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73 DISCURSO E IMAGEM NOS ENUNCIADOS MATEMÁTICOS Rogério S. Lourenço Introdução Este trabalho busca descrever as relações existentes entre as reflexões sobre a Língua – a partir da linha da Escola Francesa de Análise do Discurso 1 – e o ensino de Matemática. A análise dos enunciados do banco de questões da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) tem como objetivo uma crítica das concepções de ensino; bem como observar a leitura de enunciados contendo gráficos como parte do funcionamento de elementos referentes para a resolução dos problemas propostos durante o evento. O texto será dividido em duas partes. A primeira faz uma descrição panorâmica das relações entre língua e matemática em suas implicações mútuas. A segunda faz uma breve análise de questões envolvendo referentes gráficos no sentido de evidenciar seus aspectos discursivos. 1 O campo de estudos de Análise do Discurso que se caracteriza pelas reflexões de Michel Pêcheux (1997) desenvolvidos no Brasil nos trabalhos de Eni Orlandi (1997) dentre outros.

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DISCURSO E IMAGEM NOS ENUNCIADOSMATEMÁTICOS

Rogério S. Lourenço

Introdução

Este trabalho busca descrever as relações existentes entreas reflexões sobre a Língua – a partir da linha da Escola Francesade Análise do Discurso1 – e o ensino de Matemática. A análisedos enunciados do banco de questões da Olimpíada Brasileira deMatemática das Escolas Públicas (OBMEP) tem como objetivouma crítica das concepções de ensino; bem como observar a leiturade enunciados contendo gráficos como parte do funcionamentode elementos referentes para a resolução dos problemas propostosdurante o evento.

O texto será dividido em duas partes. A primeira faz umadescrição panorâmica das relações entre língua e matemática emsuas implicações mútuas. A segunda faz uma breve análise dequestões envolvendo referentes gráficos no sentido de evidenciarseus aspectos discursivos.

1 O campo de estudos de Análise do Discurso que se caracteriza pelasreflexões de Michel Pêcheux (1997) desenvolvidos no Brasil nostrabalhos de Eni Orlandi (1997) dentre outros.

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Nos meios de comunicação em geral, e nos livros escolaresem particular, a maioria das imagens que ilustram a matemática esua história é composta de bustos de homens célebres ou equaçõesalgébricas extensas, apresentadas como seus feitos: as geometrias,as funções, os teoremas... Na sala de aula, a influência de taisimagens e suas descrições, longe de ser apenas curiosa oupitoresca, reflete, em maior ou menor grau, a forma comoprofessores e alunos concebem a matemática na escola.

Os discursos que reforçam uma visão particularizada dahistória, e do valor dos sistemas de símbolos alfanuméricos, asrepresentações matemáticas, têm base no argumento de que taissímbolos são índices de desenvolvimento cultural. Tal visão,equivocada, ignora que a capacidade de numerosidade, ou seja,ordenar, contar, combinar, medir, calcular e inferir, é inerente, epotencialmente latente, em qualquer grupo. Os modos deexpressão de quantidades e medidas variam enormemente entreas línguas e fatores, como a numerosidade2, manifestam diferentesmodos de lidar com aspectos linguísticos que constituem seussistemas numéricos.

A matemática não é algo raro, somente encontrável emsociedades e personalidades especiais. É uma colaboraçãoimemorial da humanidade3, formulação coletiva e inconsciente deum conjunto de saberes e técnicas. Ainda que com muitas críticasde educadores que não concordam com uma postura excludente,tal distorção no ensino sobre a matemática é hoje largamente aceitanas escolas do mundo todo e, por consequência, no Brasil.

2 O conceito de numerosidade é desenvolvido em Deahene (2011) acercadas capacidades cognitivas relativas à compreensão de quantidades esua representação.

3 What is Mathematics, Really? Hersh (1997).

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Língua e Matemática

A consciência de que a capacidade numérica está relacionadaà capacidade de expressão e comunicação sugere, portanto, que háligações da matemática com outra disciplina: a língua portuguesa.Embora não parecendo de todo improvável, nas relações entre letrase números, os discursos sobre a matemática influenciam no modocomo ela é concebida, pesquisada, ensinada e aprendida.

Assim, por motivos diferentes para professores e alunos,surge uma antiga questão filosófica4, disputada entre os própriosmatemáticos: qual é a melhor maneira de interpretar um enunciadomatemático? Pergunta cotidiana, que serve de critério tanto paraquem formula o problema quanto para quem o aprende.

No entanto, no aprendizado de língua portuguesa, ainda queos numerais formem uma classe gramatical estabelecida, outrosaspectos estruturais importantes, como, por exemplo, a sintaxe(paráfrases, tempos verbais) ou a morfologia (marcações deadequação ao uso) não são explorados no sentido de suasrelações com tal classe. Ainda que estabelecidos, mesmo dentroda linguística, os números ocupam um lugar pouco explorado5.Na formulação de problemas, as construções lexicais usadas comoelementos quantitativos, evidenciam seus funcionamentoslinguísticos característicos, tal como ocorre com verbos, dêiticos,clíticos ou afixos, que podem funcionar como quantificadores emalgumas línguas, como é o caso do português.

Como um outro elemento da combinação de significação esentidos entre língua e matemática, existe a dimensão semântica6.

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4 The philosophy of mathematics. In: The Britannica Guide to the His-tory of Mathematics (2011: 258).

5 “Number is the most underestimated of the grammatical categories”Corbertt (2004: 1).

6 Corbertt (2004: 83).

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Há enunciados que não contêm números explicitamentecodificados, mas termos, cujo sentido expressa as quantidadesdas quais os valores numéricos são depreendidos. Tais fenômenos,aparentes nos problemas de matemática, são também relevantesdo ponto de vista do ensino da língua, quando se trata de anáforas,por exemplo. Logo, os números são palavras que operam, tantode modo funcional, tomando aspectos da gramática, quanto demodo lexical, emprestando substância semântica a objetos econceitos.

Devido aos modos como as possibilidades de relacionar asduas áreas são desencorajadas, reflexo de concepções equivocadastanto sobre a língua, quanto sobre os números, não há muita discussãodesses tópicos relacionais nem em português, nem em matemática.Todavia, contra tais concepções, existe o fato de que toda expressãomatemática ocorre por meio linguístico. De modo que é impossível,em qualquer formulação numérica, prescindir do uso da língua. Damesma forma, os números, ou seu conceito, tampouco existem numsentido puro, absoluto, sem serem discriminados e estarem ligados aum objeto, real ou imaginário, pertencente à língua.

Prosseguindo com o mesmo critério de adequação interpretativadas relações entre a matemática e a língua, assim como todo númeroé uma palavra, toda expressão linguística comporta uma dimensãodiscursiva7. O aspecto dinâmico da comunicação humana, movimentoentre os sentidos e suas referências, extrapola as sistematicidades,tanto da palavra, quanto do número, instaurando uma prática históricanessa relação de produção de conhecimento.

As aproximações e distanciamentos entre aspectos numéricose discursivos serão abordadas com o objetivo de analisar como asconcepções sobre o ensino de matemática e língua portuguesa estãorefletidas nas construções linguísticas das formulações e resoluções

7 Pêcheux (1997: 16).

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dos enunciados de questões matemáticas. As estruturas de cálculos eas regras gramaticais são conhecimentos que alunos apresentamintuitivamente (capacidades verbais e de numerosidade), mas que oscódigos formais tornam complexas de expressar.

Serão buscados pontos de discussão onde acredita-se que adistinção entre os conteúdos de língua portuguesa e de matemática,embora existentes, podem ser mutuamente permeados na medidaem que são conhecimentos interdependentes. Fica no âmbito dadiscursivização, então, definir a discrepância entre o código, o que seformula, e o modo como se procura ensinar, a leitura do enunciado ea expressão da resposta, o que efetivamente se aprende ou se avalia.

Pode ser dito que, diante dessa situação, e a despeito desua estrutura linguística, no conjunto das disciplinas pedagógicas,os números são, de longe, os símbolos que apresentam maiordificuldade de manipulação cognitiva. O discurso sobre estes recai,como aqui se argumenta, em dificuldades de ordem conceitual.Mais que uma questão filosófica, um dos maiores desafios emeducação, tanto nos primeiros anos de formação quanto nassituações onde o aprendizado ocorre na fase adulta, é acompreensão de que deve haver um esforço conjunto para o ensinoformal dos conteúdos de português e matemática.

Deve estar claro que, como mencionado, o melhor modode interpretar uma questão matemática é, de alguma forma, aindaum problema de interpretação de texto, contenham eles númerosou não.

Breve Histórico da Análise Linguística dos EnunciadosMatemáticos

Até agora, delineei aqui, inicialmente, o argumentocompartilhado por diversos estudos, de que para compreendermelhor as relações entre matemática e as formas de interpretação/

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resolução de problemas, é possível olhar para os aspectoslinguísticos para verificar a influência destes na construçãodiscursiva dos próprios enunciados. De modo que tal linha deraciocínio tem várias ramificações por diferentes disciplinas, paraalém da linguística e da matemática, da filosofia, da educação8...

Pode ser feita uma classificação, para fins de breve discussãocrítica sobre os modelos de abordagem teórica do assunto, queestabeleçam uma divisão dicotômica do que se estuda. Consisteem afirmar que existem disciplinas que se dividem entre exatas ehumanas. Tal dicotomia, como a que vem sendo observada entrematemática e língua portuguesa, pode ser expandida para muitosoutros campos epistemológicos.

Dizer que há uma dimensão linguística e, portanto, discursiva,não apenas no ensino, mas na própria Matemática, pode soar, senão for feito com alguns cuidados, algo despropositado. Significaflexionar, criticamente, um conjunto de saberes que se quer, e tema consideração de ser, imutável. E o é, na medida em que amediação do espaço for sempre a mesma, como foi com ageometria euclidiana. Isto, pelo menos, até o surgimento dageometria não euclidiana. O que se critica, por meio da análisedos enunciados de problemas escolares de matemática, é o fatode que, ainda que haja a possibilidade de sistematicidades, estassão decorrentes, ou de modelos, ou de escolhas que têm comofundamento crenças desta ou daquela concepção e método.

De maneira panorâmica pode-se observar como tem sidotratado o assunto de como interpretar enunciados matemáticos.Notável a enorme convergência de questionamentos, como osfeitos pelos matemáticos, vindos de áreas distintas. A própria

8 Não será possível, neste espaço, tratar nem mesmo da maioria delas.Contudo, no que se aplica ao campo discursivo, será feito um brevehistórico do que seja pertinente à presente argumentação.

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educação, fazendo a estrutura fundamental rumo ao currículomatemático, mostra que é interdependente, desde sua concepção,a possibilidade de tal aprendizado.

Como se afirmou inicialmente, as concepções equivocadassobre a matemática geram abordagens teóricas dicotômicas;dificultam que o ensino da língua como ferramenta na solução deproblemas de matemática possa ser, mais que discutido, admitidoou conceituado, implementado de modo explícito.

Corroborando essa crítica, que pode ser lida em Cagliari (2000),para quem a falta de pesquisas sobre as influências de tais relaçõesindica que, não raro, os problemas dos alunos com a matemáticapossam ser de ordem interpretativa, e não da ausência de um “domnatural” para os números. Desse modo, observa que:

Se analisarmos, por exemplo, as dificuldades reais que amaioria dos alunos tem para resolver provas, vamosdescobrir que o problema não está na falta deconhecimento do aluno e sim no impasse linguístico criadopela formulação das questões que lhe são apresentadas;gostaria que os linguistas, por exemplo, pesquisassemlivros e provas de matemática para analisar essa questão.Tenho feito algumas investigações ou constatações apartir das dificuldades do meu filho e pude ver que acriança sabe somar, diminuir, multiplicar e dividir;todavia, dado um certo problema, a dificuldade não estánas contas, mas em compreender aquilo que se deve fazercom os números (2000: 26).

Tal sugestão foi, de fato, pesquisada e confirmada no que serefere ao tratamento da Linguística nas relações de interde-pendência entre língua e matemática. Por sua vez, isto significadizer que, por isso mesmo, tal pesquisa tem como imprescindíveisos aspectos numéricos do currículo. Como pode ser observadoem Mollica & Leal (2008: 99), há imensa possibilidade, pautadanas atividades que constam do planejamento curricular de ambas

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as disciplinas, de integrar aspectos comuns de ensino de língua ematemática. Para isso, retomando uma reflexão do campopedagógico, fazem notar que:

Quando comparamos a mediação realizada por essas duasprofessoras [que aplicaram os testes durante a aula-experimento], percebemos que as mediações se completame que, juntas, atingem todos os objetivos propostos. Essefato nos leva a pensar na possibilidade de se criardiretrizes para a mediação de forma que objetivosestabelecidos possam ser alcançados e que ascompetências lógico-matemáticas e linguísticas possamde fato ser simultaneamente desenvolvidas9.

O progresso em direção a uma revisão, tanto de conceitosquanto às concepções do que seja matemático e/ou linguísticotem sido, assim, e aos poucos, estruturado de um ponto de vistaque busca unir campos que são mútuos.

Foi possível perceber também que os alunos não“separaram” as atividades de Matemática das de Português.Os conteúdos integraram-se de tal forma, que a turma passoua indicar caminhos com diferentes conteúdos de áreasdiversas sem que fosse necessária a existência de umaordenação prévia. A integração das disciplinas facilitou atransposição dos conhecimentos advindos do letramentosocial para o letramento escolar (idem).

Tal base empírica permite outra, conceitual, e que sejacolocada paralelamente convergente, na medida em que aconstatação sistemática das possibilidades de reversibilidade deáreas existe. Consiste em afirmar que a decodificação entre letrae número não é de todo antagônica cognitivamente. Pode-se contarnúmeros, pode-se contar estórias. O aspecto irredutível de ambas

9 Diretrizes para mediação de leitura, MOLLICA, M. C.; LEAL, Marisa.(2010) Diretrizes para mediação de leitura. Texto inédito.

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é que o sentido, a direção para aonde se busca o significado,tanto nas operações numéricas, quanto na interpretação verbal,está atrelado a um espaço mental.

Sejam a reta numérica, as coordenadas cartesianas, ou ageometria propriamente dita, assim como os tempos verbais asrelações anafóricas e dêiticas, em todos os casos, algo se discorre,quando se transcodifica um movimento de sentido que sentencia pormeio de um percurso simbólico. O controle desse espaço, o percorrere a construção/concatenação de sentidos ocorre, então, por meio decontagem do tempo/espaço. Tal constatação tem implicaçõescognitivas que podem ser observadas nos termos verbais e descritivosda matemática e da língua. Poderiam ser discutidas aqui as concepçõesde um espaço mental10, ou de um sentido estável, mas por ora, énecessário ater-se ao plano ideológico-discursivo.

De modo apropriado, uma proposição que diz que duasunidades de x, mais duas unidades de x resultam em quatrounidades desse tipo, faz uma mediação/medição que percorre umespaço dado (a premissa), o conjunto dos elementos do enunciado.Quer dizer, a premissa de tal enunciado é a de que x existe, e quenum dado contexto pode-se medir. Dizer que era uma vez doispersonagens x que existiam numa terra mágica (ou abstrata) ondemorava o tipo x de personagens, e que neste lugar, dois delesjuntaram-se a mais dois, do mesmo tipo, e que todos eram quatro,delineia um possível percurso narrativo.

Medimos palavras, e isso, aparentemente, não evidencia ocuidado com que percorremos o espaço verbal, comodiscorremos, sobre o que falamos. Mais adiante, isto servirá paramostrar que deslocamentos de sentido têm como mediadores, nasequência (sintaxe), no ritmo (prosódia) e na direção (semântica),a transcodificação, ou metáfora, por princípio discursivo.

10 Tal como é abordado por George Lakoff and Mark Johnsen (2003).

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A disposição de um espaço operatório na matemática, bemcomo de um espaço estruturador da narrativa na linguística, mostraque isso não pode ser feito como um caminho único. Há muitasmaneiras de chegar aos mesmos resultados, e em todas elas, fica acritério de quem o percorre descrever a trajetória. Seja mostrando,ensinando ou resolvendo, percorrendo os passos necessários para aresposta, ambos os tipos de enunciados podem ser pensados comocaminhos a serem percorridos, discorridos de maneira formalizadaou não.

Desse ponto de vista, pode ser exequível, então, na sala deaula, permitir que o fluxo interpretativo vá de um lado ao outro, segundoas estratégias mais adequadas. Isso não explica, contudo, o porquêde não se cruzar o abismo, ainda que se veja a ponte. Se há apossibilidade de transcodificação, como se explica que, em suamaioria, tais registros sejam tão distantes para professores, quantosão para alunos, que não veem tal relação como uma questão delinguagem, de opção de caminhos, de discursos possíveis?

Pode-se dizer que, do ponto de vista deste trabalho deanálise do discurso, e a partir do uso dos aspectos linguísticoscomo recursos de pensamento da questão há, como já dito, umgrande número de questionamentos feitos a partir de diferentesáreas. Em todas, e aqui não haveria como abordar com maiorprofundidade os esforços depreendidos, tais aspectos, vistos apartir destas áreas se traduzem em termos como “linguagem”,“comunicação”, “leitura”, “interpretação textual” e tratam, emmaior ou menor grau, da discursivização do código11. Se não há

11 A Sociedade Brasileira de Educação Matemática tem um Grupo deTrabalho, o GT 9, que tem como título “Processos cognitivos elinguísticos em educação matemática”. Da mesma forma, podem sercitados, ainda sem o aprofundamento possível e a título de ilustração,trabalhos como os apresentados no I Seminário de Resolução deProblemas, que contém pesquisas como a de Lorensatti (2009), Educaçãoe Linguagem matemática, em que a temática é explicitamente abordada.

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muitos estudos linguísticos que olhem para a presente temática, arepresentação da matemática como uma ciência exata reduz, aindamais, o número da crítica discursiva.

Há ainda, sobre este aspecto, uma importante observação feitapor Mollica e Leal (idem), de que, para a matemática, tal discursoprescinde de estruturas exclusivamente verbais, sendo semprenecessário, para elaborações ou proposições mais complexas, o usoda escrita. É, portanto, impossível para o desenvolvimento do discursomatemático, não utilizar a escrita, fato que não se observa com alíngua, como atestam as sociedades que não possuem sistema deescrita, mas que, ainda assim, possuem na língua elementos denumerosidade. De maneira extremamente relevante, tal característicafundamentará, na segunda parte deste trabalho, uma pista discursivaimportante. Qual seja, a de que, para ser realizada, a matemáticatambém depende, diferente da expressão verbal, de símbolos gráficos.Prescindindo de um modo exclusivamente verbal, assim como épossível com a língua, tal constituição torna-se fundamental paraentender como se dá o trabalho de referência nos enunciadosmatemáticos. Contudo antes de passar à relação da imagem entre aletra e o número, é necessário ainda localizar um histórico dessasrelações entre língua e matemática.

A Perspectiva Internacional

Dentro da literatura pesquisada e, certamente, de modo nãoexaustivo, pode ser encontrado o registro mais antigo que tratade forma explícita da relação entre língua e matemática nos esforçosrealizados, em 1974, pela UNESCO, com o Simpósio “Interac-tions between Linguistics and Mathematical Education”, emNairóbi, no Quênia. Sem ter, exclusivamente, um ponto de vistadiscursivo, o evento tinha como objetivo mais amplo retomar asconclusões acordadas durante o Segundo Congresso Internacional

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Sobre Educação Matemática, realizado pela ComissãoInternacional de Instrução Matemática, dois anos antes, na cidadede Exeter, na Inglaterra, em setembro de 1972. Dentre asrecomendações, estava a de que a “Pesquisa básica deveria serrealizada no sentido de explicitar os conhecimentos matemáticos,a partir da língua em que os mesmos são ensinados”.

Esse encontro reuniu 28 especialistas, entre linguistas,matemáticos e educadores, para que discutissem as bases comunsde aprendizado conjunto entre língua e matemática. Nele discutiu-se que, embora fosse de comum acordo que a matemática utilizaaspectos linguísticos, estes não eram levados em conta no ensinode matemática. Exemplos de áreas como a sociolinguística e suasinvestigações sobre o ambiente coletivo no qual a língua existe,bem como a psicolinguística e seus métodos de pesquisa sobreos indivíduos em situação de comunicação verbal, foram pensadoscomo possibilidades de melhoramento da ausência de conteúdosque colaborassem para o entendimento mútuo entre as duasdisciplinas. Como resultados, o comitê delineou quatro metasbásicas, as quais duas têm aqui interesse imediato:

1) contribuir para a sistematização, dentro do campo daeducação matemática, para as dificuldadespertencentes à Linguística e, posteriormente, analisartais dificuldades em suas relações mútuas;

2) Identificar abordagens pedagógicas que ajudem oaprendizado de matemática para a superação dessasdificuldades em relação aos seus aspectos linguísticos,mostrando como tais podem ser trabalhados de maneiraprática.

É notável o fato de que, desde então, tem-se pesquisado asdiretrizes estabelecidas em 1974. Assim, trinta anos após tais

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recomendações, David Pimm (2004), durante o 10º CongressoInternacional de Educação Matemática, em sua palestra intituladaDiscourse analysis and mathematics education: an anniver-sary of sorts, deu continuidade aos esforços de entendimentopedagógico e científico dessas duas disciplinas, retomando umtexto de dois autores ‘Language and mathematical education’(Austin e Howson, 1979), onde estes fazem uma bibliografiaanotada do que já havia sido produzido, à época, sobre o assunto.

O texto de Pimm restringe o termo linguagem ao conceitode “Análise do Discurso”, tendo como justificativa o crescimentodestes estudos. Contudo, tal restrição, mais de ordem explanatóriado que propriamente teórica, como indica o próprio autor, situandosua escolha como pertencente ao campo da Pragmática (que eledistingue da Sintaxe e da Semântica), toma como relevantes nessaabordagem, aspectos linguísticos tais como fenômenos lógicosde argumentação, bem como elementos constituintes descritoscomo aqueles que implicam em “compreensão do significado nosníveis acima da sentença”.

Diante desse posicionamento, e tomando apenas a literaturaem inglês sobre o assunto, prossegue com a sistematização,dividindo em quatro pontos sua revisão: 1) Aspectos de voz; 2)Instâncias de metadiscurso; 3) Componentes de estrutura tem-poral; 4) Elementos de estilo. Para cada um destes, oferece umabibliografia que trata, sempre em língua inglesa, de seus respectivositens. A noção de discurso aqui adotada, embora seja compatívelcom tal enfoque acima descrito, tem origens e premissas teóricasdistintas. De modo que torna-se necessária uma colocação maisapropriada dos elementos que serão utilizados para analisar, dentrodo contexto proposto, e destacar os aspectos discursivos dasrelações entre língua e matemática.

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O Quadro Teórico de Análise do Discurso: A Escola Francesa

O surgimento da escola francesa de Análise do Discursoestá ligado a um posicionamento crítico à linguística. A formalizaçãoda língua, que compreende a gramática, e o pressuposto de quetal modelo deva corresponder, de fato, ao que seja a Língua, levaa pensar que o sentido, assim como a estrutura dos modelos queos descrevem são uma coisa só. A estrutura argumental propostapela maioria das abordagens linguísticas parte desse pressuposto,qual seja, o de que o sistema linguístico, a compreensão da línguaem suas regularidades, ainda que não totalmente conhecidas,como modelo, recubra o sentido.

A concepção científica de que os modelos teóricos seesforcem por desvendar a gênese de como o sentido emerge dalíngua, é uma antiga meta. Desde Saussure, que estabelece aLinguística como ciência, a divisão básica, língua e fala, delimitaessas duas dimensões, tidas como irreconciliáveis. Se por um lado,a língua possui sistematicidades que podem ser observadas,analisadas e dessa forma, conforme o método científico, preditas,por outro, o uso real, cotidiano desse sistema, é sempreimprevisível, instável e sujeito a contradições que escapam àsmesmas sistematicidades12.

Para além da crítica à linguística, outros dois fundamentosconstituem a Análise de Discurso em sua linha francesa. A posiçãoda crítica do Marxismo, no que se refere a uma assepsia ideológicano fazer científico, seu mascaramento. Há também da mesmaforma, e de modo mais direto ao termo “análise do discurso”usado, a crítica instaurada pela psicanálise, isto é, a negação doinconsciente. Juntos, estes três elementos formam a base teóricae epistemológica que permite à AD francesa, tomar outra posição

12 Pêcheux. Semântica e Discurso (1997: 60).

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daquela afirmada pelas abordagens que se agrupam sobre adenominação de Análise do Discurso.

Os resultados desse posicionamento podem ser verificadosna forma como a AD analisa seu objeto. Dito de melhor forma,como os objetos discursivos são construídos no sentido deevidenciar o que se quer pesquisar. Assumir que não se lida como “real” da língua, porque é impossível ter acesso a “indivíduos”senão a sujeitos discursivos, ou ao assujeitamento que ocorretodas as vezes que se utiliza a língua. A união desses três elementos,dentro de tal quadro teórico faz com que pressupostos, mesmoos das abordagens de análise do discurso, sejam motivo de críticaa três afirmações: o indivíduo, negando o inconsciente, a razãopuramente científica, negando a ideologia, e o sentido, negando oequívoco, o ato falho, a deriva que existe na linguagem e,necessariamente, na língua. Postos aqui de maneira breve eesquematicamente descritos, tais critérios fundamentam o quadropelo qual será feita uma análise das questões realizadas durante aOBMEP.

Sobre Narrar e Contar

Uma comparação com os usos da palavra contar, em suasdistintas acepções, evidencia que ambas as formas de raciocíniotêm narrativas, ou discursos que promovem seu sentido. Todavia,tais usos são tidos como distintos, e mesmo diferentes, na medidaem que tratam de valores diferentes. Conceitualmente, porém,uma aproximação que leve em conta aspectos comuns entre opensamento numérico e o linguístico, deveria tomar tal semelhançalexical em conta.

Seguindo essa premissa, há claramente um descompassodiscursivo entre o que se produz nas formulações das questõesde matemática e as respostas dos alunos. Duas narrativas distintas

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em suas formações discursivas caracterizadas pelos papéissocialmente distribuídos.

Entende-se que, ainda que tal concepção da matemáticacomo discurso seja mesmo objeto de debate entre os estudos deeducação matemática, em termos linguísticos, tal abordagem carecede mais estudos que mostrem onde começam e onde acabam,claramente, os limites entre o pensamento numérico e o linguístico.Segundo Souza (1994)13:

Assim como a passagem da oralidade para a escrita nãose dá integralmente porque faltam “símbolos” querecubram todos os recursos da oralidade, já que as formasde escrita e de transcrições outras não dão conta de todoesse processo, como seria a passagem do pensamentoabstrato para a “exatidão” da matemática?

A discussão sobre os referentes imagéticos engendra outra,qual seja, a da passagem da oralidade para a escrita. Existe umapremissa da linguística que adota os modelos analíticos14 (Aronoff,apud Coulmas (2003: 9) pautados em unidades discretas, comofones, fonemas ou morfemas. Tal premissa é alvo de observações(Coulmas, idem), que vão na direção de apontar inconsistênciasnas formulações de cunho geral propostas pelas duas maioresescolas teóricas, o gerativismo e a sociolinguística, bem comoseus derivados e híbridos.

Ao cunharem características gráficas que ora não seencontram na fala real, por serem modelos científicos, ora nãosão encontradas nesses modelos por pertencerem à fala real quepretendem representar, tais sinais diacríticos se investem de umasobredeterminação que Souza aponta como:

13 Comunicação pessoal.14 Writing systems: an introduction to their linguistic analysis.

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O parâmetro para a oralidade tem sido a escrita e, nessecaso, pensa-se errado não só a oralidade das línguas deoralidade, mas também a oralidade das línguas de escrita.(Souza, 1994)

Essas considerações sobre os aspectos fonéticos e fonológicosdas línguas e a utilização de sistemas de representação gráfica paradescrevê-los, serve aqui para especular sobre a possibilidade de sepensar o mesmo sobre a passagem do pensamento abstrato para amatemática. Ainda que todas as línguas tenham designações para osaspectos quantitativos da vida: as estações, os espaços, os cortes eas fronteiras, o desenvolvimento de uma matemática, tal comoprescrita nos atuais currículos têm, em si, a história de seu conceito.

Referenciais Extralinguísticos

A divisão entre questões que são ou não linguísticas aumenta,extrapolando o corte língua/fala, quando elementos referenciais comoas imagens dos enunciados matemáticos são contemplados. No quediz respeito ao papel que as imagens ocupam na interpretação destes,seja de modo dêitico (figuras geométricas, imagens), ou pressuposto,implicado (tempo e/ou espaço), entende-se ser cabível, da mesmaforma, propor que formações discursivas tenham alguma participaçãoem composições de textos e imagens.

Dentro do quadro da AD citado, os estudos de Souza (1998)propõem15 que uma das incoerências que se observa no estudodo não verbal, é justamente sua redução aos aspectosverbalizáveis. Seguindo o que Orlandi propõe para o tratamentodo silêncio, propõe então que a materialidade das imagens sejaestudada no que elas tem de próprio, sem entretanto descartá-lasou torná-las acessórias ao discurso.

15 Discurso e imagem: perspectivas de análise do não-verbal (1998).

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Tal gesto de análise que toma em conta a constatação deque imagem e letra significam de formas diferentes, busca analisarem que medida a produção dessa separação interfere nacompreensão desses enunciados. Da mesma forma, entende-seque se torna fundamental compreender os elementos que funcionamcomo mediadores dessa relação entre imagem e léxico.

Há inicialmente hipóteses que delineiam primeiramente algumaspercepções que têm levado pistas ao tratamento dado às própriasfiguras dos enunciados da OBMEP16, nas questões decorrentes en-tre 2006 até o presente. Tratamentos que incluem, por exemplo, anormatização de todos os referentes (extralinguísticos) de origempictórica, ou como, por exemplo, a substituição sistemática de termoscomo “imagem” por “figura”.

Cabe à questão uma análise que busca não reduzir o sentidopictórico ao linguístico, estudar formas de significado outras quenão propriamente inscritas em alfabetos mas, ainda assim, de cunholinguístico. Tomada a devida distância em separar os propósitosdos sistemas de escrita, da significação extralinguística dereferentes contidos na língua, pode-se pensar não apenas osreferentes das questões de matemática, mas em outros contextos,uma infinidade de objetos que em seu uso social serve nosprocedimentos de contagem. Não obstante, tal análise preencherequisitos de se pensar uma otimização da matemática a partir deusos socialmente relevantes para quem aprende.

As abordagens citadas, tanto para a realidade brasileira,quanto no contexto mais amplo, podem ser reunidasesquematicamente, para fins de delimitação das condições deprodução dos discursos sobre as causas da dificuldade doaprendizado de matemática. Históricos, sobre a autoria de saberes

16 Banco de Questões Olimpíada Brasileira de Matemática, 2010. Disponívelem: http://www.obmep.org.br/bq/bancoobmep2010.pdf.

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e técnicas, tais como a invenção gráfica do número, sua retiradado mundo físico, mas não do real; biológicos, como as discussõesproporcionadas pelas crenças equivocadas sobre as capacidadessupostamente naturais de certos grupos em produzir pensamentonumericamente sistematizado para além do quantitativo; políticos,como os usos e concepções do que seja tal domínio sistemáticodo tempo e espaço sociais e o natural, ou sua codificação.

Estes elementos, verificáveis de alguma forma, no ensino emesmo na concepção científica acadêmica, a disputa de sentidosdo que seja contável, cognoscível, ou ético, parte do princípio deque a análise discursiva desses elementos linguísticos, dentro dosenunciados matemáticos, será melhor compreendida se forpensada, também, como um problema de diferenças entrecodificação e a decodificação.

Mesmo por sua natureza, não se atendo aos aspectos políticosda relação entre língua e matemática, a formulação curricular oficialdo ensino de matemática no Brasil leva em conta tais relações quandoafirma, em seus Parâmetros Curriculares Nacionais17:

Um aspecto muito peculiar a este ciclo é a forte relaçãoentre a língua materna e a linguagem matemática. Separa a aprendizagem da escrita o suporte natural é afala, que funciona como um elemento de mediação napassagem do pensamento para a escrita, na aprendizagemda Matemática a expressão oral também desempenha umpapel fundamental.Falar sobre Matemática, escrever textos sobre conclusões,comunicar resultados, usando ao mesmo tempo elementosda língua materna e alguns símbolos matemáticos, sãoatividades importantes para que a linguagem matemáticanão funcione como um código indecifrável para os alunos.(p. 45-46)

17 Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curricularesnacionais: matemática / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília:MEC/SEF, 1997.

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Há ainda, outro fator a ser considerado, e que possibilitamais detalhe, não menos importante. A transcodificação desentidos. Nessas passagens de um código ao outro, como foivisto, há sempre o registro de que a decodificação é um exercíciode poder, de saber expressar-se pelo conjunto de códigos queconstituem o modelo interpretativo proposto.

O Ensino Formal do Código

As relações da linguística e o ensino formal da língua têminício com a alfabetização, estendendo-se com os usos do sistemade escrita na produção de textos dentro da norma gramaticalmenteaceita. Como o alfabeto inclui os números indoarábicos, nadecodificação adequada destes símbolos alfanuméricos, énecessário entender letras e números como termos que existem,constituindo a escrita, ora separados, ora compostos. Ainda quepalavras como “casa” ou “trinta e três”, sejam grafadasalfabeticamente, as últimas situam-se em domínios cognitivos queextrapolam apenas os usos estritamente linguísticos.

Para que as relações teóricas (as concepções curriculares)e as técnicas (os métodos de ensino) viabilizem a compreensãodos aspectos linguísticos e sua influência no ensino de matemática,a distinção entre o formal da língua, o código, e o uso informal docódigo, o discurso, torna-se uma etapa decisiva do processo dealfabetização. Consiste na relação de ensino e apropriação dosdiferentes códigos gráficos que compõem o alfabeto.

Como a aquisição simbólica do código alfabético ocorre pormeio de um ambiente coletivo, os usos possíveis são sempre denatureza social, na medida em que, para terem existência, ou seremvivenciados, é necessária sua comunicação. Repetindo o argumentode que, embora os números tenham uso intenso em nossa sociedade,as relações entre estes ocorrem, em sua maioria, junto às letras do

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alfabeto. Isso para que se evidencie que as relações entre números,ou cálculos, embora muito necessárias, são praticadas, de modo for-mal, por um uma quantidade menor de pessoas. A razão dessadiferença é um déficit de compreensão por parte da maioria dapopulação, do significado e usos explícitos dos números comounidades de linguagem e compreensão da realidade.

A transcodificação, existente entre um registro e outro, podeser extrapolada para diversos domínios. De modo que é possívelrelacionar “trinta e três” a uma infinidade de objetos, eventos eprocessos que constituem um conjunto maior que a contagem. Ascombinações entre números e letras podem gerar a descrição dequantidades sem a explícita marcação numérica, como em “algunspássaros” ou “dezenas de prédios”. O processo de alfabetizaçãoprecisa garantir que essa interoperabilidade seja compreendida.

Os usos sociais dos códigos são vários. Por exemplo, alinguagem de computadores, binária, feita para máquinas, foiprojetada como instrumento de padronização da linguagem natu-ral. Desta maneira, torna-se possível escrever em um“computador” que irá guardar como resultado do cálculo, emlinguagem binária, o conteúdo escrito inicialmente em linguagemnatural. No caso, a palavra “trinta e três”:

01110100 01110010 01101001 01101110 01110100 01100001 (trinta)01100101 (e)01110100 01110010 11000011 10101010 01110011 (três)

A capacidade de leitura, ou decodificação destes símbolos,é uma poderosa maneira de restringir o acesso ao significado e,portanto, ao conhecimento. Saber interpretar tais códigos é umaforma de garantir que o sentido circule apenas entre aqueles quetêm acesso ao seu uso, ou discursividade.

Essa variação formal (da letra ao número e vice-versa) pormeio do conhecimento da técnica, ou capacidade de decodificação

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é então de ordem política. Mas esta dimensão escapa aopedagógico, todas as vezes que as teorias são tratadas apenascomo instrumentos de medição, isentos, não sendo consideradoscomo modo de expressão das capacidades socialmenteaprendidas.

Dessa maneira, a formalização de níveis de codificação, atécnica, por um lado, serve à legitimação de modelos para arealidade, como a representação ideológica dessas teorias: suadescrição como neutras. Por outro, acarreta a opressão de umavisão pedagógica (e cultural) sobre as demais sociedades, namedida em que os diferentes modos de aprendizado ficam restritosao critério tecnológico socialmente construído (considerada isenta)da teoria/tecnologia vigentes.

Uma vez descritas as condições de produção e interpretação,pode-se passar para uma análise do que significa, em termos deleitura, as operações de decodificação dos enunciadosmatemáticos. Serão buscadas nessas análises, pistas do que podeser aproveitado em conjunto, tanto da leitura, quanto dacompreensão matemática, unindo possíveis similaridades no ensinodas duas disciplinas.

Pequena Análise Discursiva dos Enunciados

Abaixo estão dois exemplos de análises possíveis de seremfeitas, levando-se em conta o que foi dito sobre as relações entrelíngua e matemática, segundo a perspectiva teórica adotada. Écomumente aceito, em linguística, que todo elemento nãopertencente ao quadro de análise lexical, assume a função deextralinguístico, ou seja, função de auxiliar na interpretação dosenunciados propriamente ditos. Tal questão de referência evidenciaque há, de fato, não um acréscimo, e sim a constituição dapossibilidade de significação, a partir desses referencias.

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Se retomamos o que foi dito sobre a noção de discurso, oudos aspectos de significação que implicam em “compreensão dosignificado nos níveis acima da sentença”, fica difícil separar oque não é pertencente à língua, como, por exemplo, as imagensrelativas aos enunciados. Conforme verificado em Mollica e Leal(ibidem), a crítica de Souza (ibidem) de que há um reducionismoda oralidade à escrita e, por consequência, da materialidadeimagética ao linguístico, entendido aqui como a letra, expressãográfica da palavra, pode ser observado que tal reducionismo, emsituação de ensino, reduz a compreensão do conteúdo.

Feitas essas considerações, em primeiro lugar deve ficarclaro que as análises abaixo procuram ater-se aos aspectos acimamencionados: a crítica do ensino de matemática, segundoconcepções equivocadas do que seja tal prática cognitiva,historicamente constituída, bem como o papel discursivo que asimagens ocupam na interpretação, decodificação de enunciadosmatemáticos. De fato, a OBMEP consagra-se até agora, comoum dos melhores esforços jamais feitos para que o aprendizadode matemática ocorra de fato. Não é desnecessário dizer que onúmero de participantes, numa média que oscila em torno dedezenas de milhões, é algo que, por si, atesta o caminho de bonsresultados, do que se espera de iniciativas como esta.

Há na proposta da OBEMP, como que, necessariamente,uma vontade inequívoca de difundir positiva e abertamente o ensinode matemática e isso, em momento algum, deve ser descartado.Por outro lado, e em um plano maior, segundo todo argumentodelineado ao longo do texto, concepções historicamentearraigadas, senão presentes na formulação das questões, fazemcom que a leitura desses enunciados seja feita segundo a formacom que os estudantes as aprendem. Isso, ainda segundo a mesmalinha de raciocínio, tem implicações no que se avalia de fato.

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Enunciado n. 1: Um queijo triangular – Osvaldo comprouum queijo em forma de um triângulo equilátero. Ele querdividir o queijo igualmente entre ele e seus quatro primos.Faça um desenho indicando como ele deve fazer essa divisão(questão número 97 da OBEMP 2011).

O primeiro elemento a ser discutido no enunciado acima é ouso da língua que, conforme aponta o verbo dividir, temcaracterizada a noção de partilhar, ou seja, de partir, cortar oobjeto em pedaços. De forma contraintuitiva, o resultado mostraque não basta sabermos que devem ser distribuídos pedaçosiguais, se não se sabe qual o tamanho do queijo a ser cortado.Segundo o discurso matemático, tal fato é irrelevante, se sabemosque independente do número de primos, todos os pedaços devemser iguais. Assim, a resposta de que o queijo deve ser partido emN pedaços, embora possível de ser dada num contextomatemático, contradiz o que o ensino da própria matemáticaprescreve, ao dizer que aprendizado dos conceitos deve partir desituações reais.

Dizer que a matemática opera com pensamento abstrato,não significa necessariamente que o ensino da mesma deva ocorrerdo mesmo modo. Assim, questões que, acertadamente, pedemtal raciocínio, necessário à prática matemática, mostram que háum hiato entre a falta de um ensino ligado a situações reais, quepreparem os estudantes para tais procedimentos abstratos. Torna-se claro que concepções generalizadas do que seja a matemática,e a premissa de que ela não precisa estar diretamente ligada àvida cotidiana, dificultam de fato que se chegue à resposta certa,a de que o fracionamento é uma operação que funciona como umalgoritmo, aplicável a qualquer situação em que seja necessária adivisão; e não como uma instrução determinada para cada caso.

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No enunciado, que prescinde de imagens, mas cuja respostadeve ser visual, o raciocínio é totalmente guiado pelos elementoslinguísticos, e conforme tem sido argumentado, uma compreensãodiscursiva do que se pede, ou seja, da generalidade do enunciado,e não de sua especificidade, é o que faz com que se responda queo número de pedaços é irrelevante à resolução do problema.

Assim, no gabarito com a resposta:

3. Um queijo triangular – Para dividir o queijo em 5 partes iguais, é suficientedividi-lo em 5k partes iguais e dar k partes a cada um. Uma forma de fazeressa partição é mostrada na figura onde o queijo foi partido em 25 = 5 × 5triângulos (Soluções da Lista 2 Nível 2).

Não se indica o algoritmo, que é pressuposto; na resposta diz-se apenas que basta aplicar o procedimento de dividi-lo em 5k partesiguais. Isto é, deve-se ter a compreensão de que como umprocedimento matemático, não existe apenas uma forma de chegarao resultado “Uma forma de fazer essa partição” e sim, deve-sediscursivizar, ou escolher um caminho de resolução. Tal procedimento“narrativo” não é comumente pensado como pertencente àmatemática, que é pressuposta como tendo respostas imutáveis.Confunde-se facilmente o procedimento, que pode variar, com oresultado, que deve ser sempre único, ou seja, K partes do objetoque se pretende repartir.

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Ensinar esse grau de abstração requer, por um lado, que osestudantes compreendam que a matemática é uma linguagem, porum lado, mas também que tal linguagem não é fixa, ainda queobedeça a parâmetros determinados, como a operação de divisão.Portanto, ainda que a reposta seja aparentemente contra intuitiva,o raciocínio é perfeitamente cotidiano, pois que no dia a dia oaplicamos a situações e objetos diversos segundo o mesmoprincípio, o de equanimidade.

8) Na malha quadriculada a seguir, todas as circunferênciastêm o mesmo centro. Então, pode-se concluir que a área cinza é(Enunciado nº 2: questão nº 15 da OBEMP 2010):

A) Dois quintos da área do círculo maior.B) Três sétimos da área do círculo maior.C) Metade da área do círculo maior.D) Quatro sétimos da área do círculo maior.E) Três quintos da área do círculo maior

O segundo enunciado acima é oposto ao primeiro, fazendo-se o caminho inverso de raciocínio. Se antes, na pergunta ante-rior, havia ausência de imagens referenciais, esta parte da figura,uma malha quadriculada, para solicitar a resposta, que deve ser

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dada na forma linguística de enunciados-resposta. Destarte, nota-se que pode-se prescindir da necessidade de qualquer cálculopara a resposta, visto que a distribuição das cores na figura jámostra, apenas visualmente, um padrão visual uniforme. Assim,conforme a resposta:

8. (C) Observe que a figura é simétrica em relação à retar que passa pelo centro comum das circunferências. Paracada região cinza de um lado de r existe uma região brancaequivalente do outro lado da reta R, e vice-versa. Logo, aárea cinza é igual à área branca. Além disso, a somadessas duas áreas é igual à área do círculo maior.Portanto, a área cinza é metade da área do círculo maior.

Ou seja, uma maneira possível de responder à questão ésomar cada lado da reta R, o total de área de cada cor, paraverificar que ambos os lados têm a mesma área. No entanto, aacuidade visual, elemento fundamental em matemática, permiteque se dê a resposta sem cálculo algum, apenas intuindo que ambasas cores têm a mesa área. Contraintuitivamente, a opção deresposta sem a necessidade de qualquer cálculo, marca fundantee diferencial da matemática frente a outras linguagens, contradizaparentemente o senso comum de que tal raciocínio sejaquantitativo, ainda que não necessária e imediatamente numérico.

No que se refere ao papel da imagem como elementoconstituinte do enunciado, e sua dependência visual para se chegarà resposta, evidencia, também que o pensamento quantitativo éanterior ao numérico, sendo este, uma discursivização dessaquantidade. Isto é, a letra discursiviza a imagem, tornando-a partede um sistema que permite tomar partes intuitivamente perceptíveis,transformado-as em elementos logicamente estabilizados. Isto podeser percebido de melhor forma, quando se faz, por exemplo, cortesnão regulares, diferentes dos feitos acima, onde seria mais difícilperceber a equanimidade da divisão. Seria necessário, aí sim, utilizar

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tal sistema, ou percurso sistemático, para que se chegasse àsolução do enunciado.

A possibilidade de pensar o raciocínio matemático comoprescindindo de números parece, à primeira vista, algo fora docomum. No entanto, pode ser observado, que tal fato mostra quea matemática é algo posterior ao mesmo, tendo sido, portanto,criada para sistematizar uma capacidade intuitiva que, ainda quenão exata, tem o poder de determinar, por outros meios que nãoo cálculo, a manipulação de quantidades.

De fato, o pensamento numérico, posterior ao quantitativo, éuma etapa que só pode ser atingida quando se percebe que o que sepergunta, quando a resposta deva incluir números, é umasistematicidade abstraída do primeiro. Tal uso da linguagem matemáticapode ser dito como a discursivização de elementos, segundo um sistemaestruturado em algum parâmetro, no caso, frações.

O gabarito permite, ainda, que sejam feitos, também de formaválida, outros raciocínios, que utilizem outras formas desistematizar a resposta, o que se percebe intuitivamente, como,por exemplo, com números inteiros. Isto é, a resposta poderiaser dada, dizendo-se que a área total da figura, seu raio, divididopor 2, ao invés de ser descrita como “a metade” seria equivalentea um valor específico, conforme pode ser deduzido do gabarito.Essa possibilidade de variar o que se espera de um enunciadomatemático, insiste-se, é um ato discursivo, tendo em vista queexistem não apenas esses dois, mas muitos outros modos de chegarao mesmo resultado.

Fazer os estudantes entenderem que nem sempre umaquestão tem apenas um modo de resolução é fazer entender quea matemática é uma linguagem, com suas especificidades, masainda, uma linguagem, como o é a língua materna que utilizamcotidianamente, mas também nas respostas aos problemasmatemáticos. Isto não quer dizer que se possa fazer qualquer

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caminho, mas que há, assim como no português, um paralelo en-tre os algoritmos e a gramática e que esta, também, não é umaformalização imutável, pois que a língua é dinâmica.

Desenvolver a lógica subjacente na língua, como forma deexercitar o raciocínio matemático, é uma forma de atentar àsconstruções argumentativas como práticas discursivas. Aspesquisas, como indicado no exemplo de Mollica e Leal, entre osoutros aqui não incluídos, como os próprios esforços depesquisadores em educação matemática, ou do ensino deportuguês mostram que mais importante que saber a correçãodesse ou daquele algoritmo, ou dessa ou daquela classificaçãogramaticais, é fundamental entender o funcionamento, ou o mododiscursivo que o problema exige que se pense. Ou seja, aprendera expressar-se nas linguagens desejadas, mais que supor queexistam fórmulas específicas para problemas dados.

Considerações Finais

Buscou-se nesse estudo realizar aqui, um duplo objetivo. Oprimeiro, mais extenso, diz respeito ao modo como se ensina, esão separadas, as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.O segundo, de ordem propriamente linguística, é como o uso, oua discursivização sobre as características da língua pode influenciaro raciocínio produtivo das respostas possíveis aos enunciadosmatemáticos. Tratou-se de indicar que não raro, pensar essas duasdisciplinas como estanques, dificulta que se perceba um possível,e mesmo necessário, entrelaçamento que facilitaria o aprendizadode ambas, guardadas as suas especificidades.

O motivo de se pensar nessa dicotomia é de naturezaideológica, ou discursiva, na medida em que, ao se observar aspráticas de educação matemática, percebe-se que há umaindissociabilidade do uso da língua. Tal dependência de fatores

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linguísticos não é comumente explorada, e é mesmo pensada comopouco possível, visto que recaem sob categorias distintas asciências exatas, por um lado, e as ciências humanas, por outro.

As causas dessa separação podem ser observadas nasexplicações sobre a suposta natureza abstrata da matemática, queé pensada como um dom, ou, no máximo, como uma “tecnologia”pertencente a grupos e indivíduos especiais, dotados de um sabermais sofisticado culturalmente. Há mesmo o caso de se pensarque tal sofisticação seja de ordem natural, ou biológica, quandose comparam os usos que determinadas sociedades têm, comoas sociedades industrializadas, com outros grupos maistradicionais, como os povos tribais.

Nesses casos, onde há concepções estereotipadas, como,por exemplo, em certos livros escolares que não procuram umavisão crítica da realidade socialmente construída, em nenhummomento se afirma que a matemática é, de fato, umadiscursivização de uma capacidade genérica dos grupos humanos.A numerosidade, como foi visto, permite que se tenha pensamentoquantitativo, mas que este não se constitua em sistematicidadesnuméricas, sendo essas uma abstração do que se aplicacotidianamente, seja em que grupo social for.

Fazer com que a percepção de que linguagens são expressõessociais e históricas de regularidades não exclui o fato de que essasregularidades são passíveis, dentro de seus respectivos sistemas,de variação. O resultado que pode ser gerado por um determinadomodo operatório pode ser conseguido, dentro desse mesmosistema, por diversos meios, observados os algoritmos quepermitem tais operações. Assim como na língua portuguesa, ondeé possível que se diga a mesma coisa por diferentes construçõessintáticas, diferentes escolhas lexicais, ou mesmo diferentesvariações fonológicas, na matemática e, repetindo, guardadas suasespecificidades e naturezas distintas (o fato, por exemplo, de, para

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a matemática, ser imprescindível o uso da escrita) pode-se chegarao mesmo resultado com diversos métodos, ou mesmo como foivisto, de modo intuitivamente eficaz.

O papel que os elementos linguísticos ocupam nessa percepção,também aqui argumentado, tem profundas relações com a maneiracomo os problemas são interpretados, ou dito de outro modo, com aleitura dos enunciados que os constituem. Há que considerar que acontinuidade das pesquisas que tratam dessa interface, mais quenecessária, será de fundamental importância não apenas para retiraro preconceito sobre o que venha a ser matemático, ou não,restaurando assim a dimensão social dessa prática de manipulaçãode medidas, valores, quantidades. Servirá, acima de tudo, para queo ensino/aprendizagem, tanto da língua quanto da matemática, estejaa serviço do saber, de sua distribuição socialmente justa, não elitista.Um conhecimento que seja entendido e praticado como uma atividadecotidiana, e não algo raro, puramente abstrato, destacado dos demaisusos que a dimensão da linguagem, seja ela verbal ou não, possui navida em grupo. Um saber a serviço de todos e não para a distinçãode poucos.

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