expressÕes polÍticas e crenÇas religiosas em jovens sem religiÃo

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1 Capítulo publicado em: In book: Instituições e sociabilidades: religião, política e juventudes, Edition: 1, Publisher: Fecilcam, Campo Mourão, Editors: Oliveira, Cristina Satiê P, pp.9-30, 2013. Expressões políticas e crenças religiosas em jovens sem religião. Sílvia Regina Alves Fernandes 1 A categoria censitária mais nova em relação ao quesito religião no Brasil é caracterizada pela falta, isto é, pela negação de qualquer pertencimento religioso. Se 7,4% da população brasileira se declarou sem religião no ano 2000, é entre o segmento juvenil, de 15 a 24 anos, que esse número se evidencia com mais força atingindo 9,3% dos jovens (NOVAES, 2006; RODRIGUES, 2007). O que esse dado sobre a juventude brasileira 2 , heterogênea e múltipla nos sugere a primeira vista é a prevalência de um certo ateísmo ou indiferença religiosa entre os jovens eventualmente mais ocupados com a busca de um lugar ao sol na sociedade brasileira e menos ocupados pela religião. Um olhar mais pausado, entretanto, enxergará que a desvinculação religiosa tende a afetar a juventude por motivos pragmáticos e não necessariamente por razões de descrença e/ou que a busca de um lugar ao sol pode ser coadunada com um rol de crenças e de ações politicamente informadas. Com efeito, na dimensão da política partidária se encontraria de modo superdimensionado a rejeição e aversão juvenil. Outras pesquisas já chamaram atenção sobre o que seria uma relação positiva entre juventude e religião e uma relação negativa entre juventude e política (PERES, 2007) sublinhando, no outro polo, o que se compreenderia como a vivacidade da religião, seja na esfera pública, seja nas experimentações privadas. Uma pesquisa que realizamos 3 com jovens pentecostais e católicos, tendo como grupo de controle os jovens que se autodeclaram sem religião demonstrou que os principais aspectos que estes últimos mais desejariam ver equacionados na sociedade brasileira estão diretamente relacionados a sua dinâmica de vida. Assim, eles anseiam 1 Drª em Ciências Sociais, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais PPGCS da UFRRJ. Atua na área de Sociologia da Religião com os temas: catolicismo, juventude e religião, pentecostalismo e campo religioso brasileiro. Email: [email protected]. 2 Embora concordando com a reflexão sobre a heterogeneidade da juventude, para fins de facilitação redacional não usarei a categoria no plural. 3 Fernandes, Sílvia R. A. Juventude, religião e política ações e representações, 2008. A pesquisa recebeu o apoio da FAPERJ.

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1

Capítulo publicado em: In book: Instituições e sociabilidades: religião, política e

juventudes, Edition: 1, Publisher: Fecilcam, Campo Mourão, Editors: Oliveira,

Cristina Satiê P, pp.9-30, 2013.

Expressões políticas e crenças religiosas em jovens sem religião.

Sílvia Regina Alves Fernandes1

A categoria censitária mais nova em relação ao quesito religião no Brasil é

caracterizada pela falta, isto é, pela negação de qualquer pertencimento religioso. Se

7,4% da população brasileira se declarou sem religião no ano 2000, é entre o segmento

juvenil, de 15 a 24 anos, que esse número se evidencia com mais força atingindo 9,3%

dos jovens (NOVAES, 2006; RODRIGUES, 2007).

O que esse dado sobre a juventude brasileira2, heterogênea e múltipla nos sugere

a primeira vista é a prevalência de um certo ateísmo ou indiferença religiosa entre os

jovens eventualmente mais ocupados com a busca de um lugar ao sol na sociedade

brasileira e menos ocupados pela religião. Um olhar mais pausado, entretanto, enxergará

que a desvinculação religiosa tende a afetar a juventude por motivos pragmáticos e não

necessariamente por razões de descrença e/ou que a busca de um lugar ao sol pode ser

coadunada com um rol de crenças e de ações politicamente informadas.

Com efeito, na dimensão da política partidária se encontraria de modo

superdimensionado a rejeição e aversão juvenil. Outras pesquisas já chamaram atenção

sobre o que seria uma relação positiva entre juventude e religião e uma relação negativa

entre juventude e política (PERES, 2007) sublinhando, no outro polo, o que se

compreenderia como a vivacidade da religião, seja na esfera pública, seja nas

experimentações privadas.

Uma pesquisa que realizamos3 com jovens pentecostais e católicos, tendo como

grupo de controle os jovens que se autodeclaram sem religião demonstrou que os

principais aspectos que estes últimos mais desejariam ver equacionados na sociedade

brasileira estão diretamente relacionados a sua dinâmica de vida. Assim, eles anseiam

1 Drª em Ciências Sociais, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da

UFRRJ. Atua na área de Sociologia da Religião com os temas: catolicismo, juventude e religião, pentecostalismo e campo religioso brasileiro. Email: [email protected]. 2 Embora concordando com a reflexão sobre a heterogeneidade da juventude, para fins de facilitação

redacional não usarei a categoria no plural. 3 Fernandes, Sílvia R. A. Juventude, religião e política – ações e representações, 2008. A pesquisa

recebeu o apoio da FAPERJ.

2

por dois bens imateriais fundamentais: estudo e trabalho (FERNANDES 2011;

POCHMANN, 2004). Outros estudos (RIBEIRO; NOVAES 2008; ABRAMO;

BRANCO 2005), por seu turno, evidenciaram que essa demanda não estaria

exclusivamente associada ao segmento juvenil religioso, mas pode ser interpretada pelo

crivo da exigência geracional no momento em que a ideia de planejamento do futuro se

coloca de forma mais arguta.

Neste texto viso explorar o perfil dos jovens sem religião de nosso grupo de

controle ampliando possibilidades interpretativas no que se refere às atuais expressões e

compreensões da política e da religião exatamente entre os que rejeitam a vinculação

religiosa do tipo institucional. Aportarei o debate visando a desessencialização das

categorias juventude, religião e política de modo que nossos dados possam ser cotejados

e problematizados tendo em vista o contexto social plural em que essas categorias estão

inseridas. Consequentemente, a pluralidade do contexto nos remeterá à necessária

abertura aos conceitos e sua ressonância na realidade sociocultural.

Por fim, adianto o caráter exploratório da pesquisa que está mais por apontar

possibilidades e levantar hipóteses do que por realizar um diagnóstico definitivo acerca

da juventude sem religião nas esferas religiosa e política.

Perfil social dos jovens sem religião

Como mencionado, a partir da necessidade de obtenção de parâmetros que nos

ajudassem a balizar as informações dos jovens religiosos, elegemos como grupo de

controle, jovens sem religião residentes na Baixada Fluminense respeitando-se,

portanto, o mesmo contexto socioeconômico e cultural em que estavam inseridos os

jovens de paróquias católicas e de Igrejas pentecostais (e neopentecostais).

Desse modo, foram entrevistados por meio de questionário trinta e um jovens4

que se declaravam sem religião. Na faixa etária investigada (15 a 24 anos) pouco mais

da metade têm entre 18 e 21 anos; cerca de 40% possuem entre 21 a 24 anos e apenas

9,7% têm entre 15 a 17 anos. Claramente, os dados estão referidos a opiniões de jovens

mais adultos, ou seja, que atravessaram a fase da adolescência.

Embora não se trate de uma amostra, cumpre mencionar que a maioria dos

informantes (51,6%) declarou-se de cor branca; um quarto (25,8%) afirmou ser de cor

parda; pretos totalizam 6,5% assemelhando-se ao índice de amarelos (6,5%); 9,7%

4 A dificuldade de localização dos jovens sem-religião acabou por restringir o número de entrevistados

no grupo de controle.

3

declararam-se de outra cor que não as listadas nas opções de resposta.

Os jovens foram contatados por meio de redes de relacionamento tanto de jovens

religiosos da pesquisa quanto de universitários não necessariamente religiosos. Apesar

das várias formas de localização desses informantes, eles se dividem quase

equanimemente no quesito sexo, sendo 48% rapazes e 45% de moças. Obteve-se uma

não resposta nesse quesito.

A maior parte reside em Nova Iguaçu (41,9%); outros (21,8%) moram em

municípios da Baixada que não estavam sendo pesquisados; o município de Duque de

Caxias abriga 19,4% dos jovens sem religião que entrevistamos e em São João de Meriti

residem 9,7% deles. Apenas 6,5%, ou o equivalente a dois jovens, moram em

municípios fora da região da Baixada Fluminense.

Quase todos (71%) estavam cursando o nível superior no período da pesquisa5.

Esse dado é marcado pelo fato de que dentre as nossas redes de contato estavam jovens

da Universidade, como mencionamos. Cerca de 20% dos entrevistados tinham o ensino

médio incompleto e aproximadamente 9% possuíam o ensino médio completo ou o

ensino fundamental incompleto. Salientamos que esse perfil orienta apenas o

conhecimento dos informantes, mas não pretende sugerir ser este um dado

representativo dos jovens brasileiros sem-religião.

Em relação à classe social predominam as classes B e C e apenas um jovem sem

religião pôde ser classificado na classe A6. A maior parte deles exerce alguma atividade

laboral sendo a modalidade mais comum a atuação com carteira assinada em outras

atividades que não estágios (22%). Mas há os que fazem estágio remunerado (16,1%);

os que trabalham sem carteira assinada (12,9%); os considerados desempregados (6,5%)

e aqueles que não trabalham, isto é, não estão em busca de trabalho em razão de estarem

em período de formação (32%). Alguns jovens não responderam a questão (3,2%); um

deles faz estágio não remunerado e houve quem informasse trabalhar por conta própria

(6,5%).

O estado civil da maior parte deles é solteiro/a (90%), mas há três jovens que

estão em situação diferenciada: um deles é casado no civil e no religioso; outro apenas

no civil e outro declarou possuir uma união estável.

5 Os dados foram coletados entre os anos de 2009 a 2010.

6 Foram utilizados os critérios ABIPEME para delimitação de classe social, considerando as faixas de

renda.

4

Condição anterior e herança religiosa

O grupo ficou coincidentemente dividido entre os que afirmaram já ter tido uma

religião (48,4%), sendo o catolicismo a principal religião anterior e os que informaram

nunca ter tido religião (48,4%). Um jovem não respondeu a questão. As demais

vinculações institucionais estavam circunscritas ao universo evangélico incluindo Igreja

Adventista.

Os jovens justificam o fato de se considerarem sem religião por comporem de

modo privado suas religiosidades. Essa opção absorve 58,1% (dezoito jovens) das

respostas demonstrando a permeabilidade da composição religiosa já observada em

outras pesquisas mesmo com a população adulta (FERNANDES 2008; 2006). Contudo,

16% demonstraram ceticismo em relação às religiões em geral estabelecendo assim, a

correlação entre desinstitucionalização e rejeição às religiões. Veremos a seguir, que os

símbolos da crença são majoritariamente cristãos, mas a não pertença demarca a

identidade, nesse caso, desinstitucionalizada.

Mas se há rejeição às religiões há também alguma flexibilidade no que tange à

possibilidade de vínculo. De modo curioso, três opções de resposta se igualaram no rol

de uma suposta opção religiosa dos jovens sem religião. As religiões evangélicas de

corte pentecostal, o Kardecismo e o Budismo se apresentaram como as mais atraentes

para uma mesma proporção de jovens (12,9%) 7, respectivamente. Eles indicaram essas

tradições quando perguntados sobre a hipótese de escolherem uma religião. Apenas um

jovem afirmou que escolheria o catolicismo. Mas o dado de maior relevância é que um

terço deles opta por não indicar nenhuma religião que os atraia sugerindo, portanto, uma

tendência de permanência na identidade de sem-religião.

A questão da herança religiosa pode ser parcialmente averiguada na questão

sobre a religião dos progenitores. Em relação à figura paterna, o catolicismo se

configura como a tradição religiosa majoritária ainda que nem sempre se declare prática

religiosa. Cerca de 16% dos jovens declararam ter o pai como um católico praticante,

mas 25,8% afirmam que o pai não pratica o catolicismo ainda que se declarando

católico. Somando-se os índices temos que 41,8% dos informantes com o pai católico.

Um universo mais pulverizado no que se refere à religião do pai foi demonstrado pela

7 Quatro jovens optariam por cada uma dessas opções.

5

declaração de 29% dos jovens. Estes afirmam que o pai pertence à outra religião que

não as oferecidas nas opções de resposta8.

Aproximadamente 13% declararam ter o pai pertencente a alguma religião de

tradição afro-brasileira e 6,5% possuem o pai adepto do Espiritismo Kardecista. A

tradição protestante seguiu a tendência do Espiritismo no que se refere à religião do pai.

Sendo assim, 6,4% tem pai pertencente ao universo evangélico seja pentecostal ou não

pentecostal. Um informante não declarou a religião do pai.

Vejamos como o universo religioso materno dos nossos jovens se apresenta.

Curiosamente há mais mães não praticantes do catolicismo quando comparadas aos

pais. Assim, apenas 6,4% dos jovens declararam que suas mães praticam o catolicismo

seja em pastorais ou grupos de Renovação Carismática Católica - RCC. Por sua vez,

32,3% declararam que suas mães não participam do catolicismo embora se declarem

católicas. As mães dos jovens sem religião estão ainda mais presentes no universo

pentecostal do que os pais. Essa foi a indicação de 16% dos informantes quando apenas

3% têm pai vinculado a uma denominação de corte pentecostal. Elas superam ainda a

figura paterna no que se refere à vinculação ao Espiritismo Kardecista uma vez que

9,7% dos jovens declararam que suas mães são espíritas.

No que tange ao pluralismo religioso os pais dos jovens apresentaram maior

ecletismo, tendo em vista que apenas 9,7% deles informou que suas mães se identificam

com outra religião diferente as opções sugeridas na pesquisa, quando entre os pais esse

índice é de 29%.

Note-se que na perspectiva comparada entre os progenitores os dados sugerem

mães menos católicas praticantes, mais espíritas e mais pentecostais do que os pais.

Estes são mais próximos de religiões afro e de um certo ecletismo religioso que se

distancia da tradição cristã.

Comparativamente, temos ainda maior participação familiar do pai dos jovens

no catolicismo, fato que destoa do perfil dos progenitores de jovens religiosos (católicos

e pentecostais) vistos na pesquisa. Nesse universo, constatamos que 45% dos jovens

católicos possuem o pai praticando a religião, seja por meio das CEBs (9,1%); do

movimento de Renovação Carismática (5,1%); de pastorais diversas (28,8%) ou que se

consideram simplesmente praticantes sem informar o tipo de vínculo com a Igreja

8 Foram oferecidas as seguintes opções: afro-brasileira; protestante/evangélico não pentecostal;

protestante/evangélico pentecostal; Espírita Kardecista; Judaica; Budista; Ateu; católica praticante-CEBs; católica praticante RCC; católica praticante; católica não praticante; católica praticante-outras pastorais.

6

(2,0%). O percentual de jovens católicos cujo pai é católico não praticante é de 33,6%.

Assim, totalizam 78,6% os jovens católicos filhos de pai católico, o que revela a

existência de um continuum na religião sob o ponto de vista geracional (TAVARES;

CAMURÇA, 2006). Quando olhamos o lado materno essa continuação se intensifica.

64.2% dos jovens católicos têm mãe praticando o catolicismo por meio de diferentes

grupos: 10,2% dos jovens têm mãe atuando nas CEBs; 7,2% na RCC; 40,9% possuem

mãe católica que atua em diversas pastorais e 5,7% têm mãe católica praticante sem que

tenha sido informado o tipo de vínculo ou grupo religioso na Igreja. Os jovens com mãe

católica não praticante totalizam 26,5%. Portanto, há 90,7% de jovens católicos que

herdaram o catolicismo da mãe.

Assim, a pesquisa sugere a necessidade de aprofundar a influência dos pais na

transmissão religiosa com amostras representativas do universo juvenil vinculado a

instituições religiosas e os que se mantém desfiliados destas.

As crenças e a espiritualidade dos jovens sem religião

A construção de um mosaico religioso é presente entre esses entrevistados, pois

cerca de 84% (vinte e seis jovens) afirmaram acreditar em Deus confirmando que o

ateísmo não se configura como uma tendência de peso no segmento juvenil.

Identificaram-se como ateus 9,7% dos jovens o que corresponde a três. Contudo, outros

estudos já chamaram a atenção para a necessária importância de analisar o segmento

juvenil ateu e suas escolhas ainda que essa identidade cética se apresente como

minoritária (CARIAS; PEDROSA-PÁDUA 2010).

Deus (83,9%) e Jesus Cristo (54,8%) compõem, portanto, majoritariamente as

crenças dos jovens sem-religião, mas há os que creem em Maria como mãe de Jesus

(29%), ainda que duvidando do dogma da virgindade, pois aproximadamente 19%

acreditam que Maria teria concebido Jesus como virgem. A crença no Espírito Santo é

presente na mentalidade de 29% dos sem religião. Os jovens sem-religião acreditam

mais em anjos (19,4%) que em santos (16,1%) e até mesmo na Bíblia, que recebe a

adesão da mesma proporção de jovens que creem em Maria e no Espírito Santo.

Interessante notar a força da crença em espíritos (38,7%) e na reencarnação (25%)

revelando forte tendência relacionada ao Espiritismo Kardecista.

Aproximadamente 35% acham que a alma é imortal. Identificamos a presença

de crenças de um universo mais esotérico uma vez que 25,8% deles crê em energias –

7

categoria própria ao campo neoesotérico - e em astrologia, 16%. Importa notar,

entretanto, que há rejeição a elementos do neoesoterismo tais como pedras da sorte ou

uso de cristais. Assim, não há uma curva ascendente que remeta jovens sem-religião

necessariamente ao campo neoesotérico, ao menos nesse grupo de informantes, ainda

que possam simpatizar com uma ou outra narrativa proveniente daquele universo.

Notamos, portanto, três tendências na composição do mosaico religioso de

crenças de jovens sem-religião: cristianismo – majoritário -, Espiritismo e determinados

aspectos do Neoesoterismo. Ressalte-se que apenas Deus e Jesus Cristo recebam a

adesão da maioria. As demais crenças estão sempre em condição minoritária entre os

que acreditam e os que revelaram descrença.

Aproximadamente 45% deles costumam fazer orações e há alguns poucos que

vão à missa de vez em quando (9,7%). Há jovens sem religião que têm por hábito o uso

de objetos de proteção (16,1%) ou o ato de acender velas (9,7%%). A frequência

esporádica a templos evangélicos recebe a adesão do mesmo número de jovens que

afirmou ir à missa (9,7%).

Quais seriam as representações sobre Deus que os jovens sem-religião

possuem? Nesse pequeno grupo, Deus tende a ser representado como um pai e como um

amigo com o qual se pode contar em todas as horas. Essa representação foi indicada por

jovens (41,9%). Contudo, outros significados são também atribuídos a Deus, como por

exemplo, natureza, amor e solidariedade sugerindo uma perspectiva mais pulverizada e

temporal.

Alguns autores têm proposto distinção conceitual entre os termos religião e

espiritualidade sustentando que três dimensões podem ser consideradas nessa tentativa

de definição: negativa-positiva; organizadora-pessoal e substantiva-funcional. A religião

se associaria a uma perspectiva negativa uma vez que supõe dogmatismos ou

encorajamento a cultos e perspectivas mais fundamentalistas. A espiritualidade, por sua

vez, se enquadraria numa perspectiva de livre e consciência e num âmbito de

organização pessoal da vida e seria mais funcional uma vez que teria o foco na natureza

e no ser (ZIMNBAUER et. al. APUD SCHLEHOFER et. al. 2008). Entre nossos jovens

esses conceitos parecem se intercambiar uma vez que a espiritualidade composta admite

e integra elementos da religião instituída.

Os jovens sem-religião demonstraram alta rejeição a grupos de Igreja. A

maioria afirmou que não participam desse tipo de atividade e nem gostariam de

participar (83,9%). Interessante observar que um jovem afirmou participar de grupo de

8

Igreja, mesmo se declarando sem-religião, fato que evidencia a busca de sociabilidade

juvenil em espaços religiosos. Esse perfil mais eclético de jovens foi encontrado

também em paróquias católicas e Igrejas evangélicas. Quando estas oferecem atividades

como teatro ou bandas musicais aumentam o poder de atração desse segmento sempre

em busca de lazer e encontro com seus pares geracionais.

A política, as políticas, as representações políticas – redefinições urgentes.

O conceito de política e sua necessária reinvenção tem sido discutido em vários

estudos (FERNANDES 2007; CASTRO 2009) e consequentemente favorecido a

ampliação das possibilidades interpretativas, sobretudo em se tratando da relação que os

jovens estabelecem com a política. Carregadas de dinamismo, as representações

políticas juvenis superam nossos padrões classificatórios estimulando a abertura

cognitiva diante dos dados de pesquisa. Desse modo, seguindo a linha de abordagem de

Castro (2009) proponho que a busca de compreensão acerca das representações políticas

juvenis possa se efetivar concebendo mais horizontalidade entre adultos e jovens para a

ação política uma vez que a juventude é - como diria Maria Rita Khel (2004) - “sintoma

da cultura”.

A “condenação” da juventude como imagética, apática ou desinformada não

pode se dar sem ter como base comparativa os adultos da sociedade em que tal

juventude está inserida. Resta saber se os jovens apenas reproduzem o padrão

participativo dos adultos ou se têm sido capazes - ao contrário do que sugere o senso

comum - de produzir inovações participativas no campo da cidadania e da construção

sociopolítica.

Nosso estudo mostrou que os jovens sem-religião tendem a concordar com

ações cívicas e reivindicatórias de direitos, tais como manifestações pela paz (64,5%);

greves para obtenção de melhoria salarial (67,7%), dentre outras. Manifestam simpatia

por movimento estudantil: embora apenas 19,4% possuam esse tipo de inserção, 41,9%

declararam que gostariam de atuar neste tipo de atividade. Eles simpatizam ainda com

as causas da Reforma agrária, tais como a ocupação de terras improdutivas (61,3%) e

concordam com abaixo assinados visando à melhoria de algum aspecto em seu bairro

(48,4%). Entrementes, manifestam-se contrariamente à ocupação de prédios públicos,

ação recorrente entre grupos de sem-teto nas principais metrópoles brasileiras.

9

Os jovens foram sondados não apenas sobre a concordância ou simpatia com

ações de natureza sociopolítica como a própria atuação nesse campo. Assim,

associamos a opção “concorda e realiza” dentre as opções que previam ainda

“discorda”; “concorda” ou “não sabe/não responde”.

As respostas indicaram que quase 13% declarou atuar em manifestações pela

paz; uma proporção importante já assinou abaixo-assinado pela melhoria em seu bairro

(35,5%); e 22,6% já atuaram ou atuam em manifestações pela ética. Esses números

demonstram que não há uma indiferença generalizada a ações que fortaleçam a

consolidação de um Estado democrático por parte de jovens adultos. Mas a rejeição a

partidos políticos é bastante alta e se mostra equalizada com a rejeição a grupos de

Igreja. Assim, 83,9% afirmaram que não estão vinculados e nem se vinculariam a

partidos políticos. Temos aqui, portanto, a mesma intensidade de rejeição a grupos de

Igreja e a partidos políticos.

Os jovens se mostraram simpáticos, tais como os religiosos, à participação em

grupos de defesa ambiental (64,5% gostariam de participar); atuação em área da saúde

(32,3%) e educação (54,8%) como voluntários e muitos participam de campanhas

beneficentes e/ou solidárias (48,4%). O desejo de atuar em visitas a instituições

caritativas foi manifesto por 48,4% dos jovens sem-religião praticamente a metade do

grupo entrevistado. Cidadania, portanto, sensibilidades juvenis para a realização de

ações menos centradas no próprio indivíduo e suas demandas, mas que se expande a um

universo onde demandas de voluntarismo e coletivismo voltadas para o bem se

concretizam.

Se a vinculação a partidos políticos soa tão antipática aos jovens, o debate

sobre a política ou temas afins absorve boa parte dos jovens sem-religião. Assim, pouco

mais da metade (58,1%) costuma conversar sobre políticas com os amigos; exercem a

cidadania por meio do voto (71%) e procuram se manter informados sobre temas

políticos de formas diversas (58,1%). Mas eles não apresentaram disposição para atuar

em campanhas partidárias em período eleitoral e nem fazer pedidos a políticos que lhes

possam favorecer. Apenas três jovens afirmaram trabalhar de forma remunerada para

partidos políticos; prática comum em campanhas eleitorais uma vez que os candidatos

fazem uso da mão de obra juvenil, geralmente alijada do mercado de trabalho para

divulgar suas campanhas.

Embora não se apresentando como uma tendência majoritária, um terço deles

afirmou acompanhar o mandato dos candidatos nos quais votaram. Por fim, foi

10

interessante notar que apenas 9,7 % consideram-se totalmente excluídos do mundo da

política afirmando que “não possuem nenhuma prática” nessa esfera.

Seguindo a tendência de opinião dos jovens religiosos nesta mesma pesquisa

(Fernandes 2010), os jovens sem-religião (58%) acreditam que o investimento em

educação seria a principal ação para o desenvolvimento do Brasil. Eles também

sugeriram em maior número que se efetive melhorias na saúde (38%) e que se

incremente o combate à desigualdade social (35%) entre as diversas regiões brasileiras.

Importa observar que muitos (35%) concordam com a assertiva de que o

desenvolvimento econômico deve ser acompanhando do desenvolvimento humano

(35%). Um terço dos jovens indicou que o principal problema do país é a desigualdade

social e 16% acreditam que a má administração pública é o principal problema e outros

cinco defendem que a educação assumiria esse lugar. Assim, eles demonstram de modo

mais enfático a preocupação com os temas da desigualdade social, corrupção e

educação como problemas de âmbito nacional que mereceriam mais atenção.

O desenvolvimento dos municípios da Baixada onde residem passa, na opinião

dos jovens sem-religião, prioritariamente, pelas ações no campo da educação. Para eles,

o crescimento econômico deveria vir acompanhado do desenvolvimento humano, como

vimos e essas ações no sentido de melhoria do campo educacional seriam, portanto, as

principais iniciativas que favoreceriam uma mudança de rumos no que diz respeito ao

desenvolvimento municipal.

Os jovens sem-religião são ainda sensíveis a temas como a pobreza e a

violência. Perguntados sobre o que fariam caso pudessem mudar o mundo em um passe

de mágica, o extermínio da pobreza é a ação indicada por um maior índice de jovens

(90,3%). A violência vem em segundo lugar como problema social que eles mudariam e

as condições de trabalho e educação aparecem como a terceira opção do grupo no que

se refere à percepção e sensibilidade aos problemas sociais. Em relação ao extermínio

da pobreza os jovens sem-religião seguem a tendência dos religiosos novamente,

aproximando-se mais dos católicos que dos pentecostais.

Os valores, a juventude, os modos de vida.

As transformações experimentadas pelos jovens brasileiros nas últimas décadas

tiveram como principais elementos catalisadores o cenário da globalização cultural que

11

imprimiu novos ritmos e velocidade à vida, sobretudo nos grandes centros urbanos. As

inúmeras possibilidades de estilos de vida são demarcadas, especialmente para o público

juvenil, por novas formas de lidar com o corpo, com as relações amorosas, com a idade

e com o conhecimento, com a tecnologia. Diante dos excessos, o ser jovem, ou a

configuração das identidades juvenis estão em constante avaliação provocando um

movimento permanente de reabilitação ou redefinição de escolhas que propiciem

felicidade e bem-estar. Não há, portanto, um caminho seguro a seguir, mas os caminhos

são reavaliados enquanto as trajetórias se consolidam. Os jovens têm se mostrado

capazes de realizar o que poderíamos denominar de exercício de avaliação. Sabem do

lugar que ocupam e expressam-se sobre o que são no presente e o que almejam para o

futuro.

Os sem-religião aqui estudados acreditam que a juventude oferece, em

proporções semelhantes, coisas boas e ruins. O que mais valorizam em sua condição

identitária, tais como os jovens religiosos, são os estudos (58,1%) e a capacidade de

adquirir conhecimentos, além do fato de terem um futuro pela frente (51,6%). Talvez,

exatamente em função da valorização do futuro, eles indiquem que dentre as piores

coisas de ser jovem estão as preocupações com o futuro (51,6%). Outros (41,9%)

acreditam que o fato de não se auto-sustentarem também se configura como um fator

negativo na juventude demonstrando, portanto, um desejo de autonomia econômica. Foi

interessante notar ainda que, diferentemente dos jovens religiosos, 38,7% apresentaram

a insegurança ou a inexperiência diante da vida como um fator negativo da juventude.

Mas o que é ser jovem? Sobre a relativização da juventude como uma fase da

vida, 29% acreditam que nunca se deixa de ser jovem; outros 29% informam que esse

marco é findado à medida que se é capaz de enfrentar sozinho os próprios problemas.

Esta segunda alternativa aproximaria os jovens sem-religião das opiniões dos jovens

católicos. Outro grupo dos sem-religião entende que quando se perde a alegria de viver,

perde-se a juventude (26%). Essa opção somada à primeira caracteriza o desejo de

eternização da juventude marcada por condições subjetivas e não pelo acúmulo de

tempo vivido. Expressa-se uma vez mais o desejo de autonomia, mensurada dessa vez

não pela dimensão econômica, mas pela perspectiva de desenvolvimento pessoal

capitaneado pela firmeza na tomada de decisões.

Quais seriam as expectativas dos jovens sem-religião para os próximos cinco

anos? Seguindo a tendência dos jovens religiosos, a maioria 77,4% acredita que obterão

12

melhoras em suas vidas. Esse otimismo não se aplica às expectativas em relação ao

mundo. Assim, 51,6% acreditam que o mundo vai piorar nos próximos cinco anos.

A avaliação sobre os valores de uma sociedade se apresenta diferenciada entre

jovens religiosos e sem-religião. Enquanto os primeiros elegem a solidariedade e o

temor a Deus, os segundos consideram que o respeito às diferenças é o principal valor

de uma sociedade, opção indicada por 67,7% (vinte e um) dos informantes. Essa

avaliação sugere uma visão mais próxima de um discurso moderno que vem

fomentando a formação das identidades. Estas têm sido cada vez mais marcadas pelo

repeito à diferença e alteridade. O fato de que a maioria esteja cursando ou cursaram o

nível superior pode ter sido um fator de influência nesta resposta.

Os jovens foram investigados ainda sobre a questão das drogas e de como

lidam com esse fenômeno, tendo em vista todo o debate que tem se acirrado sobre a

descriminalização da maconha. No que se refere ao uso de drogas consideradas ilícitas

obtivemos 12,9% de não respostas quanto à maconha 45,2% em relação ao uso da

cocaína. A maioria 83,9% declarou nunca ter experimentado a maconha e apenas

dezesseis afirmaram nunca ter experimentado a cocaína. Nesse caso, pode-se inferir que

há chances de que boa parte dos jovens sem-religião entrevistados já tenham feito uso

experimental de cocaína, considerando-se o alto índice de não respostas visto acima.

Nesse tema, portanto, eles diferem dos jovens religiosos (Fernandes, 2011),

fato que fortalece a necessidade de estudos posteriores sobre a existência de correlação

entre religião e uso de drogas.

No tocante às drogas lícitas, poucos jovens (9,7% - três) sem-religião fazem uso

de cigarro, mas 16,1% (cinco) do total de entrevistados declararam já haver fumado em

outros períodos da vida. Já o consumo de álcool é bem maior. Dezesseis deles (51,6%)

consomem bebida alcoólica com alguma regularidade, fato que os distancia

significativamente dos jovens pentecostais e os aproxima dos jovens católicos uma vez

que cerca de 30% destes últimos consomem bebidas alcoólicas.

Divergindo significativamente dos jovens religiosos metade dos jovens sem-

religião entrevistados são favoráveis ao sexo antes do casamento. Interessante notar que

doze deles (38,7%) não respondem a essa questão o que pode representar uma opinião

não formada sobre o tema ou uma visão, tida como conservadora por seus pares

geracionais, de preservação da virgindade. Uma porção minoritária manifestou-se

contrária ao aborto.

13

A mesma posição favorável não se repete quando o tema é aborto. Assim, os

jovens sem-religião voltam a se aproximar dos jovens religiosos na medida em que se

mostram contrários ao aborto considerando que se uma moça engravidar sem estar

casada deverá sustentar a gravidez (35,5% - onze). Cerca de 30%, contudo, enfatiza que

a gravidez deve ser sustentada porque o aborto é um crime e 22,6% (sete) preferiram

não responder a essa questão. Essa posição mais ligada à tradição foi observada em

outras pesquisas com juventude e suas interfaces com a sexualidade e gênero

(HEILBORN, 2009; GOLDENBERG, 2006).

14

Religião e política – campos próximos e distantes.

A visão crítica existe, mas acho que a juventude está sendo

vencida pelo cansaço, porque assim decepções em cima de

decepções quanto à política, ela acaba ficando a parte um

pouco e não tem mais aquele gás [...] ah, vamos fazer o

protesto pra tal coisa, ela [a juventude] já não vai querer ir

porque pensa: não vai adiantar. (moça católica, PJuventude,

GP3m1).

Política e religião possuem muitos espaços em que a intercessão é possível uma

vez que ambas primam pela ética e o bem comum (BENJAMIN APUD GODINHO

2007; BENJAMIN, 1993) ainda que efetivamente nem sempre as ações implantadas

nesses dois campos resultem na concretização de seus elementos originários. A

aproximação supõe também o distanciamento entre os campos e isso se evidencia em

nossos grupos de foco com os jovens quando de trata de analisar as ações mais

corporativas e, por vezes, instrumentais, que ocorrem no campo da religião e da política.

Embora não atuantes em partidos políticos e não vinculados a religiões, uma

boa parte dos entrevistados considera que essas esferas são muito importantes (38,7%

política; 35,5% para a religião). Assim, se há crise de pertencimento institucional parece

não haver necessariamente uma deslegitimação desses campos por parte da juventude

sem-religião. Dito de outro modo, a pesquisa mostra que ambos os campos apresentam-

se como categorias porosas e não sedimentadas na visão desse segmento juvenil. Nota-

se que, subvertendo a lógica do indiferentismo essencializado ou do antagonismo dessas

esferas, religião e a política povoam o universo dos jovens com a mesma intensidade

seja para valorizá-las, seja para deslegitimá-las como campos valorativos. Os dados

mostraram que 22,6% não veem importância na religião e a mesma proporção não vê

importância na política.

Essa temática - central nesse estudo - foi analisada de forma complementar por

meio de grupos de foco e apresenta tanto pontos de vista marcados pela generalidade -

compreendendo-se a política como uma grande categoria – quanto perspectivas que

examinam o específico da relação entre religião e política ou o que poderíamos

denominar de desdobramentos do campo.

15

No universo mais específico, os jovens criticam a relação entre evangélicos e

política. Essa crítica apareceu também entre os jovens religiosos, mas é mais enfática no

grupo dos sem-religião. A abordagem dos sem-religião numa perspectiva mais

generalista demonstrou a tentativa de reforço da ideia de que o homem é um ser

político, logo a política se apresentaria em todos os campos da vida e a própria atitude

de assumir uma religião resultaria num comportamento político.

A influência da religião para a adesão ou indiferença em relação à política pode

não se consolidar como uma questão para os jovens que se declararam sem-religião.

Assim, muitos deles (67,7%) não responderam se, em sua opinião, o fato de não estar

vinculado a nenhuma religião favoreceria ou não a realização de atividades

sociopolíticas; o mesmo número de jovens também não respondeu à pergunta em que

foram indagados se a religião seria determinante para seu engajamento em ações dessa

natureza (67,7%). Esse fato sugere ausência de correlação entre essas variáveis, mas

merece aprofundamento em novos estudos.

Os jovens sem-religião apresentaram tendências semelhantes aos religiosos,

sejam católicos ou pentecostais. Assim, embora os agentes religiosos – líderes das

Igrejas - possam estimular a participação da juventude em ações sociopolíticas, a

variável religião ou vínculo religioso parece não se apresentar como determinante para a

atuação do segmento juvenil nesse campo. Desse modo, no universo de trinta e um

jovens entrevistados notou-se um perfil semelhante ao dos jovens religiosos em vários

temas, como por exemplo, as percepções sobre o desenvolvimento do país. Algumas

narrativas colhidas nos grupos de foco ilustram essa observação.

Para mim política está em tudo. Política está nas relações que a gente

tem com o outro. Dentro da sociedade você esta fazendo política. [...]

A religião para mim é política também. (rapaz, sem-religião, Gp1H1).

Eu acho que a religião tem a ver com a política sim, mas não talvez

uma política partidária. Política tem a ver com religião. A partir do

momento que você pega o significado da palavra... política significa a

busca do bem comum. A religião também, de certa forma, quer o bem

de todos os seus membros. Tem muito a ver sim, mas não podem se

confundir, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa (rapaz,

católico, CEBs, GP3h1).

Com efeito, há os que separam definitivamente essas duas esferas, tidas como

inconciliáveis, sobretudo porque a religião pode produzir favorecimentos no campo

16

político. Visões tão díspares sobre a religião e a política aparecem no mesmo segmento

juvenil, ou seja, no grupo dos sem-religião. Nesse caso, é provável que a identidade

religiosa seja menos determinante para a delimitação dessa cosmovisão, mas

pertencimentos anteriores deverão orientar as representações a respeito dessa temática.

Pastor fulano de tal, fulano de tal é fulano de tal, não interessa o cargo

dele [...] Ai o cara chega lá falando: Eu vou cuidar da educação, não

sei o que, não sei o quê. E aí o pastor vem, fala que Deus, não sei o

quê... Eu não gosto disso. Tem que te uma separação entre religião e

política. (moça, sem-religião, Gp1, M1).

Então eu acho que atrapalha quando você mistura a religião com a

política. Você acaba fazendo propostas que talvez beneficiem as

pessoas que fazem parte da sua religião. (rapaz, sem-religião, Gp 1

H1).

Alguns jovens justificaram o contexto atual de apatia pelo fato de estarem

inseridos em muitas frentes que se referem de modo mais direto aos seus interesses

pessoais e profissionais, ou seja, trabalho, estudos, cursos adicionais à formação

elementar, não restando tempo disponível para atuações sociopolíticas. Assim, a baixa

participação na política convencional se justificaria pela falta de tempo. Em outra

direção, a ausência de credibilidade da política em seu sentido estrito seria o principal

motivo para uma atuação rarefeita dos jovens nesse campo.

Mas tem que ter uma revisão nas ações das políticas públicas, não

adianta nada você dar a bolsa família, mas não dar saúde, educação e

um privilégio maior cultural também porque não é uma bolsa mensal

que vai mudar a vida de um cidadão, a vida de uma família. (moça

católica, PJuventude, GP3m1).

A falta de oportunidades para a inserção em atividades como ONG’s etc.

também se configurou comoo uma justificativa dos jovens sem-religião para a diminuta

inserção institucional. Alguns deles sinalizaram ainda para a questão da violência e do

medo. Como atuar politicamente em ambiente violento onde os jovens são ameaçados

por grupos que dominam o poder local? Essas foram questões que surgiram no debate e

para as quais o debate intelectual ainda não chegou. Desistência de participação

sociopolítica pode nada ter a ver com apatia, mas com medo pela ineficiência do Estado

brasileiro no combate à violência, principalmente nos ambientes periféricos das grandes

cidades.

Mas o que é afinal, ser político? A representação de alguns jovens entrevistados

a respeito desse tema não deixa dúvidas de que há passos sendo dados em busca de

caminhos não muito convencionais, mas que eventualmente conduzirão a uma radical

17

mudança conceitual a respeito do tema em questão. Isso significa dizer que o déficit de

participação efetiva em manifestações ou instituições políticas, não deve induzir a

avaliação de que haveria uma postura apática ou acrítica dos jovens religiosos e sem

religião. Eles demonstraram capacidade crítica para avaliar, por exemplo, determinadas

políticas governamentais como o Bolsa Família. É possível, portanto, pensar

politicamente sem necessariamente pertencer a um partido ou associação e a inserção

em determinados grupos religiosos produz um tipo de capital social (NAZZARI, 2006)

relevante para a juventude.

Um debate a respeito do que é ser apolítico se desenvolveu em um dos grupos de

foco. Houve quem defendesse que o jovem que não assume nenhuma posição política

estaria, ainda assim, sendo político. Em outros termos, o fato de não fazer política já

seria uma atitude política. Esse posicionamento, adotado por um jovem católico, filiado

ao PT e participante das CEBs foi contestado por uma jovem sem-religião, para quem o

jovem que não faz política não é político. Quando questionada a respeito de sua própria

prática ela afirma que se considera apolítica em termos de política partidária, mas

politizada por atuar em campanhas solidárias e ações caritativas. Essa jovem manifestou

ainda que desejaria atuar em organizações não governamentais ou outras instituições,

confirmando a tendência observada no survey.

Não obstante o excesso de estudos sobre a juventude no Brasil, há muito a

pesquisar sobre os modos como eles vivem, representam e exploram as possibilidades

de articulação entre a política, por um lado e a religião, por outro. O debate central aqui

é a necessidade de abertura cognitiva e metodológica sobre esses campos. Postura que, a

meu ver, necessita ser fortalecida entre os analistas sociais de diferentes campos do

conhecimento. Para estudar os jovens temos que partir de categorias abertas, sem

definições rigidamente estabelecidas, mas levando-se em conta, principalmente a

existência de uma materialidade a ser assumida nas abordagens interpretativas.

Descobrir seus campos simbólicos representativos e os elementos da realidade social

que se apresentam como variáveis mais relevantes em contexto de pluralização

constitui-se como um desafio teórico-metodológico.

Por fim, estamos cientes de que esse texto não esgotou as possibilidades de

interpretação sobre um universo em expansão na sociedade brasileira: o dos

desinstitucionalizados religiosos no segmento juvenil. A pesquisa sinalizou para o fato

de que há muito a explorar na busca de conhecimento sobre os jovens e seus modos de

18

representação e pertencimento, sobretudo quando se pretende compreender as relações

entre religião e formas de vínculos e construção identitária entre eles.

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