estética e ideologia no marxismo
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ESTÉTICA E IDEOLOGIA NO MARXISMO
Guilherme Celestino
Graduando em Filosofia na UFRJ
Resumo: O contexto de uma sociedade de consumo determina decisivamente o modo como se dá a produção e a recepção das obras de arte. A tradição da crítica cultural marxista nos abre uma perspectiva de investigação estética que situa a produção cultural na sua dimensão social e nos compromissos ideológicos que por ela são estabelecidos. A base dessa tradição crítica é a análise de Marx da mercadoria vinculada ao fenômeno do fetichismo, e a crítica ideológica que visa a apreender os elementos culturais responsáveis pela dominação política. Neste breve ensaio, busca-se apreender tal dinâmica segundo a conceituação dos pensadores da Escola de Frankfurt, empreendida sobretudo na primeira metade do século XX. Buscaremos também constatar como em alguns pontos seus conceitos precisam ser atualizados e/ou reformulados para dar conta da dinâmica da produção cultural no contexto atual de capitalismo global.
Palavra-chave: Estética. Cultura de massa. Fetichismo da mercadoria. Ideologia.
Abstract: The context of a consumer society decisively determines how the production and reception of works of art. The tradition of Marxist cultural critique opens up a research perspective that places aesthetic cultural production in its social and ideological commitments. The basis of this critical tradition is Marx's analysis of the commodity that binds to the phenomenon of fetishism, and ideological critique that aims to learn the cultural elements responsible for political domination.
Keywords: Aesthetics. Mass culture. Commodity fetishism. Ideology.
Introdução
Vivemos hoje em uma sociedade de consumo, onde o hábito de consumir faz
parte de nosso cotidiano; a maneira como realizamos nossas necessidades dependem
diretamente do consumo, mas também a maneira como nos relacionamos com aqueles
objetos que não têm serventia prática, as obras de arte, também passam a fazer parte
dessa dinâmica do consumo. A arte no mundo de hoje passa a ser, em grande parte,
"mercadoria cultural". Um tipo privilegiado de mercadoria, mas ainda assim uma
mercadoria. Contudo, o que nos permite pensar que a cultura, em especial a arte, possa
se tornar um produto mercadológico de consumo? O que se “perde” de experiência
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estética genuína e da capacidade criativa da arte quando a ordem do mercado se torna
determinante para ela? E, por outro lado, nesse mundo do consumo, como seria possível
uma arte que não esteja submetida e possa lhe fazer resistir e fazer crítica?
Bem, essas questões nos levam a dois domínios teóricos que se cruzam: um
primeiro que tenta responder como funciona o sistema capitalista, que reduz todo tipo
de relação social e humana à forma da mercadoria que pode ser denominado por
economia política; e um segundo que busca dar conta dos aspectos históricos e sociais
determinantes dos modos de vida e uma sociedade, ou seja, o que faz uma determinada
cultura ser de determinado jeito, o que define uma crítica social que no caso marxista é
sempre uma crítica ideológica. O primeiro campo se confunde com a investigação que
Marx faz em O Capital sobre as bases econômicas da sociedade e se prolonga na
tradição que hoje chamam de marxismo, entendido como crítica á economia política. O
segundo seria um campo mais amplo, que estuda o que Marx e Engels chamam, de
Ideologia, e envolve a dimensão cultural relacionada intimamente com a base
econômica, e por isso tende a envolver outros campos epistemológicos como o do
inconsciente psicanalítico, a forma estética segundo uma teoria literária, e outras
tendências que divergem entre os teóricos da sociedade. Da intercessão dos dois temos
uma linhagem de crítica cultural de inflexão marxista.
A crítica cultural de maneira geral diz respeito à apreciação e à análise de obras
culturais que buscam apreender seus significados mais relevantes segundo determinados
pontos de vista. No caso, com a tradição marxista, a crítica cultural assume, através da
leitura de obras culturais e artísticas, uma função de leitura do próprio tempo presente
no qual se insere a obra. A função crítica nesse sentido não se restringe à análise e
percepção das qualidades estéticas de uma obra, sua pertinência e valor artístico etc.
Deste modo, a interpretação de um filme, peça de teatro ou romance, assume um papel
de diagnóstico do mundo onde aquela obra é feita e recebida por determinado público.
Escola de Frankfurt, uma retomada crítica
Para a teoria crítica social desenvolvida pela Escola de Frankfurt, a arte pode ser
analisada a partir da sua inserção na sociedade de consumo. Assim, antes de pensar a
significação estética e artística de uma obra, deve-se enfocar a ideologia que a produziu
e que, querendo ou não, ela tende a reproduzir. Os frankufurtianos são bem coerentes à
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ideia marxista de que um produto qualquer sempre leva consigo as marcas do sistema
que o engendrou. O grande mérito de Adorno, Horkheimer, Benjamim e Marcuse está
no que eles conseguiram diagnosticar na atualidade histórica (deles), a saber, a íntima
correlação entre a ascensão do totalitarismo na Europa e o rápido desenvolvimento dos
estúdios de Hollywood. Em ambos os casos há a emergência de um tipo de sociedade
onde os meios de comunicação de massa ganham um papel decisivo, constituindo um
lugar em que tanto se forja esteticamente um gosto, como se favorece a dominação
política seja em regimes de exceção ou democráticos.
A arte, nesse contexto, aparece segundo os ditames da cultura de massa que
acaba favorecendo a consolidação do totalitarismo, assim como da sociedade de
consumo (o que para muitos autores são duas faces do mesmo sistema, o capitalismo).
Totalitarismo entende-se aqui qualquer forma de regime que suprime as liberdades
individuais em nome de um projeto nacional, ou de uma máquina burocráticas, como foi
o caso da Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, e a União Soviética de Stalin.
O enfoque da Escola de Frankfurt dado às formas artísticas ressalta nelas a
função ideológica que introjeta no indivíduo a organização social. Contudo, se a Escola
converge na orientação geral da crítica cultural das obras de arte, não podemos dizer o
mesmo quanto às teorias desses autores, que situam suas análises em perspectivas
divergentes, embora essas não cheguem a formar grandes contradições.
Para ficar num exemplo dessa divergência, tomemos Adorno e Benjamim.
Ambos, estando muito bem situados no seu tempo histórico, discutiam o significado
cultural das vanguardas, discordando explicitamente em alguns pontos: Adorno
querendo defender a autonomia da obra de arte, o que se conquista a seu ver na maior
parte das vezes por propostas que expressamente se afastam da "comunicabilidade"4,
forma que os meios de comunicação de massa praticam formatando seus conteúdos; já
Benjamim tende a ver a vanguarda no engajamento popular da arte5. Ambas as posições
não fazem sentido no contexto atual nosso, quando a chamada alta cultura não faz mais
fronteira com a cultura de massa, e não tem nada que seja "popular" ou "folclórico" que
não esteja vinculado ao circuito econômico global. A questão atual da orientação da (((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((4 Cf. “O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição”. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987b. 5 Cf. "O autor como produtor. Conferência pronunciada no Instituto para o Estudo do Fascismo, em 27 de abril de 1934". In: Benjamin, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 120-136. [Obras Escolhidas, v. 1]
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produção está mais em como constituir políticas públicas que favoreçam certos níveis
das indústrias (gravadora VS casa de shows), certos tipos de produção (majors VS
independentes), formas de circulação (distribuidoras VS internet) e por aí vai. A própria
formação estética do artista, no contexto pós-modernista, evita que um circuito erudito
não esteja permeado pelo popular etc.
O filósofo contemporâneo Zizek retoma os princípios desse pensamento através
de uma crítica contundente, atacando algumas premissas comuns a esses pensadores,
não por mostrá-las infundadas, mas por mostrar como são insuficientes do ponto de
vista filosófico para dar conta de uma crítica da ideologia6. Se ele estiver certo,
Frankfurt foi capaz de perceber apenas as condições negativas do domínio ideológico do
capitalismo, como no caso que nos interessa: a função narcotizante da indústria cultural
que produza conformismo; distração das massas pelo cinema (e mídia em geral),
fortalecida pelo culto aos ídolos pop e da política; a erotização da repressão etc. Todavia
eles não conseguem deixar claro, no caso específico do nazifascismo, o que faz adesão
efetiva, algo da própria estrutura ideológica que faz com que tais sujeitos não apenas
temam, se equivoquem, sejam manipulados etc., mas antes o que faz com que desejem
ativamente, como sujeitos efetivos. o domínio do nazifascismo. A crítica de Zizek é que
os pensadores da Escola de Frankfurt não concebem um sujeito (inconsciente) da
ideologia.
Ao enfocar o aspecto "narcotizante" que produz o "conformismo social", Adorno
ressalta um aspecto cognitivo, diferente de Benjamim que traz a própria questão da
recepção estética do cinema que facilita a dominação, e que também não é exatamente
congruente com Marcuse ao enfocar um aspecto propriamente libidinal da conformação
social. Em todo caso, a arte está na cultura industrial com a função de nos educar para
aceitar líderes e modos de vida. Educação cognitiva, educação estética e educação
erótica. Zizek está em consonância com esses autores ao dizer que o cinema é arte
definitiva, porque é capaz de nos ensinar como desejar. A questão é diferenciar qual
educação estimula a dominação e qual estimula nossa liberdade, pois para Zizek, o
(((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((6 Cf. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. Nesse seu livro de estreia, que reproduz basicamente sua pesquisa no doutorado, Zizek tem como um dos objetivos principais retomar o pensamento da Escola de Frankfurt, especialmente a partir de duas noções "dessublimação repressiva" e "mundo administrado", buscando superar os impasses que limitaram tais teorizações quanto a uma teoria da ideologia, partindo da hípótese Lacan-Hegel que articula a dialética da ideologia segundo o modelo da "significação retroativa" da clínica psicanalítica.
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cinema pode trabalhar nesses dois sentidos antagônicos dependendo da capacidade
poética de seus realizadores.
Crítica da ideologia e do fetichismo da mercadoria
Os esforços no sentido de apreender a dimensão ideológica na produção artística
e cultural tem sua origem no tipo de análise que o próprio Marx inaugura ao criticar a
ideologia liberal presente na filosofia de seu tempo7. Assim como o pensamento
marxista, o pensamento liberal é de certo modo revolucionário, ele produz uma teoria
vinculada ao mundo e nos diz como deve ser o funcionamento do Estado legítimo numa
sociedade juridicamente estruturada. A teoria liberal quer ao mesmo tempo explicar o
funcionamento da sociedade e influenciar a produção de um Estado de Direito;
concretamente, os liberais apoiam as revoluções burguesas que destituíram do poder a
monarquia absolutista.
Porém, como diz no Manifesto Comunista, a burguesia se constituiu como classe
de maneira revolucionária, mas interrompe sua revolução num ponto: se ela foi capaz de
tornar mais igualitário os processos de tomada do poder político nos governos,
conduzindo para construção dos estados nacionais, não o foi tão radical quanto aos
meios de produção. A crítica ideológica se torna uma ferramenta teórica fundamental;
por ela é preciso mostrar as contradições dos liberais em ato. Basicamente, a
argumentação liberal se apoia numa compreensão da "natureza humana", e a crítica
marxista se empenha em mostrar como os atributos atribuídos ao homem são de fato
pertencentes a uma classe, a dos que dominam e exploram a classe trabalhadora.
Não basta a análise marxista dizer que há a exploração baseada na expropriação
do trabalhador, mas que se tal fenômeno é tão difícil de perceber, grande parte disso é
porque ele está sendo constantemente sendo ocultado (freudianamente dizendo,
recalcado) especialmente pelo discurso ideológico da filosofia liberal que, por cinismo
ou ingenuidade, faz da propriedade privada um dado da natureza humana. Mas Marx
pensa que a forma de transformar as coisas depende primeiramente em desmistificar a
compreensão de propriedade, mostrar como ela foi construída historicamente, e que,
portanto está em constante transformação e assim, não precisa se manter inabalável e
pode ser modificada. (((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((7 Cf. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1989.
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A crítica assim evidencia que ninguém é capaz de formular uma teoria
metafísica sem apoio na realidade concreta. Um filósofo em seu pensamento abstrato
sobre como funciona mecanismos da realidade suprassensível acaba por reproduzir, por
exemplo, a maneiro como o trabalho funciona e é concebido socialmente. Há um
processo "oculto" que opera pelos indivíduos, nas suas escolhas individuais, que,
todavia não refletem o seu discurso consciente. Esse processo é propriamente
inconsciente. A teoria crítica da cultura busca apreender esse inconsciente político que
opera na vida dos sujeitos, e se manifesta sobejamente pelos mais variados tipos de arte
e por tudo que é vinculado aos meios de comunicação de massa.
A crítica cultural que podemos ver na Escola de Frankfurt, nos Estudos Culturais,
no Pós-modernismo e na Escola Eslovena está afinada com a tarefa de Marx na sua
crítica ideológica da filosofia liberal, associando ao discurso que está sendo analisado as
condições econômicas e sociais que sustentam esse mesmo discurso e como esse
mesmo discurso, num nível formal abstrato, tende pelo menos a reproduzir as dinâmicas
das relações sociais que servem de base. Ir ao cinema nunca é um ato sem significação
política, um filme tende a nos levar a dar assentimento ao modo de vida da classe
dominante quando tem um discurso reacionário, ou nos leva a questionar esse modo de
vida, quando progressista.
Adorno, por exemplo, está interessado em sua crítica da música em entender o
que significa dizer nos dias de hoje que se “gosta” de uma música. Ele percebe que
quando você pergunta a alguma pessoa se ela gosta de alguma música, ela responde:
"sim, é claro, ela é bem famosa". Há certo esquema no chamado "gosto médio" do
público onde ser bom se torna sinônimo de ser célebre. No fundo, o sujeito do gosto
médio reflete sem mediações simbólicas aquilo que lhe é imposto pelo mercado. A
crítica de Adorno é mostrar como a própria estética das produções culturais é pré-
moldada pela Indústria Cultural que está interessada não só em vender ominosamente
seus produtos, mas em manter o estado de coisas, educando o gosto das massas.
Não só Adorno, mas também a escola de Frankfurt em geral, constrói um sólido
campo de análise e crítica da sociedade a partir de certos princípios teóricos marxistas.
Vimos em linhas gerais como se estrutura sua crítica á ideologia, vamos acrescentar a
isso a sua análise da mercadoria – como um determinado produto do trabalho humano é
capaz de se equivaler a todos os outros de modo que possamos lhe atribuir um “preço”?
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Marx observou que o principal fator que dinamiza e estrutura a economia é a
"mercadoria" na medida em que esta em sua "forma" estabelece padrões que
determinam as formas sociais concretas, isto é a maneira como os indivíduos vão se
relacionar em sociedade, e também a maneira como esses próprios indivíduos vão
enxergar o mundo desde o ângulo predeterminado por essa "forma social". O problema
que se forma também nessa dinâmica entre estrutura econômica (questão econômico-
política), relações sociais (questão sociológica), e visões de mundo (questão cultural) o
processo de reificação e alienação.
Temos a reificação quando se trata do que é abstrato ou subjetivo por natureza,
"como se fosse" algo concreto e objetivo, e alienação quando o tratamento que a "coisa"
nos obriga a assumir é uma perspectiva descolada da realidade da própria coisa. Por
exemplo, o "fetiche" provocado pela "forma mercadoria": espontaneamente sabemos
que o valor de troca de uma mercadoria deriva das flutuações de mercado que conferem
um preço que representa certa quantidade de trabalho que a originou, ou seja, que o
"preço" é uma resultante de um complexo sistema social; porém, quando consumimos
um produto "não queremos nem saber" do que se trata, podemos verbalmente expressar
que o valor de uma mercadoria é o trabalho social reificado, mas não dá para pensar isso
enquanto tomamos uma coca-cola e a desejamos por aquilo que ela é e vale em si,
naquela lata, seus três reais.
Lidamos como se o custo de uma lata de coca estivesse todo materializado
naquele ato de comprá-la, a consumimos porque de algum modo acreditamos que seu
valor transcende aos R$3,00 investidos. Por outro lado, o gozo que obtemos não deixa
nunca desaparecer sob si o dinheiro investido, sem, todavia revelar o trabalho que a
originou. Da mercadoria emerge um fetiche, resultando da reificação social, e por sua
vez o ato de consumo da mercadoria instaura um campo de miragem, da onde se passa a
enxergar o mundo desde os valores invertidos que a complexa dialética capitalista
impõe entre valor de uso e valor de troca. Essa miragem chama-se ideologia, e a crítica
cultura pretende atravessá-la num sentido não apenas teórico, mas também prático e
político.
A grande contribuição da Escola de Frankfurt está em perceber a reificação da
sensibilidade no sujeito moderno. (Um resultado catastrófico do projeto de emancipação
do homem chamado "iluminista"). Não se trata apenas do trabalho produtivo que é
expropriado pela ordem do capital, mas a própria produção subjetiva, nossas formas de
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ver, sentir, compreender o mundo são apropriadas pela lógica mercantil. Benjamim:
perda da aura, estetização da política.
O principal efeito estético que é buscado pela cultura de massa e indústria
cultural é o do divertimento, do prazer pela dispersão. Podemos traçar um parelho da
situação da vida contemporânea com a antiguidade clássica. Toda educação grega
clássica está voltada para uma orientação da vida emocional e dos prazeres estéticos no
sentido de desenvolver uma atitude contemplativa e reflexiva, apoiando-se muitas vezes
nas tecnologias subjetivas (como escrita sistemática de cartas, exercícios espirituais etc.)
que desenvolvem maneiras de evitar a dispersão do pensamento. Com o advento da
Indústria cultural, observa-se a fixação de prazeres exclusivos do entretenimento que
estruturalmente se afastam daqueles prazeres e emoções ligados às virtudes e
contemplação. A cultura de massa para um senso clássico é aquela que deseduca.
Atualização da crítica no contexto da Globalização
A grande questão comum nos autores da Escola de Frankfurt é "como é possível
haver o estético numa sociedade comandada pelo capital?"; questão que se desdobra em
duas: "onde encontramos a genuína produção artística?" e "o que faz tão difícil
encontrá-la na era do capitalismo?". O comum é esse projeto de uma teoria estética
colocar-se como fonte da crítica desfetichizante, da crítica da cultura de massa. Mas,
hoje, após o fim da arte parece que esses temas se tornaram obsoletos em alguns
aspectos. Não que esses pensadores tenham deixado de ser fundamentais para as
discussões da arte, hoje. Mas a visão completamente negativa, alienante da cultura de
massa como indústria cultural, reprodutibilidade técnica, ou cultura dessublimadora,
mostra como a tecnologia e a dominação política produzem formas reificantes de
cultura.
Hoje, na era da globalização, muitas vezes a posição frankfurtiana acaba se
revelando por demais unilateral e pouco sensível às nuances da produção de
comunicação e arte que são possíveis pelos diversos tipos de mídias de massa. Convém,
portanto, entender que os meios de comunicação e a cultura de massa assumem um
papel mais amplo no mundo de hoje, o que circunscreve as propostas estético-políticas
da Escola de Frankfurt no seu contexto histórico. Por outro lado, as análises
frankfurtianas apresentam incongruências conceituais situadas nos limites de suas
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abrangências: a análise do fetichismo, restando à crítica cultural atual superar alguns
impasses dessa tendência teórica. Jameson, ao trazer a conceituação de Adorno8, revela
como o aspecto "negativo" dessa é ainda bastante atual, porém sua caracterização
positiva é problemática. Ao mostrar como a cultura de massa trabalha no sentido da
conservação do status quo, a chamada arte séria não pode ser considerada algo tão
separado e autônomo como gostaria Adorno.
Adorno recorre basicamente à análise do fetichismo da mercadoria estética,
destacando o uso manipulatório com que a indústria cultural opera a lógica da
apreciação da obra de arte na cultura de massa. A arte no contexto da cultura de massa
se vincula estruturalmente ao entretenimento, que não passa de um dispositivo onde
levas de trabalhadores “repõem suas energias” sem se dar conta que estão sendo
restringidos a gostar de coisas preparadas não só para lhes agradar, mas para lhes educar
as formas de se sentir agradecido. O rádio é um exemplo do autoritarismo disfarçado de
liberalidade, pois quando ligamos um rádio temos a “liberdade” de escolher a estação no
dial, não nos damos conta que a programação, todavia, é decidida de maneira impositiva
e violenta.
Algo que também avança à exploração imagética de simbolismos inconscientes,
reforçando os recalques que sustentam o status quo. Benjamin fala da estetização da
política, de como a obra de arte no contexto massivamente tecnológico da produção e
reprodução de imagens pelos meios técnicos, onde ela perde sua raiz na tradição e
desloca seu valor de culto para "seu redor", o ídolo, a vedete, o ditador. E, em Marcuse,
há a percepção da perda do caráter afirmativo da cultura, desenvolvida no mecanismo
da dessublimação repressiva da libido. Em cada uma das análises estamos às voltas com
uma dimensão onde a reificação avança: o prazer estético, o olhar contemplativo, o
desejo sexual.
Jameson aponta como a Escola de Frankfurt não consegue fugir às suas
determinações históricas no debate acerca da relação entre meios de comunicação de
massa e produção estética. Hoje, na era da globalização não se trata de opor à reificação
estética uma estética autêntica que pouco a pouco desaparece sob o avanço do capital.
Para Jameson, tais autores são competentes ao descrever os aspectos negativos do
processo de reificação estética: alienação do prazer estético, do olhar na imagem (((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((8 “Reificação e Utopia na Cultura de Massa”, In: Revista Crítica Marxista, vol. 1, no 1, São Paulo: Brasiliense, 1994.
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reproduzida mecanicamente, do conteúdo utópico na repressão dessublimadora da libido
sexual – mas não o positivo, que seria a produção estética afinada com as
transformações sociais e que são capazes de estimular a crítica e o florescimento de
ideologia.
Adorno quando fala do que foge à reificação, acaba produzindo uma estética
bastante conservadora em certos pontos. Para Jameson, a globalização econômica
trouxe o paradigma da pós-modernidade na cultura, a produção estética nunca é algo
completamente alienante, tampouco ela poderia ser completamente "afirmativa"
somente através da alta cultura (Adorno, Horkheimer, Marcuse) ou do engajamento
político da arte (Benjamin). Jameson, buscando-se afinar com a dominante cultural da
pós-modernidade, defende uma teoria estética não mais vinculada a qualquer forma de
“realismo” que ainda seria valorizado no “modernismo”, apostando assim nas propostas
híbridas que caracterizam parte da produção significativa em arte contemporânea.
Jameson valoriza as experiências da videoarte, justamente por serem capazes de
explorar as fronteiras da especificidade do meio – questão que seria intransponível para
a teoria estética de Adorno que insistia que um meio “musical” que jamais poderia ser
traduzido em um “pictórico”, por exemplo.
***
“Indústria Cultural” aparece como uma noção crítica que tende a dar conta da
cultura nas sociedades de consumo ou capitalistas. Fala, por um lado, como essa
indústria a formatar os bens culturais de modo a educar/doutrinar a sensibilidade de seus
consumidores segundo determinada lógica cultural, por outro, como tende veicular a
essa forma um conteúdo ideológico que propicie a dominação política e reproduza
socialmente as condições dessa dominação. Algo que se dá a céu aberto nos regimes
totalitários, quando por meio da comunicação de massa desenvolvem a adoração ao
líder político, configurando o que se convencionou chamar de “dogmatismo amoroso”,
como o que ocorre nos regimes democráticos, onde o comportamento consumista é
ensinado não por meio de propaganda explícita, mas da comunicação midiática em geral.
A questão para esses autores é de como filmes, canções, programas de rádio e tv,
aparentemente inocentes são capazes de educar para o consumismo e fortalecer certas
ideologias políticas. Diferentes respostas diriam Adorno, Jameson e Zizek, mas todos
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concordam em que “sim, a arte educa e deseduca”, mas discordam no “como” isso se dá.
O foco de Adorno é a modificação doutrinária da sensibilidade – a formação do gosto
pela indústria do entretenimento que “amortece os sentidos e o pensamento crítico” e a
trincheira que a arte de vanguarda faz em resistência a esse processo. Jameson aponta
para a questão da “dominante cultural”, enquanto Zizek se centra na “interpelação
ideológica”.
Na era da globalização, vive-se sob o domínio de uma lógica cultural outra que a
do modernismo, onde a maneira de Adorno fundar sua crítica entre vanguarda e cultura
de massa deixa de fazer sentido, na medida em que esses polos deixam de existir, ao
menos em estado “puro”.
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