identificação partidária: entre estabilidade e declínio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS Matheus Vitorino Machado IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA: ENTRE ESTABILIDADE E DECLÍNIO Artigo apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel (Trabalho de Conclusão de Curso). Orientadora: Prof. Dra. Christiane Jalles de Paula. Juiz de Fora 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS

Matheus Vitorino Machado

IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA: ENTRE ESTABILIDADE E DECLÍNIO

Artigo apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel (Trabalho de Conclusão de Curso). Orientadora: Prof. Dra. Christiane Jalles de Paula.

Juiz de Fora 2015

DECLARAÇÃO DE AUTORIA PRÓPRIA E

AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO

Eu, MATHEUS VITORINO MACHADO, portador do documento de identidade nº 28.277.499-1 e

CPF nº 154.524.397-22, acadêmico do Curso de Graduação Bacharelado Interdisciplinar em Ciências

Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, regularmente matriculado sob o número

201372061A, declaro que sou autor do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado IDENTIFICAÇÃO

PARTIDÁRIA: ENTRE ESTABILIDADE E DECLÍNIO, desenvolvido durante o período de 25/03/2015 a

25/06/2015 sob a orientação de CHRISTIANE JALLES DE PAULA, ora entregue à UNIVERSIDADE

FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF) como requisito parcial a obtenção do grau de Bacharel, e que o

mesmo foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial

ou integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente

referenciadas ao longo do trabalho ou daquelas cujos dados resultaram de investigações empíricas por

mim realizadas para fins de produção deste trabalho.

Assim, firmo a presente declaração, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos

civis, penais e administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou

violação aos direitos autorais.

Desta forma, na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de

Juiz de Fora a publicar, durante tempo indeterminado, o texto integral da obra acima citada, para fins de

leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação do curso de Bacharelado Interdisciplinar em

Ciências Humanas e ou da produção cientifica brasileira, a partir desta data.

Por ser verdade, firmo a presente.

Juiz de Fora, 24 de Junho de 2015.

_________________________________________

MATHEUS VITORINO MACHADO

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IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA: ENTRE ESTABILIDADE E DECLÍNIO

PARTY IDENTIFICATION: BETWEEN STABILITY AND DECLINE

Matheus Vitorino Machado1 RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar os principais argumentos que norteiam o debate acadêmico sobre o declínio da identificação partidária. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico da produção acadêmica referente ao tema, identificando nestes trabalhos os principais autores e argumentos mobilizados. O trabalho contextualiza o surgimento da identificação partidária como fenômeno e conceito, e apresenta os autores que aprofundaram e fundamentaram o debate da identificação partidária. A pesquisa revela que, a abordagem acadêmica sobre a crise de identificação partidária não é homogênea, apresentando divergências. A crise de identificação partidária pode ser entendida como uma metamorfose no modelo representativo, como um resultado de mudanças sócio históricas de longo prazo, e até mesmo como um mito gerado por uma interpretação errônea dos fatos. Porém, a produção acadêmica referente ao tema revela o consenso em relação à importância da identificação partidária, como fenômeno chave para a estruturação de um modelo político democrático baseado na ideia de partidos políticos como representantes de interesses públicos.

PALAVRAS-CHAVE: Identificação Partidária. Declínio da Identificação Partidária. Crise de Representação. Democracia Partidária. Democracia do Público. ABSTRACT

The present article aims at presenting the main arguments that guide academic debate about the decline in (political) party identification. For this purpose, a survey on the academic production concerning the theme has been held, identifying in those works the fundamental authors and arguments. This work contextualizes the advent of party identification, as social-phenomenon and concept, and presents the authors who further developed the debate about party identification. This article reveals that, the academic approach about the party identifcation crisis is not homogenous, showing different opnions. The party identification crisis can be understood as a metamorphose of representative goverment, a culmination of various social changes of long term, or even a myth created from misleading interpretations. However, our analysis of the academic production related to the theme show us a consensus about the importance of party identification, as a key phenomenon for the structuration of a democratic political model based in the idea of political partys as representatives of publical demands.

KEYWORDS: Party Identification. Decline of Party Identification. Represetative crisis. Party Democracy. Audience Democracy.

1. INTRODUÇÃO

Faz tempo que o fenômeno do declínio da identificação partidária é discutido. A hipótese de que as

últimas décadas representaram uma redução no número de eleitores que se identificavam com partidos políticos específicos foi uma discussão dominada por acadêmicos da área de política. Porém, esta conseguiu escapar da esfera acadêmica e tomar de assalto os noticiários e informativos do mundo inteiro. Alertados de uma possível “crise dos partidos” e pelas manifestações que tomaram o mundo no século XXI os meios de comunicação de massa começaram a divulgação do que seria um fenômeno global e generalizado. O que antes era um fenômeno latente nas democracias industriais avançadas, agora era uma máxima cuja fácil assimilação gerava manchetes que alertavam sobre a falta de legitimidade dos partidos políticos e a crise de representatividade que enfrentamos.

Diante da popularização do tema da identificação partidária e sua crise devemos ser cautelosos para não cairmos em sensos comuns ou simplificações frente a uma discussão que se estende por décadas a fio, e

1 Graduando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. E-mail: [email protected] Artigo

apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel. Orientadora: Prof. Dra. Christiane Jalles de Paula.

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que como os grandes temas das ciências sociais e políticas, não podem ser reduzidos a uma única perspectiva. Devemos, portanto, revisar o conhecimento produzido em relação à identificação partidária a fim de não nos rendermos a perspectivas que simplifiquem um fenômeno complexo. Este é o objetivo do presente artigo, produzir uma revisão bibliográfica que esclareça os principais argumentos desta rica discussão.

Dito isto, é necessário assumir a dificuldade de se produzir a síntese de uma discussão que se estende da segunda metade do século XX aos dias de hoje. Pela impossibilidade de se traduzir uma variedade enorme de obras e argumentos em tão poucas páginas, que procuramos rastrear os “nós” nas produções acadêmicas sobre o tema, isto é, os argumentos comuns e que fundamentam as produções acadêmicas sobre o assunto. Assim, conseguimos destacar as proposições teóricas que são chaves para nossa compreensão sobre identificação partidária e seu declínio. 2. METAMORFOSE DO GOVERNO REPRESENTATIVO

No imaginário político moderno, os Partidos Políticos estabelecem uma relação de codependência com

o conceito de Representação Política, sendo aparentemente indissociáveis um do outro. Porém, tal como a relação entre Democracia e Governos Representativos, esta associação provém de construções históricas políticas e sociais que culminaram nos arranjos modernos que compõe as democracias representativas, como bem argumenta Bernard Manin. Em “Os princípios do Governo Representativo” Manin oferece um panorama das mudanças que os governos representativos modernos sofreram ao longo dos anos e de como estas mudanças se articulam em diferentes arranjos.

Nos últimos dois séculos, os governos representativos sofreram grandes mudanças, notadamente na segunda metade do século XIX. Um dos aspectos de fundamental importância para as metamorfoses que se seguiam foram as mudanças em relação ao direito ao voto. Propriedade, cultura e prestígio social deixaram de ser os critérios de direito ao voto à medida que o sufrágio se estendia a outras camadas sociais, que não as mais altas.

A universalização, paulatina, é verdade, do direito ao voto criou as condições necessárias para outra metamorfose: os partidos de massa. Os governos representativos modernos, ao contrário do que o imaginário popular dita, se estabeleceram sem organizações partidárias. Porém, os partidos políticos passam a assumir ao longo dos anos uma maior importância dentro dos sistemas representativos, até se tornarem um elemento fundamental para o funcionamento dos mesmos. A mudança da lógica eleitoral marca a metamorfose do parlamentarismo para a democracia partidária. Para Manin, dois tipos de governo em que, é importante frisar, o termo parlamentarismo é utilizado como um tipo ideal, no sentido weberiano do termo; um estágio dentre vários do governo representativo, e não o sistema político como concebido atualmente. (MANIN, 1997)

Um dos princípios de distinção entre estes dois tipos de governo representativo se dá na relação dos eleitores com suas escolhas. Durante o período parlamentarista as eleições eram consideradas uma forma de posicionar figuras notórias e de confiança dos cidadãos no governo. Os candidatos eleitos eram indivíduos que possuíam posições privilegiadas em redes locais de relações sociais ou alguma espécie de proeminência social. (MANIN, 1997)

É importante pontuar, porém, que esta relação de confiança tinha um caráter basicamente personalista e individual. Era através da individualidade, e não da sua relação com organizações políticas, que os candidatos conquistavam confiança, e por consequência, votos. O representante mantinha assim uma relação de pessoalidade com os eleitores, possibilitando ser eleito por pessoas que poderia manter contato pessoal. Entretanto, Manin argumenta que estas relações eram basicamente não políticas. Estes candidatos eram homens notórios que pertenciam a mesma comunidade social que o eleitorado. (MANIN, 1997)

A competição política não constituía um elemento fundamental do processo eleitoral. Os candidatos eram escolhidos por sua posição nas comunidades locais, por seus cargos, propriedades e até mesmo por seus carismas. As eleições culminavam com a escolha de um tipo particular de elite: os notáveis. O autor então assume que os governos representativos modernos começam como o governo dos notáveis. (MANIN, 1997)

A democracia dos notáveis foi aos poucos substituída à medida que ampliou o direito ao voto no século XIX. A discussão, que se estendeu do século XIX ao século XX, botava em questionamentos as clivagens existentes ao direito ao voto, que segregavam mulheres, negros, analfabetos e pobres. O resultado desta longa luta pela extensão do direito ao voto e o de outros vários movimentos sociais imbuídos do discurso democrático, acabou por culminar no sufrágio universal. O aumento do eleitorado, consequência óbvia e imediata do sufrágio universal, viria acompanhado de uma mudança menos óbvia e imediata, uma mudança na forma como os representantes se apresentam e são escolhidos.

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O alargamento do eleitorado iria por fim as relações de pessoalidade entre candidatos e eleitores. Os Partidos Políticos de Massa surgem na necessidade de mobilização de um eleitorado cada vez maior; se utilizando de militância de membros partidários, da burocracia e de programas partidários que tornavam possível tecer um novo tipo de relação entre os candidatos e o eleitorado. Assim que os Partidos de Massa se estabeleceram, os cidadãos passaram a votar não em pessoas que conheciam pessoalmente, e sim em candidatos que ostentassem a cor e emblema de um partido. Era a vez de o “homem comum” que se via representado por um partido, e não o notável, a assumir um cargo governamental. (MANIN, 1997)

O autor assume que estas mudanças foram um avanço a democracia, ao contrário do que alguns teóricos e políticos do período defendiam. A metamorfose do parlamentarismo para a democracia partidária implicou em mudanças nas relações eleitores-candidatos, população-governo e representantes-partido. Estas relações cresceram não só quantitativamente, mas também qualitativamente, resultando em ganhos democráticos. (MANIN, 1997)

Não só este novo modelo proporcionava uma forma de participação para um novo eleitorado advindo do sufrágio universal, mas também uma nova forma de se pensar a relação entre população e governo. Uma das inovações trazida pelo advento dos Partidos de Massa foi a possibilidade de apresentar candidatos mais próximos da realidade dos filiados e eleitores, criando uma relação de identificação entre população e políticos. As plataformas políticas e programas partidários possibilitariam a população escolher a direção do governo.

Além disso, o fato de que os candidatos eleitos eram originários de partidos permitia que estas organizações exercessem um controle contínuo sobre os membros do parlamento, limitando possíveis desvios dos programas partidários. A grande autonomia que os candidatos anteriormente desfrutavam ia desaparecendo, à medida que plataformas políticas direcionavam os mandatos e restringiam as ações dos representantes. (MANIN, 1997)

Porém, Manin é cauteloso em sua descrição sobre a Democracia Partidária. O autor evita a mistificação deste tipo ideal acrescentando outras características, entre as quais a conservação de um aspecto elitista no processo eleitoral. Ao contrário da expectativa criada em relação ao surgimento dos partidos de massa, o aspecto elitista do governo representativo não desaparece; ele é substituído por um novo tipo de elite. O princípio de distinção entre representante deixa de ser a proeminência social em lugar do ativismo e habilidade organizacionais, e essas qualidades são selecionadas pela máquina partidária em detrimento do eleitorado. Votando em candidatos selecionados pelo partido, os eleitores ratificam o uso deste critério. O governo dos notáveis é deixado de lado em detrimento do governo de burocratas partidários. (MANIN, 1997)

Também contrária a expectativa de que os partidos trariam a classe trabalhadora aos cargos políticos, os representantes não só migravam de posição social e estilo de vida assim que atingem o poder, mas eram originários de posições sociais privilegiadas. Havia uma grande diferença social entre os militantes e os líderes dos partidos, garantindo um aspecto quase “aristocrático’’ nas conjunturas partidárias. (MANIN, 1997)

Tal como no parlamentarismo, as eleições na democracia partidária continuavam constituindo um exercício de confiança e identificação em detrimento de escolhas puramente políticas. De fato, uma parcela significativa do eleitorado desconhecia em detalhes as plataformas políticas apresentadas. O ponto de distinção entre o parlamentarismo e a democracia partidária reside no objeto de confiança e de identificação; ela deixa de residir em uma pessoa, e passa a se encontrar nos partidos. (MANIN, 1997)

Por tanto, boa parte das análises de cientistas políticos do século XX se debruçaram sobre o tema da identificação partidária. Por conta do fundamental papel que os partidos tomam nos governos representativos, essas análises procuraram esclarecer como se constituía a identificação partidária e seus indicadores, tais como: classe, etnia, gênero, geração, religião e etc. Por essa temática se estender por décadas de pesquisa e debates, iremos produzir um breve panorama de seus principais argumentos. 3. IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA

Com o desenvolvimento da ciência política como ramo das ciências sociais, pesquisas eleitorais passaram a se validar de métodos próprios, tal como desenvolvimento teórico único. Assim, o conceito de identificação partidária ganhou corpo e forma pela primeira vez em The American Voter, de 1961, por Angus Campbell. Nesta importante análise sobre o comportamento eleitoral estadunidense, Campbell define pela primeira vez o conceito de identificação partidária como uma forma de apego psicológico a um partido político:

We use the concept here to characterize the individual’s affective orientation to an important group-object in his environment. Both reference group theory and small-group studies of

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influence have converged upon the attracting or repelling quality of the group as the generalized dimension most critical in defining the individual-group relationship, and it is this dimension that we call identification. ( CAMPBELL, 1961, P. 121)

Para Campbell, a identificação partidária seria o fator determinante do voto, concedendo estrutura e

significado aos sistemas de crença individuais. A identidade partidária possibilitaria um quadro de referência para mensurações e interpretação de temas e informações políticas; orientando decisões políticas e estimulando a participação do eleitorado com o processo decisório nos governos representativos. Aqui, identificação partidária é tida como uma afeição psicológica a determinados grupos políticos, que tende a se fixar com os anos. (CAMPBELL, 1961) Sendo assim, Campbell constrói seu modelo de pesquisa tomando a identificação partidária como a principal categoria analítica. Este conceito tornaria possível mensurar a vitalidade e legitimidade um governo partidário, comportamento eleitoral e partidário, e envolvimento político.

Porém, a falta de precisão no conceito de identificação partidária apresentado em The American Voter dificultou a sua utilização por pesquisadores e teóricos posteriores. Identidade Partidária é descrita como uma forma de “apego psicológico” “orientação afetiva” e até mesmo “apego duradouro”, porém o pouco desenvolvimento destes conceitos e suas distinções os tornaram gerais demais para usos mais precisos. A definição de Campbell também é criticada por ignorar aspectos sociológicos importantes em comportamento eleitoral em prol de um conceito orientado por concepções psicológicas, priorizando a dimensão individual do exercício eleitoral. (POMPER, 1978) Trabalhos posteriores que se prestavam a discutir o conceito de identidade partidária encontravam em The American Voter um ponto de partida, mas é com os autores Green, Palmquist e Schikler que a discussão sobre identificação partidária se aprofunda.

Em Partisan Hearts and Minds, esses autores não só analisam uma grande quantidade de pesquisas empíricas, mas aprofundam a discussão teórica sobre a natureza da identificação partidária. Ao repensar o arcabouço teórico sobre identificação partidária, Green, Palmquist e Schickler acabam por divergirem dos pressupostos de Campbell, fazendo com que sua teoria se distancia de uma pura revisão de conceitos. Nesta obra, a identificação com partidos políticos não é vista como um produto de avaliações lógicas e racionalistas de plataformas partidárias e candidatos por parte do eleitorado. Esta visão, na qual o eleitor produz julgamentos políticos baseado em avaliações lógicas, predominante na ciência política norte-americana do período de confecção da obra, é contestada pelos autores. Socialização e identificação social são conceitos mobilizados nesta teoria. Assim, em Partisan Hearts and Minds, identificação partidária é conceituada como uma forma genuína de identificação social. Os cidadãos possuem um forte senso de pertencimento e identificação para certos grupos sociais, sendo capazes de identificar os elementos que os tornam pertencentes ou não a determinados grupos, sendo eles de caráter étnico, regional e político. A identificação política e partidária, entretanto, é geralmente eclipsada por outras identificações, como a cultural, econômica, espiritual, sexual e até mesmo esportiva. Porém, quando a atenção da população se volta para eventos políticos, estas formas de identidade social tendem a ter um poder de influência inferior a identidade partidária. Sendo assim, a identificação partidária é uma forma de identidade social cujo poder de articulação em eleições tende a ser superior que as demais. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Para exemplificar e provar o ponto da maior influência da identidade partidária sobre eventos políticos, Green, Palmquist e Schikler usam dados de pesquisas eleitorais das votações de Ronald Reagan para a presidência dos EUA. Reagan recebeu 57,8% de votos de masculinos, e 58,6% de votos femininos. No campo religioso as votações de protestantes e católicos foram igualmente próximas, tendo ficado em 58,2% e 60,7% respectivamente. Até mesmo um forte indicador sociológico, como a Classe Social, não pode delimitar uma grande margem de votação, tendo 63,9 % de votos da classe média, e 47,1 % da classe trabalhadora. Como os números mostram, indicadores sociais como gênero, classe e religião não foram capazes de indicar o resultado das eleições. Entretanto, os autores assumem que dentre as identidades sociais apenas a étnica é capaz de predizer escolhas eleitorais. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

A argumentação dos autores de Partisan Hearts and Minds traça um paralelo entre identificação partidária e identificação religiosa. Quando pessoas se identificam e sentem pertencimento a determinados grupos sociais, elas absorvem valores reproduzidos por tais grupos. Esses valores tendem a se firmar durante os primeiros anos da vida adulta, e assim que se naturalizam, tendem a se manter durante toda a vida. Essa aquisição de valores partidários portanto funcionam de maneira similar a aquisição de valores religiosos. Por tanto, identidades partidárias devem ser compreendidas como partes constitutivas da identidade social da população. Tal como a identidade religiosa tende a se mostrar quando valores religiosos são confrontados, a identidade partidária tende a se tornar nítida em períodos eleitorais. Mesmo que fora de períodos eleitorais a

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identidade partidária tenda a ser eclipsada por outras, as concepções partidárias tendem a se manterem intactas durante momentos de baixa competição política. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

A comparação traçada pelos autores entre identificação partidária e identificação religiosa é continuamente explorada. Denominações religiosas tendem a comportar membros que se distinguem das demais por pertencerem a grupos sociais que se identificam com as mesmas, pela adoção de doutrinas especificas destas religiões e pela competição com outras denominações religiosas. Características semelhantes seriam facilmente observáveis em grupos partidários, aproximando denominações religiosas de partidos políticos. Ambas formas de identificação seriam fruto da socialização nos anos iniciais da vida adulta. Os autores Green, Palmquist e Shickler assumem a possibilidade da escolha religiosa e partidária partir de uma escolha individual, orientada a partir de avaliações lógicas por parte de um indivíduo; porém, seriam casos minoritários, que não compreendem a lógica majoritária por trás do processo de identificação social. Se assume, que para a maior parte de adultos a partir dos 30 anos, as identidades religiosas e partidárias costumam se manter intactas pelo restante da vida. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Este grupo de autores, ao definirem o conceito de identificação partidária, aprofundam as possibilidades existentes nas pesquisas eleitorais e conjunturais. A partir deste conceito, passa a ser possível entender a relação entre o público e os partidos, e como estes se estruturam socialmente e passam a estruturar os governos democráticos. A identificação partidária funcionaria, portanto, como um indicador útil para analisarmos a legitimidade de grupos políticos e governos.

Entretanto, a aplicabilidade deste conceito foi duvidada por muitos cientistas políticos. Argumentou-se que a identificação partidária era um fenômeno particular da realidade estadunidense, e que fora dos Estados Unidos da América o eleitorado não se identificava com os partidos políticos, ou ao menos não da mesma forma que o eleitor norte-americano. A realidade bipartidária e a construção histórica dos Estados Unidos da América teriam produzido o fenômeno da identificação partidária, algo que não teria se reproduzido em outros governos democráticos, notadamente aqueles que dispunham de um sistema pluripartidário, que impossibilitaria a construção de identidades partidárias. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Para o trio de autores de Partisan Hearts and Minds a identidade partidária não é um fenômeno exclusivamente Estadunidense, e a existência de um modelo multipartidário não se constitui em impedimento para a construção de identidades partidária. Sistemas pluripartidários, com os encontrados no Brasil, Alemanha, Canadá e Itália, abrem espaço para a construção de identidades partidárias complexas. Estes sistemas costumam abrigar três ou mais partidos importantes, que ao competirem por votos, permitem o eleitorado desenvolver a identificação com mais de um único partido simultaneamente. E apesar desses partidos, em alguns casos, estarem distribuídos em um espectro ideológico esquerda – direita, a identificação pode ser estabelecida com vários partidos ao longo desse espectro. Assume-se, portanto, que o eleitorado pode se relacionar com diferentes partidos de diferentes posições ideológicas simultaneamente. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Assim sendo, a identificação partidária é um fenômeno não só plausível de ser observado, mas uma identificação social comum em democracias partidárias. Porém, a estabilidade deste fenômeno se tornou o foco de um intenso debate da ciência política do século XX ao século XXI, mobilizando diferentes argumentos. Após Campbell estabelecer novos termos para a discussão, alguns autores já teorizavam sobre o declínio da identificação partidária, como é o caso de Paul R. Abramson em Generational Change and the Decline of Party Identification in America: 1952-1974, pesquisa de 1972 que propunha que a identificação partidária já declinava desde o pós- guerra. Os teóricos da “crise de representatividade” seguem em uma linha argumentativa próxima, a de que durante o século XX e XXI as democracias vivenciaram uma taxa de declínio nas identidades partidárias. Entretanto, as produções modernas sobre o tema não entraram em um consenso sobre o tema. Os próximos passos deste artigo se desdobrarão em explorar brevemente alguns dos principais argumentos que hoje permeiam a discussão do declínio da identificação partidária. 4. TEORIA DO DESALINHAMENTO.

A partir da década de 1970 estudiosos do campo eleitoral já identificavam o declínio das identidades partidárias como uma tendência crescente em democracias industriais avançadas. Este enfraquecimento havia sido observado primeiramente nos Estados Unidos da América, contudo, estes padrões eleitorais seriam identificados também em sistemas partidários europeus. O aumento da volatilidade partidária de eleição para eleição, opções eleitorais que se desvinculavam de filiações partidárias e o surgimento de novos partidos, notadamente os partidos verdes, novas esquerdas e novas direitas, denotavam o enfraquecimento da

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identificação partidária destes sistemas políticos. A partir destas análises inquéritos, questionários e pesquisas eleitorais realizadas entre as décadas de 1970 e 1990 reforçavam a tese de que os partidos políticos enfrentavam a perda de um eleitorado fiel. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

O declínio do partidarismo era comumente associado às crises políticas regionais. No caso norte americano foi vinculado a eventos como os conflitos pelos direitos civis, a guerra do Vietnã e agitações urbanas. Na Grã Bretanha, esta tendência foi associada às lutas e crises econômicas dos anos de 1970. Porém, ao assumir que este padrão se repete em diferentes democracias industriais modernas, diferentes estudiosos passaram a produzir argumentos que fossem capazes de associar mudanças sociais e políticas mais abrangentes e globais a crise de identificação partidária em democracias contemporâneas. É neste contexto que Dalton, Flanagan e Beck desenvolvem a tese do desalinhamento partidário nas sociedades industriais avançadas. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

A tese do desalinhamento argumenta que as identidades partidárias sofrem um declínio geral em consequência da modernização social e política, o que faz com que as sociedades industriais avançadas experimentem uma tendência de desalinhamento. Esta tese sustenta que esta tendência se desenvolveu a partir de uma combinação de fatores individuais e sistêmicos que estão a constantemente modificar as democracias industriais avançadas contemporâneas. Entre estas mudanças os autores identificam os crescentes níveis educacionais que haveriam auxiliado o eleitorado no manejo com temas e informações políticos e sociais. A melhor compreensão de temas políticos levaria o eleitorado ao que os autores defendem como “auto-suficiência política”, o que significa que o eleitorado não requer mais o partido como intermediário para a compreensão da política. O declínio da função informativa dos partidos continua a se acentuar com o advento dos meios de comunicação de massa, estes novos meios de comunicação passam a substituir os partidos enquanto fontes de informação política. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

O que se desenvolveu, portanto, nas democracias industriais avançadas foram mudanças sociais de longo prazo que foram capazes de diminuir ou ao menos questionar a necessidade política e cognitiva da identificação partidária. Estas mudanças levaram ao diagnóstico uma crise nas funções clássicas dos partidos, tal como a de mobilização social, informante político e por último, representante público.

Porém, o que Dalton e demais autores defendem, é que a tese do desalinhamento sustenta que o que ocorre nas democracias industriais avançadas hoje:

[...] estamos a assistir um amplo e contínuo declínio no papel dos partidos políticos face aos eleitores contemporâneos — e não a uma diminuição temporária da satisfação do público com os partidos, como defenderam alguns autores. O desalinhamento sugere também que novas formas de política democrática — como a expansão da democracia directa, a abertura de processos administrativos à participação do público e o aumento do recurso aos tribunais por grupos de cidadãos — irão desenvolver-se à medida que os cidadãos adoptam formas de acção não partidárias. (Dalton, McAllister, P. Wattenberg, 2003, P. 298)

Em determinadas democracias, as ligações partidárias podem ter aumentado até o momento onde um

conjunto de características favoráveis ao desalinhamento iria convergir. O caso alemão é elucidativo neste sentido, pois o pós-guerra se caracterizaria por um forte crescimento das identidades partidárias, mas depois o processo de desalinhamento iria provocar o rompimento das relações partidárias. Portanto, o campo fértil para o surgimento do desalinhamento partidário seriam os sistemas partidários desenvolvidos que encontram certo grau de estabilidade. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

Deve-se salientar, também, que algumas democracias mais recentes tendem a apresentar um menor grau de características industriais avançadas e consolidação de instituições democráticas, retardando o avanço do desalinhamento. Sendo assim, a identificação partidária nestas jovens democracias ainda é um fenômeno a se estabelecer, tal como o cenário que favorece o desalinhamento. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

As pesquisas de Dalton, McAllister e Wattenberg os levaram a identificar 18 democracias industriais avançadas cuja volatilidade eleitoral aumentou de 1950 ao ano 2000, com 9 destas democracias com queda no número de eleitores com identificação partidária. Os dados demonstrativos das pesquisas analisadas por Dalton sugerem que o desalinhamento está progressivamente enfraquecendo os laços partidários do eleitorado contemporâneo, e que isso traz consequências sobre o comportamento eleitoral e político. Os autores reconhecem, porém, que as tendências partidárias raramente são lineares e que momentos políticos e campanhas específicas podem modificar, tanto para mais quanto para menos, o sentimento de identificação partidária e de interesse público a política. Tendo em conta este aspecto instável e volátil da política eleitoral de

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curto prazo, a tendência a queda das identidades partidárias em longo prazo se tornam ainda mais importantes. (Dalton; McAllister; Wattenberg, 2003)

Dalton, McAllister e Wattenberg assumem a impossibilidade de se afirmar se o declínio da identificação partidária é um fenômeno que vá se estender ou recuar:

Uma vez que o declínio da participação eleitoral nas democracias estabelecidas é um fenómeno relativamente recente, o facto de estarmos perante uma tendência de longo prazo ou uma mera aberração momentânea continua a ser matéria de especulação. É possível que as taxas de participação voltem a aumentar à medida que se institucionalizam novos partidos e novos padrões de competição. Por outro lado, se o declínio da participação se deve de facto a mudanças relacionadas com a natureza dos partidos políticos, é de esperar que o actual declínio das taxas de voto se mantenha ou mesmo se agrave. (Dalton, McAllister, P. Wattenberg, 2003, P. 315)

A erosão das fidelidades partidárias por tanto é um fenômeno cujo futuro ainda é incerto, e seus efeitos

nas democracias contemporâneas ainda é objeto de debate. Neste sentido, analisaremos agora os argumentos de Bernard Manin sobre os efeitos do declínio das identidades partidárias sobre os governos representativos. 5. DEMOCRACIA DO PÚBLICO.

Como exposto anteriormente, a tese da crise da identidade partidária, ou do desalinhamento, tem ganhado força entre estudiosos de sistemas eleitorais. Á medida que o eleitorado muda seus votos de uma eleição para a outra, que o número de abstenções cresce, e que as pesquisas de opinião pública revelam um público que não se identifica com nenhum partido, estes estudiosos são levados a crer que as democracias contemporâneas experimentam uma crise de representatividade. O comportamento partidário fortifica esta perspectiva, ao passo que hoje os partidos políticos desenvolveram a estratégia de construírem programas genéricos e amplos, evitando clivagens sociais claras a fim de se relacionar com o máximo de eleitores possível. A perspectiva da crise de representatividade parece ser irrefutável.

Porém, na perspectiva de Bernard Manin, o que ocorre é uma metamorfose dos governos representativos; a saída da democracia partidária para a entrada da democracia do público. A perspectiva de Manin, desenvolvida em seu livro “Os princípios do governo representativo”, será analisada focando no que tange as características desta forma de democracia em relação com um dos seus principais fatores, a identificação partidária. (MANIN, 1997)

O eleitor hoje tende a votar em uma pessoa e não mais em um partido ou uma plataforma política. Para Manin, este fenômeno marca um rompimento com o comportamento eleitoral que era tido como normal em uma democracia partidária, criando a impressão de uma crise de representatividade. Porém, como já exposto neste artigo, Manin argumenta que a identificação partidária é uma característica particular de um tipo especifico de governo representativo: as democracias partidárias. O autor sugere que a mudança que se traça no comportamento eleitoral pode ser entendido como um retorno ao caráter pessoal e personalização das representações, tal como antes do advento das democracias partidárias. (MANIN, 1997)

O autor nota que existe uma tendência à personalização da política, principalmente no âmbito nacional e no poder executivo em países democráticos. Em países em que a eleição direta ao chefe do executivo as eleições presidenciais se tornam a principal eleição, moldando o restante da eleição. Uma tendência similar ocorre em sistemas eleitorais nos quais o chefe do executivo é também o líder da majoritária do legislativo, fazendo com que as campanhas do legislativo também se organizem em torno desse líder. Porém, o papel dos partidos não pode ser diminuído. Os partidos continuam a prover redes de contatos, influência, ativismos e investimento financeiro aos candidatos. Porém, eles tendem a se tornar um instrumento que serve a uma figura personalizada, e não o alvo de seus esforços. Isto marca o abandono da identificação partidária em prol da volta ao modelo de representação e identificação do parlamentarismo, tendo a representação um caráter fundamentalmente pessoal, desta vez dirigida ao chefe do executivo ou do governo. (MANIN, 1997)

Duas possíveis causas para a situação são expostas por Bernard Manin. Primeiramente, como exposto por Dalton, o advento da comunicação de massa implica em mudanças nos papéis clássicos dos partidos. Porém, a comunicação de massa também acaba por alterar a forma como se constituem as relações de representação. O uso de determinadas mídias, tal como a televisiva, conferiram aos candidatos certa “vividez e “proeminência”, reforçando suas individualidades. O uso da televisão possibilitou a retomada de um aspecto de “face a face”, característica marcante das primeiras formas de governo representativo. A comunicação de massa

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favorece também aqueles candidatos com maior manejo de técnicas midiáticas, os chamados “figuras midiáticas”. O que as democracias estariam vivenciando hoje não seria uma quebra com os princípios de representação do público, e sim com o tipo de elite que é eleita. (MANIN, 1997)

Deve se salientar que as eleições continuam a eleger indivíduos que ainda detêm características elitistas, tal como as formas passadas de democracia. Porém, como a identificação do eleitorado migrou da legenda partidária para a personalidade política, esta forma moderna de democracia substituiu o ativista político pelo especialista em comunicação. A democracia partidária é substituída por tanto, pela democracia do público. Esta nova forma de governo representativo, a democracia do público tem como seu principal agente o especialista em mídia, e não o partido. (MANIN, 1997)

Em segundo lugar, o autor defende que o crescente papel central das personalidades políticas as custas de programas partidários detalhados é uma consequência imediata as novas condições de governo. É argumentado que o escopo das atividades governamentais aumentou substancialmente nas últimas centenas de anos. Hoje os governos tem como obrigação intervir em uma série de áreas, principalmente no que se refere a áreas econômicas. Tornou-se mais difícil aos candidatos elaborarem programas detalhados, ao passo que estas plataformas se tornariam ilegíveis e ininteligíveis. Não apenas isto, mas os ambientes políticos se tornaram mais complexos, envolvendo um número crescente de atores. Isto implica em os problemas e confrontos políticos se tornam cada vez mais imprevisíveis, o que impede o comprometimento com programas detalhados. (MANIN, 1997)

Este cenário de aumento de complexidade política e proeminência da figura midiática, favoreceu um ambiente onde o eleitor ao invés de se identificar, passa a reagir aos estímulos incentivados por campanhas eleitorais. Neste novo cenário, a iniciativa das pautas eleitorais pertence ao político, e não ao eleitorado. Isto é diferente de quando as pautas apresentadas são reflexos de uma realidade social independente de ações políticas. As decisões do eleitorado passam a ser suscetíveis às pautas mobilizadas durante as campanhas políticas, e não a expressões de clivagens socioculturais e partidárias. Sendo assim, o eleitorado se configura como um público que responde ao que é apresentado no palco político. Por esta situação Bernard Manin concebe esta forma de democracia como democracia do público. (MANIN, 1997)

Manin, assume que a metamorfose da democracia partidária para a democracia do público não implica necessariamente em uma crise de representatividade, e sim em determinados ganhos democráticos:

[...] a ascensão dos meios de comunicação de massa e não de partido determina

uma consequência importante: sejam quais forem suas preferências, todos os indivíduos recebem as mesmas informações sobre determinado assunto. As pessoas, obviamente, continuam a ter opiniões divergentes sobre as questões políticas, mas a própria percepção do tema tende a se emancipar das tendências políticas individuais” (MANIN, 1997, P. 228-9 apud URBINATI, 2013, p. 94)

No entanto, Nadia Urbinati, no trabalho “Da democracia dos partidos ao plebiscito da audience”, nos

oferece outra imagem em relação à democracia do público. Para a autora, mesmo quando as fontes de informação são públicas e não monopolizadas por grupos que visam poder político, os partidos continuam a exercer função essencial na organização do jogo político. Ela cita o exemplo da Itália onde o “telepopulismo” desafiou radicalmente o sistema de partidos tradicionais, mas que o premier Silvio Berlusconi apenas conseguiu uma maioria estável quando criou seu próprio partido, dotado de identidade ideológica, possibilitando seus eleitores um vínculo de identidade partidária. (URBINATI, 2013)

Em quanto à democracia do público pode aparentar uma representação fluida, aberta, e dirigida por candidatos individuais sem a necessidade fortes vinculações partidárias, a análise de Urbinati revela um sistema hierárquico, rígido e padronizado, que se distingue da democracia partidária por apresentar como elemento fundamental a figura do líder e, de forma paralela, o poder dos meios de comunicação de massa e de seus especialistas. Os partidos não desaparecem, como a análise de Manin tende a afirmar, mas sofrem a metamorfose em máquinas de construção e manutenção do poder da figura midiática do líder. (URBINATI, 2013)

A autora argumenta que o maior efeito que a democracia do público causa se dá em relação a passividade do eleitorado. O povo, de cidadãos participantes da política, dotados de ideologias, interesses e intenção de competir dentro das regras de um jogo partidário, passa a ser uma unidade impessoal, livre de interesses, e portanto livre de pautas a serem representadas, que apenas inspeciona e reage ao jogo político exercido por uma elite. O partidarismo, e as identidades partidárias, portanto, não são expulsas do domínio da decisão; são expulsas do fórum, fazendo com que o eleitorado se torne um grupo de espectadores que já não compete por ganhos políticos, apenas observa e julga. (URBINATI, 2013).

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A natureza da informação dada pelos meios de comunicação de massa também são problematizados por Urbinati. A autora afirma que a informação reproduzida por estes meios de comunicação, pode não ter o caráter politizado e informativo como se espera, muitas vezes sendo substituída por escândalos e boatos. Ainda usando como exemplo o caso italiano, a autora lembra do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, cuja vida pessoal estava sob permanentemente olhar dos meios de comunicação de massa. Estes canais de comunicação não se direcionavam para sua vida particular para necessariamente denunciar potenciais delitos, mas para atender uma demanda de escândalos e boatos, dando a opinião pública a forma de tabloide. A vigilância da vida privada de Berlusconi não servia para controlar seu poder; nem ao menos como informações políticas importantes para o eleitorado. Esta situação, somada ao fato de Berlusconi controlar seis canais de televisão nacionais, agravavam o cenário que levaria a democracia italiana a se tornar uma democracia do público de eleitorado passivo e com pouco poder. (URBINATI, 2013)

Para Urbinati, portanto, a democracia do público compromete a participação política, ao substituir as informações partidárias por aquelas de valor apenas estético:

De fato, até mesmo mais que a posse e o controle dos meios de informação, o império do poder ocular ou a inflação das imagens foi o fator que tornou o “olhar” particularmente incapaz de controlar. O paradoxo de insistir no fator estético da opinião pública à custa do cognitivo e do político-participativo é que não leva em conta o fato de que as imagens são a fonte de um tipo de julgamento que avalia mais gostos que fatos políticos e é, portanto, irremediavelmente subjetivo. (URBINATI, 2013, P. 98)

Na democracia partidária, a imagem do candidato não tomava o lugar das expectativas e anseios do eleitorado, como acontece na democracia do público, onde os períodos eleitorais se focam nas figuras de liderança, e fatores como programas partidários e ideologias se tornam elementos de segundo plano. A consequência disto, para Nadia Urbinati, é que mesmo a correspondência dos candidatos eleitos aos eleitores perde relevância, pois o eleitorado não têm mais nenhum controle sobre questões políticas, sendo relegados a uma posição passiva de observação. Esta perspectiva implica por tanto, não só em uma perda de identidades partidárias, mas também em um déficit de participação e representação nas democracias contemporâneas. 6. ESTABILIDADE PARTIDÁRIA.

Assim como existem estudiosos que creem em um declínio da identificação partidária, como Dalton e Manin, a um determinado grupo de cientistas políticos que negam a hipótese da crise das identidades partidárias. Dentre esse grupo, podemos citar os mesmos autores de Partisan Hearts and Minds, Green, Palmquist e Shickler. Neste mesmo livro em que se estabelece de forma mais profunda o conceito de identificação partidária, os autores procuram negar a crise das identidades partidárias. Nos capítulos 2 e 3 Green, Palmquist e Shickler argumentam, com base em um grupo de diferentes estudos, que a identificação partidária é um fenômeno que ainda estrutura a política e goza de relativa estabilidade. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Ao defender a estabilidade das identificações partidárias, estes autores criticam as interpretações de determinados dados de Dalton, McAllister e Wattenberg. De acordo com Dalton e seus colegas, dentre 18 democracias industriais avançadas analisadas, todas apresentavam crescimento de volatilidade eleitoral, e 9 dentre elas apresentavam grande queda de eleitores com identificação partidária. Estes dados implicam em dizer que menos eleitores se sentem compelidos pelos partidos que possuem vínculo a apoiarem seus candidatos. Porém, Green e seus colegas defendem a importância de se manter uma determinada proporção ao interpretar tais informações. Alguns países, como os Estados Unidos na década de 70, denotariam recuperações pontuais nos índices de identidades partidárias. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Ao longo dos anos alguns setores de grupos partidários mudaram, e com eles suas imagens frente a determinados grupos sociais e regionais, levando a um aumento de identidades partidárias dentre de alguns grupos específicos. Outro argumento mobilizado pelos autores de Partisan Hearts and Minds é de que o declínio das identidades partidárias não se configura em sua extinção ou em tornar o conceito obsoleto. De acordo com questionários conduzidos desde a década de 1980, aproximadamente dois em cada três estadunidenses se afirmam ou democratas ou republicanos, e ao se pressionar os que se afirmam independentes, se revelam

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inclinações partidárias. Portanto, nós não estaríamos vendo um cenário onde as identidades partidárias não influenciam no voto, e sim o contrário. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Outro ponto de divergência destes autores com as interpretações sobre as tendências eleitorais ao longo dos anos diz respeito à suposta estabilidade eleitoral em relação a suas identidades partidárias. É argumentado que a ideia de que as democracias no passado representavam um momento de estabilidade eleitoral maior é uma forma de “nostalgia” de determinados cientistas políticos, quando na realidade tais democracias nunca apresentaram tal grau de estabilidade. As eleições estadunidenses de 1912,1920,1924,1928,1948 e 1952 foram todas caracterizadas por um grande número de eleitores partidários votando contra o candidato de seus partidos. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

Finalmente, os autores defendem uma abordagem metodológica capaz de corrigir possíveis erros interpretativos ao se examinar dados agregados. Para Green, Palmquist e Schickler a identidade partidária é um fenômeno vivo, estável e que continua a influenciar e estruturar a política em democracias industriais avançadas. (Green; Palmquist; Schickler, 2002)

7. CONCLUSÃO

Apesar da crise da representação ter se desenvolvido como uma máxima da discussão política, este artigo revela que não há consenso acadêmico sobre esta “crise”, mesmo que existam convergências entre as várias perspectivas. Dalton e seus companheiros, através da Teoria do Desalinhamento, argumentam que vemos um declínio das identidades partidárias que enfraquecem os laços partidários e o papel tradicional destes partidos, botando em questionamento a nossa noção de representação consolidada. Já Bernard Manin, enxerga esta crise da identificação partidária como uma característica de uma metamorfose do governo representativo, que caminha da democracia partidária para a democracia do público; metamorfose esta que implica na substituição da identidade partidária pela identificação com figuras de liderança midiática, sem que isso represente necessariamente um enfraquecimento da noção de representação política. Por outro lado, Nadia Urbinati enxerga a democracia do público através da criação de um eleitorado passivo, cujo abandono das identificações partidárias resulta em perda de poder político. Já na contramão, Green, Palmquist e Schickler; autores fundamentais para o estabelecimento do conceito de identificação partidária, acreditam que a identificação partidárias, e os partidos políticos, não vivem uma crise, e continuam a fundamentar e organizar o jogo político nas democracias industriais avançadas.

Entre os argumentos analisados para este artigo, há o consenso de que o modelo partidário foi de fundamental importância por fundamentar uma democracia que conseguisse funcionar dentro de um cenário de um eleitorado crescente. Com os partidos, o eleitorado estabeleceu uma identidade social capaz de comportar crenças e valores que poderiam ser expressos na arena política, sendo assim, as identidades partidárias se consolidaram como um fenômeno presente nas democracias modernas. Não apenas isso, mas as opiniões convergem quando se afirma que os partidos foram importantes também para estruturar todo um modelo de organização político e de mobilização de opiniões e interesses públicos. As divergência se dá na permanência do modelo da democracia representativa. REFERÊNCIAS

CAMPBELL, Angus. The american voter. University of Chicago Press, 1980 DALTON, Russell J. et al. Democracia e identificação partidária nas sociedades industriais avançadas. Análise Social, p. 295-320, 2003. GREEN, Donald; PALMQUIST, Bradley; SCHICKLER, Eric. Partisan hearts and minds. 2002. MANIN, Bernard. The principles of representative government. Cambridge University Press, 1997 POMPER, Gerald M. The impact of the American voter on political science.Political Science Quarterly, p. 617-628, 1978. URBINATI, Nadia. Da democracia dos partidos ao plebiscito da audience.Lua Nova, v. 89, p. 85-105, 2013