicionais
questionários de respostas abertas ou fechadas ou apenas entrevistas em profundidade.
Para a discussão desse tema junto a esse grupo, seriam necessários métodos muito mais
complexos, envolvendo até mesmo a combinação de vários ou a adaptação de alguns
deles. E, mais importante, seria preciso que a pesquisadora possuísse conhecimentos
aprofundados não apenas na área temática envolvida mas com relação aos próprios
adolescentes, conhecimentos que, infelizmente, não possui.
A participação na reunião do V Compós (maio de 1996) fez com que pensasse em um
outro aspecto problemático: como trabalhar com o discurso das campanhas de
prevenção ou dos jornais e, ao mesmo tempo, com o discurso dos adolescentes? Afinal,
não seria possível estabelecer entre eles nenhuma relação aparente (seja contingente ou
necessária) e, além disso, não gostaria, em nenhum momento, de estabelecer uma relação
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de comparação ou de causalidade entre dois discursos distintos. A essa altura, já havia
percebido que o “mundo dos discursos” não era regido dessa maneira.
A pesquisa tomou novos rumos. O projeto manteve autêntica sua essência: pesquisar a
questão da Aids em relação aos media. Entretanto, passou a tratar de questões quanto à
própria inserção da Aids no contexto da contemporaneidade, buscando relacioná-la ao
processo hoje vivido no contexto das novas tecnologias.
Lyotard, na introdução ao livro O inumano4, afirma ser preciso “reescrever a
modernidade”, e, com ela, a própria humanidade, opondo, talvez, o inumano enquanto
“pós-humano”5 ao humano. Não que isso seja tarefa fácil: “E se, por um lado, os
humanos, no sentido do humanismo, estão em vias de, constrangidos, se tornarem
inumanos? E se, por outro lado, for ‘próprio’ do homem ser habitado pelo inumano?”6.
Nessa perspectiva, a Aids aponta a encruzilhada a que se chegou. A partir dela, é preciso
reinventar a humanidade, re-humanizar o mundo através da construção de um sujeito e
de novos valores que ensinem a conviver com novas realidades – como a própria Aids.
Criar, talvez, uma outra humanidade, pós-humana.
Assim, esse trabalho buscará tratar muito mais da Aids enquanto construção simbólica,
abordando a gênese do preconceito e da discriminação – aliados ao isolamento – que a
cercam. Enquanto seres humanos, a Aids é um dos lugares em que nossas limitações e
impasses se explicitam, em que nossa relação com a morte se torna inevitável. Daí,
talvez, os mitos e construções simbólicas sociais e culturais que a rodeiam.
É, portanto, no universo dos escritos do diário paulistano Folha de S. Paulo que
procurará identificar esses elementos e propor uma discussão que extrapole os limites da
doença em si e questione o próprio papel e atuação do jornalismo enquanto articulador
de discursos e, no caso específico deste projeto, de uma narrativa sobre a Aids. Acredita-
se que a Aids possa ser um caso exemplar para esclarecer sobre o funcionamento do
próprio jornalismo contemporâneo e a forma sobre como um assunto torna-se “discurso
público” e passa a integrar a esfera dos media, entendendo, aqui, a função do jornalismo
como espaço para “tornar público o que pertence à esfera pública”. A Aids, na forma
como é hoje apresentada pelos jornais impressos em geral, definitivamente é considerada
como pertencente à esfera pública. As razões e implicações desse fato talvez possam ser
esclarecidas, ainda que parcialmente, nos limites deste trabalho.
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Nesse momento, talvez essa tentativa, no fundo, seja simplesmente alguma tristeza em
ver “todas essas pessoas preciosas morrendo antes do tempo, essas pessoas [que] não
vão ser substituídas, e isso é uma perda tão grande (...) Parece ser assim que vivemos,
assim que vivemos agora”7. Daí a idéia de traçar esse escrito sobre os escritos da Aids
em um jornal diário de grande circulação. Uma tentativa modesta de tentar apontar o que
tem se cristalizado enquanto discurso sobre essa doença em um veículo que, segundo
acredita, tem papel de construtor (com tantos outros) da arena simbólica da sociedade
contemporânea.
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1De acordo com Susan Sontag, Benjamin “era o que os franceses chamam un triste. Na
juventude, parecia marcado por uma ‘profunda tristeza’, escreveu Scholem.
Considerava-se um indivíduo melancólico, desdenhando os modernos rótulos
psicológicos, e invocava a astrologia tradicional: ‘Nasci sob o signo de Saturno – o astro
de revolução mais lenta, o planeta dos desvios e das dilações...’. Seus principais projetos,
o livro publicado em 1928 sobre o drama alemão (o Trauerspiel, literalmente, a tragédia)
e sua obra inacabada Paris, capital do século XIX, só podem ser plenamente entendidos
desde que se compreenda até que ponto se baseiam na teoria da melancolia” (Susan
Sontag, Sob o signo de Saturno, p.86).
2Leon Festinger, Teoria da dissonância cognitiva, Rio de Janeiro, Zahar, 1975; Gordon
Allport e Leon Postman, Psychology of rumor, New York, Henry Holt and Company,
1948.
3Renato Ortiz, Mundialização e cultura, 2a edição, São Paulo, Brasiliense, 1994.
4Jean-François Lyotard, O inumamo, Lisboa, Estampa Editorial, 1990, coleção
Margens.
5Cf. Lúcia Santaella, mesa temática apresentada no III Encontro Internacional de
Semiótica “Caos e ordem”, realizado na PUC-SP de 31/08 a 03/09/96.
6Jean-François Lyotard, op. cit., p.10.
7Susan Sontag, Assim vivemos agora, p. 31; 19.
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Antes do nome Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”, o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível muleta que me apóia. Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender. A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada. Em momentos de graça, infreqüentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror. adélia prado, poesia reunida
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introdução
1. pressupostos
“O real é um sonho, um sonho do corpo que fala...”
Jacques Lacan, Encore
São estranhos os caminhos que percorremos até chegar aonde gostaríamos de estar. Esse
“lugar da chegada” é tão difícil de ser alcançado porque, na maioria das vezes, é um
lugar apenas sonhado, intuído. E ao chegar, ele não está mais ali: deslocou-se.
Lembro de quando comecei a pensar em fazer o curso de pós-graduação, das minhas
primeiras idéias de temas, da ingenuidade que não posso deixar de reconhecer naquelas
idéias. Releio textos antigos e me espanto ao constatar que, em poucos meses, este tema
sofreu tantas adaptações que nem parece ser ainda o mesmo. Começo a pensar em falar
sobre ele agora, sobre onde nos encontramos, sobre onde finalmente chegamos.
As mudanças começaram ainda em 1995. Em relatório apresentado à ECA, reconheci,
no texto escrito, que não acreditava mais na viabilidade de medição dos efeitos de
campanhas de prevenção à Aids, tema com o qual, em princípio, pensava em trabalhar.
Hoje, creio que a situação está ainda mais complicada: chego mesmo a duvidar que tais
campanhas sejam passíveis de êxito. Claro, não questiono o fato delas terem que existir;
acredito mesmo que seja necessário fazer tantas campanhas quantas sejam possíveis. Mas
não me sinto em condições de perguntar às pessoas (no meu caso, seriam os
adolescentes) sobre o grau de persuasibilidade ou eficácia dessas campanhas, ou sobre o
que elas pensam sobre a Aids, ou sobre os textos jornalísticos referentes à Aids, algumas
de minhas idéias iniciais.
A partir desse deslocamento, a Aids, mais que um tema, tornou-se um lugar privilegiado
para entreolhar os mecanismos de construção de narrativas através da imprensa. No
caso específico deste projeto, elaborou-se a leitura de textos jornalísticos publicados no
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jornal Folha de S. Paulo entre os anos de 1994 e 1995 para extrair deles a narrativa que
a Aids foi escrevendo/inscrevendo e, assim, articulando seu próprio discurso.
A Aids tornou-se “pretexto” porque, por trás de seu discurso, há um outro (ou outros),
muito mais delicado, que envolve dois temas complexos e inseparáveis: o sexo e a morte.
Para falar de Aids, portanto, não se poderia deixar de fazer referência a esses dois temas,
e para falar das representações simbólicas de que a Aids está revestida não poderia
deixar de acompanhar seu percurso entre nós, ela que se tornou tão temerária por trazer
à tona o proibido, o interditado, aquilo que estava escondido e assim deveria
permanecer.
A Aids afeta não apenas o corpo mas também a mente de todos aqueles de alguma forma
nela envolvidos: portadores do HIV – sintomáticos ou assintomáticos –, familiares,
amigos, pessoas em geral. Reveste-se, assim, de um certo mistério quase que religioso
em relação àquilo que é desconhecido e, por isso, desperta fantasias e medos ancestrais.
É velada e re-velada. Não há esperança nem para quem está doente, nem para o restante
das pessoas. Este imaginário, criando “imagens”, organiza-se como narrativa e passa a
recobrir o real, ou seja: a narrativa torna-se ela mesma uma construção imaginária a
impregnar o simbólico. É, portanto, a partir da narrativa da Aids que se pode extrair seu
simbólico.
Um dos lugares privilegiados para acompanhar essa narrativa – não a narrativa
construída sobre a Aids, mas a narrativa que a própria Aids foi construindo para si por
meio dos vários discursos que foram criando o objeto Aids (discurso religioso, discurso
da ciência, discurso moral, discurso do Estado) – é o jornalismo. A partir dele construiu-
se o objeto de estudo deste trabalho, considerando a Aids não apenas enquanto
fenômeno social mas, sobretudo, como construção discursiva. Assim, parte-se do
pressuposto de que o discurso, enquanto criador de laço social, foi instituindo a Aids
como uma grande narrativa nos jornais.
Dessa forma, um dos pressupostos básicos desta pesquisa é considerar o jornalismo
como uma estrutura da linguagem, a partir da qual uma estrutura narrativa organizaria os
jornais. Ao afirmar isso, o termo estrutura está sendo tomado em sua acepção mais
clássica de um todo no qual é considerada a forma pela qual se dispõem as partes que o
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constituem, um todo no qual “uma coisa não vai sem a outra”, uma articulação em
cadeia, significando, ainda, que a soma das partes não perfaz um todo.
O título da dissertação, em minúsculas, imagens veladas, imagens re-veladas:
narrativas da aids nos escritos do jornal folha de s. paulo (1994-1995), ao jogar
com as palavras velar/revelar/re-velar, remete ao “velado” – aquilo que se esconde – em
oposição ao “revelado” – aquilo que se mostra. Entretanto, acredita-se que o jornal não
vela, nem revela: ele re-vela, isto é, “vela de novo”. Recobrindo o simbólico, o que se
tem da Aids são imagens, imaginários. Imagens, assim, veladas e re-veladas, duplamente
ocultas. Ocultas sob o quê? Esta é a pergunta que parcialmente tentou-se aqui responder.
As lacunas deixadas, ficam lançadas ao ar, quem sabe ainda em busca de respostas nunca
conclusivas, nunca plenamente satisfatórias.
2. objetivos
“(...) a linguagem não pode ser considerada como um simples instrumento, utilitário ou
decorativo, do pensamento. O homem não preexiste à linguagem, nem
filogeneticamente, nem ontogeneticamente. Jamais atingimos um estado em que o
homem estivesse separado da linguagem, que elaboraria então para ‘exprimir’ o que
nele se passasse: é a linguagem que ensina a definição do homem, não o contrário.”
Roland Barthes, O rumor da língua
O objetivo desta pesquisa configura-se num duplo movimento: por um lado, quer estudar
a Aids para apreender os modos de operação do discurso jornalístico e, por outro, quer
estudar o jornalismo como parte de algo que o transcende, extraindo dele o discurso da
Aids.
O desafio não é pouco. Faz lembrar um poema de Carlos Nejar, publicado na coletânea
Os melhores poemas de Carlos Nejar: “A casa não tem fim/ e os inúmeros projetos/ no
quintal dependurados/ entre as roupas./ Devagar/ que a vida é pouca/ para tamanha
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resposta./ A casa não tem fim./ Começa no amor/ e o amor decide em mim./ E os muros
ruídos,/ os cravos,/ as persianas nos sentidos/ entreabertos./ Cuidado que a vida é
solta”. Tão solta como os elos da cadeia aqui articulada entre jornalismo e Aids, cujas
relações estabelecidas poderiam ter sido as mais variadas.
O interesse inicial deste trabalho era tratar prioritariamente do tema da Aids, motivado
pelas características singulares das quais esta doença se reveste.
Entretanto, por ser algo “novo” (há um “antes” bem definido), a Aids mostrou-se como
exemplar para pensar o próprio jornalismo enquanto discurso. Dessa forma, o objetivo
desta pesquisa é mostrar como a Aids, que é um assunto “novo” nos jornais (que antes
não havia), foi se articulando e escrevendo sua própria narrativa em suas páginas. Com
isso, pretende-se falar da Aids – entender sua própria narrativa – e do próprio jornalismo
– de suas formas de construção discursiva –, o jornalismo considerado como um local
privilegiado para a articulação dos diversos discursos constituintes (e instituintes) da
sociedade.
Buscou-se, portanto, verificar de que modo o discurso organizador da sociedade –
discurso definido aqui como estrutura simbólica – se manifesta em relação à Aids. Em
outras palavras, verificar qual o discurso (ou os discursos) que sustenta a narrativa da
Aids nos jornais, qual o discurso prevalecente sobre a Aids na narrativa escrita no jornal
Folha de S. Paulo, entendendo narrativa como o imaginário que impregna o discurso,
lugar do simbólico.
Não se trata, e isto é fundamental, de descrever aqui o discurso da Aids criado pelo
jornal Folha de S. Paulo, mas sim o discurso que a própria doença foi criando para si
por meio das narrativas do jornal. As configurações imaginárias que compõem hoje o
discurso da Aids em nossa sociedade não são construções preestabelecidas, arquitetadas,
mas, ao contrário, foram se compondo à medida que a narrativa desta doença foi sendo
escrita. Por ser algo “novo”, com início facilmente demarcável dentro das páginas do
jornal, a Aids possibilita que seja estudado o percurso narrativo de sua história, já que
houve um “antes”, um tempo em que não existia enquanto construção discursiva,
estando, portanto, fora da linguagem e, assim, da própria realidade discursiva.
A partir do momento que passou a ser nomeada é que a Aids, efetivamente, passou a
existir, estabelecendo, a partir daí, uma rede discursiva organizadora de seu próprio
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discurso. As configurações e contornos que esse discurso adquiriu com o desenrolar das
narrativas da Aids escritas no jornal é que serão aqui apontadas. Pressupõe-se, assim,
que a Aids foi escrevendo sua própria narrativa, à medida que se inseriu enquanto
discurso de um determinado modo, conforme desenvolvido no capítulo final deste
trabalho.
3. corpus da pesquisa
“O prazer do texto: qual o simulador de Bacon, ele pode dizer: jamais se desculpar,
jamais se explicar. Nunca ele nega nada: ‘Desviarei meu olhar, será doravante a minha
única negação’.”
Roland Barthes, O prazer do texto
O corpus desta pesquisa é formado por 31 matérias sobre Aids extraídas do jornal Folha
de S. Paulo entre os anos de 1994 e 1995, distribuídas em vinte dias (dez a cada ano)1. O
jornal escolhido, Folha de S. Paulo, é publicado desde 1921 pela empresa Folha da
Manhã. Nas últimas décadas, passou por processos profundos de renovação gráfica,
incorporando, progressivamente, novos elementos a seu projeto visual e gráfico.
Na última mudança gráfica, ocorrida em 1996, as principais alterações foram com
respeito ao uso de cores nas vinhetas dos nomes dos cadernos e em grande parte das
fotografias publicadas (anteriormente, apenas algumas fotos, geralmente na primeira
página, eram coloridas), além da introdução de uma nova fonte tipológica para os textos
e títulos. Um grande número de gráficos e ilustrações é outra das características
marcantes do jornal. Suas edições seguem o padrão de divisão da página em seis colunas
de mesmo tamanho, e os títulos, textos, fotos e elementos visuais podem ocupar de uma
a seis colunas, dependendo do destaque e importância do assunto abordado.
1 Dos 32 dias constituintes do corpus selecionado, doze dias não trouxeram nenhuma matéria sobre Aids (seis em cada ano).
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A Folha publica regularmente matérias de divulgação científica, principalmente aquelas
ligadas à área de medicina, descobertas científicas e saúde, o que explica a regularidade
da publicação de textos sobre a questão da Aids. Até o momento de conclusão desta
pesquisa, a organização interna do jornal é feita por meio de “cadernos temáticos”,
alguns deles fixos (publicados diariamente) e outros móveis (publicados em
determinados dias da semana). As editorias Brasil, Mundo, Dinheiro (Negócios ou
Finanças), São Paulo, Esporte, Ilustrada, Acontece SP, Classifolha (com anúncios
classificados mais específicos ou mais gerais) circulam durante todos os dias da semana.
Além delas, outras são publicadas: Folhateen, às segundas-feiras; Agrofolha, às terças-
feiras; Informática, às quartas-feiras; Turismo, às quintas-feiras; Folhinha e,
quinzenalmente, Jornal de Resenhas, às sextas-feiras.
Nas edições de domingo, a estrutura básica se mantém, com maior destaque para o
caderno Mundo, a substituição do caderno Dinheiro por Finanças, também ampliado, e a
inserção do caderno mais!, que reúne as editorias de arte, cultura, programação cultural
e artística, ciência, livros, além dos especiais TV Folha e Revista da Folha e de um
número maior de anúncios classificados, divididos em vários cadernos (Emprego,
Veículos, Tudo, Imóveis).
Excetuando-se pequenas variações, essa estrutura é repetida semanalmente, daí o
interesse deste trabalho em selecionar o corpus a partir do modelo explicitado abaixo,
que possibilita uma amostragem abrangendo cada um dos dias da semana, apresentando,
assim, as variações diárias do jornal e estabelecendo semelhanças e diferenças. Cada dia
da semana aparece selecionado duas vezes para as edições semanais e uma vez para as
edições dominicais, perfazendo um total de três ocorrências por ano.
Desse modo, o ano de 1994 possui a seguinte configuração por dias da semana em
termos de freqüência: segunda-feira = uma ocorrência; terça-feira = duas ocorrências;
quarta-feira = uma ocorrência; quinta-feira = duas ocorrências; sexta-feira = uma
ocorrênca; sábado = duas ocorrências; domingo = uma ocorrência, perfazendo um total
de dez dias e treze matérias. Em 1995, a distribuição por dias da semana está assim
configurada: segunda-feira = uma ocorrência; terça-feira = uma ocorrência; quarta-feira
= duas ocorrências; sexta-feira = duas ocorrências; sábado = duas ocorrências; domingo
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= duas ocorrências, perfazendo um total de dez dias e dezoito matérias. Em 1995,
nenhuma das quintas-feiras selecionadas publicou matérias sobre Aids.
Observe-se que apesar do número de dias – entre aqueles previamente selecionados – em
que aparecem matérias sobre Aids ser o mesmo (dez dias para cada ano, de um total de
dezesseis dias por ano selecionados), o ano de 1995 apresenta um número total de
matérias superior ao total de 1994: em 1995, foram encontradas dezoito matérias e, em
1994, treze. Na parte referente à descrição do corpus, as edições serão mais detalhadas
individualmente.
Os anos de 1994 e 1995 foram selecionados para serem os anos de referência da amostra
pelo critério de sua atualidade, entendida aqui no sentido de expressar as notícias mais
recentes publicadas sobre a Aids passíveis de serem objeto desta pesquisa (o ano de 1996
foi desconsiderado, pois na época de seleção do corpus não havia ainda terminado).
O critério da atualidade pode ser inserido dentro de duas premissas básicas: 1) faz parte
de um dos pressupostos do jornalismo contemporâneo, representando, sem que se julgue
o mérito desta questão, um dos critérios para a entrada mesma de um assunto na pauta
diária de notícias; 2) no universo desta pesquisa, sinaliza o mais recente discurso da Aids
construído por meio do jornal analisado, o que propicia um certo distanciamento em
relação aos primeiros escritos do jornal, muito mais marcados pela pontuação dos
homossexuais infectados e dos “grupos de risco” (embora estes recortes sejam
observados ainda hoje nos escritos da Folha de S. Paulo, sua forma de cristalização se
dá de maneira diferenciada).
As matérias foram selecionadas a partir de uma amostra aleatória que envolveu as etapas
enumeradas a seguir. Em primeiro lugar, foi realizado um levantamento e listagem de
TODAS as matérias publicadas pelo jornal referido sobre a Aids. Esse levantamento foi
realizado no arquivo do próprio jornal e resultou em mais de 4 mil matérias (foram
selecionadas apenas as matérias em que aparecia a palavra Aids; as que apenas se
referiam à doença ou outros de seus aspectos, sem dizer seu nome, foram
desconsideradas), classificadas de acordo com subtemas e localizadas por data, página e
caderno de publicação.
Esse primeiro levantamento foi considerado extremamente importante para que, antes de
iniciar o trabalho de leitura das matérias selecionadas para a pesquisa, pudesse haver uma
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idéia geral da abordagem e temáticas do jornal em relação ao tema da Aids. Também foi
importante do ponto de vista quantitativo, já que possibilitou que se tivesse uma idéia de
volume de material sobre o tema (quantidade surpreendente, pois não se esperava que
houvesse tantas matérias sobre Aids já publicadas na Folha) e estabelecesse um gráfico
de volume da quantidade de matérias sobre Aids publicadas por períodos.
Após ler todo esse material, foram preparadas listas e gráficos ano a ano contendo as
informações básicas sobre cada uma das matérias. Os anos de 1994 e 1995 foram
estabelecidos como referência para a pesquisa já que, por trazerem as matérias
publicadas mais recentemente em relação ao prazo de execução da pesquisa, sinalizam o
atual estágio de apresentação do tema da Aids pelo jornal, refletindo, assim, as próprias
construções sociais sobre a doença. Definido o período, efetuou-se a escolha das
matérias a serem analisadas utilizando o critério explicitado a seguir.
A amostra da pesquisa foi elaborada a partir de modelo proposto por James Curran e
Jean Staton. Na pesquisa que realizaram sobre os media, publicada no livro Power
without responsibility, os autores utilizaram jornais diários e semanários, diferenciando-
os de acordo com os dias da semana, ou seja: nos jornais diários, selecionaram edições
publicadas de segunda-feira a sábado, e, nos semanários, trabalharam com os domingos:
“A representative sample (twelve issues of dailies and six of Sundays per year) was
selected in a way that gave appropriate weight to each quarter of the year, each week in
the month, and each day in the week” (Curran e Staton, 1988: 113).
Utilizando apenas um jornal diário, o modelo por eles proposto teve de ser adaptado
para ser utilizado nesta pesquisa, já que tanto as edições dos dias da semana como as
dominicais são do jornal Folha de S. Paulo. A adaptação realizada refere-se à elaboração
de um critério de amostragem diferenciado para os dias úteis e os domingos. Para as
edições semanais, foi selecionada uma edição ao mês, totalizando doze para cada ano;
para as edições dominicais, dividiu-se o ano em quatro trimestres (janeiro-março; abril-
junho; julho-setembro; outubro-dezembro), sendo que a pesquisa trabalha com o
primeiro mês de cada trimestre (quatro edições ao ano). Para cada um destes meses
(janeiro, abril, julho, outubro) foi escolhida uma edição dominical, da primeira à quarta
semana, respectivamente. O mesmo procedimento foi seguido para os anos de 1994 e
1995. São apresentadas, a seguir, as tabelas demonstrativas do corpus da pesquisa.
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EDIÇÕES SEMANAIS – 1994
TABELA I
MÊS SEMANA DIA
2a. feira 3a. feira 4a. feira 5a. feira 6a. feira sábado
Janeiro 1a. 03 **
Fevereiro 2a. 08 *
Março 3a. 16 **
Abril 4a. 28 **
Maio 1a. 06 *
Junho 2a. 11 *
Julho 3a. 18
Agosto 4a. 23 *
Setembro 1a. 07
Outubro 2a. 13 *
Novembro 3a. 18
Dezembro 4a. 24 *
Observações: os números indicados com (*), (**) e (***) referem-se aos dias sorteados
nos quais foram encontradas uma, duas ou três matérias sobre Aids, respectivamente;
nos dias sem nenhuma indicação, não foram publicadas matérias sobre Aids
EDIÇÕES DOMINICAIS – 1994
TABELA II
TRIMESTRE SEMANA DOMINGO
janeiro (fevereiro/março) 1a. 02
abril (maio/junho) 2a. 10
julho (agosto/setembro) 3a. 17 *
outubro (novembro/dezembro) 4a. 23
28
Observações: os números indicados com (*), (**) e (***) referem-se aos dias sorteados
nos quais foram encontradas uma, duas ou três matérias sobre Aids, respectivamente;
nos dias sem nenhuma indicação, não foram publicadas matérias sobre Aids; os meses em
itálico referem-se aos meses sobre os quais incide a pesquisa
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EDIÇÕES SEMANAIS – 1995
TABELA III
MÊS SEMANA DIA
2a. feira 3a. feira 4a. feira 5a. feira 6a. feira sábado
Janeiro 1a. 02
Fevereiro 2a. 14 *
Março 3a. 15 **
Abril 4a. 27
Maio 1a. 05 *
Junho 2a. 10 *
Julho 3a. 17 *
Agosto 4a. 29
Setembro 1a. 06 ***
Outubro 2a. 12
Novembro 3a. 17 **
Dezembro 4a. 23 ***
Observações: os números indicados com (*), (**) e (***) referem-se aos dias sorteados
nos quais foram encontradas uma, duas ou três matérias sobre Aids, respectivamente;
nos dias sem nenhuma indicação, não foram publicadas matérias sobre Aids
EDIÇÕES DOMINICAIS – 1995
TABELA IV
TRIMESTRE SEMANA DOMINGO
janeiro (fevereiro/março) 1a. 01
abril (maio/junho) 2a. 09 ***
julho (agosto/setembro)o 3a. 16
outubro (novembro/dezembro) 4a. 22 *
30
Observações: os números indicados com (*), (**) e (***) referem-se aos dias sorteados
nos quais foram encontradas uma, duas ou três matérias sobre Aids, respectivamente;
nos dias sem nenhuma indicação, não foram publicadas matérias sobre Aids; os meses em
itálico referem-se aos meses sobre os quais incide a pesquisa
31
Como pode ser observado nas tabelas, a amostragem é constituída por 32 dias, sendo
dezesseis dias por ano (doze dias de semana e quatro domingos). Em cada dia sorteado,
foram selecionadas todas as matérias sobre Aids publicadas (com exceção das seções
previamente desconsideradas, como explicitado abaixo). Boxes ou matérias secundárias
foram contados separadamente em relação ao texto principal. Após a consulta, tem-se
um total de 31 matérias de jornal (treze em 1994 e dezoito em 1995), observando-se que
em alguns dias não foram encontradas matérias e, em outros, foi encontrada mais de uma
matéria. A distribuição das matérias por dia está descriminada no item Primeiras
leituras.
O processo de descrição e análise do corpus será dividido em duas partes: Primeiras
leituras e Segundas leituras. A primeira leitura será mais abrangente e descritiva,
estabelecendo uma visão geral das edições do jornal, das matérias que compõem o
corpus e subdividindo os textos narrativos em grandes categorias (Estado: legislação,
saúde pública, convênios médicos; pessoas: soropositivos, homossexuais, pessoas
afetadas ou não-afetadas pela Aids, direta ou indiretamente; ciência: descobertas
científicas, informações médicas, medicamentos, testes de novos remédios; questões
sociais: grupos organizados, eventos, pesquisas sociológicas, drogas). Na segunda
leitura, cada uma das matérias será analisada de acordo com a metodologia extraída das
teorias da linguagem, destacando o que aparece como repetição e qual a grande narrativa
tecida pela Aids por meio delas. Procurar-se-á, desta forma, estabelecer as relações que
se manifestam pela análise baseada nas ciências da linguagem.
Na seleção do material, não foram considerados cadernos de anúncios (classificados em
geral), Painel do Leitor, Painel, crônicas, TV Folha, Revista da Folha, Folhinha. Na
seleção das matérias, não foram consideradas aquelas que se apresentavam como simples
“notas” ou “agenda”, contendo apenas datas de eventos ou debates, endereços de ongs
ou de hospitais, estatísticas sem comentário, ou notas com apenas uma informação
(como nas colunas não assinadas que trazem diversas pequenas notas sobre temas
variados). Vale notar que em todas as matérias selecionadas aparece a palavra Aids no
corpo do texto, com exceção de uma, em que a única palavra relacionada à Aids é
aidético, mas de forma sinonímia (já que se referia a tratamentos à doença), razão pela
qual a matéria foi selecionada.
32
4. plano da dissertação
“Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um
produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto,
o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto
se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa
textura – o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas
secreções construtivas de sua teia.”
Roland Barthes, O rumor da língua
A organização dos capítulos, como pode ser percebida pelo índice, percorreu um
caminho que tratou de conceituar em primeiro lugar o jornalismo para, em seguida,
situá-lo em relação ao campo teórico das ciências da linguagem. É disso que se trata no
primeiro e no segundo capítulos. No terceiro capítulo, específico sobre a Aids,
apresenta-se o que foi aqui chamado de sua “breve história”, já que objetiva não tanto
esgotar a discussão sobre o tema da Aids mas, sobretudo, situar o próprio lugar do qual
a pesquisadora parte para lançar seu olhar sobre ela. O quarto e o quinto capítulos
tratam, respectivamente, da descrição e da análise das matérias que compõem o corpus
da pesquisa, por meio de diferentes estratégias metodológicas, mantendo como
fundantes os princípios teóricos norteadores da pesquisa. Finalmente, as conclusões
provisórias apresentam olhares e vieses, um certo modo de ouvir e ver o discurso da
Aids.
Primeiramente, portanto, foi necessário organizar o campo teórico no qual este trabalho
está inserido, apresentando os principais elementos teórico-conceituais nele envolvidos.
No capítulo 1, a pesquisa trata do tema do jornalismo enquanto instituição social e seus
pressupostos básicos, destacando sua inserção habitual no campo das ciências sociais
para, em seguida, construir os fundamentos de sua inserção nas ciências da linguagem.
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Após apresentar uma proposta de conceituação do próprio fazer jornalístico como
norteadora deste trabalho, alguns elementos da semiótica narrativa – ampliados com a
contribuição de teóricos de outras áreas – são trazidos para explicitar um dos pontos
fundamentais desta pesquisa: a idéia de que o jornalismo é dotado fundamentalmente de
uma estrutura narrativa que lhe é própria.
Este deslocamento implicou na apresentação das principais teorias e conceitos
envolvidos nas ciências da linguagem – apresentação realizada no capítulo 2 –,
integrando a antropologia, a lingüística, a semiótica e a psicanálise, privilegiando, nesta
última, o estudo da teoria lacaniana da linguagem em suas relações com o real, o
simbólico e o imaginário.
O capítulo 3 delimita, neste trabalho, uma aproximação ao tema da Aids, utilizando para
isso textos relacionados em sua maioria às ciências humanas (psicologia, antropologia,
sociologia, filosofia), e apresentando o recorte, a justificativa e os objetivos adotados em
relação ao tema.
O processo de descrição, desenvolvido no capítulo 4, partiu da apresentação geral das
edições do jornal incluídas na pesquisa, passando pelas matérias de Aids publicadas a
cada edição (sua localização no jornal, títulos, fontes, referências à Aids) para chegar ao
detalhamento de cada uma das matérias, apresentando um breve resumo, principais
temáticas levantadas, localização na página e existência ou não de chamadas de primeira
página para a matéria.
O capítulo 5 começa por explicitar a proposta metodológica daquilo que, finalmente, foi
chamado de leituras das matérias. Os principais conceitos envolvidos neste processo de
leituras foram extraídos de um texto de Émile Benveniste, do qual destacam-se seus
principais elementos. Antes, porém, de operacionalizá-los na análise das matérias, são
apresentadas o que se chamou de “idéias em suspensão”, uma associação livre de
imagens em relação a cada uma delas.
Além disso, esse capítulo apresenta as confluências e dissonâncias encontradas na leitura
das matérias, estabelecendo grupos de diversas categorias a partir de elementos das
ciências da linguagem. Uma primeira proposta de articulação temática entre as matérias é
aqui apresentada. Ao final do capítulo, os temas são reagrupados em apenas três –
aqueles que de fato parecem ser os discursos mais evocados ao se construir o discurso
34
da Aids por meio das narrativas do jornal – e sobre eles são traçadas algumas
considerações.
Finalmente, as conclusões, aqui chamadas de provisórias por não estarem “concluídas”,
relacionam a Aids com os processos vividos na contemporaneidade, situando-a como
fenômeno mundializado, entendendo estes processos também como uma grande
narrativa que vem contribuindo na constituição do próprio discurso da Aids. A Aids,
como um dos grandes males que assola o tempo/espaço da contemporaneidade, insere-
se, portanto, nessa narrativa.
5. instrumental teórico
“O dia jaz cada manhã como uma camisa fresca sobre nossa cama; esse tecido
incomparavelmente fino, incomparavelmente denso, de limpa profecia, assenta-nos
como uma luva. A felicidade das próximas vinte e quatro horas depende de que nós, ao
acordar, saibamos como apanhá-lo.”
Walter Benjamin, Madame Ariadne, segundo pátio à esquerda
A bibliografia foi dividida, como pode ser observado, em três partes: uma sobre os
processos de comunicação e as ciências da linguagem, a segunda sobre temas de filosofia
e ciências humanas e a terceira, mais específica, sobre a questão da Aids (subdividida em
livros e artigos, dissertações e teses, artigos de jornal).
Num primeiro momento, as leituras foram voltadas para livros que tratam
especificamente da questão da Aids, livros a partir dos quais iniciou-se a elaboração e
desenvolvimento do projeto de pesquisa, ainda em fase embrionária. Em sua maioria,
esses livros careciam de uma maior profundidade na articulação da questão da Aids com
a ordem social enquanto uma ordem simbólica construída e articulada na e pela
linguagem. Ao apresentar um recorte predominantemente sociológico, tais textos não
levavam em consideração que “não existe realidade pré-discursiva”, que o homem só é e
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existe na linguagem. Dessa forma, ao tentar caracterizar a narrativa da Aids no jornal
pesquisado não se poderia deixar de considerar os significantes que ali estão se
deslocando e, assim, engendrando novos significados.
A bibliografia específica sobre o tema da Aids é diversa e tornou-se mais presente na
década de 90. Pesquisadores de diversas áreas (antropologia, psicologia, sociologia,
comunicação, psicanálise, história, pedagogia, entre outras), passaram a tratar do tema.
Vários textos publicados apresentam resultados de pesquisas realizadas sobre a questão
da Aids em grupos específicos, como mulheres, negros, adolescentes, homossexuais.
Muitas dessas pesquisas foram desenvolvidas como projetos de dissertações ou teses.
Dos livros consultados, vários abordam questões comportamentais referentes à
transmissão de mensagens e sua aceitação/incorporação ou não pelos receptores (o
termo aqui reproduzido já indica o campo teórico neles adotado), como alguns textos
publicados nos livros da coleção “História Social da Aids”, editada pela Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), em convênio com a Universidade Estadual do
Rio de Janeiro e a editora Relume Dumará, também do Rio de Janeiro.
Os textos que tratam de comunicação preventiva ou campanhas de saúde também
analisam os fatores que interferem na transmissão de mensagens em relação à sua
eficácia ou não junto ao público-alvo. Procuram, ainda, analisar aspectos relacionados a
por que as campanhas de prevenção e as informações existentes sobre a Aids muitas
vezes não surtem os efeitos desejados, já que o número de pessoas contaminadas parece
não diminuir. Além dos possíveis problemas estruturais relacionados às campanhas,
também é considerada nesses textos a inadequação das mesmas e a dificuldade em
modificar atitudes comportamentais ou romper a recusa de muitos segmentos da
sociedade de incorporar novos valores ou conceitos conflitantes e, muitas vezes,
desagradáveis.
Os livros Doença como metáfora e A Aids e suas metáforas, de Susan Sontag, podem
ser colocados como peças-chaves nas leituras realizadas sobre a Aids. Lidos antes de
qualquer outro livro sobre a Aids, foram extremamente relevantes do ponto de vista da
análise feita sobre aspectos culturais e teóricos relacionados ao comportamento de
pacientes de doenças terminais e às reações e atitudes da sociedade em geral com relação
a estes pacientes.
36
Entre os demais livros consultados, alguns tratam de aspectos diretamente ligados ao
fornecimento de informações sobre a doença, visando a prevenção, como, por exemplo,
o livro Aids: tudo o que você sempre quis saber e teve coragem de perguntar, de
Veronica Hughes e Manuel Santos, e outros, ainda, sobre a doença do ponto de vista do
soropositivo. Publicações mais recentes, como Aids e sexualidade: o ponto de vista das
ciências humanas (e algumas outras da editora Relume Dumará, que já lançou vários
títulos sobre o tema da Aids), trazem ensaios mais acadêmicos e reflexivos sobre a
doença. Nessa linha pode ser também inserido o livro do psicanalista Jurandir Freire
Costa, A inocência e o vício. A Aids não é mais uma doença nova ou desconhecida;
devido a este fato, já existe bibliografia enfocando aspectos mais históricos da doença e
seu desenvolvimento ao longo dos anos, como o livro Aids: the burdens of history, de
Fee e Fox.
Complementando as publicações realizadas pelas editoras e casas publicadoras formais,
foi consultado extenso material produzido pelas ONGs (organizações não-
governamentais) que desenvolvem projetos específicos sobre a questão da Aids. Entre
elas, destacamos as publicações e material de apoio produzidos pelo programa Arca-
Apoio no Combate à Aids, do Iser-Instituto de Estudos da Religião (Rio de Janeiro),
pelo Gapa-Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (São Paulo), pela Abia-Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (Rio de Janeiro) e pelo Cedi-Centro Ecumênico de
Documentação e Informação (São Paulo). O material produzido por essas entidades é
variado e engloba diversos aspectos da doença, sendo voltado para diferentes grupos
sociais: jovens, prostitutas, travestis, praticantes do candomblé e religiões afro-
brasileiras, integrantes de igrejas, estudantes, soropositivos, entre outros.
Revistas científicas (especialmente números de Science e Scientific American que
trouxeram dossiês ou artigos sobre a questão da Aids em termos de pesquisas científicas
e descobertas) foram consultadas a fim de fornecer referencial médico-científico e
informações atualizadas sobre as pesquisas relacionadas a diversos aspectos da doença,
como conhecimentos sobre o vírus, formas de transmissão, vacinas em desenvolvimento,
terapias de tratamento, polêmicas e controvérsias quanto à atuação e propagação do
vírus, avanços e investimentos nas pesquisas e outros aspectos ligados à área científica.
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Como contraponto e apoio a esta bibliografia especializada, algumas publicações, como
o livro Um mundo sem Aids, foram consultadas para levantamento de informações sobre
terapias e teorias alternativas quanto à doença, sua forma de aparecimento, contágio,
transmissão e efeitos no organismo. Tais pesquisas e teorias se desenvolvem
paralelamente à pesquisa oficial sobre a doença, não recebendo verbas nem apoio
governamental. Apesar de paralelas e até marginais (em relação ao sistema oficial), tais
pesquisas merecem atenção na medida em que apontam possíveis alternativas no
controle, prevenção e cura da doença.
Com relação às dissertações de mestrado e teses de doutorado, observou-se que, até
1993, a maioria delas tratava de aspectos relacionados à doença e à saúde enquanto
condições físicas ou relacionados a políticas de prevenção da Aids enquanto problema de
saúde pública. Poucas dessas publicações enfocavam aspectos psicossociais e culturais
relacionados à doença, o que pôde ser observado pelo fato de que a maioria desses
textos encontrava-se nas áreas mais técnicas das faculdades de medicina, enfermagem ou
serviço social.
A partir de 1994/1995, passaram a ser realizadas mais pesquisas voltadas para aspectos
socioculturais da Aids, havendo também maior diversificação das faculdades nas quais
foram realizadas incluindo, além daquelas ligadas à área médica, as de psicologia,
antropologia e comunicação, por exemplo. Os títulos relativos a aspectos estritamente
médicos ou científicos da doença, que não foram incluídos na bibliografia, passaram a
aparecer em menor número, dividindo, mesmo nos departamentos de ciências médicas e
biológicas, espaço com pesquisas diversas. A questão da prevenção e da informação,
principalmente entre jovens e estudantes de 2o. grau ou universitários, continua sendo um
tema bastante freqüente, além da abordagem de aspectos relativos a mudanças
conceituais, construção social da Aids, conceitos teóricos nela envolvidos.
Quanto à literatura da área de comunicação e das ciências da linguagem, ao longo desses
dois anos de estudo os cursos freqüentados apontaram um leque variado de autores,
temáticas e posições. Ao escolher as disciplinas, esperava-se que delas pudesse vir o
aporte teórico necessário ao desenvolvimento da pesquisa. Além dessas referências
buscadas em curso, as indicações da orientadora foram fundamentais, estabelecendo um
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percurso gradual no campo das ciências da linguagem, lugar escolhido para situar este
trabalho.
As lacunas eram muitas. Começou-se por ler textos básicos de lingüística, semiótica,
antropologia estrutural e psicanálise, buscando deles extrair as principais noções e
conceitos. Paralelamente, realizou-se a leitura de diversos textos na área de comunicação
e, mais especificamente, de jornalismo. Os livros que tratam da questão da pós-
modernidade e do processo de mundialização/globalização também foram estudados.
Dessas leituras, algumas merecem ser comentadas. Dos textos específicos da área de
jornalismo, destacam-se os livros de Herbert Gans e Michael Schudson. Esses dois
autores, particularmente, propõem uma discussão original e atualizada sobre a natureza
do fazer jornalístico e, por que não, de sua própria essência, fugindo ao estilo dos
“manuais de jornalismo” que querem apenas transmitir regras de como fazer sem refletir
sobre tal fazer.
Autores clássicos, como Claude Lévi-Strauss, Sigmund Freud, Ferdinand de Saussure,
Émile Benveniste, Max Weber, e outros mais contemporâneos como Noam Chomsky,
Jacques Lacan, Jean-François Lyotard, Jacques Derrida, Julia Kristeva, Louis Quéré,
Edward Said, nas suas diferentes áreas de atuação, possibilitaram que os referenciais
teóricos iniciais deste trabalho fossem largamente expandidos.
Desde as teorias lingüísticas, desenvolvidas por Saussure, Jakobson, Barthes, entre
outros, passando pela semiótica, até os textos mais complexos sobre a linguagem, foi-se
formando um quadro conceitual no qual pôde-se construir o que é chamado aqui de
“panorama das ciências da linguagem”. A teoria da narrativa, estudada em profundidade
na obra de A. J. Greimas e em diversos textos de autores contemporâneos sobre a teoria
semiótica da narrativa e do discurso, possibilitou que os jornais fossem pensados não
como meros transmissores de informações mas como constituídos, fundamentalmente,
pela estrutura narrativa das notícias.
As teorias da linguagem apresentadas nos diversos textos lidos de Jacques Lacan foram
as responsáveis pelo deslocamento aqui proposto de tratar o jornalismo – e o próprio
tema da Aids – não apenas do ponto de vista psico-sócio-cultural mas, sobretudo, a
partir do pressuposto de que é a linguagem o que constitui o mundo.
39
É interessante destacar que, por abrangerem um vasto campo teórico, as ciências da
linguagem, além dos livros mais específicos das áreas de lingüística e semiótica, levaram
ao contato com textos de antropologia, psicanálise, sociologia, filosofia, todos
extremamente importantes na configuração da pesquisa. Destes, os textos de J.-F.
Lyotard se destacam. Por realizarem a ponte entre a reflexão filosófica e os processos de
comunicação e das novas tecnologias, foram fundamentais para a configuração da Aids
enquanto fenômeno comunicacional e objeto teórico.
As leituras, assim organizadas tematicamente, possibilitaram que, aos poucos, fosse se
configurando um quadro referencial amplo que, de forma dispersa e indireta, pode ser
visto no percurso apresentado neste texto. Um texto levava a outro, que levava a outro,
num movimento incansável que não se encerra. Mesmo após a conclusão do texto final
da dissertação (final porque ao texto é necessário, eventualmente, colocar um ponto
final), certamente serão acrescentados aos livros já lidos ainda outros, que levarão a
outros, ininterruptamente.
O quadro teórico aqui constituído parece ser feito de vários pedaços, verdadeira “colcha
de retalhos”. Apesar de diverso, traz pontos de contato que, nesta pesquisa, se dão por
meio do eixo central em torno das teorias sobre a linguagem e seus desdobramentos.
As leituras realizadas para as disciplinas cursadas no cumprimento dos créditos foram de
extrema importância para problematizar posturas, deslocar crenças e, sobretudo, levar à
reflexão crítica a partir do confronto e contraste das mais variadas posições e correntes
teóricas apresentadas nos diversos livros lidos.
De certa forma, a proposta de articulação teórica na seqüência em que é aqui
apresentada representa a própria seqüência de leituras (senão cronológica, ao menos com
respeito a sua assimilação). Claro que os caminhos bibliográficos não são tão ordenados
ao serem lidos (no próprio curso das leituras) como quando são articulados em texto,
posteriormente. Diria mesmo que o processo de leitura crítica da bibliografia faz-se no
próprio andar das leituras, ou seja: é como um caminho circular, em que, ao chegar ao
que se chama de “final” está-se, de fato, voltando novamente para o começo, e só depois
de percorrer tal caminho várias vezes é que se pode estabelecer relações entre os textos,
ou uma ordem operacional para o trabalho de pesquisa.
40
Essa leitura circular assemelha-se a uma espiral, em que o local tocado não é nunca
exatamente o mesmo, apesar de apresentar alguns pontos de contato. Dessa forma, além
das relações estabelecidas entre livros (muitas vezes, apenas após ler um outro é que o
primeiro passava a fazer sentido...), alguns foram lidos e relidos diversas vezes, cada
leitura apresentado uma nova – e sempre desafiadora – surpresa.
41
capítulo 1
1. jornalismo: a ilusão do real
“Both nation and society are social constructs which, for all practical purposes,
do not exist until someone acts or speaks for them.”
Herbert Gans, Deciding what’s news
O jornalismo organiza-se a partir de regras estabelecidas. Desde a seleção das matérias e
sua redação, até a definição da organização interna das páginas e da distribuição das
matérias nas mesmas, há uma série de fatores que determinam seu fazer. Tais fatores não
são aleatórios, mas dependem de determinações internas ao próprio fazer jornalístico.
Em geral, busca-se, no jornalismo, construir narrativas impessoais e objetivas, nas quais
o narrador não se coloque como aquele que relata determinado fato. A objetividade, a
neutralidade, o distanciamento, a negação de opiniões ou posicionamentos políticos, a
exclusão de ideologias são alguns dos ideais buscados pela imprensa. A eles, soma-se o
critério de seleção de notícias por sua atualidade, disponibilidade e conveniência e tem-se
o quadro correspondente ao jornalismo contemporâneo.
Entretanto, tal estrutura mostra-se uma falácia desde suas bases. A começar pela busca
da objetividade do jornalista, até a crença no fato de que as notícias a serem relatadas
são também escolhidas a partir de fatores objetivos, vê-se que a questão da inclusão de
fatores não tão objetivos não pode ser negligenciada.
Afinal, os profissionais dos media em geral, e o jornalista em particular, enquanto
sujeitos falantes, são os organizadores das notícias que relatam. Não há, portanto, a
possibilidade de que se relate objetivamente o fato porque os “fatos” não existem como
entidades autônomas, esperando que o jornalista vá até eles para “revelá-los”. Os fatos,
assim como aquilo que normalmente é chamado de “real”, são construídos na linguagem,
e os mecanismos de tal operação não são, de forma alguma, mecânicos.
42
É a própria constituição do humano enquanto tal, e sua complexidade, que torna
impossível falar-se de “objetividade jornalística”. Ao afirmar isso, não se quer,
simplesmente, opor a objetividade à subjetividade tida como inerente ao ser humano.
Mais do que considerar apenas os valores de cada sujeito, suas opiniões conscientes ou
inconscientes, sua vulnerabilidade para mudar tais opiniões, seus julgamentos acerca da
realidade, trata-se, sobretudo, de indicar que há sempre algo que escapa a essa suposta
divisão racional/irracional, objetivo/subjetivo, consciente/inconsciente.
Pensado assim, o jornalismo não pode se pautar pela crença de que existe uma realidade
a ser retratada e uma verdade a ser revelada àqueles que não a estão vendo. Talvez as
grandes contradições do jornalismo possam ser creditadas a essa crença, ingênua, que
ainda parece fundamentá-lo. Herbert Gans, no livro Deciding what’s news, afirma ser
ilusória a idéia de que a tarefa primordial dos jornalistas seja “informar o público”. Ao
contrário, a eles atribui algo muito mais abrangente:
Instead, I would argue that the primary purpose of the news derives from
the journalists’ functions as constructors of nation and society, and as
managers of the symbolic arena. The most important purpose of the news,
therefore, is to provide the symbolic arena, and the citizenry, with
comprehensive and representative images (or constructs) for nation and
society (Gans, 1980: 312).
Visto dessa forma, o papel do jornalista – e dos próprios media – torna-se irrelevante em
relação à questão da objetividade ou não das notícias e de quem as relata e seleciona, já
que quanto mais abrangentes e variadas elas forem, mais enriquecerão a construção da
arena simbólica em que se inserem. A definição proposta por Schudson de considerar as
notícias não como simples informação de fatos, mas como produtos culturais, reforça a
definição de Gans sobre o papel dos jornalistas: “The difference is not only that the
journalist has the opportunity, indeed the professional obligation, to frame the message.
It is also that the newspaper story or television broadcast transforms an event or
statement into the cultural form called news” (Schudson, 1995: 27). Nessa perspectiva, a
43
informação não seria o que de mais importante há nos jornais, mas sim as notícias, vistas
como produtos culturais e geradoras de conhecimento público.
Nos limites deste trabalho, à medida que forem sendo apresentadas as concepções
teóricas que o norteiam, buscar-se-á romper com as definições simplistas muitas vezes
norteadoras da reflexão sobre o fazer jornalístico. Os pressupostos do jornalismo e a
própria produção de jornais impressos, cujos textos constituirão o corpus desta pesquisa,
são envolvidos por questões muito mais complexas do que aquelas geralmente
discutidas.
Ao introduzir o tema do jornalismo e as razões que justificam sua escolha como objeto
privilegiado para tratar do tema da Aids, serão apresentadas algumas concepções que
tentam colocá-lo não apenas como um fazer objetivo dotado de regras de funcionamento
próprio mas como uma instituição simbólica determinada por fatores diversos, externos e
internos a ela. Uma primeira mudança será proposta ao introduzir o jornalismo como
sendo organizado a partir de uma estrutura narrativa, a mesma que organiza os relatos de
ficção da literatura.
Convém apontar, ainda que brevemente, as principais características dessa estrutura
narrativa (o que será feito no tópico seguinte, a estrutura narrativa da notícia) naquilo
que pode ser pensado em relação ao jornalismo para, finalmente, efetuar um
deslocamento mais significativo: tratar do jornalismo não como um produto da
organização social mas, sobretudo, como algo instituído pela organização de cadeias
discursivas na linguagem. Afinal, todo discurso é interligado. As palavras que o
constituem estão ancoradas em um ponto que determina o ponto de vista da construção
discursiva. O lugar a partir do qual o jornalista fala determina, portanto, aquilo que ele
fala.
Um dos aspectos considerados de extrema importância ao discutir o jornalismo são as
relações atuais entre os conceitos de público e de privado. Se considerado em seus
fundamentos, o jornalismo “torna público aquilo que é de interesse público”. Entretanto,
torna-se cada vez mais difícil determinar e esclarecer os limites entre o que seja público e
o que seja privado. Daí as constantes acusações e processos contra os media (há,
inclusive, uma matéria deste corpus que trata disto), demonstrando que, muitas vezes,
seus profissionais não têm limites para definir tal distinção. Perguntar sobre como um
44
assunto chega a ser notícia – como passa a ser incluído no discurso dos media – talvez
possa fornecer algumas indicações para tratar essa questão.
Um dos fascínios exercidos pela atividade jornalística é justamente essa possibilidade de
tornar público e amplamente conhecido aquilo que é privado, pertencente a uma esfera
pequena. Se o jornalista fosse movido por sua função de “construtor do discurso
público”, possibilitando que cada pessoa pudesse articular os discursos da realidade em
que vive, talvez pudesse realizar de forma mais satisfatória a tarefa a que se propõe. O
efeito de um discurso é o deslocamento do que está arranjado para organizá-lo de
outra forma. Possibilitando tal deslocamento às pessoas, o jornalismo estaria se
pautando por uma lógica diferente daquela implicada na simples transmissão mecânica de
informações, transmissão esta que, além de tudo, pretende-se objetiva.
Formar um discurso é dar sentido àquilo que está disperso socialmente. Essa poderia ser
a intervenção social possível do jornalista, sua forma de interferir na realidade, e não a
pretensão muitas vezes alardeada de que vai julgar o mundo e resolver seus problemas.
A realidade se constrói por meio do discurso, e é por isso que se pode afirmar que não
há realidade pré-discursiva, pois
cada realidade se funda e se define a partir de um discurso.
A realidade é o discurso. Inclui-se aí tudo, menos um: esse menos um,
aquilo que falta, é o que chamamos de real. De onde a diferença entre o
real e a realidade: o real está na Linguagem como faltante e a realidade
está na linguagem (e não há outro lugar) como articulação discursiva,
como discurso.
Mas os discursos e, portanto, as realidades que fundam e definem, não
são quaisquer: são articulações (relações) determinadas, estruturam o
mundo histórico-social e são por eles estruturadas. Além disso, são
passíveis de transformações e têm funções (Freitas, 1997)2.
2 Texto apresentado como nota introdutória ao curso “Jornalismo, política e ideologia”, ministrado pela profa. dra. Jeanne Marie Machado de Freitas no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP, no segundo semestre de 1997.
45
É este o princípio que sustenta este trabalho, e a distinção real/realidade colocar-se-á
como primordial em diversos momentos. Dessa forma, ao organizar a realidade por meio
do discurso, dotando-a de sentido, o jornalista interfere naquilo que de “mais real” possa
existir – a realidade discursiva, o limite do “real possível”, já que, ao real (como definido
acima), não se poderá nunca ter acesso, pois ele sempre falta. Organizando-a de outro
modo, o jornalista modifica a realidade ao construí-la discursivamente.
Os atuais profissionais dos media, quer sejam jornalistas ou não, trabalham sobre
discursos instituídos, tomando-os como se fossem o real, e não a realidade. Mas se
considerados como construtores da realidade discursiva, os media reassumem seu
sentido de mediação e deixam de ser um mero meio técnico de produção e reprodução
de mensagens. O discurso coloca algo que estava fora da realidade discursiva em sua
organização, incluindo-o. Pode-se dizer mesmo, seguindo Lacan, que o real é esse algo
que está fora e insiste, mas não consiste naquilo que se institui nessa realidade
discursiva. Para que algo possa chegar ao discurso público e ser passível de criar laço
social (ou seja, de possibilitar que uns se comuniquem com os outros), deve sair do
anonimato e tornar-se narrativa, criando expectativas e, assim, possibilitando que “algo
aconteça”.
Essas expectativas são criadas no leitor, que inclui a suposta informação recebida no
aparato técnico chamado narrativa, para expandi-la e criar espaços de memória,
construindo a própria sociedade em que vive. Os diversos temas apresentados pelos
jornais, entre eles a Aids, se recolocados em sua estrutura narrativa individual podem
formar, cada um deles, pequenas narrativas que vão se constituindo a cada nova notícia
publicada. Nesse sentido, um outro fator importante a ser destacado é que, ao contrário
do que se propaga, o jornalismo não está ligado à busca do “novo todo dia”, mas a algo
que se repete e, ao se repetir, torna-se uma referência permanente àquilo que faz o
comum de todos.
As notícias interessantes não são aquelas absolutamente novas, mas as que repetem
alguma coisa e, portanto, articulam-se a uma expectativa, dando continuidade à grande
narrativa que vem sendo escrita. Assim, não é um assunto específico que se repete (ou as
notícias seriam, literalmente, as mesmas), mas grandes temas, como o tema da Aids. Essa
redundância indica que algo insiste na cadeia discursiva e não consegue se inscrever no
46
discurso e nas formas culturais, repetindo-se ainda. Portanto, é dessa redundância, desse
“algo ainda não inscrito”, que surge a possibilidade de mudança, ao sinalizar que algo
novo está nascendo, está tentando se inscrever no discurso.
As características dessa estrutura narrativa, constituinte dos textos jornalísticos, são
apresentadas a seguir.
1.1. a estrutura narrativa da notícia
No percurso teórico traçado nesta pesquisa, as discussões sobre questões mais
específicas das ciências da linguagem iniciam-se na semiótica narrativa. Tal escolha se
deve ao fato de o jornalismo estar sendo aqui considerado como possuidor de uma
estrutura narrativa por excelência, sendo ela o local privilegiado para identificar a
articulação da cadeia discursiva. A semiótica narrativa oferece alguns elementos que
possibilitam a operacionalização dos conceitos para estabelecer uma metodologia
específica na leitura dos textos jornalísticos. Além disso, essa teoria será tratada em
primeiro lugar por apresentar conceitos básicos necessários ao entendimento posterior
das demais teorias. Por ser aqui reconhecida como a estrutura mesma do jornalismo – e,
portanto, das notícias –, num primeiro momento são apresentados os principais conceitos
envolvidos nesta teoria para, em seguida, destacar aqueles que têm maior relevância nos
limites deste trabalho.
A análise das construções discursivas do jornal enquanto uma narrativa fundamenta-se
nos conceitos da teoria da narrativa e do discurso conforme proposta originalmente por
V. Propp, ampliada por A. J. Greimas, e rearticulada em uma teoria semiótica do texto.
Barros afirma:
A sintaxe narrativa deve ser pensada como um espetáculo que simula o
fazer do homem que transforma o mundo. Para entender a organização da
narrativa de um texto, é preciso, portanto, descrever o espetáculo,
determinar seus participantes e o papel que representam na historiazinha
simulada (Barros, 1994: 16).
47
O esquema básico da narrativa supõe, portanto, um destinador-manipulador (que “faz-
fazer”) e um destinatário (que deve “querer fazer” ou “poder fazer”), este último
cumpridor de um programa de ação proposto pelo destinador e que, após terminado,
implica em uma sanção, que pode ser positiva ou negativa. O que move a narrativa é a
existência de um dano, uma perda, uma ausência a ser reparada.
Nesse sentido, a questão da Aids é exemplar. Ao ser caracterizada enquanto doença
mortal, é algo que deve ser curado, portanto, algo carregado de negatividade, um dano a
ser reparado por meio da realização de um percurso narrativo no qual, ao final, será dada
uma recompensa (a vacina ou a cura) ou um castigo (o contágio e a morte). É
interessante observar que, no caso da Aids, esse percurso não foi concluído, já que não
houve ainda o esperado reparo ao dano.
No sentido de tornar mais clara essa proposição, tratar-se-á de apresentar, de forma
sintética, como se organizaram os princípios da semiótica e, em seguida, de esclarecer
alguns de seus conceitos-chaves.
As raízes da semiótica situam-se no estruturalismo, e podem ser identificadas pelo menos
três de suas origens básicas: a lingüística, através da semântica estrutural; o formalismo
russo; a antropologia, principalmente em Lévi-Strauss. Da semântica estrutural, além de
Saussure, é herdeira de Hjelmslev, trabalhando com dois princípios básicos: a) a questão
da relação, tomando-a como base da significação e trabalhando com sistemas e
processos de significação e não com signos, já que não parte de unidades para relacioná-
las mas sim da própria relação. Ou seja: não está em busca de unidades, mas de relações
que significam, sendo as unidades resultantes dessas relações; b) a questão da separação
entre expressão e conteúdo, buscando, assim, examinar o conteúdo sem examinar o
plano da expressão. Tal separação, vale ressaltar, é de caráter metodológico, procurando
examinar o conteúdo fazendo abstração da expressão, e vice-versa. Nesse sentido, a
teoria semiótica procura mostrar como se constrói a significação ou o plano de conteúdo
dos textos.
Dos formalistas russos, a semiótica herdou a noção de que os textos têm uma
organização sintagmática invariante. Dessa forma, todos eles apresentam uma
organização narrativa. Ainda que não tratando dos mesmos elementos, mas elevando-os
a um grau mais alto de abstração ao falar de “enunciados” e não de “funções”, a
48
semiótica manteve as idéias básicas dos formalistas. Realizou, porém, mudanças em
diversos níveis, como por exemplo a modalização da sintaxe narrativa, que passa a tratar
não apenas da ação realizada pelo sujeito (como nos estudos de Propp, o qual, mesmo
não pertencendo ao grupo dos formalistas, tem com eles pontos em comum) mas
também de questões cognitivas entre sujeitos para construção de significados de textos
diversos.
A organização paradigmática do sentido foi buscada na antropologia, diferenciando a
organização narrativa (existente em qualquer texto) da narração (forma de contar o
texto), entendendo a significação como uma “rede de relações”:
(...) coube à antropologia, de visão estrutural, desenvolver as pesquisas
taxionômicas, como por exemplo a descrição das terminologias do
parentesco. A elaboração metodológica das etnotaxionomias e as análises
paradigmáticas, de Lévi-Strauss sobretudo, procuraram explicar as
regularidades estruturais subjacentes e são comparáveis ao modelo lógico-
conceptual constituído por Greimas para a representação das estruturas
profundas (Barros, 1988: 11).
O texto pode ser, portanto, definido como “um todo que significa”. Nesse sentido, a
semiótica seria uma teoria que procura explicar o sentido ou os sentidos do texto
examinando, em primeiro lugar, seu plano do conteúdo. Para realizar tal propósito,
“concebe seu plano do conteúdo sob a forma de um percurso gerativo” (Barros, 1994:
8). Dessa forma, define-se como uma teoria dos sistemas e processos de significação no
plano do conteúdo. Assim, as rupturas da frase para o texto, do enunciado para a
enunciação, constituem-se como preocupações da semiótica.
O percurso gerativo de significação concebido a partir da semiótica greimasiana é
constituído por três etapas, cada uma delas possuidora de uma gramática própria, a
saber:
49
(...) a primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o
nome de nível fundamental ou das estruturas fundamentais, e nele surge a
significação como uma oposição semântica mínima;
(...) no segundo patamar, denominado nível narrativo ou das estruturas
narrativas, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito;
(...) o terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a
narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação (Barros, 1994: 9).
Ao analisar um texto a partir de seu percurso gerativo e suas etapas, diversos elementos
devem ser considerados separadamente. Sabe-se que, no texto, tais elementos não se
encontram colocados de forma isolada, muitas vezes confundindo-se entre os níveis.
Entretanto, para fins didáticos, faz-se uma apresentação sucinta das etapas envolvidas em
cada um dos níveis.
No nível das estruturas fundamentais, o mais simples e abstrato, trata-se de determinar a
oposição ou as oposições semânticas a partir das quais se constrói o sentido do texto.
Por meio da leitura do texto, podem ser identificadas as diversas manifestações dessa
oposição básica (por exemplo, vida x morte) em diferentes momentos. Após serem
identificadas, essas categorias fundamentais são classificadas como positivas ou
eufóricas e negativas ou disfóricas. A categoria “vida”, por exemplo, pode apresentar-
se, em oposição à categoria “morte”, como eufórica em um texto e disfórica em outro,
dependendo da forma como é caracterizada.
Ainda no nível das estruturas fundamentais estabelece-se um percurso entre os termos
opostos, que apresenta desdobramentos da oposição básica. No exemplo vida/morte,
esse percurso indica se o desenvolvimento do texto vai da vida para a morte, podendo
variar também como não-vida e não-morte, ou vice-versa. Nesse momento, negam-se ou
afirmam-se determinados valores.
No nível das estruturas narrativas, “os elementos das oposições semânticas fundamentais
são assumidos como valores por um sujeito e circulam entre sujeitos, graças à ação
também de sujeitos” (Barros, 1994: 11). Não se trata mais de afirmar ou negar
conteúdos, de estabelecer entre eles um percurso e caracterizá-los como positivos ou
negativos, mas de transformar estados pela ação de um sujeito – que é levado a agir a
50
partir da manipulação realizada por um outro sujeito. No exemplo vida/morte, seria
transformar, pela ação do sujeito, o estado de vida ou de morte em outra coisa.
O sujeito da manipulação (destinador-manipulador do discurso) oferece ao sujeito da
ação valores que julga desejáveis a este. O sujeito da ação deve responder a essa
manipulação e cumprir sua parte no acordo para receber os valores prometidos. Assim,
um destinador deve “fazer-fazer” um destinatário desempenhar determinada
performance. Ao final de seu percurso, o sujeito da ação passa por uma sanção, que
estabelece se o programa foi adequadamente cumprido. Em caso afirmativo, é
recompensado, recebendo o valor prometido (como nos contos de fada, por exemplo,
nos quais o príncipe, após cumprir uma série de tarefas ordenadas pelo rei, recebe sua
filha em casamento). Em caso negativo, o sujeito da ação é punido.
É interessante destacar, nesse momento, o caráter polêmico da narrativa, já que nela
podem ser opostos valores contraditórios e podem também ser desempenhados papéis
contraditórios pelo sujeito. Um exemplo (entre outros possíveis) é que, no momento da
sanção, o sujeito que julga (destinador-julgador do discurso) pode não cumprir seu
contrato, ou seja: mesmo reconhecendo que o sujeito da ação desempenhou
satisfatoriamente sua performance, pode desistir de lhe entregar o valor prometido,
quebrando, assim, o contrato estabelecido.
Finalmente, na última etapa do percurso gerativo “as estruturas discursivas devem ser
examinadas do ponto de vista das relações que se instauram entre a instância da
enunciação, responsável pela produção e pela comunicação do discurso, e o texto-
enunciado” (Barros, 1994: 11). Dependendo dos recursos discursivos utilizados, produz-
se a ilusão de verdade. Por exemplo, ao projetar um narrador em “eu” (aproximando-o
do “aqui-agora”), obtém-se o efeito de subjetividade ou proximidade; se o narrador for
projetado em “ele”, o efeito é de objetividade ou distanciamento (caso, por exemplo, da
maioria dos textos jornalísticos, que utilizam, além disso, as categorias do “lá-então”, o
que poderá ser visto na análise das matérias). Ao delegar palavra ao sujeito da
manipulação (o que “faz-fazer”), tem-se ilusão de realidade ou referente por meio da
sintaxe discursiva; ao ancorar o texto em indicadores externos (datas, nomes, locais
reconhecidos como existentes), tal ilusão é criada por meio de recursos da semântica
discursiva.
51
Ainda no nível discursivo, as oposições fundamentais do primeiro nível, assumidas
depois como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas que podem ser
revestidos por figuras. Os conteúdos mais abstratos dos temas realizam os valores
propostos como objetos a serem alcançados, e as figuras podem revesti-los de conteúdos
mais concretos, remetendo-os ao mundo natural. O nível discursivo é o patamar mais
próximo da manifestação textual, portanto, mais complexo do ponto de vista semântico.
Ao serem assumidas pelo sujeito da enunciação, as estruturas narrativas convertem-se
em estruturas discursivas:
O sujeito da enunciação faz uma série de “escolhas”, de pessoa, de tempo,
de espaço, de figuras, e “conta” ou passa a narrativa, transformando-a em
discurso. O discurso nada mais é, portanto, que a narrativa “enriquecida”
por todas essas opções do sujeito da enunciação, que marcam os
diferentes modos pelos quais a enunciação se relaciona com o discurso
que enuncia (Barros, 1994: 53).
Assim, o nível discursivo opera com os mesmos elementos do nível narrativo.
Entretanto, amplia-os, passando a considerar aspectos que eventualmente tenham sido
deixados de lado na análise das estruturas narrativas. No nível narrativo, o percurso se dá
entre sujeitos. No nível discursivo, o enunciador e o enunciatário, desdobramentos do
sujeito da enunciação, cumprem os papéis de destinador e de destinatário do discurso. O
enunciador é definido como o destinador-manipulador, responsável pelos valores do
discurso. Ao exercer uma ação persuasiva sobre o enunciatário, pode levá-lo a “crer”
e/ou a “fazer”.
Ao tratar do jornalismo como sendo ele também estruturado como uma narrativa, outras
abordagens, além daquelas ligadas aos conceitos da semiótica narrativa acima expostos,
fazem-se necessárias enquanto suporte metodológico e teórico. A divisão em níveis, por
exemplo, não parece satisfazer as especificidades próprias da narrativa jornalística, por
serem estes apresentados como partes estanques e hierárquicas. Além disso, apenas
alguns dos elementos da análise semiótica podem ser identificados como constituintes
dos textos jornalísticos. Neste trabalho, utiliza-se principalmente os conceitos referentes
52
ao nível das estruturas narrativas como metodologia para as primeiras leituras e análise
do corpus.
A organização da semiótica narrativa é interessante para um primeiro contato com o
objeto de estudo aqui proposto. Entretanto, por apresentar os limites acima apontados,
faz-se necessário buscar, em outras fontes, contribuições teóricas que possam concorrer
para a caracterização da relação jornalismo-narrativa, ou da narrativa jornalística. Essas
contribuições se somam àquelas advindas da semiótica narrativa, e são tratadas a seguir.
1.2. para além da semiótica narrativa
Como uma primeira tentativa de buscar elementos para além da semiótica narrativa
greimasiana, introduzem-se aqui as contribuições de J.-F. Lyotard sobre a questão da
narrativa por acreditar-se que nelas há um avanço e uma reordenação da teoria
semiótica. Além disso, o pensamento de Lyotard, da forma como se constitui, indica
algumas das limitações dessa teoria. No texto “Pragmática do saber narrativo”, este
autor estabelece uma diferença entre saber e conhecer e contrapõe dois tipos de saberes:
o científico e o narrativo. Antes de apresentar a definição de cada um deles, ele conceitua
as noções de saber, conhecimento e ciência:
O saber em geral não se reduz à ciência, nem mesmo ao conhecimento. O
conhecimento seria o conjunto dos enunciados susceptíveis de serem
declarados verdadeiros ou falsos, que denotam ou descrevem objetos,
com exclusão de todos os outros enunciados. A ciência seria um
subconjunto do conhecimento. Constituída também de enunciados
denotativos, a ciência tem de impor duas condições suplementares para a
sua aceitabilidade: que os objetos a que se referem sejam acessíveis
recursivamente, portanto, em condições de observação explícita; que se
possa decidir se cada um destes enunciados pertence ou não à linguagem
considerada como pertinente pelos peritos.
Mas, pelo termo saber não se entende somente, longe disso, um conjunto
de enunciados denotativos, misturando-se nele as idéias de saber fazer, de
53
saber viver, de saber escutar etc. (...) Daí resulta um de seus principais
traços: ele coincide com uma “formação” extensiva das competências,
sendo a forma única encarnada num sujeito composto pelos diversos
gêneros de competência que o constituem (Lyotard, 1989: 47).
O termo saber implica, portanto uma competência que vai além da determinação e da
aplicação de um simples critério de verdade e do estabelecimento de critérios de
eficiência (qualificação técnica), de justiça e/ou de felicidade (sabedoria ética), de beleza,
envolvendo uma competência que, longe de ser meramente técnica, pode ser chamada de
geral.
De acordo com Lyotard, no interior dos relatos atuais, incluindo os relatos jornalísticos,
há dois tipos de saber: o saber científico e o saber narrativo. O saber científico,
“concepção pragmática do saber atual”, tem na argumentação e na prova as bases
fundamentais para sua sustentação. Nele, o narrador precisa provar, por meio de seu
próprio procedimento, que o conhecimento por ele transmitido é a verdade. O saber
narrativo, por sua vez, é definido como “o conjunto de regras pragmáticas que constitui
o vínculo social”. Nele, o narrador se autolegitima pelas formas de narrar da própria
estrutura narrativa. Ou seja, para demonstrar que o que fala é verdade, não é necessário
que use de argumentação nem de prova (ao contrário do saber científico). Tanto o saber
narrativo como o saber científico são legitimados por meio de um “jogo de linguagem”,
que envolve suas regras de funcionamento e operação, dando autoridade e finalidade
para esses tipos de saber se expressarem. Mais do que isso, a linguagem seria, com o
estabelecimento desse “jogo” e da possibilidade de expressão, o lugar da troca social e
do conhecimento modernizante.
Em Lyotard, como em Lacan, a linguagem apresenta-se como fundante do humano.
Lacan afirma em seus Escritos que a “linguagem em ato” transita sob “dois discursos”: o
do “sujeito do consciente”, que fala, opina e demonstra a verdade do conhecimento, e o
do “sujeito do inconsciente”, que revela nos seus lapsos, esquecimentos e erros a
estrutura das regras de um saber que só vem à tona nos procedimentos do próprio
sujeito falante. O saber do inconsciente equivaleria aos significantes da linguagem, que
vão se encadeando – como numa cadeia formada por elos ligados uns aos outros – e
54
dando significados aos modos de ser e de falar dos sujeitos. Essa cadeia de significantes
entrelaça-se de forma radical: ao puxar um dos elos, todos os demais se soltam.
As narrativas jornalísticas apresentam, portanto, discursos ambíguos na medida em que
são sustentadas por esses dois saberes: o científico e o narrativo. Por um lado, ao
descrever os fatos reais e tentar ancorá-los na estrutura narrativa por meio de recursos
discursivos próprios de embreagem e desembreagem (colocação de nomes, datas, locais,
idades, entre outros), estabelecem-se como conhecimento científico, buscando provas e
argumentos para sua fundamentação. Por outro lado, ao utilizar as regras narrativas
como formadoras de vínculos sociais que legitimam, por elas mesmas, a narrativa,
estabelecem-se enquanto um saber narrativo que procura legitimar o próprio
desempenho. Quéré apresenta de forma sintética essa definição:
L’information est une science-fiction. Non pas au sens habituel de cette
expression, qui désigne des oeuvres d’imagination scientifique décrivant
un état futur du monde. Mais en ceci que lui est sous-jacente une structure
mixte, combinant ces deux composantes fondamentales: science et fiction,
constat e simulation, relevé de faits et récit (Quéré, 1982: 157).
Por um lado, a informação jornalística tem um regime de verdade semelhante ao da
ciência; por outro, dela se distingue pela ficção, inerente à forma narrativa. Dessa
estrutura mista, resulta que a verossimilhança é condição para sua credibilidade. O texto
jornalístico, além de apresentar-se como coerente, deve mover-se no domínio do
verossímil, e não do verdadeiro. Os enunciados apresentados não precisam ser
verdadeiros, mas devem ter aparência de verdade. Dessa ilusão referencial depende sua
credibilidade.
Por não poder assegurar a seu leitor (ou destinatário) que suas informações são
verdadeiras (já que não podem por ele ser verificadas ou checadas), a narrativa
jornalística compensa essa fraqueza utilizando as diversas possibilidades do relato
ficcional. A estratégia do narrador está em tornar o enunciado capaz de produzir sentido,
aliando os esquemas da opinião comum a referentes e destinatários, encerrando-os num
espaço perspectivo: o espaço simbólico.
55
As narrativas jornalísticas, portanto, não podem ser consideradas como meras descrições
de acontecimentos ou processos. Ao contrário, não apenas os jornais, mas os media em
geral, retiram fragmentos desses acontecimentos e processos, encenando-os e
introduzindo-os em esquemas pré-construídos, dotando-os de coerência e instituindo,
com essa construção, a realidade. O jornalismo assim considerado é possuidor de um
estatuto simbólico. Nessa perspectiva,
l’information narrative n’intervient jamais comme une force mécanique
agissant de l’extérieur sur les opinions, les attitudes, les comportements.
Elle opère symboliquement en introduisant de manière insidieuse son
récepteur dans de jeu des simulations qui instituent le réel et produisent le
social comme espace perspectif (Quéré, 1982: 173).
Ao instituir a realidade, o jornalismo passa a ser considerado como uma instituição
fundadora do espaço social. Nas narrativas jornalísticas, o narrador se apaga em seu
relato para deixar falar uma suposta “realidade dos fatos”. Algumas vezes, o “jornalista-
narrador” chega mesmo a trocar de lugar com seu referente e seu “leitor-destinatário”.
Isso não equivale a dizer que haja uma separação entre o espaço social e o espaço
simbólico, mas, ao contrário, indica a forma de operação simbólica dos media em geral:
“(...) c’est précisément cette simulation généralisèe qui, actualisée par l’activité narrative
constituant l’information, crée l’espace perspectif où se réalise l’assujetissement,
circonscrit le champ où viennent se former les pratiques sociales” (Quéré, 1982: 160).
Considerar o jornalismo como sendo construído fundamentalmente a partir das regras de
operação e funcionamento das estruturas narrativas já começa por deslocá-lo do campo
teórico das ciências sociais, em que tem sido geralmente colocado. Se está sendo
deslocado de um lugar, é necessário indicar em qual “outro lugar” pretende-se alocá-lo.
É o que se faz a seguir, apresentando as teorias que vieram a configurar as chamadas
ciências da linguagem, lugar no qual se insere o jornalismo nos limites desta pesquisa.
56
capítulo 2
2. as ciências da linguagem
“A nuvem da linguagem faz escrita.”
Jacques Lacan, Encore
Este trabalho norteia-se pelos pressupostos do jornalismo visto como uma atividade que
desenvolve um fazer específico, articulando nas suas modalidades discursivas as
narrativas que, de um modo ou de outro, orientam as crenças e as expectativas possíveis
na sociedade.
Assim, utilizando os conceitos da teoria narrativa, a notícia não é tratada aqui como
simples informação, devendo obedecer aos princípios de objetividade, imparcialidade,
neutralidade. Antes, é vista como um “produto cultural” e uma narrativa, implicando a
existência de um “jornalista-narrador” que conta histórias a um suposto “leitor-
destinatário”, este último com expectativas sobre o desdobramento destas histórias lidas
no jornal, esperando, ao folheá-lo, nele encontrar a continuação das narrativas traçadas,
conceitos já explicitados anteriormente.
A Aids, doença relativamente nova no cenário médico tendo em vista a data em que foi
isolado pela primeira vez seu vírus causador (1983), não é narrada desde sempre pelos
jornais. Para localizar o momento em que passa a fazer parte do discurso público
instituído pelo jornalismo é preciso levar em consideração o como um assunto ou tema
torna-se de domínio público.
Em outras palavras, se o jornalismo for considerado como a instância que deve “tornar
público o que pertence ao público”, como já foi dito anteriormente, cabe perguntar em
que momento a Aids passou a ser considerada como parte deste discurso público.
Mesmo que a Aids tenha tido durante um certo tempo um lugar no discurso médico, ela
57
só passou a se integrar ao domínio público a partir da sua inserção no discurso articulado
pelos media.
Note-se que o termo discurso público já indica um primeiro deslocamento: deslocar o
jornalismo da área das ciências sociais e recolocá-lo no âmbito das ciências da
linguagem, referencial teórico no qual se insere este trabalho. A partir das teorias
constituintes das ciências da linguagem (a teoria lingüística conforme proposta por F. de
Saussure, a semiótica narrativa a partir de A. J. Greimas, a etnologia em C. Lévi-Strauss,
e a psicanálise freudiana, na releitura de J. Lacan), a leitura dos textos jornalísticos foi
deslocada da área das ciências sociais para a área de confluência das correntes teóricas
voltadas para a linguagem.
As ciências da linguagem, assim colocadas, supõem um campo que integra uma vasta
gama de teorias e de outras ciências. Saussure já havia antecipado que, “tomada no seu
todo, a linguagem é multiforme e heteróclita” (Saussure, 1970: 17). Daí se falar em
ciências, no plural, sendo também plural o leque de conceitos aqui explicitados: “Pela
complexidade e pela diversidade dos problemas que levanta, a linguagem tem
necessidade da análise da filosofia, da antropologia, da psicanálise, da sociologia, sem
falar das diferentes disciplinas lingüísticas” (Kristeva, 1974: 20), o que leva Kristeva a
afirmar que a linguagem será, sempre, uma desconhecida.
Realizar tal deslocamento, portanto, significa recuperar uma série de conceitos advindos
dessas várias ciências. Assim, deve-se resgatar toda a tradição antropológica inaugurada
por Lévi-Strauss ao afirmar que o que há de comum e de fundante em todas as
sociedades humanas é a ordem simbólica: é a partir daí que se instaura o humano, a
humanidade. Essa instauração deixa um resto. É a este resto que Freud chama de
inconsciente, “parte inconquistável da natureza humana”. De um certo modo, pode-se
dizer que as ciências da linguagem integram o conceito de inconsciente na sua
ordenação. Porém, o inconsciente se integra nessa ordenação por meio da leitura
retroativa do conceito de signo de Saussure em sua articulação significado/significante.
Da mesma forma, ao tentar traçar a narrativa que a Aids vem construindo pelos escritos
do jornal (entendendo o jornalismo como uma instituição social e, portanto, produzido
no e pelo discurso, como já foi visto) não se pode negligenciar a lingüística proposta por
Saussure em sua concepção do signo como sendo composto por duas partes, o
58
significante e o significado, e a linguagem como uma articulação entre língua e fala. Do
mesmo modo, as contribuições de J. Kristeva sobre a linguagem em seu livro História da
linguagem, bem como de E. Benveniste (enunciado/enunciação) e R. Jakobson
(metáfora/metonímia) são necessárias para o trabalho.
Na verdade, porém, é a teoria da linguagem elaborada por J. Lacan que, absorvendo e
reelaborando as contribuições da lingüística e da antropologia, pode fornecer o aporte
teórico para a pesquisa. Interessa aqui, sobretudo, a questão do sujeito pensado como
uma topologia, ou seja, uma articulação entre três topoi (ou lugares): o real, o simbólico
e o imaginário.
A fim de melhor compreender a radicalidade do deslocamento proposto e esclarecer os
conceitos nos quais este trabalho está fundamentado, são expostos, a seguir, os
elementos teóricos que vieram a configurar as ciências da linguagem.
2.1. jornalismo: das ciências sociais às ciências da linguagem
Tradicionalmente, os estudos da comunicação têm se colocado na linha das pesquisas
norte-americanas, com seus estudos quantitativos e positivistas, ou das pesquisas
européias, na linha da teoria crítica da Escola de Frankfurt. Além delas, uma linha de
pesquisa mais recente tratou de abordar a comunicação não a partir dos produtos e dos
meios mas dos chamados “receptores”. O que todas essas linhas teóricas têm em comum
é o fato de estarem baseadas na representação clássica do esquema da comunicação:
emissor – mensagem – receptor.
Esse esquema tem como pressuposto a representação do que considera como sendo o
“real” (enquanto “realidade”, para ser coerente com os termos propostos neste trabalho),
entendendo mundo e língua como uma representação na qual a língua simboliza o
mundo. A teoria da representação considera que mundo e linguagem são duas ordens
distintas, separadas e independentes, em que a linguagem representaria e simbolizaria o
mundo existente fora dela.
A partir da descoberta freudiana do inconsciente, é necessário considerar esse “a mais”,
situado para além da representação, do visível, do previsível. Para Freud, o inconsciente
é o que faz do humano um humano, e isso se refere ao fato de não representar uma mera
59
oposição ao consciente, pois é algo que o transcende e está presente em todos os atos
humanos. O próprio “consciente” está, assim, mergulhado nas tramas do inconsciente.
No texto “O mal estar na civilização”, Freud busca transportar para a esfera da sociedade
– e para outras ciências – aquilo que havia descoberto como constituinte do cada um: o
inconsciente. Quer entender sua descoberta como sendo constituinte do cada um em
termos da sociedade como um todo. Um mito – o mito do pai primitivo – é contado
como “mito do princípio”. Origem de todos os humanos e fundador da sociedade, este
mito lança a possibilidade de conciliação da vida mental do homem com as criações da
vida social. De forma sintética, trata-se do seguinte:
Teria havido uma horda primitiva comandada por um violento e feroz pai
que mantinha as mulheres para si e expulsava os filhos, quando esses se
tornavam adultos. Um dia, os irmãos tiveram coragem de fazer o que não
fariam individualmente. Mas o pai violento era o modelo que os irmãos
invejavam e, devorando-o, identificaram-se com ele, cada um retirando
uma porção de sua força (...) Após a cerimônia de identificação, o ódio
apaziguou-se e o amor, que durante todo esse tempo esteve soterrado,
emerge sob a forma de remorso. O sentimento de culpabilidade,
coincidente com o remorso, aparece, pois afinal odiavam o pai porque
este representava o obstáculo ao poder e aos desejos sexuais, mas também
o amavam e o admiravam (Freitas, 1992b: 19).
Ao mostrar que a sociedade nasce na repressão direta dos instintos e no surgimento de
leis e proibições, Freud começa a construir o caminho pelo qual a sociedade teria se
formado. Crime e memória estariam no começo da civilização. O processo civilizatório
seria, assim, um processo que resulta, para os humanos, em sentimentos de medo e
abandono.
Sendo o processo civilizatório gerador de uma relação cada vez maior entre os humanos,
por conseguinte é ele que pode gerar as maiores insatisfações e infelicidades. Ao
aproximar as pessoas nas relações sociais, afasta-as de sua busca do princípio do prazer:
“O processo civilizatório tem assim que criar sempre novos meios que limitem essa
60
agressividade original no homem, limitem a sua onipotência e restrinjam o amor sexual,
cuja tendência conduz ao isolamento do par apaixonado em relação aos demais membros
da comunidade” (Freitas, 1992b: 26).
Além disso, o desvio da agressividade humana e sua sublimação, por meio da
substituição na pulsão em busca de um objeto de prazer desviada para outro objeto,
socialmente aceito, também contribui para a geração de mais e maiores conflitos no
decorrer do processo civilizatório.
Somado a isso, verifica-se no homem um processo de buscar no outro o seu próprio
reflexo, ou seja: buscar nos objetos externos a sua própria imagem. A autopreservação
do ego (interna) e a busca de amor (externa) provêm, assim, de uma mesma origem, o
ego. O homem vê nos outros sua própria imagem, outros esses que querem as mesmas
coisas que ele mesmo e, portanto, representam uma ameaça permanente.
No processo civilizatório concorrem duas forças antagônicas: a pulsão de vida (Eros) e a
pulsão de morte (Tânatos). Ao mesmo tempo que deseja nos outros aquilo que é ele
mesmo, o outro como eu, o homem, por isso mesmo, vê-se ameaçado, pois “se o outro é
igual a mim, deseja o mesmo que eu”. Essa relação entre Eros e Tânatos pode ser
compreendida como a síntese de todas as dificuldades e complicações colocadas para se
estudar as relações do ego com os objetos do mundo: “A evolução da civilização
representa a luta entre Eros e a Morte, entre a pulsão de vida e a pulsão de destruição
(...) A vida consiste essencialmente nessa luta, e a evolução da civilização pode ser assim
simplesmente descrita como a luta pela vida da espécie humana” (Freitas, 1992b: 27).
Daí a complexidade envolvida nas relações humanas:
Desse modo, além do princípio do prazer, do bem e da felicidade que
todo homem deseja, jaz um vazio, incontornável, a morte. A pulsão de
morte é então um ponto de cisão que, por um lado, busca a anulação, o
inanimado, o princípio de Nirvana, e, por outro, tem uma dimensão
histórica, onde se estrutura a tirania da memória, a memória de um
esquecimento (Freitas, 1992b: 28).
61
Além disso, a pulsão de morte constitui-se como força criadora e geradora do novo: da
vontade de destruição surge também a vontade de que haja algo novo, de que tudo
recomece novamente:
Se ela atinge tudo o que existe e se, ainda, tudo pode recomeçar
novamente, resta-nos elaborar o vazio desses recomeços.
O mito fundador construído por Freud supõe a morte do Pai, porque sem
esse pai morto, sem a sua ausência, não haveria história para ser contada;
tudo seria, digamos, sempre o mesmo (Freitas, 1992b: 29).
Em Freud, o processo de hominização – de tornar-se humano – é o processo de
renúncia, cada vez mais exigente, renúncia necessária para conter a agressividade própria
do homem. Lacan, ao realizar a passagem da psicanálise pela lingüística, coloca o
processo de reconhecimento do outro na linguagem. Assim, os significantes da
linguagem são a causa da transformação do homem em humano.
Nesse processo, as coisas do mundo são substituídas pelas coisas da linguagem. Tem-se
então, de acordo com Lacan, dois processos articulados: 1) o estádio do espelho, no qual
se dá o reconhecimento do outro, ou seja, nele surge o outro; 2) o ato de falar, que
implica neste outro e, assim, as demandas e os pedidos necessariamente passam pela rede
da linguagem. Essas demandas, entretanto, nunca são satisfeitas, pois a cada demanda
satisfeita surge uma outra ainda, indicando que há sempre algo mais, algo que irá sempre
faltar porque o pedido se refere a um antes, ao teria sido. Por essa razão, a falta não
poderá jamais ser preenchida, sendo constituinte mesma do humano.
Desse modo, não há correspondência absoluta entre aquilo que é pedido e aquilo que é
doado: a cada demanda respondida há sempre um resto, que continua a existir ou como
demanda que se repete ou como desejo, isto é, a própria falta. Instaura-se, então, entre o
sujeito que pede e o objeto que busca uma relação assimétrica: se o objeto surge, o
sujeito desaparece; se, porém, é o sujeito que aparece, o objeto se esvai. É por isso que,
ao considerar as ciências humanas, tem-se o enunciado: “S’il fallait définir ce qu’est
l’homme pour les sciences humaines, il faudrait évoquer une double absence, une double
manque: le manque d’un objet et le sujet comme manque” (Hollier, 1973: 19).
62
A questão dessa ausência complica ainda mais as ciências humanas, já que o nome
“homem” designa apenas uma falta: “Les sciences humaines ne rencontrent pas l’homme,
mais son absence; l’absence est la modalité sous laquelle il peut être l’objet de leur
discours. Le nom d’homme désigne seulement un intervalle, ce qui est ‘entre’ (...) Il
désigne les trous, as lacunes, les ‘inter-dits’ (...)” (Hollier, 1973: 19).
A realidade social, na perspectiva das ciências da linguagem, é constituída pelo
entrelaçamento de vários discursos, organizados a partir dessa falta primordial. Instaura-
se como uma ordem simbólica instituída a partir da linguagem, ordem determinante,
autônoma e independente, à qual o homem acede a partir do momento que se instaura
como falante/faltante, ou seja: substitui as coisas do mundo pelas coisas da linguagem.
Retomando as referências feitas à teoria da representação, estabelece-se aqui um corte
radical e definitivo com a concepção clássica da linguagem, que a vê de forma utilitarista,
impondo uma divisão entre o mundo e a linguagem. O mundo seria visto como o
“real”(neste trabalho, o que se chama a “realidade”) e a linguagem como mero aparato
técnico utilizado para representar esse mundo. As coisas do mundo, nessa perspectiva,
existiriam de per si na natureza e estariam ali, estáticas, esperando apenas ser
descobertas pela linguagem, que as transformaria em signos e símbolos passíveis de
serem transmitidos e entendidos pelos humanos.
Entretanto, a concepção da qual parte este trabalho subverte essa ordem e estabelece
que, ao contrário de representar as coisas do mundo, a linguagem institui e cria o
próprio mundo ao instituir o próprio do humano. O humano é um ser na e pela
linguagem. Assim, a linguagem não é um mero objeto a ser usado pelos humanos mas,
ao contrário, é ela mesma articuladora das relações sociais.
Nessa perspectiva, a própria divisão da ciência entre sujeito que conhece e objeto a ser
conhecido pertence ao registro do imaginário, já que os objetos que os sujeitos observam
fazem, também eles, parte desse universo da linguagem. O sujeito é visto como tal numa
ordem que lhe escapa, a ordem da linguagem, efeito de algo sobre o que não tem
controle:
En effet, le langage tire sa situation privilégiée de ce qu’il ne peut pas être
un objet, mais que par lui les rapports du sujet et de l’objet dont la science
63
a vécu sont dénoncés. L’objectivité comme extériorité d’un objet et d’un
sujet n’est plus possible: loin que le langage puisse devenir l’objet d’un
sujet, le sujet ne sera jamais qu’un sujet du verbe: pris dans le langage, il
s’y voit assigner une place en fonction d’une syntaxe qu’il ne contrôle pas.
Le sujet n’est plus dès lors que le lieu où se manifestent les effets d’ordres
qui lui échappent (Hollier, 1973: 14).
A realidade discursiva na qual o homem se inscreve é, pois, diferente de uma suposta
“realidade” tomada como sendo o “real”, conceitos já distinguidos anteriormente. Os
acontecimentos só estão presentes como ausência e como falta, pois ao elaborá-los na
linguagem – ainda que seja no “aqui e agora” da televisão ao vivo –, eles já
desapareceram, já deixaram de existir, passando a existir apenas enquanto realidade
discursiva. O acontecimento é, assim, o acontecido desaparecido. Para Lacan, “o real”
(não no sentido de realidade, mas de real mesmo) se caracteriza como aquilo que está
sempre no mesmo lugar mas, ao mesmo tempo, como o lugar de um eterno desencontro,
já que, se se vai atrás de um fato, ele não estará mais lá na chegada. “O real”, nesta
concepção, é sempre esse “algo mais” que falta, que não está mais “lá” e por isso não é
jamais encontrado.
Dessa forma, pode-se avançar com Lacan e dizer que os homens, as mulheres e as
crianças são significantes da linguagem: “Não há a mínima realidade pré-discursiva,
pela simples razão de que o que se faz coletividade, e que chamei de os homens, as
mulheres e as crianças, isto não quer dizer nada como realidade pré-discursiva. Os
homens, as mulheres e as crianças não são mais do que significantes” (Lacan, 1985: 46),
só existem na linguagem.
Seres habitados pela linguagem e habitantes da linguagem, é como realidade discursiva
que os humanos procuram estabelecer entre si laços sociais, pedaços de comunicação.
Neste caso, é pertinente perguntar: por que a língua comunica? Para responder a essa
pergunta, são convocados, inicialmente, os conceitos vindos da antropologia estrutural,
principalmente no desenvolvimento proposto por C. Lévi-Strauss.
Ao perguntar “o que os seres humanos têm em comum – o que possibilita que se comun
iquem”, a antropologia pode fornecer algumas indicações sobre a própria questão
64
relativa ao estatuto da linguagem na comunicação. Não se trata de buscar a história das
relações sociais mas sim o que as estruturas sociais têm em comum, aquilo que
ultrapassa e atravessa todas as sociedades, ou seja: aquilo que permite que haja a própria
comunicação.
Pensando este problema, Lévi-Strauss, na introdução ao livro de Marcel Mauss, ao
analisar a extensa obra do autor, introduz, no campo das ciências sociais, uma abertura
que viria a apresentar uma solução para um problema fundamental deste campo: a
relação observador e observado. Trata-se do conceito de ordem simbólica, essencial para
o deslocamento que se está ensejando. É sua leitura que será agora acompanhada.
Nas palavras de Lévi-Strauss, Mauss se diferencia do pensamento que dizia que não há
relação causa-efeito entre a ordem psíquica e a ordem social:
Ninguém mais do que Mauss, que se comprazia em traçar os limites da
expansão céltica na forma dos pães expostos na vitrina dos padeiros,
poderia ser sensível a esta solidariedade entre o passado e o presente,
inscrita nos nossos usos mais simples e mais concretos. Mas, ao sublinhar
a importância da morte mágica ou das técnicas corporais, ele pensava
também em estabelecer um outro tipo de solidariedade, que fornece o
tema principal a uma terceira comunicação publicada neste volume:
relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia (Lévi-Strauss,
1974: 6).
Mais do que momentânea, tal concepção estendeu-se por toda a sua vida: “Ora, Mauss,
durante toda a vida, mostrou-se obcecado pelo preceito comtista, que aparece
constantemente neste volume, segundo o qual a vida psicológica só pode adquirir um
sentido em dois planos: o do social, que é linguagem; o do fisiológico, ou seja, a outra
forma, a forma muda, da necessidade do que vive” (Lévi-Strauss, 1974: 36).
Para ele, a vida social seria constituída por um mundo de relações simbólicas. Dirigindo-
se aos psicólogos, dizia: “Enquanto os senhores seguem esses casos de simbolismo,
muito raramente e com freqüência em séries de fatos anormais, nós seguimos inúmeros
deles de uma maneira constante e dentro de séries imensas de fatos normais” (Lévi-
65
Strauss, 1974: 6). Resta, entretanto, saber o que vem a ser este simbólico, considerado
aqui como “aquilo que está no lugar de outra coisa”. Para Mauss,
toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas
simbólicos em cuja linha de frente colocam-se a linguagem, as regras
matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos
estes sistemas visam a exprimir certos aspectos da realidade física e da
realidade social e, ainda mais, as relações que estes dois tipos de realidade
mantêm entre si e que os próprios sistemas simbólicos mantêm uns com
os outros (Lévi-Strauss, 1974: 9).
É na história que se dá a relação simbólica, história esta marcada pela mudança e pela
descontinuidade. Para Mauss, no circuito das obrigações sociais inscrevem-se três
relações – dar, receber e retribuir – subsumidas por Lévi-Strauss no conceito de troca:
“(...) a troca é o denominador comum de um grande número de atividades sociais
aparentemente heterogêneas entre si. Mas, tal troca, ele não chega a vê-la nos fatos. A
observação empírica não lhe fornece a troca, mas somente – como ele mesmo diz – ‘três
obrigações: dar, receber retribuir’” (Lévi-Strauss, 1974: 24).
Ao falar dessas três relações, Lévi-Strauss explicita-as, colocando o simbólico com uma
operação relacional: para que haja essa relação, é preciso que não haja duas coisas
completas, que alguma coisa falte. Dessa forma, a sociedade se fundaria sobre uma
operação de doação, de troca, e as três operações seriam uma só, a doação: “Pode-se
(...) provar que nas coisas trocadas (...) existe uma virtude que força as dádivas a
circularem, a serem dadas, a serem retribuídas” (Lévi-Strauss, 1974: 25). A separação
aqui suposta envolve um eu mesmo e um outro, e propõe a união; para que se unam,
deve estar faltando algo nas partes.
Como em Freud, tem-se aqui a tentativa de reconstituir uma unidade que “um dia teria
sido”, relacionada pela operação de doação. Tal operação supõe que teria havido uma
unidade (que foi perdida) que a operação de doação pode repor. Ao afirmar que o
simbólico supõe, no seu começo, uma unidade que “um dia teria sido”, Lévi-Strauss
repõe Marcel Mauss:
66
A troca não é um edifício complexo, construído a partir das obrigações de
dar, de receber e de retribuir, com o auxílio de um cimento afetivo e
mítico. É uma síntese imediatamente dada ao e pelo pensamento
simbólico, que, na troca como em toda outra forma de comunicação,
supera a contradição que lhe é inerente de perceber as coisas como os
elementos do diálogo, simultaneamente sob a relação de si e de outro e
destinadas por natureza a passar de um para o outro. Que elas sejam de
um ou de outro, representa uma situação derivada por relação com o
caráter relacional inicial (Lévi-Strauss, 1974: 32).
É por estar privado de algo e por esse algo ser ausente que ele pode ser simbolizado. O
símbolo se instala, então, na ausência e na descontinuidade. Na questão da ordem
simbólica, o essencial é que não se trata de dar nome a coisas que são extrínsecas a esta
ordem. Não se trata de considerá-la como representante do “mundo concreto”: a ordem
simbólica seria ela mesma o mundo concreto, mais “real” (no sentido lacaniano) que a
“realidade” (o mundo em que se vive e que é tomado pelo “real”):
É nesse caráter relacional do pensamento simbólico que podemos
procurar a resposta para o nosso problema. Quaisquer que tenham sido o
momento e as circunstâncias de seu aparecimento na escala da vida
animal, a linguagem só pode ter nascido de uma só vez. As coisas não
puderam passar a significar progressivamente (Lévi-Strauss, 1974: 33).
A relação entre simbolismo e conhecimento apresenta, assim, características comuns
entre as sociedades industriais e as sociedades não-industriais, à medida que o
significante precederia e determinaria o significado:
Porém, alhures, em toda parte, e também entre nós (...) mantém-se uma
situação fundamental inerente à condição humana, isto é: o homem dispõe
desde sua origem de uma integralidade de significante que o embaraça
67
muitíssimo na aplicação a um significado, dado como tal sem ser
entretanto conhecido. Há sempre entre os dois uma inadequação que
somente a compreensão divina pode desfazer, que resulta na existência de
uma superabundância de significante em relação aos significados sobre os
quais ele pode aplicar-se. Em seu esforço para compreender o mundo, o
homem dispõe, portanto, de um excedente de significação (...)
absolutamente necessário para que, no total, o significante disponível e o
significado penetrado permaneçam entre si na relação de
complementaridade que é a própria condição do exercício do pensamento
simbólico (Lévi-Strauss, 1974: 34).
Ao estabelecer tal relação, Lévi-Strauss completa o percurso que vinha desenvolvendo
até então para, finalmente, chegar ao conceito de inconsciente como “o termo mediador
entre eu e o outro” (Lévi-Strauss, 1974: 19). Se não houvesse um lugar no qual as
subjetividades, incomparáveis e incomunicáveis, pudessem ser superadas – superando,
assim a oposição entre mim e o outro –, a dificuldade colocada pela questão da
comunicação seria insolúvel. Este lugar, onde o objetivo e o subjetivo se encontram, é o
terreno do inconsciente.
Assim, o que torna humanos os homens é o fato de serem comandados pelo
inconsciente, comum a todos, lugar em que todos são iguais. Nas relações entre dois
humanos – dois sujeitos – seria impossível compatibilizá-los ou compará-los se não
houvesse nada comum entre eles. Enquanto sujeitos dotados de diferenças físicas ou
culturais, seriam incomunicáveis se essa oposição não fosse superada no terreno do
inconsciente.
Há, portanto, algo estrutural para sustentar a função simbólica. Esse lugar “neutro”,
comum a todos, por não pertencer nem a si nem ao outro, permite que os humanos
sejam, todos e ao mesmo tempo, sujeitos e objetos; permite, ainda, que sejam superadas
as subjetividades, diferenças e contradições do diálogo.
Para que vários sujeitos se entendam (os vários “eus”), é preciso que haja um contrato
mínimo: a linguagem. Essa comunicação não depende tanto do idioma falado mas de
regras inconscientes já estabelecidas. Há um lugar que permite aos humanos falar que
68
não pertence nem ao “si” nem ao “outro”, e, por essa razão, tem suas próprias leis, às
quais todos os humanos estão subordinados. Essa lei tem na linguagem o seu lugar
maior; daí o fato de a linguagem ser o lugar onde o inconsciente pode ser mais facilmente
apreendido.
É nestes limites que se gostaria de inserir a questão do próprio fazer jornalístico
enquanto discurso e enquanto articulador de discursos. Prosseguindo na apresentação
dos elementos que constituem o campo das ciências da linguagem, faz-se necessário
introduzir as contribuições de J. Kristeva neste campo, contribuições essas que virão se
somar àquelas de Lévi-Strauss. Note-se que, sem a definição da ordem simbólica como
apresentada acima, tal discussão teria se tornado inviável nos limites deste trabalho.
2.2. “a linguagem, essa desconhecida”
A importância de estudar a linguagem é destacada por Kristeva no livro História da
linguagem (no original em francês, Le langage, cet inconnu, título que expressa melhor
a idéia desenvolvida pela autora, que não acredita que da linguagem se possa fazer uma
“história”). Na introdução ao livro, questiona-se se haveria um pensamento independente
da linguagem ou se a linguagem seria, ela própria, pensamento:
Pois hoje em dia, nada, ou quase nada, se faz sem fala, e é necessário
saber apesar de tudo se essa coisa que fala quando eu falo e que me
implica totalmente em cada som que enuncio, em cada palavra que
escrevo, em cada signo que faço, se essa coisa é realmente eu, ou um
outro que existe em mim, ou ainda um não sei quê de exterior a mim
mesmo que se exprime através da minha boca em virtude de qualquer
processo ainda inexplicado (Kristeva, 1974: 11).
Essa questão, que remete ao conceito de inconsciente, não é respondida neste livro.
Nele, Kristeva apresenta os mecanismos constituintes da linguagem e apresenta-a como
fundadora do humano e, assim, da própria sociedade. Daí advém a importância de
estudá-la. Não se pode desconsiderar as dificuldades decorrentes do fato de tomar a
69
linguagem como objeto de estudo, por ser muito difícil separá-la da condição humana –
de nós mesmos –, uma vez que ela é habitualmente pensada como imanente, existindo
desde sempre no homem e inseparável dele.
Na relação sujeito/linguagem, Kristeva identifica duas etapas. Na primeira, a linguagem
teria passado a ser considerada como objeto específico de conhecimento, falando sobre si
própria, sobre suas próprias leis, obrigando o sujeito falante a “dizer como ele diz”. No
fundamento de todo dito há um dizer, e é isso que interessa aqui: o dizer que está sob
todos os ditos. Se a linguagem é construída como um sistema, o próprio homem é um
sistema falante. Na segunda etapa, tornou-se possível estudar como linguagens as
diversas manifestações significantes.
Se considerado assim, o sujeito falante/faltante é que seria o universal possível – o algo
comum a todos os humanos buscado por Lévi-Strauss –, estabelecendo, portanto, o
espaço que, ao mesmo tempo, propicia e ilude a comunicação. O intercâmbio entre
culturas diferentes se dá porque podemos supor esse sujeito lógico universal, pensável a
partir da ordem simbólica. Nesse sentido, o homem é um ser genérico que permite a
formação de hierarquias, de diferenças (como por exemplo, o homem africano, o
europeu, o latino-americano). O sujeito falante/faltante, como já foi anteriormente
apresentado, não permite tais distinções; por isso, é ele o sujeito lógico, que rege as
estruturas. Assim, conhecendo-se as leis de funcionamento da linguagem pode-se
conhecer esse homem. A lingüística permitiria, de acordo com Kristeva, desmistificar
essas relações.
A linguagem seria, portanto, aquilo que demarca, significa e comunica, movida pela falta,
possibilitando que algo se torne um sistema simbólico. Esse algo, que já não está onde
deveria estar, é o que aqui está sendo chamado de “o real”. Não se trata, portanto, de
representar ou organizar “o real”, mas, articulando a falta, tornar “o real” em realidade
discursiva. Isso equivale a dizer que por ser o referente da linguagem a própria
linguagem, fora dela não há nada; ou, nas palavras de Lacan, já destacadas em outros
momentos, não há realidade pré-discursiva.
O corpo, no entanto, é o único “real” (no sentido de Lacan) verdadeiro. Há, portanto, o
vivido do corpo, mas é apenas por meio da linguagem que ele se torna concebido. Uma
defasagem se estabelece entre o vivido e o concebido e, dessa forma, como já foi dito, há
70
sempre um resto resultante desse processo. Há sempre algo que falta e, assim, nunca há
uma “última palavra” – há sempre uma a mais para ser dita.
O ponto central aqui destacado, como em outros momentos do texto, é a afirmação de
que a linguagem cria, ordena e constrói o mundo, e não o contrário. O humano é, assim,
um sujeito falante/faltante. “O real” não se confunde com a “realidade”, não é algo
concreto e sólido mas sim aquilo que falta nesse mundo ordenado e simbolizado, que só
o é por meio da linguagem, ou seja: as coisas só se transformam em “coisas do mundo”
ao passarem pela linguagem.
Mas qual seria a estrutura específica da linguagem, suas regras de funcionamento e leis
estritas? A lingüística saussuriana oferece respostas a essa pergunta. Ao estabelecer a
distinção entre língua e fala, e ao apresentar o conceito de signo como algo formado por
uma combinação de significantes e significados, Saussure contribui decisivamente para a
construção de uma teoria da linguagem, a lingüística, na qual a língua seria o que há de
básico na formação das relações humanas: a instituição social por excelência. A língua e
a ordem social se recobrem; sem a língua, não haveria sociedade.
A Saussure, como destaca Kristeva, deve-se o primeiro desenvolvimento exaustivo e
científico do signo lingüístico. O signo saussuriano associa um conceito a uma imagem
acústica. Esta última “não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão
(empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos
sentidos (...)” (Saussure, 1970: 80). Ao conceito equivaleria o termo significado, e à
imagem acústica, o termo significante.
O significado não é uma “coisa”, mas uma representação psíquica da “coisa”; o
significante é um mediador. Significado e significante seriam, assim, como duas faces de
uma moeda, unidos e inseparáveis. Uma das características principais de tal associação é
sua arbitrariedade, ou seja: não há nenhuma relação necessária entre significado e
significante.
A teoria do signo construída por Saussure estabelece-se sobre a dominância do conceito
– do significado enquanto estruturador da linguagem – sobre a imagem acústica – o
significante. Dessa forma, ficam de fora todos os elementos que não sejam da ordem do
conceito, como, por exemplo, o sonho, o inconsciente e a poesia.
71
Em Saussure, a língua não se confunde com a linguagem, sendo apenas sua parte social,
exterior ao indivíduo. “É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (Saussure, 1970: 17). Na língua,
uma imagem acústica (significante) associa-se a um conceito (significado), formando o
signo. Os signos, na língua, combinam-se segundo regras específicas.
A fala seria aquilo que pertence a cada um, “um ato individual de vontade e de
inteligência”, ou seja: as combinações pessoais realizadas pelo sujeito falante e o
mecanismo psicofísico possibilitam que tais combinações sejam articuladas
exteriormente. Embora apresentadas separadamente, língua e fala são inseparáveis uma
da outra: “Para que a fala se possa produzir, a língua é necessária anteriormente, mas ao
mesmo tempo não há língua em abstrato sem o seu exercício na fala” (Kristeva, 1974:
24).
De Jakobson, é importante destacar o duplo caráter atribuído ao signo lingüístico. Lendo
Saussure, desenvolvendo o seu trabalho príncipe sobre a fonologia, Jakobson enfatiza
duas operações fundamentais implicadas no ato de falar: a seleção de certas unidades
lingüísticas do léxico comum e a combinação dessas unidades em unidades cada vez
maiores: “(...) quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acordo com o
sistema sintático da língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em
enunciados. Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua
escolha de palavras (...)” (Jakobson, s/d: 37).
A seleção caracteriza-se como uma relação de similaridade: “É a escolha de um termo
dentre outros possíveis e implica a possibilidade de substituição de um termo por outro,
visto o número de associações que podem ser feitas entre as palavras, à base de
quaisquer semelhanças”. A combinação, por sua vez, caracteriza-se como uma relação
de contigüidade: “Este termo faz referência à idéia de laço, de contexto, de ligação. Cada
unidade lingüística serve de contexto às unidades mais simples e encontra seu contexto
numa unidade mais complexa” (Lemaire, 1986: 71; 72).
Em Jakobson, o eixo da seleção (ou paradigmático) é o eixo metafórico (vertical), no
qual os termos são unidades in absentia. Este eixo está mais ligado à língua como
sistema, apresentando-se sincronicamente enquanto pontualidade no tempo. É nessa
72
ordem que estariam colocados os significantes da língua. O eixo da combinação (ou
sintagmático) é o eixo metonímico (horizontal), e seus termos são unidades in
praesentia. O plano da combinação está mais ligado à fala, apresentando-se
diacronicamente enquanto sequencialidade. A ele estaria associada a ordem dos
significados.
De forma simplificada, pode-se afirmar que a metáfora, enquanto figura de linguagem, é
aquela em que um termo é substituído por outro, próximo a ele. Na metonímia, uma
parte é tomada pelo todo. É nesse sentido que tais figuras estariam sendo colocadas nos
dois eixos da linguagem (seleção e combinação). Note-se aqui as relações de similaridade
e contigüidade, apontadas acima, como relativas, respectivamente, à metáfora e à
metonímia. Associada aos conceitos de metáfora e metonímia, pode-se acrescentar a
questão da temporalidade enquanto relação sincrônica do significante e diacrônica dos
significados, o significante gerando efeitos de significado no discurso.
Aos conceitos de língua e de fala, portanto, é preciso acrescentar o conceito de discurso,
essencial para o trabalho. As teorias da linguagem diversificam-se na concepção do que
seja discurso. Este trabalho se limita, aqui, ao que propõe E. Benveniste referindo-o ao
universo teórico articulado por J. Lacan. Assim proposto, o discurso seria o ato de
colocar em prática a língua, lugar onde são formados os laços sociais. O discurso
caracteriza-se, assim, como sendo produzido pela articulação língua/fala em sua relação
com o inconsciente, a língua considerada enquanto sistema e a fala enquanto processo,
dois termos interdependentes que o discurso articula. Considerando-se os dois eixos da
linguagem, tem-se que o discurso não é, de forma alguma, linear. É, sim, complexo: cada
vez que alguém fala alguma coisa, todo esse processo da língua se coloca em
movimento. O discurso seria o ato mesmo pelo qual a língua revive na fala de cada um.
A contribuição de Benveniste, sublinhada a seguir, é, neste primeiro momento,
esclarecedora para a concepção de discurso que deve ser estabelecida. Benveniste, ao
tratar da questão da linguagem, aponta a experiência central pela qual se determina a
possibilidade mesma do discurso. O “eu” que fala na comunicação mudaria
alternadamente de estado, estando sempre relacionado àquele que fala. Dessa forma,
aquele que ouve – “outro” para o “eu” que fala –, ao falar estaria assumindo o “eu” por
sua própria iniciativa. Relacionando comunicação e discurso, Benveniste escreve:
73
Uma dialética singular é a mola desta subjetividade. A língua provê os
falantes de um mesmo sistema de referências pessoais de que cada um se
apropria pelo ato de linguagem e que, em cada instância de seu emprego,
assim que é assumido por seu enunciador, se torna único e sem igual, não
podendo realizar-se duas vezes da mesma maneira. Mas, fora do discurso
efetivo, o pronome não é senão uma forma vazia, que não pode ser ligada
nem a um objeto nem a um conceito. Ele recebe sua realidade e sua
substância somente do discurso (Benveniste, 1989: 69).
Ao tratar da língua e da fala, Benveniste elabora os conceitos de enunciação e de
enunciado, fundamentais neste trabalho. A enunciação é, em suas palavras, o ato mesmo
de produzir um enunciado, e não o texto deste enunciado, aproximando-se do discurso.
As características específicas dos conceitos de enunciado e enunciação serão
aprofundadas no capítulo 5, ao tratar da metodologia de análise do corpus deste
trabalho.
Nessa seqüência, convém ainda mencionar Barthes. Ele destaca a repercussão que os
conceitos de língua/fala alcançaram em outros domínios, demonstrando a importância
dos conceitos saussurianos. Na antropologia, por exemplo, a referência a Saussure se faz
sentir em vários momentos, dos quais um dos mais fecundos talvez seja “que o caráter
inconsciente da língua naqueles que nela colhem sua fala, postulado explicitamente por
Saussure, reencontra-se numa das mais originais e fecundas posições de Claude Lévi-
Strauss, a saber que não são os conteúdos que são inconscientes (crítica aos arquétipos
de Jung), mas as formas, isto é, a função simbólica” (Barthes, 1992: 27).
A teoria lacaniana, ao subverter o signo saussuriano, estabelece a primazia do
significante sobre o significado, vistos como duas redes de relações que não se recobrem.
Ao falar sobre o signo, Lacan afirma: “Os signos são plurivalentes: eles representam sem
dúvida alguma algo para alguém; mas esse alguém, seu estatuto é incerto, do mesmo
modo que o da linguagem pretensa de certos animais, linguagens de signos que não
admite a metáfora, nem engendra a metonímia” (Lacan, 1992a: 325). Essa relação será
melhor aprofundada na análise dos textos jornalísticos.
74
Para compreender a subversão do signo proposta por Lacan – e sua própria teoria da
linguagem –, é fundamental compreender os conceitos de real, simbólico e imaginário,
fundamentais na teoria lacaniana. Definidos como três ordens distintas mas
intrinsicamente ligadas (vale dizer, que não existem separadamente mas relacionam-se
permanentemente umas com as outras), o real, o simbólico e o imaginário constituiriam a
topologia do sujeito falante.
Ao ilustrar a interrelação entre essas três ordens, Lacan utiliza como exemplo a estrutura
constitutiva do nó borromeano. Entrelaçando o que chama de três “rodinhas de
barbante”, estabelece entre elas uma relação tal que, se for rompida qualquer uma das
rodinhas, todas se separam. Ao mesmo tempo, as rodinhas não estão presas por nós
comuns (que de fato prendem e amarram os fios que os constituem) mas apenas se
tocam e se entrelaçam em alguns pontos de contato. Da mesma forma, o real, o
simbólico e o imaginário obedeceriam a tal estruturação, ou seja, não obedecem
nenhuma forma de hierarquia ou prevalência de um sobre os outros.
Embora os três conceitos não tenham sido propostos simultaneamente, estavam em
germinação no desenvolvimento do conceito de imaginário, pois Lacan já antecipava as
três ordens inseparáveis constituintes do sujeito.
O conceito de imaginário, usado pela primeira vez no texto “O estádio do espelho”, está
ligado à identificação narcísica do sujeito com sua imagem no espelho. Relaciona-se,
portanto, à identificação do sujeito consigo mesmo, sendo fortemente ligado à formação
de imagens.
Depois do conceito de imaginário, o conceito de ordem simbólica é introduzido por
Lacan como sendo a ordem da linguagem. Num primeiro momento, o simbólico reunia
várias noções diferentes, envolvendo o estruturalismo, a antropologia e a questão do
reconhecimento. Apenas posteriormente é que a ordem simbólica passou a ser vista
como uma estrutura autônoma.
A identificação imaginária está, assim, ligada ao modo como um sujeito vê a si mesmo, e
a identificação simbólica aponta para o lugar de onde este sujeito está sendo observado.
Apesar do imaginário e do simbólico serem distintos e opostos, cabe ao simbólico
organizar e direcionar o imaginário.
75
O real, conceito desenvolvido paralelamente ao conceito de simbólico, seria o que resiste
ao processo de simbolização, aquilo que se coloca como impossível de ser simbolizado,
não podendo, portanto, existir sem a barreira imposta a ele pelo simbólico. Está,
portanto, fora do simbólico e do imaginário, e por apresentar-se como excluído, é
também imprevisível. É importante reafirmar que a noção atribuída por Lacan à ordem
do real não tem nenhuma relação com o que se chama de “mundo concreto” ou
“realidade”.
As três ordens articuladas, na teoria dos nós, como uma topologia, definem-se, a cada
momento, relacionalmente:
The Imaginary and the Symbolic are not successive stages but are
intertwined. The Real comes close to meaning “the ineffable” or “the
impossible” in Lacan’s thought. It serves to remind human subjects that
their Symbolic and Imaginary constructions take place in a world which
exceeds them (Sarup, 1992: 105).
Essas três ordens constituiriam, assim, os sujeitos falantes. Pode-se, portanto, afirmar
que um dos pressupostos mais importantes deste trabalho é a noção de que a linguagem
enquanto discurso não representa nem simboliza a realidade – ela é a própria realidade (e
não “o real”), na medida que a cria. “O real” (como definido por Lacan) está na
linguagem enquanto fórmula que daí é retirada como estrutura. Não há algo como “de
um lado o mundo, do outro lado a linguagem”. A linguagem não representa o mundo, ela
é o mundo. Em outras palavras, sem a linguagem não existiria mundo, nem humanidade,
nem humanos, nem mesmo a realidade, já que “o real” (Lacan) seria apenas uma massa
amorfa, alheia a qualquer simbolização.
Entretanto, o discurso dos media, e do próprio jornalismo, é concebido como algo
elaborado, racional, didático – como ciência que vai dar conta de um mundo concreto já
organizado. Mas não se pode desconsiderar o fato de que esse discurso também se
desloca para outro – desliza pelas tramas do inconsciente –, elaborado a partir da
organização narrativa da notícia, impregnado de imaginário, marcando, assim, seu
caráter ambíguo. Para acompanhar este deslizamento nos textos sobre a Aids, para tentar
76
encontrar o que neles aparece como fantasma-espectro-fantasia daquele discurso outro,
do Outro, torna-se imprescindível pautar-se pelo referencial teórico-conceitual das
ciências da linguagem, privilegiando, neste momento, as contribuições de J. Lacan para
seu estudo.
2.3. dos desfiladeiros da linguagem
Lacan realiza uma releitura de Freud para tentar resgatar o que acredita ter sido perdido
em relação aos diversos desdobramentos da teoria freudiana. Sua finalidade principal é
fundamentar a psicanálise como uma ciência, um saber específico que seja, antes de tudo,
passível de ser transmitido. Ao tratar da psicanálise, resgata a importância de Descartes,
afirmando que sem o Cogito cartesiano – a divisão estabelecida entre sujeito que
conhece e objeto a ser conhecido – não haveria ciência e, consequentemente, a própria
psicanálise não existiria. Foi preciso, primeiramente, haver o lugar do saber e da ciência
para que depois pudesse haver o lugar do não-saber e do inconsciente:
Se há fechamento e entrada, não é dito que elas separam: elas dão a dois
domínios seu modo de conjunção. São respectivamente o sujeito e o
Outro, esses domínios não estando aqui a substantificar senão a partir de
nossas teses sobre o inconsciente. O sujeito, o sujeito cartesiano, é o
pressuposto do inconsciente, demonstramo-lo em seu lugar.
O Outro é a dimensão exigida de que a fala se afirme em verdade.
O inconsciente é entre eles seu corte em ato (Lacan, 1992a: 324).
A forma como se dá esta relação passa por diversos conceitos, começando por aqueles
elaborados por Descartes. Em suas Meditações metafísicas, Descartes afirma que falta
aos sentidos permanência e identidade. Seus dados não possuem estabilidade e seus
julgamentos não são seguros – levam ao erro. O mundo dos sentidos representa a falsa
liberdade, é um lugar que aprisiona, sendo, portanto, impossível utilizar os sentidos sem
método:
77
Mas não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de me haver
encontrado, desde a juventude, em certos caminhos, que me conduziram a
considerações e máximas, de que formei um método, pelo qual me parece
que eu tenha meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de
alçá-lo, pouco a pouco, ao mais alto ponto, a que a mediocridade de meu
espírito e a curta duração de minha vida lhe permitam atingir (Descartes,
1987a: 29).
O preceito metodológico básico apontado no Discurso do método é que só se considere
como verdadeiro o que for evidente, o que puder ser intuído com “clareza e distinção”.
Para melhor conhecer os caminhos da razão e não se deixar ludibriar pelos sentidos, é
que surge, em Descartes, o conceito da dúvida metódica: “Agora, pois, que meu espírito
está livre de todos os cuidados (...) aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir
em geral todas as minhas antigas opiniões (...) o menor motivo de dúvida que eu nelas
encontrar bastará para me levar a rejeitar a todas” (Descartes, 1987b: 17). A dúvida
assim colocada distingue-se da dúvida vulgar, já que não é dada pela experiência, mas
deliberadamente, caracterizando-se como dúvida sistemática e generalizada: “Consistirá,
pois, em tratar como falso o que é apenas duvidoso, como sempre enganador o que
alguma vez me enganou” (Descartes, 1987b: 17).
A exacerbação da dúvida, através da hipótese do gênio maligno, coloca em xeque a
objetividade do conhecimento científico, para depois restituí-lo através de um bom Deus,
cuja bondade impede a sustentação da hipótese do gênio enganador e justifica o
otimismo científico e a crença na razão. A evidência, é assim, estabelecida como critério
de verdade e garantia da objetividade do conhecimento científico:
O Deus cartesiano é, assim, a garantia da objetividade do conhecimento
científico; enquanto bon Dieu, torna-se a expressão do otimismo
racionalista que pressupõe que ao máximo de clareza subjetiva
corresponde o cerne da objetividade. O bon Dieu é na verdade uma
deusa: a Deusa-Razão, que Descartes cultua e que será exaltada pelo
Iluminismo do século XVIII (Descartes, 1987a: XVII, Introdução).
78
Da máxima incerteza surge, assim, uma primeira certeza: “Se duvido, penso”. Esta é,
contudo, uma certeza a respeito da própria subjetividade (“penso”), na qual não está
garantido que haja algo exterior ao pensamento, mas já é apontado um caminho: “Basta
uma primeira certeza plena para que a ‘ordem natural’ faça jorrar luz sobre o que até
então permanecia desconhecido” (Descartes, 1987a: XVI, Introdução). O “Se duvido,
penso”, leva à máxima cartesiana “Penso, logo existo”, e a seu desdobramento natural:
“Existo enquanto ser pensante”: “Do pensamento ao ser que pensa – realiza-se, então, o
salto sobre o abismo que separa a subjetividade da objetividade” (Descartes, 1987a:
XVI, Introdução).
No final de sua Geometria, obra escrita em 1637, Descartes afirma: “Em matéria de
progressões matemáticas, quando se tem os dois ou três primeiros termos, não é difícil
encontrar os outros” (Descartes, 1987a: XV, Introdução). O mesmo se dá com relação à
razão: essa idéia de ordem natural é, para ele, inerente à progressão do conhecimento –
progressão linear, cumulativa e com objetivo de chegar à verdade última da realidade. O
que Descartes prescreve como recurso para a construção da ciência e também para a
sabedoria de vida é que os imperativos da razão sejam seguidos.
Tal concepção dominou toda a cena da ciência moderna, influenciando o sistema de
pensamento ocidental até este século, constituindo-se, em sua forma final, em um sistema
no qual “a formulação rigorosa e bem articulada, o modelo bem aplicado, tornam-se
critérios de verdade em detrimento da interrogação e da dúvida” (Freitas, 1992a: 42).
Dessa forma, o campo da comunicação não poderia estar imune a essa concepção de
conhecimento. Entretanto, ao apropriar-se do cogito cartesiano de forma mecânica, as
teorias da comunicação não levaram em conta toda a extensão desse conceito, como
antevista por Lacan, tornando-se fragéis do ponto de vista científico. Pode-se mesmo
afirmar que
a ciência da comunicação não dispõe de um núcleo disciplinar de teorias e
pesquisas modelares. Qualquer autoridade que a ciência da comunicação
possui deve-a principalmente à ressonância e à atratividade da
“comunicação” como um símbolo que evoca os principais problemas e
79
oportunidades característicos de um mundo cada vez mais fragmentado e
ainda interdependente (“pós-moderno”). Assim, os aspectos de que trata a
comunicação são considerados importantes, significativos e,
especialmente, úteis, não do ponto de vista da sua utilidade científica, mas
prática (Craig, 1995: 40).
A apropriação mecânica dos preceitos da ciência baseada na razão contribui de forma
significativa para este quadro. Entretanto, ao rever o cogito cartesiano e instituir o
sujeito como sujeito dividido, Lacan oferece possibilidades de reorganizar tal campo e
repensá-lo, pois substitui o “eu penso” cartesiano por um “isso fala” freudiano: “Ao
convocar Descartes junto com Freud, ou seja, um sujeito fundado pela ciência, Lacan
reintroduzia o sujeito da dúvida no inconsciente: um sujeito dividido, um ‘eu não sei
quem sou’” (Roudinesco, 1994: 278). Assim, Lacan dotou “a doutrina psicanalítica de
uma teoria ‘cartesiana’ do sujeito e de uma concepção ‘pós saussuriana do
inconsciente’” (Roudinesco, 1994: 280).
Esse “sujeito dividido” instituído por Lacan significa uma subversão total da ciência:
Localizando o ser do homem na Linguagem – o ser é ser falante –, coloca
como pressuposto básico que o sujeito só é, sendo-o em Outro lugar. O
sujeito é assim marcado por um paradoxo: para ser é preciso que ele fale,
mas esta fala é produzida no Outro, o que equivale dizer que há uma
disjunção fundamental entre o gozo da fala (o corpo que fala) e o lugar da
sua produção; é a isto que nos referimos quando dizemos sujeito dividido
(Freitas, 1992a: 56).
A teoria lacaniana do inconsciente caracteriza-se, então, como “o discurso do outro,
onde o do é a determinação objetiva. O desejo do homem é o desejo do Outro, onde o
do significa a determinação subjetiva, a saber, é como Outro que ele deseja” (Lacan,
apud Freitas, 1992a: 61). O inconsciente se instaura, então, sobre o vazio.
80
Portanto, pensar o discurso dos media e, no caso específico deste trabalho, do próprio
jornalismo, implica em considerar esse sujeito a quem os mesmos se referem e que, ao
mesmo tempo, produzem:
O sujeito pensado na sua dependência fundamental à Linguagem, o que
significa colocar como condição necessária a postulação deste Outro
lugar, difere do Eu, e quer este seja pensado como sujeito do
conhecimento, sujeito da certeza, sujeito da comunicação, vem a ser
sempre o sujeito imaginário e o Inconsciente será, entre este sujeito e o
Outro lugar, o ato de ruptura (Freitas, 1992a: 84).
Ao propor repensar a questão do sujeito, o sistema de pensamento de Lacan fornece
pistas para a inversão desse trajeto e nega a primazia predominante do significado sobre
o significante, que pressupunha “a anterioridade do pensamento ao ser” (Freitas, 1992a:
38). Em suas teorias, Lacan aponta para a falha primordial constituinte de todo sujeito –
sujeito dividido e, portanto, sempre em busca do “objeto @”, representante da falta,
objeto perdido para sempre: “O desejo só existe no universo da privação e da falta e
exige, para sua satisfação, o seu reconhecimento por outro, o que significa dizer que o
desejo do homem só existe enquanto passa pelos desfiladeiros dos significantes da
linguagem, pelo acordo da fala” (Freitas, 1992a: 49).
Retoma-se, aqui, os conceitos de língua, fala e signo de Saussure. Em sua releitura,
Lacan inicia o que seria o estabelecimento da ligação entre o sujeito, a linguagem e a
fala. A tese central do sistema de pensamento lacaniano estabelece o primado do
significante, subvertendo, como já apontado anteriormente, o signo saussuriano. É a
partir de 1954 que Lacan inicia sua segunda leitura de Saussure. Nesse momento, “Lacan
não mais se refere simplesmente a noções de língua, fala ou linguagem, e passa a
comentar a teoria saussuriana do signo” (Roudinesco, 1994: 275).
Paralelamente a essa releitura, Lacan se volta para as teses de Jakobson sobre a metáfora
e a metonímia para, finalmente, em 1957, introduzir “pela primeira vez a fórmula que
define o significante (no sentido lacaniano) e faz do sujeito um elemento numa estrutura
(ou cadeia simbólica)” (Roudinesco, 1994: 276). O termo “cadeia significante” refere-se
81
à figura de uma corrente feita de elos que se prendem aos elos de outra corrente. De
onde afirma: “Um significante é o que representa o sujeito para um outro significante”
(Lacan, 1992a: 302). E continua: “Esse significante será pois o significante para o qual
todos os outros significantes representam o sujeito: é dizer que por falta desse
significante, todos os outros não representariam nada. Posto que nada não é
representado senão para” (Lacan, 1992a: 302). Dessa forma,
A instauração do indivíduo na ordem simbólica, designado em relação a
seu lugar na trama das relações sociais, é também sua instauração na
linguagem, sendo reconhecido e reconhecendo-se na leitura das
denominações que ele pode ser sujeito para outros sujeitos, em relação a
outros sujeitos.
As duas ordens são de tal modo imbricadas que a condição de ser social e
ser falante se indistinguem enquanto ordem simbólica (Freitas, 1992a: 47).
Assim, o termo crucial passa a ser o significante, “reanimado da retórica antiga pela
lingüística moderna, numa doutrina cujas etapas não podemos marcar aqui, mas da qual
os nomes de Ferdinand de Saussure e de Roman Jakobson indicarão a aurora e a atual
combinação” (Lacan, 1992a: 282). Uma vez que reconhece a estrutura da linguagem no
inconsciente, Lacan desenvolve a teoria sobre o tipo de sujeito concebido para essa
estrutura, um sujeito que não significa mas que é significante para.
Para mostrar a diferença entre a representação lacaniana e a clássica representação
saussuriana, Barthes argumenta: “O significado e o significante são, na terminologia
saussuriana, os componentes do signo (...) O plano dos significantes constitui o plano de
expressão e o dos significados o plano de conteúdo” (Barthes, 1992: 39; 43). Ou seja:
Saussure denominava significante a imagem psíquica de um conceito, e significado o
conceito propriamente dito. O significado era colocado sobre o significante, separados
por uma barra de significação: “A significação pode ser concebida como um processo; é
o ato que une o significante e o significado, ato cujo produto é o signo” (Barthes, 1992:
51).
82
De acordo com Barthes, Lacan difere da representação saussuriana em dois pontos. Para
Lacan, em primeiro lugar, o significante é global, constituído por uma cadeia de níveis
múltiplos, na qual significante e significado estão numa ligação flutuante e só coincidem
por certos pontos de ancoragem. Em segundo lugar, a barra de separação entre o
significante e o significado tem um valor próprio, e representa o recalcamento do
significado (Barthes, 1992: 52). Como explicitado por Roudinesco:
Enquanto Saussure colocava o significado sobre o significante, separando
os dois por uma barra dita de “significação”, Lacan invertia essa posição.
Punha o significado abaixo do significante e atribuía e este último uma
função primordial. Depois, retomando por sua conta a noção de valor,
sublinhava que toda significação remetia a outra significação, e através
disso deduzia a idéia de que o significante deveria ser isolado do
significado, como uma letra (...) desprovida de significação mas
determinante para o destino inconsciente do sujeito (Roudinesco, 1994:
277).
Nessa perspectiva, portanto, o sujeito não existiria como plenitude, mas seria
representado por uma cadeia de significantes na qual o plano do enunciado não
corresponde ao plano da enunciação. Assim, “o sujeito é representado por um
significante para um outro significante no interior de um conjunto estrutural”
(Roudinesco, 1994: 278).
Em Lacan, a incidência do significante sobre o significado poderia ser representada de
três formas:
A fórmula geral descrevia a função significante a partir da barra de
resistência à significação. A fórmula da metonímia traduzia a função de
conexão dos significantes entre si, na qual a elisão do significado remetia
ao objeto do desejo sempre ausente na cadeia. Enfim, a fórmula da
metáfora fornecia a chave de uma função de substituição de um
significante por outro, por meio do qual o sujeito era representado
(Roudinesco, 1994: 280).
83
Somados a isso, outros dois termos introduzidos por Lacan assumem enorme
importância em seu sistema de pensamento, o “grande Outro (A)” e o “pequeno objeto
@ (a)”: “Do inconsciente como ‘discurso do outro’, tal como era definido em Roma,
Lacan passava, em sua segunda retomada, a um inconsciente como ‘discurso do Outro’.
Quanto ao pequeno @, lugar do eu imaginário, ele tornava-se a questão de um resto,
preso no real e não simbolizável: objeto como falta e objeto como causa do desejo”
(Roudinesco, 1994: 290). O desejo aparece, aqui, como “resto de alguma coisa”,
memória primordial, lembrança do futuro.
A linguagem seria constituída, portanto, nos significantes que constituem a sua ordem. E
o significante só poderia ser definido por meio de uma diferença em relação a outro
significante: “Ser na Linguagem, então, vem significar ser um significante para outro
significante (...) A realização do sujeito é marcada, deste modo, por sua dependência
significante à Linguagem, ao lugar do Outro” (Freitas, 1992a: 54). Para Lacan, o sujeito
tem início no lugar do Outro pois é neste lugar que surge o primeiro significante: “O
sujeito, então, nasce quando, no campo do Outro, surge o significante. Deste modo, tudo
depende da estrutura do significante” (Freitas, 1992a: 54).
Assim, o sujeito falante/faltante não busca outro sujeito, mas os objetos que perdeu. A
comunicação, portanto, se dá entre sujeitos iguais que buscam objetos de seu desejo.
Não se trata, portanto, de um sujeito-emissor que envia uma mensagem para um sujeito-
receptor, mas de sujeitos em permanente busca.
As teorias da comunicação e do jornalismo concebidas a partir do clássico esquema
emissor, receptor e mensagem, parecem não corresponder às complexidades desse
processo que se dá sempre entre sujeitos – significantes para outros significantes –,
colocados de forma igual no processo comunicacional: um e outro representariam,
alternada e simultaneamente, os papéis de emissor e receptor, e a mensagem não seria
apenas algo transmitido por meio de um código – a linguagem – constituído com fins
utilitaristas.
Nesta ordem de raciocínio, o indivíduo “eu” e o indivíduo “você” seriam incomunicáveis
e incomparáveis se entre eles não fosse colocado um elemento de mediação: formas
inconscientes (e não conteúdos inconscientes) que organizam a sociedade e que têm um
84
dinamismo próprio que nos permite vê-las. No simbólico, o esquema emissor-mensagem-
receptor apresenta uma ordem relacional diferente, já que nele é criada uma relação que
não “representa” a realidade, mas que cria uma outra ordem, a ordem humana. Emissor e
receptor são “dois” apenas na aparência da realidade. De fato, esse “um” e esse “outro”
formam uma figura de quatro pontas onde o “um” é também “outro” e o “outro” é
também “um”:
Situar a posição da subjetividade humana na estrutura quadripartida
(distinta do esquema especular do mesmo e do outro que reina nos
estudos de comunicação) significa mostrar que o sujeito não é duplo mas
dividido, que fala sem o saber de um Outro lugar de onde recebe a
verdade contraditória que o constitui. Significa mostrar, também, que o
lugar do inconsciente é um lugar de inscrição, marcando a divisão do
sujeito e que o objeto – objeto da falta, do desejo – é a marca de sua
impossível completitude (Freitas, 1992a: 74).
A concepção de sujeito aqui implicada contrapõe-se àquela que pensa a comunicação
como algo que
(...) vai perdendo a polaridade centrada ora no eu ora no tu e se
enriquecendo com uma relação dinâmica entre identidade e alteridade –
que vai ocupar o centro de suas preocupações atuais. Para ela, o centro
da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado
entre ambos. O sujeito só constrói sua identidade na interação com o
outro. E o espaço dessa interação é o texto (Brandão, 1995: 62).
O texto não é também o lugar da linguagem, estrutura inconsciente enquanto espaço de
interação como proposto por Lévi-Strauss? Ora, esse espaço é também aquele que
simboliza a língua e a fala, cada um e o Outro, justamente o espaço denominado
discurso. É assim, na ordem do discurso, que se pode tratar da comunicação: “O
discurso, trânsito do inconsciente, imbricação da sociabilidade e da singularidade, o laço
85
social, delineia-se como a possível direção em que recolocar o problema da
comunicação” (Freitas, 1992a:122). É este um dos aspectos do conceito de discurso que
norteia este trabalho.
No entanto, é preciso ser cauteloso para que não se julgue o trabalho que se coloca nesta
perspectiva como a abertura de uma possibilidade de acumular um saber e, como tal,
permitir o controle e a manipulação. Pois, diz Lacan:
Não há saber do inconsciente. O inconsciente é o saber e, por definição, é
um saber que não sabe de si. Somente o discurso pode enunciar o
inconsciente e assim determiná-lo como saber não sabido com o qual se
goza. Somente o discurso, a despeito da ilusão que suscita, e justamente
por ser sempre especulativo, pode formar o conceito do inconsciente
(Juranville, 1987: 296).
O discurso assim concebido organiza-se a partir de quatro lugares: o lugar do agente
(aquele que move o discurso), o lugar da verdade, o lugar do outro e o lugar da
produção (aquilo em que o discurso resulta), da seguinte forma:
agente outro
verdade produção
Note-se que a disposição dos quatro lugares, e o próprio fato de serem quatro, marca a
questão da não-linearidade do discurso. Sobre esses lugares, “articulam-se quatro
categorias produzidas pelo discurso psicanalítico: o significante do poder, o significante
do saber, o sujeito, e o a-mais do gozo”, respectivamente, S1 (o agente do discurso do
poder), S2 (o saber sobre alguma coisa), $ (o sujeito do inconsciente) e @ (o resto que
se desprende como objeto do desejo, a falta permanente; aquilo que determina o próprio
sujeito). Assim, “a combinação dos lugares e das categorias estrutura diferentes
discursos, cada um deles determinado pelo significante que assume posição dominante (o
lugar de agente). Toda a lógica do discurso é determinada, assim, pelo significante que
86
estiver em posição dominante” (Freitas, 1992a: 115). Os significantes deslizam nos
lugares do discurso e, a cada vez, organizam discursos diferentes.
De acordo com Lacan, os quatro discursos apresentados abaixo organizam o mundo
contemporâneo e funcionam como certos aparatos construídos na linguagem, estando no
lugar da enunciação e do ato pelo qual cada um nela entra. Seriam eles:
Discurso do Senhor (dominante) Discurso do Saber
S1 S2 S2 @
$ @ S1 $
Discurso da Ciência Discurso Analítico
$ S1 @ $
@ S2 S2 S1
Cada um deles mobiliza as quatro categorias em diferentes lugares; os lugares são fixos:
o que varia é a categoria que o ocupa em cada um dos discursos. No discurso da ciência,
por exemplo, quer-se eliminar os outros saberes (considerados fantasiosos) e estabelecer
sobre eles o “saber do um” (citado acima), dominar o olhar e o desejo. Tal discurso,
segundo Lyotard, não é capaz de criar laços – pois não envolve o corpo e não o toca –, e
visa apenas a si próprio, não ao bem comum. Na ciência, o “outro” é o próprio discurso
por ela criado.
Retoma-se, agora, a questão dos jornais caracterizados como instituição jornalística. Se
for considerado que a finalidade do jornal é organizar o discurso público, pode-se
também sugerir que o fundamento dessa publicidade é o Estado. Caberia assim aos
jornais, na partição governantes/governados, mediar entre a vontade de um e a vontade
de todos, que o Estado democrático representaria. Assim, referindo-se aos quatro
discursos pode-se supor que os jornais têm como significante organizador uma imagem
ideal do Estado (S1), imagem essa que, entretanto, pode variar de um jornal para outro.
Esse ideal, colocado como base, impulsiona a organização do jornal, que organiza o
mundo para os leitores. Os elementos constituintes dessa “base” não são, muitas vezes,
percebidos nem pelos próprios jornalistas nem pela empresa jornalística, mas é isto que
87
estrutura o discurso jornalístico e faz com que as notícias se organizem da forma como
aparecem.
Nessa ordenação pode-se elaborar as questões que norteiam o trabalho: como esses
discursos foram apreendendo e narrando a Aids? De que modo esse desconhecido – a
Aids – é dado a conhecer? Antes, porém, de passar à descrição e análise das matérias,
uma possível narrativa da Aids será aqui introduzida – uma possibilidade de contar sua
história, ainda que de forma breve.
88
capítulo 3
3. breve história da aids
“... dizer o nome da doença, pronunciá-lo muitas vezes e com facilidade, como se fosse
apenas outra palavra, por exemplo rapaz ou galeria ou cigarro ou dinheiro ou coisa,
por exemplo coisa sem importância.”
Susan Sontag, Assim vivemos agora
O título deste capítulo, Uma breve história da Aids, talvez pareça ser abrangente demais
em relação àquilo que efetivamente apresenta. Faz-se, então, a ressalva de que esta
“breve história”, além de ser datada, é também a proposta de um determinado olhar em
relação à Aids. Não se pretende esgotar as possibilidades em relação à doença, seja do
ponto-de-vista médico-científico, seja do ponto-de-vista social, político ou cultural. Não
se pretende, também, tratar da Aids sob o ponto-de-vista dos diversos discursos que a
recobrem (médico, científico, religioso, moral, ou outros) mas, antes de tudo, estabelecer
um lugar de fala em relação à Aids.
Com isso, quer-se estabelecer um ponto de partida para pensar a Aids, ponto este que se
refere à própria relação da pesquisadora com o tema e, portanto, que determina –
mesmo que não diretamente – as leituras e olhares feitos a partir dos referenciais teórico-
metodológicos em relação às matérias analisadas.
A Aids, mesmo não sendo o tema exclusivo deste trabalho, será retomada como eixo nos
capítulos referentes à descrição e à análise, sem esquecer que o discurso jornalístico –
considerado a partir do prisma das ciências da linguagem – é o lugar privilegiado nesta
pesquisa para estabelecer relações com o discurso da Aids.
3.1. a aids e o ponto de vista das ciências humanas
89
No início dos anos 80, uma doença misteriosa e desconhecida começou a assustar a
comunidade médica americana. Apareceram os primeiros casos, até que, em 1983,
chegou-se à descoberta de seu vírus causador, um novo vírus, o HIV3. A doença a ele
associada passou a ser chamada de Aids – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.
Inicialmente misteriosa e desconhecida, aos poucos foi sendo construído um corpo de
conhecimentos e teorias a seu respeito. Seu nome já diz muito sobre si mesma.
Primeiramente, a Aids é uma síndrome: “Do grego syndromé, expressa o significado de
concurso, ou seja, a circunstância de se encontrarem juntas duas ou mais coisas. Assim,
o paciente de Aids está numa circunstância em que vários fatores concorrem para levá-lo
ao óbito” (Mariguela, 1995: 3). A imunodeficiência refere-se à incapacidade do sistema
imunológico cumprir suas funções. O termo “adquirida” refere-se à forma pela qual se
instala essa imunodeficiência – através de um retrovírus, o HIV: o “Human
Immunodeficiency Virus”.
Do HIV, pode-se dizer que, talvez, seu aspecto mais significante seja sua singularidade
biológica: “Ele reproduz-se dentro da estrutura das células do sistema imunológico
denominadas T-4 (ou linfócitos auxiliares), de maneira bem diferente dos causadores das
viroses mais conhecidas (...) permanecendo lá durante toda a existência dessas células”
(Mello, 1994: 23). Daí a dificuldade em isolar esse vírus – na verdade um retrovírus – e
em desenvolver vacinas que sejam eficientes contra ele. Dessa forma, “vários cientistas
estão mais encorajados a pesquisar novos métodos para a proteção do sistema
imunológico contra o ataque e a reprodução do HIV dentro de seus hospedeiros, os
linfócitos T-4” (Mello, 1994: 24), e não em eliminar diretamente o próprio vírus.
3 A título de informação, registro aqui, ainda que rapidamente, uma polêmica existente no meio científico (mas em geral ignorada pela própria ciência e pelos media) quanto à identificação do HIV como vírus causador da Aids. No livro Um mundo sem Aids (Leon Chaitow e Simon Martin, São Paulo, Ground, 1991), os autores propõem tratamento e cura para a doença por meio da medicina holística, afirmando que a Aids é muito mais causada pelas condições deterioradas de vida nas grandes cidades contemporâneas do que por problemas físicos. O autor de Inventing the Aids virus (1996), Peter Duesberg, professor de biologia molecular na Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma ser a Aids “uma doença singular, com diferentes causas, talvez uma para cada grupo que a contrai: homens homossexuais, hemofílicos, usuários de drogas intravenosas, mulheres heterossexuais etc. (...) O clamor da opinião pública para que se identificasse a causa de uma doença tão avassaladora motivou conclusões apressadas e interesses diversos transformaram essas conclusões em dogmas”. Para Duesberg, o fato do HIV estar presente em todas as pessoas com Aids não significa ser ele o causador da doença. Em sua opinião, “apesar de mais de 100 mil documentos científicos e bilhões de dólares em pesquisas, a hipótese do HIV como agente causador da Aids não conseguiu produzir um só benefício de saúde pública: nem
90
Pesquisas recentes, divulgadas pela imprensa durante a 11a Conferência Internacional de
Aids, realizada no Canadá em 1996, apontam que talvez seja esse realmente o caminho
mais eficaz para controle da infecção pelo HIV. Novas drogas divulgadas durante a
conferência, os chamados “inibidores de protease” – combinados em “coquetel” –
impedem que o vírus complete a fase final de seu amadurecimento, bloqueando o
aparecimento de novas partículas do vírus que pudessem invadir células ainda não
contaminadas (Folha de S. Paulo, 14/07/96, p.1-20).
Há muitas crenças ocultas em torno da Aids. Muitas delas cristalizadas nos discursos
médico e científico, especialmente no início da epidemia. A forma como a Aids foi se
caracterizando ao longo da história já indica esse percurso: primeiramente, o advento
social da doença, no início dos anos 80, deu-se em torno da categoria “grupo de risco”4.
vacina, nem medicamento eficiente, nem prevenção, nem cura, nenhuma vida salva. Não é hora de mudar?” (Folha de S. Paulo, 02/06/96, p.1-20). 4 A trajetória da transformação do conceito de “risco” em “vulnerabilidade”, ocorrida nos anos 90, é uma abordagem bastante interessante para se pensar a questão da Aids enquanto construção social e suas campanhas de prevenção. Mesmo não sendo tratada neste trabalho, buscar-se-á apresentar, de forma sintética, as principais diferenciações por ela demarcadas. Ayres, França e Calazans apresentam tais diferenciações com precisão. Seguindo a periodização apresentada por J. Mann e D. J. M. Tarantola no livro Aids in the world II (New York, Oxford University Press, 1996), os autores dividem os “quinze anos de epidemia” em três períodos, a saber: a) período da descoberta (1981-1984), quando se falava em fatores de risco associáveis à então nova doença, que, entretanto, rapidamente deixaram de ser categorias analíticas abstratas para se transformarem em categorias concretas associadas a agrupamentos sociais específicos, os chamados grupos de risco; b) período das primeiras respostas (1985-1988), momento em que a Aids já não se restringia a fronteiras geográficas, étnicas ou sociais específicas, configurando-se como uma pandemia, e, portanto, não sustentava mais a concepção de “grupos de risco”; em seu lugar, surgiu a expressão comportamentos de risco, um avanço em relação ao conceito anterior mas, ainda assim, atribuindo muito mais ao “indivíduo” a responsabilidade pela prevenção ou não em relação à doença; neste momento, as campanhas de prevenção concentraram-se em dizer quais os comportamentos “seguros” e quais os que deveriam ser modificados pelas pessoas; c) período atual (1989 até hoje), em que o conceito de vulnerabilidade (amplamente difundido na América Latina nos anos 70) é retomado com novo significado – de suscetibilidade dos indivíduos e grupos sociais a agravos ou riscos em relação a doenças –, sendo definido a partir de três planos interdependentes de determinação: comportamento pessoal (ou vulnerabilidade individual), contexto social (ou vulnerabilidade social) e programas de prevenção (vulnerabilidade programática). Em relação a este período, destaca-se a “resposta que a vulnerabilidade vem tentando dar à necessidade de extrapolar a tradicional abordagem comportamentalista das estratégias individuais de redução de risco” (Ayres; França; Calazans, p.5) para além do conceito epidemiológico de risco (que opõe os “grupos de risco”, ou as pessoas com “comportamentos de risco”, à população em geral), central na maioria das estratégias de prevenção e controle da epidemia mas problemático e contraditório do ponto de vista operacional e conceitual. É interessante notar que os media não divulgaram os conceitos de “comportamentos de risco” e “vulnerabilidade” com a mesma intensidade com que divulgaram o conceito de “grupos de risco”, e nem a própria sociedade os incorporou tão largamente. Ainda hoje, quando se pensa em prevenção, parece que a maioria das pessoas se coloca como não estando inserida nos chamados “grupos de risco” – o que as isentaria de qualquer relação com a Aids –, desconsiderando, assim, o conceito de “comportamentos de risco” (que, mesmo sendo menos estigmatizador, também oferece problemas em termos de
91
A imprensa assumiu o discurso da “peste gay”, “câncer cor-de-rosa” etc., e a ciência,
num primeiro momento, foi responsável pela formação dessa imagem. A associação
Aids/homossexualidade parecia definitivamente estabelecida:
O primeiro comunicado médico que ouvi a respeito da doença que depois
foi denominada Aids chegou no verão de 1981 da Universidade da
Califórnia (...) onde detectaram um conjunto de casos de pneumonia em
homossexuais jovens que moravam em Los Angeles (...) Na Escola de
Medicina de Nova York encontraram entre os homossexuais uma
incidência de casos de sarcoma de Kaposi (KS), até então muito raros;
quase ao mesmo tempo, colaboradores da Escola de Medicina Monte
Sinai de Nova York comunicaram haver encontrado um conjunto
semelhante de casos da mesma doença em homossexuais masculinos de
Nova York. O sarcoma de Kaposi apresentava-se na forma de lesões
roxas na pele, parecidas com as de câncer. Outros clínicos começaram a
comunicar o aumento de volume de gânglios linfáticos de homossexuais
masculinos jovens, assim como um aumento na incidência de um estranho
linfoma de célula B (Gallo, 1994: 139).
Coincidência ou não, apenas homossexuais apareciam associados ao início da doença. A
comunidade científica, que desde os primórdios da Aids identificou-a como uma doença
nova e rara, sendo documentada pela primeira vez e sem precedentes na história,
divulgou tal associação baseada no que considerava evidências, e os meios de
comunicação reforçaram essa visão. Foi criado o termo “grupos de risco”, talvez uma
forma de tranqüilizar a sociedade: se você não fosse gay, drogado, promíscuo, estaria
salvo. E claro, nenhum de “nós” o seria, apenas os outros.
A partir dessa identidade de “grupo de risco” é que foram se estabelecendo a maior parte
dos preconceitos que se tornaram elementos fundamentais para a transformação da Aids
interferência em posturas pessoais) e, mais ainda, o de “vulnerabilidade”. Parece, assim, ser mais cômodo excluir-se da história da Aids do que incorporá-la.
92
em epidemia, já que a doença parecia estar sempre associada a comportamentos
considerados “desviantes” pela sociedade:
Nos Estados Unidos quase todos os indivíduos que apresentaram os
primeiros sinais de infecção eram homossexuais residentes em Nova York
ou em San Francisco. Os sintomas observados com maior freqüência eram
fraqueza, calafrios, gânglios linfáticos inchados e em muitos casos,
surpreendentemente, manchas roxas na pele, características de um certo
tipo de câncer de desenvolvimento lento que fora detectado antes em
homens de certa idade de ancestralidade mediterrânea. Esses sintomas
forneceram mais uma pista aos médicos: uma queda precipitada da
contagem de células de glóbulos brancos, particularmente da contagem de
linfócitos CD4. Em poucos anos a doença hoje denominada Aids
começou a devastar a comunidade homossexual. Pouco tempo depois
percebemos que qualquer pessoa que precisasse de uma transfusão de
sangue também estava arriscada a contrair o agente da Aids (Gallo, 1994:
138).
A Aids foi marcada como uma doença moral, adjetivando a morte do portador do HIV
por meio de códigos socialmente constituídos. Em consonância com as próprias
expectativas da sociedade em geral, a ciência identificava anticorpos do vírus HIV no
organismo de pessoas que podiam facilmente ser delimitadas dentro de um “grupo” com
determinados códigos de comportamento. Estava firmado o preconceito, o terror e o
isolamento, esquecendo-se que, no entanto, grupos humanos não são isolados, nem
estanques. Dava-se muito mais importância, por exemplo, ao contágio pelo HIV via
drogas introvenosas ou relações homossexuais. Esqueceu-se que um modo também
comum de transmissão, a transfusão de sangue contaminado, poderia afetar qualquer
pessoa, muitas vezes sem que esta nem ao menos soubesse (já que o vírus pode ficar
latente vários anos).
No final da década de 80, a história da Aids, como toda narrativa, já possuía muitas datas
e fatos:
93
Em 1981 a doença foi identificada. Em 1983 o agente responsável por ela
foi isolado pela primeira vez. Em 1984 a demonstração do papel causal
desse agente na Aids foi aceita por toda a comunidade científica. Em 1985
surgiram os primeiros testes comerciais de detecção. A rapidez desse
avanço conseguiu gerar a crença de que a luta contra a Aids seria uma
guerra relâmpago, rapidamente ganha. Hoje, é uma guerra de posição que
travamos (Montagnier, 1995: 9).
Nessa época, a Aids, que já fazia parte do cenário internacional, ganhou ampla
repercussão nacional, ainda que tardiamente. A imprensa não parava de noticiar os novos
avanços da ciência e os acontecimentos sociais a ela ligados: “Fiocruz estuda relação
com mal de Chagas”; “Juiz aceita pedido de indenização de médica que contraiu Aids em
NY”; “França investe US$ 113 milhões em educação e pesquisa sobre Aids”; “Igreja
Católica acredita que aidéticos são ‘satanizados’ na América Latina”; “Aids ainda é
considerada ‘doença capitalista’ na União Soviética”; “OMS calcula em 10 milhões os
contaminados no mundo”5.
O percurso dessa doença causava certo estranhamento. Primeiro, afirmaram que só
afetava homossexuais masculinos. Logo depois, surgiu a história dos macacos africanos
que teriam transmitido o vírus aos humanos. Em seguida, usuários de drogas começaram
a ser infectados. Até esse momento, apenas grupos considerados marginais, fora-da-lei,
desviantes haviam sido infectados. Estava criado o estigma do “grupo de risco”: pessoas
que possuíssem determinados comportamentos estariam mais sujeitas à infecção pelo
HIV.
Mas surgiram novas descobertas: o vírus é encontrado em mulheres, heterossexuais,
crianças. E outra síndrome foi criada – a do pânico. As pessoas se perguntavam se
faziam ou não parte dos tais “grupos de risco”; contavam com quantos parceiros já
haviam tido relações sexuais, se algum deles teria sido “de risco”. Aids virou sinônimo de
medo, vergonha e pecado.
5 Manchetes extraídas do jornal Folha de S. Paulo, dos dias 1/12/88, 5/11/80, 5/11/80, 6/10/87, 1/12/88, 1/12/88, respectivamente.
94
Mais algum tempo, e o próprio conceito de “grupo de risco” começou a ser questionado:
se somos homens, mulheres e crianças, não estaríamos todos arriscados? A resposta a
essa pergunta não tardou. De estrangeiros distantes, a imprensa passou a falar de pessoas
famosas do Brasil mesmo: artistas, cantores, escritores. Vieram os Cazuzas, Lauros,
Claudias. Mais alguns meses e já se ouvia: “Meu primo tem um amigo que tem um tio
que tem um vizinho que está com Aids”. Ou: “Minha tia tem uma amiga que tem uma
sobrinha”... O cerco foi se fechando: minha tia tem uma vizinha, minha vizinha tem um
filho, minha tia, minha amiga, meu irmão, minha filha. Eu?
No início dos anos 90, era difícil não conhecer alguém que não conhecesse alguém com
Aids. A doença foi se aproximando, as pessoas começaram a se dar conta de que poderia
ser com elas. Para uma doença que se propaga em progressão geométrica, já era tarde.
De repente, aconteceu. Dois amigos meus, entre 30 e 40 anos, e uma amiga, ela muito
jovem nos seus 16, souberam-se soropositivos. Ainda que envergonhadamente, confesso:
foi aí que me dei conta de que somos todos mortais.
Mas a Aids já havia se caracterizado como uma doença “moral” antes mesmo de ser
mortal. Émile Dickens escreveu: “É uma doença em que a morte e a vida se acham tão
estranhamente fundidas que a morte toma o brilho e a cor da vida, e a vida toma a forma
sombria e terrível da morte” (Dickens, apud Mariguela, 1995: 9). Não falava da Aids,
mas de outra doença mortal, mal de seu século: a tuberculose. Como bem indicou Susan
Sontag, de tempos em tempos surgem doenças que se caracterizam como metáforas. Tal
concepção é exemplar para tratar dos problemas relativos à Aids.
As fantasias inspiradas pela tuberculose no século passado, e pelo câncer
agora, constituem reflexos de uma concepção segundo a qual a doença é
intratável e caprichosa – ou seja, um mal não compreendido –, numa era
em que a premissa básica da medicina é a de que todas as doenças podem
ser curadas. Tal tipo de enfermidade é misterioso por definição. Pois
enquanto não se compreendeu a sua causa, e as prescrições dos médicos
mostraram-se ineficazes, a tuberculose foi considerada uma insidiosa e
implacável ladra de vidas. Agora é a vez do câncer ser a doença que não
bate à porta antes de entrar (Sontag, 1984: 7).
95
Em anos recentes, o câncer perdeu parte de seu estigma devido ao surgimento da Aids,
uma doença cuja capacidade de estigmatizar, de gerar identidades deterioradas, é muito
maior. Toda sociedade, ao que parece, precisa identificar uma determinada doença com
o próprio mal, uma doença que torne culpadas as suas “vítimas”; porém, é difícil
obcecar-se por mais de uma.
Em se tratando de uma doença ainda não inteiramente conhecida, além de extremamente
resistente a tratamentos e, até o momento, incurável, o advento dessa nova e terrível
epidemia – nova ao menos nesse sentido – proporcionou uma excelente oportunidade
para a metaforização da moléstia (Sontag, 1989: 20; 21).
Durante dez anos, idéias distorcidas sobre a Aids foram sendo alicerçadas, talvez devido
à associação morte–sexo estabelecida. Falava-se muito mais do “doente” do que da
doença. A curiosidade deslocou-se para os “aidéticos”, identificados como parte de um
grupo de seres humanos “diferentes”, “anormais”, que fugiam dos códigos coletivos,
estabelecendo padrões próprios de busca do prazer ou vivendo formas de relacionamento
diferentes das consagradas pela maioria moral. Por outro lado, nunca se pergunta ao
“hepatético”, por exemplo, onde e como ele pegou hepatite (Paiva, 1992: 8),
caracterizando de forma clara as relações entre a doença Aids e seu doente.
É comum ouvir, quando se sabe de alguém com câncer, manifestações de pesar e
lamentações. Entretanto, quando alguém é portador do vírus da Aids, é visto como
transgressor, culpado. O “aidético”, assim colocado, não é digno nem de pena. Seria de
se esperar que, mais de dez anos depois da descoberta do HIV como sendo o retrovírus
causador da Aids, mudanças já tivessem ocorrido, ainda que lentamente, em termos de
mentalidades e posturas sociais e individuais com relação à doença. Entretanto, é
inquietante que ainda hoje um filme recente produzido por Hollywood tenha cristalizado
um sentimento que não se diferencia muito do quadro inicial quanto à doença.
No filme Filadélfia, o personagem interpretado por Tom Hanks, homossexual, alega ter
sido despedido da empresa onde trabalha – e é considerado como tendo uma carreira de
sucesso – por contrair Aids. Um dos argumentos usados pela advogada de defesa da
empresa para negar que aquela tenha sido a razão da demissão é o fato de que uma outra
funcionária, também portadora do vírus, não é desligada da empresa. Essa outra
96
funcionária havia contraído o HIV por meio de uma transfusão de sangue, o que a
isentaria da culpa pela doença.
Esse caso é exemplar para ilustrar que a Aids caracteriza-se ainda hoje como uma
doença envolta em julgamentos, preconceitos, juízos de valor, questões morais e de
comportamento: quer-se sempre saber “como” a pessoa passou a ser portadora, o que
ela fez de “errado”. Diferencia-se, dessa forma, de muitas outras das doenças atuais.
Algumas delas já foram consideradas estigmas em outros tempos: a tuberculose, já
referida anteriormente, era associada, no final do século passado, a comportamentos
boêmios e desregrados, a artistas, escritores, poetas. Sinal dos tempos, talvez. Ou a
eterna necessidade humana de encontrar sempre culpados, ainda que inocentes.
Em 1995, pôde-se acompanhar, pelos jornais, a prisão de uma portadora do vírus HIV
no interior do Estado de São Paulo, veiculada pela imprensa em abril daquele ano: “O
juiz Emílio Gimenez Filho, de Paraguaçu Paulista (510 km a oeste de São Paulo),
condenou anteontem a um ano de prisão Selma Regina de Jesus, 36, acusada de
contagiar seus parceiros com vírus HIV, do qual é portadora” (Folha de S. Paulo,
12/04/95, p.3-1).
A prisão de Selma parece efetivar, fundamentada juridicamente, a exclusão social do
portador do HIV. Quais seus efeitos sociais e suas dimensões morais sobre a
representação social da Aids? Os media, arena desse debate, em seu trabalho de
vertiginosa busca do novo procuram manter-se na linha da “neutralidade da notícia”. Em
vez de promover debate, relatam o acontecimento pelo que tem de inusitado, de atual.
Lembro-me da minha amiga de 16 anos. Lembro-me de como foi difícil para ela conviver
com sua soropositividade e, ao mesmo tempo, parecer “normal” a seus amigos
adolescentes, tão críticos e exigentes como só os adolescentes sabem ser. Suas perguntas
eram simples, até ingênuas: como contar para eles (e não contou...)? Como ter
namorados? Como arranjar emprego? Além das perguntas do cotidiano, a morte, a dor e
o sofrimento, sempre longo, que se impingiram à Aids, e que ela, mesmo assintomática,
já pressentia. “Mas ela só tem 16 anos!”, pensava.
Lembro-me da minha própria adolescência, de como a morte era algo ao mesmo tempo
dramático e distante. Repeti, inúmeras vezes, que se tivesse algum acidente ou doença
séria preferiria morrer rapidamente. Mas como, agora, dizer para essa menina que ela
97
devia morrer? Ao contrário, gostaria que ela vivesse muito, e fosse feliz, mesmo que
apenas por alguns meses, ou alguns anos, ou muitos anos, quem sabe. Sete anos se
passaram e ela continua viva, saudável e cheia de sonhos. Mesmo soropositiva, faz parte
dos chamados “assintomáticos” – pessoas que nunca desenvolveram qualquer sinal da
doença – e surpreende por sua demonstração de força, equilíbrio e esperança.
Hoje, sabe-se que terapias de prevenção e de tratamento da Aids são só uma questão de
tempo. Até lá, há que criar meios na sociedade para que os soropositivos possam viver
bem e integrados até que elas venham, para que novas imagens – mais positivas – sejam
associadas a esta doença. Para os não-infectados, a prevenção é o melhor caminho,
apesar da dificuldade em estabelecê-lo.
Em relação à epidemia, estimativas da Organização Mundial de Saúde divulgadas pela
Folha de S. Paulo (09/07/96, p.1-12) calculam que, até o ano 2000, 44 milhões de
pessoas estarão infectadas em todo o mundo pelo HIV. Atualmente, cerca de 22 milhões
de pessoas no mundo são portadoras do vírus. Tratamentos eficazes ou vacinas ainda
não foram descobertos, mas já se sabe como a Aids é transmitida: através do sangue,
esperma ou leite materno contaminados. Para não ser contaminado, é necessário evitar o
contato com esses líquidos das pessoas já infectadas pelo HIV, ou soropositivas.
Entretanto, evitar esse contato significa modificar e interferir em padrões de
comportamento, valores éticos, morais, sociais e culturais das pessoas.
Nesse sentido, a Aids pode ser caracterizada como uma doença singular, que pode
mudar padrões de comportamento e idéias, que obriga a repensar valores e conceitos,
questionar posturas e concepções. Como expressado por Betinho, em uma palestra
proferida em 1987, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo:
Meu tema é direitos humanos e doenças epidêmicas, e eu vou tratar da
questão da Aids. Estou convencido de que a Aids é uma doença
revolucionária. Ela recoloca de forma radical para a nossa sociedade,
tanto brasileira quanto internacional, uma série de problemas vitais que
durante muito tempo tentamos ignorar. Nossa cultura foi se afastando do
real e tenta ignorá-lo, ao invés de desafiá-lo. A medicina moderna foi
criando uma idéia de onipotência e nos dizia, de forma indireta, que todas
98
as doenças eram curáveis e que finalmente a morte não podia existir.
Estávamos já tratando o câncer como a última doença mortal (...) E eis
que surge um vírus, o HIV, que se esconde no sistema imunitário e está
produzido o pânico do século XX (Souza, 1994: 11).
Associando sexo, sangue e morte, a Aids trouxe à superfície medos ancestrais e desvelou
a própria fragilidade das sociedades contemporâneas em relação ao diverso, divergente.
Os inúmeros preconceitos em relação à Aids e ao portador do HIV explicitaram os
preconceitos que a sociedade guarda com relação às pessoas. A combinação desses
elementos, por si só, já é motivadora de mudanças e questionamentos: pode-se agir em
relação à Aids como se ela não existisse – isolando aqueles por ela afetados de forma
concreta (nos chamados “asilos”) ou de forma simbólica (pelas estruturas sociais) – ou
pode-se criar novas formas de relações humanas e concepções sobre a vida e a morte por
meio dela.
Este vírus, sob todos os aspectos, apareceu de forma espetacular, mortal,
com manifestação rápida, fulminante, sem cura. E, até o presente
momento, sem nenhum meio de ataque direto que possa destruí-lo. Ele se
transmite através da relação sexual. A relação sexual, queiramos ou não, é
vital para a humanidade e é universal, e na nossa cultura está marcada por
todo tipo de preconceito, culpabilidade, pecado, danação, inferno. Ele
veio relacionado também ao sangue, que é outro elemento universal na
cultura da humanidade; o sangue está na nossa cultura sob mil formas, há
pessoas que entram em pânico quando o vêem, embora seja parte
constituinte da nossa realidade. E o vírus se transmite, fundamentalmente,
pelo sangue, mata-nos através do sangue (Souza, 1994: 13).
(...) Mas esse vírus também vinha associado a uma coisa já lembrada, e
muito brutal para a nossa cultura enfrentar: a morte. Uma nova doença
passou a revelar para o século XX que a morte é absolutamente inevitável
(Souza, 1994: 14).
99
Falar de Aids é, portanto, falar de morte. A morte no fundo. É falar de sexualidade, um
dos discursos que a recobre. A sexualidade não seria, ela mesma, a morte? O ser humano
constitui-se como um ser pela falta. O real é sempre este ausente. Vive-se em função de
desejos, demandas, daquilo que falta. Há sempre um a mais, que falta, e é nesse ciclo da
falta, de ir atrás do que falta (para completar-se, nostalgia de um todo que um dia teria
sido mas nunca foi...), ir atrás dos desejos, que o ser humano se move.
Sem a falta não haveria mudanças, transformações, criação, nem mesmo movimento.
Quando não há falta, quando não falta nada, isto é a morte. O ser humano só deixa de
desejar – de querer o algo “a mais” – quando morre. O sexo, sua consumação no
orgasmo, é o que de mais próximo há da morte – aquela sensação, ainda que fugaz, de
que se está completo (no outro), de que nada falta. A própria morte, ali, corporificada. A
morte tão temida. A Aids, como nenhuma outra doença, reúne dois termos de uma
equação complexa: a sexualidade e a morte. É, ela mesma, a materialização dessa
sexualidade que mata. Em seu caso, literalmente.
Em sua narrativa, esses fantasmas espreitam. À espera. Como entrar no universo da
sexualidade – dos interditos, do proibido – com a morte tão presente? Há também na
língua zonas proibidas, fechadas, interditas. Há palavras que não são feitas para falar,
ainda que se saiba delas. São palavras inomináveis, impronunciáveis, indizíveis... A
música do “Tchan”, do grupo Gerasamba, tornou-se sucesso nacional no Brasil na época
do carnaval de 1996. Seu refrão diz apenas: “Segura o tchan, amarra o tchan, segura o
tchan, tchan, tchan, tchan, tchan...”, acompanhado de uma coreografia sugestiva.
Mas o que seria esse “tchan”? Ainda que esta não seja, no eixo sintagmático da língua,
uma palavra com algum significado, em seu eixo paradigmático sabe-se das
possibilidades de escolha e substituição para este termo. As pessoas que ouvem, cantam
e dançam a música sabem o que é o “tchan”, ainda que este seja impronunciável. Sabem
do seu significado, dos possíveis significados dos quais esse significante “tchan” pode se
revestir. Coloca-se aqui a autonomia da língua em relação ao sentido, pois a ela é
possível “significar outra coisa do que diz”. Nesses casos, “(...) a língua se utiliza bem de
outra coisa para dizer aquilo que diz, se a tomarmos palavra por palavra. Um pouco à
maneira do chiste, onde uma verdade se faz entender entre as linhas, graças às possíveis
acrobacias com as palavras” (Lemaire, 1986: 83).
100
Todo o repertório sobre a sexualidade, os nomes feios, os palavrões, os xingamentos, faz
parte dessa zona proibida e impenetrável, ao menos que se transgrida a lei, ou que se o
diga nos locais e horários permitidos (pois há, sim, o momento certo mesmo para o que
não deve ser dito). Nesse mundo dos não-ditos, dos mal-ditos (e dos mal-entendidos), é
que se inscreve também a Aids. Por estar tão inseparavelmente ligada à sexualidade, dela
não se pode dizer. Como então trabalhar com os seus lugares comuns de prevenção-
campanhas-controle-comportamentos? Como desfazer preconceitos-prejuízos-
esteriótipos? Como não se sentir só, irremediavelmente sozinho, no meio dessa
humanidade que criou tantas exclusões, proibições, interdições e interditos?
Talvez por isso, as campanhas de prevenção oficiais no Brasil tenham sido sempre tão
ruins, pobres, frutos de uma moral-moralista pesada, reflexo dos nossos próprios traços
culturais. Talvez por isso sejam coisas tão complicadas. Como fazer campanhas públicas
e massivas de algo que não pode ser dito? Como divulgar aquilo que deve ser escondido,
que deve ficar nos cantos escuros da linguagem? Essas perguntas, de fundamental
importância em se tratando de prevenção à Aids, escapam aos limites deste trabalho.
Mas podem ser feitas em relação aos escritos do jornal a ser pesquisado, já que em seus
interditos pode ser lido o “saber que não se sabe”, aquele saber que o sujeito não sabe
que sabe, saber impossível mas que pode ser inter-dito: “(...) esse saber impossível é
censurado, proibido, mas não o é se vocês escreverem convenientemente o inter-dito, ele
é dito entre palavras, entre linhas. Trata-se de denunciar a que sorte de real ele nos
permite acesso” (Lacan, 1985: 162).
É esse saber não sabido e escrito entre os ditos das narrativas da Aids que será buscado
neste trabalho, por meio das leituras das matérias do jornal Folha de S. Paulo. O trajeto
destas leituras será traçado a seguir.
3.2. aids: narrativas no jornal folha de s. paulo
Esta pesquisa busca traçar uma trama re-velando de que forma a questão da Aids se
articula numa grande narrativa tecida pelos discursos instituintes da sociedade, entre eles
o jornalismo. Ao final, poderá ser re-velada uma grande narrativa sobre a Aids que vai se
101
construindo pelos jornais a partir dos traços (pequenas narrativas) deixados na notícia
enquanto produto cultural da linguagem.
Para selecionar as matérias sobre Aids a serem lidas, optou-se por trabalhar com um
jornal diário a partir da convicção de que o jornalismo é uma das instituições sociais
contemporâneas e, portanto, instituído e instituinte, instituição na qual, das
manifestações ali colocadas, algumas se cristalizam em significados. Considerado
enquanto instituição, o jornal pode ser caracterizado como destinador do discurso sobre
a Aids por ele produzido, como aquilo que faz esse sujeito ser e existir. É possível dizer
que tal processo aconteceu e vem ainda ocorrendo, de maneira exemplar, com relação à
Aids.
O jornal Folha de S. Paulo tem publicado matérias sobre Aids com regularidade: “De
setembro de 1987 a dezembro de 1996, a Folha de S. Paulo publicou 7.074 matérias
que, de alguma forma, faziam referência à Aids. Ao longo de quase uma década, foram
duas matérias por dia. No ano passado, 1.550 reportagens trataram da doença, média de
4,24 matérias por edição referindo-se a algum aspecto da Aids” (Biancarelli, 1997: 144).
A matéria mais antiga sobre Aids a que se teve acesso para esta pesquisa data do dia 03
de junho de 1983. Por ser a primeira publicada pela Folha, é reproduzida a seguir.
Congresso debate doença comum entre homossexuais
Uma doença que a literatura médica registrou somente em 1981 e tem incidido com
maior freqüência entre a população homossexual dos Estados Unidos, ocupou a maior
parte dos trabalhos matinais do 2o. Congresso Brasileiro de Infectologia, que se encerra
neste Domingo, no Maksoud Plaza.
Uma exposição sobre essa doença – conhecida como o “Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida, ou simplesmente AIDS (Acquired immunne deficiency syndrome) – foi feita
pelo médico norte-americano Warren Johnson, do hospital de Nova York, que ao
apresentar dados sobre a alta taxa de mortalidade provocada por essa síndrome lamentou
as dificuldades encontradas para combatê-la. Até agora, disse nem mesmo foi possível
localizar o agente que a causa”.
102
Para o cientista Albert Sabin, também participante do Congresso, está havendo muito
“alarde” em torno da doença. Ele alegou que ainda se sabe muito pouco sobre os
motivos que levaram ao surgimento de tantos casos (1.366 nos Estados Unidos) em
pouco tempo e indagou se essa doença é realmente nova ou “apenas foi reconhecida
agora”.
Sabin também criticou a insistência com que se procura definir as lesões de Kaposi – um
dos mais freqüentes sintomas da AIDS – como sarcomas ou câncer. Para ele trata-se de
granulomas que não são os responsáveis pela morte dos pacientes portadores do
sintoma.
Diante de uma atenta platéia com perto de 500 pessoas, Warren Johnson apresentou
diversos dados levantados nos Estados Unidos, explicando que o aspecto clínico do
paciente costuma evidenciar no início alguns sintomas leves – como febre, fadiga e falta
de ar –, evoluindo posteriormente para infecções múltiplas. Sem imunidade para
combater essas infecções, cerca de 50% dos pacientes acabam morrendo seis meses
depois de diagnosticada a doença. A multiplicidade de infecções, acrescentou, dificulta
ainda mais seu combate, aumentando o índice de mortalidade com o decorrer do tempo.
Calcula-se que em dois anos deverão morrer 85% das pessoas que tiveram
diagnosticada a doença a partir de 1979.
A peculiaridade da AIDS também se verifica em moléstias que o paciente passa a
contrair em conseqüência de suas deficiências imunológicas. O sarcoma, ou, como
prefere Albert Sabin, o granuloma de Kaposi já foi definido há mais de 100 anos. Suas
características, contudo, são diferentes nos casos diagnosticados como sendo vítimas
dessa síndrome. O sarcoma, como era conhecido, afetava homens idosos e permitia uma
sobrevida longa – de sete anos em média. Já os pacientes com AIDS que apresentam
esse sintoma têm em média 34 anos e o período de sobrevida situa-se na média dos 24
meses.
Além da população homossexual – na qual se registram 71% dos casos conhecidos nos
Estados Unidos –, também junto aos dependentes de drogas ingetadas (sic) por vias
intravenosa verifica-se uma incidência acentuada (grifos da autora).
103
Ainda devido ao congresso, no dia 06 de junho de 1983 foi publicada outra matéria:
Congresso termina com crítica de médico ao Inamps
“Chega a ser um absurdo que num País com tantas doenças infecciosas, o Inamps não
tenha um especialista na área”. A crítica foi feita por Celso Carmo Maza, um dos
organizadores do 2o Congresso Brasileiro de Infectologia, encerrado ontem em São
Paulo.
Com a participação de cerca de mil pessoas o Congresso foi considerado “um sucesso
científico e de público”. Maza informou terem sido discutidas inúmeras doenças novas,
pouco conhecidas no Brasil, entre elas a AIDS – Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida, ou doença de homossexuais.
A doença dos legionários – ainda não diagnosticada no Brasil – foi um dos novos temas
debatidos no Congresso. “Trata-se de uma doença nova, de três ou quatro anos”,
explicou Maza. Durante o encontro foram discutidas também novas drogas para
tratamento antivirales, como o Interferon, ainda não comercializado no Brasil.
Albert Sabin foi, segundo os congressistas, a presença mais importante, lançando a
possibilidade da vacina contra o sarampo por aerosol. Celso Maza afirmou que com isso
“poderemos erradicar a doença na comunidade” (grifos da autora).
Após essas primeiras aparições, foram publicadas as seguintes matérias (grifos da
autora): “Aids já preocupa países europeus” (06/07/83), “Programa contra Aids começa
amanhã” (04/09/83), “Programa contra a Aids iniciado por Secretaria” (06/09/83),
“Prevenção da Aids” (07/11/83), “Vírus da Aids espalha-se pelo mundo, advertem os
cientistas” (11/12/84), nenhuma delas assinada por algum jornalista ou articulista
específico.
O início de publicação das matérias (ao menos na Folha de S. Paulo, já que se tem
notícia que outros jornais diários, como Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo
também publicaram matérias sobre Aids no início da década de 80) coincide com o ano
em que o vírus foi isolado pela primeira vez. Antes dessa data, entretanto, já haviam sido
acompanhados casos de contágio, sintomas e desenvolvimento da doença enquanto
104
epidemia. A descoberta do agente causador da Aids foi, assim, posterior ao
aparecimento dos primeiros casos registrados, ocorridos já no final da década de 70 e
início da década de 80. No Brasil, ações como campanhas preventivas ou controle de
qualidade dos bancos de sangue (com realização de testes para detectar possível infecção
pelo HIV) passaram a ser feitos tardiamente, fato relatado pelas matérias.
O que se destaca nessas primeiras matérias é que, apesar de naquela época o
desconhecimento científico ainda ser grande em relação à Aids enquanto doença, alguns
elementos que permanecem nas matérias até os dias de hoje já começam a ser nelas
cristalizados. Entre eles, destacam-se as referências aos homossexuais (“AIDS ou doença
de homossexuais”) e usuários de drogas, o tom alarmista das matérias demonstrando que
a ciência – que tudo sabe – não sabia sobre a doença e, de início, nem sobre seu agente
transmissor, a idéia de que a doença “espalhava-se” pelo mundo, a imagem da doença
como um “mal a ser combatido”.
Foi assim que a Aids começou a escrever sua história pelos primeiros escritos sobre ela
publicados na Folha de S. Paulo. Nos capítulos 4 e 5, são apresentadas leituras de
matérias publicadas onze e doze anos depois dessas primeiras notícias.
O desenvolvimento do tema proposto na forma desta pesquisa identifica o discurso
articulador construído por meio da grande narrativa da Aids escrita pela imprensa – ela
que é hoje assunto obrigatório nos jornais –, discurso esse impregnado por todas as
construções imaginárias que cercam a Aids. A partir da análise dos jornais, a pesquisa
identifica os significantes que geram tais efeitos de significados cristalizados por meio da
leitura daquilo que se repete nos textos, de suas re-ocorrências. Para tal leitura, o jornal
será considerado como ordenador de discursos nos quais é possível destacar uma
estrutura narrativa, conceitos já explicitados anteriormente.
É este movimento que será apresentado a seguir, em forma de descrição e análise das
matérias do jornal selecionadas para esta pesquisa.
105
capítulo 4
4. primeiras leituras, temáticas da aids: narrativas
“De repente, dei-me conta de que tudo havia mudado porque havia cura. Que a idéia
da morte inevitável paralisa. Que a idéia da vida mobiliza... mesmo que a morte seja
inevitável, como sabemos. Acordar, sabendo que se vai viver, faz tudo ter sentido de
vida. Acordar pensando que se vai morrer, faz tudo perder o sentido. A idéia da morte é
a própria morte instalada. De repente, dei-me conta de que a cura da Aids existia antes
mesmo de existir, e de que seu nome era vida. Foi de repente, como tudo acontece.”
Herbert de Souza, A cura da Aids
A pesquisa se propõe, no primeiro momento, a organizar uma descrição geral do corpus,
para, num segundo momento, analisá-lo à luz dos referenciais teóricos propostos pelas
ciências da linguagem.
Esta pesquisa, como pode ser percebido pelos referenciais teóricos com os quais
trabalha, não se caracteriza como uma pesquisa “quantitativa” ou como simples “análise
de conteúdo” de matérias de jornal. Ao contrário, ao inserir-se nas ciências da linguagem
parte dos pressupostos da narrativa e do discurso em sua articulação de significantes e
significados, além de tratar de forma também específica o próprio sujeito falante
envolvido nos processos comunicacionais. Entretanto, antes de proceder a análise do
corpus à luz dos conceitos propostos, foi necessário desenvolver um quadro geral de
referência, contendo dados básicos sobre as matérias selecionadas, aqui chamado de
Primeiras leituras.
Assim, neste capítulo será apresentada a organização temática das matérias selecionadas
para, num segundo momento, introduzir esse quadro geral de referência (já englobando
as 31 matérias de jornal constituintes do corpus), dividido em três partes: a) descrição
106
geral das edições selecionadas; b) matérias sobre Aids publicadas a cada edição; c)
descrição das matérias sobre Aids publicadas a cada edição.
Toda classificação por temas ou categorias é falha e pode apresentar incorreções e
imprecisões. Por exemplo, é possível que uma mesma matéria possa ser incluída em mais
de um grupo, ou que algumas matérias, por serem muito específicas, escapem às
categorias assinaladas. Entretanto, faz-se aqui uma tentativa de numa primeira leitura
organizar as matérias em grandes categorias, já apontadas no item da introdução que
trata do corpus da pesquisa, mesmo correndo o risco de se parecer superficial. Sempre
que houve dúvida, o critério de decisão foi por aproximação, ou seja, a matéria foi
colocada no grupo com o qual mais se identificava.
Isto dito, faz-se necessário, ainda, assinalar que seria no mínimo incoerente, após fazer as
análises aqui colocadas sobre o jornalismo, os media, os processos comunicacionais e a
própria estrutura da linguagem, supor ou sugerir que tais classificações não sejam
arbitrárias. Ao fazê-las, não estão nelas implicados critérios de objetividade ou de
distanciamento. Ao contrário, há absoluta convicção de que desde a escolha dos títulos
gerais para cada uma das categorias até a inclusão das matérias em uma ou outra, o que
influenciou foi apenas a própria determinação pessoal e subjetiva da pesquisadora, o
subjetivo aqui entendido como referido ao “sujeito falante” e, portanto, determinado por
processos inconscientes/conscientes em suas escolhas. As categorias abaixo foram
escolhidas por serem as que mais se repetiram ao longo das matérias:
I. Estado (legislação, saúde pública, convênios médicos).
II. Pessoas (soropositivos, homossexuais, pessoas afetadas ou não-afetadas pela Aids,
direta ou indiretamente).
III. Ciência (descobertas científicas, informações médicas, medicamentos, testes de
novos remédios).
IV. Questões sociais (grupos organizados, eventos, pesquisas sociológicas, drogas).
Distribuindo as matérias analisadas nessas categorias, tem-se os seguintes quadros (os
números entre parênteses referem-se à numeração de cada uma das matérias conforme
aparecem nos quadros gerais de referência, por ano, posteriormente descritos).
107
I. Estado (legislação, saúde pública, convênios médicos)
1. Câmara analisa projeto para plano de saúde 08/02/94 (3)
2. Ministro define regra para convênio médico 16/03/94 (4)
3. Filmes ironizam convênio de saúde 16/03/94 (5)
4. Zurique quer deixar de ser centro de drogas 14/02/95 (1)
5. Novo convênio cobre terapias alternativas 15/03/95 (2)
6. Novos rumos na política de drogas alemã 09/04/95 (4)
7. Falta paz na saúde de São Paulo 05/05/95 (7)
8. Justiça italiana caça imunidade penal de aidético 22/10/95 (13)
9. Fiocruz vai ter hospital para tratar aidéticos 23/12/95 (18)
II. Pessoas (soropositivos, homossexuais, pessoas afetadas ou não pela Aids)
1. Atualidade determina o preço de ser feliz 03/01/94 (1)
2. Inglês é preso por falsificar documentos de namorado 28/04/94 (6)
3. Xuxa diz que aceita fazer teste de HIV 28/04/94 (7)
4. Paixão homossexual é novo tema de Begley 17/07/94 (10)
5. “Morango e chocolate” vinga sonho tropical 23/08/94 (11)
6. Bispo anglicano defende sacerdotes homossexuais 09/04/95 (5)
7. As agonias da confissão 09/04/95 (6)
8. Os gays e a visita do papa 06/09/95 (12)
9. Pacientes fogem de médicos no final do ano 23/12/95 (16)
10. 47% dos gays não usam preservativos 23/12/95 (17)
108
III. Ciência (descobertas científicas, informações médicas, medicamentos,
testes de novos remédios)
1. A pílula não é para todos 03/01/94 (2)
2. Água pode transmitir infecção a aidéticos 06/05/94 (8)
3. Produtora carioca é a 1a. voluntária a se submeter à
vacina anti-Aids
15/03/95 (3)
4. Exame de audição pode detectar HIV 10/06/95 (8)
5. Falta de voluntários atrasa pesquisa de Aids 17/07/95 (9)
6. Doente grave deve receber nova droga contra HIV 06/09/95 (11)
7. Substância bloqueia “Aids de macacos” 17/11/95 (14)
8. Ser unicelular pode ativar HIV 17/11/95 (15)
IV. Questões sociais (grupos organizados, eventos, pesquisas sociológicas,
drogas)
1. Sedes se preparam para festival erótico 11/06/94 (9)
2. Sexo exótico perde fogo na Gringolândia 13/10/94 (12)
3. Preconceito também mata 24/12/94 (13)
4. Brasileiros (quem diria) anunciam cura da Aids 06/09/95 (10)
As principais características de cada uma das matérias, com seus títulos e datas,
quantidade de matérias encontradas por dia, referências que nelas se faz à Aids, página e
caderno da publicação, ilustrações e fontes (definidas aqui como origem da matéria em
relação a quem a redigiu ou de onde foi retirada a informação) serão apresentadas a
seguir, em textos e quadros de referência.
109
4.1. descrição geral das edições selecionadas
Esta primeira parte irá descrever as vinte edições selecionadas nas quais apareceram
matérias sobre Aids (dez em 1994 e dez em 1995) de forma genérica, considerando as
principais matérias veiculadas no dia, o número de páginas da edição do jornal e as
divisões dos cadernos e editorias. Tem como objetivo possibilitar a localização das
matérias sobre Aids no todo da edição em que estão inseridas, visualizando-as, portanto,
em relação a outras matérias do dia.
1994
DIA 03/01/94 (segunda-feira)
Edição com 42 páginas; 8 de Folhateen, 2 de Acontece SP; 477.725 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 negócios/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 folhateen
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para ILUSTRADA e FOLHATEEN.
• “Collor fez acordo com ‘anões’ do Orçamento”, que afirma a inclusão de propostas
de liberação de recursos dos “anões” no projeto orçamentário de 92 antes deste ser
enviado ao Congresso (p.1-5). Manchete em duas colunas.
• “Impostos sobem a partir de hoje”, sobre as novas alíquotas dos tributos (Imposto de
Renda, IPMF, tarifas bancárias, IOF) (p.1-4, 1-5 e 2-4). Manchete em quatro colunas,
com gráfico ilustrativo em duas colunas.
• Foto-legenda: “FERIADO LEVA UM MILHÃO AO GUARUJÁ O primeiro fim-
de-semana do ano atraiu ao Guarujá (SP) mas de 1 milhão de pessoas (na foto, a praia
de Pitangueiras), segundo a prefeitura da cidade”. Em quatro colunas.
• Foto-legenda: “Policial pára mas não multa carro em que Fernando Henrique Cardoso
(à esq.) ia para Angra em alta velocidade; ele e Antônio Britto (PMDB-RS) fecharam
acordo para a sucessão presidencial” (p.1-5). Em três colunas.
DIA 08/02/94 (terça-feira)
110
Edição com 66 páginas; 18 de Classifolha, 4 de Agrofolha, 2 de Acontece SP; 468.437
exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 agrofolha; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• SÃO PAULO “Chuvas isolam litoral paulista”, sobre chuvas na Baixada Santista e
Litoral Sul que deixaram aproximadamente 900 pessoas desabrigadas (p.3-1- a 3-5).
Manchete em quatro colunas, com foto em três colunas.
• “Fernando Henrique Cardoso cobra Congresso e afirma estar no ‘limite’”, sobre o
ministro da Fazenda, que teria cobrado “responsabilidade” do Congresso em cadeia
nacional de rádio e TV (Brasil). Manchete em duas colunas.
• BOA NOTÍCIA “Projeto beneficia portador de Aids”: “Começou a tramitar ontem
na Câmara dos deputados projeto já aprovado pelo Senado que proíbe os planos de
saúde de recusarem tratamento a doenças infecto-contagiosas ou crônicas, como Aids
e diabetes” (p.3-8). Box em uma coluna.
DIA 16/03/94 (quarta-feira)
Edição com 78 páginas; 24 de Informática, 4 de Acontece SP; 473.610 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 informática
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para DOMINGO e INFORMÁTICA
• “Revisão mantém voto obrigatório”, sobre rejeição de parlamentares de introdução de
voto facultativo nas eleições, por 236 a 193 votos (p.1-12). Manchete em seis
colunas.
• “Cid Moreira lê resposta de Brizola no ‘Jornal Nacional’”, sobre direito de resposta
ganho por Brizola para rebater críticas e ele feitas na Globo no Jornal Nacional (p.1-
11). Manchete em uma coluna.
• “Arcebispo é refém de presos no Ceará”, sobre um grupo de onze detentos do
Instituto Penal Paulo Sarasate, na Grande Fortaleza, que fugiu do prédio levando
111
catorze reféns, entre eles d. Aloísio Lorscheider (São Paulo). Manchete em duas
colunas, com foto em três colunas.
DIA 28/04/94 (quinta-feira)
Edição com 106 páginas; 28 de Classifolha, 20 de Turismo, 2 de Especial Via SP, 4 de
Especial Acontece SP; 479.348 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 turismo; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para DOMINGO, TURISMO e
DINHEIRO.
• EDITORIAL, na íntegra, publicado na capa, lado esquerdo, sobre a revisão
constitucional, criticando os procedimentos até então adotados. Em duas colunas.
• “Aliança impede votação e MP do plano é reeditada”, sobre aliança da bancada
ruralista com os partidos de esquerda (PT, PDT, PSB e PCdoB) que impediu a
votação da medida provisória da Unidade Real de Valor.
• Foto-legenda: “Ricardo Fiuza se defende na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara, que vota hoje o pedido de cassação do deputado por irregularidades no
Orçamento”(p.1-4). Em duas colunas.
• Foto-legenda: “O goleiro são-paulino Zetti faz defesa em lance do empate (0 a 0) com
o Palmeiras no Pacaembu pela Libertadores; os times se enfrentam domingo pelo
Paulista” (p.4-1). Em duas colunas.
DIA 06/05/94 (sexta-feira)
Edição com 84 páginas; 8 de Especial Senna, 2 de Especial Via SP, 8 de Especial Liga
Mundial, 12 de Especial Acontece SP; 516.112 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada
Destaques na primeira página
• Chamada no alto da página, em três colunas, para DOMINGO.
112
• “Senna tem honras de presidente no enterro”, sobre enterro do piloto de Fórmula 1
Ayrton Senna, no cemitério do Morumbi, em São Paulo (Senna). Manchete em duas
colunas, com foto em quatro colunas.
• “Lula sobe e Fernando Henrique cai”, com resultados da nova pesquisa Datafolha
sobre eleições presidenciais (p.1-7). Manchete em seis colunas, com gráfico em duas
colunas.
DIA 11/06/94 (sábado)
Edição com 108 páginas; 30 de Classifolha, 12 de Folhinha, 2 de Especial Via SP, 4 de
Acontece SP, 6 de Especial Vacinação; 497.135 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 copa 94; 5 ilustrada; 6 folhinha; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para AMANHÃ e ESPECIAL
VACINAÇÃO.
• “Itamar quer limitar juros a 12%”, sobre preocupação da equipe econômica com altas
taxas de juros, o que levaria a um descontrole do real (p.1-5). Manchete em seis
colunas.
• “Titulares goleiam por 10 a 0 sem o meia Raí”, sobre jogo de treino da seleção
brasileira de futebol em que os reservas jogaram contra os titulares (Copa 94).
Manchete em uma coluna, com foto em três colunas.
• Foto-legenda: “Damon Hill, sexto ontem, passa pela inscrição ‘Senna vive’ no treino
para o GP do Canadá em que Alesi (Ferrari) fez a volta mais rápida; o grid será
definido hoje” (p.4-7). Em duas colunas.
• Foto-legenda: “Funcionários em greve da Universidade de São Paulo fazem passeata
na av. Paulista; o protesto, unido ao de servidores da Saúde, causou
congestionamento de 14 km” (p.3-4). Em três colunas.
DIA 17/07/94 (domingo)
113
Edição com 262 páginas; 16 de Mais!, 22 de Empregos, 12 de Tudo, 20 de Veículos, 24
de Imóveis, 16 de TV Folha, 64 de Revista da Folha, 4 de Acontece SP, 12 de
Autofolha, 4 de Especial Atlas, 8 de Fascículo; 734.616 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 finanças; 3 mundo; 4 são paulo; 5 copa 94; 6 mais!; 7 empregos; 8
veículos; 9 tudo; 10 imóveis
Destaques na primeira página
• “É hoje a decisão do tetra”, sobre final da Copa do Mundo de futebol com disputa
entre Brasil e Itália, os dois atuais tricampeões mundiais, que já se enfrentaram em
finais cinco vezes (Copa 94). Manchete em seis colunas, com foto em quatro colunas.
• ESPECIAL “Folha lança atlas em dezenove fascículos” (Atlas). Box em duas
colunas.
DIA 23/08/94 (terça-feira)
Edição com 78 páginas; 26 de Classifolha, 4 de Especial Supereleição, 8 de Agrofolha,
4 de Acontece SP, 2 de Especial Via SP; 458.447 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 agrofolha; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para ATLAS e DINHEIRO.
• “Vantagem de FHC vai a vinte pontos”, sobre sucessão presidencial. Os vinte pontos
de vantagem são em relação ao segundo colocado, Lula. FHC ampliou para cinco
pontos a vantagem sobre a soma dos outros candidatos (Supereleição). Em seis
colunas, com gráfico em três colunas.
• Foto-legenda: “FHC grava programa do horário gratuito; o tucano disse que
Ricupero ‘não entende nada de política’ ao comentar ontem declarações do ministro
sobre o PSDB” (Especial, p.3). Em três colunas.
• Foto-legenda: “Acompanhado da filha Lurian, Lula participa do ‘Programa Livre’, do
SBT, em que disse que Brizola não está preparado para governar o país” (Especial,
p.4). Em três colunas.
114
DIA 13/10/94 (quinta-feira)
Edição com 90 páginas; 28 de Classifolha, 20 de Turismo, 4 de Fovest 95, 2 de
Acontece SP, 2 de Via SP; 525.337 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 turismo; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para ATLAS e BRASIL.
• “TSE intervém na apuração no Rio”, sobre acompanhamento de agentes do Tribunal
aos juízes que sofreram ameaças; há suspeita de fraude em votos da zona oeste da
cidade (p.1-7). Manchete em seis colunas.
• “FHC prepara revisão com Itamar”, sobre reunião entre o presidente eleito, Fernando
Henrique Cardoso, e o presidente Itamar Franco, para negociar a revisão
constitucional (p.1-5). Manchete em duas colunas.
• “Internados 19 após tumulto entre torcidas”, sobre briga entre torcedores do
Corinthians e do Guarani em jogo do Campeonato Brasileiro realizado em Campinas
(p.4-1). Manchete em uma coluna, com foto em três colunas.
• Foto-legenda: “Luiz Antonio Fleury (PMDB) cumprimenta o candidato à sua
sucessão Mário Covas (PSDB) em missa em S. Paulo para Ulysses Guimarães; o
governador disse que ‘o caminho de Quércia não é o seu’, sinalizando apoio ao
tucano” (p.1-7). Em quatro colunas.
• Foto-legenda: “Instalação do artista Nuno Ramos, feita de parafina, foi danificada no
1o. dia da Bienal, que fechou 3 horas antes do previsto devido ao excesso de público”
(Via SP e p.5-1). Em duas colunas.
DIA 24/12/94 (sábado)
Edição com 54 páginas; 14 de Classifolha, 2 de Acontece SP, 2 de Via SP; 541.640
exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 classifolha
115
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para FOLHÃO e NATAL.
• “FHC pede dossiê sobre ministros”, sobre encomenda de Fernando Henrique à SAE
(Secretaria de Assuntos Estratégicos) de dossiês sobre seus futuros auxiliares (p.1-
18). Manchete em seis colunas.
• “Serra restringe crise ao México”, ao afirmar que a crise cambial mexicana não vai
afetar o Brasil (p.2-1 e 2-3). Manchete em três colunas, com foto em duas colunas.
1995
DIA 14/02/95 (terça-feira)
Edição com 92 páginas; 12 de Agrofolha, 16 de Autofolha, 2 de Acontece SP, 2 de Via
SP, 16 de Classifolha; 541.313 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 agrofolha; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para ILUSTRADA, AGROFOLHA e
DINHEIRO.
• “FHC veta socorro nas concessões”, sobre lei de concessões que foi sancionada com
três vetos ao projeto do Senado, possibilitando que a iniciativa privada explore
serviços tradicionalmente prestados pelo Estado (p.1-9 e 1-10). Manchete em seis
colunas.
• “Malan diz que país volta a ter superávit”, sobre resultado de transações financeiras
com o exterior, de acordo com o ministro da Fazenda, superando o déficit do final de
1994. Manchete em duas colunas.
• “Passa mudança salarial de Maluf”, sobre aprovação na Câmara Municipal de projeto
de lei do prefeito Paulo Maluf que desvincula os reajustes aos servidores do
crescimento da receita municipal. Manchete em duas colunas.
116
• Foto-legenda: “Em Campo Mourão (PR), o presidente acena a manifestantes com
faixa contra o mínimo; FHC afirmou que há inchaço em universidades e que elas serão
avaliadas” (Especial, p.A-1). Em três colunas.
• Foto-legenda: “O funcionário municipal Paulo Siqueira de Souza, 32, eletricista do
hospital Tide Setubal, é contido por manifestantes após ser ferido em choque com a
PM junto à Câmara” (p.3-1). Em três colunas.
DIA 15/03/95 (quarta-feira)
Edição com 88 páginas; 32 de Informática, 6 de Acontece SP e 2 de Via SP; 565.368
exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 informática
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para INFORMÁTICA e SÃO PAULO.
• “Cargos acirram disputa no governo”, sobre decisão do presidente FHC de acelerar
preenchimento dos cargos federais (p.1-6). Manchete em seis colunas, com foto em
três colunas.
• “Borges leva 2o. ouro na natação”, sobre a vitória do nadador brasileiro Gustavo
Borges (medalha de ouro) nos 100m nado livre nos Jogos Pan-Americanos (p.4-6).
Manchete em três colunas, com foto em três colunas.
• “Serra quer reserva acima de US$ 25 bi”, sobre a intenção do governo em voltar a
obter superávits na balança comercial para manter em nível “confortável” as reservas
cambiais do país (p.2-3). Manchete em duas colunas.
• Foto-legenda: “O ministro Serra toma café com o senador José Sarney no gabinete do
presidente do Congresso antes de falar para a Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado” (p.2-3). Em duas colunas.
DIA 09/04/95 (domingo)
Edição com 282 páginas; 16 de Mais!, 22 de Empregos, 40 de Imóveis, 18 de Veículos,
12 de Tudo, 16 de TV Folha, 88 de Revista da Folha, 6 de Acontece SP, 12 de
Finanças; 1.573.433 exemplares
117
Índice: 1 brasil/mundo; 2 finanças; 3 são paulo; 4 esporte; 5 mais!; 6 empregos; 7
veículos; 8 tudo; 9 imóveis
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para EXCLUSIVO (“Leia biografia de
João Paulo 2o.”, com foto), MAIS! e COLECIONE.
• “Globo monopoliza setor de TV a cabo”, sobre pesquisa em cartório realizada pela
Folha que indica que Roberto Marinho é sócio de 42 das 70 operadoras de TV a cabo
no Brasil (TV Folha). Manchete em três colunas.
• Foto-legenda: “Alemão perde a bola dividida durante treino do São Paulo para o jogo
contra o Santos, hoje às 16h na Vila Belmiro; ontem, Corinthians e Rio Branco
empataram em 2 a 2 e o Palmeiras venceu o XV de Piracicaba por 3 a 1” (p.4-1 a 4-
4). Em quatro colunas.
• Foto-legenda: “O cobiçado modelo Fabio Ghirardelli, junto com Claudia Ávila,
mostra no número especial da moda outono-inverno da Revista da Folha a roupa
inspirada em ‘Pulp Fiction’” (Revista da Folha). Em duas colunas.
DIA 05/05/95 (sexta-feira)
Edição com 76 páginas; 8 de Folhinha, 4 de Clubefolha, 12 de Acontece SP, 2 de Via
SP; 539.883 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada/ clubefolha; 6
folhinha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para ESPORTE e FIM-DE-SEMANA.
• “Carro aumenta em média 7,5%”, sobre aumento autorizado pelo governo nos
valores dos carros novos (p.3-6). Manchete em seis colunas.
• Foto-legenda: “Ao lado dos ex-ministros Delfim Netto (à esq.), Roberto Campos (de
azul) e Francisco Dornelles, o presidente FHC ouve o discurso do senador Esperidião
Amin, que anunciou o apoio do PPR ao governo” (p.1-5). Em quatro colunas.
118
• Foto-legenda: “Helicóptero retira corpo em morro de Santa Teresa, que conta treze
mortos em cinco dias de disputa do tráfico; em 24 horas, a Grande Rio teve 27
homicídios, três em chacina” (p.3-4). Em três colunas.
• Foto-legenda: “Em assembléia na av. Paulista, metroviários de São Paulo votam a
favor de greve, que deve começar terça; na quinta os motoristas de ônibus decidem se
vão parar” (p.3-6). Em duas colunas.
DIA 10/06/95 (sábado)
Edição com 92 páginas; 36 de Classifolha, 6 de Acontece SP, 2 de Via SP; 536.295
exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página para ILUSTRADA e ESPORTE.
• “FHC adia decisão sobre cotas”, sobre adiamento pelo presidente da edição da
medida provisória que limita a importação de veículos (Dinheiro). Manchete em seis
colunas.
• Foto-legenda: “O presidente Fernando Henrique posa com turistas na manhã de
ontem durante visita a feira de energia alternativa montada na Esplanada dos
Ministérios, em Brasília” (p.1-6). Em três colunas.
• Foto-legenda: “Hortência, 35, chora ao anunciar o fim de sua carreira no basquete,
iniciada em 74; estrela da seleção nos últimos dezenove anos e campeã mundial em
94, ela está grávida” (p.4-4). Em duas colunas.
• Foto-legenda: “Scott O’Grady acena a soldados dos EUA na base da Otan em Aviano
(Itália), após ter sido salvo por comando na Bósnia; o piloto agradeceu a Deus pelo
resgate” (p.2-11). Em duas colunas.
• BOA NOTÍCIA “Exame auditivo detecta o HIV ”: “Pesquisadores da Universidade
de Cincinnati (Estados Unidos) concluíram que exame para diagnosticar problemas
nos nervos auditivos pode ser utilizado na detecção prematura do HIV, o vírus da
Aids” (p.1-16). Box em uma coluna.
119
DIA 17/07/95 (segunda-feira)
Edição com 60 páginas; 6 de Folhateen, 2 de Via SP, 4 de Acontece SP, 10 de
Infoshop; 515.213 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 negócios/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 folhateen
Destaques na primeira página
• “Explode no Rio o maior depósito da Marinha”, sobre um incêndio na ilha do
Boqueirão (Rio) provocado por uma seqüência de explosões no Centro de Munição
da Marinha (p.3-1 e 3-3). Manchete em seis colunas, com foto em duas colunas e
gráfico em duas colunas.
• “Palmeiras e Mogi disputam uma vaga”, sobre final do Campeonato Paulista (p.4-1 a
4-5). Manchete em duas colunas, com foto em três colunas.
• “Agricultores acamparão em Brasília após marcha”, sobre protesto de agricultores
contra política do governo para o setor (p.1-5 e 1-6). Manchete em uma coluna.
• “Argentina muda para pegar Brasil”, sobre disputa por uma vaga nas semifinais da
Copa América, em jogo no Uruguai (4-8 a 4-10). Manchete em quatro colunas, com
duas fotos em duas colunas cada.
DIA 06/09/95 (quarta-feira)
Edição com 74 páginas; 4 de Classifolha, 20 de Informática, 6 de Acontece SP, 2 de
Via SP; 526.301 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 informática; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para INFORMÁTICA e SÃO PAULO.
• “FHC investe mais na área militar”, sobre os novos investimentos na área da defesa
que vão superar as aplicações em projetos de saúde ou educação até 1999 (Brasil).
Manchete em seis colunas.
120
• “Ruth cita em Pequim direitos de brasileiras”, sobre discurso da primeira-dama Ruth
Cardoso na Conferência Mundial da Mulher, em Pequim (p.2-12). Manchete em duas
colunas.
• “França realiza teste atômico no Pacífico”, sobre teste nuclear francês no atol de
Mururoa (Pacífico Sul) (p.2-9). Manchete em duas colunas, com foto em duas
colunas.
• Foto-legenda: “Convocada por alunos de um seminário da Igreja Batista,
manifestação contra a violência no futebol reuniu cerca de 400 pessoas diante do
estádio do Maracanã (Rio) (p.4-4). Em duas colunas.
• Foto-legenda: “A OPOSIÇÃO Brizola fala com José Dirceu e Lula no Rio.
A BASE DE APOIO FHC conversa com o deputado Inocêncio Oliveira
(PFL-PE), observado pelo deputado José Anibal (PSDB-SP), no Planalto” (p.1-6). Em
cinco colunas, com duas fotos lado a lado, de 2,5 colunas cada.
DIA 22/10/95 (domingo)
Edição com 270 páginas; 16 de Mais!, 18 de Empregos, 10 de Tudo, 18 de Veículos, 34
de Imóveis, 16 de TV Folha, 80 de Revista da Folha, 6 de Acontece SP, 12 de Finanças,
8 de Especial Guerra Santa; 1.431.337 exemplares
Índice: 1 brasil/mundo; 2 finanças; 3 são paulo; 4 esporte; 5 mais!; 6 empregos; 7
veículos; 8 tudo; 9 imóveis
Destaques na primeira página
• Chamada no alto da página, em três colunas, GUERRA SANTA.
• “Investidores fogem de aplicação de longo prazo”, sobre fracasso da tentativa do
governo de atrair investidores para essas aplicações, que preferem os fundos de
investimento de curto prazo (p.2-1 e 2-3). Em quatro colunas.
• GUERRA SANTA “País rediscute o mito da tolerância religiosa”, sobre debate
entre religiosos após agressão a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida por um
bispo da Igreja Universal. Box em duas colunas com foto em duas colunas.
• “Mostra divide tribos de cinéfilos”, sobre 19a. Mostra Internacional de Cinema, que
divide o público paulistano entre aqueles que gostam de “filmes de arte” e os que
121
preferem filmes de “pura diversão” (São Paulo e Acontece). Box em três colunas com
foto em três colunas.
• Foto-legenda: “HOMEM OUSA SER MULHER NA CHINA Até 1994, Jen Xeng,
28 era um dos mais famosos dançarinos chineses. Neste ano, ele se tornou uma
famosa dançarina. Trocou de sexo e de documentos” (p.1-30). Em duas colunas.
DIA 17/11/95 (sexta-feira)
Edição com 78 páginas; 6 de Classifolha, 8 de Folhinha, 2 de Via SP, 16 de Acontece
SP; 541.262 exemplares
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 folhinha; 7
classifolha
Destaques na primeira página
• Chamada no alto da página, em três colunas, para FIM-DE-SEMANA.
• “BC reduz aperto para ajudar bancos”, sobre liberação pelo governo de recursos
retidos no Banco Central para fazer os empréstimos de socorro a bancos em processo
de fusão e incorporação (Dinheiro). Manchete em seis colunas.
• “Libertada, Diolinda prevê novas invasões”, sobre revogação da Justiça de pedido de
prisão de quatro líderes de sem-terra no Pontal do Paranapanema (SP) (p.1-8).
Manchete em duas colunas, com fotos em três colunas.
• “Governo aceita menor jornada de trabalho”, sobre aceitação por parte do governo
em negociar a redução gradativa da jornada de trabalho de 44 para quarenta horas
semanais (p.1-5-). Manchete em duas colunas.
• Foto-legenda: “Contratados para 96, Djalminha e Luizão se apresentam ao Palmeiras,
que decidiu concentrar esforços na próxima temporada, e não mais no título do
Brasileiro” (p.4-1). Em duas colunas.
DIA 23/12/95 (sábado)
Edição com 70 páginas; 16 de Classifolha, 8 de Fovest 96, 2 de Acontece SP, duas de
Via SP; 489.117 exemplares.
Índice: 1 brasil; 2 dinheiro/mundo; 3 são paulo; 4 esporte; 5 ilustrada; 6 classifolha
122
Destaques na primeira página
• Chamadas no alto da página, em seis colunas, para AMANHÃ e VESTIBULAR.
• “FHC pede rapidez ao Congresso”, sobre pedido do presidente ao Congresso para
que acelere o ritmo das votações das reformas em 96 (p.1-4). Manchete em seis
colunas.
• Foto-legenda: “FELIZ 66 Em almoço com novos oficiais generais das Forças
Armadas, Fernando Henrique Cardoso brinda acompanhado dos ministros Lélio Lôbo
(Aeronáutica), Mauro César Pereira (Marinha), Zenildo Lucena (Exército) e Benedito
Leonel (Estado-Maior). Antes, em discurso a militares, o presidente retribuiu votos de
Natal desejando que o país ‘caminhe mais rápido em 1966’. Naquele ano, FHC estava
auto-exilado no Chile devido ao governo militar” (p.1-4). Em quatro colunas.
• Foto-legenda: “Ana Paula Bochio, 21, leva a mão à cabeça ao observar vitrine em
shopping paulistano; maratona de compras, trânsito e viagens causam ‘tensão pré-
Natal’ nas mulheres” (p.3-1). Em três colunas.
• Foto-legenda: “Presos deixam penitenciária em Campinas (SP), liberados para passar
Natal e Ano Novo em casa; em todo o Estado, 4.193 detentos poderão ficar com suas
famílias” (p.1-9). Em duas colunas.
A partir desses dados, alguns pontos podem ser levantados:
• Os dois anos descritos apresentam a mesma estrutura editorial e gráfica.
• Nas manchetes de capa, há sempre uma que poderia ser chamada de principal, na qual
o título ocupa, geralmente, toda a largura da página, e/ou tem tamanho de fonte maior
que as outras; além desta, outras manchetes, com fontes em corpos de tamanhos
diversos (maiores ou menores uns em relação aos outros) também são destacadas.
• Com freqüência percebe-se o uso de fotos-legendas, nas quais não há uma manchete
em destaque mas a foto é a própria manchete, tendo, em sua parte inferior ou
lateralmente, uma legenda explicativa maior que as legendas convencionais.
• A estrutura das edições do jornal Folha de S. Paulo segue um formato regular,
estabelecendo uma espécie de padrão que pode ser percebido em diversos aspectos:
123
a) distribuição dos cadernos e editorias do jornal, com uma seqüência comum em seu
eixo central; b) o número de páginas varia, em média, entre setenta e noventa páginas,
com exceção da edição de domingo, em que o número chega a quase trezentas
páginas; c) a tiragem das edições semanais varia de 400 mil a 500 mil exemplares, e a
edição de domingo varia de 700 mil a pouco mais de 1 milhão de exemplares
(observe-se que, a partir do segundo semestre de 1995, a Folha passou a desenvolver
uma intensa campanha de marketing que incluiu a publicação de coleções, em
fascículos, de enciclopédias e guias, o que contribuiu para um aumento significativo
da tiragem da edição dominical); d) os classificados obedecem a uma regularidade,
com concentração de mais anúncios em determinados dias da semana, como terças-
feiras, sábados e domingos (neste dia, com cadernos específicos para cada tipo de
classificados: empregos, veículos, tudo, imóveis); e) até o segundo semestre de 1994,
o jornal não traz nenhum caderno móvel (como é o caso do Agrofolha, por exemplo)
às sextas-feiras; a partir do final do ano, prosseguindo em 1995, a Folhinha deixa de
circular aos sábados e passa para as sextas-feiras, e o sábado é que não traz nenhum
caderno móvel; nos outros dias há sempre um caderno temático diferenciado, embora
a seqüência seja repetida a cada semana, para os dois anos: segunda-feira = Folhateen,
terça-feira = Agrofolha, quarta-feira = Informática, quinta-feira = Turismo, sexta-feira
= Folhinha, domingo = cadernos de classificados; às segundas, o caderno Dinheiro é
chamado de Negócios, e aos domingos, de Finanças; a seção Mundo aparece,
geralmente, no segundo caderno e, aos domingos, desloca-se para o primeiro.
• Os assuntos destacados na primeira capa como manchete principal referem-se,
geralmente, a questões de política e economia nacionais, acompanhados de outros
assuntos variáveis, como manchetes esportivas, internacionais ou fait-divers, em tom
mais ameno.
• A edição de domingo, além de diferenciar-se em vários aspectos (como número de
páginas, tiragem, organização interna), merece, ainda, atenção especial, o que pode
ser verificado através das chamadas publicadas a partir da quarta-feira que já fazem
referências ao seu conteúdo.
• Geralmente, há várias fotos (em média quatro) na primeira página, ilustrando as
matérias principais ou como fotos-legendas.
124
• Um elemento gráfico usado reiteradamente é a colocação de um box no alto da
página, geralmente colorido, com chamadas para seções do jornal, fascículos ou
matérias a serem publicadas no domingo; este box vem logo abaixo do logotipo e data
da edição do jornal.
• A questão da Aids aparece mencionada apenas duas vezes na primeira página do
jornal, em ambas no box fixo denominado “Boa Notícia”. Na primeira vez, o assunto
é a proposta de ampliação da cobertura dos convênios para Aids; na segunda, sobre
um novo exame para detecção do HIV.
Após esse levantamento geral, serão apresentados quatro quadros com as matérias sobre
Aids identificadas a cada edição, contendo dia da publicação, título, referência principal à
Aids, caderno/página, ilustração, fonte.
125
4.2. matérias sobre aids publicadas a cada edição
MATÉRIAS DIA A DIA – 1994 (I) QUADRO I
Dia Título Referência principal à Aids 03/01/94 (2a. feira)
Atualidade determina o preço de ser feliz (um dos dois textos da matéria “Filósofos discutem a felicidade hoje”) (1)
“‘Durante minha estadia na Martinica, cheguei a esquecer minha Aids durante 24 horas seguidas’, disse um doente. A felicidade são momentos de felicidade, ou melhor, de esquecimento, e este esquecimento é uma absorção de uma atividade que não coloca em jogo nenhum interesse material metafísico”.
A pílula não é para todos (2)
“Só pode ser preconceito, porque as vantagens desse método [camisinha] são enormes. Primeiro: além de prevenir uma gravidez indesejada, protege você do contágio de doenças sexualmente transmissíveis. Lembre-se da Aids”.
08/02/94 (3a. feira)
Câmara analisa projeto para plano de saúde (3)
“Se for aprovado [o projeto do senador], os planos [de saúde] passam a cobrir despesas como a Aids e diabetes”.
16/03/94 (4a. feira)
Ministro define regra para convênio médico (4)
“A portaria obriga as empresas de medicina de grupo, seguros-saúde e cooperativas médicas a atenderem todas as doenças, inclusive Aids, sem restrição de prazo e idade”.
Filmes ironizam convênios de saúde (5)
“Uma campanha exigindo dos convênios de saúde o atendimento a pacientes de Aids está sendo mostrada em 20 cinemas de São Paulo”. “O filme mais polêmico mostra os cinco dedos de uma mão. ‘Quando você diz para um convênio de saúde que teve uma fratura, eles mandam uma ambulância’, afirma uma voz enquanto um dos dedos se abaixa (...) No final, ‘quando você diz que tem Aids, eles mandam...’. E na tela fica apenas um dedo em riste. O filme termina sugerindo às pessoas que exijam de seu convênio o tratamento da Aids. “O segundo filme mostra uma cruz em vermelho que vai se movimentando até se transformar em um X. Uma voz afirma: ‘Os convênios de saúde oferecem pronto atendimento a seus associados, mas quando se trata de um associado com o vírus da Aids, a coisa muda de figura’”. “O terceiro filme apresenta apenas um texto: ‘Aids. Beijo não pega. Abraço não pega. Aperto de mão não pega. Convênio de saúde também não pega’”.
28/04/94 (5a. feira)
Inglês é preso por falsificar documentos do namorado (6)
“Hoje em dia, somente quando o parceiro britânico tem Aids ou doença relacionada a Aids o parceiro estrangeiro recebe permissão para continuar no Reino Unido”.
126
Xuxa diz que aceita fazer teste de HIV (7)
“Em outubro passado, o jornal [Notícias da Semana] publicou matérias insinuando que Xuxa estava com Aids” (...) “Segundo o jornalista Alves, a ‘matéria não afirma que Xuxa está com Aids’”.
06/05/94 (6a. feira)
Água pode transmitir infecção a aidéticos (8)
“A fonte de uma das infecções mais comuns entre os pacientes de Aids pode ser a água potável, sugere estudo publicado amanhã na revista médica The Lancet”. “Aidéticos estão mais sujeitos a ser infectados por microorganismos, porque a Aids é uma doença que enfraquece as defesas naturais do corpo”.
11/06/94 (sábado)
Sedes se preparam para festival erótico (9)
“‘ Em época de Aids, o impacto da Copa sobre o mercado do sexo vai ser sentido mais sobre shows de topless e outras atividades ‘pornosofts’, que não são arriscadas’, diz um comentarista de uma revista de Manhattan”.
17/07/94 (domingo)
Paixão homossexual é novo tema de Begley (10)
“Para isto [o sucesso do livro] contribui, sem dúvida, o tema da Aids (...) Louis Begley escreve aquele que é provavelmente o maior romance já escrito sobre uma morte por Aids, ou melhor, sobre as paixões em torno e após esta morte”.
23/08/94 (3a. feira)
Morango e chocolate vinga sonho tropical (11)
“Cuba definhou por dentro como uma bicha com Aids (estranho este nome que quer dizer ‘ajuda’ também)”.
13/10/94 (5a. feira)
Sexo exótico perde fôlego na Gringolândia (12)
“Lembra as vozes agourentas dos conservadores prevendo fatidicamente que o número de homossexuais ameaça levar nossa sociedade para o buraco, através da ‘supersexovia’ da Aids? Bem, estão todos enganados – ao que parece, pelo menos”. “O estudo sugere que, como resultado do número menor de homossexuais, em conjunto com os hábitos sexuais inesperadamente conservadores da maioria dos americanos, o perigo de uma epidemia da Aids entre heterossexuais é consideravelmente menor do que se imaginava”. “A outra conclusão que o estudo sugere é ainda mais controvertida: a incidência de Aids na comunidade homossexual pode cair, devido aos padrões cada vez mais conservadores de conduta sexual entre gays e lésbicas”. “O estudo também traz notícias ótimas acerca das DSTs, ou Doenças Sexualmente Transmissíveis, das quais a mais assustadora é a Aids”.
127
24/12/94 (sábado)
Preconceito também mata (13)
“Sei que a coluna de hoje não se encaixa com o ameno clima natalino. Paciência. A Folha publicou reportagem sobre disseminação da Aids entre jovens – o que atinge um assunto-tabu no Brasil” [drogas]. “Concluídos esta semana, os números do Ministério da Saúde impressionam, mostrando que as seringas são a principal causa de transmissão de Aids no Brasil. De 1986 até aqui, a evolução da doença entre os viciados cresceu espantosos 1.773% – os viciados transmitem o vírus à categoria de heterossexuais”.
128
MATÉRIAS DIA A DIA – 1994 (II)
QUADRO II
Número da matéria Caderno/Página Elementos gráfico-
visuais
Fonte
(1) Ilustrada, p.5-8 1 foto (pintura); 1 box Paul Veyne
(Liberatión, traduzido)
(2) Folhateen, p.6-2 ilustrações Rosely Sayão
(3) São Paulo, p.3-8 – Sucursal de Brasília
(4) São Paulo/Aids, p.3-9 – Reportagem local
(Aureliano Biancarelli)
(5) São Paulo/Aids, p.3-9 1 foto Reportagem local
(Aureliano Biancarelli)
(6) Cotidiano, p.3-8 1 foto; 1 box Sérgio Malbergier
(Londres)
(7) Cotidiano, p.3-8 1 foto Reportagem local/
Sucursal do Rio
(Aureliano Biancarelli e
Marcelo Migliaccio)
(8) Ciência, p.1-12 – Agências internacionais
(9) Copa 94, p.4-6 1 foto; 1 box; dois
quadros estatísticos
Agências internacionais
(10) Livros/Importado,
p.6-11
– Arthur Nestrovski
(Especial)
(11) Ilustrada, p.5-6 1 foto Arnaldo Jabor
(Articulista)
(12) Ilustrada, p.5-8 1 ilustração David Drew Zingg
(Miami, traduzido)
(13) Opinião, p.1-2 – Gilberto Dimenstein
129
MATÉRIAS DIA A DIA – 1995 (I) QUADRO III
Dia Título Referência principal à Aids 14/02/95 (3a. feira)
Zurique quer deixar de ser centro de drogas (1)
“A situação se complicou ainda mais com a chegada da Aids, nos anos 80. Depois de muita polêmica, os serviços sociais começaram a distribuir seringas para evitar a propagação do HIV. Somente em 1994, foram distribuídos 4 milhões de seringas”.
15/03/95 (4a. feira)
Novo convênio cobre terapias alternativas (box da matéria “Lei prevê criação de ombudsman da saúde”) (2)
“‘ Acho válido esse tipo de tratamento, mas é o que precisamos hoje (sic). Estamos mais interessados em tratamentos para aidéticos e doentes mentais, por exemplo’, afirmou Antonio Kropf, diretor da Amil”.
Produtora carioca é a 1a. voluntária a se submeter à vacina anti-Aids (3)
“A produtora Ana Lucia Ricon é a primeira brasileira a submeter-se voluntariamente ao teste anti-Aids, na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio. O Brasil é o quinto país a testar a vacina”.
09/04/95 (domingo)
Novos rumos na política de drogas alemã (4)
“Marginalização. Aids. Justiça saturada. Com este saldo nada animador, afirma-se, na Europa, a visão de que as drogas não podem seguir sendo uma questão bélica”. “Basta ver o impacto da política liberal de Frankfurt no número de mortes por drogas: 147 em 1991 e 58 em 1994. Outros países europeus registram tal tendência (sem contar o êxito no controle da Aids)”.
Bispo anglicano defende sacerdotes homossexuais (entrevista) (5)
“Folha – O aparecimento da Aids mudou em alguma coisa sua vida, seu comportamento?” “‘ Quando a doença apareceu, eu estava casado, então isso não mudou em nada minha atividade. Hoje, eu acredito que os homens gays precisam ser cuidadosos nas suas relações, precisam praticar o sexo seguro’”.
As agonias da confissão (6)
“Dezenas de resenhas, na Europa e nos EUA, elogiaram o talento literário do autor [Hervé Guibert, Para o amigo que não me salvou a vida], a destreza no tratamento do tema da Aids e sua coragem ao revelar fatos da vida privada de pessoas famosas como Isabelle Adjani e Michel Foucalt”. “Em 1991, o autor, Hervé Guibert, morria de Aids”. “Cinco anos depois, o impacto do livro é o mesmo. Pudera, trata-se de Aids! Cada vez que se fala da morte a curto prazo é sempre como se fosse a primeira vez”. “A confissão quer arrancar do corpo e das entranhas o sentido da vida perdido na via crucis da Aids”. “Quando fala da Aids, Guibert é exemplar. Seu discurso é puro impulso afirmativo para a vida e para a solidariedade”. “Isto é pouco, muito pouco, para quem foi tão longe na dor de viver com Aids”.
130
“Para o amigo que não me salvou a vida não é só um livro sobre Aids. É um depoimento sobre a vida e a morte no limite extremo de sua significação. Deve ser lido como quem colhe ouro na ganga bruta. Pode-se ficar com o ouro ou com o que resta”. Legenda da foto do autor: “Hervé Guibert, autor de livro que revela detalhes sobre como contraiu Aids”.
05/05/95 (6a. feira)
Falta paz na saúde em São Paulo (7)
“Ficam descobertos os atendimentos mais complexos, como aos milhares de portadores do HIV e Aids, doentes crônicos e vítimas graves de acidentes e violências, primeiras causas de morbi-mortalidade de acordo com o perfil epidemiológico da cidade de São Paulo”.
10/06/95 (sábado)
Exame de audição pode detectar HIV (8)
“Um exame comum de audição pode ser utilizado para diagnóstico prematuro de degeneração de neurônios em pessoas infectadas pelo HIV – o vírus causador da Aids – e que não apresentam outros sintomas da doença”.
17/07/95 (2a. feira)
Falta de voluntários atrasa pesquisa de Aids (9)
“Esses medicamentos [MK 639 e Saquinavir] estão sendo usados no combate ao vírus HIV, causador da Aids”. “Campinas tem 1.030 doentes de Aids, segundo a prefeitura”. “A pessoa [voluntário] tem que ser portadora do vírus HIV, mas sem apresentar os sintomas da doença”.
06/09/95 (4a. feira)
Brasileiros (quem diria) anunciam cura da Aids (10)
“Fui informado de que o Brasil fez a maior descoberta do final de milênio: a cura da Aids. E adivinhe de quem é a patente – da Igreja Universal do Reino de Deus, um produto 100% nacional. Na estratégia de arrebanhar fiéis, eles prometem qualquer milagre – inclusive vencer a luta contra o HIV”. “Perguntei ao pastor que atendeu meu telefonema se, além do vício de drogas e bebidas, desemprego, cura do câncer, a Igreja Universal também curava Aids. A resposta veio direta. ‘Tenha fé, muita fé, que tudo se resolve’. A prova? No Brasil, aidéticos ficaram livres da doença. Claro que, além da fé, uma módica doação ajuda”.
Doente grave deve receber nova droga contra HIV (11)
“Uma nova droga anti-Aids pode começar a ser distribuída a partir de outubro no Brasil para ‘uso humanitário’ (...) O remédio é um inibidor de uma enzima chamada protease. Sem ela, o HIV não se desenvolve, reduzindo a infecção”.
131
Os gays e a visita do papa (12)
“O porta-voz da próxima visita de João Paulo 2o ao Brasil, prevista para finais de 1997, é d. Eugênio Sales, o corifeu da tropa de choque dos conservadores da Igreja Católica. O mesmo cardeal do Rio de Janeiro que usa a mídia para diagnosticar a Aids como chicote de Deus contra a revolução sexual e que desacreditou os depoimentos de um padre e de uma freira quando denunciaram marcas de tortura dentro de uma igreja na invasão de um morro carioca pelo Exército”.
22/10/95 (domingo)
Justiça italiana caça imunidade penal de aidético (13)
“O Tribunal Constitucional da Itália pôs fim à farra de uma quadrilha de assaltantes em Turim. De alguns meses para cá, eles assaltaram dezenas de bancos, mas escaparam porque têm Aids e por isso não podem ser processados”. “Em lugar disso, os juízes terão agora que decidir por conta própria se aidéticos devem ou não ser processados por seus delitos”. “(...) a quadrilha de Turim – composta por viciados em heroína, que se contaminaram com Aids ao compartilhar agulhas – ganhou notoriedade, neste verão”. “Magistrados e assistentes sociais concordam que a cadeia não chega a ser uma alternativa satisfatória. Eles pediram uma rápida injeção de dinheiro do Estado para a criação de asilos para aidéticos”.
17/11/95 (6a. feira)
Substância bloqueia “Aids de macacos” (14)
“Uma droga parece ter freado o desenvolvimento de uma doença semelhante à Aids em macacos. Segundo estudo publicado na edição de hoje da revista Science, a droga, chamada PMPA, é o mais potente antiviral já testado”. “Mas o pesquisador alerta para dois fatos: os testes foram feitos em macacos e podem ter diferentes respostas no homem; e o vírus da ‘Aids dos macacos’, conhecido como SIV (sigla para ‘vírus da imunodeficiência em símios’), difere do HIV-1, o principal vírus causador da Aids em humanos”. “Os pesquisadores disseram, porém, que a droga, ‘tão poderosa em macacos’, pode ser uma esperança de prevenção e tratamento da Aids no homem”. “Estudos mostraram que o PMPA é cem vezes menos tóxico que o AZT, principal droga usada no combate à Aids, e cerca de dez vezes menos tóxico que o PMEA, droga semelhante ao PMPA (...) Pesquisadores especulam que o PMPA poderá ser usado para prevenir infecções em quem se contamina acidentalmente com o HIV , como médicos ou enfermeiras”.
132
Ser unicelular pode ativar HIV (15)
“Um microorganismo com uma única célula pode ativar o vírus HIV, o causador da Aids, segundo estudo publicado na revista especializada Virology” . “É a primeira demonstração do papel de um organismo como fator de progressão da Aids”. “Pesquisadores canadenses da Universidade Laval do Québec descobriram que o microorganismo, chamado Leishmania donovani, é capaz favorecer (sic) a mudança do vírus da Aids de uma forma em que está latente para uma forma ativa”. “Pesquisadores ainda não sabiam por que o HIV, que passa anos inativo no organismo, passa a se multiplicar repentinamente, levando aos sintomas da Aids”. “A infecção pelo protozoário é então transmitida pela picada do inseto e, assim como na Aids, o microorganismo ataca células do sistema de defesa do organismo”.
23/12/95 (sábado)
Pacientes fogem de médicos no fim do ano (16)
“Nos serviços públicos de saúde, o número de testes de HIV cai a menos de um terço se comparado com o período pós-Carnaval, quando a procura bate recordes (...) A Central Sorológica Alternativa do Hospital Emílio Ribas parou de fazer exames anti-Aids no dia 10 e só retornará no dia 2 de janeiro”.
47% dos gays não usam preservativos (box da matéria “Pacientes fogem de médicos no fim do ano”) (17)
“Do grupo de 113 acompanhados, 20% (23 pessoas) pegou alguma doença sexualmente transmissível (DST). As mais comuns foram DSTs que causam úlceras, justamente as que mais facilitam a entrada do vírus da Aids”. “Pelo menos um pegou Aids, o que significa a incidência de 0,9%”. “O projeto pretende fazer uma espécie de história social da epidemia. Ou seja, procura saber quantas pessoas pegam o vírus da Aids num certo período e de que forma elas se contaminaram”.
Fiocruz vai ter hospital para tratar aidéticos (18)
“O governo do Rio cedeu à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em Bonsucesso (zona norte), o terreno vizinho do desativado hospital Torres Homem, que atenderá principalmente doentes com Aids”. “A expectativa da Fiocruz é transformar o hospital Torres Homem em centro de referência para doenças infecto-contagiosas, ampliando a prevenção à Aids e o atendimento a portadores do HIV”.
133
MATÉRIAS DIA A DIA – 1995 (II)
QUADRO IV
Número da matéria Caderno/Página Elementos gráfico-
visuais
Fonte
(1) Mundo, p.2-11 1 foto Claudinê
Gonçalves
(Zurique)
(2) Via SP-Especial, p.A-1 matéria em box,
com 1 foto
Reportagem Local
(3) Via SP/Especial, p.A-1 – Free-lance
(4) Cotidiano/Data Venia, p.3-2 – Theodomiro Dias
Neto (Alemanha)
(5) Mundo, p.1-28 1 foto Rogério Simões
(Londres)
(6) mais!/Olho clínico, p.5-13 1 foto Jurandir Freire
Costa (Especial)
(7) Opinião/Tendências e
Debates, p.1-3
olho Regina Ribeiro
Parizi Carvalho
(8) Ciência, p.1-16 – Agências
internacionais
(9) São Paulo, p.3-2 – Folha sudeste
(10) Mundo/América, p.2-11 – Gilberto
Dimenstein
(11) São Paulo/Aids, p.3-6 1 foto Reportagem local
(Lúcia Martins)
(12) Opinião/Tendências e
Debates, p.1-3
olho Luiz Mott
(13) Mundo/Multimídia, p.1-24 – Andrew Gumbel
(The Independent,
traduzido)
(14) Ciência, p.1-12 – Reportagem local
134
(15) Ciência, p.1-12 – Agências
internacionais
(16) Via SP-Especial, p.A-2 1 foto Aureliano
Biancarelli
(Reportagem local)
(17) Via SP-Especial, p.A-2 matéria em box,
com 1 foto
Reportagem Local
(Aureliano
Biancarelli)
(18) Brasil/Cotidiano, p.1-10 – Sucursal do Rio
135
A partir desses elementos, algumas observações podem ser feitas:
• Na categoria “fonte”, trabalhou-se com a procedência das matérias, identificando,
assim, se eram de origem nacional ou estrangeira, assinadas ou não.
• O número de matérias aumenta consideravelmente em alguns dias, entre aqueles
sorteados. Excluindo-se as chamadas de primeira capa, tem-se, em 1994: duas
matérias em janeiro; uma em fevereiro; duas em março; duas em abril; uma em maio;
uma em junho; uma em julho; uma em agosto; uma em outubro; uma em dezembro;
os meses de setembro e novembro não trouxeram matérias sobre Aids nos dias
sorteados. Em 1995, tem-se: uma matéria em fevereiro; duas matérias em março; três
matérias em abril; uma matéria em maio; uma matéria em junho; uma matéria em
julho; três matérias em setembro; uma matéria em outubro; duas matérias em
novembro; três matérias em dezembro; os meses de janeiro e agosto não trouxeram
matérias sobre Aids nos dias sorteados. Aparentemente, não há nenhuma regularidade
do jornal em termos de planejamento de publicações de matérias sobre Aids entre os
meses ou a cada edição. A publicação de matérias parece seguir apenas o fluxo do
aparecimento de fatos ou notícias considerados relevantes.
• Os domingos, apesar de receberem tratamento editorial diferenciado (e, algumas
vezes, privilegiado) – fato este que determinou sua diferenciação na constituição do
corpus – não demonstraram comportamento diferenciado em relação aos outros dias
da semana, seja quantitativa ou qualitativamente. O número de matérias não
aumentou de forma significativa, nem sua profundidade em termos de conteúdo.
• Quanto às fontes, nota-se que, muitas vezes, elas se repetem, já que os temas das
matérias também o fazem. Outro dado que pode ser extraído da descrição é o fato de
poucos jornalistas (pelo menos entre aqueles que assinam seus artigos) estarem
cobrindo a área de saúde/Aids para o jornal Folha de S. Paulo. Nos limites deste
trabalho, deixou-se de consultar outras fontes possivelmente utilizadas na elaboração
das matérias, tanto escritas como orais.
• A maioria dos artigos (com exceção de três em 1994 e de seis em 1995) é assinada
por um repórter ou articulista. No caso dos textos traduzidos, estes apresentam o
nome de quem os escreveu e de quem os traduziu, prática usual do jornal. Os
136
articulistas escreveram sobre assuntos diversos, mencionando a Aids, em suas
respectivas colunas fixas (observe-se que Gilberto Dimenstein, em duas colunas
diferentes – editorial e mundo – tratou do tema da Aids, uma vez em cada ano,
respectivamente 1994 e 1995). Há, ainda, textos escritos por colaboradores
esporádicos, especialmente para a Folha. Dois artigos são traduções; as matérias
escritas a partir de notícias de agências internacionais não são assinadas. É
interessante observar que nas matérias assinadas por repórteres um deles aparece
significativamente mais que os outros, em cinco matérias (Aureliano Biancarelli).
• Uma característica constante das matérias analisadas é que, em sua maioria,
encontravam-se publicadas no primeiro e no terceiro cadernos do jornal; algumas
vezes, ainda, as matérias apareciam em sessões únicas, criadas, muitas vezes,
exclusivamente para dar nome a um assunto específico (como Copa 94, por exemplo).
Uma das razões para que isso ocorresse é, provavelmente, o fato de que os temas
foram, em si mesmos, recorrentes, o que justificaria sua inserção nos mesmos locais
do jornal. Além desses cadernos, o Via SP-Especial, apesar de ser esporádico,
abordou o tema diversas vezes. O caderno Mundo aparece às vezes no primeiro e no
segundo cadernos, dependendo do dia da semana (aos domingos, aparece no primeiro
caderno; nos demais dias, no segundo). As matérias publicadas nos cadernos
agrupados como “culturais” (Ilustrada, Mais! e Livros) trazem abordagens variadas.
• Em relação aos cadernos/editorias, tem-se a seguinte distribuição, para 1994: três
matérias publicadas na Ilustrada; uma na Folhateen; três no caderno São Paulo; duas
no Cotidiano; uma em Ciência; uma em Copa 94; uma em Livros; uma em Opinião.
Em 1995: quatro matérias publicadas em Mundo; quatro no caderno Via SP-Especial;
uma no Brasil; duas no São Paulo; uma no Cotidiano; uma no Mais!; duas em
Opinião/Tendências e Debates; três em Ciência. No geral, tem-se o seguinte quadro:
Ilustrada, Livros e Mais! = cinco matérias; São Paulo = cinco; Ciência = quatro;
Mundo = quatro; Via SP-Especial = quatro; Cotidiano = três; Opinião = três; Brasil =
uma; Folhateen = uma; Copa 94 = uma.
• Das treze matérias publicadas em 1994, três têm fotos; duas têm fotos e boxes; uma
tem foto, box e dois quadros estatísticos; duas têm ilustrações; cinco não têm nenhum
tipo de elementos visuais. Em 1995, cinco têm fotos; duas estão em box, com foto;
137
duas têm olho com frase extraída do texto; nove não têm nenhum tipo de elementos
visuais.
4.3. descrição das matérias sobre aids publicadas
As matérias selecionadas para constituir o corpus desta pesquisa são descritas, a seguir, a
partir de quatro aspectos: assunto, temas apreendidos, distribuição/relação com a página
do jornal em que aparecem (posição, matérias circundantes, anúncios), chamada de
primeira página do jornal (quando houver).
1994
1. “Atualidade determina o preço de ser feliz” (03/01/94)
Assunto: discussão filosófica sobre o tema da felicidade, afirmando que ela não é
complicada, já que existe quando “tudo está bem”; resta saber se só existe no passado ou
se é possível ser feliz no momento vivido, e como.
Temas apreendidos: oposição felicidade x infelicidade; o que significa “ser feliz”;
mudanças do conceito de “felicidade” ao longo da história; felicidade x esquecimento
(deixar-se absorver por determinadas atividades, esquecer problemas).
Página do jornal: página par (última página do caderno); a matéria principal ocupa a
página inteira. O texto que menciona a questão da Aids aparece na metade inferior, em
seis colunas, com ilustração no meio; na parte superior, vem o texto de Jean-François
Lyotard, cujo título é “Filósofos discutem a felicidade hoje”, também com box sobre o
autor; no canto superior direito da página há a reprodução do quadro “Vista do estúdio
do pintor”, de Gaspar Friedrich.
Chamada de capa: não
2. “A pílula não é para todos” (03/01/94)
Assunto: pergunta de adolescente sobre métodos contraceptivos, afirmando que gostaria
de usar a pílula mas sua ginecologista não recomendou; resposta da psicóloga Rosely
138
Sayão destacando a camisinha como o método mais indicado, não só para evitar a
gravidez mas também se proteger do contágio de doenças sexualmente transmissíveis.
Temas apreendidos: virgindade; namoro; pílula; DIU; camisinha
Página do jornal: página par (esquerda); página da Folhateen com várias colunas fixas,
entre elas Marcelo Rubens Paiva, Cartas, Moda, Saúde, Fique ligado. A matéria descrita
aparece na metade inferior, à direita, separada em box com fios formando desenhos
(como outras matérias), em quatro colunas. Desenho de uma camisinha, palavra “sexo”
em destaque, quase ao centro da página.
Chamada de capa: não
3. “Câmara analisa projeto para plano de saúde” (08/02/94)
Assunto: aprovação em Senado de proposta que obriga convênios médicos a ampliarem
cobertura de doenças deve passar agora por votação na Câmara, onde encontra
dificuldades para aprovação já que medida obriga convênios médicos a cobrir doenças
como Aids e diabetes.
Temas apreendidos: legislação; convênios médicos; cobertura e exclusão de doenças;
cobertura de Aids e diabetes (doenças infecto-contagiosas e doenças crônicas).
Página do jornal: página par (esquerda); matéria localizada no alto da página, em seis
colunas; ao lado, matéria “Fogo destrói salas do Sérgio Cardoso”, em box; abaixo,
“Joelma reabre após três dias de interdição”. Na parte inferior da página, apenas
anúncios: agência de viagens, alarmes, loja de eletrodomésticos.
Chamada de capa: sim (box Boa Notícia)
4. “Ministro define regra para convênio médico” (16/03/94)
Assunto: negociação entre governo e representantes de empresas de medicina de grupo e
entidades médicas (Conselho Federal de Medicina). Devido à não possibilidade de
acordo sobre a questão da obrigatoriedade de atendimento a doenças infecto-contagiosas
e crônicas entre convênios e entidades médicas, ministro vai mediar a negociação
buscando solução para o impasse.
Temas apreendidos: legislação; relação convênios médicos x conveniados; cobertura e
exclusão de doenças; cobertura a Aids; doenças infecto-contagiosas e doenças crônicas.
139
Página do jornal: página ímpar (direita). Matéria no alto da página, manchete em seis
colunas e texto em quatro colunas. Ao lado (duas colunas) anúncio de venda de armas.
Abaixo, anúncio de preços de supermercado e, em espaço menor, matéria relacionada à
Aids (campanhas sobre convênios).
Chamada de capa: não
5. “Filmes ironizam convênios de saúde” (16/03/94)
Assunto: campanha de conscientização dos usuários quanto à postura dos convênios em
relação à cobertura de Aids para exigir que convênios cumpram determinação do
Conselho Federal de Medicina, a ser veiculada em vinte cinemas de São Paulo.
Temas apreendidos: exigência para que convênios atendam pacientes de Aids; denúncia
do não-atendimento; alerta aos conveniados; direitos do consumidor; denúncia do
descaso com que convênios tratam a questão da cobertura de determinadas doenças.
Página do jornal: página ímpar (direita). Matéria lateral, em uma coluna, no lado
esquerdo (interno) da página, com foto de cena da campanha. Acima, matéria sobre
definição pelo governo de regras para convênios médicos. Ao lado, propaganda de
supermercado, em cinco colunas.
Chamada de capa: não
6. “Inglês é preso por falsificar documentos do namorado” (28/04/94)
Assunto: condenação de cidadão inglês que trabalhava no serviço de imigração de
aeroporto em Londres a seis meses de prisão por falsificar documentos para que seu
parceiro, um brasileiro, pudesse permanecer no país.
Temas apreendidos: união homossexual; imigração; falsificação de documentos; Aids
como exceção para permanência de parceiro na Inglaterra.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria no alto da página, em duas colunas do
lado esquerdo (externo, portanto, mais visível). Ao lado, box em três colunas com
matéria “Grupo Gay da Bahia vai fazer ‘casamento’ coletivo”, sobre dez homossexuais
que se unirão em cerimônia religiosa simbólica (interessante a vontade dos gays em
casarem de fato, submeter-se às normas sociais e de uma instituição). Box tem foto do
presidente do Grupo Gay da Bahia abraçado a um boneco, que se confunde com texto
140
sobre inglês e brasileiro (sugere, à primeira vista, que a foto é dos dois). Ao lado do
box, em uma coluna, matéria “Legalização causa guerra”, sobre tentativa de legalizar
uniões homossexuais no estado do Havaí (EUA). Abaixo do box, matéria “Xuxa diz que
aceita fazer teste de HIV”. A metade inferior da página tem anúncios diversos
(empreendimento imobiliário, cartão de crédito, loja de informática).
Chamada de capa: não
7. “Xuxa diz que aceita fazer teste de HIV” (28/04/94)
Assunto: aceitação da apresentadora Xuxa Meneghel em realizar um teste de HIV se a
Justiça assim o determinar, como parte de processo movido por Xuxa contra um jornal
que haveria publicado matérias insinuando que a apresentadora estaria com Aids.
Temas apreendidos: processo judicial; teste de HIV; personalidade famosa; jornal sendo
processado por cometer “crime contra a honra”.
Página do jornal: matéria localizada na mesma página da anterior, mais abaixo, do lado
interno da página. Texto em duas colunas e foto em duas colunas, da apresentadora
Xuxa. Na mesma página, “Inglês é preso por falsificar documentos do namorado”;
“Grupo Gay da Bahia vai fazer ‘casamento’ coletivo”; “Legalização causa guerra”. Logo
abaixo e ao lado desta matéria, vêm os anúncios apontados acima.
Chamada de capa: não
8. “Água pode transmitir infecção a aidéticos” (06/05/94)
Assunto: água potável como uma das possíveis fontes de transmissão de infecções
comuns a aidéticos, por meio de um microorganismo que entraria mais facilmente em
portadores do HIV por estes apresentarem baixas defesas naturais a doenças.
Temas apreendidos: infecções em portadores do HIV; sistema físico debilitado; água
contaminada; bactérias; prevenção à contaminação.
Página do jornal: página par (última página do primeiro caderno), que traz a coluna fixa
Atmosfera, de previsão do tempo, ocupando a primeira metade (superior). A metade
inferior vem com a editoria Ciência, com a matéria sobre infecção a portadores do HIV
em primeiro lugar, em três colunas. Abaixo, duas outras matérias: “Cientistas acham
141
novo dinossauro no pólo Sul” e “China anuncia primata com 45 milhões de anos”. Ao
lado esquerdo, anúncio sobre curso de pós-graduação em seguros.
Chamada de capa: não
9. “Sedes se preparam para festival erótico” (11/06/94)
Assunto: preparativos para recepção de turistas nas cidades que sediarão os jogos da
Copa do Mundo em 94 em relação a produtos relacionados ao mercado sexual e erótico,
principalmente nas cidades de Nova York e San Francisco, incluindo shows de strip
tease, bares e lojas.
Temas apreendidos: copa do mundo; turismo; erotismo; mercado erótico; produtos
pornográficos; impactos da Aids no “mercado do sexo”.
Página do jornal: página par (esquerda), com matéria no alto da página em manchete de
seis colunas. Além do texto, há um box intitulado “Gays querem jogar com Itália”, sobre
coincidência dos jogos da Copa do Mundo com os Gay Games, em Nova York, o que
fez com que time de homossexuais italianos propusesse um jogo de futebol com a
seleção oficial da Itália. Abaixo da matéria, texto com gráfico “Futebol espanhol tem
mais atletas na Copa”. Ao lado, foto-legenda sobre venda de camisetas saudando
brasileiros, “Negócio de ocasião”. Um quarto da página traz três pequenas notas
(“Pesquisa dá alemães como os favoritos”; “Itália enfrenta a Costa Rica em amistoso”;
“EUA negam visto a turista da Romênia”) e um texto sobre as regras do futebol (“Lugar
do escanteio não pode ser mudado”). Note-se que o caderno Esportes, durante a copa de
futebol, passou a se chamar Copa 94. No um quarto restante, há um anúncio da Folha
sobre distribuição gratuita de vídeo da Copa do Mundo para quem assinar o jornal.
Chamada de capa: não
10. “Paixão homossexual é novo tema de Begley” (17/07/94)
Assunto: lançamento do novo livro do escritor Louis Begley, autor de dois outros
romances, que trata o tema da paixão homossexual, descrevendo os trabalhos anteriores
e o livro mais recente do autor, comentando seu estilo e as histórias por ele narradas.
Temas apreendidos: literatura contemporânea; crítica literária; estilos literários; ficção;
amizade; educação sentimental; convivência entre dois amigos; morte por Aids.
142
Página do jornal: página ímpar (direita), em seção de Livros. Na parte superior, resenha
sobre lançamento de três livros sobre o Oriente (“Contos eróticos das Arábias”). Logo
abaixo, em seis colunas, resenha do livro de Begley. Abaixo da resenha, também em seis
colunas, propaganda de lançamento de livros e revistas.
Chamada de capa: não
11. “Morango e chocolate vinga sonho tropical” (23/08/94)
Assunto: crítica de Arnaldo Jabor (cineasta) ao filme cubano “Morango e chocolate”,
destacando qualidade do filme e possibilidades que abre para o mercado cinematográfico
latino-americano. Filme é destacado como um dos melhores da nova safra.
Temas apreendidos: história de Cuba; revolução cubana; homossexualismo em Cuba;
bloqueio norte-americano a Cuba; acomodação latino-americana ao bloqueio; resgate de
Cuba pelo sucesso que filme fará no mundo todo.
Página do jornal: página par (esquerda), matéria no alto da página em seis colunas, com
foto de cena do filme. Abaixo, textos sobre literatura (“Escritor português busca
transcendência” e “Márcia Haydée lança sua autobiografia”) sobre lançamento de livros
na 13a. Bienal do Livro. Ao lado, foto do escritor português Antonio Alçada Baptista,
box com sessões de autógrafos e nota “Evento supera expectativas”.
Chamada de capa: não
12. “Sexo exótico perde fôlego na Gringolândia” (13/10/94)
Assunto: pesquisa realizada pela Universidade de Chicago sobre sexualidade que traz
dados que indicam mudanças de comportamento em termos sexuais nos Estados Unidos,
um retrato abrangente e extenso (700 páginas) das práticas sexuais vigentes no país.
Temas apreendidos: sexualidade norte-americana; mitos e estereótipos sexuais;
mudanças comportamentais; diminuição de número de relações sexuais e de relações
consideradas “exóticas”; principais resultados da pesquisa; novos mitos.
Página do jornal: página par (esquerda); matéria no alto da página, em seis colunas,
ocupando metade da página, com ilustração. Na metade inferior, há uma matéria sobre
Bienal de Arte (“Artistas contestam tese central do evento”), também em seis colunas,
com foto de instalação de artista brasileira. Ao lado, guia de informações sobre como ir à
143
bienal e pequeno texto sobre prefeito Paulo Maluf (“Maluf queria levar instalação para
seu jardim”).
Chamada de capa: não
13. “Preconceito também mata” (24/12/94)
Assunto: comentário a reportagem publicada pela Folha sobre disseminação da Aids
entre jovens, principalmente devido a seringas contaminadas no uso de drogas
intravenosas, ressaltando que uma das mais graves questões quanto a este assunto é o
fato do usuário de droga ser tratado como criminoso e não como doente, não recebendo
tratamento preventivo nem acompanhamento.
Temas apreendidos: disseminação da Aids entre jovens; políticas públicas e legislação
em relação às drogas; políticas públicas de saúde; tratamentos e prevenção; seringas
contaminadas.
Página do jornal: página dois do primeiro caderno, em coluna assinada sobre rubrica
Opinião, ao lado dos editoriais do jornal. A coluna de Gilberto Dimenstein é geralmente
a do meio (de um total de três colunas). Os editoriais, ao lado, trazem como títulos:
“Mercados em emergência”, “Mercodiplomacia” e “O desafio do rei”. As outras colunas,
de Clóvis Rossi e Carlos Heitor Cony, trazem os títulos “Dinheiro até sobra” e “Caim às
avessas”, respectivamente. Ao lado, coluna semanal de d. Luciano Mendes de Almeida
com o título “Natal de Jesus”, seguida pelas frases da semana e um poema de Machado
de Assis.
Chamada de capa: não
1995
1. “Zurique quer deixar de ser centro de drogas” (14/02/95)
Assunto: fechamento pela polícia de Zurique de maior mercado aberto de drogas da
cidade, uma estação ferroviária abandonada, na região central. A cidade vai desenvolver
uma ação rigorosa para tentar mudar a imagem que tem de maior supermercado de
drogas da Europa.
144
Temas apreendidos: consumo e venda de drogas; Zurique; contaminação pelo HIV pelo
uso de seringas infectadas; distribuição de seringas aos usuários; políticas públicas em
relação às drogas; diferenças na legislação; programas de assistência médica e social a
usuários; controle.
Página do jornal: página ímpar (direita); matéria no alto da página, com manchete em
seis colunas e texto em duas colunas. Ao lado, uma foto de um prisioneiro muçulmano
subnutrido em um campo de concentração sérvio. A foto é chocante, já que o prisioneiro
tem aparência física bastante debilitada. Num primeiro momento, leitor relaciona foto à
matéria sobre drogas (há sugestão de que poderia ser a foto de um “drogado”). Apenas
num segundo momento é que se relaciona a foto a seu verdadeiro texto: “ONU acusa 21
sérvios de genocídio”, matéria que vem logo abaixo da foto, em quatro colunas. O canto
inferior esquerdo da página tem uma foto-legenda onde aparece a palavra “esperança”,
ainda sobre a guerra na Iugoslávia. O restante da página traz anúncios agrupados do lado
direito: banco, empreendimento imobiliário, cotação do dólar, curso para jornalistas (da
própria Folha) e um anúncio isolado com a palavra “carrasco”, que não traz o nome de
nenhuma empresa ou produto mas sinaliza que é publicidade de forma explícita (com a
palavra escrita no alto). O texto do anúncio, “Aparência inofensiva. Pode se tonar
perigoso e violento. Afaste-se”, poderia sugerir veracidade.
Chamada de capa: não
2. “Novo convênio cobre terapias alternativas” (15/03/95)
Assunto: criação de um convênio de saúde com terapias alternativas, como acupuntura,
massagem, homeopatia etc. O convênio foi criado após pesquisa com usuários de redes
de farmácias homeopáticas por um grupo de médicos de São Paulo, e pretende ser uma
complementação aos convênios tradicionais, atuando em áreas que eles normalmente não
atuam.
Temas apreendidos: medicina alternativa; terapias alternativas; convênios tradicionais x
convênio alternativo; tratamentos de saúde.
Página do jornal: primeira página de caderno especial Via SP. Matéria está em box no
alto da página, em duas colunas, com foto, abaixo da manchete “Lei prevê criação de
ombudsman da Saúde”, em seis colunas, com duas colunas de texto. Abaixo do box,
145
matéria “Produtora carioca é a 1a voluntária a se submeter à vacina anti-Aids”. Metade
inferior da página com anúncios diversos: venda de armas, venda de telefones celulares,
loja de roupas masculinas, loja de aparelhos eletrônicos.
Chamada de capa: não
3. “Produtora carioca é a 1a. voluntária a se submeter à vacina anti-Aids” (15/03/95)
Assunto: realização de teste de vacina anti-Aids na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz),
do qual a primeira voluntária é uma produtora carioca. A intenção da matéria é mostrar a
identidade da produtora para que outras pessoas se animem a serem voluntárias no teste.
Temas apreendidos: teste de vacina anti-Aids; primeira voluntária para testes; Fiocruz;
convênio com Universidade Federal de Minas Gerais; perspectivas de primeiros
resultados do teste.
Página do jornal: a matéria foi publicada no meio (lado esquerdo) da primeira página do
caderno especial Via SP, abaixo de box sobre convênios médicos alternativos (descrito
acima) e de matéria principal sobre “ombudsman da saúde”. Restante da página (cerca de
50%) traz anúncios diversos, conforme descritos na matéria anterior.
Chamada de capa: não
4. “Novos rumos na política de drogas alemã” (09/04/95)
Assunto: questão de políticas públicas e legislação em relação às drogas na Europa,
destacando a Alemanha. Texto aborda mudanças ocorridas em relação, principalmente, à
Lei de Entorpecentes, partindo de uma concepção de que as drogas não podem seguir
sendo tratadas como uma questão bélica. Estatísticas apontam que nas cidades da
Alemanha em que as políticas públicas são menos conservadoras, os resultados em
termos de redução de mortes por uso de drogas ou contágio pelo vírus HIV são mais
positivos.
Temas apreendidos: políticas públicas em relação às drogas; drogas e marginalidade
social; drogas e preconceito social; Aids e drogas; políticas liberais x políticas
conservadoras; mudança na legislação.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria publicada em coluna assinada (a
coluna é fixa, as pessoas que escrevem não), localizada no lado superior direito da
146
página, em duas colunas. Ao lado, matéria em quatro colunas “Lei amplia direito e
aproxima concubinato de casamento”, com box “‘Morar junto’ pode acabar em briga
judicial sobre bens”. A foto do box é oposta a seu título, pois a legenda diz: “Leonardo e
Edna, que vivem juntos há cinco anos e não querem formalizar o casamento”, um casal
sorridente e que, aparentemente, não está brigando na Justiça. Abaixo da matéria
destacada, vem a coluna Letras jurídicas, com título “Expulsão de seqüestradores
estrangeiros será ilegal”. A página traz ainda uma seção de Agenda, o expediente do
jornal e preço para assinaturas.
Chamada de capa: não
5. “Bispo anglicano defende sacerdotes homossexuais” (09/04/95)
Assunto: entrevista realizada com bispo anglicano da Inglaterra sobre questão do
homossexualismo. Bispo entrevistado declarara recentemente, em cadeia nacional de TV,
ser homossexual. Na entrevista, apresenta seus pontos-de-vista sobre a questão do
homossexualismo na igreja anglicana e afirma que opção sexual não deveria interferir no
exercício ou não do sacerdócio.
Temas apreendidos: homossexualismo; padres homossexuais; visão da igreja sobre
homossexualismo; amor; comportamento sexual; mudança de mentalidade e dogmas da
igreja.
Página do jornal: página par (esquerda). Entrevista publicada no alto da página, com
foto do bispo, em quatro colunas. Abaixo da entrevista, no final da página, há um
anúncio de empreendimento imobiliário e um pequeno texto complementar sobre mulher
ordenada pastora na igreja anglicana da Inglaterra que afirmou ser lésbica. Ao lado
direito da entrevista, em duas colunas, diversos temas: matéria “Relógio marca o
crescimento do déficit fiscal norte-americano”, na seção fixa Multimída, tradução de uma
charge publicada em jornal de Ohio (EUA) intitulada “Admirável mundo novo”,
tradução de um texto do Wall Street Journal (Nova York), “Indenização dá lucro nos
EUA”, e pequeno resumo com principais destaques da imprensa internacional.
Chamada de capa: não
6. “As agonias da confissão” (09/04/95)
147
Assunto: resenha sobre o livro de Hervé Guibert, escritor já consagrado que, após saber
que havia contraído o vírus HIV, escreveu uma autobiografia intitulada Para o amigo
que não me salvou a vida. O texto apresenta o autor e a tradução lançada no Brasil,
descrevendo, em linhas gerais, do que trata o livro para, a seguir, destacar a destreza
com que trata do tema da Aids e o talento do autor para escrever o que o resenhista
chama de uma “confissão”.
Temas apreendidos: literatura contemporânea; crítica literária; estilos literários;
intimidade x publicidade; autobiografia; vida x morte; morte por Aids.
Página do jornal: página ímpar (direita). No topo da página, uma foto do autor, olhando
fixamente para a frente (como quem encarou, sem medo, as lentes da câmera), um rapaz
muito belo com olhos tristes. A foto, em close, ocupa um terço da página. Logo abaixo,
vem o título, “As agonias da confissão”, e o texto, ocupando também cerca de um terço
da página, em seis colunas. Abaixo do texto, a coluna fixa Maktub, de Paulo Coelho, e o
horóscopo do dia.
Chamada de capa: não
7. “Falta paz na saúde em São Paulo” (05/05/95)
Assunto: crítica de uma médica sanitarista, presidente do Conselho Regional de
Medicina, à proposta da prefeitura de implantação, no sistema público de saúde, do
Plano de Atendimento à Saúde (PAS). A médica alerta para o fato de que o PAS, ao
substituir o antigo sistema (na época, atual), o SUS (Sistema Único de Saúde), trará
inúmeras desvantagens à população, aproximando-se do modelo dos planos de saúde
privados os hospitais e serviços públicos de saúde, excluindo um número ainda maior de
pessoas do mínimo que lhes é oferecido pelo governo em termos de atendimento.
Temas apreendidos: saúde pública; mudança na legislação; governo x município;
exclusão de coberturas a certas doenças pelo sistema público; assistência médica
gratuita.
Página do jornal: a matéria aparece na página 3 do primeiro caderno, na parte inferior
da seção fixa Tendências/Debates, em três colunas. Acima, vem outra matéria, sobre
assunto diferenciado, intitulada “Tulipas, moedas e reformas”, sobre questões políticas e
148
econômicas. Ao lado, estão localizados o Painel do Leitor e o Erramos, seções fixas que
aparecem sempre nesta página e posição.
Chamada de capa: não
8. “Exame de audição pode detectar HIV” (10/06/95)
Assunto: divulgação de um estudo realizado na Universidade de Cincinnati que
demonstra que um exame comum de audição pode ser utilizado para diagnóstico
prematuro de infecção pelo HIV por meio da identificação de degeneração de neurônios
em pessoas que não apresentam outros sintomas da doença.
Temas apreendidos: teste de HIV; detecção de infecção pelo HIV; degeneração;
portadores assintomáticos; pesquisa sobre Aids e HIV.
Página do jornal: página par (esquerda). A matéria vem na última página do primeiro
caderno, na editoria Ciência. A matéria principal da página, no alto, tem como título
“Substância do sono é ‘parente’ da maconha”, com manchete em seis colunas e texto em
três. Ao lado dessa matéria, há uma foto-legenda sobre a descoberta de um fóssil de
quatro metros de um molusco pré-histórico. Logo abaixo da foto-legenda, há dois
pequenos textos: um sobre o exame de audição para detecção do HIV e outro intitulado
“Ir cedo à escola pode diminuir o aprendizado”. No espaço restante da página (pouco
mais da metade), há três anúncios: dois pequenos, um sobre aparelhos para ginástica e
outro sobre um empreendimento imobiliário, e um anúncio de meia página de perfumes,
para o Dia dos Namorados.
Chamada de capa: sim (box Boa Notícia, como matéria número 3/1994)
9. “Falta de voluntários atrasa pesquisa de Aids” (17/07/95)
Assunto: pesquisas sobre novos remédios contra a Aids, o Saquinavir e o MK-639,
realizadas na Unicamp. A Universidade está testando os dois remédios e as pesquisas
correm o risco de sofrerem atraso devido à falta de voluntários para testar os remédios.
Dos 320 necessários, apenas 64 foram encontrados, já que os voluntários devem
preencher uma série de requisitos para poder participar dos testes.
149
Temas apreendidos: teste de novos medicamento anti-Aids; voluntários para testes;
Unicamp; convênio para pesquisa Unicamp, Emílio Ribas e Universidade Federal de São
Paulo; exigências para participação no teste.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria relativamente pequena, com título em
duas colunas, localizada exatamente no meio da página, abaixo de uma foto da matéria
superior, que vem no alto da página: “Radial Leste ganhará 3.000 árvores até o fim de
agosto”. Ao lado esquerdo, matéria de mesmo tamanho com o título “Chuva deixa
Pelotas em estado de emergência” (o mesmo estado em que se encontra a pesquisa?).
Abaixo, pequenas resenhas sobre livros jurídicos, o expediente do jornal (com o preço de
assinaturas), uma coluna de agenda e outra com dados fornecidos pelo Folha
Informações. Nas duas colunas à direita da página (internas), há dois textos: “O x do
câmbio” (na seção Dito e escrito) e “As bobagens sobre a tarifa (em Transporte).
Chamada de capa: não
10. “Brasileiros (quem diria) anunciam cura da Aids” (06/09/95)
Assunto: crítica à estratégia de marketing usada pela Igreja Universal do Reino de Deus,
que promete curas milagrosas, soluções para problemas como desemprego e vícios e até
a cura da Aids, desde que a pessoa tenha muita fé e faça generosas doações à igreja. O
jornalista Gilberto Dimenstein, nos Estados Unidos, telefonou para um número fornecido
em um programa de televisão para contato com alguém da referida igreja e, ao perguntar
sobre a cura da Aids, foi informado de que no Brasil alguns doentes já haviam sido
curados.
Temas apreendidos: religião; Igreja Universal do Reino de Deus; milagres, curas e
promessas; mercado religioso; abuso da fé; cura da Aids.
Página do jornal: página ímpar (direita). A matéria vem na coluna fixa de Gilberto
Dimenstein intitulada América, em três colunas, no lado direito do alto da página. Do
lado esquerdo da página, vem a seção fixa Multimídia, com um pequeno texto, uma
charge e um resumo de destaques da imprensa internacional. Abaixo das matérias,
ocupando dois terços da página, há diversos anúncios de encontros sexuais, vídeos
pornográficos, disque 900 eróticos, acompanhantes, e dois anúncios maiores com o
telefone de classificados do jornal.
150
Chamada de capa: não
11. “Doente grave deve receber nova droga contra HIV” (06/09/95)
Assunto: distribuição do remédio MK-639, que está sendo testado no Brasil, para
doentes graves da Aids, que receberão o medicamento de graça ao participarem dos
testes. O remédio testado é um inibidor de protease e os médicos e especialistas
acreditam que poderá trazer bons resultados. Os testes, já em fase final de andamento,
estão sendo realizados simultaneamente em onze países diferentes.
Temas apreendidos: teste de novos medicamentos anti-Aids; voluntários para testes;
distribuição do remédio para pacientes graves; exigências para participação no teste; fase
final de testes no Brasil.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria sobre Aids vem em uma coluna, a
última do lado direito da página. Acima, matéria intitulada “Hospitais pedem à Justiça
isenção de culpa”, sobre mau atendimento fornecido aos pacientes em hospitais
conveniados com o governo. Ao lado da matéria sobre Aids, há um anúncio de produtos
de um supermercado, em cinco colunas.
Chamada de capa: não
12. “Os gays e a visita do papa” (06/09/95)
Assunto: crítica aos planos do papa em visitar o Brasil em outubro de 1997 devido às
declarações feitas pelo Sumo Pontífice e pelo Vaticano em relação à questão da
homossexualidade, veementemente condenada pela Igreja Católica. O artigo contrapõe a
política de não-discriminação adotada em relação aos negros e aos judeus pela sociedade
em geral com as atitudes ainda conservadoras e preconceituosas em relação aos
homossexuais, principalmente por parte da igreja. Afirma que a discriminação aos
homossexuais deveria ser um crime tão grave quanto o racismo, e que um papa que
discrimina homossexuais e mulheres não deveria ser benvindo.
Temas apreendidos: discriminação sexual; opção sexual; preconceito; dogmas religiosos;
condenação do homossexualismo pela Igreja Católica; visita do papa ao Brasil.
Página do jornal: a matéria aparece na página 3 do primeiro caderno, na parte inferior
da seção fixa “Tendências/Debates”, em três colunas. Acima, vem outra matéria, sobre
151
assunto diferenciado, intitulada “Ainda a Justiça Militar da PM”, sobre a ausência de
julgamento civil para crimes cometidos por policiais militares. Ao lado, estão localizados
o Painel do Leitor e o Erramos, seções fixas que aparecem sempre nesta página e
posição.
Chamada de capa: não
13. “Justiça italiana caça imunidade penal de aidético” (22/10/95)
Assunto: decisão do Tribunal Constitucional da Itália de suspender a imunidade penal
concedida a portadores do HIV, que não poderiam sofrer processos nem serem presos.
Esta decisão havia sido tomada por um decreto especial promulgado em 1992, que,
segundo o texto, pretendia representar um gesto humanitário mas acabou expondo o
sistema judiciário italiano ao ridículo devido à ação de uma quadrilha de assaltantes que
realizou assaltos diversas vezes sem que nada lhes acontecesse, já que todos eram
portadores do HIV.
Temas apreendidos: sistema judiciário italiano; legislação italiana sobre Aids; imunidade
penal a portadores do HIV; mudanças na legislação; soropositividade e criminalidade.
Página do jornal: página par (esquerda). A matéria, uma tradução de matéria do jornal
The Independent, de Londres, foi publicada na seção fixa Multimídia, no alto da página,
em duas colunas (colunas internas da página). Abaixo, a tradução de uma charge, um
pequeno texto traduzido do The Wall Street Journal, e um resumo com os destaques da
imprensa internacional (estrutura padrão desta seção). Ao lado, em duas colunas,
ocupando toda a altura da página, vem a seção América, também fixa, do jornalista
Gilberto Dimenstein. Do lado esquerdo da página, um anúncio em duas colunas de um
empreendimento imobiliário.
Chamada de capa: não
14. “Substância bloqueia ‘Aids de macacos’” (17/11/95)
Assunto: divulgação de um estudo publicado na revista Science que mostra que uma
droga anti-Aids a ser testada em seres humanos foi testada primeiramente em macacos e
impediu que neles se manifestassem os sintomas da doença SIV (síndrome da
imunodeficiência em símios), doença similar à Aids que só aparece em macacos.
152
Temas apreendidos: testes de novos medicamentos anti-Aids; testes em macacos; fases
desenvolvidas na pesquisa; terapias preventivas e curativas.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria publicada no alto da página, com
manchete em seis colunas e texto em três colunas. Ao lado, em três colunas, box com o
título “Judeus atacam pesquisa arqueológica em Israel”. Abaixo, também em três
colunas, há outra matéria sobre Aids (“Ser unicelular pode ativar o HIV”). Na metade
inferior da página, do lado direito há quatro pequenas matérias: “Equipe suíço-brasileira
propõe nova tela plana”, “Brasil testa substituto da morfina”, “Médico dos EUA opera
lado errado do cérebro” e “Substância revela câncer na próstata”, todas sob a rubrica
Ciência. No um quarto restante da página, há um anúncio de uma agência de turismo.
Chamada de capa: não
15. “Ser unicelular pode ativar HIV” (17/11/95)
Assunto: divulgação de estudo publicado na revista Virology sobre um protozoário
transmitido ao homem pela picada de um mosquito (encontrado, principalmente, na
América Latina, África, Índia e Oriente Médio) que pode contribuir para o
desenvolvimento de infecções oportunistas em portadores do HIV, devido à debilidade
do sistema de defesa de seu organismo. O microorganismo encontrado na água
contribuiria para debilitar ainda mais as células de defesa do corpo humano. Esta pode
ser uma possível explicação para a “ativação” do HIV (o aparecimento de sintomas
ligados à Aids) em indivíduos antes assintomáticos.
Temas apreendidos: portadores assintomáticos; “ativação” do HIV; protozoário
Leishmania donovani; picadas de insetos; debilitação do sistema de defesa do
organismo.
Página do jornal: página par (esquerda), na qual foi publicada outra matéria sobre Aids
(matéria descrita anteriormente). Texto em três colunas, ao lado de box sobre pesquisas
arqueológicas e abaixo de matéria principal sobre testes de medicamentos anti-Aids. No
restante da página, seguem outras matérias científicas e um anúncio de pacotes de
viagens de turismo.
Chamada de capa: não
153
16. “Pacientes fogem de médicos no fim do ano” (23/12/95)
Assunto: diminuição da procura de atendimento médico em hospitais, consultas e
realização de exames médicos na época das festas de fim-de-ano (Natal e Ano Novo) por
parte de pessoas em geral e mesmo de pacientes com problemas crônicos. Matéria
aponta que nos serviços de pronto-atendimento, destinados a emergências, a procura
diminui ainda mais, sugerindo que nem todos os casos atendidos são realmente urgentes.
Há uma tendência das pessoas em não querer receber “notícias ruins” nessa época do
ano. As doenças e exames médicos estão, em geral, associados a esse tipo de notícias.
Temas apreendidos: festas de fim-de-ano; exames médicos; consultas; diminuição de
procura por serviços públicos de saúde; sintomas de doenças; adiamento de exames e
resultados.
Página do jornal: página par (esquerda), de caderno especial Via SP. Matéria publicada
no alto da página, com manchete em seis colunas e texto em duas colunas. Ao lado, box
com dois textos (“47% dos gays não usam preservativos” e “Psicólogo adere a
camisinha”), e um quadro. Na parte inferior da página (aproximadamente em um terço
do espaço, em seis colunas), uma espécie de enquete de um “amigo secreto virtual” entre
pessoas famosas: “Personalidades trocam camisinha, CD e até carro”, perguntando o que
determinada pessoa daria de presente para uma outra, se tivesse esta chance.
Chamada de capa: não
17. “47% dos gays não usam preservativos” (23/12/95)
Assunto: apesar de estarem informados sobre os riscos de contrair doenças sexualmente
transmissíveis, principalmente a Aids, um grande número de homossexuais não usa
regularmente a camisinha em suas relações sexuais. Este dado foi coletado em um
levantamento realizado pelo Projeto Bela Vista ao longo de seis meses, em São Paulo,
com 113 homossexuais masculinos. O estudo deve continuar e tem apoio das secretarias
municipal e estadual da saúde, Ministério da Saúde e OMS.
Temas apreendidos: uso de camisinha entre homossexuais; pesquisa sobre hábitos
sexuais; mudança de comportamento devido à Aids; informação x prevenção;
comportamentos de risco.
154
Página do jornal: página par (esquerda), de caderno especial Via SP. Box publicado ao
lado de matéria principal sobre fato de pacientes evitarem médicos no final de ano (e
homossexuais evitarem camisinha?), descrita anteriormente. Abaixo do texto, ainda
dentro do box, um pequeno texto-depoimento de um psicólogo que aderiu à camisinha e
um quadro com o perfil dos 113 participantes da pesquisa. Abaixo, texto sobre troca de
presentes entre pessoas famosas (“Personalidades trocam camisinha, CD e até carro”).
Chamada de capa: não
18. “Fiocruz vai ter hospital para tratar aidéticos” (23/12/95)
Assunto: cessão pelo governo do Rio de Janeiro de um terreno ao lado de um hospital
desativado para construção de um hospital voltado especialmente ao atendimento de
portadores do HIV. Os recursos para as obras serão conseguidos por meio de um
financiamento do Banco Mundial (Bird), em convênio entre a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz, responsável pelo hospital), o Ministério da Saúde e o governo do Estado do
Rio de Janeiro.
Temas apreendidos: parceria governo x instituições privadas; saúde pública; atendimento
médico para portadores do HIV; hospital para portadores do HIV; ampliação para
atendimento e prevenção à Aids.
Página do jornal: página par (esquerda). Matéria bastante sintética, em uma coluna,
publicada na parte inferior esquerda da página. Ao lado, há uma matéria de mesmo
tamanho intitulada “Prefeitura nega ter favorecido TV a cabo no Rio”; abaixo, “Avião
faz pouso de emergência em Cumbica” e “Dona-de-casa é acusada de tráfico de droga”.
Acima, há uma matéria (“Movimento em estrada é menor que o esperado”) e um box
(“Segundinho, filho do ‘rei’, casa-se em SP”). No alto da página, vem a manchete
principal: “Incêndio em supermercado de SP mata 5”. No lado inferior direito da página
encontra-se a seção Mortes, na mesma altura da matéria sobre construção de hospital
para portadores do HIV.
Chamada de capa: não
A partir dos elementos acima descritos, algumas observações podem ser feitas:
155
• Das matérias selecionadas, muitas foram publicadas em páginas com grande
quantidade de anúncios, havendo maior concentração de anúncios junto às matérias
que tratam mais especificamente do tema da Aids, aquelas das quais este tema é parte
integrante, e não apenas periférico.
• Várias matérias entre aquelas que tratavam do tema da Aids foram publicadas no alto
da página, com manchetes em destaque e/ou em seis colunas (mesmo que o texto
fosse menor).
• Em algumas páginas, os elementos que circundam a matéria em que aparece o tema
da Aids, sejam eles visuais ou textuais, são bastante sugestivos, como naquela sobre a
construção de hospital para portadores do HIV (23/12/95) ao lado da seção de
obituário.
• Foram consideradas “matérias complementares” todas aquelas que estavam colocadas
sob a mesma seção de uma matéria principal (a da manchete principal), ou dentro de
box. Ainda assim, esses textos foram tratados como matérias individuais.
• Na categoria “temas apreendidos”, buscou-se estabelecer repetições e constâncias,
utilizando, portanto, em matérias com temas semelhantes ou idênticos, os mesmos
termos. Os temas mais recorrentes foram convênios, drogas, políticas públicas e
homossexualismo, alguns até mesmo apresentando uma clara continuidade.
• Um outro tema importante, entretanto, aparece apenas duas vezes no corpus
estudado: a questão do uso da camisinha como prevenção à Aids. Note-se ainda que a
questão da prevenção (ou de campanhas de prevenção) não aparece nenhuma vez.
• É interessante observar que, muitas vezes, sob a mesma seção, diversos pequenos
textos (complementares) são colocados junto com o texto principal (que dava nome
ao artigo).
• Observando as matérias selecionadas, um dado interessante pode ser destacado:
alguns temas se repetiram mais vezes, como a questão envolvendo a cobertura de
convênios médicos, a problemática das drogas (em duas vertentes, uma mais
preocupada com a legislação sobre o assunto, outra com políticas públicas de
atendimento e tratamento, no Brasil e no exterior), os testes de novos medicamentos.
Em menor número, mas também aparecendo mais de uma vez, a questão do
homossexualismo e a literatura que fala da Aids (ficcionalmente ou biograficamente).
156
• Ainda em relação aos temas apreendidos, à primeira vista a Aids está sempre ligada a
algo triste, trágico, um fim que ninguém gostaria de ter. Um bom exemplo disto seria
a forma como aparece no melancólico (ainda que belo) texto de Jurandir Freire Costa
sobre o jovem (e também belo) escritor Hervé Guibert, ou no texto que afirma que
uma notícia como a soropositividade não deve ser dada no Natal.
• Apenas duas das matérias sobre Aids tiveram chamadas na primeira capa do jornal,
ambas no box Boa Notícia. As matérias com chamada na primeira página referiam-se
especificamente à Aids, em vez de tratar a doença apenas tangencialmente. Uma foi
publicada em 1994, sobre a tentativa do governo de regulamentação dos convênios
médicos para cobertura de doenças infecto-contagiosas ou crônicas, entre elas, a
Aids, e a outra foi publicada em 1995, sobre exame de audição que poderia auxiliar
no diagnóstico de contaminação pelo HIV.
Mesmo correndo o risco de ser redundante, é preciso destacar mais uma vez que esta
pesquisa não se propõe, em nenhum momento, a ser uma mera análise quantitativa de
dados e apresentação de tabelas, estabelecendo classificações e estatísticas. Tais quadros
foram aqui colocados como ilustração e recurso didático, já que, no processo de leitura
das matérias, foi considerado importante que também se tivesse uma visão descritiva do
corpus. Entretanto, a utilização de descrições termina neste limite preciso, pois o
específico deste trabalho é que ele não se limita a esta descrição mas tenta ampliá-la.
Mais do que um “ir além”, busca estabelecer uma nova possibilidade de leitura das
matérias de jornal em termos metodológicos e teóricos, possibilidade essa advinda das
ciências da linguagem.
Portanto, após esse primeiro momento, mais descritivo, foi feita uma segunda leitura do
corpus. Nesta segunda leitura, buscou-se verificar aquilo que está se cristalizando como
objeto de significação a partir dos textos lidos, ou seja, o que está dando significado ao
discurso da Aids a partir das narrativas lidas no jornal. Cabe, aqui, diferenciar sentido de
significação (já que não se trata de ver nos textos lidos seu sentido): o termo sentido,
como está sendo aqui adotado, refere-se ao drama do sujeito dividido, falante/faltante,
enquanto sujeito do inconsciente; o termo significação se refere às construções
simbólicas permitidas pelo objeto @, termo anteriormente definido neste trabalho.
157
O jornalismo, a partir dessas análises e leituras, desloca-se e transforma-se, pois passa a
se configurar como um interminável reescrever (no sentido que Lyotard usa esta palavra)
e não como um inventar do novo todo dia.
158
capítulo 5
5. segundas leituras, recorrências da aids: escritos
“E como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia
d’água pedacinhos de papel, até então indistintos e que, depois de molhados, se
estiram, se delineiam, se colorem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens
consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores de nosso jardim, e as do
parque do senhor Swan, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas
pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma
forma e solidez, saiu, cidade e jardins, de minha taça de chá.”
Marcel Proust, A caminho de Swan
Desenhando em papéis coloridos, repletos de palavras, as idéias foram se configurando:
títulos em preto, com destaque para os verbos, pessoa em roxo, espaço em cinza, tempo
e verbos em vermelho. Funções em verde escuro, repetições de palavras no texto em
azul claro. Pronomes em amarelo, os pessoais, e marrom, os outros todos. Referências a
discursos em laranja, protagonistas em rosa choque. E frases, muitas frases, destacadas
em cada matéria. O exercício parecia lúdico, ninguém entendia. Às vezes, parecia que
não ia chegar a lugar nenhum. Mas chegou. Chegou não ao “ fim” , mas a um possível
fim. A dobra sobre si mesmo, o avesso do avesso.
Como no texto de Proust (afinal, sempre se está em busca do tempo perdido, não é
mesmo?), o jogo japonês dos papéis coloridos na água que aparentemente não são nada
– não parecem ser – e aos poucos delineiam-se, formam figuras, viram algo, ao menos
contornos, esboços. Todos saindo da xícara de chá, basta um gole. O gole certo,
certeiro, que primeiro timidamente, depois de uma só vez, evoca imagens.
Da xícara de chá das segundas leituras (que foram muitas!...), diversos desenhos
surgiram dos papéis coloridos, reordenando os temas anteriormente propostos no
159
momento das primeiras leituras. É deles que se fala a seguir, uma tentativa de melhor
delinear seus contornos. Antes, porém, como uma espécie de passagem para a segunda
leitura, num ponto intermediário entre a descrição e a análise – em um lugar suspenso –,
nas matérias descritas na primeira leitura são destacados alguns elementos que, por suas
particularidades, captaram olhares, distraídos ou atentos.
5.1. prelúdio: idéias em suspensão
Na busca por tentar estabelecer uma narrativa da Aids agrupando as matérias
seqüencialmente como se fizessem parte de um mesmo “livro”, talvez cada matéria
escrevendo um de seus capítulos, os textos foram lidos na ordem em que apareceram.
No percurso, é interessante notar como algumas matérias publicadas com intervalos até
longos de tempo (um mês ou mais), pareciam, realmente, simular uma seqüência,
algumas vezes remetendo diretamente a episódios ou fatos anteriormente narrados.
Os textos/comentários a seguir buscam essas remetências e apontam aquilo que mais
chamou a atenção (o que “ saltou aos olhos” , poder-se-ia dizer) em cada uma das
matérias. Trazem, ainda (entre parênteses, logo após o título), uma proposta de
organização temática das matérias menos ampla do que aquela apresentada nas primeiras
leituras.
É importante destacar que, neste momento, as matérias foram lidas despretensiosamente,
diria mesmo que foram, mais do que lidas, ouvidas. Lacan já indicara que um processo
de análise só se dá “sob a condição de termos sempre os ouvidos abertos ao elemento
significante” (Lacan, 1995: 299), que, mesmo repetindo-se, “não apresenta nunca um
sentido unívoco, nem é equivalente a um único significado” (Lacan, 1995: 292). O
significante, assim, flutua, e algumas de suas possíveis flutuações são apresentadas a
seguir.
1994
Matéria 1 – “Atualidade determina o preço de ser feliz” (felicidade)
160
Esta matéria, um texto de um historiador francês (Paul Veyne) sobre o tema da
felicidade, mesmo sem tratar especificamente da questão da Aids ou algum de seus
aspectos correlatos (aliás, este é um traço comum a vários textos: não tratam da Aids,
mas seu nome aparece, em diferentes significações), traz a doença à tona. Segundo os
conceitos expostos ao longo do texto, seria impossível “ser feliz” com Aids, ser “doente”
e feliz. Só se pode ser feliz com a Aids esquecendo-se dela, já que, para o autor, só se
pode ser feliz em pequenos “momentos de absorção”, nos quais o sujeito se deixaria
absorver por algo que não implicasse nenhum interesse material ou metafísico, pequenos
momentos de puro esquecimento.
Matéria 2 – “A pílula não é para todos” (contraceptivos: camisinha)
Algumas frases dão à matéria um tom que varia entre professoral e maternal, às vezes
elogioso, às vezes repressor, como “você está fazendo tudo certinho até agora” (na qual
o “até” sugere que, a qualquer momento, pode deixar de fazer), ou a afirmação de que a
recusa ao uso da camisinha “só pode ser preconceito”, simplificando um pouco as
implicações envolvidas neste uso – já que é o homem quem efetivamente usa a camisinha
–, principalmente para mulheres adolescentes ou jovens (idade provável da pessoa que
escreve a carta). Como na matéria 1, a Aids não é o principal tema tratado. Entra em
cena logo após a menção à camisinha e, a exemplo da matéria anterior, em tom
ameaçador (“lembre-se da Aids”). A frase remete a uma antiga campanha de prevenção
que dizia: “Se você não se cuidar, a Aids vai te pegar”, uma tentativa de educar/alertar
despertando o medo, invocando o perigo. Parece ser essa a imagem recorrente (o medo,
a punição, o “mal terrível”) que acompanha a escritura das narrativas da Aids na Folha.
Parece ser esse o discurso articulado em suas páginas, discurso constituinte da Aids entre
nós, formado pelo cruzamento de vários outros discursos (nesta matéria, por exemplo,
aparece principalmente o discurso médico-científico).
Matéria 3 – “Câmara analisa projeto para plano de saúde” (projeto de senador para que
convênios médicos cubram todas as doenças)
A partir desta matéria, há uma seqüência de três matérias que tratam de questões
relativas à cobertura ou não da Aids pelos planos de saúde, assunto muito discutido no
161
início de 1994, explicitando uma disputa entre governo federal e empresas privadas de
saúde. A palavra Aids já aparece no subtítulo da matéria, em frase dúbia: por que
escrever que a proposta aprovada “proíbe os convênios médicos de não cobrirem” em
vez de dizer que “obriga convênios médicos a cobrir” doenças como Aids e diabetes? A
frase, lida distraidamente pelo leitor, pode levar a entendimento em sentido contrário:
que a medida a ser votada proíbe convênios médicos de cobrir determinadas doenças.
O decreto-lei – medida que pode ser adotada pelo executivo sempre que este julgar
necessário, mas considerada extremamente autoritária pelo legislativo (aquele que,
efetivamente, deveria legislar) e pela população em geral –, é invocado aqui,
tranqüilamente, como solução deste impasse. A pressão a empresas de medicina de
grupo parece ser assunto delicado no Congresso, como explicitado na própria matéria,
entre aspas: “‘O lobby do setor de saúde é um dos mais fortes dentro do Congresso’, diz
Ferreira Lima”. Neste caso, até mesmo o “antipático” decreto-lei seria bem-vindo,
relacionando a delicada questão da Aids (e de outras doenças normalmente não cobertas
pelos convênios médicos) como um assunto tão problemático que exigiria a intervenção
da Lei, uma ordenação superior e externa para organizá-lo. Se for levado em
consideração o princípio de que um texto, assim como uma frase, só revela seu sentido
quando chega ao fim, é esta a palavra final desta matéria: faça-se cumprir a lei, ainda que
imposta pelo executivo.
Note-se ainda que a matéria recorre várias vezes a instituições socialmente reconhecidas
e depoimentos de deputados, apresentados entre aspas, para dar veracidade às
informações fornecidas e à própria matéria, utilizando os mecanismos citados
anteriormente de ancoragem (“sustentação”) em busca de verossimilhança. Ao mesmo
tempo que tenta trabalhar dentro do que está estabelecido como discurso jornalístico e
ser objetiva, denuncia, pelos verbos que utiliza de forma imperativa, pelo intertítulo
“pessimismo” e pelo decreto-lei invocado no final, o lugar de quem fala, o lugar da
enunciação.
Matéria 4 – “Ministro define regra para convênio médico” (sobre impasse criado entre
convênios médicos e governo)
162
A Aids parece realmente ser o grande pivô deste impasse entre as empresas de medicina
de grupo e o governo. Nesta matéria, o conflito se define por oposição dos convênios ao
Conselho Federal de Medicina. O ministro da Saúde surge como mediador, como aquele
que vai “resolver” o impasse “obrigando” as partes a chegarem a um acordo, como o pai
que vem apartar a briga dos filhos (novamente, a Lei, como ordenação, está colocada na
figura de uma autoridade do governo federal). O impasse apresenta as empresas de
medicina como opostas às entidades ligadas aos médicos, estes sim verdadeiros
defensores da saúde e preocupados com os pacientes.
Atualmente, os contratos dos convênios médicos assinados pelos usuários explicitam as
doenças excluídas da cobertura oferecida, as infecto-contagiosas (como a Aids) ou
crônicas (como a diabetes), excluindo também aquelas doenças existentes antes da
assinatura do contrato. É esta cláusula contratual que o CFM determinou que fosse
excluída, obrigando os convênios a cobrirem todas as doenças, sem distinção.
Matéria 5 – “Filmes ironizam convênio de saúde” (sobre campanha para que usuários
pressionem convênios a ampliar cobertura a doenças como Aids)
A matéria 5 aparece na página como complementar à matéria 4, tratando ainda sobre o
tema das exclusões que os convênios médicos fazem à cobertura da Aids. Note-se que
aqui nem são mencionadas outras doenças. A matéria descreve uma série de filmes
publicitários a serem apresentados em cinemas de todo o Brasil sugerindo que as pessoas
exijam de seus convênios a cobertura à Aids ou doenças a ela relacionadas. O tom dos
filmes é agressivo e direto, explicitamente contrário à política das empresas, e ao final é
fornecido o telefone do Grupo Pela Vidda para contato ou possíveis dúvidas. Esta ONG
trata especificamente da questão da Aids.
Ao dizer “o filme mais polêmico” (referindo-se ao primeiro filme), a matéria sugere que
todos os filmes seriam naturalmente polêmicos. A agência responsável pela execução dos
filmes – Standard, Ogilvy e Mather – possivelmente concordou em produzi-los
gratuitamente ou a preço de custo para o Grupo Pela Vidda, já que as ONGs não
costumam ter orçamentos que comportem campanhas publicitárias. Em 1994, esta
mesma agência realizou uma pesquisa sobre Aids com adolescentes e, desde então, tem
163
se preocupado com o desenvolvimento de campanhas de prevenção voltadas para o
público jovem.
Matéria 6 – “Inglês é preso por falsificar documentos do namorado”
(homossexualidade)
Esta matéria é emblemática. Trata de um assunto que considera delicado – uma relação
homossexual masculina – e refere-se à Aids apenas secundariamente, apesar da
associação homossexualismo-Aids ser feita quase que automaticamente tanto na matéria
como na lei britânica que ela menciona para se referir ao tema da Aids.
O que mais se destaca nesta matéria é a desconexão entre seus parágrafos e a
precariedade de sua construção do ponto de vista das regras básicas do discurso
jornalístico. Os parágrafos são muito curtos e quebrados, as frases truncadas, algumas
palavras parecem estar mal colocadas. Há algumas frases que se repetem em lugares
distintos – e distantes –, ainda que usando palavras diferentes (“Se Watson tivesse uma
parceira mulher, a permissão poderia ser obtida legalmente”; “(...) um selo que seria
usado caso o brasileiro tivesse se casado com uma britânica”).
A matéria traz poucas informações, em uma sequencialidade irregular, misturando
assuntos. Além disso, referir-se ao brasileiro como “Da Silva” não é algo comum no
Brasil, o que dá um tom de estranhamento ao texto. Nesta matéria, ao contrário da
objetividade jornalística, percebe-se quase claramente a opinião do jornalista sobre o
tema, a despeito de todas as tentativas de parecer neutra, imparcial, simplesmente
informativa.
Matéria 7 – “Xuxa diz que aceita fazer teste de HIV” (processo movido pela
apresentadora Xuxa contra jornal que a “acusou” de estar com Aids)
Matéria deixa explícita a negatividade de ser soropositivo ou estar com Aids: imagine se
uma pessoa como a Xuxa, ícone das crianças, “pura, loira e linda”, poderia ser
confundida com uma “aidética”. Estranho como a Aids se tornou algo extremamente
pejorativo de ser referido a alguém. É uma ofensa grave, passível até de processo, ter a
imagem associada à Aids, principalmente entre artistas e pessoas famosas. Há,
entretanto, algumas exceções, como a atitude de Magic Jonhson, primeira personalidade
164
pública americana a assumir a doença publicamente, e alguns outros, que não se
envergonham de sua soropositividade e tentam tratá-la como uma doença qualquer,
buscando conferir à Aids o status de doença “socialmente aceitável”.
Este tipo de situação (na qual Xuxa não é a primeira a ser envolvida), caracteriza bem o
caráter de “doença maldita” atribuído à Aids. A disponibilidade em fazer o exame
aparece aqui como um salvo-conduto, uma espécie de “álibi” para se isentar de um
“crime” (afinal, como a “rainha dos baixinhos” poderia ter feito algo imoral e ilegal para
ter contraído esta terrível doença?). Matérias como esta constituem a Aids como um
verdadeiro “monstro” a ser temido, e apontam para o que esta doença simboliza hoje
para a sociedade, de quais impregnações imaginárias foi sendo revestida para se
constituir simbolicamente como um grande mal.
O verbo “submeter-se”, logo no início da matéria, já aponta o que há de terrível em ser
“acusado” de estar com Aids (é como submeter-se a um exame de corpo de delito, já que
a linguagem usada remete a delegacias, polícia). Além disso, a apresentadora só fará o
teste “se a Justiça determinar”. Afinal, porque “submeter-se” a algo tão desagradável,
quase degradante, sem uma forte razão? Note-se, ainda, que, se não fosse por este
processo contra o jornal, Xuxa jamais faria o teste anti-HIV. Este fato caracteriza a
atitude da população em geral, que acredita não precisar deste teste. Mas não
precisariam todos, a esta altura, fazer o teste do HIV, já que o vírus pode permanecer
latente no organismo durante anos? Por que alguns estariam realmente isentos da
possibilidade de infecção pelo HIV?
Pode-se perguntar, ainda: moveria Xuxa “quatro ações” e pediria “indenização” se
tivesse sido “acusada”, por exemplo, de ser diabética? Ou teria simplesmente negado o
fato (ou talvez, nem se dado ao trabalho de negar)?
O parágrafo em itálico (ver Anexos) explicita o tom policialesco nos termos jurídicos
“exceção da verdade”, “crime contra a honra”, “provar que a acusação não é
verdadeira”, usados como referência à atitude dos advogados de acusação e defesa.
Esta matéria é exemplar para mostrar algumas das significações das quais revestiu-se a
Aids para a sociedade em geral, representada aqui pela “ofendida” e “desonrada” Xuxa.
Aponta, ainda, as idéias imaginárias associadas à doença e, mais do que isso, a própria
intenção deste trabalho: não se trata de julgar e criticar o jornalista que redige a matéria
165
acusando-o de preconceituoso, questionando sobre por que a matéria foi escrita deste ou
de outro modo, por que a escolha de determinadas palavras, se tal escolha foi intencional
ou ao acaso. Antes, o que interessa é aquilo que efetivamente saiu publicado no jornal, e
apenas isto, pois é o que chega ao leitor (sem esquecer que, neste trabalho, considera-se
que este leitor está ele também “costurando” essas narrativas publicadas esparsamente no
jornal). Que narrativa foi se construindo naquilo que as matérias não ousaram dizer?
Matéria 8 – “Água pode transmitir infecção a aidéticos” (possibilidade de transmissão
de infecções para portadores do HIV)
Após sete matérias em que o tema da Aids aparece de forma periférica (1: felicidade; 2:
camisinha; 3, 4, 5: cobertura de convênios; 6: homossexualidade; 7: pessoa famosa), esta
é a primeira que trata especificamente sobre um tema relacionado à Aids enquanto
doença, sem outros correlatos, o que explica sua publicação na editoria Ciência
(aparecendo também pela primeira vez). Este fato em si já aponta uma singularidade: até
aqui, a Aids (que é uma doença e, portanto, deveria estar basicamente relacionada ao
discurso médico-científico) aparece relacionada ao discurso filosófico, psicológico,
legislativo, jurídico, ampliando suas próprias possibilidades discursivas e narrativas.
Talvez seja esta a primeira matéria menos repleta de emoções e questões sociais ou
pessoais, buscando ser mais objetiva e neutra (mais próxima do que se considera o
discurso jornalístico), o que reflete certo distanciamento do jornalista-narrador em
relação ao tema tratado. A matéria tenta obedecer os princípios do “jornalismo
informativo”, fato que pode ter sido facilitado por se tratar, provavelmente, de uma
matéria escrita a partir de comunicado enviado por agências de notícias internacionais.
Um dos elementos que se destaca na matéria é sua tentativa de, ilusoriamente, buscar
tranqüilizar os “não-aidéticos” (note-se que a palavra “aidético” é utilizada várias vezes
ao longo da matéria, o que daria um certo tom pejorativo a esses pacientes), sugerindo
que apenas portadores do HIV estariam sujeitos a essa infecção pela água. Mesmo
afirmando, corretamente, que os soropositivos seriam “mais suscetíveis”, e não os
únicos, não explica porque realmente o restante da população (americana, no caso) não
deve também se preocupar com a qualidade de sua água.
166
Outro ponto que se destaca diz respeito ao não-questionamento de uma situação, no
mínimo, absurda: como a água quente de hospitais (que supostamente devem “curar” as
pessoas) pode estar contaminada e isso não gerar reações e protestos? Seria porque,
afinal, a água estaria contaminando “apenas aidéticos” (afinal, eles vão morrer de
qualquer forma, não é mesmo?). Se a contaminação fosse mais generalizada (não em
termos de locais atingidos, pois chegou-se mesmo a apontar a contaminação de água que
provavelmente serve várias casas, mas em termos de pessoas atingidas), seria outro o
enfoque da matéria, ou haveria maior cobrança por parte da população em geral, atitude
tão característica dos americanos em relação a seus “direitos de cidadãos” e qualidade de
vida?
Matéria 9 – “Sedes se preparam para festival erótico” (copa do mundo de futebol e Gay
Games)
Copa e futebol. Assunto de “homens”. Mas os homossexuais aparecem logo em box no
alto da matéria, com destaque: “Gays querem jogar com Itália”. À primeira vista, pensa-
se: mas o que os “gays” estão fazendo aqui? Lendo a matéria principal, em que aparece a
menção à Aids, entende-se: os jogos da copa a serem realizados em Nova York
coincidem com os Gay Games. Surge então um primeiro destaque: o
“descontentamento” dos bares “para adultos” com a presença dos homossexuais, já que
seus shows exibem mulheres (e, portanto, são voltados para “homens”). A matéria
apresenta, a seguir, o que os donos destes mesmos bares consideram sua redenção: a
chegada dos fãs de futebol, “verdadeiros” homens, que os reabilitará.
Após esta seqüência, aparece a Aids: uma revista de Manhattan é citada por ter
destacado que atividades não-arriscadas, chamadas “pornosofts”, são as que mais irão se
beneficiar durante a copa. A frase, entretanto, aparece escrita de forma um tanto quanto
dúbia, como se falasse o contrário do que afirma: “(...) o impacto da copa sobre o
mercado do sexo vai ser sentido mais sobre shows de topless e outras atividades
‘pornosofts’, que não são arriscadas”. Estranha essa palavra “impacto”, que remete, em
princípio, a algo negativo; na própria frase, tem-se a impressão de que o comentarista iria
destacar o contrário do que efetivamente afirma: que o impacto da copa sobre o mercado
167
do sexo iria ser sentido justamente nas atividades “pornohards”, que não atrairiam o
público esperado.
O final da matéria é exemplar, levando-se em consideração o fato anteriormente
apontado de que é mesmo no final que sua significação se revela: “Ao contrário dessas
cidades, a familiar Orlando, que abriga a Disney World, deve ficar longe da agitação
erótica”. Em oposição a shows eróticos, homossexuais e pornografia (ainda que “softs”),
emerge a vida “familiar” dos passeios à Disney, adequados a todos, crianças, mães, avós,
pais (estes último, certamente heterossexuais, já que casados e com filhos, longe da
“agitação erótica”).
Matéria 10 – “Paixão homossexual é novo tema de Begley” (literatura – ficção; livro
resenhado trata da morte de um homossexual devido à Aids)
O articulista (especial para a Folha) demonstra profundo conhecimento da literatura e do
escritor que resenha. Fala de dois livros anteriores de Louis Begley (respectivamente, seu
primeiro e seu segundo livros), destacando seu estilo e forma narrativa, até chegar ao
terceiro livro, As Max saw it, tema desta resenha. Destaca-se o momento em que o
articulista diz que o livro, mesmo sem ter a mesma “força de imaginação” de O homem
que se atrasava, deverá se tornar um sucesso ainda maior: “Para isso, contribui, sem
dúvida, o tema da Aids”. Neste ponto, perguntar-se-ia: por quê? A explicação vem a
seguir, começando por sugerir a relação entre doença e sexo, característica da Aids.
As Max saw it é apontado como, provavelmente, “o maior romance já escrito sobre uma
morte por Aids, ou melhor, sobre as paixões em torno e após esta morte”. Interessante a
afirmação de que, apesar disso, não é o homossexualismo nem a doença que vão
concentrar as atenções do leitor, mas a amizade. Um livro sobre a amizade de um
homem por outro, tema raramente tratado sem estereótipos ou preconceitos morais. Por
este viés, o livro de Begley pode ser relacionado ao filme Quatro casamentos e um
funeral. Neste filme, mais que uma relação homossexual é a amizade entre dois homens
que é mostrada, culminado com a cena do enterro de um deles no qual o outro lê uma
belíssima poesia, declamada ao que morre, uma elegia de amor e amizade (talvez nos
funerais de todas as mortes por Aids essa poesia pudesse ser lida, simbolizando o que
Susan Sontag disse com “essas pessoas todas não vão ser repostas”).
168
O livro de Begley, da forma como é apresentado na matéria, parece tratar o tema com
respeito e isenção, com beleza poética, com delicadeza. Interessante esta primeira
aparição “respeitosa” e menos preconceituosa, dramática ou pejorativa da Aids: ela
acontece no campo da literatura, em um livro, em uma resenha escrita por um professor
universitário que é também escritor de ensaios. As diversas artes, já foi notado várias
vezes, têm uma forma diferenciada de tratar o tema da Aids, talvez a forma mais próxima
da ideal: o discurso das artes não apresenta nem o tom catastrófico do discurso
jornalístico e dos media em geral, nem o tom professoral e moralizante da maioria das
campanhas veiculadas com o fim específico de prevenção.
Talvez, pela arte, se possa pensar um provável modelo de prevenção (com mensagens
mais difusas, mas com conteúdos fortes) ou até mesmo de assimilação, discussão e
inserção do tema da Aids no cotidiano das pessoas de forma mais natural. Por tratar-se
de um discurso mais aberto, oferece mais entradas possíveis a diferentes tipos de
pessoas, ao contrário de mensagens diretas nas quais, se não há identificação imediata
não há alternativas, produzindo distanciamento. A arte parece poder contribuir, qualquer
que seja seu formato e abordagem, para desmistificar o tema da Aids e atenuar sua
conotação de “mal radical”, minimizando o terror e o medo nas pessoas.
Essa potencialidade do discurso das artes pode ser percebida também no cinema, por
exemplo, indicando que não só em relação à Aids, mas a qualquer assunto, o cinema, a
literatura e a pintura, entre outros, são lugares privilegiados para conhecer o mundo e
suas várias possibilidades, para ter maior abertura em relação ao que é diverso. No caso
do jornalista, possibilitando que escreva mais aberta e desapegadamente e, portanto, com
mais qualidade e menos viés, sobre qualquer tema, inclusive a Aids.
Talvez no discurso das artes – e não no discurso da ciência, no discurso médico, no
discurso do Estado, no discurso das ONGs, discursos estes que recortam a narrativa da
Aids para compor o próprio discurso da Aids – é que esteja uma possibilidade, uma
pista, uma saída para pensar uma possível construção discursiva na sociedade.
Construída pelas artes, a Aids torna-se mais viável, menos terrível. Seria o discurso das
artes uma possibilidade para o discurso da Aids adquirir novas configurações?
Esta matéria, em relação às outras já lidas, destaca-se pelo modo com que, mesmo sem
tratar diretamente do tema da Aids, refere-se a ela o tempo todo de maneira abrangente:
169
ao falar das paixões humanas e de sua dor, consideradas aqui em seu sentido mais amplo,
fala mesmo é da vida, e da morte. Mais humanas, impossível. Demasiadamente humanas.
Matéria 11 – “‘Morango e chocolate’ vinga sonho tropical” (cinema cubano;
homossexualidade)
Esta matéria, um artigo de Arnaldo Jabor, mostrou-se particularmente enigmática. A
frase em que aparece a palavra Aids, “Cuba definhou por dentro como uma bicha com
Aids (estranho este nome que quer dizer ‘ajuda’ também)”, não pára de incomodar. À
primeira vista, parece uma frase preconceituosa (essa palavra, “bicha”...), contra os
homossexuais, contra a Aids, contra Cuba. Mas aí surge o desconforto: na verdade, o
texto não é sobre Aids, é sobre um filme cubano, filme este que Jabor gostou. O que será
que quis dizer? O que significa essa frase, assim, colocada no meio do texto?
Relendo a matéria, percebe-se uma primeira ligação: ao falar sobre a história de Cuba,
recuperando-a desde a revolução liderada por Fidel Castro, o articulista introduz o filme
analisado e seu diretor, afirmando que o filme trata das lutas de um “viado” contra os
preconceitos e as discriminações (frase que parece paradoxal, já que o termo “viado”
denota preconceito e discriminação). Logo a seguir, aparecem os termos “bichas
transcendentais” e “boneca”, palavras, no mínimo, de mau gosto para serem escritas ao
se referir a um dos personagens do filme, um homossexual.
Entretanto, pela forma com que se relacionam a outros momentos do texto de Jabor,
parece ser esta uma forma considerada por ele como “natural” e “aceitável” (mesmo em
se tratando de um jornal de grande circulação? mesmo escrevendo para pessoas muitas
vezes já com tantos preconceitos?), uma vez que o articulista não cessa de elogiar o
filme (“este lindo filme”; “o filme é genial”; “este filme maravilhoso”).
Talvez a palavra “definhar” surja carregada de conotações negativas, indicando o
provável sofrimento de uma morte por Aids. Este verbo aparece antes, na frase “Cuba
definhou pouco a pouco”. A referência aos homossexuais é recorrente: “O homossexual
estava para Cuba como Cuba está para a ordem internacional”; “Morango e chocolate é
muito mais que um filme em defesa dos viados”; “(...) e sua maior vingança será o
sucesso extremo que ele fará no mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, pátria dos
bichas e de hispano-americanos, chicanos, excluídos e clandestinos de toda parte”. E se
170
fosse “apenas” um filme em defesa dos “viados”? “Pátria dos bichas”? Eles não são,
como qualquer outra pessoa, apenas cidadãos de algum país?
Mesmo que Cuba tenha realmente definhado por dentro devido ao bloqueio internacional
(idéia que o articulista apresenta), invocar a imagem de que uma “bicha” com Aids
(portanto, morrendo), definhando por dentro é, no mínimo, um enorme desrespeito aos
soropositivos que já apresentam sintomas da doença e uma desconsideração e falta de
sensibilidade para com alguém que esteja sofrendo – morrendo lentamente (imagine
alguém nesta situação lendo esta matéria). Todos sabemos (ou imaginamos?) que a
morte causada pela Aids é cercada de sofrimento físico (assim como o câncer, ou
doenças que matam lentamente). Acrescentar a este sofrimento físico um sofrimento
moral e social é agravá-lo ainda mais.
No limite, parece que esta frase não tem a menor necessidade de estar ali onde aparece,
nenhuma importância. Mas ela está, e emerge. A frase que vem anteriormente, e o
parágrafo em que se encontra, aparentemente não oferecem muitos elementos com os
quais relacioná-la: “Cuba virou o pretexto para a militarização da América Latina”.
Militarização. Bloqueio. Guerra Fria. Bicha. Aids. Ajuda: será que até a semelhança de
Aids/aid (ajuda, em inglês) incomoda? Será que é porque acredita-se que, na doença e na
morte, no mal, não há ajuda possível, quando é o contrário que deveria emergir? Não
seria em algo como a Aids que a ajuda deveria surgir, em suas várias formas (incluindo o
bem e a solidariedade, se é que existem), e rapidamente?
Matéria 12 – “Sexo exótico perde fôlego na Gringolândia” (recente pesquisa sobre
comportamento sexual dos americanos)
Ao afirmar, baseada em dados estatísticos de recente pesquisa realizada nos Estados
Unidos, que o comportamento sexual dos americanos está mais conservador, esta
matéria apresenta algo oposto à matéria sobre a copa do mundo, a qual apontava para o
“aumento das vendas do mercado do sexo”.
A matéria é bastante descritiva, apresentando os resultados da pesquisa. A Aids aparece
apenas como uma referência a mais, entre outros dados averiguados. É interessante notar
que, ao contrário do tom alarmista de algumas pesquisas, o articulista destaca que, de
acordo com esta pesquisa, não vem acontecendo o esperado aumento de disseminação
171
da doença, nem entre heterossexuais nem entre homossexuais – o que contrariaria os
prognósticos mais pessimistas comumente divulgados –, e isso devido a um maior
“conservadorismo” das práticas sexuais dos americanos. Será que o aumento da Aids
não acontece por causa das chamadas “práticas sexuais conservadoras” ou será que as
“práticas sexuais conservadoras” são, elas mesmas, resultado da Aids?
Nesta matéria, mesmo só aparecendo perifericamente, a Aids não é tratada de forma
trágica e nem cercada de “ondas de terror”. Parece ser, simplesmente, um elemento entre
outros.
Matéria 13 – “Preconceito também mata” (drogas)
A afirmação de que “a coluna não se encaixa no ameno clima natalino” parece ser uma
ironia do jornalista em relação à visão que a maior parte das pessoas tem do Natal. Note-
se o “paciência”, definitivo, que vem logo a seguir, escrito pelo articulista como um
pedido de desculpas (mas nem tanto) pela tema tratado.
A matéria tenta romper com a “hipocrisia” que cercaria a questão das drogas na
sociedade brasileira. A Aids aparece relacionada ao fato de que uma das formas de sua
transmissão é o uso comum de agulhas contaminadas na injeção de drogas intravenosas.
De acordo com o texto, o fato mais grave é que os viciados em drogas, tratados como
criminosos, não recebem tratamento preventivo à Aids. Há coragem na matéria ao dizer
que os usuários de drogas têm direito a tratamento, como outros doentes, e que a
distribuição de agulhas descartáveis é uma medida importante em termos de prevenção,
tratando o tema com objetividade.
1995
Matéria 1 – “Zurique quer deixar de ser centro de drogas” (drogas)
Problema das drogas em Zurique é abordado, sugerindo que a repressão é um possível
caminho para o controle de drogas. A matéria afirma que o “problema das drogas” se
tornou mais grave com a chegada da Aids, nos anos 80, o que levou o governo à
distribuição de seringas para evitar a propagação do HIV.
172
A matéria trata da questão das drogas na Suíça como um todo e, particularmente, em
Zurique, destacada como sendo a maior cidade suíça e concentradora de vários bancos.
Em diversos momentos diferentes, afirma-se que, em Zurique, a política de drogas vinha
sendo “liberal”, passando a ser mais repressiva apenas agora. A Aids não aparece como
tema central na matéria, mas em sua relação com os usuários de drogas.
Matéria 2 – “Novo convênio cobre terapias alternativas” (convênios de saúde)
Este texto é um box de uma matéria sobre a criação de um “ombudsman” da saúde, e
refere-se a convênios médicos, mais especificamente à criação de um novo convênio
(Qualis) que está se propondo a trabalhar com “terapias alternativas” (acupuntura,
homeopatia etc.). Os convênios tradicionais aparecem na forma de dois depoimentos
que, sem criticar diretamente a nova iniciativa, dizem que este tipo de plano só funciona
como algo “complementar”, não podendo substituir a medicina tradicional.
O mais interessante é a afirmação do diretor da Amil que coloca lado a lado “aidéticos e
doentes mentais”. Aids e doenças mentais? No contexto da frase, quaisquer outras
doenças graves e igualmente sérias poderiam ter sido ditas, pois o que se destacava era a
importância da medicina convencional e os limites dos tratamentos alternativos, que
foram colocados como secundários ou não tão imprescindíveis assim. O diretor da Amil
acha a iniciativa de criação do Qualis válida, mas diz que “estamos” mais interessados em
tratamentos para doenças graves (e, consequentemente, mais importantes do que terapias
alternativas ou naturistas). Valeria a pena saber se a Amil oferecia cobertura à Aids na
época, já que menciona uma espécie de “vantagem” para os usuários em relação ao novo
convênio.
Matéria 3 – “Produtora carioca é a 1a. a se submeter à vacina anti-Aids” (teste de
medicamentos anti-Aids em humanos)
Matéria bem curta, quase uma nota. O “assumiu publicamente sua identidade” dá um
tom grave ao fato, como se ela estivesse assumindo um crime. Afinal, o que haveria de
tão problemático em “assumir” tal participação?. Espera-se, com a atitude da produtora,
conseguir outros voluntários para os testes. Não fica claro o tipo de teste que está sendo
desenvolvido, sua forma (seria uma vacina?) ou as implicações para as pessoas
173
envolvidas. Nesta matéria, como em outras, troca-se a “ vacina” (droga) por seu teste,
como se o medicamento já estivesse sendo comercializado (a produtora, no caso, é a
primeira a se submeter a “teste de vacina”, e não à vacina propriamente dita). Note-se,
ainda, o “submeter” utilizado no título, o mesmo verbo usado na matéria sobre o teste de
HIV que a apresentadora Xuxa deveria realizar.
Matéria 4 – “Novos rumos na política de drogas alemã” (drogas)
Esta matéria relata as atuais tendências quanto a políticas de drogas na Europa,
especialmente na Alemanha, afirmando que posturas menos conservadoras vêm sendo
adotadas com relação a este tema. Na Alemanha, a prática tem demonstrado que a
liberalização é mais benéfica que a repressão.
A Aids surge na matéria por sua estreita relação com drogas intravenosas quanto ao
contágio, já que compartilhar agulhas é uma das formas de transmissão. A matéria
ressalta que medidas como a distribuição de seringas e as chamadas “salas de saúde”
(locais nos quais os usuários podem aplicar a droga) revertem positivamente no controle
à disseminação da Aids. Coloca, ainda, uma interessante questão quanto à liberdade
individual em relação às drogas: desde que não cause danos a terceiros, o indivíduo teria
direito a optar pela utilização de drogas (“escolher entre a vida e a morte”, de acordo
com a matéria). Drogas são sempre morte?
Matéria 5 – “Bispo anglicano defende sacerdotes homossexuais” (homossexualidade)
Um bispo anglicano da Inglaterra revelou publicamente, na rede de televisão BBC, ser
homossexual. Defendendo posições como a de que a orientação sexual não deveria ser
impedimento para a dedicação ao sacerdócio, heterossexuais e homossexuais devendo
ser tratados da mesma forma, o bispo Rawcliffe entra em confronto direto com as
posições mais conservadoras da igreja anglicana em relação ao homossexualismo. A
referência à Aids aparece em forma de pergunta, feita pelo jornalista ao bispo. Ao ser
perguntado sobre se a Aids mudou seu “comportamento”, este responde que não, já que
“era casado na época do surgimento da Aids”. Casados, portanto, parecem não figurar
entre aqueles passíveis de contrair o HIV, mas o bispo aconselha a todos os gays o “sexo
seguro”.
174
Um ponto repetido várias vezes ao longo da entrevista é a afirmação de que “ninguém
escolhe ser homossexual, simplesmente se é”, o que implicaria em não punição por parte
da igreja ou auto-recriminação. O período em que o bispo esteve casado é por ele
descrito como uma época em que pensou não ser mais “gay”, e o “alívio” que tal
constatação teria causado.
Matéria 6 – “As agonias da confissão” (literatura – autobiografia; livro resenhado trata
da vida do escritor, homossexual, que teria morrido devido à Aids)
O título é sugestivo, com duplo sentido percebido no início da leitura da matéria: as
agonias da confissão de se estar com Aids, as agonias da confissão pela confissão em si
mesma, aqui no sentido de revelação.
O que se destaca nesta matéria, de início, é a foto – enorme – de um rapaz muito bonito
(uma beleza plástica quase perfeita), aparentando uma calma e serenidade que,
normalmente, não combinariam com a Aids, já mencionada na legenda da foto. Olhando
a foto mais atentamente, entretanto, os olhos antes serenos tornam-se inquietos, quase
em agonia, olhos que pedem. A foto não traz a data em que foi tirada, nem a fonte da
qual foi extraída.
O título do livro, Para o amigo que não me salvou a vida, é sugestivo. O soropositivo –
que tem Aids – precisa de aid/ajuda. Na “orelha” do livro, lê-se que o título de fato se
refere a um amigo do autor, “manager de laboratório farmacêutico que prometeu a ele –
salvação impossível – incluí-lo em lista de doentes que participariam de experiência com
nova vacina, e depois recuou”.
A matéria considera o livro como sendo de ótima qualidade (apesar de criticar o que
chama de “invasão” de privacidades de personalidades famosas, como a atriz Isabelle
Adjani e Michel Foucault, na época já morto), tendo o mérito de tratar com maestria o
difícil tema a que se propõe: ser uma narrativa autobiográfica sobre como o autor, Hervé
Guibert, contraíra o vírus da Aids, e sua vida antes e depois deste episódio. A literatura
parece acertar outra vez, o discurso das artes retorna.
Há recorrências e semelhanças em relação à outra matéria sobre literatura, o que aponta
para um fato interessante: os dois autores, um escrevendo ficcionalmente, o outro
autobiograficamente, apresentam convergências em seus estilos literários e assuntos
175
tratados. A remetência a Nabokov, a semelhança estilística com Proust, a repetição
temática das “paixões humanas” apareceriam nos dois livros, construindo um mesmo
universo referencial para os leitores (qual seria seu perfil?) de livros cujo tema é a Aids.
Matéria 7 – “Falta paz na saúde de São Paulo” (sistema público de saúde)
Matéria trata sobre a questão da implantação do programa PAS, da prefeitura de São
Paulo, na época ainda em fase inicial. O principal enfoque é que o PAS reduz certos
direitos e conquistas do cidadão quanto à saúde pública, já tão precária no Brasil. Afirma
que em muitos aspectos o PAS se assemelha aos convênios privados de saúde, inclusive
ao excluir tratamentos de doenças como a Aids, entre outras. Como nas matérias sobre
cobertura de convênios, a Aids aparece perifericamente, não como enfoque principal, e a
matéria, além do tom de crítica severa à administração municipal da época (então sob o
comando do prefeito Paulo Maluf), não apresenta outros elementos que se destaquem
particularmente.
Um detalhe interessante é que a articulista, presidente do Conselho Regional de
Medicina, foi mencionada em uma outra matéria, ao dar uma declaração, reproduzida
entre aspas, sobre o conflito entre governo e convênios médicos quanto à cobertura ou
exclusão de determinadas doenças.
Matéria 8 – “Exame de audição pode detectar HIV” (alternativa para realização de
exame para detecção do HIV no organismo)
Matéria bastante curta, quase que uma nota a partir de notícia enviada por agências
internacionais. Trata especificamente da questão do diagnóstico de contaminação pelo
HIV por meio de um exame de audição, descoberto em um estudo científico publicado
em revista especializada. Uma frase se destaca na matéria: “... alguns portadores do vírus
têm resultados anormais no exame ...”. Não esclarecendo o que seriam tais “resultados
anormais” no exame usado normalmente para detectar outros tipos de infecções do
aparelho auditivo, sugere a oposição anormal/normal entre soropositivos e soronegativos
(ou pessoas não-infectadas pelo HIV). Haveria então, neste caso, um “uso anormal” do
exame para detectar problemas em pacientes também com resultados “anormais”?
176
Matéria 9 – “Falta de voluntários atrasa pesquisa de Aids” (teste de medicamentos anti-
Aids em humanos)
Matéria trata do mesmo assunto daquela referente à primeira voluntária submetida a um
teste de medicamento anti-Aids. Entretanto, não fica claro se o teste utiliza ou não o
mesmo medicamento e os mesmos procedimentos.
A matéria, desde o título, mesmo sem o fazer explicitamente, apela para o surgimento de
novos possíveis voluntários. Talvez seja mesmo esse seu propósito inicial. Entretanto,
quase ao final, destaca que “as exigências para os testes dificultam a seleção de
voluntários”, e descreve tais características, só então deixando claro que os voluntários
tem de ser portadores assintomáticos do vírus (de fato, isso pode ser uma dificuldade em
um outro sentido: poucas pessoas “ousam” revelar serem portadoras, ainda mais sem
apresentar os sintomas da doença).
Matéria 10 – “Brasileiros (quem diria) anunciam cura da Aids” (curas milagrosas
prometidas pela Igreja Universal do Reino de Deus)
Matéria bastante irônica (característica que pode ser atribuída ao jornalista que a redige,
Gilberto Dimenstein, tendo em vista outra matéria do mesmo autor anteriormente
descrita), escrita dos EUA, sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, do “bispo” Edir
Macedo. A igreja, prestes a realizar um evento para seus fiéis no tradicional Madison
Square Garden, em Nova York, lançou uma campanha promocional/publicitária na qual
prometia, entre outras coisas, cura para todas as doenças.
Ao telefonar para o número indicado na propaganda, o jornalista foi atendido por um
pastor que, perguntado sobre a possibilidade de cura da Aids, respondeu
afirmativamente, informando que, no Brasil, já houve casos de cura. Segundo o
jornalista, bastaria fé e, claro, algum dinheiro em doações. A Aids aparece, então, como
o “maior desafio” proposto a um “milagreiro”: se curasse Aids, curaria qualquer doença
(se curasse Aids, teria o respeito/crença do jornalista?). Em outro momento, a palavra
“disseminação” remete à Aids, mas é utilizada de forma inusitada: refere-se à
“disseminação da Igreja Universal” nos Estados Unidos.
Expressões como “curas milagrosas”, “promessas”, “mudos vão falar, cegos vão ver e
paralíticos vão andar”, “estratégia de marketing da igreja” sugerem um profundo descaso
177
e descrença com a Universal do Reino de Deus, pressupondo mesmo um tom
extremamente crítico do jornalista com relação a este tipo de fenômeno religioso, mas
sem avaliar as razões de sua enorme propagação.
A ironia persiste até o final, quando se lê: “Sinceramente, não sei para quem fica pior, se
para o Brasil ou para os Estados Unidos. PS – O escritor Paulo Coelho, que já assinou
contrato com Hollywood, não perde por esperar”.
Matéria 11 – “Doente grave deve receber nova droga contra HIV” (teste de
medicamentos anti-Aids em humanos)
Os testes de vacina a que a matéria se refere parecem ser os mesmos da matéria 9. Ao
menos, as exigências para os “voluntários” são as mesmas: baixa imunidade, estar
assintomático e nunca ter tomado nenhuma outra droga anti-Aids. A matéria não faz
remetência direta à anterior, o que provavelmente faria com que não fosse estabelecida
nenhuma relação entre elas quando lidas isoladamente pelo leitor do jornal.
Alguns dados, entretanto, são diferenciados: o local do teste (a primeira matéria
mencionava apenas Campinas) e os remédios testados (a primeira matéria, além do MK-
639, menciona também o Saquinavir). Um detalhe se destaca nesta segunda matéria: a
utilização da definição “inibidores de protease” para os remédios testados (lembrar que
estes inibidores viriam a se tornar grandes “estrelas” do Congresso Internacional de Aids,
em 1996, combinados em “coquetel”).
O título da matéria sugere que uma nova droga contra o HIV já foi aprovada e passará a
ser utilizada por qualquer doente grave (de Aids). O primeiro parágrafo segue a mesma
linha: o “uso humanitário” da droga, mesmo para pacientes “sem chance de
sobrevivência”, relacionando o “uso humanitário” à possibilidade maior ou menor de
sobrevida do paciente. Apenas no segundo parágrafo é que a narrativa começa a se
delinear mais claramente: a droga não é “para todos”, nem é um remédio já
comercializado; destina-se, por enquanto, apenas aos voluntários que se dispuserem a
testá-la.
Assim, não deixa claro quais “doentes graves” podem receber a droga, se qualquer um (a
partir de outubro) ou se apenas os que participarem do teste. A matéria parece deslizar,
assim, entre dois propósitos: o de divulgar a distribuição do remédio e o de conseguir
178
mais voluntários para os testes, trazendo, no final, separados do corpo da matéria, os
endereços de lugares para apresentação de voluntários.
A matéria apresenta informações bem organizadas sobre o remédio em si, com dados
sobre o medicamento e sobre os próprios testes, realizados em diversos países (não
menciona quais). Ao final da matéria, como que para “tranqüilizar” possíveis
“voluntários” ou “doentes graves”, afirma-se que o remédio está em “fase final” de
testes, prestes a ser comercializado. Entretanto, a citação final de uma fala de Lair
Guerra, coordenadora de programa governamental de Aids, mostra que algo ainda está
vago: “Estamos analisando as pesquisas para saber que providências tomar”. Saber que
providências tomar parece ser a grande pergunta dos órgãos oficiais com relação à Aids.
Matéria 12 – “Os gays e a visita do papa” (homossexualidade e igreja)
À primeira vista, a questão da “castidade”, proposta pela igreja católica como única
alternativa aos homossexuais, remete à entrevista do bispo anglicano, que dizia ter a
igreja anglicana a mesma postura. Apesar desta não ser uma solução aceitável de nenhum
ponto de vista (individual, social, ético, moral, sexual), já aponta uma mudança de
postura por parte da igreja, mudança não-voluntária, mas obrigatória: já que os
homossexuais existiram, existem e continuarão a existir, em vez de afirmar que “não
podem existir” (o que escaparia a seus poderes), a igreja afirma que eles podem, sim,
existir, desde que sejam celibatários.
O artigo de David Drew (12/94) menciona a importância de comprovação de que haja
um número alto de homossexuais na sociedade americana para que seus direitos possam
ser assegurados constitucionalmente. De acordo com a matéria, o número que os grupos
de gays e lésbicas divulgam é de que cerca de 10% da população seria homossexual (mas
a pesquisa realizada mostraria que este número é menor). Nesta matéria de Luiz Mott,
antropólogo que coordena as atividades de uma ONG voltada para a defesa dos direitos
de homossexuais, o mesmo número é utilizado como um dos argumentos para exigir que
estes não sofram nenhum tipo de discriminação ou preconceito, tendo os mesmos
direitos de todos os cidadãos.
Esta matéria critica duramente a igreja católica, na figura do papa e do cardeal do Rio de
Janeiro d. Eugênio Sales, destacando a posição preconceituosa e arcaica da igreja em
179
relação aos homossexuais. Um dos argumentos utilizados para criticar esta postura é
uma novela da Globo, apontada como positiva por tratar a questão da homossexualidade
de forma “isenta” e “digna”.
A comparação dos homossexuais com outras “minorias” (judeus e negros) é recorrente,
afirmando que os primeiros ainda não possuem o mesmo respeito e tratamento igualitário
que já é dado aos segundos por parte do governo e da igreja. O autor é cauteloso ao
criticar a sociedade brasileira como um todo, sugerindo (inclusive pela pesquisa
apresentada) que esta já trata com respeito e sem preconceitos os homossexuais, como o
faz com negros e judeus. A matéria utiliza, assim, uma estratégia de persuasão em que
tenta seduzir o leitor, elogiando-o. Entretanto, ao se referir a figuras da igreja e ao
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (citado nominalmente), seu tom é
bastante agressivo.
Dois elementos chamam a atenção no conjunto da matéria: mesmo recorrendo a uma
argumentação que evoca os princípios do “politicamente correto”, ao acusar d. Eugênio
Sales de conservadorismo afirma que “o cardeal assume o anacrônico machismo de seu
Nordeste de origem”. Em outro momento, afirma que até “países ultraconservadores”,
como Hungria e Eslovênia, já legalizaram “o contrato de união civil entre pessoas do
mesmo sexo”. Para exigir que direitos dos homossexuais sejam respeitados,
“desrespeita”, poder-se-ia dizer, outras supostas “minorias”.
Matéria 13 – “Justiça italiana caça imunidade penal de aidético” (mudanças na legislação
em relação a portadores do HIV na Itália)
Esta matéria envolve diversos temas ao mesmo tempo correlatos e díspares: drogas,
legislação, Aids, portadores do HIV, sistema penitenciário, impunidade/punição. Em
oposição à matéria sobre políticas de drogas na Alemanha, francamente liberal, apresenta
uma linha de raciocínio conservadora, o que pode ser identificado já pelo verbo “caçar”,
usado no título, palavra que se destaca em relação às outras, mais convencionais.
Percebe-se a linha da argumentação por meio de algumas expressões usadas ao longo da
matéria, como “bandidos”, “quadrilha de Turim”, “a quadrilha é composta por viciados
em heroína”, “bolsos e casacos repletos de dinheiro”, “policiais e assaltantes já se
conhecem pelos primeiros nomes”, além da qualificação de “apressada” dada à decisão
180
italiana de fechar seus asilos psiquiátricos em fins dos anos 70, “ainda” não substituídos
por nenhuma outra instituição (“ainda” indicando que, entretanto, deveriam sê-lo).
O tema principal da matéria, em si, já é polêmico: de 1992 a 1995, os “doentes
terminais” (não apenas de Aids) possuíam imunidade penal, ou seja, não poderiam ser
processados, nem encarcerados. Essa imunidade acabara de ser cassada (época de
publicação da matéria), cassação motivada pelo aparecimento da “quadrilha de Turim”
(ou será que a quadrilha foi apenas um pretexto?). Os integrantes da “quadrilha” seriam
portadores do HIV, contraído pelo uso de agulhas contaminadas usadas em comum para
injeção de heroína.
Apesar de assumir uma posição clara, a matéria apresenta o argumento dos assaltantes
para justificar seus atos: uma espécie de protesto ao descaso com que são tratados, e à
falta de atendimento (ou, talvez, uma forma de ganhar dinheiro para tratamento ou para
drogas?).
Observando a matéria ao lado desta (apesar de saber que, neste momento, apenas uma
matéria estava sendo lida), percebe-se uma instigante combinação. O título “Seu filho já
pensou em suicídio?” parece sugestivo se colocado em relação ao outro, “Justiça italiana
cassa imunidade penal de aidético”. A primeira frase da matéria sobre suicídio (cujo tema
não é a Aids), diz o seguinte: “Reconheço que é péssimo lançar a pergunta do título
acima, especialmente num domingo”. O autor parece familiar: o mesmo Gilberto
Dimenstein que afirmou em matéria anteriormente analisada não ser de “bom tom” falar
de Aids e drogas na época de Natal, o que leva a pensar que, de fato, é ele mesmo quem
se incomoda com tais assuntos em certos dias, e não o leitor do jornal.
A surpresa foi maior ao ler, na matéria sobre Aids (ao lado, como já foi observado), uma
declaração de um dos integrantes da “quadrilha de Turim”: “Muita gente que está na
mesma situação que eu vai preferir cometer suicídio a voltar à cadeia (...) Como podem
cogitar colocar alguém como eu numa cela com outros presos?” (o soropositivo, “filho
de alguém”, já pensou em suicídio...). A Aids aparece, para o próprio doente, como
condenação de morte, veredicto final. Uma espécie de pena de morte, talvez dupla, aos
portadores do HIV: fazê-los se sentir assim, simbolicamente condenados, por um Estado
que, no fundo, gostaria de condená-los de fato (pensar em “asilos para aidéticos” não
seria o mesmo que condená-los explicitamente à morte?).
181
Esta matéria foi escrita em Roma, publicada em Londres e traduzida para a Folha,
recobrindo vários países diferentes com as mesmas imagens. Será que foram lidas da
mesma maneira?
Matéria 14 – “Substância bloqueia ‘Aids de macacos’” (teste de medicamentos anti-Aids
em macacos)
A matéria soma-se àquelas que tratam especificamente da Aids enquanto doença, na
editoria Ciência. Entretanto, a expressão “Aids de macacos”, aparecendo pela primeira
vez no título, gera estranhamento, algum desconforto. Poder-se-ia perguntar: que efeitos
essa expressão gera, assim, repetida à distância, querendo parecer ser usada
aleatoriamente?
Já no início do primeiro parágrafo, esclarece-se que não se trata de “Aids de macacos”,
mas de uma doença semelhante à Aids que ocorre em macacos, a Síndrome da
Imunodeficiência em Símios, uma das doenças associadas ao início do aparecimento dos
primeiros casos de Aids em seres humanos.
Apesar do estranhamento inicial, a matéria apresenta dados médico-científicos,
declarações de pesquisadores, números, elementos que tentam conferir-lhe uma certa
credibilidade a partir de processos de ancoragem (“sustentação”) usados para criar
efeitos de verossimilhança.
Uma observação geral: a maioria das matérias aqui classificadas tendo como tema
principal a Aids (e não drogas, homossexualismo, convênios etc.), além de aparecer na
editoria Ciência refere-se, quase que totalmente, a testes de medicamentos – chamados,
aliás, invariavelmente, de “drogas”. Drogas para a Aids. Drogas anti-Aids. Drogas contra
a Aids. A Aids é algo em relação ao qual se deve, sempre, estar “contra”.
Matéria 15 – “Ser unicelular pode ativar HIV” (questão do desenvolvimento da Aids,
em sua passagem de “assintomática” para “sintomática”)
Uma questão que tem intrigado os pesquisadores e cientistas com relação à Aids é saber
qual o limiar entre um soropositivo assintomático e um já apresentando os sintomas da
doença. Quais seriam esses “primeiros sintomas”? Como demarcá-los e saber que a partir
de determinado momento as doenças que o paciente possa ter já seriam as chamadas
182
“doenças oportunistas”? Quando o HIV deixa de ser inativo e passa a se multiplicar mais
aceleradamente (pois sabe-se hoje que, de fato, ele nunca cessa de se multiplicar)?
Esta matéria quer oferecer uma possibilidade de resposta a essas e outras perguntas. A
hipótese apresentada é que um possível responsável pela ativação do HIV seria um ser
unicelular, um protozoário transmitido por uma picada de mosquito. Mesmo sem estar
associado à Aids, esse protozoário levaria à debilitação do sistema imunológico de quem
é por ele picado. Interessante notar que, de acordo com a matéria, o mosquito-
hospedeiro se concentra mais na “América do Sul, África, Índia e Oriente Médio”, locais
de grande aumento de casos de Aids. A união do protozoário e da Aids é que favoreceria
o avanço mais acelerado da doença.
A matéria traz informações mais técnicas sobre o protozoário e a própria Aids, de forma
sintética mas clara. Não esgota o assunto, mas apresenta o essencial. O final da matéria,
entretanto, parece deslocado, tratando de outro assunto, não mais relacionado à Aids
(mencionada no título) mas apenas ao mosquito, que traz em sua saliva um potente
agente dilatador dos vasos sangüíneos que poderia ser usado, por exemplo, em cirurgias
cardíacas.
Matéria 16 – “Pacientes fogem de médicos no fim do ano” (consultas e exames médicos
em época de festas de fim-de-ano)
O assunto sobre o que é permitido/aceitável em época de festas de Natal e Ano Novo,
domingos e outros dias “felizes” volta aqui, dessa vez para dizer que tanto as pessoas
quanto os médicos solicitam e realizam menos exames na época de fim de ano. O exame
de detecção do HIV não poderia ser diferente: as pessoas evitam fazê-lo nesta época e os
médicos evitam solicitá-lo, chegando ao ponto da central de exames sorológicos do
hospital Emílio Ribas suspender a realização dos mesmos durante quase um mês (de
10/12 a 02/01).
Interessante, logo no início da matéria, é a menção de que até o pronto-socorro (que
normalmente atende emergências) é menos procurado próximo às festas de fim de ano, o
que leva a crer que as próprias pessoas – voluntariamente – buscam menos o serviço
médico. Diminuem, portanto, seus sintomas, queda também observada em finais de
semana e dias próximos ao Carnaval e à Semana Santa. Provavelmente, mesmo em
183
situações de rotina esses casos não seriam considerados urgentes, indicando até um uso
indevido do pronto-socorro.
A época em que as pessoas mais fazem testes anti-HIV é depois do carnaval, quando a
procura bate recordes, indicando que, apesar do domínio das informações, poucas
pessoas efetivamente se preocupam com parceiros, camisinhas, sexo seguro durante o
carnaval e, depois dele, querem apenas confirmar que tudo está bem, se “escaparam”, se
“ainda não foi dessa vez”.
A Aids e os testes de HIV também são mencionados no último parágrafo da matéria,
afirmando que, no final do ano, a procura por testes cai a menos de um terço do número
habitual nos serviços públicos de saúde. Ou seja, a soropositividade é, de fato, uma má
notícia, indesejável em qualquer época, ainda mais em período de festas. A última frase
resume este sentimento: “As pessoas não querem ter notícias ruins nessa época do ano”.
A Aids surge novamente como a “notícia ruim”.
Matéria 17 – “47% dos gays não usam preservativos” (pesquisa sobre baixo uso de
camisinhas entre homossexuais masculinos)
Uma pesquisa programada para durar três anos vem sendo desenvolvida com
homossexuais masculinos, alguns bissexuais, de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte. A matéria, um box publicado ao lado da matéria sobre realização de exames
no final do ano, mostra alguns dados preliminares dessa pesquisa, todos alarmantes se
pensados em relação ao uso da camisinha como prevenção para a disseminação da Aids e
o contágio pelo HIV. O box traz ainda o depoimento de um psicólogo que afirma sempre
usar camisinha (modelo a ser copiado?) e um perfil dos 113 participantes da pesquisa em
São Paulo, desenvolvida pelo Projeto Bela Vista.
O grupo acompanhado pelo projeto é formado por homens com boa escolaridade e bom
nível de informações sobre a Aids e suas formas de contágio, confirmando um velho
bordão: informação – ainda mais num assunto como esse – não basta, já que as supostas
“mensagens” não são transmitidas linearmente de um emissor a um receptor. Um dado
importante é a afirmação de que bissexuais usam menos camisinha com mulheres do que
com homens, por acharem que as mulheres oferecem “menos risco” de contágio.
Resultado: são essas mulheres que, às vezes sem saber, podem contrair o HIV.
184
Além disso, este fato aponta uma característica comum em se tratando de doenças
contagiosas: a preocupação dos homens é que eles não sejam contaminados, e não que
suas possíveis parceiras não sejam contaminadas por eles. A afirmação “prevalece a
crença” é instigante: é a Aids, então (ainda!), uma questão de crença? A crença, que em
princípio parece oposta à idéia de doença, contágio, remédios – que colocam-se mais ao
lado da ciência –, aparece, assim, relacionada à Aids, indicando que a própria ciência é
hoje ela também uma questão de fé, já que os aparelhos “teletecnológicos” (para usar
expressão de Jacques Derrida) estão cada vez mais complexos, obscuros, escapando ao
entendimento de quem os opera e utiliza, assim como as complexas doenças
contemporâneas.
O principal motivo citado para o uso da camisinha é a possibilidade de contrair Aids.
Idéias como o de “não ter medo” ou “ter confiança no parceiro” são usadas como razões
para não se usar o preservativo, reforçando, paralelamente, a idéia de que a Aids é algo
de que se deve ter medo e que é preciso desconfiar das pessoas, pois elas podem ter
Aids.
Matéria 18 – “Fiocruz vai ter hospital para tratar aidéticos” (construção de hospital
específico para tratamento a pacientes de Aids)
A matéria é bastante sintética e um pouco confusa, mas sugere que um convênio entre
governo do Estado do Rio de Janeiro, governo federal e Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), com financiamento do Banco Mundial (Bird), vai possibilitar a construção de
um hospital na zona norte do Rio para atender, prioritariamente, doentes com Aids. O
terreno, onde será construído um novo hospital, fica ao lado de um hospital desativado,
que deverá atender pacientes de doenças infecto-contagiosas.
As leituras acima foram feitas antes da confecção dos “quadros coloridos”, como um
momento de passagem, carecendo ainda de maior rigor quanto aos métodos de sua
elaboração. Daí o nome do próximo item, “por um modo de ler”, começando pela
conceituação do referencial teórico-metodológico envolvido na elaboração dos quadros
das segundas leituras para, em seguida, pontuar os principais elementos destacados nos
185
“quadros coloridos”. Note-se que os quadros não serão descritos exaustivamente, um a
um, mas em suas linhas gerais, naquilo em que se repetem.
5.2. interlúdio: por um modo de ler
A segunda leitura das matérias fundamentou-se no capítulo de E. Benveniste (1989) que
trata do “aparelho formal da enunciação”. Enunciação, palavra-chave neste momento:
ler não o texto dos enunciados (das matérias), mas o como foram escritos, sua
enunciação. A enunciação seria este “colocar em funcionamento a língua por um ato
individual de utilização” (Benveniste, 1989: 82). Dessa forma,
o discurso, dir-se-á, que é produzido cada vez que se fala, esta
manifestação da enunciação, não é simplesmente a “fala”? – É preciso ter
cuidado com a condição específica da enunciação: é o ato mesmo de
produzir um enunciado, e não o texto do enunciado, que é nosso objeto.
Este ato é o fato do locutor que mobiliza a língua por sua conta. A
relação do locutor com a língua determina os caracteres lingüísticos da
enunciação. Deve-se considerá-la como o fato do locutor, que toma a
língua por instrumento, e nos caracteres lingüísticos que marcam esta
relação (Benveniste, 1989: 82) (grifos da autora).
Nos capítulos 4 e 5 do segundo tomo de seu Problemas de lingüística geral, Benveniste
conceitualiza de maneira exemplar os caminhos da enunciação. Ao iniciar o capítulo 4,
“A linguagem e a experiência humana”, aponta que todas as línguas têm em comum
determinadas categorias, das quais destaca as de pessoa, espaço e tempo.
De acordo com Benveniste, toda língua organiza a pessoa em duas oposições básicas: o
eu em oposição ao tu (“não-eu”), e a pessoa eu ou tu em oposição à não-pessoa ele. O
eu coloca-se como interior ao enunciado e o tu como exterior, podendo ter seus lugares
invertidos, o eu podendo sempre tornar-se tu e vice-versa. A não-pessoa ele, entretanto,
não pode nunca inverter-se em pessoa (eu ou tu).
186
O eu é “a pessoa que enuncia a presente instância de discurso a conter a instância
lingüística eu” (Barthes, 1988: 34). O ele, por sua vez, situa-se fora da instância do
discurso e nunca a reflete, não podendo, por essa razão, tornar-se eu ou tu. Para aquele
que enuncia, o ato de discurso é cada vez um ato novo. O eu, de mero dado lexical da
língua, posto em ação no discurso introduz nele a presença da pessoa que fala e, ao fazê-
lo, evoca – implícita ou explicitamente – o pronome tu que se opõe a ele. Sem este ato,
nenhuma linguagem seria possível, e nem a possibilidade mesma do discurso:
Necessariamente idêntica em sua forma (a linguagem seria impossível se a
experiência cada vez nova devesse inventar para cada pessoa uma
expressão cada vez diferente), esta experiência não é descrita, ela está lá,
inerente à forma que a transmite, constituindo a pessoa no discurso e
consequentemente toda pessoa desde que ela fale. Por outro lado, este eu
na comunicação muda alternativamente de estado: aquele que o entende o
relaciona ao outro do qual ele é signo inegável; mas, falando por sua vez,
ele assume eu por sua própria conta (Benveniste, 1989: 69).
Ao falar, portanto, o eu assume o lugar daquele que, naquele momento diz “eu”, o outro
podendo requerer para si a posição de eu, falando, a seu termo, “eu”. O eu da língua só
se constitui a partir daquele que o fala.
Além dos pronomes pessoais, outros indicadores, como os demonstrativos e os diversos
tipos de advérbios organizam o espaço a partir de um ponto central, relacionado àquele
que organiza o discurso. Em relação ao espaço, ou “lugar do fato”, este está sempre
próximo ou longe de mim, locutor.
A categoria do tempo, por sua vez, é tida por Benveniste como uma das mais ricas da
língua. Antes de tratar especificamente do tempo lingüístico, Benveniste aponta para a
distinção que se deve fazer entre o tempo físico, um contínuo uniforme, linear e infinito
que pode ser segmentado de diferentes formas, o tempo crônico (ou cronológico), tempo
dos acontecimentos e do desenrolar da história, e o tempo da língua, organicamente
ligado ao exercício da fala. É este último que será aqui destacado.
187
O tempo lingüístico, afirma Benveniste, tem seu centro no presente da instância da fala:
“Cada vez que um locutor emprega a forma gramatical do ‘presente’ (ou uma forma
equivalente), ele situa o acontecimento como contemporâneo da instância do discurso
que o menciona” (Benveniste, 1989: 74). Este presente é reinventado a cada vez que um
humano fala, pois trata-se de um momento novo, ainda não vivido, na medida em que só
se faz no ato mesmo da fala.
É, portanto, a partir do presente lingüístico que os demais tempos da língua se
constituem, o passado como o que não é mais presente e o futuro como o que ainda vai
sê-lo. Desse modo, o tempo lingüístico tem sempre como centro gerador o presente da
enunciação, o sistema temporal do discurso sendo determinado não pela relação do
enunciador com o referente (aquilo a que se faz referência) mas pela relação do
enunciador com a enunciação.
Do tempo lingüístico, um último aspecto é destacado por Benveniste, aspecto este que
busca explicar a relação temporal estabelecida entre as pessoas envolvidas no ato de fala:
Algo singular, muito simples e infinitamente importante se produz
realizando algo que parecia logicamente impossível: a temporalidade que
é minha quando ela organiza meu discurso, é aceita sem dificuldade como
sua por meu interlocutor. Meu “hoje” se converte em seu “hoje”, ainda
que ele não o tenha instaurado em seu próprio discurso, e meu “ontem”
em seu “ontem” (Benveniste, 1989: 77).
Disso decorre que, pessoa, espaço e tempo, primeiras categorias utilizadas na
organização dos “quadros coloridos”, são aqui considerados como referências
intradiscursivas, apontando para as relações estabelecidas entre o enunciador (ou
locutor) e a enunciação, criando, no enunciatário (ou interlocutor) uma relação de
proximidade (categorias do eu-aqui-agora) ou distanciamento (categorias do ele-lá-
então) com a enunciação.
Mesmo sem estar na comunicação falada, as referências intradiscursivas são atualizadas e
podem ser entendidas, por exemplo, pelo leitor de um texto escrito (no caso desta
pesquisa, matérias de jornal), por meio de um determinado conjunto de coordenadas
188
espácio-temporais, que objetivam signos tais como “este”, “eu”, “agora”, que têm, a
cada vez, um referente único na instância da enunciação.
Quando alguém fala, por exemplo, “hoje, neste momento” (tempo crônico), refere-se de
fato ao tempo mesmo em que está falando (tempo lingüístico). Para tornar o “hoje”
inteligível fora do tempo presente – uma das características do jornalismo – é preciso
relacioná-lo a uma divisão explícita do tempo crônico, como “hoje, dia 23 de maio de
1995”, data que indica uma convenção, usada quase que exclusivamente na comunicação
escrita (já que, na comunicação falada, por estar no mesmo “momento” que o locutor, o
interlocutor partilha com ele do mesmo “hoje”).
É do capítulo 5 de Benveniste, “O aparelho formal da enunciação”, que foram retirados
os outros elementos e categorias necessários à organização dos “quadros coloridos”.
Benveniste inicia este capítulo estabelecendo uma distinção entre o estudo do “emprego
das formas” (conjunto de regras sintáticas que fixam as condições sob as quais as formas
lingüísticas podem ou devem aparecer), emprego este que se situa no eixo paradigmático
da língua – de suas escolhas possíveis –, e o estudo do “emprego da língua” (diferente da
língua em si, seu emprego revela a apropriação individual que cada um dela faz), situado
no eixo sintagmático da linguagem – das escolhas feitas. Estabelece, assim, a diferença
anteriormente apontada entre analisar apenas os enunciados ou, mais do que eles, os
procedimentos da própria enunciação.
A enunciação, propõe Benveniste, deve ser estudada sob três aspectos: a) a realização
vocal da língua, seus sons e variedade fonética (que se verifica mesmo entre falantes de
uma mesma língua); b) os mecanismos de sua produção, ou seja, analisar como o
“sentido” se forma em “palavras”; c) definindo-a no quadro formal de sua realização
(lugar onde se localiza o sujeito do inconsciente, aquele que “fala enquanto eu falo”).
O terceiro aspecto – definir a enunciação no quadro formal de sua realização – foi aquele
privilegiado para a realização das leituras das matérias a partir do esboço traçado pelos
“quadros coloridos”. Assim, foram considerados, na enunciação, três aspectos: a) o ato
mesmo de produzi-la (ato individual pelo qual se utiliza a língua e que introduz o locutor
como parâmetro nas condições necessárias da enunciação); b) as situações e condições
nas quais ela se realiza (no caso desta pesquisa, as determinações do fazer jornalístico);
c) os instrumentos de sua realização.
189
Por meio de uma série de “indicadores”, buscou-se, assim, construir o mecanismo de
referência no processo de enunciação, entendendo a referência como parte integrante
deste processo. É importante destacar que, entretanto, a referência não se dá em relação
à realidade, mas aos discursos que se organizam para construí-la. Assim, para cada uma
das matérias buscou-se indicar, além de seus elementos constituintes, os discursos por
elas mobilizados (por exemplo, discurso da ciência, do Estado, médico, religioso, entre
outros).
Pelos vários discursos que são ali chamados, o jornal cria com o leitor um universo
referencial que este antes desconhecia. No caso da Aids, por exemplo, o lugar destinado
pelo locutor à doença ou ao portador, ao nomeá-los, cria, para o leitor, um universo
referencial determinado a partir dos diversos discursos ali chamados para construí-lo.
Como parte das leituras das matérias de jornal, portanto, foram também identificados,
além dos protagonistas da narrativa, os lugares em que o portador tem sido colocado
pelo locutor.
Além destes elementos, destaca-se, do texto de Benveniste, a distinção realizada entre as
diversas funções sintáticas da enunciação, empregadas pelo enunciador para influenciar
de algum modo o comportamento daquele a quem se dirige. O autor identifica três
funções: a) interrogação, construída para suscitar uma resposta por meio do uso de
formas lexicais e sintáticas específicas (pronomes, partículas, seqüência etc.); b)
intimação, implicando uma relação viva e imediata do enunciador ao outro, relacionada
ao tempo da enunciação e caracterizada por ordens e apelos (imperativos e vocativos); c)
asserção, que visa comunicar uma certeza, afirmando positiva ou negativamente uma
proposição.
A asserção, “a manifestação mais comum da presença do locutor na enunciação”
(Benveniste, 1989: 86), parece ser a função sintática mais recorrente no discurso
jornalístico, já que jornal visa comunicar uma certeza, seja ela afirmativa ou negativa.
Um bom exemplo disto são as manchetes publicadas, como será visto na parte específica
sobre as matérias analisadas, invariavelmente assertivas.
Observou-se, ainda, as “modalidades formais”, tanto dos verbos (indicativo, subjuntivo,
infinitivo, imperativo, condicional), “que enunciam atitudes do enunciador do ângulo
190
daquilo que enuncia” (Benveniste, 1989: 87), como da fraseologia (“talvez”, “sem
dúvida”, “provavelmente”), indicando incerteza, possibilidade, indecisão.
Finalmente, buscou-se, ainda, observar isoladamente os títulos da cada uma das matérias
e, em sua construção narrativa, as palavras ou imagens recorrentes, repetidas nas
matérias em relação a si mesmas e nas matérias umas em relação às outras.
Como última observação, é importante reforçar a questão do outro implicada em
qualquer forma discursiva. Da enunciação, Benveniste afirma:
O que em geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação
discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginário, individual ou
coletivo.
Esta característica coloca necessariamente o que se pode denominar o
quadro figurativo da enunciação. Como forma de discurso, a enunciação
coloca duas “figuras” igualmente necessárias, uma, origem, a outra, fim
da enunciação. É a estrutura do diálogo (Benveniste, 1989: 87).
No discurso jornalístico, mesmo que este seja considerado um vasto monólogo do
jornalista (ainda que não do mesmo jornalista em todos os momentos), o outro,
pressuposto em qualquer enunciação deve, necessariamente, estar lá colocado, um “eu
locutor” que se opõe a um “eu leitor”.
A partir desses parâmetros, e após as primeiras leituras e as primeiras impressões, já
apresentadas, organizaram-se quadros figurativos da enunciação, os aqui chamados
“quadros coloridos”. Considerou-se, portanto, que o que surge no discurso são formas
figurativas que formam o quadro da enunciação. No caso desta pesquisa, buscou-se
destacar quais figuras aparecem para formar o quadro figurativo que caracteriza a Aids e
o portador do HIV, quais as referências que vão constituindo a enunciação quando se
fala da Aids. É este quadro figurativo – que não é fixo, mas vai se modificando
constantemente – que configura o imaginário da Aids.
É a enunciação, por meio dos discursos, que instaura o lugar da Aids (e de todas as
outras imagens) na sociedade. Perceber como se construiu este lugar que instala o lugar
191
da Aids em nossa sociedade – no caso desta pesquisa, de que o modo o jornal foi
criando este universo – foi o objetivo perseguido na confecção dos “quadros coloridos”.
Foram horas de leitura para montá-los. A partir do momento que iam surgindo,
lentamente (ao ritmo binário da escrita, não na digitalidade do computador), confluências
se formavam. É delas que se trata a seguir, uma breve tentativa de captar seus principais
desvelamentos.
5.2.1. leituras
O fazer jornalístico reveste-se, ele mesmo, de características próprias que determinam as
relações do jornalista-locutor com a enunciação. A fala do jornalista já é, desde sua
constituição, barrada e restringida pelas regras do fazer jornalístico.
Entretanto, a posição do jornalista é determinada pelo discurso que articula a própria
instituição, situando-o no lugar daquele que “pode dizer” e “tudo dizer” (o discurso do
poder, o discurso do saber). Seria, assim, uma articulação de enunciados que atuam
“como se” não partissem do lugar da enunciação. Constitui-se, deste modo, como
negação da divisão do sujeito, negação da falta.
Para efeito do trabalho, o processo de leitura das matérias jornalísticas considerou como
ponto fundamental o fato de que apesar do discurso restringidor do jornal constituir-se
sobre a negação, o sujeito da enunciação ($) aparece, surge, emerge. Considera-se,
assim, uma “mistura” dos sujeitos: o sujeito da enunciação do discurso do jornal e o
sujeito da enunciação que marca o próprio jornalista. Às vezes, esta relação causa
estranhamento e desconforto, como na matéria sobre “inglês e seu namorado”, ou no
artigo de Arnaldo Jabor sobre o filme Morango e chocolate. Nestes momentos, coloca-
se um paradoxo: apesar do sujeito da enunciação do jornalista se sobrepor, em
determinadas ocasiões, ao sujeito da enunciação do jornal, ele busca, todo o tempo, não
se deixar aparecer, negando a barra e a impossibilidade de “tudo dizer”.
O jornalismo, portanto, pressupõe que seu fazer seja pautado por um “Eu, jornal...”
(linguagem jornalística) falando com “Tu, leitor...” de uma terceira pessoa “ele”, alguém
distante, “lá”. No caso específico da pesquisa, a linguagem jornalística estaria falando ao
leitor da Aids e daqueles por ela afetados. Entretanto, o que não pode ser
192
desconsiderado é que esta expressão, antes de ser expressão da Aids ou do jornal, é
expressão daquele que fala (daquele que escreve), o jornalista-locutor ou o jornalista-
narrador referidos neste trabalho.
Enquanto escritor, o jornalista se enuncia escrevendo, e estrutura o que escreve. Assim,
a enunciação escrita, que se distingue da falada, pode ser situada em dois planos: “O que
escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele faz os indivíduos se
enunciarem” (Benveniste, 1989: 90). Com Freitas, afirmamos que
A direção proposta para as pesquisas aqui desenvolvidas, valendo-se da
psicanálise freudiana e da antropologia estrutural, principalmente referidas
aos trabalhos de Lacan e Lévi-Strauss, permitiu o deslocamento da figura
do emissor da exterioridade das mensagens para o interior mesmo das
produções discursivas. Nesse interior, o emissor não é aquele que fala,
mas aquilo que do dito envia ao dizer, aquilo que, da mensagem, envia ao
mensageiro (Freitas, 1997: 21).
Ao escrever, portanto, o jornalista se enuncia e faz aqueles de quem escreve se
enunciarem, não autonomamente, mas a partir de sua própria enunciação. A Aids, assim,
enunciar-se-ia a partir desta fala, barrada, do jornalista que sobre ela escreve. Resta
saber, portanto, quem fala pela fala do jornalista-narrador, aquele que efetivamente está
escrevendo.
Na análise das matérias para configuração dos “quadros coloridos”, além de destacar os
elementos acima apontados, três questões básicas em relação ao tema da Aids foram
mantidas como motivadoras das leituras:
• Como o mundo entra em contato com a questão da Aids por meio dos jornais (como
ela está escrita)?
• Como os discursos instituídos (referências) entram em contato com a questão da Aids
(como a ela se referem)?
• O que dizem os discursos instituídos?
Analisando as características gerais encontradas nos “quadros coloridos”, as repetições,
os temas e a composição de cada um deles, optou-se por destacar alguns de seus
193
aspectos gerais, já que a reprodução integral de todos os quadros seria, neste momento,
fastidiosa e até mesmo contraproducente, pois trata-se de estabelecer, a partir de agora,
uma leitura mais abrangente, que aponte não para a leitura individual das matérias (já
realizada exaustivamente em momentos anteriores) mas para uma possível configuração
da “grande narrativa” nelas escrita.
Uma primeira observação diz respeito aos títulos das matérias. Em sua maioria, as
manchetes foram escritas em tempo presente, modo indicativo, de forma assertiva
afirmativa. Apenas duas matérias trouxeram formas negativas do verbo (“A pílula não é
para todos”; “47% dos gays não usam preservativos”) e em três matérias não há uso de
verbos nos títulos. Estes elementos, considerados em relação à própria linguagem
jornalística, apontariam para um dado interessante: o desejo de estabelecer, com o leitor,
a idéia de que, no jornal, não há espaço para dúvidas ou equívocos, apenas para fatos já
consumados e constatados. Entretanto, as certezas (em sua maioria positivas)
apregoadas pelas manchetes nem sempre se confirmam na leitura das matérias.
Nas categorias de pessoa, espaço e tempo, ocorrem pequenas variações mas, em geral,
tem-se a seguinte configuração. Quanto à pessoa, as matérias são escritas, em sua
maioria, em terceira pessoa (singular ou plural), numa tentativa de conferir objetividade e
neutralidade ao texto. As exceções ficam por conta de matérias assinadas por articulistas
regulares do jornal, como David Drew e Arnaldo Jabor, publicadas em suas respectivas
colunas fixas, ambas no caderno Ilustrada (cultura e variedades). Em relação ao espaço,
assim como para pessoa, a tentativa é transmitir objetividade e neutralidade ao leitor (o
que, supostamente, conferiria maior credibilidade ao jornal). Dessa forma, o “lá”, e não o
“aqui”, é evocado como lugar dos fatos narrados.
A categoria tempo reveste-se de características variadas. Não se pode dizer que há
predominância em termos de tempo verbal, presente, passado e até mesmo futuro (em
menor grau) mesclando-se nas matérias e, algumas vezes, dentro da mesma matéria.
Entretanto, como uso mais comum, pode-se colocar presente e passado como os tempos
mais recorrentes, confirmando a estrutura narrativa à qual foi associado o jornalismo.
Quanto aos modos do verbo, há clara predominância do indicativo, com alguns usos
ocasionais do subjuntivo, quando se quer interpelar mais diretamente o leitor, e do
condicional.
194
Entre os pronomes e advérbios, há usos variados, os advérbios sendo utilizados mais
freqüentemente que os pronomes, principalmente para precisar a relação espácio-
temporal apontada por Benveniste. “Ontem”, “hoje”, “pouco”, “muito”, “não”, “nada”
são advérbios comumente usados. É interessante notar que palavras que denotam dúvida
ou incerteza, como “talvez” e “provavelmente”, não aparecem com freqüência. Entre os
pronomes, destacam-se os demonstrativos (“este”, “aquele”, “isto”, “isso”, “esse”,
“essa”) e os pessoais. Chamou a atenção o fato de que nas matérias mais rigidamente
ligadas à linguagem jornalística há pouco uso de pronomes pessoais, o sujeito de quem
se fala sendo sempre nomeado, geralmente com uso de sinônimos (para cientistas, por
exemplo, variações com as palavras pesquisadores, estudiosos, professores).
Em relação aos discursos instituídos chamados a configurar o discurso da Aids,
destacaram-se os seguintes como aqueles mais evocados: discurso médico, discurso da
ciência, discurso do Estado (englobando o discurso jurídico e o político) e o discurso
social (englobando o discurso moral). Os demais foram variados, mas aparecendo poucas
vezes. Entre eles, pode-se destacar: discurso literário; discurso religioso; discurso
mediático (jornalismo, publicidade, televisão); discurso sociológico; discurso estético-
cultural; discurso empresarial.
Os discursos médico e científico aparecem mais nas matérias diretamente ligadas à Aids,
em forma de prevenção ou descobertas e pesquisas científicas. Ao utilizar nomes de
pesquisadores, depoimentos e dados quantitativos, conferem verossimilhança e
credibilidade à matéria. O discurso do Estado, quando evocado, parece sempre querer
impor a lei e a ordem, chamar ao bom funcionamento da sociedade seja por meio de
intervenção direta, seja por meio de mudanças na legislação e políticas públicas,
principalmente ligadas à área de saúde. Finalmente, o que se chamou de discurso social
engloba um espectro variado de elementos, desde manifestações de ONGs e grupos
organizados (principalmente com reivindicações em relação à Aids e aos homossexuais)
até expressões mais moralistas de grupos que clamam pelo que poderia ser chamado de
“restabelecimento da ordem moral” da sociedade.
A fim de completar as considerações gerais extraídas dos quadros enunciativos,
destacam-se agora as figuras com as quais foram recobertos a Aids e o portador,
imagens quase nunca belas.
195
Em relação à Aids, apesar da variedade de aparições, um fato a ser destacado é o grande
número de evocações em matérias que não tratavam diretamente do tema. Isto pôde ser
percebido em diversos momentos, mas poder-se-ia isolar como exemplares os artigos de
Paul Veyne e de Arnaldo Jabor. Outras matérias, como aquelas sobre políticas de
convênios, saúde pública e drogas, apesar de não tratarem especificamente da Aids,
apresentam caminhos mais nítidos para evocação da doença, apesar destes caminhos nem
sempre parecerem indispensáveis à matéria.
As relações Aids-esquecimento, Aids-doenças mentais, Aids-exceção na lei, Aids-uso
humanitário, Aids privacidade, Aids-vida/morte, Aids-solidão, Aids-ressecamento foram
algumas das imagens evocadas a partir das narrativas escritas.
Quanto aos portadores do HIV, sintomáticos ou assintomáticos, as imagens evocadas
para constituí-los não diferem muito daquelas referidas à própria doença. O termo
“aidético”, por si só revestido de conotação negativa, é usado freqüentemente nas
matérias do jornal, marcando de forma rígida a distinção entre aqueles que têm Aids e
aqueles que não vivem com ela.
Apenas quando as matérias se referem à possibilidade de contrair o vírus, mas sem tratar
de pessoas ou situações específicas, é que a configuração do portador se faz de forma
menos negativa ou pejorativa, por exemplo, quando se menciona a legislação inglesa que
permite que estrangeiros residam no país “se o parceiro inglês tiver Aids”, ou quando se
fala em medicamentos que precisam ser testados “por soropositivos assintomáticos”. Nas
vezes em que o tema da matéria indica situações extremas, ligadas ao perigo, ao
preconceito ou à morte, o “ser portador”, “estar com Aids”, “ter Aids” é recoberto por
outras imagens.
A título de exemplo, tem-se as matérias já mencionadas de Paul Veyne e Arnaldo Jabor.
Na primeira, a felicidade de um soropositivo está ligada ao esquecimento da doença; na
segunda, do portador, diz-se que definha por dentro. Outras ocorrências nas quais “ser
portador” aparece como sendo algo extremamente indesejável e comprometedor, como
na matéria sobre a acusação de Xuxa “estar com Aids”, já foram anteriormente
analisadas.
Um caso curioso ocorre em relação a uma das matérias publicadas na editoria Ciência,
geralmente de tom mais neutro e impessoal. Na matéria “Água pode transmitir infecção a
196
aidéticos”, a palavra “pacientes” aparece mencionada inúmeras vezes (praticamente em
todos os parágrafos), a começar do subtítulo “Estudo sugere origem de doença comum
em pacientes”. Normalmente, nas matérias sobre infecções ou medicamentos ligados à
Aids, os textos referem-se mais a doentes, soropositivos, portadores, pessoas infectadas
pelo HIV. A palavra pacientes, assim repetida, não pode deixar de evocar paciência, o
que, muitas vezes, deles é pedido quando se trata de medicamentos ou infecções
relacionados à Aids.
Outro caso único em suas características é a matéria “Justiça italiana caça imunidade
penal de aidético”. Além de também trazer em seu título a palavra “aidético”, e apesar de
ter sido classificada como mais relacionada à legislação e ao Estado, confere, a todo
momento, um aspecto notadamente degradante e negativo aos portadores dos quais trata
(membros de uma quadrilha de assaltantes, que teriam se contaminado pelo uso de
drogas intravenosas). Nesta matéria, o portador é igualado àquilo que os criminosos e os
loucos representam para a sociedade: um fora-da-lei/fora-da-ordem, marginal e
indesejável, que deve ser separado e isolado do convívio social.
Mesmo quando a matéria trata de forma menos pejorativa e preconceituosa as questões
da Aids e do portador, como nos dois textos sobre lançamento de livros (“Paixão
homossexual é novo tema de Begley” e “As agonias da confissão”), as imagens de dor,
sofrimento e tristeza frente à morte não deixam de aparecer a elas associadas. A
diferença, talvez, seja que, nestes casos, os aspectos negativos são revestidos por uma
certa beleza poética, uma espécie de sensibilidade artística e talento daqueles que
escreveram os livros que tratam sobre a doença. Tem-se a mesma sensação que se tem
ao olhar as fotografias de Sebastião Salgado publicadas no livro Terra: o que se vê é
miséria, desolação, abandono mas revestidos de uma beleza estética tão intensa que algo
parece fora do lugar.
Além das considerações acima, mais genéricas, foi também montado um quadro geral
dos temas encontrados em cada matéria, uma espécie de reordenação temática, mais
sintética do que os temas apontados nas primeiras leituras ou nas leituras iniciais deste
capítulo.
197
A partir dos “quadros coloridos”, os seguintes temas foram identificados:
QUADRO TEMÁTICO I – SEGUNDAS LEITURAS
1994 1995
1. felicidade (1/94) 01 –
2. contraceptivos (2/94) 01 –
3. convênios médicos (3/94;
4/94; 5/94; 2/95)
03 01
4. homossexualidade (4/94;
5/94; 12/95)
01 02
5. pessoas famosas (7/94) 01 –
6. Aids (8/94; 3/95; 8/95;
9/95; 11/95; 14/95; 15/95)
01 06
7. comportamento (9/94;
12/94; 16/95; 17/95)
02 02
8. arte – literatura (10/94;
6/95)
01 01
– cinema (11/94) 01 –
9. drogas (13/94; 1/95; 4/95) 01 02
10. saúde pública (7/95;
18/95)
– 02
11. religião (10/95) – 01
12. legislação (13/95) – 01
TOTAL 13 18
Uma série de considerações sobre as matérias em conjunto e a “grande narrativa” nelas
contada pôde ser, dessa forma, estabelecida. Essas considerações serão vistas a seguir, a
partir das recorrências encontradas nos “quadros coloridos”, e aquilo a que eles
remeteram.
5.3. poslúdio: remetências e recorrências
198
Entre os diversos elementos que poderiam ser destacados em termos lingüísticos e
narrativos nas matérias analisadas, optou-se, nesse momento, por estabelecer
aproximações entre elas a partir de sua reorganização temática. Desta vez, os doze temas
apontados no quadro temático I são reagrupados em apenas três, estes constituindo,
finalmente, o que se considerou ser a articulação discursiva da Aids no jornal Folha de S.
Paulo.
O quadro temático II apresenta de forma sintética este reagrupamento. A seguir, são
realizadas algumas considerações quanto a cada um dos três temas, destacando, neles, o
discurso da ciência e o discurso do Estado como fundamentais na construção do discurso
da Aids. Nas matérias que tratam especificamente de descobertas científicas, pesquisas e
medicamentos, o discurso da ciência é predominante. Naquelas relativas a
regulamentações em geral (drogas, convênios, direitos dos homossexuais), predomina o
discurso do Estado. A partir desses critérios é que foi elaborado o quadro a seguir.
QUADRO TEMÁTICO II – SEGUNDAS LEITURAS
ESTADO CIÊNCIA HOMOSSEXUALIDADE
3/94 (convênios) 1/94 (felicidade) 6/94 (homossexualidade)
4/94 (convênios) 2/94 (contraceptivos) 9/94 (comportamento)
5/94 (convênios) 8/94 (Aids) 10/94 (arte/literatura)
7/94 (pessoas famosas) 3/95 (Aids) 11/94 (arte/cinema)
13/94 (drogas) 8/95 (Aids) 12/94 (comportamento)
1/95 (drogas) 9/95 (Aids) 5/95 (homossexualidade)
2/95 (convênios) 10/95 (religião) 6/95 (arte/literatura)
4/95 (drogas) 11/95 (Aids) 12/95 (homossexualidade)
7/95 (asúde pública) 14/95 (Aids) 16/95 (comportamento)
13/95 (legislação) 15/95 (Aids) 17/95 (comportamento)
18/95 (saúde pública)
Algumas matérias merecem que se comente sobre sua inclusão em determinado grupo,
por não apresentarem, à primeira vista, relação direta com as outras.
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A matéria 1/94, escrita por Paul Veyne (“Atualidade determina o preço de ser feliz”), ao
relacionar a felicidade à atualidade, inclui no que chama de “atualidade” a própria ciência
e a tecnologia, afirmando que, hoje, as pessoas se relacionam com a cultura a partir “de
máquinas que fabricam para todos os gostos momentos de absorção” (ou seja, de
esquecimento). Assim, evoca, de alguma forma, a ciência, ainda que não enquanto
promessa de “cura” da Aids.
A matéria 10/95, escrita por Gilberto Dimenstein sobre a Igreja Universal do Reino de
Deus [“Brasileiros (quem diria) anunciam cura da Aids”], foi incluída no tema ciência e
não em Estado por uma razão curiosa: a aproximação entre as matérias sobre
medicamentos e a matéria sobre a Igreja Universal se dá a partir do elemento “cura da
Aids” envolvido em ambas. Por um lado, a cura pela vacina; por outro, a cura pelos
milagres. Não seria a ciência, ela mesma, um milagre? Não envolveria ela um certo tipo
de “fé” e “crença”? Estas correlações serão retomadas nas considerações finais deste
trabalho.
As matérias sobre drogas, convênios, saúde pública, pessoas famosas e legislação foram
agrupadas sob o título Estado por estarem todas relacionadas a aspectos ligados aos
poderes Executivo, Judiciário ou Legislativo.
As outras matérias foram reagrupadas a partir de elementos mais explícitos ligados a sua
própria temática, facilmente identificáveis. Neste momento, serão estabelecidas as
principais características de cada um desses três temas – Estado, ciência e
homossexualidade.
As matérias agrupadas no grupo temático Estado compõem, em conjunto, o próprio
discurso do Estado, não apenas em relação à Aids mas de forma geral. Nas que se
referem aos convênios e às políticas em relação a drogas e saúde pública, por exemplo,
fica clara a posição ali representada: o Estado deveria intervir como aquele que ordena e
submete, legislando em nome do bem comum.
Em relação à Aids, a principal imagem associada ao Estado é de controle. Nas matérias,
aparece como aquele que age e/ou que move a ação, fazendo agir. É o que “analisa”,
“define”, “cancela”, “atende”, “repassa”, “cede”, “garante”, “exclui”, “introduz”,
“resolve”, “proíbe”.
200
No grupo temático ciência, nota-se uma predominância de imagens comumente
associadas ao discurso religioso, como as de busca, encontro, salvação, esperança.
Todas as matérias analisadas nesse grupo (com exceção das duas apontadas
anteriormente) referem-se especificamente à questão da Aids, caracterizando o discurso
da ciência em relação à doença, mas ao mesmo tempo, apontando, em linhas gerais, para
os papéis tradicionais da ciência como aquela que realiza descobertas e supera desafios,
dominando a natureza.
Em relação à Aids, a principal imagem associada à ciência é a de cura. Nas matérias,
aparece como aquela que “alerta”, “age”, “combate”, “bloqueia”, “realiza”, “faz”,
“aplica”, “publica”, “utiliza”, “pesquisa”, “descobre”.
O terceiro grupo temático, homossexualidade, surpreende pela variedade de matérias
que engloba. É interessante notar que nas três matérias que fazem referência ao discurso
das artes (duas de literatura e uma de cinema) a Aids aparece associada à questão da
homossexualidade, por meio dos protagonistas masculinos narrados em livros (um
ficcional e o outro autobiográfico) e filme. Três outras matérias fazem referências diretas
à questão do homossexualismo e as quatro restantes estavam anteriormente agrupadas
no grupo comportamento. Estas últimas referiam-se, principalmente, a atitudes da
população em geral em relação a certos eventos ou tendências (como a matéria sobre a
copa do mundo ou sobre comportamento sexual dos americanos), a Aids aparecendo
nelas como um dado entre outros, e uma delas referia-se especificamente a
comportamento de homossexuais masculinos em relação à Aids.
O discurso prevalecente no grupo homossexualidade é o discurso moral (o que
estabelece uma certa relação de conjunto com o grupo anterior “comportamento”, e com
os demais subgrupos aqui reunidos).
Em relação à Aids, a principal imagem associada aos homossexuais é a de culpa. Nas
matérias, aparecem como aqueles que “são presos”, “falsificam”, “mantiveram”,
“relacionam-se”, “sofrem”, “morrem”, “adoecem”, “fazem farra”, “definham”, “pegam”,
“passam”, “facilitam”, “contaminam”, “são condenados”, “não usam”. Uma das duas
matérias com verbo na forma negativa referia-se aos homossexuais, criticando o não-uso
que fazem de preservativos, o que implicaria na disseminação da Aids.
201
Em linhas gerais, são estes os três temas a que se chegou ao final das configurações e
leituras dos “quadros coloridos”. Afirma-se, novamente, o caráter relacional e relativo
dessas considerações, elas próprias realizadas por um sujeito falante/faltante que, não
escapando ao recalque original, “fala mais do que aquilo que fala”. Dessas leituras,
alguns de seus desdobramentos são apresentados no capítulo seguinte, conclusões
provisórias.
202
conclusões provisórias
“Trata-se aí de uma certa tomada de posição do sujeito com relação à problemática do
Outro, que é, ou bem este Outro absoluto, este inconsciente fechado, esta mulher
impenetrável, ou bem, por trás desta, a figura da morte, que é o último Outro
absoluto.”
Jacques Lacan, A relação de objeto
Para ser coerente com a proposta teórico-metodológica desta pesquisa, falar-se em
conclusões pode significar um risco, lembrando, aqui, o próprio Freud quando adverte
que o acerto do trabalho analítico só pode ser avaliado a posteriori. Por esta razão, esta
parte final, mas não conclusiva, recebe o adjetivo “provisória”. Provisoriedade marcada
pela própria forma organizadora dos jogos de linguagem, pelo próprio tema aqui
desenvolvido, em seus múltiplos aspectos.
Depois de percorrer o trajeto aqui proposto, iniciado com a configuração do quadro
teórico da pesquisa, passando pela descrição e pela análise do corpus para, finalmente,
extrair dele aquilo que estava escrito, a tentativa é de, neste momento final, tecer
algumas novas relações. A trama deste tecido é trançada mantendo como pano de fundo
os três grandes grupos temáticos identificados no item anterior (Estado, ciência e
homossexualidade) para deles fazer uma espécie de “releitura das leituras”.
1. do mal radical e da ciência: narrativas da contemporaneidade
Jean-François Lyotard inicia e finaliza o texto “Uma fábula pós-moderna” com a seguinte
frase: “Como estariam o Humano e seu Cérebro, ou melhor, o Cérebro e seu Humano,
no momento em que abandonavam o planeta para sempre, antes de sua destruição, isso,
203
a história não dizia” (1996: 81). Por que estariam, o humano e seu cérebro, ou o cérebro
e seu humano, abandonando o planeta? É o próprio Lyotard quem responde:
O Sol vai explodir. Todo o sistema solar, inclusive o pequeno planeta
Terra, transforma-se numa grande nova. Quatro bilhões e meio de anos
solares transcorreram desde o momento em que essa fábula foi contada. O
final da história já estava previsto a partir desse momento (Lyotard, 1996:
81).
Lyotard afirma que a única certeza que podemos ter enquanto humanos é que o sol –
uma estrela – vai, algum dia, explodir. Estrelas têm vida limitada, e esse tempo pode ser
determinado cientificamente. Assim, toda a vida na Terra terá sido organizada no
intervalo de tempo transcorrido antes dessa explosão. A fábula contada por Lyotard
coloca os humanos, seu planeta e suas realizações como simples produtos de uma força
que faz, desfaz e refaz a realidade. Só diz respeito à energia e à matéria como estado da
energia, o ser humano sendo uma forma complexa de organização dessa energia. “Nela o
homem é considerado um sistema material complexo; a consciência, um efeito de
linguagem; e a linguagem, um sistema material muito complexo” (Lyotard, 1996: 95).
A linguagem é apresentada como um conjunto de “técnicas simbólicas” (as línguas
humanas) que permitiram ao sistema Homem, frágil e precário, compensar suas
fraquezas perante seus adversários e sobreviver. Compondo elementos entre si, tomando
a si própria como objeto, memorizando-se e autocriticando-se, enfim, possibilitando a
organização da própria estrutura social dos homens, a linguagem – proposta como
estrutura simbólica – é colocada como instituição fundadora do humano.
A fábula pós-moderna, longe de se assemelhar às grandes narrativas propostas pela
modernidade (com seus heróis, sua temporalidade histórica, busca de emancipação,
esperança no futuro e finalidade), introduz uma diferença essencial desta em relação à
contemporaneidade: a necessidade da tecnociência pensar-se a si mesma. Não basta
apenas vislumbrar os avanços científicos e tecnológicos realizados até o momento e que
continuarão ainda a se realizar – até a explosão do sol –, mas, sobretudo, faz-se
necessário refletir sobre os usos que deles se farão:
204
Quando se pode simular in vitro a explosão solar ou a fecundação e a
gestação de um ser vivo, é necessário saber o que se quer. Ora, não temos
nenhuma idéia acerca disso. No princípio da varredura, existe esta
exclusão dos fins. Ela revestiu-se de todos os disfarces: destino do
homem, progresso, luzes, emancipação, felicidade. Hoje, esta exclusão
parece completamente nua. Saber e poder mais sim, mas por quê, não
(Lyotard, 1990: 61).
Com o desaparecimento das narrativas especulativas, é a própria modernidade que
precisa ser reescrita, não no sentido de ser revista ou refeita, mas de resistir à escrita de
uma suposta pós-modernidade que quer se inscrever para inscrevê-la de outro modo. O
desaparecimento das grandes narrativas (ao menos em seu sentido clássico) abre espaço
para que os arcaísmos e medos mais precários ressuscitem, invocando fantasmas de
outrora. A Aids, talvez, seja tão temida por invocar alguns desses fantasmas ancestrais,
que voltam à superfície neste momento e que espelham, ao fundo, o medo maior: a
morte.
Mas o desaparecimento das grandes narrativas é, ele também, relativo. Retiradas as
grandes narrativas tradicionais, parece, talvez, surgir uma outra – ainda que articulando
outros sentidos e outra finalidade – que, no limite, não se sabe de forma ainda mais
drástica do que as anteriores. A provocação proposta pela fábula ilustra exemplarmente
esse “não se pensar”: não seriam mais os humanos e seus cérebros a fugirem, mas os
cérebros e seus humanos.
O tema das narrativas da contemporaneidade não é objeto específico desse trabalho.
Entretanto, é nessa perspectiva que gostaria de inserir as reflexões aqui apresentadas, por
acreditar que as proporções e configurações que a Aids adquiriu em nossa sociedade –
apontadas neste trabalho – têm profunda relação com este nosso tempo/espaço
específicos e, portanto, só fazem sentido se nele inscritas. Ao tratar das relações entre o
discurso jornalístico e o discurso da Aids, não pode ser esquecido o atual tempo mundo e
o atual espaço mundo, e as implicações que essas novas concepções apresentam; é
preciso, ao contrário, situar a própria questão da Aids dentro deste quadro, já que
205
o tempo e o espaço não são talvez os “imperativos categóricos” dos quais
Emanuel Kant queria definir a transcendência absoluta. Serão eles
companheiros do gênero humano, que lhe oferecem seu concurso,
participam de suas esperanças e de seus infortúnios, impõem à ocasião
seus constrangimentos, abrem assim o horizonte dos possíveis! Os ritmos
do espaço e do tempo são móveis, flexíveis, aculturados aos seres
humanos (Chesneaux, 1995: 40).
Assim, cada nova época social está marcada de forma definitiva e particular. É nesse
trajeto que se dá a transformação da história e é nessa perspectiva que se inserem as
mudanças sociais. Em certos momentos, algo escapa da própria lógica organizativa e se
acelera, e este fato é ao mesmo tempo real e irreal. A questão da relação espaço-tempo,
nos dias atuais, está marcada por essa aceleração, por esse “algo que escapa”, desliza,
variando de lugar para lugar, de geração para geração, de cultura para cultura.
Inscrevem-se, portanto, processos de desterritorializações e reterritorializações, que
reformulam nossas noções de espaço não mais como espaço físico, mas como espaços
imaginários. Criam-se símbolos e signos mundializados que vão formando comunidades
imaginárias nas quais os indivíduos passam a se identificar e a se reconhecer,
independente de sua procedência ou localização, criando espaços de memória.
Esses “lugares de memória” são definidos por Marc Augé como não-lugares: “Se um
lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se
definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-
lugar” (Augé, 1994: 73). A hipótese por ele defendida é a de que a supermodernidade
seria formadora de não-lugares. Lyotard fala da criação de “comunidades de
sentimentos”:
Não podemos, de facto, dizer de um sentimento que este deva receber o
assentimento de todos sem mediação, im-mediatamente, sem pressupor a
existência de um género de comunidade de sentimento, a qual tem o
objectivo de fazer com que cada um dos outros indivíduos, colocados
206
diante da mesma situação, a mesma obra, possa, pelo menos, dispor do
mesmo julgamento, sem o elaborar conceptualmente (Lyotard, 1990:
115).
Portanto, é nos limites da modernidade-mundo, inscrita nos “lugares de memória”,
lugares de imagens fortemente simbólicas, que se instaura um movimento específico mais
amplo com relação a valores e aos próprios conceitos de espaço e tempo partilhados
pelas pessoas.
Em seu texto La religione, Jacques Derrida apresenta algumas reflexões interessantes
para se pensar a idéia do “mal radical” – aqui relacionada à Aids – e da ciência como
“salvadora do mal”. De acordo com Freitas (1997: 12), “afastando-se da postura ingênua
que opõe Razão e Religião, a Crítica e a Ciência, a Modernidade tecnocientífica e a
Religião, Derrida postula que o desenvolvimento imperturbável e interminável da Razão
crítica e tecnocientífica, longe de se opor à religião, a sustenta, a suporta e a pressupõe”,
atribuindo à razão e à religião a mesma fonte.
Esta associação razão-religião busca, ao mesmo tempo, instaurar o íntegro e o diverso,
um não podendo nunca ser escolhido como o único, mas ambos contaminando-se
mutuamente. Em termos de língua, por exemplo, mesmo que a língua que circula no
mundo predominantemente seja o inglês, as falas da contemporaneidade conservam e se
referem a elementos do discurso religioso, associado por Derrida à cultura latino-
romana. Estes termos englobariam, mas iriam além, das confissões religiosas
propriamente ditas (Freitas, 1997: 13).
O autor introduz o termo mundialatinização para sintetizar tal processo. Com esse
termo, refere-se a um movimento de latinização do mundo por meio de uma volta ao
direito romano e a seus princípios religiosos, como a fé e a crença, ao mesmo tempo que
haveria, simultaneamente, um desenvolvimento cada vez mais exponencial daquilo que
chama de teletecnociência. A forma como concebe essas relações pode ser assim
explicitada:
A mundialatinização, que por seu idioma se torna euro-anglo-americana, é
a expressão da indissociabilidade da religião e da razão teletecnocientífica.
207
Contudo, é apenas um dos resultados dessa aliança, pois pela lógica que
constrói o discurso de Derrida (a sua pequena máquina discursiva) há um
outro lado da religião que reage com todas as suas forças à
teletecnociência (Freitas, 1997: 13).
Assim, a religião, ao mesmo tempo que produz e desfruta o saber e o capital
possibilitados pela teletecnociência, reage contra aquilo que lhe dotou de um novo
poder, mas que, ao mesmo tempo, pode despojá-la de um lugar que tem sido
historicamente seu.
A associação feita por Derrida entre religião e tecnologia pode ser transportada aos
termos da oposição doença (Aids) e cura (ciência), de acordo com as matérias
anteriormente lidas. É o próprio Derrida quem fornece uma possível conjugação destes
termos:
Como desejar novas luzes para explicar esse “retorno do religioso” sem
articular pelo menos uma lógica qualquer do inconsciente? Sem refletir,
pelo menos, sobre a questão do mal radical, da reação ao mal radical no
centro do pensamento freudiano? (...) Mas também, mais do que nunca,
contra-fetichismo do mesmo desejo invertido, a relação animadora com a
máquina teletecnocientífica que se torna, portanto, máquina do mal, e do
mal radical, máquina de manipular, assim como de exorcizar. Porque há o
mal a ser domesticado e porque hoje se “utilizam” sempre mais artefatos
e próteses dos quais ignora-se tudo, numa crescente desproporção entre
SABER e HABILIDADE, o espaço dessa experiência técnica tende a se
tornar cada vez mais animista, mágico e mítico (Derrida, 1995: 62).
A contemporaneidade, portanto, reveste-se de elementos cada vez mais míticos pela
desproporção que se estabelece entre o que se conhece e o que se sabe. Em linhas
gerais, trata-se de um profundo desconhecimento em relação às novas tecnologias e aos
objetos usados no cotidiano, funcionando da mesma forma que o fanatismo religioso ao
criar o obscurantismo, o mítico, o mistério, o desconhecido. A Aids enquanto doença
208
parece ser já bastante conhecida (a questão da informação), mas dela pouco se sabe (e é
essa a busca incessante da ciência).
A ciência – em relação à Aids – parece estar articulada como uma espécie de religião.
Conserva, portanto, todas as características de uma religião, o que não quer dizer que
haja uma substituição da religião como fé em Deus pela religião como culto à ciência (ou
à teletecnociência de Derrida); há, sim, pontos de contato entre os dois processos (a
religião e a ciência), principalmente no que se refere ao mistério – ligado a um não-saber
– e à crença – crer mesmo sem conhecer. Não se trata, é necessário reafirmar, de
estabelecer a ciência como uma nova religião (mesmo porque tal relação com a ciência,
em se ampliando a questão para além da Aids, não é nova), mas sim de dizer que este
processo está articulado como uma religião.
Em relação à Aids, isso implica que, além da ciência agir permanentemente em busca da
cura – uma espécie de redenção –, projeta-se nela uma certa esperança: espera-se que
traga a salvação, operando um milagre – a eliminação da doença.
Esse processo de “nova religião” se dá no contexto das novas tecnologias da
comunicação, que produzem reflexos em toda a vida social, cultura, educação, usos
cotidianos, profissionalização, e não apenas em relação à saúde. Parece pertinente
estabelecer aqui o contato com as leituras das matérias: como a questão da Aids
(enquanto “boa notícia” da ciência divulgada pelos jornais) insere-se dentro desse quadro
da teletecnociência como religião? Que efeitos essa “religião” engendra nos modos de
escrever, dar a conhecer a Aids?
Ao organizar-se enquanto narrativa instituída pelo discurso, o imaginário sobre a Aids
passa a impregnar o simbólico, velando-o. O ar de mistério e incompreensão pelo que
não se pode controlar manifesta-se também aqui, apontando, talvez, para o desgaste das
grandes narrativas, que não conseguiriam mais sustentar esse mesmo imaginário
construído, desfazendo-se. Poderíamos associar a Aids à teletecnociência, à
informatização, constituindo-a na mesma direção dos grandes males, algo a ser temido
ou até mesmo combatido, o mal radical que nos ameaçaria desde sempre, temor
acentuado pelo ainda desconhecimento que a cerca.
Apesar de conhecer como ela se dá ao contágio (como se pode “pegá-la”), ainda não se
sabe como dominá-la e controlá-la: a Aids captura os corpos e os submete a sua vontade,
209
já que não se sabe nem ao menos quando virá seu “ataque final”, a passagem do vírus de
inativo para ativo. Talvez se possa até mesmo dizer que a Aids se articula com uma
dupla configuração: como um fenômeno extremamente contemporâneo mas que, ao
mesmo tempo, evoca as coisas mais arcaicas, a própria religio de Derrida.
Dentro dessa dinâmica de configuração do discurso da Aids, os media teriam papel
fundamental pela possibilidade de “distribuir” a todo o planeta imagens da doença. É de
Edward Said o conceito de formação de comunidades imaginárias (ou virtuais) a partir
dos media. Ao mesmo tempo que há um movimento de desterritorialização das culturas,
isto é, rompem-se os antigos conceitos de tempo/espaço, rompe-se a antiga divisão de
nações/países/primeiro e terceiro mundos, estes conceitos são recriados de novas formas,
com novas organizações.
Nesse processo, os media ocupariam um lugar importante: “(...) the international media
system has in actuality done what idealistic or ideologically inspired notions of
collectivity – imagined communities – aspire to do” (Said, 1993: 309). Ou seja: as
construções narrativas dos media – sua forma de contar o mundo por meio da seleção de
histórias, palavras e imagens, e de sua rearticulação discursiva – contribuíram
significativamente para a criação e articulação dessas comunidades imaginárias, seja por
meio de jornais impressos, revistas internacionais, noticiários televisivos ou notícias
divulgadas via Internet. Isso foi possível, principalmente, graças ao fato dos media não
serem apenas “a fully integrated practical network, but a very efficient mode of
articulation knitting the world together” (Said, 1993: 309).
Esse sistema mediático, mundialmente estabelecido, ao articular e produzir um tipo de
poder cultural, econômico e político, associado a seus desdobramentos militares e
demográficos, “has an institutionalized tendency to produce out-of-scale transnational
images that are now reorienting international social discourse and process” (Said, 1993:
309). Se considerarmos tal possibilidade, a Aids poderia ser incluída como sendo uma
dessas imagens transnacionais orientando o discurso internacional.
A Aids caracteriza exemplarmente a contemporaneidade, seja na forma da
mundialatinização de Derrida, seja nas menos pessimistas comunidades imaginárias de
Said. Trata-se de uma epidemia de proporções planetárias, atingindo indistintamente
todos os países do mundo, ainda que tenha características específicas em cada um deles.
210
Mais do que isso, cria uma cultura também mundial sobre si mesma, fundamentalmente
marcada pelo pânico e pelo medo. As imagens que evoca sobre si parecem não se
diferenciar de modo radical de um país a outro, podendo-se dizer que narrativas também
mundializadas passam a ser construídas em relação a ela.
Dessa doença, de proporções tão vastas tanto do ponto de vista do atingimento do corpo
presente (veja-se o caso de Magic Johnson) como ausente – mas implícito em termos de
construções simbólicas –, pode-se mesmo dizer que é parte indissociável do próprio
processo de rearticulação da contemporaneidade. É o mal contra o qual se luta, ou em
relação ao qual se desvia o olhar. Metáfora presente nos males que assolam a
humanidade, hoje, o mundo contemporâneo.
Não é possível pensar a Aids e suas características específicas sem pensar no tempo-
espaço atual, já que esta doença parece romper os limites dos termos médico-científicos
ou da complexidade de seu vírus causador (um vírus chamado por alguns pesquisadores
de “inteligente” devido a sua capacidade de adaptação a novos medicamentos,
neutralizando seus efeitos). Mais do que uma doença complexa do ponto de vista
médico-científico e da saúde dos indivíduos contaminados, a Aids também se mostra
como extremamente complexa do ponto de vista imaginário e simbólico.
Mesmo apresentando em si elementos comuns a outras doenças antes vistas como os
grandes “males” da humanidade (caso da sífilis, da peste negra, da tuberculose, por
exemplo), a Aids potencializou como nunca havia acontecido antes a marca de uma
doença mortal – colocado aqui todo o peso dessa palavra. Em grande parte, isso se deve
ao fato de relacionar elementos universalmente perturbadores e polêmicos na história da
humanidade – o sexo e a morte –, como pôde ser percebido na leitura das matérias.
Enquanto narrativa incluída na grande narrativa da contemporaneidade, a Aids reveste-se
de todas essas características e contradições, configurando uma espécie de confluência
de algo, a princípio, paradoxal: o futuro e o passado, o homem-a-ser e seus ancestrais.
2. uma grande narrativa: discurso
211
Haveria realmente no discurso sobre a Aids a relação entre o “mal radical”, por um lado,
e a “ciência”, por outro? As matérias analisadas, publicadas na Folha de S. Paulo,
parecem apontar para uma certa correlação entre esses dois aspectos e as narrativas da
Aids.
Os três temas apontados no item 5.3 – Estado, ciência e homossexualidade – podem,
ainda, reduzir-se a dois grandes temas, fundantes da quase totalidade das narrativas
clássicas: o “bem” e o “mal”, a ciência e a Aids. A ciência, apresentada aqui como
concebida por Derrida enquanto revestida de modo de operação semelhante ao modo da
religio, apareceria, então, como promessa e redenção. A ciência “bloqueia”, “pesquisa”,
“encontra”, “busca”.
A Aids, por sua vez, a partir dos elementos destacados nos “quadros coloridos” – em sua
relação de significantes considerados em articulação com outros elementos significantes
enquanto estrutura da atividade simbólica (Lacan, 1995) – aparece como o mal radical
do qual fala Derrida. A Aids “submete”, “definha”, “vinga”, “agoniza”. Ao doente,
promete-se a cura, o recebimento de uma espécie de bênção, a sanção positiva.
Principalmente no subgrupo de textos que tratam da questão das drogas e da
homossexualidade, em suas múltiplas e diversas aparições, a idéia de “mal” está sempre
presente. Nas matérias “Zurique quer deixar de ser centro de drogas” e “Justiça italiana
caça imunidade penal de aidético”, por exemplo, a postura é de recriminação aos
usuários de drogas e a Aids surge como uma espécie de “castigo” a eles, pelos “pecados”
que cometeram (note-se que o discurso religioso impregna as relações imaginárias aqui
estabelecidas).
Nas matérias “Inglês é preso por falsificar documentos de namorado” e “Sedes se
preparam para festival erótico”, por sua vez, o enfoque é notadamente tendencioso e
preconceituoso em relação aos homossexuais. O “inglês falsificador e gay” também teve
o castigo que merecia, dentro da normalidade da lei: foi condenado à prisão.
Entretanto, outras matérias deixam entrever possibilidades diversas. O mesmo jornal que
publicou as matérias acima citadas traz textos divergentes, apontando outras
interpretações.
Em relação às drogas, as matérias “Novos rumos na política de drogas alemã” e
“Preconceito também mata” humanizam o usuário de drogas e buscam revesti-lo de
212
elementos de individualidade e cidadania. Quanto à homossexualidade, a matéria “Os
gays e a visita do papa”, principalmente, busca estabelecer uma relação de aparente
equilíbrio e normalidade aos que chama de “amantes do mesmo sexo”. Brechas
entreabertas, flutuações significantes, já que estes têm como jogo fundamental a
permutação (Lacan, 1995).
Nas tramas flutuantes/fluentes dos significantes, nas cadeias que se entrelaçam e se
desfazem, há sempre elementos novos, que não podem deixar de ser considerados uns
em relação aos outros. Recentemente, lendo uma matéria publicada na Folha de S.
Paulo, alguém comentou: “É estranho, mas parece que a Folha quer de todo jeito que as
mulheres ultrapassem os homens em casos de Aids”. A frase pedia que se fosse conferi-
la.
Verificando matérias publicadas em 1997 na Folha de S. Paulo sobre a infecção pelo
HIV entre mulheres, constatou-se que fazia sentido. É claro que não se pode negar o
aumento em escala geométrica, diversas vezes comprovado em pesquisas, do número de
mulheres infectadas. Entretanto, as manchetes do jornal tratam o tema como se fosse
simples estatística, um resultado de pesquisa eleitoral: “O candidato X supera o
candidato Y em 5% dos votos”. Observe-se as seguintes manchetes, publicadas na seção
Saúde do caderno São Paulo, em 26 de julho de 1997: “Recuo da epidemia da Aids é
menor para as mulheres” (chapéu: “Queda de mortes de homens foi 5 vezes maior que a
de mulheres no 2o. semestre”); “Aumenta transmissão de mãe para filho” (chapéu:
“Crescimento da infecção de mulheres causa maior número de bebês portadores; mães
não sabem que têm o vírus”).
Retomando a relação bem/mal nas matérias sobre drogas e sobre homossexualidade, uma
interessante conexão pode ser ensaiada: abertas as passagens para que “drogados” e
“gays” fossem constituídos no discurso jornalístico como pessoas não tão “maléficas”
assim, o grande vilão a canalizar a figura do “mal” nas narrativas sobre a Aids parece ser
a mulher. Remetendo tal imagem ao discurso religioso que parece permear tanto as
matérias da redentora ciência, como as da amaldiçoada doença, encontra-se a mulher
como uma figura comumente associada à maledicência, à danação. Não foi à toa que as
bruxas foram queimadas durante a Inquisição.
213
Nos deslizamentos significantes, a imagem-imaginária do “mal” parece deslizar, agora,
para a mulher, constituindo-a de outra forma, pela linguagem, no discurso da Aids. O
percurso desses deslizamentos é incessante, inesgotável mesmo. O discurso, laço social,
não se cerra/en-cerra nunca: constitui-se em permanente escritura.
214
MUDANÇAS
Domingos Pellegrini Jr.
O tempo pôs a mão na tua cabeça
e insinuou três coisas. Primeiro,
você pode crer em mudanças
quando duvida de tudo, quando
procura a luz dentro das pilhas,
o caroço nas pedras, a causa
das coisas, seu sangue bruto.
Segundo, você não pode mudar o
mundo conforme o coração.
Tua pressa não apressa a História.
Melhor que teu heroísmo
Tua disciplina na multidão.
Terceiro, é preciso trabalhar
todo dia, toda madrugada
para mudar um pedaço de horta,
uma paisagem, um Ser Humano...
Mas mudam,
essa é a verdade.
215
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