expressÕes polÍticas e crenÇas religiosas em jovens sem religiÃo
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Capítulo publicado em: In book: Instituições e sociabilidades: religião, política e
juventudes, Edition: 1, Publisher: Fecilcam, Campo Mourão, Editors: Oliveira,
Cristina Satiê P, pp.9-30, 2013.
Expressões políticas e crenças religiosas em jovens sem religião.
Sílvia Regina Alves Fernandes1
A categoria censitária mais nova em relação ao quesito religião no Brasil é
caracterizada pela falta, isto é, pela negação de qualquer pertencimento religioso. Se
7,4% da população brasileira se declarou sem religião no ano 2000, é entre o segmento
juvenil, de 15 a 24 anos, que esse número se evidencia com mais força atingindo 9,3%
dos jovens (NOVAES, 2006; RODRIGUES, 2007).
O que esse dado sobre a juventude brasileira2, heterogênea e múltipla nos sugere
a primeira vista é a prevalência de um certo ateísmo ou indiferença religiosa entre os
jovens eventualmente mais ocupados com a busca de um lugar ao sol na sociedade
brasileira e menos ocupados pela religião. Um olhar mais pausado, entretanto, enxergará
que a desvinculação religiosa tende a afetar a juventude por motivos pragmáticos e não
necessariamente por razões de descrença e/ou que a busca de um lugar ao sol pode ser
coadunada com um rol de crenças e de ações politicamente informadas.
Com efeito, na dimensão da política partidária se encontraria de modo
superdimensionado a rejeição e aversão juvenil. Outras pesquisas já chamaram atenção
sobre o que seria uma relação positiva entre juventude e religião e uma relação negativa
entre juventude e política (PERES, 2007) sublinhando, no outro polo, o que se
compreenderia como a vivacidade da religião, seja na esfera pública, seja nas
experimentações privadas.
Uma pesquisa que realizamos3 com jovens pentecostais e católicos, tendo como
grupo de controle os jovens que se autodeclaram sem religião demonstrou que os
principais aspectos que estes últimos mais desejariam ver equacionados na sociedade
brasileira estão diretamente relacionados a sua dinâmica de vida. Assim, eles anseiam
1 Drª em Ciências Sociais, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da
UFRRJ. Atua na área de Sociologia da Religião com os temas: catolicismo, juventude e religião, pentecostalismo e campo religioso brasileiro. Email: [email protected]. 2 Embora concordando com a reflexão sobre a heterogeneidade da juventude, para fins de facilitação
redacional não usarei a categoria no plural. 3 Fernandes, Sílvia R. A. Juventude, religião e política – ações e representações, 2008. A pesquisa
recebeu o apoio da FAPERJ.
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por dois bens imateriais fundamentais: estudo e trabalho (FERNANDES 2011;
POCHMANN, 2004). Outros estudos (RIBEIRO; NOVAES 2008; ABRAMO;
BRANCO 2005), por seu turno, evidenciaram que essa demanda não estaria
exclusivamente associada ao segmento juvenil religioso, mas pode ser interpretada pelo
crivo da exigência geracional no momento em que a ideia de planejamento do futuro se
coloca de forma mais arguta.
Neste texto viso explorar o perfil dos jovens sem religião de nosso grupo de
controle ampliando possibilidades interpretativas no que se refere às atuais expressões e
compreensões da política e da religião exatamente entre os que rejeitam a vinculação
religiosa do tipo institucional. Aportarei o debate visando a desessencialização das
categorias juventude, religião e política de modo que nossos dados possam ser cotejados
e problematizados tendo em vista o contexto social plural em que essas categorias estão
inseridas. Consequentemente, a pluralidade do contexto nos remeterá à necessária
abertura aos conceitos e sua ressonância na realidade sociocultural.
Por fim, adianto o caráter exploratório da pesquisa que está mais por apontar
possibilidades e levantar hipóteses do que por realizar um diagnóstico definitivo acerca
da juventude sem religião nas esferas religiosa e política.
Perfil social dos jovens sem religião
Como mencionado, a partir da necessidade de obtenção de parâmetros que nos
ajudassem a balizar as informações dos jovens religiosos, elegemos como grupo de
controle, jovens sem religião residentes na Baixada Fluminense respeitando-se,
portanto, o mesmo contexto socioeconômico e cultural em que estavam inseridos os
jovens de paróquias católicas e de Igrejas pentecostais (e neopentecostais).
Desse modo, foram entrevistados por meio de questionário trinta e um jovens4
que se declaravam sem religião. Na faixa etária investigada (15 a 24 anos) pouco mais
da metade têm entre 18 e 21 anos; cerca de 40% possuem entre 21 a 24 anos e apenas
9,7% têm entre 15 a 17 anos. Claramente, os dados estão referidos a opiniões de jovens
mais adultos, ou seja, que atravessaram a fase da adolescência.
Embora não se trate de uma amostra, cumpre mencionar que a maioria dos
informantes (51,6%) declarou-se de cor branca; um quarto (25,8%) afirmou ser de cor
parda; pretos totalizam 6,5% assemelhando-se ao índice de amarelos (6,5%); 9,7%
4 A dificuldade de localização dos jovens sem-religião acabou por restringir o número de entrevistados
no grupo de controle.
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declararam-se de outra cor que não as listadas nas opções de resposta.
Os jovens foram contatados por meio de redes de relacionamento tanto de jovens
religiosos da pesquisa quanto de universitários não necessariamente religiosos. Apesar
das várias formas de localização desses informantes, eles se dividem quase
equanimemente no quesito sexo, sendo 48% rapazes e 45% de moças. Obteve-se uma
não resposta nesse quesito.
A maior parte reside em Nova Iguaçu (41,9%); outros (21,8%) moram em
municípios da Baixada que não estavam sendo pesquisados; o município de Duque de
Caxias abriga 19,4% dos jovens sem religião que entrevistamos e em São João de Meriti
residem 9,7% deles. Apenas 6,5%, ou o equivalente a dois jovens, moram em
municípios fora da região da Baixada Fluminense.
Quase todos (71%) estavam cursando o nível superior no período da pesquisa5.
Esse dado é marcado pelo fato de que dentre as nossas redes de contato estavam jovens
da Universidade, como mencionamos. Cerca de 20% dos entrevistados tinham o ensino
médio incompleto e aproximadamente 9% possuíam o ensino médio completo ou o
ensino fundamental incompleto. Salientamos que esse perfil orienta apenas o
conhecimento dos informantes, mas não pretende sugerir ser este um dado
representativo dos jovens brasileiros sem-religião.
Em relação à classe social predominam as classes B e C e apenas um jovem sem
religião pôde ser classificado na classe A6. A maior parte deles exerce alguma atividade
laboral sendo a modalidade mais comum a atuação com carteira assinada em outras
atividades que não estágios (22%). Mas há os que fazem estágio remunerado (16,1%);
os que trabalham sem carteira assinada (12,9%); os considerados desempregados (6,5%)
e aqueles que não trabalham, isto é, não estão em busca de trabalho em razão de estarem
em período de formação (32%). Alguns jovens não responderam a questão (3,2%); um
deles faz estágio não remunerado e houve quem informasse trabalhar por conta própria
(6,5%).
O estado civil da maior parte deles é solteiro/a (90%), mas há três jovens que
estão em situação diferenciada: um deles é casado no civil e no religioso; outro apenas
no civil e outro declarou possuir uma união estável.
5 Os dados foram coletados entre os anos de 2009 a 2010.
6 Foram utilizados os critérios ABIPEME para delimitação de classe social, considerando as faixas de
renda.
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Condição anterior e herança religiosa
O grupo ficou coincidentemente dividido entre os que afirmaram já ter tido uma
religião (48,4%), sendo o catolicismo a principal religião anterior e os que informaram
nunca ter tido religião (48,4%). Um jovem não respondeu a questão. As demais
vinculações institucionais estavam circunscritas ao universo evangélico incluindo Igreja
Adventista.
Os jovens justificam o fato de se considerarem sem religião por comporem de
modo privado suas religiosidades. Essa opção absorve 58,1% (dezoito jovens) das
respostas demonstrando a permeabilidade da composição religiosa já observada em
outras pesquisas mesmo com a população adulta (FERNANDES 2008; 2006). Contudo,
16% demonstraram ceticismo em relação às religiões em geral estabelecendo assim, a
correlação entre desinstitucionalização e rejeição às religiões. Veremos a seguir, que os
símbolos da crença são majoritariamente cristãos, mas a não pertença demarca a
identidade, nesse caso, desinstitucionalizada.
Mas se há rejeição às religiões há também alguma flexibilidade no que tange à
possibilidade de vínculo. De modo curioso, três opções de resposta se igualaram no rol
de uma suposta opção religiosa dos jovens sem religião. As religiões evangélicas de
corte pentecostal, o Kardecismo e o Budismo se apresentaram como as mais atraentes
para uma mesma proporção de jovens (12,9%) 7, respectivamente. Eles indicaram essas
tradições quando perguntados sobre a hipótese de escolherem uma religião. Apenas um
jovem afirmou que escolheria o catolicismo. Mas o dado de maior relevância é que um
terço deles opta por não indicar nenhuma religião que os atraia sugerindo, portanto, uma
tendência de permanência na identidade de sem-religião.
A questão da herança religiosa pode ser parcialmente averiguada na questão
sobre a religião dos progenitores. Em relação à figura paterna, o catolicismo se
configura como a tradição religiosa majoritária ainda que nem sempre se declare prática
religiosa. Cerca de 16% dos jovens declararam ter o pai como um católico praticante,
mas 25,8% afirmam que o pai não pratica o catolicismo ainda que se declarando
católico. Somando-se os índices temos que 41,8% dos informantes com o pai católico.
Um universo mais pulverizado no que se refere à religião do pai foi demonstrado pela
7 Quatro jovens optariam por cada uma dessas opções.
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declaração de 29% dos jovens. Estes afirmam que o pai pertence à outra religião que
não as oferecidas nas opções de resposta8.
Aproximadamente 13% declararam ter o pai pertencente a alguma religião de
tradição afro-brasileira e 6,5% possuem o pai adepto do Espiritismo Kardecista. A
tradição protestante seguiu a tendência do Espiritismo no que se refere à religião do pai.
Sendo assim, 6,4% tem pai pertencente ao universo evangélico seja pentecostal ou não
pentecostal. Um informante não declarou a religião do pai.
Vejamos como o universo religioso materno dos nossos jovens se apresenta.
Curiosamente há mais mães não praticantes do catolicismo quando comparadas aos
pais. Assim, apenas 6,4% dos jovens declararam que suas mães praticam o catolicismo
seja em pastorais ou grupos de Renovação Carismática Católica - RCC. Por sua vez,
32,3% declararam que suas mães não participam do catolicismo embora se declarem
católicas. As mães dos jovens sem religião estão ainda mais presentes no universo
pentecostal do que os pais. Essa foi a indicação de 16% dos informantes quando apenas
3% têm pai vinculado a uma denominação de corte pentecostal. Elas superam ainda a
figura paterna no que se refere à vinculação ao Espiritismo Kardecista uma vez que
9,7% dos jovens declararam que suas mães são espíritas.
No que tange ao pluralismo religioso os pais dos jovens apresentaram maior
ecletismo, tendo em vista que apenas 9,7% deles informou que suas mães se identificam
com outra religião diferente as opções sugeridas na pesquisa, quando entre os pais esse
índice é de 29%.
Note-se que na perspectiva comparada entre os progenitores os dados sugerem
mães menos católicas praticantes, mais espíritas e mais pentecostais do que os pais.
Estes são mais próximos de religiões afro e de um certo ecletismo religioso que se
distancia da tradição cristã.
Comparativamente, temos ainda maior participação familiar do pai dos jovens
no catolicismo, fato que destoa do perfil dos progenitores de jovens religiosos (católicos
e pentecostais) vistos na pesquisa. Nesse universo, constatamos que 45% dos jovens
católicos possuem o pai praticando a religião, seja por meio das CEBs (9,1%); do
movimento de Renovação Carismática (5,1%); de pastorais diversas (28,8%) ou que se
consideram simplesmente praticantes sem informar o tipo de vínculo com a Igreja
8 Foram oferecidas as seguintes opções: afro-brasileira; protestante/evangélico não pentecostal;
protestante/evangélico pentecostal; Espírita Kardecista; Judaica; Budista; Ateu; católica praticante-CEBs; católica praticante RCC; católica praticante; católica não praticante; católica praticante-outras pastorais.
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(2,0%). O percentual de jovens católicos cujo pai é católico não praticante é de 33,6%.
Assim, totalizam 78,6% os jovens católicos filhos de pai católico, o que revela a
existência de um continuum na religião sob o ponto de vista geracional (TAVARES;
CAMURÇA, 2006). Quando olhamos o lado materno essa continuação se intensifica.
64.2% dos jovens católicos têm mãe praticando o catolicismo por meio de diferentes
grupos: 10,2% dos jovens têm mãe atuando nas CEBs; 7,2% na RCC; 40,9% possuem
mãe católica que atua em diversas pastorais e 5,7% têm mãe católica praticante sem que
tenha sido informado o tipo de vínculo ou grupo religioso na Igreja. Os jovens com mãe
católica não praticante totalizam 26,5%. Portanto, há 90,7% de jovens católicos que
herdaram o catolicismo da mãe.
Assim, a pesquisa sugere a necessidade de aprofundar a influência dos pais na
transmissão religiosa com amostras representativas do universo juvenil vinculado a
instituições religiosas e os que se mantém desfiliados destas.
As crenças e a espiritualidade dos jovens sem religião
A construção de um mosaico religioso é presente entre esses entrevistados, pois
cerca de 84% (vinte e seis jovens) afirmaram acreditar em Deus confirmando que o
ateísmo não se configura como uma tendência de peso no segmento juvenil.
Identificaram-se como ateus 9,7% dos jovens o que corresponde a três. Contudo, outros
estudos já chamaram a atenção para a necessária importância de analisar o segmento
juvenil ateu e suas escolhas ainda que essa identidade cética se apresente como
minoritária (CARIAS; PEDROSA-PÁDUA 2010).
Deus (83,9%) e Jesus Cristo (54,8%) compõem, portanto, majoritariamente as
crenças dos jovens sem-religião, mas há os que creem em Maria como mãe de Jesus
(29%), ainda que duvidando do dogma da virgindade, pois aproximadamente 19%
acreditam que Maria teria concebido Jesus como virgem. A crença no Espírito Santo é
presente na mentalidade de 29% dos sem religião. Os jovens sem-religião acreditam
mais em anjos (19,4%) que em santos (16,1%) e até mesmo na Bíblia, que recebe a
adesão da mesma proporção de jovens que creem em Maria e no Espírito Santo.
Interessante notar a força da crença em espíritos (38,7%) e na reencarnação (25%)
revelando forte tendência relacionada ao Espiritismo Kardecista.
Aproximadamente 35% acham que a alma é imortal. Identificamos a presença
de crenças de um universo mais esotérico uma vez que 25,8% deles crê em energias –
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categoria própria ao campo neoesotérico - e em astrologia, 16%. Importa notar,
entretanto, que há rejeição a elementos do neoesoterismo tais como pedras da sorte ou
uso de cristais. Assim, não há uma curva ascendente que remeta jovens sem-religião
necessariamente ao campo neoesotérico, ao menos nesse grupo de informantes, ainda
que possam simpatizar com uma ou outra narrativa proveniente daquele universo.
Notamos, portanto, três tendências na composição do mosaico religioso de
crenças de jovens sem-religião: cristianismo – majoritário -, Espiritismo e determinados
aspectos do Neoesoterismo. Ressalte-se que apenas Deus e Jesus Cristo recebam a
adesão da maioria. As demais crenças estão sempre em condição minoritária entre os
que acreditam e os que revelaram descrença.
Aproximadamente 45% deles costumam fazer orações e há alguns poucos que
vão à missa de vez em quando (9,7%). Há jovens sem religião que têm por hábito o uso
de objetos de proteção (16,1%) ou o ato de acender velas (9,7%%). A frequência
esporádica a templos evangélicos recebe a adesão do mesmo número de jovens que
afirmou ir à missa (9,7%).
Quais seriam as representações sobre Deus que os jovens sem-religião
possuem? Nesse pequeno grupo, Deus tende a ser representado como um pai e como um
amigo com o qual se pode contar em todas as horas. Essa representação foi indicada por
jovens (41,9%). Contudo, outros significados são também atribuídos a Deus, como por
exemplo, natureza, amor e solidariedade sugerindo uma perspectiva mais pulverizada e
temporal.
Alguns autores têm proposto distinção conceitual entre os termos religião e
espiritualidade sustentando que três dimensões podem ser consideradas nessa tentativa
de definição: negativa-positiva; organizadora-pessoal e substantiva-funcional. A religião
se associaria a uma perspectiva negativa uma vez que supõe dogmatismos ou
encorajamento a cultos e perspectivas mais fundamentalistas. A espiritualidade, por sua
vez, se enquadraria numa perspectiva de livre e consciência e num âmbito de
organização pessoal da vida e seria mais funcional uma vez que teria o foco na natureza
e no ser (ZIMNBAUER et. al. APUD SCHLEHOFER et. al. 2008). Entre nossos jovens
esses conceitos parecem se intercambiar uma vez que a espiritualidade composta admite
e integra elementos da religião instituída.
Os jovens sem-religião demonstraram alta rejeição a grupos de Igreja. A
maioria afirmou que não participam desse tipo de atividade e nem gostariam de
participar (83,9%). Interessante observar que um jovem afirmou participar de grupo de
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Igreja, mesmo se declarando sem-religião, fato que evidencia a busca de sociabilidade
juvenil em espaços religiosos. Esse perfil mais eclético de jovens foi encontrado
também em paróquias católicas e Igrejas evangélicas. Quando estas oferecem atividades
como teatro ou bandas musicais aumentam o poder de atração desse segmento sempre
em busca de lazer e encontro com seus pares geracionais.
A política, as políticas, as representações políticas – redefinições urgentes.
O conceito de política e sua necessária reinvenção tem sido discutido em vários
estudos (FERNANDES 2007; CASTRO 2009) e consequentemente favorecido a
ampliação das possibilidades interpretativas, sobretudo em se tratando da relação que os
jovens estabelecem com a política. Carregadas de dinamismo, as representações
políticas juvenis superam nossos padrões classificatórios estimulando a abertura
cognitiva diante dos dados de pesquisa. Desse modo, seguindo a linha de abordagem de
Castro (2009) proponho que a busca de compreensão acerca das representações políticas
juvenis possa se efetivar concebendo mais horizontalidade entre adultos e jovens para a
ação política uma vez que a juventude é - como diria Maria Rita Khel (2004) - “sintoma
da cultura”.
A “condenação” da juventude como imagética, apática ou desinformada não
pode se dar sem ter como base comparativa os adultos da sociedade em que tal
juventude está inserida. Resta saber se os jovens apenas reproduzem o padrão
participativo dos adultos ou se têm sido capazes - ao contrário do que sugere o senso
comum - de produzir inovações participativas no campo da cidadania e da construção
sociopolítica.
Nosso estudo mostrou que os jovens sem-religião tendem a concordar com
ações cívicas e reivindicatórias de direitos, tais como manifestações pela paz (64,5%);
greves para obtenção de melhoria salarial (67,7%), dentre outras. Manifestam simpatia
por movimento estudantil: embora apenas 19,4% possuam esse tipo de inserção, 41,9%
declararam que gostariam de atuar neste tipo de atividade. Eles simpatizam ainda com
as causas da Reforma agrária, tais como a ocupação de terras improdutivas (61,3%) e
concordam com abaixo assinados visando à melhoria de algum aspecto em seu bairro
(48,4%). Entrementes, manifestam-se contrariamente à ocupação de prédios públicos,
ação recorrente entre grupos de sem-teto nas principais metrópoles brasileiras.
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Os jovens foram sondados não apenas sobre a concordância ou simpatia com
ações de natureza sociopolítica como a própria atuação nesse campo. Assim,
associamos a opção “concorda e realiza” dentre as opções que previam ainda
“discorda”; “concorda” ou “não sabe/não responde”.
As respostas indicaram que quase 13% declarou atuar em manifestações pela
paz; uma proporção importante já assinou abaixo-assinado pela melhoria em seu bairro
(35,5%); e 22,6% já atuaram ou atuam em manifestações pela ética. Esses números
demonstram que não há uma indiferença generalizada a ações que fortaleçam a
consolidação de um Estado democrático por parte de jovens adultos. Mas a rejeição a
partidos políticos é bastante alta e se mostra equalizada com a rejeição a grupos de
Igreja. Assim, 83,9% afirmaram que não estão vinculados e nem se vinculariam a
partidos políticos. Temos aqui, portanto, a mesma intensidade de rejeição a grupos de
Igreja e a partidos políticos.
Os jovens se mostraram simpáticos, tais como os religiosos, à participação em
grupos de defesa ambiental (64,5% gostariam de participar); atuação em área da saúde
(32,3%) e educação (54,8%) como voluntários e muitos participam de campanhas
beneficentes e/ou solidárias (48,4%). O desejo de atuar em visitas a instituições
caritativas foi manifesto por 48,4% dos jovens sem-religião praticamente a metade do
grupo entrevistado. Cidadania, portanto, sensibilidades juvenis para a realização de
ações menos centradas no próprio indivíduo e suas demandas, mas que se expande a um
universo onde demandas de voluntarismo e coletivismo voltadas para o bem se
concretizam.
Se a vinculação a partidos políticos soa tão antipática aos jovens, o debate
sobre a política ou temas afins absorve boa parte dos jovens sem-religião. Assim, pouco
mais da metade (58,1%) costuma conversar sobre políticas com os amigos; exercem a
cidadania por meio do voto (71%) e procuram se manter informados sobre temas
políticos de formas diversas (58,1%). Mas eles não apresentaram disposição para atuar
em campanhas partidárias em período eleitoral e nem fazer pedidos a políticos que lhes
possam favorecer. Apenas três jovens afirmaram trabalhar de forma remunerada para
partidos políticos; prática comum em campanhas eleitorais uma vez que os candidatos
fazem uso da mão de obra juvenil, geralmente alijada do mercado de trabalho para
divulgar suas campanhas.
Embora não se apresentando como uma tendência majoritária, um terço deles
afirmou acompanhar o mandato dos candidatos nos quais votaram. Por fim, foi
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interessante notar que apenas 9,7 % consideram-se totalmente excluídos do mundo da
política afirmando que “não possuem nenhuma prática” nessa esfera.
Seguindo a tendência de opinião dos jovens religiosos nesta mesma pesquisa
(Fernandes 2010), os jovens sem-religião (58%) acreditam que o investimento em
educação seria a principal ação para o desenvolvimento do Brasil. Eles também
sugeriram em maior número que se efetive melhorias na saúde (38%) e que se
incremente o combate à desigualdade social (35%) entre as diversas regiões brasileiras.
Importa observar que muitos (35%) concordam com a assertiva de que o
desenvolvimento econômico deve ser acompanhando do desenvolvimento humano
(35%). Um terço dos jovens indicou que o principal problema do país é a desigualdade
social e 16% acreditam que a má administração pública é o principal problema e outros
cinco defendem que a educação assumiria esse lugar. Assim, eles demonstram de modo
mais enfático a preocupação com os temas da desigualdade social, corrupção e
educação como problemas de âmbito nacional que mereceriam mais atenção.
O desenvolvimento dos municípios da Baixada onde residem passa, na opinião
dos jovens sem-religião, prioritariamente, pelas ações no campo da educação. Para eles,
o crescimento econômico deveria vir acompanhado do desenvolvimento humano, como
vimos e essas ações no sentido de melhoria do campo educacional seriam, portanto, as
principais iniciativas que favoreceriam uma mudança de rumos no que diz respeito ao
desenvolvimento municipal.
Os jovens sem-religião são ainda sensíveis a temas como a pobreza e a
violência. Perguntados sobre o que fariam caso pudessem mudar o mundo em um passe
de mágica, o extermínio da pobreza é a ação indicada por um maior índice de jovens
(90,3%). A violência vem em segundo lugar como problema social que eles mudariam e
as condições de trabalho e educação aparecem como a terceira opção do grupo no que
se refere à percepção e sensibilidade aos problemas sociais. Em relação ao extermínio
da pobreza os jovens sem-religião seguem a tendência dos religiosos novamente,
aproximando-se mais dos católicos que dos pentecostais.
Os valores, a juventude, os modos de vida.
As transformações experimentadas pelos jovens brasileiros nas últimas décadas
tiveram como principais elementos catalisadores o cenário da globalização cultural que
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imprimiu novos ritmos e velocidade à vida, sobretudo nos grandes centros urbanos. As
inúmeras possibilidades de estilos de vida são demarcadas, especialmente para o público
juvenil, por novas formas de lidar com o corpo, com as relações amorosas, com a idade
e com o conhecimento, com a tecnologia. Diante dos excessos, o ser jovem, ou a
configuração das identidades juvenis estão em constante avaliação provocando um
movimento permanente de reabilitação ou redefinição de escolhas que propiciem
felicidade e bem-estar. Não há, portanto, um caminho seguro a seguir, mas os caminhos
são reavaliados enquanto as trajetórias se consolidam. Os jovens têm se mostrado
capazes de realizar o que poderíamos denominar de exercício de avaliação. Sabem do
lugar que ocupam e expressam-se sobre o que são no presente e o que almejam para o
futuro.
Os sem-religião aqui estudados acreditam que a juventude oferece, em
proporções semelhantes, coisas boas e ruins. O que mais valorizam em sua condição
identitária, tais como os jovens religiosos, são os estudos (58,1%) e a capacidade de
adquirir conhecimentos, além do fato de terem um futuro pela frente (51,6%). Talvez,
exatamente em função da valorização do futuro, eles indiquem que dentre as piores
coisas de ser jovem estão as preocupações com o futuro (51,6%). Outros (41,9%)
acreditam que o fato de não se auto-sustentarem também se configura como um fator
negativo na juventude demonstrando, portanto, um desejo de autonomia econômica. Foi
interessante notar ainda que, diferentemente dos jovens religiosos, 38,7% apresentaram
a insegurança ou a inexperiência diante da vida como um fator negativo da juventude.
Mas o que é ser jovem? Sobre a relativização da juventude como uma fase da
vida, 29% acreditam que nunca se deixa de ser jovem; outros 29% informam que esse
marco é findado à medida que se é capaz de enfrentar sozinho os próprios problemas.
Esta segunda alternativa aproximaria os jovens sem-religião das opiniões dos jovens
católicos. Outro grupo dos sem-religião entende que quando se perde a alegria de viver,
perde-se a juventude (26%). Essa opção somada à primeira caracteriza o desejo de
eternização da juventude marcada por condições subjetivas e não pelo acúmulo de
tempo vivido. Expressa-se uma vez mais o desejo de autonomia, mensurada dessa vez
não pela dimensão econômica, mas pela perspectiva de desenvolvimento pessoal
capitaneado pela firmeza na tomada de decisões.
Quais seriam as expectativas dos jovens sem-religião para os próximos cinco
anos? Seguindo a tendência dos jovens religiosos, a maioria 77,4% acredita que obterão
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melhoras em suas vidas. Esse otimismo não se aplica às expectativas em relação ao
mundo. Assim, 51,6% acreditam que o mundo vai piorar nos próximos cinco anos.
A avaliação sobre os valores de uma sociedade se apresenta diferenciada entre
jovens religiosos e sem-religião. Enquanto os primeiros elegem a solidariedade e o
temor a Deus, os segundos consideram que o respeito às diferenças é o principal valor
de uma sociedade, opção indicada por 67,7% (vinte e um) dos informantes. Essa
avaliação sugere uma visão mais próxima de um discurso moderno que vem
fomentando a formação das identidades. Estas têm sido cada vez mais marcadas pelo
repeito à diferença e alteridade. O fato de que a maioria esteja cursando ou cursaram o
nível superior pode ter sido um fator de influência nesta resposta.
Os jovens foram investigados ainda sobre a questão das drogas e de como
lidam com esse fenômeno, tendo em vista todo o debate que tem se acirrado sobre a
descriminalização da maconha. No que se refere ao uso de drogas consideradas ilícitas
obtivemos 12,9% de não respostas quanto à maconha 45,2% em relação ao uso da
cocaína. A maioria 83,9% declarou nunca ter experimentado a maconha e apenas
dezesseis afirmaram nunca ter experimentado a cocaína. Nesse caso, pode-se inferir que
há chances de que boa parte dos jovens sem-religião entrevistados já tenham feito uso
experimental de cocaína, considerando-se o alto índice de não respostas visto acima.
Nesse tema, portanto, eles diferem dos jovens religiosos (Fernandes, 2011),
fato que fortalece a necessidade de estudos posteriores sobre a existência de correlação
entre religião e uso de drogas.
No tocante às drogas lícitas, poucos jovens (9,7% - três) sem-religião fazem uso
de cigarro, mas 16,1% (cinco) do total de entrevistados declararam já haver fumado em
outros períodos da vida. Já o consumo de álcool é bem maior. Dezesseis deles (51,6%)
consomem bebida alcoólica com alguma regularidade, fato que os distancia
significativamente dos jovens pentecostais e os aproxima dos jovens católicos uma vez
que cerca de 30% destes últimos consomem bebidas alcoólicas.
Divergindo significativamente dos jovens religiosos metade dos jovens sem-
religião entrevistados são favoráveis ao sexo antes do casamento. Interessante notar que
doze deles (38,7%) não respondem a essa questão o que pode representar uma opinião
não formada sobre o tema ou uma visão, tida como conservadora por seus pares
geracionais, de preservação da virgindade. Uma porção minoritária manifestou-se
contrária ao aborto.
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A mesma posição favorável não se repete quando o tema é aborto. Assim, os
jovens sem-religião voltam a se aproximar dos jovens religiosos na medida em que se
mostram contrários ao aborto considerando que se uma moça engravidar sem estar
casada deverá sustentar a gravidez (35,5% - onze). Cerca de 30%, contudo, enfatiza que
a gravidez deve ser sustentada porque o aborto é um crime e 22,6% (sete) preferiram
não responder a essa questão. Essa posição mais ligada à tradição foi observada em
outras pesquisas com juventude e suas interfaces com a sexualidade e gênero
(HEILBORN, 2009; GOLDENBERG, 2006).
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Religião e política – campos próximos e distantes.
A visão crítica existe, mas acho que a juventude está sendo
vencida pelo cansaço, porque assim decepções em cima de
decepções quanto à política, ela acaba ficando a parte um
pouco e não tem mais aquele gás [...] ah, vamos fazer o
protesto pra tal coisa, ela [a juventude] já não vai querer ir
porque pensa: não vai adiantar. (moça católica, PJuventude,
GP3m1).
Política e religião possuem muitos espaços em que a intercessão é possível uma
vez que ambas primam pela ética e o bem comum (BENJAMIN APUD GODINHO
2007; BENJAMIN, 1993) ainda que efetivamente nem sempre as ações implantadas
nesses dois campos resultem na concretização de seus elementos originários. A
aproximação supõe também o distanciamento entre os campos e isso se evidencia em
nossos grupos de foco com os jovens quando de trata de analisar as ações mais
corporativas e, por vezes, instrumentais, que ocorrem no campo da religião e da política.
Embora não atuantes em partidos políticos e não vinculados a religiões, uma
boa parte dos entrevistados considera que essas esferas são muito importantes (38,7%
política; 35,5% para a religião). Assim, se há crise de pertencimento institucional parece
não haver necessariamente uma deslegitimação desses campos por parte da juventude
sem-religião. Dito de outro modo, a pesquisa mostra que ambos os campos apresentam-
se como categorias porosas e não sedimentadas na visão desse segmento juvenil. Nota-
se que, subvertendo a lógica do indiferentismo essencializado ou do antagonismo dessas
esferas, religião e a política povoam o universo dos jovens com a mesma intensidade
seja para valorizá-las, seja para deslegitimá-las como campos valorativos. Os dados
mostraram que 22,6% não veem importância na religião e a mesma proporção não vê
importância na política.
Essa temática - central nesse estudo - foi analisada de forma complementar por
meio de grupos de foco e apresenta tanto pontos de vista marcados pela generalidade -
compreendendo-se a política como uma grande categoria – quanto perspectivas que
examinam o específico da relação entre religião e política ou o que poderíamos
denominar de desdobramentos do campo.
15
No universo mais específico, os jovens criticam a relação entre evangélicos e
política. Essa crítica apareceu também entre os jovens religiosos, mas é mais enfática no
grupo dos sem-religião. A abordagem dos sem-religião numa perspectiva mais
generalista demonstrou a tentativa de reforço da ideia de que o homem é um ser
político, logo a política se apresentaria em todos os campos da vida e a própria atitude
de assumir uma religião resultaria num comportamento político.
A influência da religião para a adesão ou indiferença em relação à política pode
não se consolidar como uma questão para os jovens que se declararam sem-religião.
Assim, muitos deles (67,7%) não responderam se, em sua opinião, o fato de não estar
vinculado a nenhuma religião favoreceria ou não a realização de atividades
sociopolíticas; o mesmo número de jovens também não respondeu à pergunta em que
foram indagados se a religião seria determinante para seu engajamento em ações dessa
natureza (67,7%). Esse fato sugere ausência de correlação entre essas variáveis, mas
merece aprofundamento em novos estudos.
Os jovens sem-religião apresentaram tendências semelhantes aos religiosos,
sejam católicos ou pentecostais. Assim, embora os agentes religiosos – líderes das
Igrejas - possam estimular a participação da juventude em ações sociopolíticas, a
variável religião ou vínculo religioso parece não se apresentar como determinante para a
atuação do segmento juvenil nesse campo. Desse modo, no universo de trinta e um
jovens entrevistados notou-se um perfil semelhante ao dos jovens religiosos em vários
temas, como por exemplo, as percepções sobre o desenvolvimento do país. Algumas
narrativas colhidas nos grupos de foco ilustram essa observação.
Para mim política está em tudo. Política está nas relações que a gente
tem com o outro. Dentro da sociedade você esta fazendo política. [...]
A religião para mim é política também. (rapaz, sem-religião, Gp1H1).
Eu acho que a religião tem a ver com a política sim, mas não talvez
uma política partidária. Política tem a ver com religião. A partir do
momento que você pega o significado da palavra... política significa a
busca do bem comum. A religião também, de certa forma, quer o bem
de todos os seus membros. Tem muito a ver sim, mas não podem se
confundir, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa (rapaz,
católico, CEBs, GP3h1).
Com efeito, há os que separam definitivamente essas duas esferas, tidas como
inconciliáveis, sobretudo porque a religião pode produzir favorecimentos no campo
16
político. Visões tão díspares sobre a religião e a política aparecem no mesmo segmento
juvenil, ou seja, no grupo dos sem-religião. Nesse caso, é provável que a identidade
religiosa seja menos determinante para a delimitação dessa cosmovisão, mas
pertencimentos anteriores deverão orientar as representações a respeito dessa temática.
Pastor fulano de tal, fulano de tal é fulano de tal, não interessa o cargo
dele [...] Ai o cara chega lá falando: Eu vou cuidar da educação, não
sei o que, não sei o quê. E aí o pastor vem, fala que Deus, não sei o
quê... Eu não gosto disso. Tem que te uma separação entre religião e
política. (moça, sem-religião, Gp1, M1).
Então eu acho que atrapalha quando você mistura a religião com a
política. Você acaba fazendo propostas que talvez beneficiem as
pessoas que fazem parte da sua religião. (rapaz, sem-religião, Gp 1
H1).
Alguns jovens justificaram o contexto atual de apatia pelo fato de estarem
inseridos em muitas frentes que se referem de modo mais direto aos seus interesses
pessoais e profissionais, ou seja, trabalho, estudos, cursos adicionais à formação
elementar, não restando tempo disponível para atuações sociopolíticas. Assim, a baixa
participação na política convencional se justificaria pela falta de tempo. Em outra
direção, a ausência de credibilidade da política em seu sentido estrito seria o principal
motivo para uma atuação rarefeita dos jovens nesse campo.
Mas tem que ter uma revisão nas ações das políticas públicas, não
adianta nada você dar a bolsa família, mas não dar saúde, educação e
um privilégio maior cultural também porque não é uma bolsa mensal
que vai mudar a vida de um cidadão, a vida de uma família. (moça
católica, PJuventude, GP3m1).
A falta de oportunidades para a inserção em atividades como ONG’s etc.
também se configurou comoo uma justificativa dos jovens sem-religião para a diminuta
inserção institucional. Alguns deles sinalizaram ainda para a questão da violência e do
medo. Como atuar politicamente em ambiente violento onde os jovens são ameaçados
por grupos que dominam o poder local? Essas foram questões que surgiram no debate e
para as quais o debate intelectual ainda não chegou. Desistência de participação
sociopolítica pode nada ter a ver com apatia, mas com medo pela ineficiência do Estado
brasileiro no combate à violência, principalmente nos ambientes periféricos das grandes
cidades.
Mas o que é afinal, ser político? A representação de alguns jovens entrevistados
a respeito desse tema não deixa dúvidas de que há passos sendo dados em busca de
caminhos não muito convencionais, mas que eventualmente conduzirão a uma radical
17
mudança conceitual a respeito do tema em questão. Isso significa dizer que o déficit de
participação efetiva em manifestações ou instituições políticas, não deve induzir a
avaliação de que haveria uma postura apática ou acrítica dos jovens religiosos e sem
religião. Eles demonstraram capacidade crítica para avaliar, por exemplo, determinadas
políticas governamentais como o Bolsa Família. É possível, portanto, pensar
politicamente sem necessariamente pertencer a um partido ou associação e a inserção
em determinados grupos religiosos produz um tipo de capital social (NAZZARI, 2006)
relevante para a juventude.
Um debate a respeito do que é ser apolítico se desenvolveu em um dos grupos de
foco. Houve quem defendesse que o jovem que não assume nenhuma posição política
estaria, ainda assim, sendo político. Em outros termos, o fato de não fazer política já
seria uma atitude política. Esse posicionamento, adotado por um jovem católico, filiado
ao PT e participante das CEBs foi contestado por uma jovem sem-religião, para quem o
jovem que não faz política não é político. Quando questionada a respeito de sua própria
prática ela afirma que se considera apolítica em termos de política partidária, mas
politizada por atuar em campanhas solidárias e ações caritativas. Essa jovem manifestou
ainda que desejaria atuar em organizações não governamentais ou outras instituições,
confirmando a tendência observada no survey.
Não obstante o excesso de estudos sobre a juventude no Brasil, há muito a
pesquisar sobre os modos como eles vivem, representam e exploram as possibilidades
de articulação entre a política, por um lado e a religião, por outro. O debate central aqui
é a necessidade de abertura cognitiva e metodológica sobre esses campos. Postura que, a
meu ver, necessita ser fortalecida entre os analistas sociais de diferentes campos do
conhecimento. Para estudar os jovens temos que partir de categorias abertas, sem
definições rigidamente estabelecidas, mas levando-se em conta, principalmente a
existência de uma materialidade a ser assumida nas abordagens interpretativas.
Descobrir seus campos simbólicos representativos e os elementos da realidade social
que se apresentam como variáveis mais relevantes em contexto de pluralização
constitui-se como um desafio teórico-metodológico.
Por fim, estamos cientes de que esse texto não esgotou as possibilidades de
interpretação sobre um universo em expansão na sociedade brasileira: o dos
desinstitucionalizados religiosos no segmento juvenil. A pesquisa sinalizou para o fato
de que há muito a explorar na busca de conhecimento sobre os jovens e seus modos de
18
representação e pertencimento, sobretudo quando se pretende compreender as relações
entre religião e formas de vínculos e construção identitária entre eles.
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