dinâmicas da contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de...

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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS) Grupo de Trabalho: GT16 - Movimentos Sociais na atualidade: reconfigurações das práticas e novos desafios teóricos Título do Trabalho: Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010 Marcelo Kunrath Silva (Professor Associado - UFRGS) Matheus Mazzilli Pereira (Doutorando - UFRGS) Patrick Dias Gomes (Graduando - UFRGS) Vitória Ravazio Pais (Graduanda - UFRGS)

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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia

20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS)

Grupo de Trabalho: GT16 - Movimentos Sociais na atualidade: reconfiguraçõesdas práticas e novos desafios teóricos

Título do Trabalho: Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios demanifestação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010

Marcelo Kunrath Silva (Professor Associado - UFRGS)Matheus Mazzilli Pereira (Doutorando - UFRGS)

Patrick Dias Gomes (Graduando - UFRGS)Vitória Ravazio Pais (Graduanda - UFRGS)

Dinâmicas da Contestação: transformações nos repertórios de manifestação pública de demandas

coletivas no Rio Grande do Sul - 1970 e 2010

Marcelo Kunrath Silva (Professor Associado - UFRGS)[email protected]

Matheus Mazzilli Pereira (Doutorando - UFRGS)[email protected]

Patrick Dias Gomes (Graduando - UFRGS)[email protected]

Vitória Ravazio Pais (Graduanda - UFRGS)[email protected]

Introdução

O presente trabalho apresenta resultados preliminares do Projeto de

pesquisa "Regimes e Repertórios Associativos: oportunidades políticas e

organização social no Brasil"1, que tem como objetivo central contribuir na

qualificação das análises das relações entre processos organizativos e

configurações político-institucionais no Brasil. Para a consecução deste objetivo, o

projeto de pesquisa definiu como um de seus instrumentos metodológicos centrais

a utilização da Análise de Eventos de Protesto (AEP) para a construção de um

catálogo de eventos de manifestação pública de demandas coletivas2.

Enquanto primeiro esforço de sistematização e apresentação dos dados

coletados na pesquisa até o presente momento, este trabalho se constitui

fundamentalmente em um texto descritivo que visa publicizar alguns dos achados

empíricos da pesquisa, os quais deverão ser analisados em profundidade

futuramente. Além disto, o trabalho objetiva mostrar as potencialidades analíticas

da AEP, metodologia que apresenta uma longa e consolidada trajetória na

literatura internacional sobre movimentos sociais e protesto, mas é praticamente

desconhecida ou empregada pelos cientistas sociais do país.

Para atender estes objetivos, o trabalho encontra-se estruturado da

seguinte forma: uma seção de apresentação da AEP e das especificidades de sua

1 Este projeto foi financiado com recursos do CNPq e da UFRGS.2 Gostaríamos de agradecer a participação de todos os pesquisadores que se envolveram com a organização e execução da pesquisa: Gabrielle Oliveira de Araújo, Camila Farias da Silva, Andressa Nunes Solio, Pietro Menin, Gisele Borges e Rosana Kirsch.

operacionalização na pesquisa desenvolvida; quatro seções de apresentação dos

resultados da pesquisa referentes a dimensões centrais do catálogo de eventos de

manifestação pública de demandas coletivas construído (repertórios utilizados

para expressar publicamente as demandas; objeto das demandas coletivas; atores

responsáveis pela manifestação pública e demandas coletivas; alvos das

manifestações); conclusões.

Metodologia: catalogando e analisando eventos de manifestação pública dedemandas coletivas

A AEP busca mapear de forma sistemática a ocorrência de eventos de

protesto ao longo de determinado recorte espaço-temporal, permitindo aos

pesquisadores a análise de dinâmicas da ação coletiva de forma comparativa em

longos períodos de tempo. Dessa forma, esse método se apresenta como uma

alternativa aos estudos de caso que, apesar de propiciarem uma análise profunda

de organizações, movimentos ou confrontos específicos, tendem a apresentar

vieses de seleção de casos e a criar generalizações teóricas a partir de dinâmicas

historicamente situadas no tempo (KOOPMANS; NEIDAHRDT; RUCHT, 1999;

KOOPMANS; RUCHT, 2002; SILVA; ARAÚJO; PEREIRA, 2011).

Para a operacionalização da AEP, constrói-se um catálogo de informações

sobre eventos de protestos ocorridos durante determinado período no tempo e em

determinado recorte geográfico. Para a construção desse banco de dados uma

série de decisões metodológicas devem ser tomadas, sistematizadas pela

literatura em quatro eixos básicos: a unidade de análise; as técnicas de

amostragem; as fontes de dados; e as categorias utilizadas para classificação das

variáveis (NEIDHARDT; RUCHT, 1999; KOOPAMSN; RUCHT, 2002). Os dados

apresentados nesse trabalho foram produzidos e analisados a partir das seguintes

definições.

No que se refere à definição da unidade de análise do estudo, uma série de

critérios foram utilizados. O recorte espaço-temporal abrange eventos ocorridos no

estado do Rio Grande do Sul ao longo dos anos de 1970 e 2010. A definição pela

abrangência regional se deu pelo critério de viabilidade da produção de dados

empíricos. Já o recorte temporal foi definido por apresentar grandes variações

históricas no contexto político institucional, abrangendo o período autoritário, a

redemocratização e governos federais com orientações ideológicas distintas no

período democrático.

Nosso estudo buscou incluir formas diversas de ação coletiva, abrangendo

desde ações mais disruptivas (como depredações e confrontos com a polícia) até

ações mais institucionalizadas (como reuniões com autoridades e envio de cartas

e solicitações). Essa decisão foi tomada na medida em que a variação nos

repertórios de ação é a principal variável a ser explorada no estudo, buscando-se

examinar as relações entre variações no contexto político-institucional e formas de

expressão pública de demandas coletivas (confrontacionais ou não). Nesse

sentido, também foram incluídos eventos que ocorrem em contextos diversos

(desde espaços institucionais até espaços públicos), desde que acessíveis ao

público; bem como eventos produzidos por atores diversos (individuais ou

coletivos; societárias ou estatais), desde que expressassem uma demanda

coletiva (excluindo-se, por exemplo, demandas individualizadas).

Ainda no que tange à unidade de análise, foi necessário definir se seu nível

de agregação seria definido pela idéia de repertórios, eventos, campanhas ou

confrontos. Um exemplo pode ser utilizado para esclarecer essa decisão. Uma

campanha salarial pode incluir inúmeros eventos de expressão pública de

demandas coletivas. Trabalhadores, em um dia, podem realizar uma assembléia

e, logo após, se deslocar em marcha até a sede do Governo do Estado,

permanecendo no local enquanto as lideranças se reúnem com o governador. Em

outra data, trabalhadores podem se deslocar pelas ruas da cidade e entregar uma

carta para os deputados estaduais. Dessa forma, em uma mesma campanha, dois

eventos foram observados. Em cada um desses eventos, diversos repertórios

foram utilizados. No primeiro dia: realização de assembléias; passeata;

manifestação em praça pública; e reunião com autoridades. No segundo:

passeata; e entrega de cartas ou solicitações. Na medida em que é justamente a

variabilidade nos repertórios o interesse principal desse estudo e já que cada uso

de repertório pode ter características distintas (por exemplo, se direcionar a alvos

distintos, como o Governo Executivo Estadual e o Poder Legislativo), o repertório

foi tomado como unidade de análise. Dessa forma, nossa unidade de análise pode

ser definida como o uso de repertórios de expressão pública de demandas

coletivas3.

No que se refere à amostragem, optou-se por uma amostra não-aleatória.

Tal decisão foi tomada tendo em vista que técnicas aleatórias de amostragem não

permitem o acompanhamento da seqüência histórica do uso de determinados

repertórios em períodos curtos do tempo. Essa informação é importante, por

exemplo, para determinar a duração de greves e se greves, em geral, são

acompanhadas por outros repertórios. Assim, foi realizada a produção de dados

referentes a todos os dias de cada ano de cinco em cinco anos. Isso significa que

a pesquisa propõe-se a mapear os eventos de expressão pública de demandas

coletivas ocorridos ao longo dos anos de: 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995,

2000, 2005 e 2010. O critério do intervalo de cinco em cinco anos foi utilizado para

que a amostra pudesse abranger a variabilidade de contextos político-

institucionais, bem como a alternância de grupos políticos no controle dos

governos.

A questão das fontes de pesquisa é central para a construção do catálogo

de eventos de expressão pública de demandas coletivas. Fontes variadas têm

sido usadas por pesquisadores para isso, sendo os jornais apontados pelos

pesquisadores como uma das fontes mais qualificadas, na medida em que é de

fácil acesso (ao contrário, por exemplo, de registros policiais), tem permanência ao

longo do tempo e já está subdivida em seções, o que pode facilitar a produção e

codificação do material (OLZAK, 1989; NEIDAHRDT; RUCHT, 1999). Por esses

motivos, a fonte utilizada por essa pesquisa foi o jornal Zero Hora, de Porto

Alegre, na medida em que é único jornal gaúcho de abrangência estadual que se

manteve em circulação ao longo de todo o período da pesquisa.

A escolha por uma fonte que não se interrompa ao longo do tempo permite

que os vieses da fonte sejam distribuídos por toda a amostra. É necessário, no

3 Dessa forma, os números absolutos apresentados nessa pesquisa não são a informação mais adequada, por exemplo, para “medir” a quantidade de eventos ao longo do tempo. Um grande número de casos pode não significar uma maior quantidade de eventos realizados, mas sim uma maior diversidade de uso de repertórios ao longo de eventos e campanhas.

entanto, estar sempre atento aos vieses desse tipo de fonte. Jornais estão

marcados pelo viés de seleção – noticiando apenas eventos com determinadas

características – e pelo viés de descrição – omitindo, enquadrando e fabricando

informações sobre os eventos (EARL et al., 2004). Dessa forma, as informações

produzidas para esse trabalho estão enviesadas pela seleção e descrição do

jornal Zero Hora - ligada ao Grupo RBS (que, por sua vez é afiliado da Rede

Globo) –, um “membro” da grande mídia corporativa brasileira, reconhecidamente

posicionada politicamente em oposição a grupos que questionem e ameacem o

status quo. Dessa forma, a análise e leitura dos dados deve sempre pressupor

que os números apresentados não expressam fielmente a ocorrência de usos de

repertórios de expressão pública de demandas coletivas, mas estão relacionados

aos interesses de publicação desse meio de comunicação.

Por fim, no que se refere à criação de categorias para codificação das

variáveis, o estudo tomou como base as categorias utilizadas pelo “Observatório

de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro”4. Após a realização de um estudo piloto

com todos os meses de janeiro dos anos de abrangência da pesquisa, as

categorias foram modificadas pela emergência de recorrências na categoria

“outros” e pela presença de categorias “inchadas” ou “esvaziadas” na amostra.

Para as análises apresentadas nesse trabalho, algumas categorias foram, ainda,

mescladas, possibilitando uma maior inteligibilidade na leitura dos dados.

Antes da apresentação de uma análise aprofundada dos dados, é

necessária uma descrição geral da amostra desse trabalho. Para as análises aqui

apresentadas, foram utilizados apenas os dados preliminares referentes aos

meses de Janeiro a Agosto de todos os anos pesquisados, na medida em que a

pesquisa encontra-se em andamento5. A amostra engloba 2.717 casos de usos de

4 http://www.observaconflitosrio.ippur.ufrj.br/ippur/liquid2010/home.php5 Não são analisados, assim, dados referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de todos os anos da pesquisa. No atual momento da investigação, os dados de Setembro estão sendo categorizados e os dados de Novembro e Dezembro estão sendo produzidos.

repertórios de expressão pública de demandas coletivas6. Esses casos estão

distribuídos ao longo dos anos da seguinte maneira (Tabela 1):

Tabela 1 – Distribuição dos casos por ano deocorrência:

FrequênciaAbsoluta

FrequênciaRelativa

(%)

FrequênciaRelativa

Acumulada

1970 119 4,4 4,4

1975 99 3,6 8,0

1980 440 16,2 24,2

1985 708 26,1 50,3

1990 492 18,1 68,4

1995 214 7,9 76,3

2000 286 10,5 86,8

2005 273 10,0 96,8

2010 86 3,2 100,0

Total 2717 100,0

A concentração de casos no período da redemocratização pode estar

relacionada a dois fatores. Em primeiro lugar, a uma maior tendência de

ocorrência de eventos de expressão pública de demandas coletivas efetivamente

observável. Em segundo lugar, à mudança nos critérios de cobertura da fonte

(jornal), que passa a noticiar com menos freqüência eventos de expressão pública

de demandas coletivas, principalmente a partir da década de 1990. Neste sentido,

é comum que uma greve ocorrida na década de 1980, por exemplo, receba uma

ampla cobertura do jornal, com uma página ou mais, ao longo de praticamente

todos os dias de sua ocorrência. Já na década de 2000, greves recebem menor

atenção, sendo noticiadas, em muitos casos, em pequenas notas que trazem

poucas informações sobre os usos de repertórios variados e que podem, ainda,

ser facilmente ignoradas pelos pesquisadores responsáveis pela produção dos

dados.

6 As análises posteriores, no entanto, podem apresentar números diferentes, na medida em que as categorias “não há informação” ou “não se aplica” são excluídas das análises. O banco de dados conta, atualmente, com 2.984 casos.

Tabela 2 – Distribuição dos casos por mês deocorrência:

FrequênciaAbsoluta

FrequênciaRelativa

(%)

FrequênciaRelativa

Acumulada

Janeiro 232 8,5 8,5

Fevereiro 335 12,3 20,9

Março 288 10,6 31,5

Abril 150 5,5 37,0

Maio 320 11,8 48,8

Junho 272 10,0 58,8

Julho 528 19,4 78,2

Agosto 592 21,8 100,0

Total 2717 100,0

A Tabela 2 informa a distribuição dos casos ao longo dos meses, indicando

um decréscimo de casos no mês de abril e um crescimento nos meses de julho e

agosto. De forma semelhante ao que ocorre com os anos estudados, essa

distribuição pode estar relacionada a dinâmicas “reais” do confronto ou a vieses da

pesquisa. Nesse caso, como a pesquisa foi organizada de forma a produzir dados

completos sobre um mês a cada etapa, a passagem dos meses acompanha

também a mudança nas equipes de produção e codificação dos dados. Apesar de

todos os pesquisadores serem treinados, os critérios são operacionalizados de

forma diferente por cada indivíduo, podendo gerar vieses na amostra (que, no

entanto, estão igualmente distribuídos ao longo dos anos de abrangência da

pesquisa, em virtude do desenho da pesquisa).

Tabela 3 – Distribuição dos casos por local de ocorrência (em mesorregiões gaúchas):

Frequência

Absoluta

Frequência

Relativa

Frequência

Relativa

Válida

Frequência

Relativa

Válida

Acumulada

(%)

Válidos Mesorregião Metropolitana de Porto

Alegre1645 60,5 74,1 74,1

Mesorregião do Noroeste Rio-

grandense165 6,1 7,4 81,5

Mesorregião do Sudoeste Rio-

grandense58 2,1 2,6 84,1

Mesorregião do Nordeste Rio-

grandense49 1,8 2,2 86,3

Mesorregião do Sudeste Rio-

grandense93 3,4 4,2 90,5

Mesorregião do Centro Oriental Rio-

grandense21 ,8 ,9 91,4

Mesorregião do Centro Ocidental Rio-

grandense40 1,5 1,8 93,2

Abrangência Estadual 150 5,5 6,8 100,0

Total 2221 81,7 100,0

NS/NA Total 496 18,3

Total 2717 100,0

Por fim, os dados relativos à distribuição geográfica dos casos podem ser

analisados de forma semelhante. Essas informações podem indicar, ao mesmo

tempo, uma concentração efetiva de casos na Mesorregião Metropolitana de Porto

Alegre (seguida da Mesorregião Noroeste Rio-Grandense, região historicamente

importante para os confrontos agrários no estado). Porém, esses dados também

podem estar relacionados ao viés de seleção do jornal. Estudos europeus

apontam que jornais nacionais tendem a sub-notificar eventos de protesto

ocorridos no âmbito local (NEIDHARDT; RUCHT, 1999). Se compararmos as

dimensões territoriais do Rio Grande do Sul às dos estados nacionais europeus,

um paralelo pode ser feito, sendo possível imaginar que o mesmo viés esteja

presente em nossa amostra.

Dinâmicas dos repertórios de reivindicação pública de demandas coletivas

A observação dos dados gerais sobre a trajetória dos repertórios de

expressão pública de demandas coletivas entre 1970 e 2010 (Tabela 1) indica um

processo cíclico, no qual se sucedem momentos de ascensão e de declínio na

dinâmica reivindicatória: a década de 1970 é um período de escassa presença

destes repertórios; a década de 1980 é marcada por uma grande intensificação

não apenas no acionamento destes repertórios, mas na diversificação dos

mesmos; os anos 1990 se caracterizam por um forte declínio dos processos de

reivindicação pública; e os anos 2000 apresentam um crescimento e, ao final da

década, um novo declínio dos processos reivindicatórios.

A análise destes dados, no entanto, demanda uma extrema vigilância do

pesquisador, de forma a evitar tomar a tendência de cobertura da mídia como

expressão fiel da dinâmica dos processos empíricos. A escolha pela investigação

de repertórios de expressão pública de demandas coletivas para além dos

repertórios de confronto, de um lado, se mostrou fértil para identificar outros

repertórios acionados pelos atores para expressarem suas demandas em

contextos nos quais o confronto público não era possível, como no período

ditatorial. De outro lado, no entanto, esta escolha tende a amplificar os riscos do

viés de seleção da mídia ao abordar repertórios que, em contextos democráticos,

se constituem como parte da rotina social e, assim, tendem a deixar de "ser

notícia". Cientes destes riscos, esta seção analisa a dinâmica dos repertórios entre

1970 e 2010, mostrando a evolução e as transformações identificadas ao longo do

tempo.

O primeiro aspecto a ser observado refere-se à frequência de uso dos

repertórios ao longo do período analisado, expressa no gráfico abaixo:

Figura 1 – Distribuição dos Tipos de Repertórios Utilizados no Total daAmostra

O repertório mais recorrente no período analisado foi "Reuniões e Pedidos

Formais a Autoridades Públicas ou Privadas", o qual responde por 27,7% dos

casos analisados. Em segundo lugar, com 17,9%, vem os denominados

"repertórios de rua": "Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos". Em

terceiro lugar, encontra-se a "Realização de Assembléias e Eventos", presente em

11,5% dos casos. A "Manifestação Pública via Meio de Comunicação em Massa"

encontra-se em quarto lugar, com 10,9% dos casos. Em quinto lugar, com 9,8%

dos casos vem "Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho". Os outros

repertórios apresentam uma frequência relativamente baixa, não passando de 4%

dos casos.

Esta primeira informação é importante para identificar a presença de um

leque amplo de repertórios social e culturalmente estabelecidos, através dos quais

os atores podem expressar publicamente suas demandas coletivas. Tais

repertórios incluem desde formas institucionalizadas de acesso às autoridades até

formas mais conflitivas de ação coletiva reivindicatória, passando pelo uso dos

meios de comunicação como canais de expressão de demandas e propostas.

Tal informação, no entanto, é limitada e pouco informa sobre a dinâmica de

mobilização destes repertórios pelos atores ao longo do tempo. Para isto, é

necessário analisar as informações sobre a evolução de cada repertório ao longo

do tempo.

Na Figura 2, é possível acompanhar a variação absoluta dos cinco

repertórios mais utilizados pelos atores ao longo dos anos. Já a Figura 3

apresenta a variação relativa da participação de cada um desses repertórios no

total de ocorrências registradas em cada ano.

Figura 2 – Variação Absoluta do Uso Registrado dos Repertórios “Reuniõese Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas”, “Manifestação PúblicaVia Meio de Comunicação em Massa”, “Atos Passeatas e Carreatas em Locais

Públicos (Repertórios da Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”,“Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho” ao longo dos Anos.

Figura 3 – Participação Relativa do Uso Registrados dos Repertórios“Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicas ou Privadas”, “ManifestaçãoPública Via Meio de Comunicação em Massa”, “Atos Passeatas e Carreatas emLocais Públicos (Repertórios da Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”,

“Paralisações, Greves e Boicotes ao Trabalho” em Cada Ano.

Os dados indicam que o repertório "Reuniões e Pedidos Formais a

Autoridades Públicas ou Privadas" foi o repertório central do período ditatorial,

quando chegou a responder por quase 50% dos casos noticiados. Esta

centralidade indica que o uso dos (limitados) canais institucionais disponíveis era

uma das poucas opções para o encaminhamento das demandas públicas naquela

conjuntura. Observa-se, ao longo do tempo, um declínio da presença relativa

deste repertório nas notícias coletadas. Tal declínio pode ser indicador de dois

processos: um declínio real do uso do repertório (menos provável) e um declínio

das notícias sobre o uso deste repertório em contexto democrático (mais

provável).

Analisando o repertório "Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos”,

observa-se, no que se refere a sua importância relativa, uma evolução

diametralmente oposta àquela observada no repertório anterior: este repertório é

praticamente inexistente no período ditatorial e progressivamente adquire maior

presença relativa entre as formas de expressão pública de demandas no período

democrático (chegando a corresponder a praticamente um terço dos casos nos

anos de 2005 e 2010). Ao mesmo tempo, a evolução da frequência com que este

repertório aparece nas notícias tende a reproduzir a dinâmica mais geral:

crescimento nos anos 1980, declínio nos anos 1990, novo crescimento no início

dos anos 2000 e forte declínio em 2010.

A ampliação da importância relativa deste repertório pode ser, em parte,

explicada pelo viés de cobertura: os "repertórios de rua" tendem a ser mais

noticiados que os repertórios institucionais rotinizados e, com a queda de notícias

sobre estes últimos, os primeiros tendem a ampliar sua participação percentual

entre os casos. No entanto, mesmo tendo presente este viés e o fato de que há

um declínio significativo das mobilizações públicas em 2010, os dados indicam

que o argumento difundido sobre uma suposta institucionalização da sociedade

civil brasileira a partir dos anos 1990 (e, especialmente, a partir do Governo Lula,

em 2003), com a consequente perda de centralidade de repertórios extra-

institucionais, não se sustenta: o ano de 2005 apresenta o segundo maior número

de casos em termos absolutos, perdendo apenas para 1985, auge do ciclo de

protestos do processo de redemocratização.

No que se refere ao terceiro repertório mais utilizado - "Realização de

Assembléias e Eventos" -, os gráficos mostram sua centralidade, tanto em termos

absolutos quanto relativos, na década de 1980, durante o processo de

redemocratização do país. Enquanto repertório que se caracteriza por ser um

instrumento de corporificação de uma determinada categoria social no espaço

público para sustentação de suas demandas, sua forte presença nos anos 1980

parece estar relacionada à emergência e organização de diversos segmentos da

sociedade brasileira que estavam reprimidos na sua expressão pública no período

ditatorial. Além disto, a forte presença deste repertório nos anos 1980 e seu

significativo declínio nas décadas posteriores parece ser um indicativo de um

declínio relativo na capacidade de determinadas organizações, particularmente

sindicatos de trabalhadores, de conseguirem produzir eventos de mobilização

massiva de suas categorias.

Os dados referentes a "Manifestação Pública via Meio de Comunicação em

Massa" indicam sua maior importância relativa no período ditatorial. Neste

período, se constitui no segundo repertório mais frequente, tanto em termos

percentuais quanto em termos absolutos. Esta centralidade indica que, ao lado do

uso das poucas oportunidades institucionais disponíveis, o recurso à imprensa se

colocava como uma alternativa que os atores utilizavam para expressar

publicamente suas demandas (em geral, de forma não conflitiva). Curiosamente,

ao longo do processo de redemocratização, observa-se que a imprensa (no caso,

o jornal) vai perdendo sua importância, em termos absolutos e relativos, como

espaço de expressão de demandas coletivas. Tal fato parece indicar uma

tendência de crescente fechamento dos veículos da mídia corporativa para a

expressão das demandas da sociedade civil.

Por fim, o quinto repertório mais utilizado - "Paralisações, Greves e

Boicotes ao Trabalho" - encontra-se praticamente ausente no período ditatorial,

crescendo de forma expressiva no período da redemocratização e atingindo seu

ápice na primeira metade da década de 1990 (se constituindo no segundo

repertório mais frequente nos anos de 1990 e 1995). A força deste repertório no

período de implementação de políticas liberalizantes no país, particularmente no

início do Governo Fernando Collor em 1990, indicam uma forte capacidade de

mobilização e de contestação por parte dos sindicatos de trabalhadores que se

manteve até o ano de 2000. Os dados sobre os anos de 2005 e 2010 mostram, de

um lado, uma diminuição expressiva do número de casos de uso deste repertório.

No entanto, como há um declínio generalizado dos casos de expressão pública de

demandas coletivas reportados pelo jornal neste período, observa-se que este

repertório tende a manter uma posição relativa importante entre os repertórios

utilizados na segunda metade dos anos 2000.

Ainda, apesar de terem uma participação menor no total de casos, outros

dois repertórios são aqui analisados, devido a grande variação e seu uso ao longo

dos anos pesquisados. A Figura 4 mostra a variação absoluta desses repertórios e

a Figura 5 a sua participação relativa nos casos totais de cada ano.

Figura 4 – Variação Absoluta do Uso Registrado dos Repertórios“Fechamento de Vias Públicas” e “Ocupação de Prédios e Terrenos” ao longo dos

Anos.

Figura 5 – Participação Relativa do Uso Registrado dos Repertórios“Fechamento de Vias Públicas” e “Ocupação de Prédios e Terrenos” em cada

Ano.

A partir dessas figuras, é possível observar que a "Ocupação de Prédios e

Terrenos" é um repertório não noticiado no período ditatorial. A partir de 1980,

identifica-se um tendência de crescimento do uso deste repertório que mantém-se

ao longo de toda a década. Mesmo com o declínio de casos em 1995, observa-se

que este repertório mantém sua importância relativa. Em 2000, por sua vez, há um

expressivo crescimento do uso deste repertório que, mesmo declinando nos anos

seguintes, mantém-se com relativa importância em 2005 e 2010. Ainda, observa-

se que o repertório conflitivo de expressão de demandas coletivas do

“Fechamento de Vias Públicas” ganha importância a partir da metade da década

de 1990, quando apresenta um significativo e constante crescimento em termos

absolutos e relativos. Em virtude de tal crescimento, em 2005 este repertório se

constitui no segundo mais frequente entre os casos coletados na pesquisa. Em

2010, no entanto, há um forte declínio tanto na frequência dos casos como na

importância relativa dos mesmos.

Classificando-se todos os tipos de repertórios como “institucionais” e “extra-

institucionais”, é possível observar importantes variações no conjunto de dados7.

Apesar de tais tipos de repertórios corresponderem a partes semelhantes do total

da amostra (respectivamente, 42,9% e 49,4%; somando-se 7,8% de “outros”), a

variação do registro de uso de cada um desses tipos de repertório varia de forma

significativa ao longo dos anos de acordo com padrões opostos. A Figura 6 mostra

a variação absoluta do uso desses tipos de repertórios e a Figura 7 mostra sua

participação relativa no total de casos de cada ano.

7 Foram classificados como institucionais os repertórios: “Reuniões e Pedidos Formais a Autoridades Públicase Privadas”, “Manifestação via Meio de Comunicação em Massa”, “Manifestação em Plenário” e “Instrumentos Jurídicos e Legais”. Foram classificados como extra-institucionais os repertórios: “Atos, Passeatas e Carreatas em Locais Públicos (Repertórios de Rua)”, “Realização de Assembléias e Eventos”, “Fechamento de Vias Públicas”, “Ocupação de Prédios e Terrenos”, “Depredação, Rebelião e Confronto Direto com as Forças de Segurança”, “Paralisações, Greves e Boicotes ao Processo de Trabalho”, “Manifestação Performática” e “Mensagem em Espaço Público”.

Figura 6 – Variação Absoluta do Uso Registrado de Repertórios“Institucionais” e “Extra-Institucionais” ao longo dos Anos.

Figura 7 – Participação Relativa do Uso Registrado de Repertórios“Institucionais” e “Extra-Institucionais” em cada Ano.

Estes dados indicam, primeiramente, o crescimento em termos relativos e a

manutenção da importância em termos absolutos dos repertórios extra-

institucionais, tendencialmente mais conflitivos, no período pesquisado. Saindo de

uma situação inicial de quase inexistência no contexto ditatorial, o uso destes

repertórios cresce fortemente no ciclo de protestos da redemocratização e, apesar

de um declínio na metade da década de 1990, cresce significativamente na

primeira metade dos anos 2000. Estes dados confrontam o argumento que aponta

para uma crescente institucionalização dos repertórios de ação das organizações

sociais a partir da década de 1990. Destaca-se, em especial, o fato de que o ano

de 2005, terceiro ano do primeiro mandato do Presidente Lula, foi um período de

intensa mobilização social.

O ano de 2010, por sua vez, se caracteriza por um marcante declínio, em

termos absolutos, da dinâmica conflitiva expressa pelo uso de repertórios extra-

institucionais. Tal fato pode estar relacionado tanto a uma certa estabilidade social

gerada pela melhora de uma série de indicadores sócio-econômicos naquele

período quanto a um recuo da conflitualidade social em um contexto de forte

acirramento da disputa político-eleitoral com as eleições presidenciais de 2010.

Por fim, um último aspecto a ser abordado é o uso da violência física como

elemento constitutivo dos repertórios de expressão pública de demandas

coletivas, que apresenta a seguinte evolução no período:

Tabela 4 – Registro de Uso de Violência por Parte dos Manifestantes por Ano:

Ano de ocorrência do evento:

Total1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

Registro de uso de

violência por parte dos

manifestantes:

Não 118 98 431 705 483 210 277 254 86 2662

99,2% 99,0% 98,0% 99,6% 98,2% 98,1% 96,9% 93,0% 100,0% 98,0%

Sim 1 1 9 3 9 4 9 19 0 55

,8% 1,0% 2,0% ,4% 1,8% 1,9% 3,1% 7,0% ,0% 2,0%

Total 119 99 440 708 492 214 286 273 86 2717

100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Estes gráficos mostram que o recurso a performances violentas tendeu a

ser algo residual ao longo de todo o período analisado. Somente a partir do ano

2000 é que se observa um crescimento da importância relativa do uso da

violência, que atinge em 2005 sua maior presença tanto em termos absolutos

quanto relativos. No entanto, tal tipo de performance não foi observada em 2010.

Os alvos da ação: a centralidade do Poder Executivo

Nosso estudo buscou identificar os alvos dos usos de repertório de

expressão pública de demandas coletiva nos casos analisados. Essa categoria foi

subdividida em dois grupos. Em primeiro lugar, são categorizados os alvos de

quem se reclama na ação contenciosa, ou seja, aqueles grupos ou indivíduos que

são vistos como os responsáveis pelos problemas identificados pelos

desafiadores, sendo por eles contestados. Ainda, foram analisados os alvos a

quem se demanda em tal ação, ou seja, aqueles vistos como os responsáveis por

oferecerem as soluções para os problemas contestados pelos desafiadores ou

vistos como os mediadores do conflito. Na medida em que, na grande maioria dos

caso, esses dados coincidem, serão analisados nesse trabalho apenas os dados

relativos à primeira dessas subdivisões internas.

Figura 8 - Distribuição dos Tipos de Repertórios Utilizados no Total da Amostra

Os dados gerais produzidos pela pesquisa sobre os alvos dos usos de

repertórios de expressão pública de demandas coletivas (Figura 8) indicam a

centralidade do Estado e, particularmente, do Poder Executivo (em seus três

níveis federativos) nos casos observados. Em números relativos, é possível

observar a prevalência do Poder Executivo como alvo das ações se mantém ao

longo do tempo (a Figura 9 compara a participação relativa desse tipo de alvo no

total de casos em cada ano à participação relativa do quarto tipo de alvo mais

recorrente nos casos totais, “Outras Empresas Privadas”). Assim, mesmo que

outras dinâmicas (tais como os repertórios de ação e os atores mobilizados) e o

número absoluto dos casos observados variem de acordo com a abertura do

regime, a probabilidade de que o Estado seja o alvo de uma ação contenciosa não

é modificada com a variação das oportunidades. Ou seja, tanto em períodos

autoritários quanto em períodos democráticos, desafiantes tendem a tomar o

Poder Executivo como alvo de suas ações, frente às demais possibilidades.

Figura 9 – Participação Relativa dos Alvos “Governo Municipal”, “GovernoEstadual”, “Governo Federal” e “Outras Empresas Privadas” no Total das

Ocorrências Registradas em cada Ano

A Figura 9 também permite a análise das dinâmicas próprias de cada nível

da Federação, o que se mostra interessante tendo em vista a centralidade do

Poder Executivo. No que tange ao Governo Federal, observa-se que os números

relativos de usos de repertório direcionados a esse ator tendem a ser constantes

ao longo de todo o período da pesquisa. Esse padrão é apenas rompido no

período de redemocratização, no qual há um decréscimo nos valores relativos

dessa categoria. Curiosamente, picos de usos de repertório direcionados ao

Governo Federal são observáveis nos primeiros mandatos do governo Fernando

Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva (1995 e 2005, respectivamente). Os

dados analisados indicam, porém, que a entrada do PT no Governo Federal – cujo

impacto na ação coletiva é debatido pela literatura nacional - não coincide com

mudanças na ocorrência relativa de usos de repertórios direcionados à União.

Mesmo que os números absolutos indiquem um declínio na quantidade de usos

noticiados de repertórios direcionados a esse alvo, isso também pode ser

observado para todos os outros alvos, inclusive para o Governo Estadual,

ocupado nesse período por partidos de orientação ideológica distinta (PMDB e

PSDB). Ainda, mesmo que a distância entre usos de repertório direcionados à

União e aos governos do estado e dos municípios aumente, esse fenômeno

parece estar mais relacionado a mudanças nas outras esferas de governo do que

a mudanças no Governo Federal

No que tange ao Governo Estadual, as variações observáveis nos dados

também não parecem acompanhar a alternância de grupos com orientações

ideológicas distintas no poder. Os números relativos observados no período de

governo de Olívio Dutra (PT, em 2000), de Antônio Brito (PMDB, 1995), e nos

governos do PMDB de 1990 (Pedro Simon e Sinval Guazzelli, a partir de abril)

são, por exemplo, muito semelhantes. Ao contrário do que ocorre com o Governo

Federal, esse ator ganha importância como alvo de usos de repertório da

reivindicação coletiva no período da redemocratização, perdendo importância no

período democrático, particularmente, a partir no ano de 2005 (Germano Rigottto,

PMDB) e 2010 (Yeda Crusius, PSDB). Essa queda pode estar relacionada aos

impactos da chamada “Reforma do Estado” ocorrida na década de 1990, que

induziu o controle fiscal e uma política de privatizações, diminuindo, assim, a

capacidade de investimento e de resposta desse ator, bem como a existência de

órgãos e empresas ligadas ao Governo do Estado, entidades incluídas nessa

categoria.

Já no que se refere aos governos municipais, observa-se uma constante

queda após o primeiro ano pesquisado (no qual também há maior prevalência de

ações de grupos formais ou informais de moradores e de questões ligadas à infra-

estrutura e ao saneamento básico), sendo observados, em alguns momentos,

níveis inferiores à categoria “outras empresas privadas”. Dessa forma, a

alternância de grupos com orientações ideológicas no poder não parece afetar de

forma decisiva as tendências já estabelecidas de contestação aos governos,

podendo modificar, no entanto, fatores como os atores que a eles se dirigem e

como as formas pelas quais a expressão pública das demandas coletivas ocorre.

Ainda, apesar da centralidade de conflitos envolvendo a relação entre

capital e trabalho apontada nas seções seguintes, a Figura 9 indica que atores

parecem ter menor capacidade, interesse ou recursos para desafiar empresas

privadas nos casos analisados (ou tais casos são menos noticiados pelo veículo

utilizado como fonte, também uma empresa privada). Esses dados podem indicar

a capacidade da burguesia regional de evitar desafios diretos a sua autoridade e

aos seus interesses por meio de formas de repressão como a demissão ou o corte

de salários – que têm sua efetividade reforçada por questões estruturais como o

desemprego e a pobreza.

Já os dados relativos referentes a outros alvos cuja participação no total da

amostra é menor do que daqueles já analisados indicam três fenômenos que

devem ser tratados com maior atenção, justamente pela escassez relativa de

repertórios utilizados contra tais atores em todos os anos de cobertura da

pesquisa. A Figura 10, que mostra a participação relativa desses alvos em cada

ano, por exemplo, não indica nenhuma categoria que ultrapasse 10% da amostra

de cada ano em nenhuma ocasião.

Figura 10 - Participação Relativa dos Alvos “Sociedade como um Todo”, “PoderJudiciário”, “Poder Legislativo” e “Forças de Segurança” no Total das Ocorrências

Registradas em cada Ano

Observa-se o crescimento relativo da categoria “sociedade como um todo”

ao longo desse período, particularmente, no ano 2000. Tal crescimento vai ao

encontro das propostas teóricas das chamadas “teorias dos novos movimentos

sociais” que apontam a emergência da sociedade civil como um lócus propício

para a inovação política e para transformação social. Em números relativos, no

entanto, a prevalência desse tipo de alvo em nenhum momento se aproxima da

centralidade do Estado para os processos de contestação política.

Observa-se, ainda, que o Poder Legislativo (2,3% no total da amostra e

5,9% no seu ano de maior ocorrência relativa – 2010) e o Poder Judiciário (0,9%

no total da amostra e 3,5% no seu ano de maior ocorrência relativa – 2010) são

alvos menos freqüentes em todos os períodos se comparados ao Poder

Executivo. Esse é um dado interessante, na medida em que o Congresso Nacional

é seguidamente apontado por militantes relacionados a temas como a reforma

agrária, o desarmamento e os direitos LGBT como um dos principais antagonistas

a essas pautas. Observa-se a ausência de um histórico de usos de repertórios

direcionados a esse tipo de ator, o que parece obstaculizar a articulação de novas

mobilizações que incidam sobre eles. No entanto, números relacionados a esses

atores são superiores na variável relacionada aos alvos a quem se dirige a ação

(sem ultrapassar 8% da amostra em nenhum ano). Isso pode indicar que o Poder

Judiciário e o Poder Legislativo são tradicionalmente vistos pelos desafiantes mais

como mediadores de conflitos - que podem, por exemplo, exercer influência sobre

o Poder Executivo - do que como os responsáveis pela gestão das pautas

propostas.

Por fim, a Figura 10 também indica que repertórios utilizados tendo como

alvo as “Forças de Segurança” - como as polícias militar e civil - são pouco

freqüentes ao longo de todos os anos. Essa categoria representa apenas 1,6% de

toda a amostra e, no ano de sua maior ocorrência relativa (1975), 6,1%. Assim,

observa-se que a característica autoritária e repressiva desses atores (que não se

limita ao período do Regime Militar) aparentemente não produz expressões

públicas de demanda a eles direcionadas e, pelo contrário, as silencia.

Os atores promotores das manifestações públicas de demandas coletivas: acentralidade das organizações de trabalhadores

Os dados coletados sobre os atores promotores das manifestações

públicas de demandas coletivas apresentam a seguinte distribuição:

Figura 11 – Distribuição dos Tipos de Atores Mobilizados no Total daAmostra

De acordo com estes dados, "Sindicatos, Federações, Associações e

Grupos Informais de Servidores Públicos" se constituem como o tipo de ator mais

ativo no período analisado, sendo responsáveis pela promoção de praticamente

um quarto (23,6%) de todos os casos coletados. Em segundo lugar, com 15% dos

casos, aparecem "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de

Trabalhadores Assalariados Urbanos". Em terceiro lugar, "Associações e Grupos

Informais de Moradores" aparecem como promotores de 7,7% dos casos.

"Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores

Rurais" se constituem como o quarto tipo de ator mais ativo, promovendo 7,5%

dos casos. Com 6,9% dos casos, as organizações de "Estudantes" são o quinto

tipo de ator com presença mais frequente nos dados coletados. Em sexto lugar

temos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de

Trabalhadores Autônomos e Liberais", com 5,1% dos casos. Em sétimo e oitavo

lugares colocam-se dois tipos de atores patronais: os "Sindicatos, Federações,

Associações e Grupos Informais da Classe Patronal Rural", com 4,2% dos casos,

e "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal

Urbana", com 3,7% dos casos. Por fim, entre os tipos de atores mais ativos, os

"Movimentos Sociais Rurais" aparecem em nono lugar, com 3,5% dos casos.

Contrariamente ao discurso corrente sobre uma denominada "crise do

sindicalismo" e, mais amplamente, de um refluxo de mobilizações constituídas em

torno de identidades de classe e/ou sócio-profissionais, os dados mostram que

estas tiveram centralidade em todo período. Em especial, as organizações de

trabalhadores (servidores públicos, assalariados urbanos e trabalhadores rurais)

se constituem no principal ator construtor de demandas coletivas no período,

respondendo, no conjunto, por 46,1% dos casos. Se ainda somar-se as

organizações de trabalhadores autônomos e profissionais liberais, chega-se a

mais da metade dos casos (51,2%).

Esta informação para o conjunto do período pesquisado é limitada, no

entanto, para apreender as mudanças na intensidade e capacidade de

mobilização de cada tipo de ator ao longo do tempo. Para isto, passa-se agora à

análise da evolução dos atores mais ativos no período pesquisado.

Primeiramente, a Figura 12 mostra a evolução dos sindicatos, federações e

associações de trabalhadores ao longo dos anos. No que se refere aos

"Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de Servidores

Públicos", partindo de uma situação de quase ausência no período ditatorial,

quando a sindicalização de servidores públicos era proibida, estes atores crescem

de importância ao longo da década de 1980, tornando-se os atores mais ativos em

1985 e, especialmente, 1990, quando respondem sozinhos por praticamente 40%

dos casos coletados (39,3%). Apesar do significativo declínio do número absoluto

de casos a partir de 1995, em termos relativos este ator sempre se manteve como

o mais ativo até 2010.

Os "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais de

Trabalhadores Assalariados Urbanos" relativamente similar àquela observada

para as organizações de servidores públicos. As principais diferenças são: uma

maior presença prévia nas notícias, indicando uma mobilização que já começa a

se intensificar na segunda metade dos anos 1970; uma ascensão menos

acentuada entre 1980 e 1990; e um declínio contínuo da importância relativa, ao

contrário dos servidores públicos, que voltam a crescer em termos relativos em

2010.

Figura 12 - Participação Relativa dos Diversos Tipos de Sindicatos, Federações eAssociações de Trabalhadores no Total das Ocorrências Registradas em cada

Ano

Já as organizações de trabalhadores rurais tiveram uma atuação intensa

ainda no período ditatorial, em especial em 1975, quando foram o tipo mais

frequente de ator promotor dos eventos coletados juntamente com "Sindicatos,

Federações, Associações e Grupos Informais de Trabalhadores Assalariados

Urbanos" (ambos com 15,3% dos casos). Mas, ao contrário dos outros tipos de

organizações de trabalhadores, os "Sindicatos, Federações, Associações e

Grupos Informais de Trabalhadores Rurais" apresentam um profundo declínio no

ano de 1990. Estes atores ampliam sua presença nos anos de 1995 e 2000,

declinando novamente em termos absolutos e relativos em 2005 e 2010.

No que diz respeito aos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos

Informais de Trabalhadores Autônomos e Liberais", observa-se uma significativa

importância no período ditatorial, particularmente em 1970, quando foram o

segundo tipo de ator mais frequente, protagonizando 9,3% dos casos. Após um

significativo declínio em 1975, este tipo tende a manter sua importância relativa ao

longo de todo o período. A exceção, no entanto, é o ano de 2010, quando

observa-se um forte crescimento relativo da frequência de eventos promovidos por

este tipo de ator, se coloca como o segundo tipo mais ativo respondendo por

14,1% dos casos.

Uma análise semelhante pode ser feita com relação a sindicatos,

federações e associações da classe patronal. A Figura 13 mostra a evolução

desses atores ao longo dos anos.

Figura 13 - Participação Relativa dos Diversos Tipos de Sindicatos, Federações eAssociações da Classe Patronal no Total das Ocorrências Registradas em cada

Ano

No caso dos "Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da

Classe Patronal Rural" observa-se uma dinâmica de declínio desde o período

ditatorial até o ano de 1990. Entre 1995 e 2000 há um progressivo aumento do

número de casos, que atinge seu ápice no ano de 2005, quando este tipo de ator

se torna o segundo mais frequente, respondendo por 11,3% dos casos coletados

naquele ano. Apesar do forte declínio do número absoluto de casos em 2010, este

tipo ainda se mantém como um dos mais ativos em termos relativos. Já

"Sindicatos, Federações, Associações e Grupos Informais da Classe Patronal

Urbana" também apresentam um protagonismo maior em termos da promoção de

reivindicação pública de demandas coletivas no período ditatorial e um

progressivo declínio relativo ao longo do tempo. Com intensidade menor do que a

observada no caso do patronato rural, observa-se um crescimento relativo das

reivindicações promovidas pelo patronato urbano nos anos de 2005 e 2010.

Já a Figura 14 representa a dinâmica relativa de três outros importantes

atores: “Associações e Grupos Informais de Moradores”, “Estudantes”, e

“Movimentos Sociais Rurais”.

Figura 14 - Participação Relativa de “Associações e Grupos Informais deMoradores”, “Estudantes”, e “Movimentos Sociais Rurais” no Total das

Ocorrências Registradas em cada Ano

No que tange às "Associações e Grupos Informais de Moradores", observa-

se que no período ditatorial, particularmente em 1970, há uma forte mobilização

para a expressão pública de demandas coletivas, mesmo que sem a utilização de

repertórios confrontacionais. Assim, em 1970, "Associações e Grupos Informais de

Moradores" aparecem como o tipo de ator mais ativo, respondendo por

praticamente um terço (33,1%) dos casos coletados. Após um forte declínio em

1975, observa-se um significativo crescimento dos casos na década de 1980 e um

progressivo declínio a partir de 1990. Em que medida esta evolução observada,

em especial a diminuição dos casos a partir de 1990, se relaciona à

institucionalização de canais de participação (como o Orçamento Participativo

Alegre) centralmente direcionados ao atendimento das demandas tradicionais das

"Associações e Grupos Informais de Moradores" é uma hipótese a ser analisada.

Já “Estudantes” apresentaram um forte protagonismo no período ditatorial,

particularmente em 1975, e no início da abertura política do país. Neste sentido,

no ano de 1980, os estudantes são o tipo mais frequente entre os promotores das

reivindicações coletadas, com 18,9% dos casos. Após um forte declínio na

segunda metade da década de 1980 e nos anos 1990, observa-se em 2000 um

crescimento significativo dos casos protagonizados pelos estudantes, que passam

a ser o terceiro tipo mais frequente naquele ano.

Ainda, os "Movimentos Sociais Rurais" apenas emergem no período da

redemocratização (em 1985) e apresentam uma evolução marcada por certa

estabilidade da importância relativa de sua presença entre os casos analisados. A

exceção, em relação a isto, é o ano de 2005, quando se observa o maior número

absoluto de casos noticiados para esse ator (27) e um significativo crescimento

deste ator em termos relativos (se constituindo o terceiro tipo mais frequente em

2005).

Por fim, outros dados merecem destaque. As categorias “Outros

Movimentos Sociais”, que engloba movimentos como o movimento feminista,

negro e LGBT são pouco freqüentes na amostra (2,3% do total e 4,7% no seu ano

de maior ocorrência - 2010). O mesmo ocorre para “Entidades Ambientais (1,5%

do total e 4,1% no seu ano de maior ocorrência – 1975). Esses dados parecem

contrariar a expectativa de protagonismo dos chamados “novos movimentos

sociais” indicada por parte da literatura sobre o tema.

Objetos da ação: a centralidade das demandas coletivas relacionadas àposição de classe

Os principais temas que se constituíram como objeto das reivindicações

públicas de demandas coletivas pesquisadas apresentam a seguinte distribuição

(Figura 15):

Figura 15 - Distribuição dos Tipos de Objetos da Ação no Total da Amostra

Os dados do gráfico acima mostram a centralidade de reivindicações

vinculadas a questões "Salariais e Trabalhistas". O percentual total de

reinvindicações coletivas pelos diferentes tipos de atores em torno dessas

questões é de 36,4%, número consideravelmente maior que o das demais

categorias analisadas. Tal dado permite constatar que, na realidade, os conflitos

relacionados ao trabalho apresentam-se como objeto central no uso de repertórios

de reivindicação pública de demandas coletivas. Em segundo lugar, em termos de

frequência, aparece "Economia Industrial, Agrícola e Financeira", com 11,5% dos

casos. Com 10,6% dos casos, "Reivindicação e Garantia de Direitos Básicos

(Saúde, Educação e Moradia)" se coloca como o terceiro objeto mais frequente de

reivindicação. "Questões Agrárias", por sua vez, se apresentam como objeto de

5,2% dos casos, colocando-se em quarto lugar. Em quinto lugar, presente em

4,8% dos casos, colocam-se demandas relacionadas a "Transporte, Trânsito e

Circulação". "Poluição ou Preservação Ambiental" constitui o objeto de 3% dos

casos. Em sétimo lugar, com 2,7% dos casos, coloca-se "Reivindicação e Garantia

de Direitos de Grupos Minoritários ou Marginalizados". "Segurança Pública"

aparece em oitavo lugar, com 2,6% dos casos. Por fim, em nono lugar, encontram-

se as demandas por "Infra-Estrutura e Saneamento", em 1,9% dos casos.

Figura 16 - Participação Relativa dos Objetos “Salarial e Trabalhista”, “EconomiaIndustrial, Agrícola e Financeira” e “Reivindicação e Garantia de Direitos Básicos(Saúde, Educação e Moradia)” no Total das Ocorrências Registradas em cada

Ano

A Figura 16 mostra as variações da participação relativa na amostra de

cada ano dos três atores mais freqüentes no total da amostra. Os dados do gráfico

mostram um aumento progressivo da categoria "Salarial e Trabalhista" até o ano

1990, quando respondem por praticamente dois terços (61,6%) dos casos

coletados. Após esse período, há uma queda significativa e linear, com pequena

oscilação positiva em 2010 (de 16,1% dos casos, em 2005, a 17,4%). Apesar do

declínio em relação aos anos anteriores, a categoria continua sendo, em relação à

quase totalidade das outras, em todos os anos pesquisados, expressivamente

maior.

No que se refere ao objeto "Economia Industrial, Agrícola e Financeira",

observa-se a centralidade deste tema nas reivindicações centralmente patronais

do período ditatorial, especialmente em 1975, quando é categoria mais frequente

com 23,2% dos casos. Após o declínio no período da redemocratização, observa-

se um crescimento e manutenção da importância relativa deste objeto a partir de

1995, condizente com o maior protagonismo patronal no período, observado

anteriormente.

Os dados referentes ao terceiro tema mais frequente, "Reivindicação e

Garantia de Direitos Básicos (Saúde, Educação e Moradia)", mostram sua maior

centralidade nos anos iniciais e finais do período analisado, mostrando a

manutenção de profundas carências na oferta e/ou na qualidade de serviços

públicos básicos. O forte crescimento, em termos de importância relativa deste

objeto em 2010, quando se coloca como o segundo tema mais frequente (16,3%

dos casos), é um indicador importante da intensificação de insatisfações sociais

relativamente aos serviços públicos.

Figura 17 - Participação Relativa dos Objetos “Questões Agrárias” e “Transporte,Trânsito e Circulação” no Total das Ocorrências Registradas em cada Ano

Já a Figura 17 mostra as variações da participação relativa na amostra de

cada ano do quarto e quinto objetos mais frequentes no total da amostra (em torno

de 5% do total da amostra). As "Questões Agrárias" estão ausentes das notícias

até 1980, apresentando um crescimento contínuo de sua importância relativa até o

ano de 2005, declinando significativamente em 2010. Tal trajetória esta

diretamente relacionada à trajetória reivindicatória dos Movimentos Sociais Rurais,

analisada anteriormente, que foram capazes de colocar e manter a Reforma

Agrária como temática importante da agenda política do país.

No que se refere às demandas relacionadas a "Transporte, Trânsito e

Circulação", verifica-se, no ano de 1970, uma ocorrência significativa de

reivindicações cujo objeto centra-se nesse tema, que se apresenta como o

segundo tema mais frequente no período (14,4% dos casos). A partir de 1975,

repertórios relacionados a esse objeto diminuem bastante, com novo pico somente

em 2005, quando aparecem como o terceiro tema mais frequente (11,7% dos

casos), antecipando a centralidade adquirida pelo tema no ciclo de protestos de

2013.

Figura 18 - Participação Relativa dos Objetos “Poluição ou PreservaçãoAmbiental”, “Reivindicação e Garantia de Direitos de Grupos Minoritários ou

Marginalizados”, “Segurança Pública” e “Infra-Estrutura e Saneamento” no Totaldas Ocorrências Registradas em cada Ano

Por fim, a Figura 18 apresenta as variações da participação relativa na

amostra de cada ano do sexto ao nono objeto mais frequente o total da amostra

(entre 1,9% e 3,0% do total da amostra). Os dados sobre o objeto “Poluição ou

Preservação Ambiental” mostram uma dinâmica, em parte, muito relacionada a

conflitos ambientais locais. Em 1975 - ano com forte presença do tema ambiental,

quando é o quarto mais frequente (10,1% dos casos) – ocorre um evento histórico

para a mobilização ambiental no Rio Grande do Sul. Estudantes subiram em

árvores que seriam cortadas para a ampliação de uma via em frente à Faculdade

de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ocorrência que gera

reações de apoio, inclusive, no jornal Zero Hora. Ainda, esse é o primeiro ano da

amostra após a fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente

Natural (Agapan).

No que se refere à "Reivindicação e Garantia de Direitos de Grupos

Minoritários ou Marginalizados", observa-se que esta temática apresenta uma forte

oscilação ao longo do período analisado. A baixa frequência relativa deste objeto

não deixa de ser surpreendente e problematiza diversas hipóteses sobre a

ascensão de movimentos identitários de segmentos marginalizados da sociedade

a partir da década de 1980 em detrimento de reivindicações baseadas em

identidades de classe/sócio-profissionais ou de melhorias das condições materiais

de existência.

Já a segurança pública, tema que não figurava como objeto muito frequente

em repertórios de reivindicação até o ano 2000, passa a representar uma

porcentagem relevante do total dos mesmos a partir de 2005. Em 2010, este tema

atinge 10,5% do total de casos, se constituindo no terceiro tema mais frequente

nas reivindicações.

Por fim, objetos de confronto ligados à infraestrutura e saneamento, que em

1970 representavam 11,9% do total de eventos, caem significativamente até 1985,

com pequena oscilação para cima em 1990 e chegando a 0% em 1995 e 2000.

Em 2005 e 2010 voltam a ter representatividade, mas muito pouco expressiva,

ficando entre 1,1% e 1,2% do total de casos. A queda no percentual de repertórios

de contestação reivindicando infraestrutura e saneamento, objeto de confronto

com grande número de incidência nos anos 70, quando reclamações

concernentes a problemas em bairros realizadas por grupos e associações de

moradores representava uma das únicas formas de contestação possível, pode

estar relacionada à crescente atenção dedicada a partir dos anos 1980 a

processos democráticos participativos, culminando na implantação do Orçamento

Participativo em Porto Alegre, em 1989. O deslocamento das demandas de

infraestrutura e saneamento para o Orçamento Participativo pode explicar, em

parte, a queda no número de casos de reivindicação com este objeto.

Considerações Finais

A grande quantidade de dados produzidos por meio da AEP, abrangendo

um amplo recorte geográfico e temporal, permite a visualização de tendências

históricas nos processos de mobilização social no Rio Grande do Sul. Confrontos

políticos podem assim ser caracterizados ao longo do tempo, atentando-se para

mudanças pertinentes em suas dinâmicas.

No que tange aos repertórios da ação coletiva, os dados indicam uma

importância cada vez maior dos repertórios extra-institucionais e, particularmente,

de atos, passeatas e carreatas conduzidas em locais públicos. Observa-se, ainda,

uma retração na importância relativa das notificações de uso de repertórios

institucionalizados, que podem indicar ou a diminuição efetiva de sua importância

ou, contrariamente, sua rotinização, retirando o caráter de “notícia” de tais

acontecimentos.

Observa-se, ainda, a centralidade do Estado e, particularmente, do Poder

Executivo como alvo das manifestações públicas de demandas coletivas,

destacando-se a estabilidade da importância do Governo Federal nesse aspecto

ao longo do tempo. Organizações de trabalhadores são os principais promotores

dos repertórios analisados. Servidores públicos se apresentam como

protagonistas em diversos períodos e, mais recentemente, profissionais

autônomos e liberais, bem como movimentos sociais rurais ganham destaque. De

forma coerente à centralidade de sindicatos, federações e associações de

trabalhadores e de grupos patronais, demandas relacionadas às posições de

classe são também centrais em todos os anos analisados. Recentemente,

demandas relacionadas a direitos básicos voltam a ter importância relativa

semelhante a que tiveram na década de 1970 e o tema da segurança pública

surgem como um novo objeto importante.

As dinâmicas do passado e seus desenvolvimentos recentes podem auxiliar

uma compreensão de fenômenos contemporâneos, indicando o que pode ser visto

como permanência e o que se caracteriza como quebra da tendência histórica.

Os eventos ocorridos em junho de 2013 em todo o Brasil, por exemplo, parecem

confirmar algumas tendências históricas observáveis nesse estudo. Se a hashtag

“#vemprarua” se tornou um dos marcos simbólicos desses eventos, os dados

apontam que o “ir para a rua” vem historicamente se consolidando como o mais

importante repertório de manifestações públicas de demandas coletivas. Ainda, a

centralidade das críticas ao Poder Executivo Federal observada nesses eventos

reproduz uma antiga tendência histórica observável nos dados. Os dados indicam,

portanto, que sujeitos dispostos a se mobilizarem já encontravam na “rua” e no

“Governo Federal” a forma e os alvos de ação modulares para expressar suas

demandas.

Tais eventos, no entanto, apresentam um novo padrão de atores

mobilizados e de objetos de confronto. Dessa forma, uma das questões centrais a

serem respondidas sobre Junho de 2013, de acordo com os dados dessa

pesquisa é: como organizações sindicais e demandas relacionadas às posições

de classe perdem a centralidade nesses eventos? Os dados apontam pequenas

tendências recentes que merecem ser exploradas nesse sentido, tais como: a

retomada da importância de atores ligados ao setor patronal (principalmente, no

setor rural); o crescimento de uma pauta tradicionalmente conservadora, a

segurança pública; e a estabilidade do tema do transporte, do trânsito e da

circulação ao longo dos anos.

Porém, a característica massiva e midiática de tais eventos pode

obscurecer dinâmicas que não atraem a atenção de pesquisadores e leitores de

jornal de forma tão intensa. Apenas a análise de um grande conjunto de dados

relativos a anos mais recentes permite sabermos se, de fato, sindicatos e

questões ligadas a posições de classe perdem importância nos anos presentes,

ou se as grandes mobilizações se constituem como exceções frente à

continuidade de um padrão histórico. É necessária, portanto, a continuidade desse

e de outros estudos com essas características, para que, através de análise de

macro-dinâmicas do passado, do presente e do futuro, possamos compreender

melhor as dinâmicas da contestação.

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