faÍsca, carlos manuel (et. al.).«um novo produto turístico para o alentejo: a rota do montado de...

20
249 Um novo produto turístico para o Alentejo 1 . A Rota do Montado de Sobro A new tourism product for Alentejo. The Montado Route CARLOS MANUEL FAÍSCA Universidad de Extremadura e Município de Ponte de Sor [email protected] CÉLIA GONÇALVES TAVARES Fundação Robinson – Museu Robinson [email protected] CLARA PRATES Município de Ponte de Sor [email protected] MARÍA DOLORES PALAZÓN BOTELLA Universidad de Murcia [email protected] 1 Neste artigo a designação Alentejo é aquela que corresponde à região NUTS II Alen- tejo, incluindo, para além da região histórica do Alentejo, a parte sul do Ribatejo. Noutras ocasiões, sempre que se justifique, utilizar-se-ão, para uma melhor caracte- rização, as regiões NUTS III Alto Alentejo e Lezíria do Tejo.

Upload: coimbra

Post on 29-Nov-2023

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

249

Um novo produto turístico para o Alentejo1.

A Rota do Montado de Sobro

A new tourism product for Alentejo. The Montado Route

carlos manuEl Faísca

Universidad de Extremadura e Município de Ponte de Sor

[email protected]

célia gonçalvEs tavarEs

Fundação Robinson – Museu Robinson

[email protected]

clara PratEs

Município de Ponte de Sor

[email protected]

maría dolorEs Palazón BotElla

Universidad de Murcia

[email protected]

1 Neste artigo a designação Alentejo é aquela que corresponde à região NUTS II Alen-tejo, incluindo, para além da região histórica do Alentejo, a parte sul do Ribatejo. Noutras ocasiões, sempre que se justifique, utilizar-se-ão, para uma melhor caracte-rização, as regiões NUTS III Alto Alentejo e Lezíria do Tejo.

250

– rEsumo:

No território português, entre o Ribatejo e o Alto Alentejo, reúnem-se condições excecionais para se dinamizar uma oferta turística em torno do montado de sobro e da cortiça. Desde logo, trata-se da região com maior produção de cortiça do planeta e, consequentemente, com um extraordinário património natural. Por outro lado, existe um exemplar quase único de património histórico industrial corticeiro, enquanto con-tinuam a laborar várias unidades de média e de grande dimensão. Este artigo apresenta uma proposta para a criação de uma rota turística em que se articula o património industrial histórico e atual (Espaço Robinson em Portalegre e o cluster corticeiro em Ponte de Sor); ao património natural (Montado de sobro da região, onde se destaca o percurso pedestre PR1 de Ponte de Sor, já devidamente sinalizado); às ofertas culturais existentes como o Observatório do Sobreiro e da Cor-tiça de Coruche, o Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor –onde se encontra o maior mosaico do mundo em rolhas de cortiça– e o Museu Municipal de Coruche; e, por último, não são esquecidas as atividades comerciais em torno de produtos gastronómicos, de comércio e de ar-tesanato.

– Palavras-cHavE: Turismo; Alentejo; Montado de Sobro; Cortiça.

– aBstract: In Portugal, between Ribatejo and Alto Alentejo, there are exceptional conditions in order to create a touristic route with a focus on the cork oak tree forests. As a matter of fact, this is the largest raw cork producing area of the world, with an exceptional natural heritage. On the other hand, it is possible to find here one of the most extraordinary preserved cork factories from the 19th century as an example of the industrial heritage of the region alongside with a considerable number of large and medium size cork industries still in production. This article presents a proposal to create a touristic route that gathers the historical and industrial heritage of the region (Robinson Space in Portalegre and the cork cluster in Ponte de Sor); its natural heritage (cork oak forests and the foothpath of Ponte de Sor); the variety of cultural offerings like the Observatory of Cork Oak Tree and Cork in Coruche, the Cultural and Arts Centre in Ponte de Sor (with the world’s largest cork stoppers mosaic), the Municipal Museum of Coruche; and, finally, commercial activities with gastronomic products and handicrafts.

– KEywords: Tourism; Alentejo; Cork Oak Forests; Cork.

251

1.- Introdução

Os rendimentos gerados pelo setor económico do turismo, um dos pilares da economia portuguesa, têm conhecido, na região do Alentejo, um acelerado crescimento alavancado não só pela conjuntura nacional, mas também pelos sucessivos prémios de excelência internacionais com que a região tem sido galardoada. No entanto, em termos comparativos, o Alentejo é ainda uma das regiões portuguesas com menor número de dormidas turísticas e, sobretudo, com uma das mais baixas taxas de tu-ristas provenientes do estrangeiro. Neste sentido, a apresentação de uma rota turística diversificada, aliando, a partir de um dos mais importantes recursos endógenos do mediterrâneo ocidental, o touring cultural ao tou-ring paisagístico, passando ainda pelo turismo enogastronómico, poderá ter o potencial necessário para captar turistas nacionais e estrangeiros, neste último caso vindos de regiões onde o montado de sobro e a cortiça só são conhecidos quando se abre uma garrafa de um bom vinho. Assim, este artigo segue esta lógica ao caracterizar, numa primeira fase, o turis-mo no Alentejo, para, em seguida, caraterizar, do ponto de vista ecológi-co e económico, a região por onde passa a rota e, por último, descrever com algum detalhe a Rota do Montado.

2.- O Turismo no Alentejo: características e potencialidades

Portugal dispõe de diversos recursos que lhe permitem o desenvol-vimento de diferentes tipos de turismo. Este setor tem apresentado uma importância crescente na economia portuguesa, sendo que as receitas provenientes desta atividade registaram um crescimento de 6,4 mil mil-hões de euros, em 2004, para 9,2 mil milhões de euros, em 2013, en-quanto, no mesmo período, o número de camas passaram de 442.975 para 500.105 (PORTUGAL, Ministério da Economia 2014, 19). De facto, aquando da elaboração, em 2007, do Plano Estratégico Nacional do Tu-rismo, já se previa o aumento progressivo do setor do Turismo enquanto atividade económica, ao mesmo tempo que se assinalava o crescimento da ponderação relativa do turismo interno face ao turismo externo. Este, por sua vez, está dependente de quatro mercados emissores: Reino Uni-do, Espanha, Alemanha e França. O Alentejo não foge muito ao cenário

252

atrás descrito, já que viu aumentar quer o número de camas, quer as re-ceitas globais referentes à atividade turística. Neste último aspeto, foram gerados pelo setor do Turismo no Alentejo, em 2004, aproximadamente 46,75 milhões de euros, valor que, em 2013, já se tinha elevado para cerca de 55,35 milhões de euros (PORTUGAL, Ministério da Economia 2014, 70). Por outro lado, os principais mercados emissores de turistas para a região são, respetivamente, o espanhol, o francês, o brasileiro e o alemão.

Tipicamente o turista que visita Portugal valoriza a oferta natural e a oferta cultural (paisagens, monumentos, museus, enogastronomia e praias), bem como a simpatia da população, o que acaba por fidelizar o turista. Nesse sentido, um estudo recente demonstrou que cerca de 93% dos turistas estrangeiros que visitaram Portugal, tencionam regressar (PORTUGAL, Ministério da Economia 2015, 5). Uma outra tendência a assinalar é a atitude do consumidor para com as atividades turísticas, já que se procura cada vez mais a possibilidade de se realizarem expe-riências diversificadas e autênticas, numa lógica de envolvimento e de interação com o território que se visita.

É neste contexto que o Alentejo pode continuar a afirmar-se, do ponto de vista turístico, como a principal região emergente de Portugal, já que o seu produto principal materializa-se em torno do touring cultural e paisagístico que, ao ser trabalhado e aproveitado corretamente, poderá possibilitar experiências distintivas ao turista através do estabelecimento de diferentes sinergias. As rotas turísticas temáticas inserem-es neste con-texto, pela criação de produtos com um valor acrescido face às ofertas tradicionais presentes no território.

Na região do Alentejo, o montado de sobro é, sem dúvida, um dos principais recursos naturais da região, tendo um grande potencial enquan-to recurso turístico que, lentamente, começa a ser explorado. Desde logo, devido à biodiversidade deste ecossistema, aparece associado o turismo de natureza, que nesta região se desenvolve, por exemplo, através da rea-lização de percursos pedestres e do birdwatching. Aliás, considerando o potencial turístico, entre outros, da paisagem cultural do Montado, a En-tidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo iniciou recentemente uma candidatura do Montado a Património da Humanidade, atribuição da responsabilidade da UNESCO. A par do touring paisagístico surge também o touring cultural aliado quer às questões gastronómicas (através

253

da elaboração de pratos utilizando produtos/alimentos relacionados com o montado de sobro como a bolota, cogumelos, espargos e ervas aromá-ticas), quer ao conceito emergente de turismo industrial.

Detenhamo-nos um pouco mais na análise deste conceito já que é aquele que, por ser mais recente, é também mais desconhecido da população em geral. O turismo industrial enquadra-se no conceito geral de turismo cultural. Desde meados dos anos 70 do século XX que, de-vido à desindustrialização da Europa Ocidental, muitas unidades fabris encerraram, passando a olhar-se para as instalações industriais devolutas como uma oportunidade de manter viva a memória de um passado não muito distante. Desta forma, a reabilitação do património industrial apre-senta-se como uma forma de dinamização cultural das zonas que ficaram mais afetadas pelo encerramento de unidades fabris. Estes edifícios são readaptados a novas utilizações como museus, equipamentos públicos, centros culturais, entre outros.

A recuperação deste património começou no final dos anos 50 do século XX no Reino Unido, país tremendamente marcado pela Revo-lução Industrial. No entanto, na maioria dos países da Europa Ocidental, este fenómeno só surge a partir dos anos 70 do século XX, pelos motivos já expostos. Em 1973 realizou-se, em Ironbridge (Reino Unido), a 1ª con-ferência internacional sobre o património industrial e, cinco anos mais tarde, a UNESCO incluiu na lista de Património Mundial o primeiro equi-pamento industrial: Mina de Sal de Wieliczka (Polónia) (Pardo 2004, 13). Nos países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, França e Itália, onde existe uma grande riqueza artística e histórica a nível patrimonial, este tipo de turismo surge mais tarde, mas tem sido recebido com grande entusiasmo gerando-se fluxos de visitantes impressionantes2.

A musealização destes espaços industriais deve ser encarada numa ótica do desenvolvimento sustentável das regiões, já que permite apro-

2 O aproveitamento turístico de património industrial tem sido alvo de diversas reso-luções por parte do Conselho da Europa, destacando-se a Recomendação nº R (87) 24 sobre as cidades industriais europeias (1987) e a Recomendação nº R (90) 20 re-lativa à proteção e a conservação do património técnico, industrial e de obras de arte na Europa” (1991). Vale a pena também consultar a Comissão Internacional para a Conservação do Património Industrial, nomeadamente a Carta de Nizhny Tagil para o Património Industrial (2003).

254

veitar edifícios devolutos que marcam profundamente a paisagem, con-tribuindo para alterar a ideia de que as fábricas são elementos de de-gradação do ambiente. Este trabalho de reabilitação serve também para proporcionar crescimento económico, através do turismo, ao mesmo tem-po que se recuperam e preservam laços entre o passado do território e as comunidades locais. Por outro lado, existe habitualmente uma dimensão cultural e um cariz didático através da abordagem de temáticas como a arqueologia, a técnica, a componente socioeconómica e produtiva.

Com uma tendência clara de crescimento, têm vindo a surgir um conjunto de rotas e/ou de itinerários industriais que funcionam numa ló-gica de complementaridade com a oferta turística associada ao patrimó-nio histórico-artístico das regiões. Neste sentido, podem ser estabelecidas rotas urbanas, concentradas apenas numa cidade ou rotas regionais em que se agregam vários espaços industriais ao longo de uma região com uma identidade semelhante. De facto, o continente europeu dispõe de inúmeros itinerários turísticos culturais que incluem aspetos industriais re-lacionados, entre outros, com matérias-primas como o ferro, a azeitona, o vinho e a cerâmica. Nesse sentido, existe mesmo uma Rota Europeia de Património Industrial3 que funciona como uma entidade promotora do turismo industrial.

Os números de visitantes a lugares de património industrial são bas-tante ilustrativos do potencial emergente deste tipo de turismo. Assim, em 2004, o Museo Minero de Cercs (Espanha) recebeu mais de 29 mil visi-tas, enquanto a Mina de Sal de Wieliczka (Polónia) foi visitada cerca de 800.000 mil vezes (Pardo 2004, 30). Em Portugal existem já alguns casos de sucesso, como, por exemplo, o Museu da Chapelaria de São João da Madeira, a Fábrica da Pólvora de Barcarena, a Real Fábrica de Panos da Covilhã, a Fábrica de Cerâmica Jerónimo Pereira Campos de Aveiro ou o Ecomuseu Municipal de Seixal.

O turismo industrial pode ser realizado em duas vertentes distintas, ora perceber e conhecer o passado fabril dos últimos séculos, ora realizar visitas a fábricas ainda em laboração, onde se explica o fabrico de deter-minado produto. Em Portugal, o mais recente caso de sucesso que ilustra este cenário é o projeto Turismo Industrial de São João da Madeira.

3 European Route of Industrial Heritage

255

A Rota que iremos apresentar tem todas as características para a prática do tipo de turismo referido. Partindo do montado de sobro e da cortiça, uma das principais riquezas patrimoniais do Alentejo, a criação de uma rota associada ao montado de sobro e à cortiça pode trazer inú-meras vantagens, já que permite a dinamização do território, o envolvi-mento da população e o aproveitamento de um recurso endógeno. O visitante pode perceber todo o sistema produtivo desde a extração da cortiça, passando pela sua transformação e comercialização do produto final. Noutra perspetiva, há a possibilidade de compreender o contexto histórico do setor, através de uma antiga unidade já desmantelada, de fruir da natureza e de provar os sabores do montado de sobro. Por tudo o que foi explicado anteriormente, a criação desta rota tem os elementos necessários para a oferta de uma experiência distintiva e autêntica para o turista atual.

3.- Os concelhos de Ponte de Sor, Portalegre, Coruche e a região envolvente: breve caracterização da fileira da cortiça

A Rota do Montado de Sobro atravessa o território de cinco mu-nicípios, quatro dos quais situados no Alto Alentejo –Portalegre, Crato, Alter do Chão e Ponte de Sor– e um último –Coruche–, na Lezíria do Tejo. Trata-se de uma zona com grandes povoamentos de sobro, sobre-tudo, em primeiro lugar, nos concelhos de Coruche e de Ponte de Sor, mas também em Portalegre, remetendo-se Alter do Chão e o Crato para posições menos preponderantes neste aspeto, ainda que o sobreiro tenha uma presença significativa nestes dois territórios. Dando uma expressão mais numérica a esta realidade, basta referir que Coruche é o concelho com maior área de povoamento dominante de sobro de Portugal, com 49.719 hectares, enquanto Ponte de Sor surge, neste indicativo, em quin-to lugar, com 37.458 hectares (APCOR, 2012). Portugal, por sua vez, de-tém a maior área de sobreiro do mundo, apresentando-se também como o maior produtor florestal e o maior transformador industrial do planeta (APCOR, 2014).

Na transformação industrial, não obstante o grosso da indústria cor-ticeira se situar atualmente em torno de Santa Maria da Feira, a verdade

256

é que o setor de atividade económica onde se emprega o maior número de trabalhadores em Coruche e em Ponte de Sor é a indústria corticeira. Nestes dois concelhos estão presentes diversas unidades fabris do Grupo Amorim, do Grupo Piedade, da Waldemar Fernandes S.A., do JPSCork-Group e a Sofalca4 aos quais se juntam, em Alter do Chão, uma unidade do Grupo M.A. Silva e, por último, a Robcork de Portalegre, herdeira da centenária Robinson, no total de uma dezena de fábricas, empregando mais de um milhar de trabalhadores.

Este cenário não é, todavia, uma novidade na região, já que há notícia da extração de cortiça para fins industriais desde, pelo menos, os anos 18305. Por outro lado, ao longo dos dois últimos séculos, algumas das maiores multinacionais do planeta mantiveram unidades fabris nes-ta região como, por exemplo, as britânicas Robinson, Henry Bucknall&-Sons, as unidades ligadas à família Reynolds e a catalã Mundet, a par de um grande número de pequenas fábricas de capital nacional.

Pode-se concluir então que a fileira da cortiça é uma das mais importantes atividades económicas dos territórios incluídos nesta rota e que, por sua vez, já conta com uma presença secular na região, pelo que há um saber fazer autêntico acumulado geracionalmente pelas po-pulações locais.

4.- A Rota do Montado de Sobro: descrição e pontos de interesse

A Rota do Montado de Sobro é um itinerário linear cujas extremi-dades são, do lado Este, a cidade de Portalegre e, do lado Oeste, a vila de Coruche. Com uma extensão aproximada de 128 km tem como pontos de paragem recomendados, para além destas duas povoações, a zona de Montargil e a cidade de Ponte de Sor. Na ausência de uma ordem de vi-sita, a rota pode ser percorrida em qualquer um dos sentidos, sendo que aqui optámos pelo seu início em Portalegre.

4 Na realidade a Sofalca situa-se já no concelho de Abrantes, porém, numa freguesia contígua ao concelho de Ponte de Sor e a apenas 16 Km desta cidade.

5 Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor, Câmara Municipal de Ponte de Sor, Correspondência recebida.

257

Figura 1.- Rota do Montado de Sobro

FontE: Ilustração de Tiago Vital

Nesta cidade, situa-se uma das maiores e mais antigas fábricas de cortiça em Portugal que, sob diferentes designações em torno do nome Robinson, laborou durante mais de cento e sessenta anos, entre 1848 e 2009. No entanto, segundo a tradição, George William Robinson adquiri-ra uma pequena oficina de transformação de cortiça ao seu compatriota Thomas Reynolds, fazendo recuar a cronologia desta unidade em mais alguns anos (Guimarães, 2006, 165). Instalada em parte das instalações do antigo Convento de São Francisco, nacionalizado após a extinção das ordens religiosas (1834) a fábrica prosperou, tornando-se, em finais do século XIX, a maior unidade de transformação de cortiça presente em Portugal. Reflexo disso mesmo é o crescimento do número de operários empregues pela Robinson que, em 1861, não ultrapassaria os 47, mas trinta anos mais tarde atingia o impressionante número de 1200 (Freitas, 2007, 254). Durante o seu período de laboração a fábrica especializou-se no fabrico de rolhas, de bóias, na preparação de pranchas de cortiça e na produção de aglomerados (aglomerado branco; aglomerado negro).

258

Figura 2 .- Linha de autoclaves. Produção de Aglomerado Negro

FontE: Rosa Reis, 2009

Deste passado bastante ativo e que se estenderá por todo o sécu-lo XX, terminando somente na primeira década do século XXI, subsiste grande parte da maquinaria, com uma cronologia que percorre quase toda a história da fábrica. É o caso, por exemplo, da secção de produção de aglomerado negro, conforme ilustra a Figura 2, com um conjunto de 12 autoclaves, ou as caldeiras a vapor Babcock & Wilcox, representadas na Figura 3, datadas do início do século XX.

259

Figura 3.- Caldeiras Babcock & Wilcox

FontE: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2011

Da antiga fábrica, é ainda de realçar o antigo showroom, onde o visitante pode conhecer os vários produtos que aqui foram fabricados, assim como pequenos núcleos que ilustram a importância da fábrica no desenvolvimento da cidade, como é o exemplo do espólio da Corpo-ração de Bombeiros Privativos Robinson fundada em 1908.

O Espaço Robinson, classificado como Conjunto de Interesse Públi-co a 24 de dezembro de 2012 (Portaria nº 740-DX/2012) integra também o Núcleo da Igreja do Convento de São Francisco, como parte do Museu Robinson, pela intervenção que a família de ingleses teve na readaptação do antigo espaço conventual ainda no século XIX. Este núcleo resulta na adaptação da antiga igreja conventual cuja construção se iniciou no séc. XIII. Com a abertura deste núcleo em 2011, a Fundação Robinson apos-

260

tou na Educação como forma de divulgação, sensibilizando os diferentes públicos e comunidade local para o potencial patrimonial que representa o Espaço Robinson. Através do Museu Robinson, a Fundação garante a realização de visitas guiadas aos diferentes espaços (igreja e fábrica) onde são abordados temas de acordo com a especialidade dos técnicos que integram a equipa do museu: de história, história de arte, arqueolo-gia, conservação e restauro. Com projeto de reabilitação do consórcio de arquitetos Eduardo Souto de Moura e Graça Correia, a intervenção no antigo espaço industrial prevê a valorização de todo o conjunto patrimo-nial com o objetivo de o reconverter num espaço público de fruição cul-tural ao serviço da comunidade, promotor de educação, conhecimento, inovação, empreendedorismo e bem-estar social. Integrado neste projeto está a Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre que se encontra a fun-cionar no espaço desde 2008. Na cidade de Portalegre é ainda possível encontrar, no comércio local, os mais diversos objetos produzidos em cortiça, desde peças típicas de artesanato regional até acessórios de ves-tuário com um design arrojado.

FiguraS 4, 5, 6 e 7.- Espaço Robinson

(Núcleo da Igreja do Convento de São Francisco)

FontE: Fundação Robinson, 2014

261

Partindo de Portalegre, os sobreiros recomeçam a reapropriar-se da paisagem à medida que nos aproximamos de Ponte de Sor, cidade onde, no Centro de Artes e Cultura, se encontra o maior painel do mundo em rolhas de cortiça, recorde certificado pelo Guinness World of Records. Esta obra, executada pelo artista albanês Saimir Strati, conta com apro-ximadamente 400 mil rolhas doadas pela indústria corticeira local - Amo-rim Florestal, S.A., Sedacor e Álvaro Coelho & Irmão.

Figura 8.- Maior painel do mundo em rolhas de cortiça

Fonte: Fotografia tirada por Ricardo Cruz, 2014

Contíguo ao mosaico, está sedeado o Fablab Alentejo, um laborató-rio de apoio à criatividade, que permite a produção rápida de protótipos tridimensionais e que se tem especializado no trabalho em cortiça.

Figura 9.- Trabalho em cortiça executado no Fablab Alentejo

FontE: Fotografia tirada por Aníbal Oliveira, 2015

262

A partir deste centro cultural, ele próprio uma antiga Fábrica de Moagem de Cereais e de Descasque de Arroz do início do século XX, é possível obter informação sobre a «Pequena Rota 1 de Ponte de Sor», um percurso pedestre que, como iremos ver, apresenta diferentes característi-cas do montado de sobro. Assim, logo no início do itinerário, surge uma zona de montado de sobro em plena produção, enquanto, dois quilóme-tros depois, poder-se-á verificar a regeneração de alguns sobreiros, bem como a morte de outros tantos, que foram sujeitos a um incêndio recen-te. Umas centenas de metros adiante, surge então a oportunidade de se observar sobreiros em diferentes estados de crescimento, desde algumas plantações de pequenos chaparros, passando por sobreiros que se desen-volveram devido ao aproveitamento da regeneração natural, até às árvo-res mais maduras e produtoras de cortiça amadia. O percurso prossegue então junto à Ribeira de Sor onde a existência de moinhos de água de rodízio, com os respetivos açudes, permitem uma concentração de água sobre a qual converge grande parte da biodiversidade da região. Desta forma, para além dos moinhos em si, pode-se encontrar grande parte da fauna característica do montado de sobro, composta por diferentes tipos de mamíferos e de aves, às quais se juntam algumas espécies de peixes de rio e, ocasionalmente, lontras.

Figura 10.- Moinho da Pontinha

FontE: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2011

263

Numa outra vertente em torno da fileira da cortiça, na zona indus-trial de Ponte de Sor e na vizinha freguesia de Bemposta, concelho de Abrantes, existem diversas fábricas que têm a possibilidade de integrar esta rota, como, aliás, já acontece com algumas corticeiras da região de S. Brás de Alportel. Aqui o turista ficaria a conhecer o complexo sistema produtivo da indústria corticeira, quer na produção de discos para rol-has, quer na produção de aglomerados para utilizações muitos diversas como, por exemplo, isolamentos usados na construção civil, no setor au-tomóvel e no setor aeronáutico, até acessórios de moda e outras peças de vestuário. Por último, em Ponte de Sor encontram-se, uma vez mais, lojas especializadas em produtos de cortiça, bem como restaurantes cuja gastronomia se baseia nos produtos do montado.

Figura 11.- Produção de discos na Amorim Florestal, S.A.

FontE: Fotografia tirada por Carlos Manuel Faísca, 2015

Seguindo viagem, os amantes da natureza encontram na Albufeira de Montargil um enorme espelho de água, com cerca de 20 km de ex-tensão, perfeitamente enquadrado numa zona de montado de sobro que suporta uma rica diversidade de aves terrestres e aquáticas. Tratando-se de um dos poucos locais do território nacional onde é possível admirar quase todas as espécies de andorinhas que nidificam em Portugal –an-dorinha-dos-beirais, andorinha-das-rochas, andorinha-das-chaminés, andorinha-das-barreiras–, às quais se juntam a trepadeira-azul, o rabi-

264

rruivo-de-testa-branca, a felosa de Bonelli, o papa-moscas-cinzento e um grande número de rouxinóis-comuns.

Figura 12.- Albufeira de Montargil

FontE: Município de Ponte de Sor

A rota termina então em Coruche, onde, para além da oferta gas-tronómica, comercial e industrial que é semelhante à de Ponte de Sor, se destaca o Observatório do Sobreiro e da Cortiça e o Museu Municipal. Relativamente ao primeiro, trata-se de um edifício desenhado pelo Arqui-teto Manuel Couceiro, com o intuito de criar uma orgânica que remeta para a metáfora do sobreiro como elemento vivo, pelo que é todo reves-tido a cortiça. No seu interior, encontram-se os laboratórios e oficinas destinados ao estudo do sobreiro e da cortiça bem como o centro do-cumental que visa ser um espaço dedicado à compilação de elementos bibliográficos relacionados com a fileira da cortiça, e por fim o auditório de 150 lugares de paredes revestidas com aglomerado negro com frescos nas cores do montado e que se encontra disponível para a realização de seminários, conferências e encontros. Este projeto foi vencedor de uma Menção Honrosa na Categoria de Melhor Projeto Público 2014, dos Pré-mios de Turismo do Alentejo e Ribatejo.

265

Figura 13.- Observatório do Sobreiro e da Cortiça

FontE: Município de Coruche

5.- Conclusão

Inserida num contexto de crescimento da procura turística no Alen-tejo, a Rota do Montado de Sobro pretende ir ao encontro das “novas” expetativas que os turistas, nacionais e estrangeiros, exibem. Nesse sen-tido, apresentou-se um produto turístico que, a partir de uma ligação identitária com a região, desenvolve um conjunto de atividades variadas, abarcando o touring cultural, paisagístico e gastronómico. É nossa pro-funda convicção de que se esta Rota for dinamizada, numa lógica de parceria entre a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, as autarquias locais, a indústria corticeira, proprietários florestais e em-presas de animação turística, não só se valorizará os diferentes tipos de património da mesma, mas também constituir-se-á uma mais-valia eco-nómica para a região com a consequente criação de emprego e fixação de populações.

266

267

Bibliografia

- aSSociação PortugueSa da cortiça - APCOR (2012): Anuário 2012, AP-COR, Santa Maria de Lamas.

- aSSociação PortugueSa da cortiça - APCOR (2014): Anuário 2014, AP-COR, Santa Maria de Lamas.

- caamaño Franco, I. (2011): “La comercialización del turismo industrial, Ro-tur – revista de ocio y turismo, 4, 161-180.

- FaíSca, C. (2014): Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo, Apenas Livros, Lisboa.

- FreitaS, A. (2007): Demografía, economía, sociedad y política en un espa-cio fronterizo: El districto de Portalegre (1850-1930), Dissertação de Dou-toramento, Universidad de Extremadura, Cáceres.

- guimarãeS, P. (2006): Elites e Indústria no Alentejo (1890- 1960). Um es-tudo sobre o comportamento económico de grupos de elite em contexto regional. Edições Colibri, Lisboa.

- Pardo abad, C. (2002): “Rutas y lugares de patrimonio industrial en Euro-pa: consideraciones sobre su aprovechamiento turístico”, Espacio, Tiempo y Forma, VI, 15, 69-94.

- Pardo abad, Carlos (2004): “La reutilización del patrimonio industrial como recurso turístico. Aproximación geográfica al turismo industrial”, Trebals de la Societat Catalana de Geografia, 57, 7-32.

- Pardo abad, C. (2011): “Paisajes industriales e industrias para el turismo: simbolismo patrimonial y alcance territorial”, Rotur - revista de ocio y turis-mo, 4, 161-180.

- Portugal, Ministério da Economia (2007): Plano Estratégico Nacional do Turismo, Turismo de Portugal, Lisboa.

268

- Portugal, Ministério da Economia (2014): Anuário das Estatísticas do Tu-rismo 2013, Turismo de Portugal, Lisboa.

- Portugal, Ministério da Economia (2015): Inquérito a turistas abril de 2015, Turismo de Portugal, Lisbo.