estradas na amazonia entre o brasil e o peru

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Estradas na Amazônia entre o Brasil e o Peru Marc Dourojeanni Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza. Três artigos sobre as consequências sociais e ambientais da construção de estradas entre os dos países A Estrada Interoceânica no Peru Marc Dourojeanni - O Eco, Rio de Janeiro 20/06/2006 Acaba de ser apresentado um estudo de caso sobre a já famosa estrada Interoceânica, também conhecida como Transoceânica ou Bioceônica. Esta obra, na teoria, permitirá transportar produtos de qualquer lugar do Brasil até os portos peruanos do Pacífico. O estudo analisa os impactos sociais e ambientais que essa obra ocasionará na sua parte correspondente: a Amazônia peruana. Essa região, vizinha ao Acre, é um dos principais reservatórios mundiais de biodiversidade e é, ainda, o refúgio de muitos dos últimos povos indígenas isolados da Amazônia. Esta nota é um resumo do indicado estudo. A IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura da América do Sul) foi subscrita no ano 2000 pelos governos dos 12 países da região com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Corporação Andina de Fomento (CAF) e do Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do rio da Prata (Fonprata). Esta Iniciativa consiste na promoção de 10 eixos de integração que reúnem 335 projetos por um valor de 37,5 bilhões de dólares. Esses projetos são principalmente de transporte, mas incluem também obras de geração e condução de energia e de comunicações. Um dos projetos desta Iniciativa

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Estradas na Amazônia entre oBrasil e o Peru

Marc Dourojeanni Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do BancoInteramericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza.

Três artigos sobre as consequências sociais e ambientais daconstrução de estradas entre os dos países

A Estrada Interoceânica no Peru Marc Dourojeanni - O Eco, Rio de Janeiro 20/06/2006

Acaba de ser apresentado um estudo de caso sobre a já famosa estrada Interoceânica, também conhecida como Transoceânica ou Bioceônica. Esta obra, na teoria, permitirá transportar produtos de qualquer lugar do Brasil até os portos peruanos doPacífico. O estudo analisa os impactos sociais e ambientais que essa obra ocasionará na sua parte correspondente: a Amazônia peruana. Essa região, vizinha ao Acre, é um dos principais reservatórios mundiais de biodiversidade e é, ainda, o refúgio de muitos dos últimos povos indígenas isolados da Amazônia. Esta nota é um resumo do indicado estudo.

A IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura da Américado Sul) foi subscrita no ano 2000 pelos governos dos 12 paísesda região com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Corporação Andina de Fomento (CAF) edo Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do rio da Prata (Fonprata). Esta Iniciativa consiste na promoção de 10 eixos de integração que reúnem 335 projetos por um valor de 37,5 bilhões de dólares. Esses projetos são principalmente de transporte, mas incluem também obras de geração e condução de energia e de comunicações. Um dos projetos desta Iniciativa

que se está executando é a estrada Interoceânica entre o Brasil e o Peru, que é justificada, de uma parte, para abrir os portos peruanos da costa do Pacífico Sul aos produtos brasileiros e, de outra, para promover o desenvolvimento econômico da região sul do Peru, que é notoriamente deprimida.

A obra, dentro do território peruano, consiste em asfaltar ou melhorar 2.586 quilômetros de estradas, entre a pequena cidadede Iñapari (Departamento de Madre de Dios), na fronteira com o estado brasileiro do Acre e os portos da costa sul desse país.O projeto tem um custo estimado de 892 milhões de dólares. A obra cruza o departamento de Madre de Dios e as partes amazônicas de Cuzco e Puno, subindo de apenas 200 metros acimado nível do mar para mais de 4 mil metros. A porção amazônica da obra será executada e logo administrada por duas companhiasconcessionárias lideradas por empresas brasileiras, pela modalidade conhecida como BOT (Build, operate and transfer ou constrói, opera e transfere). A obra foi estudada, leiloada, concedida, parcialmente financiada e iniciada entre 2003 e março de 2006. O financiamento parcial, um empréstimo ponte, foi concedido pela CAF com garantia da República do Peru. A obra no Peru estará interconectada com o sistema brasileiro deestradas permitindo viajar por estrada asfaltada desde os portos oceânicos do Atlântico até os do Pacífico.

Passivo ambiental

A região amazônica na que se construirá a estrada é a mais natural subsistente no território do Peru e mostra uma das maiores concentrações de biodiversidade do planeta, incluindo uma proporção elevada de endemismos, devido a seu bom estado de conservação geral e à diversidade de ecossistemas derivadosdo enorme gradiente altitudinal. Também é refúgio de um númeroconsiderável de grupos indígenas que ainda vivem em isolamentovoluntário. Por essa razão o aprimoramento desta estrada tem uma importância crucial em termos de riscos que pode provocar para os esforços mundiais de conservação da biodiversidade e do respeito devido aos direitos das últimas populações humanasque vivem sem ou quase sem contato com a sociedade moderna. Também preocupa o provável agravamento de problemas ambientaise sociais característicos da construção e operação de estradasnas condições de floresta tropical úmida de regiões planas ou

baixas e as que ostentam pendentes pronunciadas e que são de altitude.

De uma parte, o estudo confirma que na região existe um passivo ambiental e social considerável que é produto da acumulação gradual de problemas desde a construção, nas décadas de 1940 e de 1950, das primeiras vias de penetração a Amazônia de Cuzco e Puno e, em especial, a partir da primeira estrada de terra entre Porto Maldonado e a fronteira brasileira, que data dos anos 1980s. De outra parte, o estudo ratifica opiniões de diversos autores que alertaram do risco dos impactos ambientais e sociais piorarem muito, na sua amplitude e velocidade, após se pavimentar e se melhorar a estrada.

Impactos ambientais e sociais que a poucos importam

Os impactos ambientais mais prováveis, num horizonte de mais de 10 anos, incluem aumento rápido do desmatamento, degradaçãodas florestas naturais, invasão de áreas protegidas, incidência maior dos incêndios florestais, expansão da culturada cocaína, operação anárquica do ouro, degradação ambiental urbana, perda de biodiversidade, aumento da caça e pesca e, redução da amplitude e qualidade dos serviços ambientais, especialmente os referentes ao recurso hídrico com maior incidência de inundações, aluviões e com redução da qualidade e disponibilidade de água para o uso humano. Os impactos sociais mais graves serão os relativos aos nativos em isolamento voluntário, o aumento da migração andina para a região, a invasão de terras indígenas tituladas, de comunidades tradicionais e de outras propriedades; o incremento dos conflitos pela terra, desenvolvimento de favelas, aumento da pobreza urbana e redução da disponibilidade de serviços públicos, aumento das atividades ilegais e diminuição da qualidade da segurança pública e, diluição e perda de valores culturais tradicionais, entre outros.

A opinião pública, regional, nacional e local, que já é tradicionalmente a favor da construção e melhoria das estradas, influenciada fortemente pela pesada propaganda governamental, considera quase unanimemente que a obra

aportará grandes benefícios econômicos e não demonstra nenhumapreocupação para com os impactos ambientais e sociais. Estes, de outra parte, foram sistematicamente diminuídos pelos atoresoficiais. O governo sempre informou à opinião pública que os impactos negativos serão mínimos porque a estrada não é nova eque estão sendo adotadas todas as precauções ambientais e sociais cabíveis. Apenas um segmento pequeno da sociedade civil, principalmente as organizações não governamentais e alguns grupos de intelectuais, levantaram objeções, essencialmente visando à ausência de um programa que limite osdanos mais prováveis e que permita aproveitar as vantagens econômicas que a estrada poderia oferecer. As objeções principais provieram das organizações sociais de base.

Mas, quando se consulta diretamente a população que será afetada, apesar do entusiasmo geral, levantam-se numerosas dúvidas. Estas dúvidas são de nível pessoal familiar, municipal e regional. Elas incluem temas como novos riscos econômicos para a família, conflitos pela propriedade da terrana faixa de domínio da estrada, segurança da família e dos animais, custo do pedágio, invasões da terra, oportunidades deemprego na construção, riscos de acidentes, elevação do preço da terra, modificações do trânsito nas áreas urbanas, dentre muitas outras. A esses se somam os antes mencionados, ao falarde impactos ambientais e sociais. Evidentemente, grande parte dos atores locais e regionais está muito satisfeita com as previsões, em especial os extratores e industriais florestais,aqueles que tentam se dedicar à agricultura e à pecuária sob modalidades mais intensivas, mineradores, empresários hoteleiros e de restauração, assim como uma parte dos que se dedicam ao ecoturismo. De outro lado, todos unanimemente protestam da precariedade da informação sobre a obra e da falta de consultas públicas eficazes.

O que o governo pretende e não pode

A análise do desempenho do governo peruano e da CAF com relação ao trabalho, revela que ambos prestaram pouca atenção aos princípios e às normas que, formalmente, prevalecem para aaprovação deste tipo de projetos. A omissão principal é que a obra foi aprovada, financiada e iniciada sem dispor de um estudo de impacto ambiental e social (EIA). Existe,

entretanto, um capítulo ambiental amplo dentro do estudo de pré-factibilidade e também, estudos parciais (por trechos) do impacto ambiental direto, permitindo que o trabalho seja iniciado. Mas esses estudos estão baseados em informação de segunda mão, apenas abordando os impactos diretos da obra, carecem de uma análise geral e, finalmente, não cumpriram com o complemento indispensável de providenciar ampla informação pública e de fazer consulta consistente com a população afetada. A pretensão de que a soma dos estudos de impacto ambiental parciais resulte num documento que seja equivalente a uma verdadeira avaliação ambiental não é tecnicamente aceitável e, de qualquer maneira, seria aprovada muito tarde para se poderem aplicar as medidas requeridas. Grande parte doproblema descrito deve-se à fraqueza da legislação ambiental peruana sobre licenciamento ambiental, que deixa a decisão final dentro do setor que promove o projeto avaliado e, no geral, à debilidade institucional ambiental do país. Existem outras objeções ao procedimento seguido para a aprovação da Interoceânica pelo governo e pela CAF. Esta última, em especial, evidentemente não cumpriu diversos de seus delineamentos de política ambiental e social.A CAF teve consciência do problema criado pela rapidez incomumque o governo imprimiu para processar o projeto, resultando nasua aprovação sem avaliação de impacto ambiental e social e, por essa razão, adotou medidas paliativas, como o financiamento da melhoria de capacidade de avaliação ambientalno Ministério dos Transportes e Comunicações, o financiamento de consultas com a sociedade civil e, em particular, pressionando o Governo para aceitar um programa para o gerenciamento ambiental e social da região afetada pela obra. Este programa, cujo executor principal será o Inrena (Ministério da Agricultura), terá um custo de 17 milhões de dólares (10 milhões serão de um empréstimo da CAF e os outros 7 milhões serão do aporte local). O programa está orientado a resolver muitos dos problemas que a estrada agravará. Mas o montante de dinheiro destinado ao mesmo e seu lapso de execução são claramente insuficientes para pretender resolver o problema. Além do mais, este programa não foi aprovado aindapelo Peru nem pela CAF.

O governo afirma que a situação da ocupação da terra em Madre de Dios está consolidada pela existência de amplas áreas

protegidas, de terra indígena titulada e pelo sistema de concessões florestais (de diversos tipos) já concedido. Tambémpor se estar preparando um exercício de zoneamento ecológico -econômico da porção amazônica, um plano de desenvolvimento do espaço afetado pela Interoceânica no sul do Peru, e um plano de desenvolvimento fronteiriço. A realidade demonstra que a suposta estabilização da ocupação da terra é muito frágil, primeiramente porque não existe a capacidade para evitar invasões e, em especial, porque as concessões florestais, do mesmo modo que o processo de titulação da terra e cadastro rural, em vez de evitar ou resolver conflitos, multiplicou-os devido à baixa qualidade do trabalho de campo. De uma outra parte, a probabilidade que os planos em execução sejam realmente executados é extremamente remota devido a seu custo elevado e à falta de capacidade institucional dos governos nacional, regional e municipal.

O problema de fundo não é a Interoceânica

Em conclusão, a objeção principal ao projeto da Interoceânica não é diretamente a ela, mas à falta dos mecanismos públicos que permitam, de uma parte, resolver o passivo ambiental e evitar os impactos ambientais e sociais previsíveis e, de outra, a ausência de uma estratégia e dos investimentos necessários para aproveitar as vantagens e oportunidades da obra para impelir um desenvolvimento econômico e social sustentável. Por essa razão, a primeira e mais importante recomendação do estudo é a elaboração, financiamento e execução de um programa de desenvolvimento regional que cubra com profundidade os assuntos superficialmente abordados pelo mencionado programa Inrena/CAF e que inclua o que falta neste.Estima-se que o custo deste programa deveria ser da ordem de 100 a 150 milhões de dólares. Mas, para que um projeto como aquele seja bem sucedido nas condições da região afetada é indispensável que o governo previamente defina uma autoridade clara para a sua execução, obtendo a partição efetiva e organizada dos diversos setores que teriam que executá-lo. A principal dificuldade atual da sociedade civil com relação à Interoceânica é a falta de um interlocutor válido no governo. Também é condição para o sucesso que se estabeleça um mecanismo de informação e de participação eficaz, como é previsto pela legislação sobre regionalização, assim como

aqueles mecanismos de solução de conflitos que são necessáriosespecificamente para executar o programa.

O estudo apresenta muitas outras recomendações, algumas do tipo conjuntural ou urgente, como é o estabelecimento de um mecanismo de monitoramento, seguimento e avaliação independente, mecanismos locais de solução de conflitos e paraassegurar que os estudos de impacto ambiental faltantes sejam de qualidade melhor dos que já foram feitos. O problema de fundo, no caso analisado, é a debilidade da legislação ambiental e da institucionalidade ambiental peruana. Os bancosmultilaterais para o desenvolvimento demonstraram pouca eficiência nas suas discussões com o governo peruano com relação ao assunto ambiental, sendo indispensável que adotem medidas concretas nas suas futuras relações com o país. No caso especifico da CAF e da Interoceânica, esta instituição deve se preparar para exercer uma supervisão muito severa deste empréstimo.

A sociedade civil organizada peruana e regional, respectivamente através do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil Peruana (GTSCP) e do MAP, que agrupa Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia) fez um trabalho excelente e eficaz com a relação ao projeto da Interoceânica, mas deve serpreparada para continuar o esforço com a maior intensidade.

Em conclusão, este é outro exemplo de uma obra que provavelmente é necessária, mas que foi decidida sem fazer os estudos prévios requeridos e, em especial, sem os investimentos complementares que fariam dela o que se pretende. Trata-se de uma obra promovida com uma aceleração fortemente influenciada por interesses políticos subalternos e, lamentavelmente, por isso não cabe esperar que aporte os benefícios desejados.

Revisitando a Interoceânica Sul, na Amazônia peruana Marc Dourojeanni – O Eco, Rio de Janeiro 15/03/2013

Uma estrada nova quase sem uso entre Puerto Maldonado e a fronteira brasileira. Fotos: Marc DourejeanniUma estrada nova quase sem uso entre Puerto Maldonado e a fronteira brasileira. Fotos: Marc Dourejeanni

Em 2006 me pediram para fazer um estudo sobre a proposta da Estrada Interoceânica Sul, no setor amazônico. Visitei a zona de influência que abrange grande parte dos departamentos peruanos de Madre de Dios, Cusco e Puno, e revisei os estudos de viabilidade e de impacto ambiental disponíveis. Estes dois,como é habitual, não estavam concluídos apesar de que a obra já havia se iniciado.

Em fevereiro deste ano, ou seja, seis anos depois, visitei novamente a zona desta estrada que está há três anos em operação. Como era esperado, nenhuma das recomendações feitas deste trabalho foi ao menos considerada. Pior ainda foi constatar que, apesar do meu estudo ter sido chamado de exageradamente pessimista, minhas previsões foram superadas pela triste realidade.

Além da avaliação do impacto ambiental não estar terminada, noestudo mencionado foi demonstrado que os avanços propostos

tinham qualidade discutível, baseados em informações secundárias e em consultas públicas irrelevantes. Os promotores da obra, governo e empresários, pularam os requisitos técnicos usando a propaganda de sempre, de que estradas equivalem a desenvolvimento.

Neste caso, a nova estrada criaria um intenso fluxo comercial com o Brasil, em parte decorrente do seu uso para “evacuar a soja do centro-oeste para a Ásia através dos portos peruanos do Pacífico”. No estudo, considerava-se que o eventual benefício econômico desse desenvolvimento seria anulado pelos custos dos impactos ambientais e sociais negativos. Entre outros, foram mencionados o desmatamento e a degradação da floresta, o aumento do trânsito e especulação de terras, a invasão de unidades de conservação e de territórios indígenas,a perda de biodiversidade, a destruição dos recursos hidrobiológicos, a expansão do cultivo de folhas de coca e do tráfico de drogas, crescimento da mineração ilegal de ouro e adeterioração das condições propícias ao ecoturismo que podia prosperar na região.

Desastres anunciados

A enorme ponte sobre o rio Madre de Dios serve essencialmente para comunicar dois bairros de Puerto Maldonado.A enorme ponte sobre o rio Madre de Dios serve essencialmente para comunicar dois bairros de Puerto Maldonado.

Como foi dito, as advertências e recomendações não serviram denada. Em vez de criar um amplo programa de investimentos para regularizar a propriedade rural, estimular o desenvolvimento agropecuário, racionalizar a exploração florestal e a mineração, ampliar as facilidades para a educação e saúde e garantir a intangibilidade das terras indígenas. Se assim fosse, a nova estrada promoveria um desenvolvimento sustentável. Entretanto, o governo se limitou a aceitar a pressão da Corporação Andina de Fomento, uma das agências financiadoras, para desenvolver um ridiculamente pequeno projeto de gestão ambiental, cujos mínimos recursos foram gastos mais em Lima do que na região. Ou seja, que, além do substancial investimento na estrada, não houve outros investimentos.

Então, tudo o que foi previsto aconteceu e continua acontecendo. Em primeiro lugar, a estrada não aumentou o comércio com o Brasil. Três horas de viagem entre Iñapari, na

fronteira, e Puerto Maldonado, não permite ver nem um caminhãoou ônibus brasileiro. Apenas se vêm, nesta rota, mototáxis e poucos veículos locais de passageiros. De noite, são mais frequentes os caminhões com troncos que carregam madeira quasesempre ilegalmente extraída dos vales dos rios Tahuamanu e LasPiedras, abertos para a exploração graças à Interoceânica. Pior, parece que, aproveitando-se do pouco trânsito, ocasionalmente podem ver-se pequenos aviões que rapidamente aterrissam e decolam carregados de cocaína com destino ao Brasil.

Na parte entre Puerto Maldonado até Los Andes, no entanto, existe um trânsito intenso. São caminhões que trazem equipamento e suprimento para a exploração ilegal de ouro e levam de volta produtos agrícolas e muita madeira.

Falta de planejamento provocou enormes invasões em Puerto Maldonado, que inclusive ameaçam a futura expansão do aeroporto.Falta de planejamento provocou enormes invasões em Puerto Maldonado, que inclusive ameaçam a futura expansão do aeroporto.

Há também um intenso movimento de passageiros, especialmente para Madre de Dios. Na maioria são camponeses pobres de Cusco e Puno que descem para procurar ouro e que entrarão, nas piores condições imagináveis, na mineração ilegal. Logo decepcionados, se estabelecem na região, tirando os ocupantes originais das terras, os índios ou ribeirinhos.

O crescimento enorme e caótico da exploração ilegal de ouro é uma das piores consequências da nova estrada, porque barateou os custos e facilitou bastante sua expansão. Desde 2006 até hoje a área ocupada e degradada por esta atividade, e também onúmero de garimpeiros e suas famílias, quadruplicou e continuacrescendo. As desesperadas e socialmente caras tentativas esporádicas do governo anterior e do atual para controlar o caos poderiam ter feito sucesso, caso há alguns anos fossem tomadas medidas preventivas que tantos especialistas recomendaram.

Hoje é tarde já que os garimpeiros são uma massa enorme e poderosa, habilmente manipulada por patrões ricos e politicamente influentes que, além disso, usam métodos mafiosos para intimidar os que se opõem as suas decisões. Muitos estão associados aos narcotraficantes ou são os próprios, movendo dinheiro de uma atividade para outra e para outros negócios que permitem a lavagem do dinheiro.

Boa parte do dinheiro arrecadado pelo tráfico de drogas, pela mineração informal e pela corrupção, é reinvestido localmente dando uma deformada impressão de desenvolvimento. Dessa forma,ao longo da Interoceânica, podem-se observar enormes áreas desmatadas cobertas de pastagem sem gado. Apenas servem para marcar possessão e lavar dinheiro sujo. Do mesmo jeito, em Madre de Dios como na floresta, é óbvio o vínculo entre estes negócios ilegais e a também ilegal exploração florestal que, como a mineração, está penetrando territórios indígenas e Unidades de Conservação, despejando os últimos grupos de índios isolados.

A corrupção e a ineptidão têm permitido a sobreposição de concessões florestais sobre os direitos ancestrais de castanheiros e, claro, tampouco os garimpeiros de ouro os respeitam, sejam castanheiros ou agricultores locais. Estes

problemas seriam muito fáceis de evitar se, antes de terminar a estrada, tivessem regularizado a situação da propriedade dasterras, demarcando as propriedades e garantindo os direitos adquiridos.

Alguns dirão “Puerto Maldonado cresceu e melhorou”. É verdade que essa cidade aumentou cinco vezes sua população em uma década, e parece estar melhor do que antes. Foi o dinheiro ilegal que promoveu um boom da construção civil. A cidade estápavimentada e tem até semáforos eletrônicos. Está repleta de negócios com muito movimento; tem bancos, serviço telefônico ehotéis razoáveis, etc. Também tem muitos bordéis, boates e bares. Mas isso é só uma ilusão, porque os serviços públicos são insuficientes, inclusive os de água potável e saneamento.

Por isso Madre de Dios bateu recordes nacionais de incidência de doenças como a AIDS. Por outro lado, a absoluta falta de previsão sobre desenvolvimento urbano provocou invasões por todas as partes, dessas com paredes de plástico e tetos de palma ou papelão. Nem a Força Aérea do Peru se livrou de uma enorme invasão que atrapalha a futura expansão do aeroporto. Acontece que a cidade explodiu de crescimento para todos os lados como consequência da migração sem controle. E todo o mundo sabia que isso aconteceria... menos as autoridades.

O preço da natureza

O principal impacto da Interoceânica foi facilitar e reduzir custos da mineração ilegal de ouro, que está destruindo rios e florestas de Madre de Dios.O principal impacto da Interoceânica foi facilitar e reduzir custos da mineração ilegal de ouro, que está destruindo rios e florestas de Madre de Dios.

As atividades econômicas ilegais e também as legais no espaço afetado pela estrada cobraram um preço caro à maravilhosa natureza de Madre de Dios, cuja capital se autodeclara a Capital Nacional da Biodiversidade, e que em nenhum momento tentou ser um exemplo de desenvolvimento sustentável. Embora não existam inventários recentes, é evidente que o desmatamento aumentou drasticamente desde que o tapete de asfalto e suas pontes estão disponíveis.

A atividade de mineração não respeita limites e se expandiu sobre os rios, através de dragas e outras embarcações, e em florestas de qualquer tipo. Além disso, esta atividade afeta uma área muito maior que a desmatada. Seu principal impacto é a contaminação dos rios pela sedimentação e pelo uso indiscriminado de mercúrio, sem nenhum cuidado. Já foi demonstrado que os níveis de mercúrio nos peixes são elevadíssimos e até a população, especialmente os visitantes,

evitam consumi-los.

O impacto combinado da desestruturação dos rios, sua contaminação e a sobrepesca fizeram que fosse difícil encontrar nos restaurantes locais um peixe que não venha da piscicultura local, diminutos e sem sabor.

O desmatamento também é importante como consequência da expansão agropecuária, inclusive da folha de coca ilegal na parte mais alta. Mas o impacto principal é a chamada degradação da floresta, que é mais difícil de ver e que se produz pela exploração florestal legal e ilegal, a caça e a extração seletiva, ocupando enormes extensões do departamento de Madre de Dios. Como era de se esperar, a exploração ilegal penetra nas comunidades nativas, nas reservas comunitárias (Amarakaeri), e, recentemente, foi detectada inclusive na Reserva Nacional de Tambopata. Madeireiros sem escrúpulos têm promovido, até agora sem sucesso, a construção de uma estrada entre Iñapari e Puerto Esperanza, atravessando terras indígenas e o Parque Nacional Alto Purús. Na realidade, várioscaminhos ilegais estão sendo construídos em todo o departamento a partir da Interoceânica.

A estrada Interoceânica, por todo o exposto, está ameaçando seriamente o ecoturismo. Esta atividade econômica chegou a proporções consideráveis e exemplares em Madre de Dios, com várias dezenas de empresas com sucesso nos principais rios, especialmente no rio Tambopata, que acostumam trabalhar diretamente com a sociedade local. Trata-se de um modelo excelente de economia verde. Mas, a destruição da floresta e das paisagens está cada dia mais perto destes negócios. Os turistas não podem evitar ver, do avião, carro ou barco, os desastres causados pelo garimpo ilegal ou observar as invasõesde terra e a pobreza. Eles já não podem nem querer comer peixe; e veem as árvores sendo derrubadas e substituídas por pastagens sem uso, depois de passar fogo sobre seus restos. Osturistas apenas conseguem uma visão do que era a floresta nos lugares próximos das pousadas ou das unidades de conservação. O ecoturismo está em perigo.

O quê fazer?

A Interoceânica ampliou as áreas de pastagens, quase sem gado.A Interoceânica ampliou as áreas de pastagens, quase sem gado.

O governo do Peru e o de Madre de Dios já perderam tempo demais para tomar medidas sérias. O problema fundamental continua sendo o mesmo de seis anos atrás e as soluções propostas no passado continuam válidas. Só que agora custarão bem mais caro. De nada servem as ações contra os garimpeiros ilegais ou para pôr ordem na exploração madeireira se não existem recursos suficientes para dar-lhes continuidade e executá-las como deve ser.

Em paralelo à construção de uma estrada que custou ao Peru cerca de dois bilhões de dólares – é preciso investir um valorproporcional para criar boas condições de desenvolvimento regional: ordenar o território e sua ocupação, capacitar os garimpeiros, agricultores e madeireiros, oferecer-lhes créditoe apoio para realizar um trabalho legal e rentável, criar capacidades institucionais locais para dirigir processos, etc.Foi isso que fez o vizinho estado brasileiro do Acre, quando decidiu se comunicar através de uma estrada com a cidade de Cruzeiro do Sul. Investiu mais dinheiro nessas ações do que naconstrução da estrada. E claro, foi recompensado, com um desenvolvimento que, embora não perfeito devido aos movimentosda política local, é incomparavelmente daquele em Madre de Dios.

O departamento de Madre de Dios está fazendo um século de existência política neste ano. Neste departamento, excluindo os índios, não há mais nativos. Dos seus habitantes, 90% ou

mais vêm de Puno, Cusco ou de outros lugares. Falam quéchua, aimará ou idiomas de países tão longínquos como China e Coreia. Não são amigos da floresta, mas a veem como obstáculo.Tomara que o centenário tão celebrado permita persuadir, através das oportunidades que gerariam investimentos como os citados, esses novos cidadãos de Madre de Dios a construir um desenvolvimento que seja desejável para todos.

Multiplicação de vias entre Brasil e Peru é cara e desnecessária Marc Dourojeanni - Rio de Janeiro, 13/05/2013

A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil (estado do Acre) ao litoral sul do Peru. Foto: Aurelio SchmittA Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil (estado do Acre) ao litoral sul do Peru. Foto: Aurelio Schmitt

Até recentemente as viagens entre o Peru e o Brasil eram exclusivamente de barco ou avião. Isso motivou que, de fato, entre os dois países existisse uma espécie de faixa de mais de2.800 km de comprimento, que dependendo do lugar, tinha até algumas centenas de quilômetros de largura, bem protegida das atividades humanas. Nessa faixa a natureza se manteve mais ou menos intocada, e por tanto, vários povos indígenas em isolamento voluntário nela encontraram refúgio.

É óbvio que isso não podia continuar assim, dado o crescimentoda população e as ambições de desenvolvimento econômico em ambos os lados da fronteira. Assim, na última década, duas vias interoceânicas foram concluídas: (1) a Rodovia Interoceânica Sul (entre Rio Branco no Brasil e Cusco ou Puno,no Peru) e (2) a via bimodal Interoceânica Norte (que liga a Costa Norte do Peru com Yurimaguas e com Saramiriza, de onde continua até Manaus por via fluvial).

Depois de séculos sem ligação terrestre com o país vizinho, ter duas vias como as mencionadas pareceria ser suficiente para, pelo menos, a próxima década, e mais ainda quando, como se sabe, o inicio de operações nas duas rotas mencionadas não aumentou o comércio entre ambos os países.

Mas, pelo contrário, há uma verdadeira avalanche de novas iniciativas de vias de comunicação e de revitalização de antigas. Só o departamento de Loreto tem planos para cinco projetos de estradas que o ligariam com o Brasil, além de uma ferrovia e, claro, de uma hidrovia. Acrescentando a isso outras propostas oficiais de ferrovias e estradas, que em suasrotas ao Brasil, passariam pelos departamentos de Ucayali e Madre de Dios, se chega a números mirabolantes, carentes de qualquer lógica econômica, e anunciantes de gravíssimos problemas sociais e ambientais, sem mencionar os de segurança pública.

O mais notável da situação é que, apesar de que obviamente nãotodas as propostas ou opções são compatíveis entre si e nem precisam ser materializadas simultaneamente, muitas destas iniciativas estão sendo executadas ao mesmo tempo. Em alguns casos, com investimentos importantes em obras, e em outros, através de financiamento de estudos de viabilidade.

Frequentemente, também são executados com pequenos investimentos, locais, que se usam para alugar tratores e máquinas que, sem estudos nem autorizações, de árvore em árvore, avançam com direção à fronteira.

Nesta nota se informa sobre este assunto que é pouco conhecidoe se discute sua racionalidade em busca de que, antes de gastar mais dinheiro e antes de continuar abrindo brechas na floresta, as autoridades responsáveis pensem seriamente no queestão fazendo e ponham um mínimo de sentido comum e de ordem neste tema tão importante para o desenvolvimento da Amazônia.

Rio navegável não é a mesma coisa que hidrovia

O cordão umbilical entre o Peru e o Brasil é, literalmente, o rio Amazonas, que leva desde os Andes até o Brasil os nutrientes que garantem a vida. Além disso, este é o rio mais caudaloso do mundo, sendo perfeitamente navegável. Não só é navegável o Amazonas, também são seus formadores, o Maranhon eo Ucayali e vários outros afluentes.

No entanto, o principal argumento para propor a construção de estradas ou vias férreas, no caso de Loreto, por exemplo, é que a navegação é lenta e perigosa, o que torna mais caro o frete. Hoje, isso é uma meia verdade, posto que na Amazônia peruana não há hidrovias.

Transformar um rio navegávelem hidrovia requerinvestimentos importantes emestudos do comportamentofluvial, tipos de barcos e configurações de comboios apropriados, sinalização diurna e noturna, dragagem e aberturade canais em locais críticos, aplicação de regras de navegaçãoe, entre outros, a construção de verdadeiros portos. É caro, mas é consideravelmente mais barato do que a construção de estradas ou ferrovias e, em particular, é um transporte energeticamente muito eficiente, proporcionando custos de frete altamente competitivos e emissões muito baixas de gases de efeito estufa. Grande parte do desenvolvimento dos países mais ricos do mundo é devido à utilização de seus rios navegáveis.

Grande parte do desenvolvimentodos países mais ricos do mundo é devido à utilização de seus rios navegáveis.

Até a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) reconheceu esse fato, apesar de que o programa reflete em grande parte o interesse por negócios lucrativos de empresas multinacionais de construção civil. Na verdade, a IIRSA propôs que a conexão norte do Peru com o Brasil fosse do tipo bimodal ou multimodal, construindo a Hidrovia do Amazonas, a partir dos rios Maranhon (Saramiriza) e Huallaga (Yurimaguas). O governo peruano também apoia esses projetos, e com apoio internacional já pagou estudos que confirmam sua viabilidade técnica, econômica e ambiental.

Entretanto, os fatos demonstram que essa opção foi descartada,ou pelo menos relegada, já que os esforços e investimentos atuais são orientados para rodovias e ferrovias. Investimentosem navegação fluvial são cosméticos e restritos a pequenas melhorias em poucos portos.

O tema dos trens

A ideia de ligar a Costa e a Serra do Peru com a Selva através de trens é bem antiga. A proposta da Via Férrea Tambo do Sol – Pucallpa vem desde a época em que o Peru construía ferrovias, e foi relançada, em 1958,como “de interesse

nacional”. Mas depois apareceram cinco propostas adicionais, duas que também foram declaradas de necessidade pública e interesse nacional: (1) a Via Férrea Transcontinental Peru-Brasil (Fetab, na sigla em espanhol) e, (2) a Via Yurimaguas-Iquitos. De acordo com informações oficiais, já teriam sido investidos vários milhões de dólares em estudos sobre essas duas vias.

Outras duas se uniram com o Brasil. São elas: (3) Via Transcontinental Sul Peru-Brasil (Fetras), (4) Via Interoceânica Salaverry-Leoncio Prado-Fronteira Brasil (Ferribeb), (5) Via La Oroya-Iñapari, e (6) Via Cuzco-Baixo Urubamba. É evidente que algumas propostas são sobrepostas ou segmentos de outras, mas todas são parte dos planos do

Algumas das outras ferrovias propostas poderiam, eventualmente, complementar um eixo como a Fetab, mas, pelo momento, apresentadas como projetos independentes, carecemde justificação econômica.

Ministério de Transportes e Comunicações do Peru.

As duas primeiras (Fetab e Yurimaguas-Iquitos) são coisa já decidida e em com estudos atualmente em execução. A que tem mais lógica econômica parece ser a Fetab. Este projeto permitiria, por exemplo, o transporte de fosfatos de Bayóvar ao Brasil, e de acordo com especialistas, poderia servir para a evacuação de commodities (soja, milho) do oeste do Brasil para a Ásia em portos do norte do Peru. O desenho desta ferrovia que, desde Pucallpa, seguiria pelo vale do Huallaga até cruzar os Andes pelo Passo de Porculla, a baixa altitude, permitiria configurações apropriadas para este tipo de transporte. Além disso, esta ferrovia em seu traçado até a fronteira brasileira não compete com nenhuma hidrovia e, inclusive, poderia ser complementada pela hidrovia do Amazonas, embarcando a carga em Saramiriza (Maranhon) ou em Yurimaguas (Huallaga). Aliás, alguma das propostas da IIRSA considerava que o Fetab só chegaria até Saramiriza ou até Yurimaguas, de onde a carga seguiria viagem por via fluvial.

É precisamente esta ferrovia, a Fetab, a qual se referiam recentemente jornais brasileiros relatando uma reunião entre ovice-presidente do Senado, Jorge Viana, com o governador do estado do Acre, seu irmão Tião Viana, e autoridades do setor de transporte desse país. O encontro ocorreu em um contexto especial. O Brasil teve uma safra recorde de grãos, principalmente soja, mas está enfrentando um colapso de sua capacidade de transporte, atualmente baseado em caminhões com estradas em mau estado e portos ineficientes.

A situação é tão grave (os chineses cancelaram pedidos, devidoa atrasos) que o assunto das ferrovias voltou com força, revelando suas atuais deficiências e limitações e, pior, o mauuso de amplos recursos para expandir a rede ferroviária no Brasil. Deste modo, os acreanos voltaram a insistir no tema daFetab que, entre outras vantagens, lhes permite resolver o isolamento de Cruzeiro do Sul, a primeira cidade brasileira que se uniria com Pucallpa. Jorge Viana disse que “com esta obra, Cruzeiro do Sul será o ponto onde o Brasil começa e deixará de ser o ponto onde termina”. É evidente que do lado peruano essa afirmação merece alguma reflexão adicional. Mas ésintomática do interesse brasileiro nesta obra.

Algumas das outras ferrovias propostas poderiam, eventualmente, complementar um eixo como a Fetab, mas, pelo momento, apresentadas como projetos independentes, carecem de justificação econômica. No entanto, uma delas, a Yurimaguas-Iquitos (que se for realizada logo seria obviamente estendida até a fronteira) está “decidida” e recebendo um financiamento considerável para estudos de viabilidade.

Estradas

As estradas são as preferidas dos governantes já que são populares e concedem votos. Se constroem rapidamente, embora de qualquer jeito, passando de simples caminhos de carroças a estradas de terra e, finalmente, às bem mais caras pistas asfaltadas. As principais têm algum tipo de estudos, mas muitas outras começam sem esse empecilho, por iniciativa local, e com o passar do tempo vão se transformando em fatos consumados.

Entre o Peru e o Brasil se registram, além das duas estradas que já existem (InteroceânicasSul e Norte, sendo a segundabimodal), pelo menos outrossete projetos de estradas comdireção ao Brasil, dos quaiscinco estão em Loreto. Estesprojetos, de norte ao sul,partem das localidades deCaballococha, Tamshiyacu,Genaro Herrera, Orellana,Contamana, Pucallpa e Iñapari-Puerto Esperanza. Com exceção da que parte de Pucallpa, que é oficialmente de interesse nacional, as outras são de interesseunicamente regional ou municipal. Ainda assim, elas aparecem nos planos oficiais e a cada ano, recebem algum investimento.

A estrada que sairia de Pucallpa e chegaria até Cruzeiro do Sul, no Brasil, é parte da IIRSA, que a chama de InteroceânicaCentro. Trata-se de um projeto muito antigo de ambos os paísese o Brasil já levou esta estrada até a própria fronteira. Embora ambos os governos tivessem reiterado que pretendem

Entre o Peru e o Brasil se registram, além das duas estradas que já existem (Interoceânicas Sul e Norte, sendo a segunda bimodal), pelo menos outros sete projetos de estradas com direção ao Brasil,dos quais cinco estão em Loreto.

estabelecer a conexão, resta a questão de saber se isso seria por via rodoviária, que também tem duas alternativas, ou por estrada de ferro. Enquanto isso, investimentos são feitos em estudos isolados de ambas as opções, mas tudo indica que a estrada será feita de qualquer jeito.

Perguntas básicas demais sem resposta

Qualquer opção de conexão com oBrasil é cara para o Peru, que além do mais, deverá endividar-se para construí-la. Além disso, todas têm outros impactos sociais e ambientais

graves que geram altos custos e múltiplas consequências políticas e de segurança interna. Isso significa que os cidadãos tem o direito de esperar de suas autoridades que respondam, pelo menos, as perguntas tão óbvias, como as seguintes:

Por que é necessário ter três estradas, duas ferrovias, e uma hidrovia para ligar o Peru com o Brasil, no prazo de apenas uma década? Por que os planos oficiais também contam, além dos anteriores, com outros seis projetos de estradas e quatrode ferrovias existentes, todos também previstos para ser concluídos na próxima década?

É necessário ou rentável, no caso de Loreto, construir uma ferrovia paralela a uma hidrovia e uma estrada? Por que razão, então, são propostas oficial e simultaneamente três opções em Loreto?

Já que na realidade as estradas estão sendo construídas, como no caso das duas que chegarão até Iquitos, qual é a lógica de promover também uma ferrovia que, além disso, é paralela ao rio Amazonas?

Onde estão os estudos econômicos que sustentam a necessidade e viabilidade de tais investimentos simultâneos tão colossais?

Será que a Interoceânica Centro não chegaria, como a Interoceânica Sul, à própria BR-364, que está ligada ao resto do Brasil? Por que então, é sugerida a estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul? O que existe em Cruzeiro do Sul que seja de interesse paraPucallpa ou para o Peru?

Por que é necessário ter três estradas, duas ferrovias, e umahidrovia para ligar o Peru com o Brasil, no prazo de apenas uma década?

Por que na prática, é relegada a opção da hidrovia apesar de ser natural e obviamente a mais rentável e a menos impactante?

Se alguns projetos são apenas ideias... por que estão nos “planos” nacionais e regionais, e pior ainda, por que gastar dinheiro com eles?

Não seria melhor escolher clara e cuidadosamente uma ou outra opção, ou seja, planejar seriamente?

O certo é que até agora não existem respostas para essas perguntas nem para muitas outras referentes a cada projeto em particular. Não há sequer um documento que mostre tudo o que foi mencionado acima. Para juntar as peças do quebra-cabeça é necessário rever dezenas de documentos oficiais nacionais, regionais e locais, sempre incompletos e contraditórios, inclusive no próprio Ministério dos Transportes e Comunicações.

Obras sem sentido

A verdade é que o povo peruano foi enganado. A Interoceânica Sul, por exemplo, apesar dos dois bilhões de dólares investidos, não aumentou o comércio entre o Peru e o Brasil. Somente serviu para estimular atividades ilegais como a mineração “informal”, adestruição da floresta e ainvasão de territóriosindígenas. Ninguém viu, atéhoje, um caminhão carregado desoja brasileira para serembarcada nos portos do sulperuano, como os políticostanto propagandeavam. Eles seesqueceram do pequeno detalhe:os gigantes Andes, que tornamtécnica e economicamenteimpossível usar esta estradapara o transporte das volumosas commodities brasileiras em direção aos mercados asiáticos. É mais barato dar a volta no continente. A Interoceânica Sul foi um grande negócio para as empresas construtoras, para os banqueiros, os especuladores e,

Vários estudos econômicos demonstraram veementemente que a maioria das estradas construídas ou por construir naAmazônia, incluídas as Interoceânicas Sul e Norte, nãosão rentáveis nem mesmo com base a critérios económicos convencionais, e que são extremamente caras, levando-se em conta os custos de seus impactos ambientais e sociais.

aliás, é claro, para os garimpeiros informais de ouro de aluvião e para os traficantes de drogas.

Vários estudos econômicos demonstraram veementemente que a maioria das estradas construídas ou por construir na Amazônia,incluídas as Interoceânicas Sul e Norte, não são rentáveis nemmesmo com base a critérios económicos convencionais, e que sãoextremamente caras, levando-se em conta os custos de seus impactos ambientais e sociais. Mas isso parece não importar aos governos que tampouco fizeram investimentos colaterais às estradas que permitiriam aproveitá-las.

O custo socioambiental da desordem

As estradas são as que mais avançam sobre o que sobra da Amazônia entre o Brasil e o Peru. Elas são o principal vetor do desmatamento. Abrem a possibilidade de lotear a terra, expandir a exploração florestal e as atividades agropecuárias, a mineração, e

também, facilitam a invasão de terras indígenas e de unidades de conservação. Nenhum país tropical, muito menos o Brasil ou o Peru, conseguiu jamais controlar este processo de ocupação desordenada que termina eliminando ou degradando milhões de hectares de florestas e emitindo centenas de milhões de toneladas de carbono na atmosfera, agravando o fenômeno da mudança climática. A transformação de florestas em terras agrícolas é, sem dúvidas, aceitável onde a capacidade de uso do solo permite, mas deve obedecer à lei.

Tanto a estrada como a ferrovia Yurimaguas-Iquitos cruzariam amaior área úmida do Peru, obras que, além dos custos de construção extravagantes, poderiam por em risco o maior reservatório natural de carbono de toda a América do Sul. A proposta Interoceânica Centro já atravessa o Parque Nacional Serra do Divisor brasileiro e cruzaria o proposto equivalente peruano, que não foi criado precisamente por este fato. Trata-se de um lugar de alto valor por sua biodiversidade e de beleza cênica única, com um grande potencial turístico. Além

Tanto a estrada como a ferroviaYurimaguas-Iquitos cruzariam a maior área úmida do Peru, obrasque, além dos custos de construção extravagantes, poderiam por em risco o maior reservatório natural de carbonode toda a América do Sul.

disso, a estrada colocaria em risco as populações indígenas nativas.

Podem, é claro, parecer inconvenientes as hidrovias e as ferrovias, mas a verdade é que ambas as opções de transporte são notoriamente menos prejudiciais social e ambientalmente doque as estradas. As hidrovias são perigosas na medida em que elas sejam feitas tentando adaptar o rio à navegação, em vez de fazer o contrário, ou seja, adaptando a navegação – embarcações e sua configuração – ao rio. Também são sérios os riscos de poluição por acidentes dos barcos. Mas em geral, os benefícios ambientais das hidrovias são enormes.

As ferrovias têm impacto na etapa de construção, mas se reduzem muito durante a operação. Ferrovias e hidrovias são muito eficientes em termos de consumo de energia e de contaminação atmosférica, especialmente se comparamos ao transporte por estradas. Mas, as vantagens ambientais das ferrovias e hidrovias dependem muito de onde se estabelecem asestações ou os portos, já que, geralmente, a partir destes lugares aparece uma rede de estradas.

Usando um pouco de bom senso

As conexões entre o Peru e o Brasil devem ter uma clara justificação econômica. Antes de começar a construí-las, deve se saber exatamente para que serão feitas. Se fosse verdade, como afirmam os políticos brasileiros, que para as exportaçõesde commodities brasileiras para a Ásia é vantajoso encurtar o caminho através dos Andes, deve ser demonstrado que o tipo de via a construir vai permitirque este transporte sejaeconomicamente viável.

Com a carga de commoditiesvolumosas, a única opçãodisponível para atravessar a Cordilheira dos Andes até os portos do Pacífico no Peru é uma estrada de ferro. E a verdadeé que o único passo andino que permitiria fazer isso economicamente seria o Passo de Porculla, a menos de 2.200 metros acima do nível do mar. Qualquer outro passo exigiria que as cargas subissem até 4.000 metros acima do nível do mar.

(...) das várias propostas de novas vias que existem entre o Brasil e o Peru, somente tem lógica a hidrovia ou uma estrada de ferro.

Já na parte amazônica a carga pode continuar por ferrovia ou por hidrovia.

Ou seja, das várias propostas de novas vias que existem entre o Brasil e o Peru, somente tem lógica a hidrovia ou uma estrada de ferro. A última, se se justificasse, poderia chegarsó até o começo da hidrovia (em Saramiriza ou em Yurimaguas) onde recolheria as cargas que chegam por via fluvial desde o Norte do Brasil e/ou pode continuar ao Sul, descendo pelo valede Huallaga e passando por Pucallpa, onde entraria no Brasil para receber cargas do oeste da Amazônia brasileira (Rondônia,Acre e talvez Mato Grosso). Este é o caminho da já mencionada Via Férrea Transcontinental Peru-Brasil, a Fetab. Um trem que passe perto ou dentro dos parques nacionais Serra do Divisor, brasileiro e peruano, poderia, com pouco investimento, se transformar em um importante atrativo turístico internacional.O Fetab também aumenta sua viabilidade econômica a partir do fato antes citado, de que em Bayóvar existem enormes jazidas de fosfatos que o Brasil precisa para manter sua agricultura de exportação e que as empresas brasileiras já estão explorando. Este fato assegura, para justificar a obra, carga de ida e volta. É claro que a partir desta matriz ferroviária é possível realizar toda classe de ramificações dentro do Peru, de acordo à necessidade.

Dito de outra forma, em médio prazo, as conexões com o Brasil deveriam ser limitadas às já existentes Interoceânica Sul, a via bimodal Interoceânica Norte, que inclui a Hidrovia Saramiriza/Yurimaguas-Iquitos-Manaus, e no futuro próximo, á mencionada ferrovia Fetab. Não seria necessário nada mais e isso já seria muito.

No longo prazo, pode ser necessário ou se justifiquem outras conexões. Tomara que quando chegue a hora de construí-las, o Peru e o Brasil estejam melhor equipados para prevenir que como, até agora, essas vias signifiquem desordem, desperdício e degradação em vez do tão ansiado progresso.

Saiba maisMarc J. Dourojeanni. 2006. Estudo de caso sobre a Estrada Interoceânica Sul na Amazônia Sul do Peru. Bank Information Center,

Conservation International, Derecho Ambiente y Recursos Naturales y ProNaturaleza, Lima, 103p.

O caso da estrada Iñapari-Puerto Esperanza Marc Dourojeanni – O Eco, Rio de Janeiro 10/07/2012

Dias atrás foi conhecido o projeto de Lei N0 1035/2011-CR que propõe que seja declarada de Interesse Público e Necessidade Nacional a construção de uma estrada ou linha férrea entre Iñapari (Tahuamanu, Madre de Dios) e Puerto Esperanza (Purús, Ucayali). Esta via, bastante longa, seria completamente paralela à fronteira com o Brasil e atravessaria o Parque Nacional Alto Purús, afetando também a Reserva Comunitária Purús. Além disso, nessa região existem índios em isolamento voluntário.

A proposta é justificada da seguinte maneira: 1) pelo indiscutível isolamento da pequena população residente nessa remota ponta do território peruano, e 2) a perda da identidadenacional que essa população estaria sofrendo. É verdade que a cessão de imensos territórios peruanos ao Brasil, como consequência de tratados vergonhosos assinados há mais de um século, deixou uma fronteira com linhas angulosas que abandonou esse pedacinho de terra peruana no meio do Acre, queagora é brasileiro. Por isso, é verdade que alguma coisa deve ser feita a favor dessa população, que com tanta dificuldade continua sendo peruana.

Mapa do trajeto da estrada Iñapari-Puerto EsperanzaMapa do trajeto da estrada Iñapari-Puerto Esperanza

Riscos da Proposta

Os autores do projeto reconhecem implicitamente que sua proposta é muito perigosa. Frente à evidência da destruição sem precedentes da Amazônia peruana, que no final do ano 2000 já havia perdido e desperdiçado mais de 7 milhões de hectares das suas florestas, dos quais menos de um milhão são usados para agricultura e pecuária, onde não se consegue resolver os problemas de mineração ilegal de ouro, nem controlar o aumentoexplosivo de plantações de coca, eles pretendem garantir que, neste caso, isso não acontecerá porque o artigo 3 do projeto afirma que “se proibirá toda atividade econômica, sob responsabilidade civil ou penal”.

Merece aplausos o fato de que os proponentes se preocupem com esse tema crítico. Mas os autores do projeto esqueceram de queno Peru existem muitas leis, há mais de uma centena de anos, que proíbem sob penas severas, invadir terras públicas e privadas, extrair madeira sem autorização, matar indígenas, caçar sem permissão, extrair ouro e outros minerais sem concessões, etc. Jamais, nunca, em nenhum lugar da nossa floresta nem nos outros países amazônicos, essas leis foram sequer parcialmente cumpridas. Ao redor de Iñapari já estão concentrados milhares de garimpeiros de ouro, desmatadores ilegais de cedro e mogno e camponeses de Puno e Cuzco ávidos por terras. Então, não existe nem uma dúvida de que uma estrada entre Iñapari e Purús será o fim do parque, de seus indígenas isolados, de sua maravilhosa diversidade biológica ede seu tremendo potencial econômico para o turismo.

Parque Nacional do Alto Purus (Foto: Divulgação)Parque Nacional do Alto Purus (Foto: Divulgação)

Equívoco

A menção que os autores fazem sobre os parques nacionais de países desenvolvidos, como o famoso Parque Nacional Yellowstone, onde existem várias estradas asfaltadas, é válida. É verdade que estradas e parques nacionais podem conviver. Inclusive, as áreas protegidas precisam de estradas para a visitação e para o controle. Mas, nenhum cidadão americano instala plantações de milho, caça bisões, introduz vacas, extrai madeira ou busca ouro em Yellowstone. O Peru

precisa ainda de muitas décadas de educação cívica para a população se comportar assim. Mas, se há a pretensão de fazer disso uma realidade, deveria-se começar pelo financiamento adequado do sistema nacional de áreas naturais protegidas, quesobrevive essencialmente da caridade internacional, a qual paga mais de 80% de seus custos.

Financiar adequadamente as áreas naturais protegidas é, sem dúvidas, uma questão de “interesse público e necessidade nacional”. Mais ainda, como todos os países o fazem desde que o Perito Moreno delimitou os grandes parques nacionais argentinos, os parques peruanos, sim, respondem a critérios geopolíticos. O Parque Nacional de Alto Purús mais que nenhum outro.

A opção por uma via férrea seria diferente. Outra vez, devemosreconhecer que os autores do projeto foram cuidadosos e pensaram muito antes de fazer o projeto. Não existem dúvidas de que uma linha férrea poderia acabar com o isolamento, fomentar o turismo, e também evitar ou controlar a depredação.Mas, se já é difícil, ou talvez impossível em prazos previsíveis, justificar economicamente uma estrada, fazê-lo para uma ferrovia, embora desejável, é uma utopia, a não ser que o critério geopolítico se sobreponha a qualquer outro e haja alguém disposto a pagar a conta.

De qualquer jeito, o projeto já enfrentou oposição, inclusive local. Tanto a Aidesep regional (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), como o Município de Tahuamanu e a Comissão Ambiental Regional de Madre de Dios se opuseram com argumentos sólidos. O projeto é defendido, obviamente, pelos grandes interesses madeireiros nacionais e regionais, embora sem que se exponham. Curiosamente, o projetotambém é apoiado com ardor pela Paróquia de Purús.

Degradação certa

Dada a certeza de que a estrada, além dos problemas ambientais, causará problemas sociais gravíssimos, como tem acontecido com todas as outras, é difícil entender essa posição. Essa rodovia, sem dúvidas, reúne as condições para proliferar cultivos ilegais e para o narcotráfico e o

contrabando, entre outros males sociais.Então, se uma estrada é arriscada e cara, e uma ferrovia é economicamente inviável, qual é a solução? Ela existe sim. Durante muito tempo, houve na Amazônia peruana um serviço chamado de cívico, que oferecia às comunidades isoladas voos gratuitos ou subvencionados. Os governos das últimas três ou quatro décadas abandonaram completamente essa prática, deixando os povos isolados à sua sorte. Este tipo de apoio, bem organizado, é a melhor solução no curto e médio prazo paraPuerto Esperanza e outras localidades igualmente isoladas. É barato e pode ser combinado com o turismo, que financia o custo de viagem da população local. Fazer isso implica, claro,melhorar a infraestrutura turística da região, incluindo saúde, educação, etc., e como já foi dito, habilitar o Parque Nacional de Alto Purús, que está quase abandonado. Talvez, depois de alguns anos de promoção do turismo internacional, sejustifique construir um trem panorâmico entre Iñapari e PuertoEsperanza.

Um argumento importante é que a população de Purús não tem porque subvencionar, com seu sacrifício, o bem-estar dos outros peruanos. Isso é correto. As florestas de Purús, além de biodiversidade, armazenam enormes quantidades de carbono que, permanecendo assim, evitam agravar as mudanças climáticas. Isto representa bilhões de dólares em negócios de carbono ligados a evitar o desmatamento e a degradação, visto que já existem diversas opções disponíveis no mercado. O governo deveria iniciar imediatamente os estudos que permitam transformar isso em realidade e reinvestir o resultado em Purús, em Puerto Esperanza e em outras localidades tradicionais ou indígenas, e obviamente, no próprio parque nacional.

Sem dúvida, a geopolítica está por trás desta proposta. E essapreocupação também é justa. Mas espanta que depois de declarar-se de “utilidade pública e necessidade nacional” entregar a melhor parte de nosso potencial hídrico energético ao Brasil (Inambari, Paquitzapango, etc.), e estando o Congresso agora mesmo revisando um acordo sobre esse mesmo tema, esteja se preocupando com o Alto Purús. Do jeito que vãoas relações entre o Brasil e o Peru, a melhor maneira para unir Iñapari com Puerto Esperanza é através do Acre,

alternativa que reduziria a obra pela metade e, pelo menos, deixaria os danos ambientais do outro lado da fronteira.