diÁlogos (im)possÍveis entre a danÇa e o teatro

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO MIRZA FERREIRA DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO ARTISTA CÊNICO NO CEFAR CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MIRZA FERREIRA

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

CAMPINAS 2017

MIRZA FERREIRA

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia Maria Strazzacappa Hernández O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MIRZA FERREIRA, E ORIENTADA PELA PROF.ª Dr.ª MÁRCIA MARIA STRAZZACAPPA HERNANDEZ

CAMPINAS 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

Autora: Mirza Ferreira

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª Dr.ª Márcia Maria Strazzacappa Hernandez

Prof.ª Dr.ª Sayonara Sousa Pereira Prof.ª Dr.ª Lilian Freitas Vilela Prof.ª Dr.ª Verônica Fabrini Machado de Almeida Prof.ª Dr.ª Ana Angélica Medeiros Albano

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

Dedico esta tese à minha avó Ermelinda que partiu desse mundo sem aprender a juntar as letrinhas...

AGRADECIMENTOS

Gracias a la vida que me ha dado tanto! Violeta Parra

Minha imensa gratidão....

Aos meus pais (Mirna e José Maria) por terem me dado raízes fortes o suficiente para que eu

pudesse criar asas e voar.

À Tatá por me dar a oportunidade de vivenciar o maior amor do mundo e por sempre me ensinar

tanto. Obrigada por mais do que filha, ser minha amiga e parceira para tantas coisas da vida,

dentre elas, a dança.

Ao Terra pela parceria de uma vida quase inteira, por me ajudar a ser quem eu sou, pelas leituras

minuciosas da tese, por fazer o possível para tornar os meus dias de trabalho intenso mais leves

e, principalmente, por ser meu porto seguro sempre. Só é possível ir porque eu sei que tenho

para onde voltar!

À minha querida orientadora Márcia Strazzacappa por tantas coisas! Pelo apoio constante, pela

confiança expressa no convite para eu assumir uma disciplina que lhe era tão cara, pelo exemplo

de como ser artista na universidade, pela amizade e pela paciência em respeitar o meu tempo.

À Carol (Ana Carolina B. V. Portugal) por toda a força durante o processo de seleção. Sua ajuda

e cumplicidade foram essenciais!

À Cris (Ana Cristina B. V. Daltro) e família por terem me recebido de portas e corações abertos

em sua casa. Muito obrigada por terem me oferecido um lar em Campinas nos primeiros anos

do doutorado!

Ao professor Rogério Moura por ter sido o primeiro orientador (ainda que só para formalidades)

e por todo o incentivo e disponibilidade em resolver as tantas burocracias durante o primeiro

ano do doutorado.

À professora Ana Angélica Albano pela disciplina encantadora, pelos eventos enriquecedores,

pelo acolhimento no momento em que minha orientadora estava longe e por ter aceitado o

convite para participar da banca de defesa.

À professora Joana Ribeiro Tavares pela participação e colaboração no exame de qualificação

e pelo enorme carinho em me disponibilizar material tão precioso sobre sua história no CEFAR.

Às professoras Lilian Vilela, Sayonara Pereira e Verônica Fabrini por aceitarem o convite para

participar da banca de defesa. À Verônica os agradecimentos se estendem também à sua

participação no exame de qualificação.

Aos alunos e professores do CEFAR, que aceitaram participar dessa pesquisa, especialmente

às coordenadoras Joana Wanner e Letícia Castilho, por abrirem as portas da escola para mim e

me receberem de forma tão acolhedora.

À Lidiane Lobo pelo apoio fundamental no encerramento do primeiro semestre de 2012.

À Lelê (Alessandra Ancona Faria) pela amizade e por todo o apoio na época do exame de

qualificação. Sua amizade foi um grande presente que o Laborarte me deu!

À amiga-irmã-comadre Carla Ávila por uma vida de amizade, parceria, companheirismo,

trocas, afetos, danças, madrinhagens mútuas, sonhos e muito amor! E, especialmente nessa fase,

pela companhia na salinha do Laborarte.

À amiga Laura Pronsato pela amizade e pelo importante apoio nos primeiros anos de doutorado.

As conversas, os lanches da tarde, os tantos momentos divididos, me nutriram e tranquilizaram

em momentos tão delicados da minha vida de mãe-doutoranda.

Às amigas de sempre (e para sempre): Kate (Kátia Figueiredo), Wal (Walquiria Pompermeyer),

Ló (Ló Guimarães), Paula (Salles), Lúcia (Nobre) e Ju (Juliana Couto) pelas alegrias vividas,

divididas e dançadas! E pelos incentivos e envios de energias positivas nessa fase de escrita da

tese.

À Rux (Ruxelli Bergamaschi) pela amizade, pela confiança, pela “força da mente” tantas vezes

enviada e, principalmente, pela parceria tão generosa na busca por uma forma de expressarmos

nossa arte.

Às amigas do “Quarteto Soprano” (Carla Silveira, Fábia Bozzola e Janaína Lanaro) pelo

incentivo e torcida constantes.

À minha irmã-amiga-comadre (Mayra F. R. Laranjeira) por estar sempre presente em minha

vida e por ter me dado a grande alegria de me tornar madrinha!

Aos pequenos afilhados Andrey e Rudá, e aos sobrinhos Antony e Ravi, por me trazerem tantas

alegrias. Dentre elas a descoberta de que o amor de tia-madrinha é quase tão grande quanto o

de mãe!!

Aos professores que de algum modo me (trans)formaram com suas práticas docentes

inspiradoras.

Aos alunos (do passado, do presente e do futuro) que me dão o prazer de ensinar. Ser professora

de dança é uma das grandes alegrias da minha vida!

Aos colegas e professoras do Laborarte pelos compartilhamentos, trocas e discussões, mas

principalmente, por me ensinarem que é possível fazer pesquisa acadêmica sem abrir mão da

minha subjetividade.

Aos colegas do GPAP (Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia) - com um obrigada especial à

professora Mírian Celeste Martins, por me mostrarem que é possível encontrar afeto e respeito

no mundo acadêmico. Fazer parte desse grupo é uma honra para mim!

Aos funcionários da Faculdade de Educação que realizam suas tarefas de secretaria, limpeza,

segurança e informática, tão essenciais para o dia a dia de todos os que passam por lá.

Aos amigos e familiares que de perto ou de longe estiveram sempre mandando mensagens de

apoio e torcida constantes.

À toda a comunidade das Danças Circulares - com um agradecimento especial à Cristiana

Menezes que foi quem me introduziu nesse universo – pelos tantos momentos dançados e por

compartilharem comigo a crença de que juntos, de mãos dadas, somos muito mais fortes.

Ao povo brasileiro que através da CAPES me concedeu a bolsa de doutorado, o que viabilizou,

por um período, minhas idas e vindas constantes.

***

Como artista da dança e educadora, não posso deixar de DESAGRADECER ao ilegítimo

presidente Michel Temer e toda a sua equipe de (des)governo pelo desrespeito com que vêm

tratando as áreas de cultura, educação e pesquisa, destruindo em poucos meses tantos avanços

que o país levou anos para alcançar. A falta de perspectiva de um futuro digno em nosso país

foi fundamental para o meu desânimo em terminar essa tese! Que seja só uma questão de

tempo...

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff,

levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul.

Ele, o mar, está do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas

de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente

de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu

fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando

finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu

ao pai: ‘Me ajuda a olhar!’

Eduardo Galeano

A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.

Viviane Mosé

É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.

Paulo Freire

RESUMO

A partir do pressuposto de que uma das características da cena contemporânea é a hibridização

das linguagens artísticas, a presente pesquisa de cunho qualitativo teve como foco principal

analisar a formação profissional de atores e de artistas da dança visando verificar se essa

hibridização se faz presente no processo de formação inicial do artista cênico. O lócus da

pesquisa foi o Centro de Formação Artística (CEFAR) da Fundação Clóvis Salgado, uma das

principais escolas de nível técnico profissionalizante do estado de Minas Gerais, em Belo

Horizonte, que agrega as duas formações. Por meio de observação de campo durante o ano

letivo de 2014 e da realização de entrevistas semiestruturadas junto a estudantes, professores e

coordenadoras das escolas de Dança e de Teatro do CEFAR, buscou-se identificar quais eram

os princípios e as práticas que fundamentavam a preparação corporal dos estudantes e investigar

as similaridades e divergências entre a dança e o teatro durante o processo de formação. A

pesquisa revelou que não há nenhuma característica de hibridização de linguagens durante o

processo de formação destes artistas, visto que a mesma ocorre de forma completamente

separada não havendo, inclusive, integração entre os corpos docentes e discentes de dança e de

teatro. Dentre as principais divergências entre as duas linguagens – dança e teatro - se

destacaram o tratamento dado ao corpo e as metodologias de ensino utilizadas.

Palavras-chave: Dança; Teatro; Corpo; Formação artística; Ensino profissionalizante.

ABSTRACT

Starting from the idea that a contemporary characteristic of artistic languages is hybridization,

this qualitative research is focused on the education of professional dancers and actors, trying

to identify if such hybridization is present in the preparation process of scenic arts professionals.

The locus of this research was the Centro de Formação Artística (CEFAR) of Fundação Clóvis

Salgado, one of the main vocational schools of arts of the state of Minas Gerais, Brasil, at the

city of Belo Horizonte, which offers the two courses. By using field observation during the

2014 term and semistructured interviews with students, teachers, and coordinators of Dance

and Drama Schools of CEFAR, we tried to identify which principles and practices which

sustained the body preparation of the students and to search for similarities and divergencies

between Dance and Drama along this process. This research shows the absence of hybridization

manifestations during the preparation process, given the parallel strucure of the schools, without

any integration between students or teachers. Among the major divergencies between the two

languages — dance and drama — we singled oud the treatment given to body and the

methodological tools.

Keywords: Dance; Drama; Body; Artistic training; Vocational education.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem Autor Página

Penélope Tatiana Blass 15

Fotos s/títulos Arquivo pessoal da autora 19

Foto s/título Arquivo pessoal da autora 24

Narcissus Garden Yayoi Kusama 35

Eco e Narciso John Willian Waterhouse 65

La metamorfosis de Narciso Salvador Dalí 83

Narciso after Caravagio Vik Muniz 103

Penélope Tatiana Blass 121

Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................... 15

COMO TUDO COMEÇOU ....................................................................................................................... 19

OS CAMINHOS DA PESQUISA ................................................................................................................ 24

A PESQUISA DE CAMPO..................................................................................................................... 26

• Observações ................................................................................................................................ 27

• Entrevistas .................................................................................................................................. 28

• Análise do material ..................................................................................................................... 31

Capítulo 1 .............................................................................................................................................. 33

1. Meu quintal é do tamanho do mundo... ........................................................................................... 38

1.1 Era uma vez um palácio modernista... ........................................................................................ 38

1.2 A criação do CEFAR ...................................................................................................................... 40

1.3 A organização escolar do CEFAR ................................................................................................. 42

1.3.1 O processo de seleção .......................................................................................................... 42

1.3.2 O projeto pedagógico ........................................................................................................... 46

1.3.3 O corpo discente .................................................................................................................. 54

1.3.4 O corpo docente ................................................................................................................... 57

1.3.5 A integração entre as escolas ............................................................................................... 59

Capítulo 2 .............................................................................................................................................. 65

2. Um estranho no espelho: relações entre a dança e o teatro ........................................................... 68

2.1 Cruzamentos entre a dança e o teatro no tempo e no espaço ................................................... 70

2.1.1 Klauss Vianna: um exemplo brasileiro de entrelaçamento entre a dança e o teatro .......... 72

2.2 Sobre as relações entre a dança e o teatro no CEFAR: o que vi, ouvi e percebi ......................... 74

Capítulo 3 .............................................................................................................................................. 83

3. Um olhar por trás das cortinas... como se forma um artista cênico? ............................................... 86

3.1 Ingredientes para formar um artista da cena... .......................................................................... 88

3.2 O pensamento pedagógico do CEFAR ......................................................................................... 90

3.2.1 A proposta curricular ............................................................................................................ 91

3.2.2 Os professores e seus diferentes estilos de ensino ............................................................. 92

3.3 Do que são feitas as escolas de artes.... ...................................................................................... 96

Capítulo 4 ............................................................................................................................................ 103

4. O corpo que sou versus O corpo que tenho .................................................................................... 106

4.1 Corpo como interface entre a dança e o teatro ........................................................................ 107

4.1.1 Percepções de corpo na dança .......................................................................................... 107

4.1.2 Percepções de corpo no teatro: ......................................................................................... 110

4.2 Sobre os corpos que habitam o CEFAR... .................................................................................. 113

Considerações finais ............................................................................................................................ 121

Antes de partir... ................................................................................................................................. 124

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................... 129

15

APRESENTAÇÃO

16

Los cientistas dicen que estamos hechos de átomos pero a mi um pajarito me contó que estamos hechos de historias. (Eduardo Galeano)

Na mitologia grega, as Moiras eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto

dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar,

tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Durante o trabalho faziam

uso da roda da fortuna, que era o tear utilizado para tecer os fios. Por suas mãos passavam o

destino de todos os seres.

Trago a imagem das moiras para ilustrar como concebo essa tese. Uma trama de

fios de diferentes texturas e cores, vindos de diferentes lugares, carregando diferentes histórias,

que quando cruzados, geram poesia, sugerem movimento, desenham a história de um lugar. O

fio da minha história – o qual passa a fazer parte desta trama – se conecta a tantos outros fios

de pessoas e lugares distintos. E assim, ao observar o desenho da trama composta, já não é mais

possível saber onde começa um e termina outro. A qualidade individual de cada fio não é mais

tão importante. O produto criado a partir do cruzamento de tantos fios e de tantas histórias é o

que mais me interessa.

E dessa forma essa tese foi sendo escrita. Produzindo uma trama de vozes, olhares,

movimentos e sensações. Dela fazem parte fios da história da dança e do teatro, fios de

estudantes e professores do CEFAR, fios de autores que tratam do teatro, da dança, do corpo,

do ensino de arte. Fios que cruzados e trabalhados em uma minuciosa trama geraram o material

que se apresenta aqui.

Durante o processo da escrita, em muitos momentos, tive que buscar entre tantos

fios, o “fio de Ariadne”, afim de encontrar a saída de um labirinto repleto de informações que,

em um primeiro momento, parecia não ser possível organizar. Com a paciência de uma tecelã

que muitas vezes precisa pausar a feitura da trama para desfazer os nós que atrapalham o

desenho, aos poucos fui encontrando o fio central dessa trama que apresento a seguir.

Escrevi um capítulo de Introdução que chamei de “Como tudo começou: Antes

da pesquisa, a pesquisadora...” no qual apresento parte da minha história de vida dando ênfase

aos momentos que se relacionam com os assuntos mais relevantes para essa tese. Procurei trazer

para esse capítulo minhas principais lembranças no que diz respeito ao meu corpo, à dança e à

educação. São três temas que permeiam minha vida desde criança e é a partir deles que entendo

meu lugar no mundo. Se hoje encerro minha pesquisa de doutorado desenvolvida em um grupo

que trata dos “estudos sobre corpo, arte e educação”, é porque de alguma forma as vivências e

17

experiências que tive como artista da dança e professora me trouxeram até aqui. Neste capítulo

também encontram-se expressos os questionamentos que embasaram a pesquisa, assim como

algumas reflexões pessoais sobre o tema. Trechos do Memorial que escrevi para o exame de

qualificação do doutorado, também fazem parte desse capítulo.

Passagens desse mesmo Memorial também foram inseridas como abertura de

alguns capítulos. Nesse contexto é importante anunciar que propositalmente o texto do

Memorial foi escrito em terceira pessoa. Essa opção se deu pelo fato de eu acreditar que toda

memória é um passado recriado. Quem recorda opta (consciente ou inconscientemente) por

destacar ou esquecer determinados fatos. A memória é composta por imagens, cheiros, gostos,

sensações, sonhos, desejos, saudades... E ao acessá-la tem início um processo de recriação

quase ficcional. O resultado é sempre uma narração que o eu atual faz de algo que acredita ter

vivido.

Em seguida apresento o capítulo “Os caminhos da pesquisa”, em que faço uma

descrição detalhada de todo o percurso metodológico da pesquisa, afim de que o leitor possa

compreender como a mesma foi se constituindo. Trago informações sobre a metodologia

utilizada, os participantes da pesquisa, os procedimentos realizados e como os dados obtidos

foram analisados. Esse capítulo tem a principal função de oferecer a novos pesquisadores a

possibilidade de conhecer o caminho que percorri.

O próximo capítulo apresentado – “Meu quintal é do tamanho do mundo...” –

tem como tema o local onde a pesquisa foi desenvolvida: o Centro de Formação Artística do

Palácio das Artes (CEFAR)1. Questões históricas relativas à sua criação, o contexto cultural

que o envolve e questões formais sobre sua organização escolar são apresentadas e discutidas

com base nos depoimentos dos entrevistados (estudantes e professores das escolas de Dança e

Teatro). Trata-se de um capítulo de cunho informativo que levanta importantes questões que

serão aprofundadas nos capítulos seguintes.

Em seguida vem o capítulo “Um estranho no espelho: relações entre a dança e o

teatro”, no qual são apresentadas e discutidas algumas divergências e semelhanças entre as

duas linguagens. As relações que elas estabelecem em diferentes tempos e espaços são

referências para entender como essas relações se dão dentro do CEFAR. Aqui surge o nome de

Klauss Vianna como exemplo de um artista brasileiro que representa o entrelaçamento entre a

dança e o teatro.

1 Em 2016, por decisão da nova diretoria da mantenedora do CEFAR, o nome da escola foi mudado para CEFART (Centro de Formação Artística e Tecnológica). Pelo fato da pesquisa ter sido desenvolvida em 2014, assim como por questões afetivas, optei por manter o nome antigo.

18

No terceiro capítulo “Um olhar por trás das cortinas... como se forma o artista

cênico?”, discuto os conceitos de formação e (trans)formação com base nas diferenças entre a

dança e o teatro. O que é necessário para formar um artista cênico e os pensamentos e práticas

pedagógicas dos professores do CEFAR são analisados a partir de autores que discutem o

ensino das duas linguagens.

Em seguida apresento o capítulo “O corpo que sou versus O corpo que tenho”, o

qual tem como principal objetivo discutir as diferenças de tratamento dado ao corpo na dança

e no teatro. Busco na história das artes da cena referências que tratam do treinamento corporal

nas duas áreas para dialogar com a realidade de corpos que encontrei no CEFAR. Evidencia-se

nesse capítulo uma sensível diferença que se manifesta na forma como bailarinos e atores lidam

com o próprio corpo influenciando, inclusive, na autonomia que demonstram ter sobre suas

próprias formações.

Em um quinto e último capítulo “Antes de partir...” apresento as considerações

finais sobre a pesquisa. Com a sensação de que ainda haveria muito a ser dito, após rememorar

algumas questões da minha formação em dança e voltar a temas apresentados em outros

capítulos, trago alguns novos questionamentos que surgem a partir da finalização da pesquisa.

E, travando uma luta entre tempos internos e externos, aceito que apesar de inacabada, é hora

de colocar o ponto final nessa tese.

19

COMO TUDO COMEÇOU

ANTES DA PESQUISA, A PESQUISADORA...

20

Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo. Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança. (Rubem Alves)

Questões ligadas ao corpo e à dança sempre estiveram presentes em minha vida.

Fosse por meio das brincadeiras no quintal ou das aulas de ballet que comecei a frequentar aos

7 anos de idade, sentir meu corpo em movimento e explorar suas possibilidades sempre me

trouxeram muito prazer. Lembro com uma certa nostalgia das tardes de sábado que eu passava

dançando na sala de casa enquanto meu pai ouvia música italiana; ou da alegria das primeiras

aulas de ballet; ou ainda de como me senti flutuando quando subi pela primeira vez em uma

sapatilha de ponta... São memórias inscritas no corpo.

Como artista da dança, minha formação se deu principalmente em duas escolas na

cidade de São Paulo (Especial Academia de Ballet e Escola Municipal de Bailado2) e, em

seguida, no curso de graduação em dança da UNICAMP3. Neste último, desde a prova de

aptidão, meu corpo foi apresentado a uma série de técnicas e estilos de dança até então

desconhecidos e descobriu inúmeras e novas possibilidades de criação.

Foi ainda na graduação que percebi meu interesse pelo corpo também como fonte

de pesquisa. No segundo ano desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica que investigava

questões anatômicas relacionadas à prática do ballet clássico. O corpo foi novamente escolhido

como tema quando realizei uma breve pesquisa de campo para a elaboração do trabalho final

da disciplina: "Didática aplicada ao ensino de dança", em meu terceiro ano. Voltei ao tema

durante minha pesquisa de mestrado4 quando abordei as transformações corporais ocorridas em

virtude da utilização das novas tecnologias de comunicação e como essas transformações

acarretavam mudanças ao ensino de dança. O corpo sempre esteve presente.

Durante todo o meu percurso na dança, desde a infância, dúvidas e questionamentos

ligados ao meu próprio corpo me acompanharam. A busca por um “corpo ideal”, as relações

entre técnica e expressividade, a importância da presença cênica... Quanto a esta última, lembro-

me de uma professora da graduação que repetia sempre em aula: “no palco, tudo deve ser feito

cenicamente!!!” Mas nunca indicava o caminho para chegarmos a esse estado cênico. Seria

possível indicá-lo? Ou teríamos que aprender a partir da própria experiência? As dúvidas

permaneciam!

2 Hoje Escola de Dança de São Paulo. 3 Cursei o Bacharelado e a Licenciatura em Dança entre os anos de 1992 e 1995. 4 Cursei o mestrado em Educação na área de Metodologia do Ensino na UNICAMP entre os anos de 1998 e 2001.

21

Iniciei minha carreira docente muito precocemente, aos 13 anos de idade. Ao longo

desses quase trinta anos trabalhei em academias de dança, escolas de educação infantil, cursos

de graduação e projetos de extensão universitária. Para mim o ato de ensinar sempre foi

fundamental, mas também esteve associado a muitos questionamentos. Compartilho das ideias

de Lecoq (2010, p. 34):

Na verdade, sempre quis e gostei de ensinar, mas ensinar, sobretudo, para conhecer. É ensinando que posso continuar minha busca, no sentido de conhecer o movimento. É ensinando que compreendo melhor como tudo se movimenta. É ensinando que descobri que o corpo sabe coisas que a cabeça ainda não sabe! Essa pesquisa me fascina e, ainda hoje, desejo compartilhá-la.

Passaram por mim aprendizes com idades entre 2 e 82 anos. Bailarinos5 e não-

bailarinos. E me chamava a atenção a diferença que esses alunos apresentavam quanto à

presença cênica. Em geral os que possuíam um maior domínio da técnica utilizada alcançavam

esse estado mais rapidamente. Mas isso não era regra! Alunos com alto nível técnico podiam

subir ao palco e não dizer nada, enquanto outros, mais fracos tecnicamente, conseguiam

impressionar com suas atuações. A partir dessa percepção, uma questão se fez presente: o que

faz com que alguns corpos digam mais que outros? O senso comum me respondia que era o

talento, mas eu sabia que era preciso sair do senso comum, pois como nos aponta Santaella

(2010): “o senso comum é uma dose de conhecimento comum de que dispomos para dar conta

das necessidades rotineiras. (...) Entretanto, tão logo necessitamos de informação especializada,

comprovada, confiável, esta só pode provir da ciência” (p. 69).

Por ter uma formação artística essencialmente só em dança, acreditava que essas

questões que me acompanhavam relacionavam-se especificamente ao campo da dança e de seu

ensino. Fui surpreendida quando, ao cursar algumas disciplinas isoladas no Programa de Pós-

Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG6, identifiquei que as mesmas questões

também se aplicavam ao campo do teatro. Dessa forma, meu interesse se ampliou para o corpo

do artista cênico, ou artista da cena, como denominado por Pavis (1999). Passei a estudar mais

sobre o tema e pude perceber que as questões ligadas ao corpo em cena estavam muito além de

uma separação entre dança e teatro. Tanto atores quanto bailarinos tinham como local de

construção de seu trabalho o próprio corpo. Percebi que era um campo fértil para muitas

investigações.

5 Bailarino aqui e, ao longo dessa tese, não se refere com exclusividade a quem pratica o ballet clássico. O termo está sendo utilizado como sinônimo de dançarino ou artista da dança. 6 As disciplinas foram cursadas nos anos de 2010 e 2011.

22

Em meio a esses estudos fui apresentada a alguns autores que defendiam a ideia de

que a tendência das artes da cena na contemporaneidade era a hibridização. Intrigada com o

tema busquei mais informações e, com a perspectiva do olhar de educadora que tem me

acompanhado ao longo dos anos, surgiu o interesse em verificar se essa hibridização se fazia

presente no processo de formação de artistas da cena.

Com essas ideias em mente, escrevi um projeto de doutorado então intitulado

“Corpo em cena: que corpo é esse?”. Já nesse primeiro momento com o interesse de verificar

as possíveis similaridades entre a dança e o teatro na construção de um corpo cênico. Com esse

projeto, em 2012, dei início ao meu doutorado em Educação no LABORARTE7. As reuniões

do grupo, as disciplinas cursadas e minha participação em diversos eventos acadêmicos da área

trouxeram, evidentemente, muitas contribuições e alterações para o projeto. Uma delas, talvez

a mais significativa, foi a transformação do CEFAR de simples local para realizar as

observações de campo, para a condição de protagonista da pesquisa.

Inicialmente escolhido por ser uma escola de referência na formação de atores e

bailarinos na cidade em que vivia – Belo Horizonte -, a importância do CEFAR foi tomando

destaque durante o desenvolvimento da pesquisa, talvez pelo fato de minhas relações com ele

irem muito além das acadêmicas. Além de ter sido professora de sua escola de Dança, durante

dez anos frequentei o CEFAR também como mãe de uma das alunas. Assim, minhas relações

com aquele espaço estavam carregadas de memórias e afetos ainda antes mesmo de iniciar a

pesquisa.

Quando passei a frequentar a escola atuando em meu novo papel, o de pesquisadora,

passei a estar alerta para algumas questões que anteriormente não me saltavam aos olhos. E

uma delas, que passou a ser fundamental para a pesquisa, foi a relação entre as escolas de Dança

e Teatro. Percebi o quanto eu, como professora da escola de Dança, desconhecia a escola de

Teatro e seus professores. O quanto não havia integração entre as escolas. Agora me interessava

saber os motivos para essa falta de integração.

Mantendo ainda a ideia original de investigar as possíveis similaridades e

divergências no processo de formação do artista cênico, meus interesses se ampliaram para

entender também quais os princípios e as práticas que fundamentavam a preparação corporal

dos atores e dos bailarinos em formação no CEFAR. E foram essas as questões que me guiaram

durante toda a pesquisa que resultou nessa tese.

7 Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação – FE – UNICAMP.

23

Percebo, ao observar minha trajetória, que meus principais questionamentos

tiveram origens em dúvidas e buscas pessoais que foram se acumulando durante minha

experiência como estudante, artista da dança, educadora e pesquisadora. Não são frutos apenas

de uma reflexão teórica sobre o fazer dança (ou teatro), mas sim frutos de uma postura crítico-

reflexiva como artista e professora de dança. Entender o corpo e suas potencialidades foi uma

busca constante em minha vida desde a infância – ainda que, naquele momento, eu não soubesse

disso.

24

OS CAMINHOS DA PESQUISA

25

“Toda pesquisa nasce, portanto, do desejo de encontrar resposta para uma questão.”

(Santaella, 2010, p.72)

Apesar de não ser uma exigência, eu penso que relatar os procedimentos de pesquisa

em uma tese, mais do que cumprir uma formalidade, tem a função de oferecer a outros a

possibilidade de conhecer o caminho que percorri para, a partir dele, buscar o seu próprio

caminho. É pensando nos que virão que busco apresentar detalhadamente a metodologia dessa

pesquisa.

De acordo com Pereira de Queiroz (1983, p.70), “toda proposição de uma pesquisa

se efetua dentro de um universo muito restrito - o universo do pesquisador (...) - a partir de seus

conhecimentos, de seus raciocínios e da sua visão do mundo”. De onde conclui-se que a

metodologia de pesquisa a ser utilizada deve ser algo em que o pesquisador acredite e com a

qual se identifique.

(...) não escolhemos em um armário de metodologias essa ou aquela que melhor nos atende, mas somos “escolhidas/os” (e esta expressão tem, na maioria das vezes, um sabor amargo) pelo que foi historicamente possível de ser enunciado; que para nós adquiriu sentidos; e também nos significou, nos subjetivou, nos (as)sujeitou (CORAZZA8 citado por LIMA, 2016, p. 86).

Por acreditar que essa pesquisa habita o que considero um entrelugar9, fui buscar

diferentes linhas metodológicas afim de encontrar a que eu considerasse a mais adequada. A

busca se deu tanto na área de humanas, em especial da educação, por se tratar de uma pesquisa

que se desenvolve em um programa de pós-graduação em educação, quanto na área de artes,

pois apesar de não ter como objetivo um produto artístico, toda a minha pesquisa de campo se

daria na área das artes cênicas (aulas, ensaios e espetáculos de dança e teatro).

Após ponderar todas essas informações, optei pela linha da pesquisa qualitativa pois

compartilho da visão de Triviños (1987) quando este afirma que:

(...) o processo da pesquisa qualitativa não admite visões isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica retroalimentando-se, reformulando-se constantemente, de maneira que, por exemplo, a coleta de dados num instante deixa de ser tal e é análise de dados, e esta, em seguida, é veículo para nova busca de informações. As ideias expressas por um sujeito numa entrevista, verbi gratia, imediatamente analisadas e interpretadas, podem recomendar novos encontros

8 CORAZZA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos – novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 105-131.

9 “Pensar nos lugares do corpo e da arte na vida humana leva-nos, inescapavelmente, aos entrelugares, aos desvãos, aos esconderijos onde o inexplicável, poeticamente, também se faz presente... Coloca-nos numa posição onde não estamos nem lá nem cá, desafiando nosso desejo de encontrar um refúgio seguro. (...) [move-nos] sinuosamente, de um lado para outro, de baixo para cima, em diagonal; do corpo para a arte, da arte para o corpo; na continuidade e na descontinuidade dos tantos e dos intensos diálogos que os estudos do corpo e da arte vêm realizando já há algum tempo no meio acadêmico, habitando os lugares entre as áreas consideradas sérias e produtivas (STRAZZACAPPA et al, 2010, p.15).”

26

com outras pessoas ou a mesma, para explorar aprofundadamente o mesmo assunto ou outros tópicos que se consideram importantes para o esclarecimento do problema inicial que originou o estudo (p.137).

Acredito ainda que a pesquisa de caráter qualitativo, na qual se trabalha com a

vivência, a experiência, a cotidianidade e a compreensão das estruturas e instituições como

resultantes da ação humana objetivada, possibilita uma maior reflexão e um aprofundamento

das complexidades do objeto de estudo (MINAYO, 1994).

Definido o território – a pesquisa qualitativa – faltava escolher os caminhos que

seriam trilhados em busca de meus objetivos pois como aponta Zamboni (2006, p.52):

Toda pesquisa necessita de um método para chegar a seus objetivos. Método é o caminho pelo qual estes são alcançados. Poderá haver vários caminhos diferentes, mas existirá sempre um mais adequado para ser trilhado. Essa adequação não diz respeito somente a uma escolha no seu sentido lógico mais apurado; o adequado revela também o ponto de vista pessoal de quem escolhe (o que é adequado para um indivíduo obrigatoriamente pode não ser para outro), e o paradigma em que o indivíduo está atuando, pois a escolha do caminho adequado está intimamente ligada ao conjunto de regras e das teorias em que se está atuando.

Dessa forma, foram escolhidos alguns caminhos que se entrecruzaram em diversos

momentos. O primeiro foi o da revisão bibliográfica em busca do apoio teórico necessário para

dar continuidade à caminhada. Foram estudados temas relacionados ao corpo cênico (história

do corpo em cena, conceituações de corpo cênico, métodos de preparação corporal do artista

cênico), ao ensino da dança e do teatro e aos cursos técnicos profissionalizantes. Em seguida

foi escolhido o caminho que me aproximaria do meu objeto de estudo, a fase denominada de

pesquisa de campo. Esse caminho se bifurcou em duas trilhas: a trilha da observação não-

participante e a da entrevista semiestruturada. Trilhas que me proporcionaram uma maior

compreensão das singularidades do universo pesquisado.

A PESQUISA DE CAMPO

• Local

A escolha do CEFAR como local para a realização de minha pesquisa de campo se

deu por três motivos principais. Primeiro, por acreditar que os cursos técnicos

profissionalizantes são responsáveis pela formação de um número significativo de artistas da

dança e do teatro e, de acordo com os estudos realizados, é um campo pouco pesquisado e

discutido. Segundo, porque durante três anos fiz parte do corpo docente de sua escola de Dança

e algumas das questões levantadas nessa pesquisa originaram-se em minha prática ali

vivenciada. E terceiro, por sua localização, pois Belo Horizonte tem se destacado no contexto

da produção nacional em dança e em teatro.

27

Em setembro de 2013, foram feitos os primeiros contatos com a então gerente de

ensino que era a responsável pela supervisão das três escolas do CEFAR (dança, música e

teatro). Em seguida foi marcada uma reunião com as coordenadoras das escolas de dança e

teatro, na qual apresentei o meu projeto esclarecendo como se daria a parte prática da pesquisa.

Provavelmente por já ter sido professora da escola de Dança, fui recebida com

muito entusiasmo. Ambas as coordenadoras se colocaram inteiramente à disposição para ajudar

no que fosse possível, autorizando a minha entrada na escola sempre que necessário. Surgiu

nesse momento de primeiros contatos uma diferença que considero relevante explicitar.

A coordenadora da escola de dança enfatizou que as portas da escola estavam

abertas para mim e que eu poderia entrar e sair de qualquer sala/aula quando fosse necessário.

Imediatamente me entregou a grade de horários dos três anos do curso profissionalizante

deixando à minha livre escolha quando e quais aulas assistir. Apesar de sua autorização

enquanto coordenadora da escola, fiz questão de pedir que ela avisasse a todos os professores

(na grande maioria meus conhecidos) sobre a minha pesquisa, informando que eu estaria

presente em algumas aulas e ensaios.

No caso da coordenadora da escola de teatro, apesar de também ter se demonstrado

bastante receptiva à pesquisa, ela fez questão de esclarecer que eu deveria conversar

individualmente com cada professor. Gentilmente me indicou os que ela considerava mais

interessantes de acordo com os meus objetivos e enfatizou que eles teriam toda a liberdade em

aceitar ou não a minha presença dentro da sala.

• Observações

Iniciei em novembro de 2013 uma fase que considerei de observações preliminares.

Nesta etapa assisti a algumas aulas de dança e de teatro e acompanhei os ensaios e o espetáculo

de formatura dos estudantes de dança. Mais do que obter dados para a pesquisa, essa fase tinha

o intuito de entender a dinâmica das escolas, me aproximar dos estudantes e dos professores e,

desta forma, elaborar elementos para uma nova fase de observação mais aprofundada.

Em março de 2014, retornei ao CEFAR, agora sim participando intensivamente da

rotina de aulas, ensaios, apresentações de trabalhos e espetáculos. Foram três meses de visitas

diárias dividindo meu tempo entre os três anos do curso de Dança e de Teatro pois as aulas

acontecem concomitantemente (os dois cursos são noturnos com horário de aulas de 18h às

22h40).

Quanto à opção pela observação como método de pesquisa, é importante lembrar

que pelo fato do objeto de estudo ser o corpo, a observação se faz necessária pois “as práticas

28

apenas podem ser acessadas por meio da observação, uma vez que as entrevistas e as narrativas

somente tornam acessíveis os relatos das práticas e não as próprias práticas” (FLICK, 2009, p.

203). Ainda vale ressaltar que a observação satisfaz as necessidades principais da pesquisa

qualitativa enfatizando a relevância da prática manifesta do sujeito e a ausência da necessidade

do estabelecimento de pré-categorias para compreender o que se observa (TRIVIÑOS, 1987).

A opção específica pela observação não-participante baseia-se na tentativa de,

como observadora, não influenciar a prática observada. Porém estou ciente que o ato da

observação sempre tem algum grau de influência sobre o observado (FLICK, 2009). Sei que

por mais que eu tenha buscado uma postura neutra, minha presença pode ter influenciado, ainda

que minimamente, a prática observada.

Alguns ensaios, apresentações de trabalhos e espetáculos foram filmados como

material de pesquisa também. Bauer (2007) afirma que “o vídeo tem uma função óbvia de

registro de dados sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser

descrito compreensivamente por um único observador” (p.149). Caso que, a meu ver, inclui as

práticas corporais.

Durante todo o período das observações elaborei um diário de bordo onde tomei

nota do que via, ouvia, sentia e pensava. Esse diário se tornou uma importante fonte de dados,

pois nele estão impressas as observações a partir do meu ponto de vista. Em minhas anotações

busquei “ser eu em cada palavra(...) ser um eu aberto em relação a todas as partículas e

pensamentos que correm comigo, ao meu lado, entre mim e o outro. Pensamentos que dialogam

com minhas inquietações” (FERRACINI, 2004, p.17). Ao retornar ao diário, durante a escrita

da tese, pude rever não apenas minhas anotações descritivas, mas também minhas sensações e

reflexões que ali ficaram registradas.

• Entrevistas

Optei pela entrevista semiestruturada pautada no fato dela oferecer um amplo

campo de interrogativas que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do

entrevistado. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha do seu

pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa

a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987). Outra vantagem da

entrevista semiestruturada é que parece existir uma relação entre o grau de liberdade deixado

ao entrevistado e o nível de profundidade das informações que ele pode fornecer. A liberdade

deixada ao entrevistado facilita a produção de informações sintomáticas que correriam o risco

de serem censuradas num outro tipo de entrevista. (MICHELAT, 1980).

29

Como não seria possível – nem tampouco necessário - entrevistar todos os

professores e estudantes, me pautei em alguns critérios para realizar os convites. No curso de

Teatro convidei primeiramente os cinco professores cujas aulas eu havia acompanhado. Apenas

um não pode participar devido a indisponibilidade de agenda. Em seguida convidei os dois

diretores responsáveis pelas montagens dos espetáculos de formatura daquele ano. Um é

professor da escola e o outro, ex-aluno. Por último entrevistei um professor que participou da

criação do CEFAR tendo sido o primeiro coordenador da escola de Teatro. No curso de dança

convidei duas professoras de técnica clássica, um professor de dança contemporânea (que

também trabalha no curso de teatro), uma professora de dança contemporânea e composição

coreográfica, uma professora de danças populares10 e as duas coreógrafas convidadas (uma é

ex-aluna da escola). Todos aceitaram o convite.

No caso dos estudantes, fiz o convite em aberto para todas as turmas deixando que

os interessados se manifestassem através de uma ficha onde colocavam seus dados para contato

e disponibilidade de horário. Como acompanhei as aulas por um tempo razoável, eu já sabia

quais eram os alunos que se expressavam mais, que exerciam algum tipo de liderança em suas

turmas, dentre outras características pessoais. Porém fiz questão de não os selecionar

acreditando que assim estaria dando espaço para que todos os interessados tivessem a chance

de participar.

O número de interessados foi muito maior do que minha expectativa, o que

interpretei positivamente pois me pareceu que eles queriam ser ouvidos. Demonstraram

interesse em participar 20 estudantes da escola de teatro e 13 da escola de dança. Por uma

questão de compatibilidade de horários foi possível realizar a entrevista com 7 estudantes de

teatro e 6 de dança11.

Ao todo entrevistei 29 pessoas12 o que considero um número bastante alto para uma

pesquisa qualitativa pois sei que “o importante é explorar ao máximo a riqueza de cada

depoimento e não a quantidade deles” (DEMARTINI, 1992, p. 255). Porém, considerei

fundamental realizar as entrevistas com os professores que observei e com os estudantes que se

dispuseram pois só assim pude esclarecer e aprofundar elementos levantados durante o período

de observação.

10 Por motivo de problemas técnicos com a gravação, a entrevista com essa professora não foi utilizada. 11 Por motivo de problemas técnicos com a gravação, a entrevista com um dos alunos de Dança não foi utilizada. 12 Com relação aos aspectos éticos da pesquisa, todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde consta autorização para revelação de identidade. As informações pessoais dos entrevistados encontram-se no final deste capítulo.

30

As entrevistas foram realizadas em sua maioria nas dependências do CEFAR, com

exceção de quatro professores que optaram por realizá-la em suas próprias casas e uma

professora que preferiu me encontrar em um outro local onde trabalhava. Em todos os locais

busquei uma área tranquila e reservada para que o entrevistado pudesse se sentir à vontade e

onde fosse possível fazer a gravação sonora da entrevista.

A utilização do gravador facilita a captação das informações pois “este mecanismo

permite apanhar com fidelidade os monólogos do informante, ou o diálogo entre informante e

pesquisador, guardando-os em seguida por um longo tempo” (PEREIRA DE QUEIROZ, 1983,

p. 45). Porém, este tipo de gravação não registra uma importante gama de manifestações como

as expressões faciais, os gestos, as mudanças de postura e de tom de voz, dentre outras

manifestações não-verbais. Ciente dessa fragilidade da técnica utilizada, procurei estar atenta

às manifestações corporais dos entrevistados, tomando nota sempre que possível.

Cada entrevista13 foi realizada de forma individual em horários previamente

agendados com os entrevistados. A duração variou bastante pois por se tratar de um modo de

entrevista onde o entrevistado tem a liberdade da palavra e a disponibilidade do tempo que

considerar necessário para elaborar seu pensamento, o tempo de duração varia de acordo com

sua história de vida, suas características pessoais, seu envolvimento com o tema, dentre outros

fatores individuais. Também foi dada liberdade para que os entrevistados trouxessem novas

questões para a conversa. Muitos trouxeram assuntos bastante pessoais o que considerei a priori

positivo pois interpretei como uma forma de demonstrarem que estavam seguros e bastante à

vontade.

(...) ao mesmo tempo em que coleta informações, o pesquisador oferece ao seu interlocutor a oportunidade de refletir sobre si mesmo, de refazer seu percurso biográfico, pensar sobre sua cultura, seus valores, a história e as marcas que constituem o grupo social ao qual pertence, as tradições de sua comunidade e de seu povo. Quando realizamos uma entrevista, atuamos como mediadores para o sujeito apreender sua própria situação de outro ângulo, conduzimos o outro a se voltar sobre si próprio; incitamo-lo a procurar relações e a organizá-las. Fornecendo-nos matéria-prima para nossas pesquisas, nossos informantes estão também refletindo sobre suas próprias vidas e dando um novo sentido a elas. (DUARTE, 2004, p.220).

Todas as entrevistas foram transcritas por mim pois compartilho com a ideia de

Pereira de Queiroz (1983, p. 83) quando afirma que “a transcrição efetuada pelo próprio

pesquisador tem, também, o valor de uma primeira reflexão sua sobre a experiência de que

partilhou, e que ele cria uma segunda vez ao escutar a fita”. Ouvir as entrevistas durante as

transcrições trazia sempre a memória de algum gesto ou movimento realizado pelo entrevistado.

13 Foram elaborados roteiros para cada grupo de entrevistados (professores, coordenadoras e estudantes).

31

• Análise do material

Após a transcrição de todas as entrevistas – o que durou aproximadamente um ano

e produziu cento e oitenta páginas de material - veio a fase de análise. Considero importante

salientar que análise aqui é entendida em um sentido mais amplo, o qual inclui a interpretação

dos dados da pesquisa em toda a sua completude. Foi preciso apurar o olhar e ter muita

sensibilidade (ainda que amparada pela teoria) para fugir das generalizações e dos julgamentos

e conseguir me aproximar ao máximo de cada microuniverso apresentado pelos entrevistados.

Busquei, a partir da análise de todo o material (entrevistas e observações), interpretar o que

estava por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que estava sendo

comunicado (GOMES,1994).

Em diversos momentos me senti bastante perdida em meio à grande quantidade de

material que eu tinha para analisar. Precisei buscar o “fio de Ariadne” para encontrar a saída do

labirinto. A saída encontrada foi trabalhar com eixos temáticos articulados aos objetivos

centrais da pesquisa (DUARTE, 2004). Assim defini alguns eixos principais (Corpo, Técnica,

Expressão, Dança/Teatro, Ensino e CEFAR) e fui retirando das entrevistas as informações

relacionadas a cada um dos temas. Criei ainda uma espécie de “eixo extra” que denominei

“Interessante” onde eu colocava todas as informações que por algum motivo me chamavam a

atenção, mas não se relacionavam diretamente a nenhum dos outros temas.

Em uma próxima etapa voltei ao material criando, dentro de cada tema, grupos

organizados de acordo com as funções dos entrevistados no CEFAR. Ou seja: professores da

escola de Teatro; professores da escola de Dança; estudantes da escola de Teatro; estudantes da

escola de Dança. Nessa fase me interessava entender as similaridades e divergências sobre os

temas dentre os que praticam dança e os que praticam teatro.

A escrita da tese, a partir desses temas, não foi tão simples quanto eu imaginava,

pois para mim os eixos sempre estiveram muito interligados. Muitas vezes, ao falar de corpo

cênico, o discurso vinha carregado de informações sobre ensino de dança (ou de teatro); em

outras, ao descrever determinada ação pedagógica, um professor se utilizava de questões

relacionadas a uma técnica específica. A minha vontade era, cada vez mais, criar uma tese em

espiral onde os temas estivessem interligados e, a cada vez que passássemos por cada tema,

conseguíssemos entendê-lo com mais profundidade. Não sendo possível desenvolver essa ideia

em um material que se apresente na estrutura linear de um texto, como estamos acostumados a

conceber uma tese, aceitei a ideia dos capítulos.

32

Os eixos Técnica e Expressão foram incorporados ao eixo Corpo que se tornou um

capítulo. Os outros três eixos (CEFAR, Dança/Teatro e Ensino) foram temas para os outros três

capítulos. É verdade que muitas informações sobre o CEFAR são também apresentadas e

discutidas nos outros capítulos, visto que ele é o cenário onde a pesquisa se desenvolveu. O

eixo extra “Interessante” também atravessa todos os capítulos.

33

Informações pessoais dos entrevistados

Corpo Docente – Escola de Teatro

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Ângela Mourão 59 Professora de Expressão Corporal no curso de Teatro

Bacharel em Psicologia

Gilberto Amancio 59 Professor de Som e Movimento no curso de Teatro

Graduação em História Incompleta

Lenine Martins Alves 41 Professor de Interpretação no curso de Teatro

Técnico em Química

Letícia de Freitas Castilho 42 Coordenadora do curso de Teatro

Licenciada em Teatro – Mestrado em Artes incompleto

Lúcia Ferreira 53 Professora de Expressão Corporal no curso de Teatro

Licenciada em História e Especialista em Gestão Cultural

Luiz Carlos Garrocho 59 Professor de Interpretação no curso de Teatro

Bacharel em Filosofia e doutorando em Artes

Paulo José Buarque 61 Professor de Dança Contemporânea nos cursos de Dança e Teatro

Ensino médio completo

Walmir José Ferreira de Carvalho

66 Professor do curso de Teatro

Graduação em Direção Teatral

Corpo Docente – Escola de Dança

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Cristiana Menezes 50 Professora de Técnica Clássica no curso de Dança

Licenciada em Música

Joana Ladeira Wanner 36 Coordenadora do curso de Dança

Bacharel em Direito

Maria Clara Salles 67 Professora de Técnica Clássica no curso de Dança

Licenciada em Pedagogia

Marise Dinis Sousa 46 Professora de Dança Contemporânea e Composição Coreográfica no curso de Dança

Bacharel em Psicologia

Paulo José Buarque 61 Professor de Dança Contemporânea nos cursos de Dança e Teatro

Ensino médio completo

Profissionais convidados

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Aretha Maciel Barbosa* 32 Coreógrafa convidada Ensino médio completo

Joelma Barros Rocha 35 Coreógrafa convidada Cursando graduação em Pedagogia

Odilon Esteves* 36 Diretor teatral convidado Licenciado em Teatro

*Ex-alunos do CEFAR

34

Corpo Discente – Escola de Teatro

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Diego Ferreira da Silva 25 Aluno do 2º ano do curso de Teatro

Ensino médio completo

Éder Augusto Reis 30 Aluno do 2º ano do curso de Teatro

Bacharel em Comunicação

Erika Rohles Paiva 18 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Ensino médio completo

Gabriela Fernandes Ferreira

17 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Cursando graduação em Odontologia

Luciano Magno de Macedo

25 Aluno do 3º ano do curso de Teatro

Ensino médio completo

Luiza Rodrigues dos Santos14

19 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Cursando graduação em Direito

Priscilla Monteiro Daniel 22 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Cursando graduação em Educação Física

Corpo Discente – Escola de Dança

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Bárbara Andrade de Santana

17 Aluna do 3º ano do curso de Dança

Cursando graduação em Educação Física

Carolina de Souza Nogueira

17 Aluna do 1º ano do curso de Dança

Cursando 3º ano do Ensino Médio

Elisa Cristina Crespo Wenceslau

16 Aluna do 2º ano do curso de Dança

Cursando 2º ano do Ensino Médio

Júlia Vieira Alves 18 Aluna do 1º ano do curso de Dança

Ensino médio completo

Mateus Alves Passos 22 Aluno do 1º ano do curso de Dança

Graduação em Dança Incompleta

14 Luiza passou recentemente por um processo de mudança de gênero utilizando, hoje, o nome Lui Rodrigues. Pelo fato da pesquisa ter sido realizada em 2014 e, portanto, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido constar o nome feminino, esse será mantido em suas declarações presentes no corpo da tese.

35

Capítulo 1

36

Desde muito pequena sua filha lhe pedia para fazer ballet, mas ela sempre

adiava pensando que era apenas uma vontade de fazer parte do universo ao

qual a mãe pertencia. Ela procurou oferecer outras atividades corporais e

artísticas, mas a insistência continuava. Decidida a atender a vontade da

filha, ela foi pesquisar sobre as escolas de dança de Belo Horizonte e foi

assim que descobriu o CEFAR (Centro de Formação Artística). Trata-se de

uma escola de arte mantida por uma fundação estadual que oferece cursos

básicos e profissionalizantes nas áreas de dança, teatro e música.

Em 2002, sua filha começou a frequentar a escola e ela a conhecer melhor

todo o espaço do Palácio das Artes onde o CEFAR está localizado. No final

do ano foi aberto concurso para a designação de novos professores e ela

resolveu se inscrever para professora de técnica clássica. Foi aprovada e em

2003 começou a trabalhar com a turma do Preliminar (crianças de 8 e 9

anos). Já fazia algum tempo que não trabalhava diretamente com o ballet

clássico, mas era algo que sentia tão incorporado que não haveria grandes

dificuldades. Realmente em termos técnicos não houve nenhuma

dificuldade. Mas foram muitas as dificuldades em termos didáticos,

metodológicos e até filosóficos! A filosofia da escola ia de encontro com o que

ela acreditava ser o mais importante para trabalhar com uma criança na

iniciação à dança. A escola exigia resultados técnicos enquanto ela

considerava que o prazer de dançar, de criar, de descobrir as potencialidades

do próprio corpo eram mais importantes naquela idade.

Estava claro que ali não era seu lugar. No final do ano a coordenadora da

escola a convidou para elaborar uma disciplina para o curso

profissionalizante. Havia uma demanda por parte das alunas de uma

disciplina que as preparasse para serem professoras. Apesar do curso na época

formar “bailarino/a para corpo de baile” muitas delas já lecionavam e a maioria sabia que inevitavelmente faria isso em algum momento de suas

vidas. Assim nasceu a disciplina “Metodologia para o Ensino de Dança” oferecida para os alunos do 3º (e último) ano do curso profissionalizante de

dança. Agora sim ela tinha encontrado o seu lugar!

***

37

Em novembro de 2013, ela deu início à sua pesquisa de campo de doutorado,

o que fez com que voltasse a frequentar o CEFAR diariamente. Um espaço que

ela havia frequentado por tantos anos como mãe de aluna e professora, agora

se revelava sob uma nova perspectiva: a de pesquisadora. Novos olhares, novos

espaços, novas descobertas que começavam a ser desvelados.

(Trechos do Memorial)

38

1. Meu quintal é do tamanho do mundo... Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,

Porque sou do tamanho do que vejo, E não do tamanho de minha altura...

(Alberto Caeiro)

Entender um pedaço como parte do todo. Compreender que o que encontro ali –

naquele quintal – reflete o que acontece em tantos outros quintais. Enxergar além daqueles

jardins e perceber que as histórias que ali conheci contam tanto sobre outras tantas histórias

vividas longe dali.

Naquele quintal “brincaram” alguns nomes que ajudaram a construir a história da

dança e do teatro em Belo Horizonte. Alguns deixaram suas marcas e de lá foram brincar em

outros quintais pelo mundo. Outros continuam por ali, brincando e escrevendo a história

daquele lugar.

Por isso, ao falar sobre o CEFAR – sua história, sua organização, seus cursos –

pretendo dar voz aos que habitaram aquele lugar. Trazer à tona a fala de seus estudantes,

professores e coordenadoras ajuda a compreender que a instituição é resultante da ação humana

e não algo estanque e sem vida.

Assim, neste capítulo, eu busco apresentar a história do CEFAR, mesclando

informações de diferentes fontes bibliográficas (livros, materiais de divulgação e sites) com

trechos das entrevistas realizadas durante a pesquisa. A minha intenção é produzir uma espécie

de tensão entre a história contada nos livros e as memórias dos que ali viveram. Entrelaçar os

diversos fios que ajudam a reconstruir essa história.

Trata-se de um capítulo de caráter mais informativo visto que alguns assuntos que

surgem aqui, serão discutidos e aprofundados nos capítulos seguintes. Nesse momento o mais

importante é que o leitor adentre esse “quintal” e possa, então, se sentir em casa!

1.1 Era uma vez um palácio modernista...

Para entender a história do CEFAR é necessário começar pela história do Palácio

das Artes15, instituição que o abriga. Localizado na região central de Belo Horizonte, o Palácio

15 O Palácio das Artes é composto pelo Centro de Artesanato Mineiro; Grande Teatro; Teatro de Arena João Ceschiatti; Sala Juvenal Dias; três galerias (Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard; Galeria Genesco Murta e Sala Arlinda Corrêa Lima); Cine Humberto Mauro; Espaço Maristella Tristão; Jardins Internos e Jardins do Parque; uma cafeteria; uma livraria; biblioteca; prédio da Administração e o Centro de Formação Artística (CEFAR) com suas escolas de música, teatro e dança. Abriga ainda a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, a Companhia de Dança do Palácio das Artes e o Coral Lírico de Minas Gerais. Fonte: site da Fundação Clóvis Salgado e o livro O Palácio das Artes é muito mais do que um grande teatro (FCS, 1998).

39

das Artes é um complexo cultural que ocupa uma área de 18 mil metros quadrados e está

cercado por uma grande área verde que pertence ao Parque Municipal Américo Renné

Giannetti.

Em suas origens, o Palácio das Artes foi planejado para ocupar a posição do Teatro

Municipal de Belo Horizonte, o qual havia sido construído em 1909, mas no final da década de

1930 encontrava-se em um processo de envelhecimento precoce (REIS e AVELLAR, 2006).

(...) O Teatro Municipal, marco de nossa história, selo da vida intelectual da cidade, encontrava-se em um processo de envelhecimento precoce, resultado das inferências de progresso que o próprio Teatro ajudou a construir. (O Palácio das Artes, 1971).

Dessa forma, em 1941, o então prefeito Juscelino Kubitschek, inspirado na ideia da

construção de um novo teatro municipal, encomendou um projeto de teatro ao arquiteto Oscar

Niemeyer.

Ao falar de Belo Horizonte da década de 1940, não há como deixar de fazer referência à atuação de Juscelino Kubitschek como prefeito. A construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, o início das obras do Teatro Municipal, o convite a Guignard para dirigir a Escolinha do Parque, a exposição de arte moderna na cidade em 1944 são apenas alguns exemplos do processo de construção do pensamento moderno que começara a ganhar impulso na capital mineira (REIS, 2010, p. 37).

Apesar de todo o entusiasmo de Kubitschek, a construção do novo Teatro Municipal

foi se arrastando por mais de duas décadas. Em meados da década de 1960, o estado de Minas

Gerais assumiu a obra e criou a Comissão Especial do Palácio das Artes (CEPA), destinada a

promover todos os atos relacionados com a retomada e o prosseguimento das obras. Neste

momento, o teatro inicialmente idealizado para ser apenas uma casa de espetáculos, passa a ser

o projeto de um centro de produção cultural (REIS e AVELLAR, 2006).

Um fato de grande importância para a área da dança na cidade ocorreu em 1966

quando o professor Carlos Leite16, então diretor do Ballet Minas Gerais17, foi convidado para

trabalhar no local das obras do futuro Palácio das Artes.

As condições de trabalho eram péssimas, as dificuldades imensas, o chão não era apropriado, não havia instalações sanitárias próximas do local das aulas, mas mesmo assim o Ballet Minas Gerais passou a ocupar oficialmente o prédio inacabado da futura casa de espetáculos (REIS, 2010, p. 45)

16 Carlos Leite (1914-1995) foi bailarino, coreógrafo e professor de dança clássica. Teve grande influência na dança clássica de Minas Gerais pois ao se instalar em Belo Horizonte em 1948, criou a primeira escola de dança da cidade. Alguns anos mais tarde criou também o primeiro grupo profissional de dança da capital mineira. Para mais informações sobre sua biografia vide Reis (2010).

17 O Ballet Minas Gerais foi criado em 1951 pelo professor Carlos Leite. Primeiro grupo profissional da cidade teve grande importância na divulgação da dança clássica não só na cidade de Belo Horizonte como em todo o estado de Minas Gerais (REIS, 2010).

40

Em 1970, foi criada a Fundação Palácio das Artes que seria a responsável pela

administração do complexo cultural18. No ano seguinte ocorreu a inauguração do Grande Teatro

e a partir de então o grupo do professor Carlos Leite adquiriu o status de Corpo de Baile da

Fundação Palácio das Artes. Em 1972, foi criada a Escola de Dança da Fundação com a

finalidade de formar profissionais habilitados para o Corpo de Baile. A partir de então Carlos

Leite tornou-se professor e coordenador da escola de dança, assim como maître e diretor do

Corpo de Baile19 (REIS, 2010; REIS e AVELLAR, 2006).

A implantação oficial do corpo de baile aconteceu em 1973, quando os bailarinos prestaram concurso público e Carlos Leite foi designado para o cargo de Diretor da Companhia de Dança da Fundação Palácio das Artes. Surgia, então, a primeira companhia de dança profissional de Minas Gerais e, com ela, o cargo público estadual de bailarino. (CHRISTÓFARO, 2010, pp.32-33)

Em 1976, a Schola Cantorum que também havia sido criada dentro do Palácio das

Artes quatro anos antes, passou a oferecer cursos para a formação de instrumentistas e, em

1979, foi nomeada Escola de Música. Um pouco mais tarde, a elas juntou-se um curso livre de

teatro (REIS e AVELLAR, 2006).

Sobre o curso livre de teatro, nos conta o professor Walmir José em sua entrevista:

Existia uma escola livre de teatro pela qual passaram vários atores. Mas era mais uma sequência de oficinas que se trabalhava lá. Formou algumas pessoas, mas era uma escola muito incipiente. Essa escola começou no princípio dos anos 70, não sei ao certo que ano. Foi logo no princípio do Palácio das Artes mesmo. Mas ela não tinha relevância para a cidade. (...) ela nunca foi uma escola de valor. Então quando se decidiu por essa criação do CEFAR, essa escola foi desfeita. Ela tinha poucos alunos. Não era uma escola com corpo docente contratado, os contratos eram temporários. Não tinha uma organização escolar. Era quase algo que se chamava escola, mas que ministrava mais oficinas de acordo com as turmas. Não chegou a ter importância para a cidade. E quando ela foi desfeita, ninguém sentiu falta, não teve nenhum protesto. Ela já não tinha força em si mesma. Era uma coisa encrustada ali atrás do Palácio das Artes, nos porões. Não tinha a mesma importância da escola de dança nem da escola de música.

1.2 A criação do CEFAR

No dia 5 de dezembro de 1986 foi criado oficialmente o Centro de Formação

Artística da Fundação Clóvis Salgado. De acordo com o depoimento do professor Walmir José,

18 Em 1978 a Fundação Palácio das Artes passa a chamar Fundação Clóvis Salgado. Entidade jurídica responsável por administrar o Palácio das Artes, hoje ela ampliou seu escopo de atuação e é responsável por gerir, além do Palácio das Artes e seus Corpos Artísticos, o CEFAR, a Serraria Souza Pinto, o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia e o Centro Técnico de Produção. Fonte: www.fcs.mg.gov.br/fundacao/historia/

19 Em virtude de desacordos com a direção da Fundação, Carlos Leite foi obrigado a se aposentar em 1986 (Reis, 2010).

41

primeiro coordenador do curso de teatro, a criação de uma escola de arte pública era um desejo

da classe artística.

A gente [SATED20] realizava vários seminários para organização da classe, discussão de espaço, de financiamento. Formação e tudo. E em um desses seminários que a gente fez lá em Cachoeira do Campo, em 1985, a categoria pediu que o estado de Minas Gerais criasse uma escola de teatro e de dança. Do seminário foi tirada essa decisão em 85. O estado se comprometeu através da Fundação Clóvis Salgado e do secretário de cultura e, em 1986, foi criado o Centro de Formação Artística do Palácio das Artes – CEFAR (Walmir José).

Tal criação se deu por meio de uma portaria da Secretaria de Estado da Educação

que autorizava o funcionamento dos cursos técnicos de dança, música e teatro, nos termos da

legislação que regia o ensino suplementar. Desta forma foram unificadas as três escolas livres

que já existiam: Escola de Dança, Schola Cantorum e o Curso Livre de Teatro.

A primeira diretora do CEFAR foi uma professora que deu um suporte, ela era da educação e deu um suporte para a gente na organização do CEFAR. Ela chamava Albertina Salazar. Eu fiquei como coordenador da área de teatro, a Helena Vasconcelos como coordenadora da área de dança e o Domingos Sávio Luís Brandão ficou como coordenador da área de música

(Walmir José).

Sobre o contexto político que envolve a fundação da escola, apontam Reis e Avellar

(2006, p. 116): “é difícil separar o processo que conduz à fundação do CEFAR da euforia

política do período de redemocratização do Brasil, em meados dos anos 80”.

Administrativamente o CEFAR possui uma situação institucional bastante singular.

Ele integra a Diretoria de Ensino e Extensão da Fundação Clóvis Salgado, se submetendo,

portanto, às suas normas internas. Com relação às questões pedagógicas, seus cursos

profissionalizantes, de acordo com as leis vigentes brasileiras, submetem-se à autoridade da

Secretaria de Estado da Educação e do Conselho Estadual de Educação. Ou seja, oficialmente

trata-se de uma escola de ensino suplementar em nível médio mantida pelo estado, mas

tecnicamente não integra o sistema estadual de ensino. De acordo com Avelar e Reis (2006) os

cursos profissionalizantes do CEFAR abrem caminhos para se pensar no ensino de arte em

Minas Gerais no que tange à articulação entre os conhecimentos prático e teórico e à

regulamentação estatal de um programa de ensino dentro de uma instituição inserida no setor

das artes, e não da educação.

Na cidade de Belo Horizonte o CEFAR é a única instituição que oferece curso

técnico profissionalizante de Dança. Já o curso técnico de Teatro é oferecido também por outras

20 Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões

42

duas instituições: a Escola de Educação Básica e Profissionalizante da UFMG (conhecido como

Teatro Universitário – TU21) e a Escola de Teatro da PUC – Minas22.

Quanto à importância da escola para a cidade, o professor de teatro Lenine Martins,

consegue resumir bem em suas palavras:

O CEFAR é extremamente importante para Belo Horizonte. Enquanto escola eu diria que ela é fundamental. Você pode pegar no mercado hoje, vários diretores com quem você encontra que falam: os alunos do Palácio têm uma percepção diferenciada dos alunos de outras escolas. (...) então é nesse sentido que eu acho que o CEFAR são muito mais as pessoas do que a estrutura.

1.3 A organização escolar do CEFAR

Com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de

Nível Técnico23, o CEFAR oferece atualmente cursos técnicos em Dança e em Teatro.24 Ambos

têm a duração de três anos e funcionam no período noturno com aulas de segunda a sexta das

18h às 22h40, com eventuais aulas aos sábados.

1.3.1 O processo de seleção

A admissão para todos os cursos do CEFAR se dá por meio de um processo de

seleção anual regulamentado por edital. Para se inscrever, o candidato tem que estar cursando

ou já ter cursado o ensino médio e cumprir alguns pré-requisitos específicos para cada área.

Para o curso técnico em Dança, o candidato tem que ter no mínimo quatro anos de

estudo de dança clássica e três anos de dança contemporânea, ser aprovado nas avaliações

fisioterápica, técnica e artística, assim como na entrevista. São oferecidas vinte e cinco vagas.

De acordo com o edital25 são avaliadas as características físicas e posturais dos candidatos assim

como suas habilidades técnicas e artísticas. Faz parte da prova técnica e artística a apresentação

de duas variações: uma de dança clássica (estipulada pela escola) e uma de dança

contemporânea (de livre escolha do candidato). Não está divulgado no edital qual a nota mínima

21 Mais informações no site: www.coltec.ufmg.br/tu/#!/

22 Mais informações no site: www.pucminas.br/escoladeteatro

23 Informações sobre a regulamentação dos cursos técnicos profissionalizantes no Brasil encontram-se como Nota de fim de capítulo.

24 O CEFAR oferece também os cursos livres de nível básico de dança, música e iniciação teatral. Porém, por essa pesquisa tratar especificamente dos cursos técnicos profissionalizantes, apenas estes serão apresentados e discutidos. Mais informações: www.fcs.mg.gov.br

25 Edital 03/2014 da Fundação Clóvis Salgado disponível em: http:// fcs.mg.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/Edital-Cefar-2015.pdf

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para aprovação. É informado apenas que “O CEFAR reserva-se o direito de não preencher todas

as vagas disponíveis, caso não haja classificação de candidatos, de acordo com os requisitos

exigidos (Fundação Clóvis Salgado, Edital 03/2014, p.8)”.

Tradicionalmente as vagas para o curso de dança não são preenchidas em sua

totalidade. Apesar de vários dos professores entrevistados se mostrarem contrários à essa

política excessiva de corte, as turmas dificilmente chegam a 20 alunos (em 2014 a turma do

primeiro ano tinha apenas 10 alunos matriculados). Sobre esse baixo índice de aprovação no

processo de seleção, a professora de técnica clássica Maria Clara Salles comenta:

“Eu participo do processo de seleção todos os anos. Todo ano eu ponho mais gente do que eles querem. Dizem que eu sou muito generosa. Porque eu acho que a gente não tem bola de cristal. Eu, na minha opinião, acho que todas as vagas deveriam ser preenchidas. Por quê? É tão ampla a gama! As vezes a menina não é uma bailarina maravilhosa, mas as vezes ela vai ser uma professora maravilhosa. Eu acho que essa história da gente ter bola de cristal e de conseguir analisar que aquela menina vale a pena e a outra não, é muito doloroso”.

A então coordenadora da escola de dança, Joana Wanner, em entrevista, também se

mostrou incomodada com o fato das vagas não serem totalmente preenchidas:

“(...) eu sou dessa opinião, assim, que a gente está escolhendo alunos para passarem por um processo de três anos. E a gente tem que contemplar um número maior de pessoas, a gente tem que oferecer mais oportunidade sim. Eu acho que não se pode ser tão exigente até porque a gente se surpreende com eles”.

É interessante notar que na fala da professora Maria Clara, ela cita: “Todo ano eu

ponho mais gente do que eles querem”. Em uma primeira análise, podemos imaginar que “eles” se

refere à coordenação do curso. Porém, a coordenadora também se mostra contrária ao fato de

não preencherem todas as vagas. Fica então a pergunta: quem são eles? O grupo de professores

mais antigos? O mercado de trabalho? Um ideal imaginário?

As exigências da avaliação fisioterápica também podem aparecer como um fator

determinante para o número excessivo de corte dos candidatos. Nessa avaliação são realizados

testes de força, flexibilidade, mobilidade articular, entre outras coisas, conforme descrito:

Avalia flexibilidade, mobilidade articular, se a pessoa tem algum desvio de coluna; o formato do pé: se é um pé plano, chato, o arco do pé; tem avaliação de força muscular, principalmente do membro inferior, que é a maior exigência da dança clássica. É para a gente fazer uma triagem do candidato, ele pode ser: apto, não apto, apto com restrições. E aí a gente vai observar essas restrições no desenvolvimento dele na prova prática. (Coordenadora da escola de Dança in RESENDE, 2011)

Verifica-se nesse tipo de processo de seleção uma supervalorização dos requisitos

técnicos e físicos em detrimento do artístico. A coordenadora conta com pesar sobre o primeiro

44

processo de seleção que participou como banca, onde essa questão de técnica versus arte se

evidenciou: “(...) o primeiro processo seletivo, eu achei muito radical! (...) eu lembro em especial de

uma menina, que não tinha muita técnica clássica de fato, mas eu lembro dela ser uma grande artista”

(Joana Wanner).

Esse tipo de pensamento vai ao encontro do exposto por Noverre26 em suas “Cartas

sobre a dança”, escritas no século XVIII:

É raro, senhor, para não dizer impossível, encontrar homens totalmente bem-feitos. Por esta razão, é comum defrontarmo-nos com uma multidão de bailarinos mal construídos, nos quais frequentemente percebemos defeitos de conformação, que os recursos da arte dificilmente corrigem. Seria talvez uma fatalidade própria da natureza humana querer sempre distanciar-nos do que convém, levando-nos a seguir uma carreira na qual não conseguimos nem caminhar, nem sustentarmo-nos? É a cegueira, a ignorância a respeito de si mesmo que origina essa multidão de maus poetas, de pintores medíocres, de comediantes sem imaginação, de músicos barulhentos, de bailarinos ou saltimbancos detestáveis; o que quer dizer, senhor, de todas essas espécies de homens insuportáveis. Esses mesmos homens, se colocados em seus devidos lugares, teriam sido úteis à humanidade, bem merecido sua pátria. O verdadeiro talento, fora do lugar e da posição que lhe é destinada, desperdiça-se, torna-se, dependendo do caso, mais ou menos ridículo. (MONTEIRO, 1998, p.309).

No caso do curso técnico em Teatro, para se candidatar a uma das vinte vagas, o

candidato tem que ter no mínimo um ano de estudo de teatro e/ou apresentar experiência na

área. O processo seletivo está dividido em quatro etapas que são minuciosamente descritas no

edital, incluindo seus objetivos:

- Prova escrita de conhecimentos gerais e conhecimentos de leitura e escrita:

têm como objetivo avaliar os níveis de conhecimentos dos candidatos, com

relação aos contextos socioculturais, à compreensão de textos e à redação;

- Prova prática de atuação: o candidato deverá apresentar uma cena escolhida

entre duas indicadas pela escola. Serão avaliados: compreensão do texto

encenado, utilização do espaço e do tempo cênico, clareza gestual e vocal;

- Prova prática de corpo/voz: constará de exercícios motores, rítmicos e de

composição cênica. Serão avaliadas a disponibilidade e a capacidade

expressiva do candidato;

- Período de avaliação coletiva: o candidato participará de aulas que

envolverão a leitura de textos, exercícios de voz, corpo, som e jogos de

26 Jean-Georges Noverre (1727-1810) foi um bailarino francês e mestre de ballet da Ópera de Paris que questionou através de suas “Cartas sobre a dança” o caráter da dança estruturada em função dos “divertimentos” (pequenas óperas com coreografias) apresentados nas cortes europeias. Criando o chamado “balé de ação”, ele interessou-se em dar maior expressividade à dança separando-a das outras artes envolvidas nos “divertimentos” (Monteiro, 1998).

45

improvisação. Critérios de avaliação: compreensão das atividades propostas,

disponibilidade para o trabalho, atenção, prontidão, relacionamento com o

grupo, habilidade no desenvolvimento das questões concretas da cena.

A coordenadora da escola, Letícia Castilho, explica a necessidade das quatro etapas:

A necessidade de ter mais de uma etapa é exatamente porque tem mais de uma coisa para se observar. Geralmente a gente precisa ver a cena que esse ator cria, a gente tem que ver esse ator em coletivo trabalhando corporalmente – improvisando com o outro, questões de ritmo, o corpo dele como é, voz também.

Sobre o detalhamento do processo de seleção divulgado no edital, considerei a fala

de uma aluna muito interessante: “Eu li muito o edital, li várias vezes e isso dá mais ou menos uma

noção do que eles buscam. Mas foi só isso. Eu não conhecia nada a não ser isso. Nunca nem tinha vindo

aqui” (Gabriela Fernandes). Ela cita o edital como uma forma de entender o curso, o que

despertou seu interesse em estudar lá mesmo não conhecendo os professores nem tendo acesso

a demais informações.

Quanto ao preenchimento das vagas, assim como no curso de Dança, consta a

informação que o CEFAR reserva-se o direito de não preencher todas as vagas. Porém, nesse

caso, são divulgadas as notas mínimas para aprovação e critérios de classificação. Outra

informação que considerei bastante interessante é sobre os critérios para avaliação das provas

práticas, em que consta: “Não serão critérios para julgamento nas provas práticas aptidões

estabelecidas segundo padrões de “certo vs errado”, uma vez que, no campo das Artes, tais

padrões não se aplicam” (Fundação Clóvis Salgado, Edital 03/2014, p. 15). Reconheço aqui

uma postura importante que se reflete durante o processo de formação artística dos estudantes.

Diferentemente do curso de Dança, as vagas para o curso de Teatro são sempre

preenchidas em sua totalidade, inclusive para atender à enorme demanda de inscrições. De

acordo com a coordenadora da escola, Letícia Castilho, o número de inscritos no processo de

seleção já chegou a 500. No ano de 2013 foram 180 inscritos disputando as 20 vagas para o ano

letivo de 2014. No que diz respeito ao processo de seleção em si, Walmir José, primeiro

coordenador da escola, nos conta que tal processo já passou por diversas modificações:

Essas [modificações] sempre foram no sentido de auferir aquele aluno que tivesse maiores qualidades, maior potencial técnico-artístico. Sempre foi procurar selecionar aquele que tivesse maior habilidade. Mas às vezes a gente, como professores que estão na banca, a gente se deixa levar pela intuição também. ‘Ele’ não tem habilidade técnica como aquele mas parece que tem um desejo mais definido, uma vontade maior. A gente às vezes se guia pela intuição!

46

O professor Lenine Alves, que já ocupou o cargo de coordenador, também comenta

que na época em que estava na coordenação, o processo de seleção passou por mudanças todos

os anos: “A gente tentava de alguma maneira pensar em que tipo de aluno (ou como) deixar entrar”.

A participação como banca na seleção dos estudantes é vista como algo difícil, mas

necessário, por boa parte do corpo docente. O professor Luiz Garrocho exemplifica bem essa

sensação em seu depoimento:

Eu acho que você só pode ser o menos injusto possível. Você nunca vai ser justo. Acho que são ossos do ofício. Detesto fazer isso. Não tenho prazer nenhum. E vou falar a verdade: é dificílimo! Até hoje eu não tenho a fórmula. Eu gostaria que fosse assim: a pessoa é passível de aprendizado, de interação, de receber orientações e se transformar com elas? Se sim, eu acho que deveria ser selecionada. Mas nós precisaríamos de muito mais ferramentas e condições para fazer isso e não é o foco isso.

É interessante notar que a dificuldade em conseguir ser aprovado no processo de

seleção – muitos estudantes relataram que só conseguiram entrar depois de tentarem duas ou

três vezes - é entendida positivamente. Para a grande maioria, o fato do processo de seleção ser

bastante disputado, de certa forma reflete a boa qualidade da escola:

Porque eu acho que assim como as melhores faculdades (PUC, UFMG), por ser um processo seletivo muito rígido, então provavelmente a escola é muito boa (Júlia Alves).

Aí eu ouvi falar que o Palácio das Artes tinha um curso muito bom, que era muito difícil de entrar, tinha 4 etapas (Luciano Magno).

Sendo um dos objetivos desta pesquisa averiguar as possíveis diferenças no

processo de formação entre os estudantes de teatro e os de dança do CEFAR, não posso deixar

de apontar a diferença no tipo de processo de seleção adotado pelas duas escolas. Enquanto a

escola de dança exige que o candidato tenha um mínimo de quatro anos de ballet clássico e três

anos de dança contemporânea, já fazendo uma pré-seleção antes das inscrições, a escola de

teatro aceita a inscrição de candidatos com apenas um ano de prática. Enquanto o processo da

escola de dança tem como primeiro corte de candidatos uma avaliação física, não averiguando

nenhum tipo de conhecimento teórico, a escola de teatro utiliza como primeiro critério de corte

uma prova teórica de conhecimentos gerais e escrita. Evidencia-se aí a escolha de perfil de

aluno desejado. O que vai refletir diretamente na postura e atuação desses estudantes durante

os três anos de formação.

1.3.2 O projeto pedagógico

Como citado anteriormente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Profissional de Nível Técnico estabelecem alguns princípios norteadores mas respeitam a

47

autonomia de cada escola, por exemplo, para implementar o currículo em função do perfil

profissional almejado. Desta forma, há uma grande liberdade para a escolha das disciplinas que

deverão ser oferecidas, assim como para a distribuição da carga horária mínima obrigatória

entre as disciplinas ofertadas.

O Projeto Político Pedagógico seria, então, o principal responsável pela

organização de cada curso, em cada escola. No caso do CEFAR, depois de alguma insistência

minha junto às coordenadoras da escola de teatro e de dança, fui informada que tal documento

não existia. Apesar da ausência de um papel, é claro que existe uma proposta de curso que se

materializa nas práticas cotidianas. Dessa forma pude compreender muita coisa que diz respeito

aos projetos pedagógicos dos dois cursos através de minhas observações de campo e das

entrevistas realizadas.

Uma questão que acredito ser consequência do fato de não existir tal projeto é o

peso que as decisões tomadas pela coordenação de cada escola ganha. Como comenta o

professor da escola de teatro - que também já foi coordenador: “a mudança de coordenação muitas

vezes mudava toda a forma de trabalhar” (Lenine Martins).

O professor Paulo Buarque – contratado pela escola de dança, mas que também

leciona na escola de teatro – narrou duas passagens interessantes que demonstram esse “poder”

dos coordenadores:

No curso básico [de dança] eu dava aula de [técnica] Graham pura. Até que em um período eu tive que mudar o rumo. Por opinião da coordenação da época.

(...) quem era coordenador [da escola de Teatro] nessa época era o Helvécio Guimarães. Ele simpatizava comigo enquanto artista. Nunca tinha feito nada com ele. (...) eu sei que um dia ele falou: “quem vai dar aula é o Paulo e eu quero aula de dança mesmo! ” E eu fiquei três anos dando aula para o curso de Teatro.

De acordo com os depoimentos de alguns professores, a organização do

currículo, incluindo as disciplinas e seus conteúdos, fica muito a cargo dos próprios professores.

A professora da escola de teatro, Ângela Mourão, que leciona no CEFAR há 25 anos, explica

como foi elaborando o conteúdo da sua disciplina Expressão Corporal:

Aqui no CEFAR, quando eu vim pra cá era tudo mais informal, eu que montei o meu curso. E a gente tinha encontros periódicos entre os professores, cada um contava o que estava dando. (...) Eu que fui formando o conteúdo. E depois de um certo tempo o conteúdo da escola foi formado pela presença desses professores. Porque cada um traz a bagagem da linguagem que tem.

48

A professora da escola de dança, Cristiana Menezes, que ocupou o cargo de

coordenadora por quase oito anos, também elucida muito bem o quanto pôde interferir na

organização curricular da escola:

Eu propus o programa, era muito grande, muito detalhado. Isso que reestruturou a escola. Antes cada professor fazia o que queria. Quando foi em julho de 2002, eu entrei para a coordenação e fiquei até janeiro de 2010. Eu criei a estrutura organizacional que hoje o CEFAR tem, das mostras, de todas as tabelas do processo seletivo e fiz algumas coisas mais ousadas. Coloquei outras matérias na grade, que já até saíram. Coloquei a dança criativa [no curso básico] que ainda está. Coloquei composição coreográfica. Tinha uma matéria da Helena Vasconcelos que era Nomenclatura, mas acabamos tirando. Foi criada a Metodologia de Ensino também que foi você a primeira professora a lecionar.

Nem todos os professores veem com maus olhos essa flexibilidade curricular.

Letícia Castilho, coordenadora da escola de teatro, pontua positivamente o fato do currículo

poder ir realizando adequações às mudanças ocorridas nas disciplinas:

Teve uma coisa que aconteceu com o curso de teatro, por exemplo, eu não vou saber dizer exatamente quando, porque eu não estava aqui ainda, que a disciplina improvisação saiu da grade. Porque a maioria dos professores de interpretação já estavam usando a improvisação como um processo de criar. Então teve uma mudança. Eu acho que o CEFAR foi respondendo à mudança que ocorreu mesmo.

Durante a pesquisa de campo, a grade curricular do curso de Dança era composta

pelas seguintes disciplinas:

TURMA DISCIPLINAS

Primeiro Ano Técnica em Dança Clássica Dança Contemporânea Repertório Clássico Composição Coreográfica Apreciação Musical História da Dança Anatomia e Noções de Fisioterapia aplicadas à Dança Prática de Estágio Profissional

Segundo Ano Técnica em Dança Clássica Dança Contemporânea Repertório Clássico Composição Coreográfica Caracterização Cênica Dança Folclórica Metodologia do Ensino da Dança Prática de Estágio Profissional

Terceiro Ano Técnica em Dança Clássica Dança Contemporânea Repertório Clássico Composição Coreográfica Prática de Estágio Profissional

49

A diversidade de disciplinas que incluem aulas práticas e teóricas é vista como um

ponto positivo na opinião de professores e alunos:

O fundamental é que o CEFAR é uma escola que não tem como única meta ensinar dança. Tem aulas teóricas, práticas, laboratoriais, tudo mais. Isso é um diferencial (Paulo Buarque).

(...) eles estudam dança clássica, contemporânea, anatomia. Isso tudo vai dar uma visão muito mais ampla para eles. O currículo é muito mais rico do que só a ideia de um professor. Eles têm também a matéria dança criativa. Isso traz um diferencial muito grande das outras escolas que normalmente fazem ou técnica clássica ou técnica de jazz. Aqui eles têm oportunidade de experimentar (Maria Clara Salles).

Aqui a gente aprende a criar, a encaixar isso na música. A gente teve aula de sensibilização musical. Tem as mostras que a gente vai para o palco. Acho que o CEFAR forma mesmo o artista completo. A gente sai daqui pronto para entrar no mercado de trabalho. Não precisa complementar (Elisa Crespo).

Geralmente, em outras escolas, foca muito em clássico ou foca mais no contemporâneo. Aqui não. Aqui tem os dois e os dois muito bons (Bárbara Andrade).

Porém, ao observar a carga horária das disciplinas, é perceptível um predomínio da

dança clássica. Em entrevista, a coordenadora da escola comentou a questão:

A gente não pode negar que existe uma hierarquia sim, que eu não sei até que ponto isso... [momento de silêncio]. Eu prezo muito por essas disciplinas teóricas, essa coisa também de se pensar a criação, se pensar a composição, mas existe sim um peso mesmo, um peso maior nesse clássico. Em função das pontas, em função do repertório, existe sim (Joana Wanner).

Na opinião da professora de dança contemporânea, Marise Dinis, esse peso

diferente se reflete na dedicação dos alunos:

Eu acho que eles [os alunos] acham que os desafios que eles têm no ballet são muito maiores. E acho que muitos se identificam mais com esse desafio. Você ter que fazer 32 fouetés27, realmente você tem que trabalhar muito. Mas para você fazer um rolamento com qualidade, você também tem que rolar muito! Eles não compreendem que esse processo que é simples também é importante. São lugares diferentes, maneiras diferentes de pensar o corpo (...). E acaba que a dedicação ao que parece ser tão mais difícil, é maior.

E os alunos também percebem uma cobrança maior em relação ao clássico:

É uma coisa que eu vejo que tem forte na minha turma, mas eu acho que é uma coisa que a escola tem trazido para a gente. Ao longo dos anos o clássico é o topo de importância. É muito mais cobrado. A minha turma tem isso muito forte, de dar um grau de importância muito maior para o clássico. Depois vêm as aulas que vão acrescentar ao clássico. Então dá uma certa importância à aula de anatomia porque tudo que é trabalhado de exemplo na aula de anatomia vai para o clássico. As técnicas de contemporâneo são as

27 Um passo giratório, geralmente feito em série, normalmente utilizado para mostrar virtuosismo.

50

que a turma dá menos importância. Eu vejo essa diferença bem gritante. Essa hierarquização (Mateus Alves).

A coordenadora da escola contou que, como alternativa para resolver essa questão

de hierarquização entre os diferentes estilos, já surgiu a ideia de dividir o curso em duas

formações distintas (dança clássica e dança contemporânea) como acontece na Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil28:

[...] se fala muito também em separar a formação. Ter uma formação específica na dança clássica e outra na dança contemporânea. Acho que se a gente tivesse espaço, e fosse maior, e tivesse equipe de professor, talvez pudesse ser. Mas não se trata dessa realidade. [...] Talvez fosse o ideal, assim, se... mas seria outra realidade que não é a do momento..

Particularmente eu acredito que a separação do curso em duas formações não

resolve a questão da hierarquia pois o que está em jogo é uma concepção de que a dança clássica

é superior aos outros estilos de dança29. A ideia de que “o aluno que tem potencial e tem uma boa

técnica clássica, é como se estivesse fadado a só se interessar pelo clássico e, o que não tem físico, a

perna não sobe, só restasse o contemporâneo” (Marise Dinis) ainda permeia os currículos inclusive

de onde há a separação das formações. Este fato é visível no depoimento de uma professora da

Escola do Teatro Bolshoi no Brasil:

A escola fornece todas as condições para que o aluno desenvolva a técnica, mas depois do desenvolvimento corporal pode não se adaptar, por este motivo, a escola criou o núcleo de dança contemporânea, para que o aluno que não se adaptar ao método Vaganova que necessita de certas condições para ser desenvolvido, possa continuar dançando (Palavras da professora A.H. em entrevista cedida na ETBB, março de 2006 in ANDRADE, 2006, p. 30)

Em outras palavras, o que essa professora está afirmando é que os alunos que

não servem para o clássico são convidados para ir para o contemporâneo. “Fica parecendo que o

contemporâneo é quase um castigo” (Cristiana Menezes) ou “o que sobra para quem não dá para o

clássico” (Joana Wanner). O que confirma que trabalhar com duas formações paralelas também

não evita essa hierarquização que coloca o ballet clássico acima dos demais estilos.

28 No ano de 2004, a escola [Escola do Teatro Bolshoi no Brasil] deu início ao Núcleo de Dança Contemporânea, com o propósito de oferecer aos alunos uma conexão com novas linguagens corporais, visando capacitá-los para atuar no mercado da dança e qualificá-los como profissionais criativos, críticos e atualizados. [...] A partir do ano de 2005, o curso tomou forma de Estágio Modular em Dança Contemporânea e passou a ter seleção específica, separando-se dos demais (ANDRADE, 2006, p. 30).

29 Uma das possíveis explicações para essa ideia de superioridade do ballet clássico em relação aos demais estilos de dança é a chegada da Missão Francesa ao Brasil em 1816, trazendo um estilo estético europeu que serviu satisfatoriamente às necessidades da classe dominante brasileira, marcando seus ensinamentos e suas atividades na Corte (Biasoli, 1999). Na primeira metade do século XX era comum encontrar na cidade do Rio de Janeiro – então capital do país – cursos de ballet clássico oferecidos com o intuito de promover aulas de postura e etiqueta para moças de elite da cidade (Sucena, 1988).

51

Outra questão verificada é o grau de importância dado às disciplinas teóricas em

comparação às práticas. Eu presenciei algumas vezes o horário de aula de disciplinas teóricas

sendo cedido para ensaios ou outras atividades práticas mais urgentes, ficando sempre a

sensação de que as disciplinas práticas têm maior importância na formação dos estudantes.

Sobre essa questão, a coordenadora da escola de dança defende claramente a manutenção das

disciplinas teóricas:

Lembrei de uma outra especificidade aqui do Cefar, que eu acho que são as disciplinas teóricas. Que nas escolas não tem, né? E exatamente são coisas que eu tenho pensado muito no momento assim. Que a gente não pode tirar esse diferencial. Porque a importância desse curso profissionalizante talvez esteja muito relacionada a isso. Tudo bem que é um curso prático, que o objetivo é a formação do técnico, artista em dança, parará... Mas essas teorias, essas disciplinas enriquecem essa formação técnica ainda que ela seja prática sim. Não tenho dúvida disso (Joana Wanner).

Apesar do oferecimento de disciplinas teóricas aparecer como um diferencial

positivo no discurso de alunos e professores, fica a sensação da velha dicotomia teoria vs

prática, que acaba por perpetuar alguns preconceitos acerca da profissão artística. Sobre essa

questão, aponta Strazzacappa (2006, p. 163):

No próprio grupo de artistas, é comum aqueles que se dedicam à teoria serem criticados por seus pares, como se realizar uma reflexão sobre suas atividades diminuísse a qualidade de seu fazer artístico. Angelin Prejlokaj, coreógrafo do Leste Europeu radicado na França, disse em uma entrevista a esse respeito que “aquele que é forte da panturrilha não é necessariamente analfabeto do verbo”. Ele defendia a necessidade de os artistas – tidos como indivíduos exclusivamente do fazer – realizarem reflexões teóricas a respeito de suas obras. A reflexão teórica contribui para a criação artística.

***

52

O currículo do curso de Teatro era composto pelas seguintes disciplinas:

TURMA DISCIPLINAS

Primeiro Ano Ciências Humanas aplicadas às Artes História das Artes Cênicas Dramaturgia Interpretação Expressão Corporal Expressão Vocal Som e Movimento

Segundo Ano História do Teatro Brasileiro Dramaturgia Caracterização Cênica Dança Interpretação Expressão Corporal Expressão Vocal Trilha Sonora

Terceiro Ano Dramaturgia Interpretação Expressão Corporal Expressão Vocal Trilha Sonora

Assim como na escola de Dança também há o predomínio de uma disciplina que

nesse caso é “Interpretação”. O professor Lenine Martins comentou essa questão: “De certa

forma, a Interpretação, até pelo fato de ter mais aulas, se torna de alguma forma o carro-chefe”.

Porém, diferentemente do que acontece no curso de Dança, o predomínio da disciplina não está

atrelado a uma técnica específica pois a disciplina de Interpretação varia conforme o trabalho

do professor responsável. De acordo com a professora Ângela Mourão, existe uma proposta de

conteúdo a ser trabalhado, mas esta não determina necessariamente a técnica ou o estilo de

teatro: “A gente tem procurado um pouco definir uma condução. Que no primeiro ano se use menos a

palavra e mais as ações cênicas e que no segundo ano a palavra vá entrando pouco a pouco”.

A busca por uma organização do currículo que atenda às necessidades de formação

dos atores aprendizes é antiga. O professor Walmir José, primeiro coordenador da escola, narra

alguns episódios interessantes que retratam essa busca:

O CEFAR tinha um currículo muito rígido. O ensino técnico tinha que ter determinadas disciplinas de acordo com a secretaria de educação, conselho estadual de educação, etc. E a gente foi ao longo do tempo buscando algumas maneiras de superar esses entraves. Fazendo algumas propostas. Algumas delas foram muito boas do ponto de vista artístico, mas do ponto de vista financeiro não foi possível dar continuidade. Por exemplo: teve uma época lá nos anos 90 que a gente trabalhou com educação por projeto. Havia o projeto do professor de interpretação, daí ele chamava os professores que iam trabalhar com ele. Professor de corpo, de voz, de história, de técnica circense... O que ele quisesse. Ele era um coordenador daquela área, apresentava o projeto e ia trabalhar naquilo. As vezes tinham 4 professores na sala de aula ao mesmo tempo. Dando aula ao mesmo tempo. Então era quase como se fosse a emulação de uma montagem. Isso durou um ano e meio

53

mais ou menos mas tivemos que cortar por dois motivos: um porque havia resistência interna, tinha gente que tinha um pensamento meio conservador e achava que aquilo não era possível; outro porque havia uma certa dificuldade de formar as equipes, tinha gente que não se acomodava em trabalhar daquele jeito, tinha uma linha de trabalho diferente do outro; e o mais importante de todos é que não havia dinheiro para pagar cinco professores em classe ao mesmo tempo. Então esses foram os entraves que a gente encontrou.

Sobre essa época de um trabalho mais coletivo por parte dos professores, Lenine

Martins, hoje professor de Interpretação, fala com muito entusiasmo sobre a proposta:

Tinha uma época aqui no Palácio que a gente tinha uma enorme flexibilidade de horários e chegava a ter 8 professores dentro de sala de aula. No 2º ano pegava um projeto de pesquisa, reunia os 8 professores e falava: e aí? O que é que nós vamos fazer? Virava uma coisa compartilhada, de construção. Era discussão de escola de ponta.

Por diversos motivos, como apontou o professor Walmir José, foi difícil manter o

projeto por muito tempo. Ele foi perdendo forças e a escola foi voltando a se organizar da

maneira mais tradicional: cada professor responsável por sua disciplina trabalhada

separadamente30. Dessa forma, o que encontrei na escola durante minhas observações foi cada

professor desenvolvendo seu trabalho a partir de suas experiências e escolhas artísticas:

(...) os professores são muito diferentes entre eles na forma de trabalho. Por exemplo, tem a Ângela que trabalha muito com máscara e o Bones marido dela que também trabalha com mascaramento. O Lenine gosta de construção coletiva. Cada um traz seu material e forma uma peça, por exemplo. Tem o Garrocho com o teatro físico que é uma construção bem Stanislavsky. E aí eu não sei dizer que tipo de teatro se faz. Tem várias formas. E até as próprias montagens com os professores aqui de dentro são coisas distintas, muito diferentes (Luciano Magno).

Apesar de um corpo docente tão diversificado, o depoimento da coordenadora

da escola resume bem um ponto em comum que é perceptível no trabalho de todos os

professores: A gente tem esse pensamento de um ator propositivo, um ator criador. Um ator que

participa desse processo contemporâneo, mais colaborativo. Que possa criar suas dramaturgias”

(Letícia Castilho). E os próprios estudantes mostram em suas falas que percebem esse estímulo

à criação:

A gente consegue ver fora daqui quem foi aluno daqui. Você vê que tem uma coisa que é mais própria do ator. Tem uma propriedade na atuação maior. Essa vivência de cinco vezes por semana, esse horário extenso, são poucos lugares que oferecem. A experimentação de áreas diferentes do teatro, principalmente na Interpretação. Eu acho que as coisas vão se fundindo. E acho que a criação é o foco maior da escola (Diego Ferreira).

30 A exceção ocorre no 3º ano quando a disciplina Interpretação tem como objetivo a montagem de dois espetáculos (um por semestre) e todas as outras disciplinas trabalham seus conteúdos em função dessa montagem.

54

Aqui a gente tem muito essa possibilidade, essa coisa do ator ter o seu material, sabe? O ator criador. De ter que procurar, pesquisar. De ter que ficar mais ativo no processo, não só esperar o diretor para que faça isso. Acho que isso é muito forte. E eu gosto muito disso. De ter essa possibilidade de o ator trazer, é legal ver seu material sendo aproveitado (Éder Reis).

E aqui eles têm essa questão do corpo que é sensacional. E uma preocupação com produzir algo que te toque, que você se envolva, que seu corpo se envolva, que haja uma troca. Acho que uma palavra que o CEFAR dá para a gente enquanto ator é escuta. O ator é aquele que escuta e reage ao espaço e aos outros. Essa ideia eu nunca vi em outro local de teatro a não ser aqui. (Gabriela Fernandes).

Também aparece como uma característica marcante do curso a questão da

técnica, do saber fazer. Trata-se de um curso bastante voltado para a prática, como explicam os

professores Luiz Garrocho e Ângela Mourão, respectivamente:

Eu vejo que o CEFAR, até pelo o que as pessoas falam, é um curso mais técnico. Ele vai aprender a trabalhar junto, formar um coletivo, uma equipe de teatro. E que apesar de um pouco de matérias teóricas há uma ênfase na técnica do fazer. É um curso que está voltado – com algumas variações – para um teatro com um enfoque mais corporal. Tem o enfoque também da dramaturgia da cena.

E tem uma coisa que eu acho legal, a gente tem um curso bem técnico, bem do palco. A gente tem essa formação bem interessante. O ator que se forma aqui é um ator bem experiente do palco, da cena. De uma linguagem contemporânea. Ele experimenta espaços alternativos inclusive ao ar livre.

Essa ênfase na prática também é percebida pelos estudantes:

Pelo o que eu estou vendo até agora o curso é 90% prático. A gente tem uma disciplina teórica só. (...) pelo fato de ser técnico talvez tenha que ser esse mesmo o foco, a prática. E uma formação prática muito voltada para o corpo

(Priscilla Monteiro).

Porém, apesar da ênfase na prática, aparentemente nem todas as áreas

conseguem ser abordadas de forma igualitária. Aparece no discurso tanto de alunos quanto de

professores, queixas quanto à formação vocal desses atores:

Aqui forma a pessoa com um corpo muito presente. Um trabalho corporal fantástico, mas a voz não corresponde! (Luciano Magno).

Eu acho por exemplo que a voz é um lugar de dificuldade hoje no nosso curso. Tanto os professores de voz têm uma carga horária pequena quanto os professores de interpretação as vezes abordam pouco a voz. (Ângela Mourão).

1.3.3 O corpo discente

Em 2014 o CEFAR tinha um corpo discente de nível técnico profissionalizante

formado por 82 estudantes sendo 28 no curso de dança e 54 no curso de teatro. Com idades e

formações escolares variadas (conforme mostra o quadro apresentado na página 34), os motivos

55

que trouxeram esses estudantes ao CEFAR também variam bastante. Na escola de dança, em

que muitos alunos começam no curso básico e seguem até o profissionalizante, muitas vezes a

escolha da escola foi feita pelos pais (na maioria dos casos pela mãe), como contam duas alunas

em seus depoimentos:

Foi minha mãe. Eu não lembro direito. Eu fazia ginástica rítmica mas resolvi que queria parar e queria dançar. Daí minha mãe foi procurar uma escola. Ela descobriu que tinha a escola do Palácio das Artes e resolveu me por aqui (Carolina Nogueira).

Minha mãe trabalha na prefeitura e teve um ano que no dia das mães trouxeram as mães aqui para assistir uma apresentação. Eu já falava muito que queria fazer ballet. Ela achou a apresentação muito legal, gostou muito então ao final foi conversar com a diretora para saber como era para estudar aqui (Bárbara Andrade).

São poucos os casos como o da Aretha Maciel (ex-aluna da escola de dança que

trabalhou como coreógrafa convidada durante o período da pesquisa) que tomou a decisão de

entrar no curso profissionalizante já mais velha e buscou sozinha se preparar para o processo

de seleção:

Aí eu fiquei um mês no Cristina Helena [academia de dança], fazendo aula para tentar a prova para o Cefar. Porque tinha que fazer ponta e eu não tinha noção. Então eu forcei copiar os movimentos para vir fazer a prova.

Casos como o dela são mais comuns na escola de teatro, em que normalmente os

alunos entram um pouco mais velhos e por vontade própria:

E outra coisa também que foi aumentando o desejo de vir para cá, era a partir do momento que eu ia vendo coisas de grupos que foram formados aqui, de atores que foram formados aqui. Eram trabalhos que me chamavam muita atenção. Na minha concepção de ator completo, eu tinha que passar por aqui. (...) eu achava que se eu não passasse por aqui eu não ia conseguir meu objetivo. Custei mas vim para cá! (Diego Ferreira).

Eu ficava encantado com a ideia de estudar no palácio. A ideia de estudar aqui era me preparar para trabalhar com qualquer coisa como ator. Enquanto ator eu ia me garantir. (...) se eu estou em uma das melhores escolas de teatro de Belo Horizonte, então é para valer! A minha ideia era que aqui me daria uma base muito grande (Luciano Magno).

O meu desejo, talvez seja um pouco pelo fato da época que eu estudava lá no SESC e aqui [CEFAR] era o lugar de que eu mais ouvia falar (Éder Reis).

Eu acredito que o desejo que move a busca pela escola pode ter uma grande

influência durante o processo de formação. Parece que o fato de decidir autonomamente estar

lá faz com que esses estudantes tenham mais consciência e participem mais ativamente de seu

processo de formação.

56

De qualquer forma, um elemento que caracteriza o corpo discente do CEFAR

como um todo, é a carga horária intensa que eles vivenciam diariamente. Na opinião da

professora Marise Dinis, esse seria um diferencial da escola:

Eu acho que o diferente é que são pessoas que estão num processo de imersão muito grande, no CEFAR as pessoas estão em formação em um processo intensivo. Eu acho que isso é muito interessante.

O professor Walmir José, que acompanha a escola desde a sua criação, também

traz questões bastante interessantes quanto às mudanças do perfil dos estudantes da escola de

teatro:

As primeiras turmas eram turmas mais velhas. Eu acho que até por uma questão cultural. Naqueles anos 80 fazer teatro ainda era mal visto. Então as pessoas precisavam ter uma certa independência para poder fazer teatro. Com o passar do tempo fazer teatro foi sendo ligado ao fazer televisão, ao ator, atriz, ao dinheiro... Então hoje é muito natural que os pais aceitem. A outra coisa é aquele preconceito relativo ao homossexualismo que era uma coisa muito comum das pessoas apontarem nas artes em geral. Então ao longo do tempo também isso deixou de ser um tabu. O filho andar com um garoto que é homossexual já não assusta os pais. Então essas coisas ajudaram. De outro lado ajudou também uma certa independência financeira. De uns 15 anos para cá as famílias têm um pouco mais de recursos. Agora os alunos conquistaram a gratuidade do curso, não tem mais que pagar mensalidade. Então tem um conjunto de coisas que vão fazendo com que essa faixa etária baixe. Mas ao mesmo tempo tem um grupo mais velho, que já está na universidade ou já se formou e que resolveu fazer o curso também. Se a gente olhar as turmas todas, eles vão estar numa faixa de um pouco mais de 20 anos. Agora teve uma mudança muito forte. Os negros hoje têm uma presença muito mais importante dentro do teatro e dentro da música também. Há uns anos atrás a gente só via os meninos e meninas branquinhos de cabelos lisinhos. Houve uma mudança no país. Uma apropriação de classe e de cor da pele. A gente teve várias vezes muitas turmas que não tinham um negro. Ano passado eu estava olhando os candidatos fazendo a prova de português e tinha meio a meio de candidatos negros e brancos. Passaram muito mais brancos. Ainda tem um déficit da escola básica e a prova sendo de redação acaba eliminando mais negros do que brancos. Essa turma que estou agora, uma turma de vinte, deve ter uns seis negros. Isso já é uma modificação muito profunda. Na primeira turma só tinha um negro. Dos quarenta, só um negro.

Uma informação relevante, lembrada pelo professor Paulo Buarque e que está

relacionada com algumas questões apresentadas na fala acima, é o fato do CEFAR atingir um

público de regiões mais afastadas do centro da capital. Para ele “esse é o grande trunfo dessa

escola”.

Um fato bastante marcante que também chama a atenção nos depoimentos dos

estudantes é a relação de carinho que eles estabelecem com a escola. Principalmente no caso

do curso de Dança, em que grande parte dos alunos estudam lá desde o curso básico, o CEFAR

57

faz parte da rotina diária desses estudantes por muitos anos: “eu entrei com 8 anos e estou aqui

até hoje. Esse é o 8º ano que eu estou aqui” (Elisa Crespo, aluna do 2º ano de dança). O professor

Paulo Buarque conta que:

Houve épocas aqui no CEFAR que os formandos se sentiam castigados por estar formando. Formados não podem fazer aula aqui na escola, é um quesito. Eles tinham a sensação de estarem sendo penalizados por estar se formando, choravam. E não sabiam se iam encontrar alguma coisa lá fora!

1.3.4 O corpo docente

Durante o ano letivo de 2014, o corpo docente do CEFAR era formado por 28

professores sendo 15 da escola de dança e 13 da escola de teatro. Desse total apenas um

professor da escola de dança lecionava também na escola de teatro. São profissionais com

formações bastante diversificadas e com experiências artísticas variadas (conforme mostra o

quadro apresentado na página 33).

Essa diversidade de formação do corpo docente é vista pelo grupo como um

diferencial positivo da escola:

Acho que uma das riquezas da escola de teatro do palácio é essa multiplicidade de experiências. (...) todos [professores] são criadores atuantes, as linhas de cada um são muito fortes. O que há e eu acho que é rico, é essa multiplicidade de linhas de formação dentro da escola (Gil Amâncio).

Outra coisa que eu poderia dizer é que eu acho que a gente tem um corpo docente interessante, com influências muito diferentes (Ângela Mourão).

Uma questão interessante que se revela especialmente no discurso dos professores

da escola de teatro, é uma espécie de supervalorização do professor-artista:

O CEFAR foi pensado para o professor-artista. (...) a escola procurou sempre trabalhar com professores-artistas. Ou seja: a gente não estava preocupado com professor que tivesse licenciatura plena. A gente queria professores que tivessem atuando. Isso ocorreu durante toda a vida da escola. Isso praticamente marcou a vida da escola. Por lá passaram os artistas criadores de Minas Gerais mais importantes da época, dos anos 80, 90. Todos eles diretores, preparadores vocais, corporais. Todos esses grandes artistas de Minas Gerais e foram muito importantes na formação desses alunos. Que por sua vez se tornaram massa crítica. Muitos deles se tornaram depois professores do CEFAR, voltaram depois como diretores das peças de formatura. (...) ali é lugar do professor-artista. Não do professor licenciado. Não quer dizer que o licenciado não possa fazer! Mas ele precisa ser professor-artista também. A escola foi edificada por professores-artistas. E a ideia é que ela fosse feita por professores-artistas. A gente estudou muito a história da EAD31, do Alfredo Mesquita, que foi incorporada depois pela USP. Que era uma escola de professores-artistas (Walmir José).

31 Escola de Arte Dramática

58

Eu acho que nós temos uma coisa muito interessante também, que eu não sei se é exclusividade mais, mas é uma característica bem forte do Palácio das Artes. É que nosso corpo docente é feito basicamente por pessoas que são artistas da cena hoje. Nós não somos professores. Nós somos artistas do teatro que temos também uma atividade na pedagogia teatral. Isso eu acho que faz a maior diferença. Os alunos vão nos ver em cena, a gente fala de dentro da cena com eles. São pessoas que são artistas militantes mesmo. Eu acho que isso é um diferencial na escola. Muito importante. Quando eu falo para eles do corpo, eu falo do meu corpo. Eu falo com o meu corpo. Eu faço coisas junto com eles, eu me jogo no chão... Tudo que eu dou na aula são coisas que eu experimento no meu corpo. Eu acho que os outros professores em geral também são assim. Falam de algo que experienciam. Nós também estamos em formação (Ângela Mourão).

Percebo no depoimento desses dois professores um certo pré-conceito em relação aos

licenciados em artes que, apesar de evidenciar um ranço detectado em muitas outras esferas

artísticas, justifica-se, em parte, pelo momento que a escola vivia. Quando realizei as

entrevistas, tinha acabado de ser lançado um edital para contratação de novos professores. Este

destinava-se exclusivamente aos licenciados em dança e em teatro, o que, na visão desses

professores antigos, desrespeitava a história da escola.

Sobre as condições de trabalho na escola, como coloca o professor Lenine Martins,

não são as ideais pois “o curso de teatro já chegou a ter 24 professores e hoje está com 12 ou 13. E

com muitos instáveis por causa da Lei 10032”. Há também a dificuldade de um espaço físico que

não comporta mais a escola: “As salas que a gente trabalha aqui não são apropriadas para fazer

isso. São salas que a gente já tem há mais de 25 anos. A estrutura não ajuda”. Mas ainda assim a

maioria dos professores demonstra bastante carinho pela escola e satisfação por fazer parte dela:

Eu fiquei um período muito enfronhado aqui dentro, não querendo mais nada. Eu gosto daqui. Acho que eu fiquei aqui uns 8 anos sem trabalhar em lugar nenhum mais. Isso aqui é muito bom, né? Eu gosto muito daqui. Muito (Paulo Buarque).

Aqui eu me dediquei muito. Dou aula aqui com muito prazer (Maria Clara Salles).

Há, porém, um certo descontentamento por parte de alguns professores quanto à

falta de integração do corpo docente. Principalmente na escola de dança, na qual há uma divisão

32 A citada “Lei 100” refere-se à Lei Complementar 100/07 que, em novembro de 2007, determinou que todos os trabalhadores do estado contratados como designados (contratos temporários renovados anualmente) fossem efetivados. Porém em 26 de março de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a Lei 100 inconstitucional, determinando o prazo de 12 meses para que o estado cumprisse a decisão substituindo os servidores que se encontravam na situação de efetivados por candidatos já aprovados em concurso público e/ou abrindo novos concursos. Fonte: www.g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/03/lei-de-mg-que-efetivou-quase-100-mil-servidores-e-inconstitucional-diz-stf.html

59

dos professores em núcleo de dança clássica e núcleo de dança contemporânea, a integração

torna-se ainda mais difícil!

Existe muito pouca integração no corpo docente. É o núcleo do clássico. É o núcleo do contemporâneo. Esses núcleos não se misturam. Entre as escolas não se mistura quase nada. As vezes um professor da dança dá aula de preparação no teatro ou um do teatro vem... mas ainda é muito pouco. Não facilita para o aluno fazer uma integração do que ele está construindo ali. (...) Eu sinto que as vezes é como se eu não pudesse estar numa banca de uma aula de clássico. Eu sinto que existe pouca conversa (Marise Dinis).

1.3.5 A integração entre as escolas

Desde sua criação, o CEFAR sempre abrigou três escolas: a de música, a de dança

e a de teatro. A ideia de uni-las em um centro de formação artística pode dar a entender que se

pensava em algum tipo de integração entre as mesmas. Porém, na prática, não é isso o que

acontece:

Eu acho que o CEFAR tem uma coisa assim: cada macaco no seu galho! É como se fossem três escolas e não uma escola. Elas ocupam o mesmo espaço mas parece que gostariam que cada uma tivesse seu espaço e que nem se tocassem. Eu acho que é muito pobre o encontro que dá entre teatro, dança e música lá. E infelizmente isso não progride. O que a gente vê é muito mais disputa de espaço do que divisão de espaço e atravessamentos, trabalhos juntos. Isso eu acho que empobrece muito a escola. (...) seria muito bom artisticamente se essas escolas pudessem ter reais atravessamentos. E olha que são três escolas só! (Walmir José).

(...) os alunos do teatro não têm aula de canto, não têm aula de instrumento! Tem essa estrutura toda aqui, tem os instrumentos, os professores... A gente consegue fazer poucas ações integradas. Podia ser muito mais! Mesmo na dança. É um pouquinho mais, mas pouco. De vez em quando tem alguma cooperação com a escola de música. Eu mesma dirigi o espetáculo de formatura da música no ano passado. Tem um pouco essa interação, mas eu acho até que podia ter mais (Ângela Mourão).

É interessante que a maioria dos professores critica o fato da integração entre as

escolas não acontecer e fala da ideia como algo positivo, mas ao mesmo tempo não propõe

nenhum tipo de atividade para que a relação aconteça. A professora Cristiana Menezes aponta

alguns motivos que dificultam essa integração:

Entre os professores acontece menos [integração] por questões práticas. A gente não se encontra. Hoje ninguém tem tempo para nada. Cada um vai lá só no seu horário de aula. É todo mundo muito mal pago. A realidade da educação! Você tem que abrir várias fontes de trabalho para poder sobreviver. Eu acho que isso é um empecilho enorme!

Para a professora Lúcia Ferreira, além dos entraves de tempo e excesso de trabalho

apontados por Cristiana, a precariedade do espaço é uma das maiores dificuldades para que a

integração aconteça hoje em dia:

60

(...) eu acho que se a gente tivesse um espaço físico diferente, eu acho que proporcionaria uma integração muito maior. A gente carece de espaço físico. E a forma como as salas estão, a gente foi se ajeitando por aqui, o Palácio não foi concebido para ter uma escola tão grande. Isso ampliou de uma forma muito bacana por um lado, mas limitou a gente. Porque os espaços foram ficando improvisados demais. Tem espaço inadequado para aula de corpo no teatro, por exemplo. Eu gostaria e acredito que a gente poderia ter uma integração ainda muito maior. Eu acho que isso é um desejo. Eu sempre desejei isso.

Independentemente de haver propostas por parte dos professores – ainda que para

isso haja várias justificativas -, de alguma forma, alguma integração acaba acontecendo entre

os alunos. Muitos deles relataram a vontade de que haja mais interação e as iniciativas que eles

tomam como, por exemplo, convidar estudantes de música para compor especialmente para

coreografias ou cenas teatrais. Essa interação por parte dos alunos é vista de forma muito

positiva pelo ex-aluno da escola, Odilon Esteves, que na época da pesquisa estava trabalhando

como diretor teatral da montagem do espetáculo de formatura. Em suas palavras:

Eu acho que tem uma riqueza no CEFAR que não tem a ver exatamente com a estrutura do curso (...) é uma escola que mistura os alunos da música com os do teatro e da dança. Eles estão de alguma maneira usando o mesmo espaço. Então eles acabam se relacionando de alguma maneira. Eu acho que é claro que essa relação poderia ser um pouco mais aprofundada. Eles podiam ter algum espaço de uma troca mais efetiva para que o teatro influenciasse mais a dança, a dança a música, a música o teatro e todo mundo se influenciasse mutuamente. Mas só de coabitarem o mesmo espaço, eu acho que alguma coisa acontece. Acaba acontecendo. (...) quanto mais pudesse existir espaço de convergência, de mistura, de troca... Isso é sempre muito rico!

Existe ainda o que podemos chamar de “integração informal” que acontece nos

corredores da instituição. Tanto em função da movimentação dos alunos em direção às suas

salas de aula, quanto destes com os artistas dos corpos estáveis da fundação e de artistas de

diferentes áreas que vêm para se apresentar no Grande Teatro.

Esse contato artístico é muito bom. As nossas aulas são atrás do Grande Teatro. Isso tem uma certa diferença porque você está ensaiando e o pessoal está lá no palco ensaiando também. Tem uma troca artística que dá um crescimento. Até cultural (Gabriela Fernandes).

Eu acho que o legal daqui é justamente esse contato que a gente tem com as outras áreas. Se você se propõe, é um contato direto que você tem com as pessoas das outras áreas que podem gerar pesquisa. Eu agora estou com uma pesquisa na música justamente por conhecer pessoas da música. (...) a gente tem essa coisa de corredor, de ver essas pessoas, de estar dentro da Fundação. Não é o melhor espaço físico em termos de salas mas você ter esse contato com a Orquestra, essa vivência... (Diego Ferreira).

A única proposta oficial de integração entre as escolas é o CefarConcerto. Trata-se

de um espetáculo anual que engloba cenas teatrais, coreográficas e apresentações musicais. É

61

sempre temático e os trabalhos a serem apresentados passam por uma seleção prévia e, após

selecionados, são dirigidos (e muitas vezes modificados) pela diretora artística. Uma aluna de

dança narrou sua experiência neste evento de forma bastante positiva:

(...) sempre que acontece esse intercâmbio – geralmente é no CefarConcerto – a gente cresce muito. Uma coisa que aconteceu comigo foi que eu apresentei um solo contemporâneo e teve uma menina do teatro que apresentou um monólogo. Aí a Patrícia Avelar [diretora artística] juntou nós duas com dois meninos do teatro também. Aí eu tive aula com um professor do teatro porque tinha uma hora que eu tinha que falar (Bárbara Andrade).

Já alguns alunos do teatro disseram que sentem que o CefarConcerto é mais um

espetáculo de dança com a participação das escolas de teatro e de música do que um espetáculo

das três escolas. O que demonstra que a ideia de integração, pelo menos para os alunos, não é

tão evidente assim.

Por outro lado, eles mesmos apresentam várias ideias para que essa integração

aconteça:

Eu acho que poderiam ser feitas algumas trocas. Tipo oficinas mensais. Coordenadas por um professor mas ministradas por um grupo de alunos, por exemplo. Isso podia ser mensalmente, num sábado, não sei. Eu acho que seria muito interessante (Diego Ferreira).

Eu acho que poderiam ter umas disciplinas juntas. Até porque eu gostaria de fazer aulas de dança. Eu acho que é bom para o ator (Éder Reis).

Eu acho que umas aulas no estilo da Lucinha e do Gil [Expressão Corporal e Som e Movimento] seria legal fazer junto porque tem um conhecimento de teatro e da dança. E mesmo terem aulas uma vez por mês, um aulão, com dois professores – um da dança e um do teatro. Acho que ia ser muito rico (Gabriela Fernandes).

Essa dificuldade de integração é um dos primeiros fatores que contribui para a

separação da formação dos aprendizes de dança e de teatro. São duas casas construídas no

mesmo “quintal”, mas seus moradores nunca se encontram para “brincar”...

62

Nota de fim de capítulo:

A regulamentação dos cursos técnicos profissionalizantes

No Brasil, o ensino técnico profissionalizante é regido primeiramente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB 9.394/96) pois é parte integrante da educação básica brasileira33. Vinculado à Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica (MEC) conta ainda com legislações específicas como é o caso da resolução

CNE/CEB N.º 04/99 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível

Técnico.

Tais diretrizes estabelecem os princípios norteadores da educação profissional determinando que a mesma será

organizada por áreas profissionais que incluem as respectivas caracterizações, competências profissionais gerais e

cargas horárias mínimas de cada habilitação. É importante ressaltar que tal documento define algumas diretrizes

mas respeita a autonomia de cada escola quando, por exemplo, estabelece que as competências específicas de cada

habilitação serão definidas pela escola para completar o currículo, em função do perfil profissional almejado.

Desde sua publicação em 1999 a resolução N.º 04/99 passou por uma série de modificações. Uma bastante

significativa se deu em 9 de julho de 2008 quando foi publicada a Resolução Nº 3, a qual dispunha sobre a

instituição e implantação do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (BRASIL, 2008). Tal catálogo

organiza os cursos técnicos profissionalizantes em treze eixos tecnológicos (antes eles eram organizados em áreas

profissionais). Define ainda a carga horária mínima para cada um dos cursos e apresenta possibilidades de temas

a serem abordados, possibilidades de atuação dos profissionais formados e infraestrutura recomendada para a

implantação de cada curso.

Nesta primeira versão do Catálogo, os cursos de interesse desta pesquisa (técnico em Dança e técnico em Arte

Dramática) estão contidos no eixo “Produção Cultural e Design”. Quanto ao perfil esperado do profissional

formado, o técnico em Arte Dramática é aquele que realiza e apoia atividades ligadas à criação em teatro, cinema,

áudio e vídeo, podendo atuar como ator, radioator, dublador, dublê, cenotécnico, bonequeiro, contrarregra,

assistente de palco e de produção. E o técnico em Dança é o profissional que desenvolve atividades ligadas à

criação e execução de dança, atuando como bailarino, dançarino, diretor ou assistente de palco e contrarregra, e

domina os diferentes estilos e gêneros de dança34.

Em 05 de dezembro de 2014 foi publicada uma nova resolução – Nº1/2014 – atualizando algumas informações do

Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (Brasil, 2016). Dentre as atualizações, a nova edição

apresenta uma tabela de convergência entre as denominações anteriores e as estabelecidas no novo catálogo, na

qual o curso técnico em Arte Dramática passa a ser denominado técnico em Teatro. O catálogo traz ainda uma

lista de ocupações associadas à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), normas associadas ao exercício

profissional, e possibilidades de certificação intermediária em cursos de qualificação profissional, de formação

continuada em cursos de especialização e de verticalização para cursos de graduação no itinerário formativo.

33 Apesar de organizado nacionalmente, esse nível de ensino está vinculado e, portanto, é supervisionado pelas Secretarias Estaduais de Educação e Conselhos Estaduais de Educação. 34 http://pronatec.mec.gov.br/cnct/

63

Imagens do CEFAR

Vista aérea frontal do Palácio das Artes

Vista aérea do Palácio das Artes com o Parque Municipal

64

Entrada do CEFAR

Vista da passarela que

interliga os dois lados do

prédio do CEFAR

65

Capítulo 2

66

Exceto por uma ou duas disciplinas eletivas que cursei durante a minha

graduação em Dança e por algumas oficinas que participei em eventos,

minhas experiências com teatro foram quase nulas. É claro que apresentei

muitos “teatrinhos” na escola desde a educação infantil, mas nunca

considerei isso como experiências significativas em teatro.

***

Quando iniciei a pesquisa de campo do meu doutorado, pela primeira vez

acompanhei mais de perto a rotina de aulas, ensaios e montagem de

espetáculos de teatro. Inicialmente, eu acreditava que seria possível observar

em pé de igualdade as atividades dos dois cursos (teatro e dança). Busquei

dividir meu tempo igualitariamente entre as aulas e os ensaios de todas as

turmas. Só me esqueci de um detalhe: eu sou professora de dança! Meus olhos

– ainda que buscando a “neutralidade” de pesquisadora – são olhos de

alguém que dança desde os sete anos de idade. Meu corpo é um corpo

acostumado às rotinas da dança. Observar uma aula de dança traz uma

sensação de “estar em casa” que uma aula de teatro nunca vai trazer!

Em minhas primeiras observações das aulas de teatro, fiz muitas anotações

“de professora de dança” em meu diário de campo! Frases como: “Parece que

eles não têm consciência corporal”; “Eles têm muita dificuldade de

organização espacial”; “Parece que lhes falta repertório de movimento”; “Eles

têm muita dificuldade em copiar os movimentos”, aparecem com frequência

em minhas anotações. Com o passar do tempo, percebendo que meu olhar

estava carregado de expectativas de alguém que dança e começando a criar

mais intimidade com o universo do teatro, minhas percepções – e, portanto,

as anotações também - foram se transformando.

67

Passaram a surgir frases como: “É visível a diferença entre representar uma

ação e realmente fazê-la”; “Aqui consigo enxergar de forma mais clara a

técnica a serviço da criação”; “O trabalho com a máscara neutra amplia

muito os movimentos do ator (inclusive seus vícios corporais)”, o que

considerei um olhar mais abrangente sobre os corpos dos atores em formação.

***

Como professora, tive minha primeira experiência com uma turma de teatro

no segundo semestre de 2015 quando, como bolsista PED (Programa de

Estágio Docente), assumi as aulas da disciplina “Elementos técnicos do corpo

II”. É uma disciplina oferecida no primeiro ano do curso de Artes Cênicas da

UNICAMP. Ela tem como objetivo dar subsídios técnicos para que os atores em

formação compreendam sua estrutura corporal, seus limites e suas

possibilidades.

As experiências que eu acumulara durante minhas observações na pesquisa

de campo foram substanciais para compreender como eu, uma professora de

dança, poderia colaborar com a formação corporal desses estudantes. Foi um

exercício contínuo de reflexão sobre as possibilidades de diálogo entre meu

corpo - com todo o conhecimento acumulado por mais de trinta anos de

dança – e os corpos dos jovens estudantes de teatro. Uma experiência que

gerou reflexões importantíssimas sobre o corpo cênico e sobre as possibilidades

reais de relações entre a dança e o teatro.

(Relato pessoal)

68

2. Um estranho no espelho: relações entre a dança e o teatro

“As artes se distanciam na linguagem e se aproximam nos princípios. [...] eu trabalho com a cena. Não me interessa se é dança ou teatro”! (Luiz Garrocho)

Não é à toa que trago a imagem do espelho para o título de um capítulo que trata

das relações entre a dança e o teatro. Objeto tão presente nas salas de aula de dança –

especialmente nas de ballet clássico – quase não é encontrado nas salas de aula de teatro. E

quando há um espelho em uma sala de teatro, normalmente está coberto por cortinas. Instaura-

se aí uma primeira diferença entre as duas linguagens: a relação com a própria imagem,

simbolizada aqui, pelo uso do espelho.

Sou uma coisa entre coisas O espelho me reflete Eu (meus olhos) reflito o espelho

Se me afasto um passo o espelho me esquece: — reflete a parede a janela aberta.

Eu guardo o espelho o espelho não me guarda (eu guardo o espelho a janela a parede rosa eu guardo a mim mesmo refletido nele): sou possivelmente uma coisa onde o tempo deu defeito.

(Ovni, Ferreira Gullar)

Criados quase sempre em frente a um espelho, os bailarinos crescem acostumados

a se conhecer através da sua imagem refletida. E esta imagem precisa refletir o ideal, o que

muitas vezes não é o possível e nem sempre é o real.

(...) devido ao fato do estudo e treino [do bailarino] ser feito em frente a um espelho, (...) daí decorre a sua preocupação estética, que quando exagerada vira narcisismo. O bailarino sempre dançará para alguém. Na frente do espelho ele analisa as formas, procura a harmonia das linhas, aguçando seu senso estético (STRAZZACAPPA, 1994, p.93).

A utilização do espelho passa a regular a autocorreção dos bailarinos, estimulando

o olhar apenas para si próprio. A forma define-se de fora para dentro. O sujeito é substituído

pela imagem que produz. O excesso de apreciação de seu próprio corpo torna-se uma armadilha

para um narcisismo exacerbado.

69

(...) havia pessoas usando as artes simplesmente como forma de evitar o desafio e a responsabilidade de viver no mundo, tal como aquelas para quem sua imagem no espelho e seu próprio prazer de suar e conquistar tornaram-se o único objetivo na vida, e aquelas para quem a ênfase no crescimento exclusivamente pessoal nas artes constituía um escudo para protegê-las da consciência social (STINSON, 1998, p. 25).

Especialmente comum nas aulas de ballet clássico, a importância do espelho

diminui quando observamos aulas de outros estilos de dança. Como é o caso do abandono do

espelho proposto pela dança moderna:

Curioso, também, pensar no fato da dança moderna haver proposto o expurgo dos espelhos da sala de aula. Interessada em uma maneira de dançar que fosse a do homem do séc. XX, cancelou a oportunidade de estímulos do exterior funcionarem como modelos para levar este homem a encontrar uma imagem interna. E a fazer deste exercício de descoberta da imagem corporal o seu ponto de partida. Assim, o cérebro, de fato opera informações, ao invés de se restringir a ver imagens já prontas (KATZ35 citado por AMARAL, 2009, p.2).

Seguindo os passos da dança moderna, de uma forma geral, a dança contemporânea

também se desvincula da obsessão pela imagem refletida no espelho em busca de uma dança

que se construa de dentro para fora. Porém, para quem pratica também o ballet clássico, muitas

vezes se torna difícil abandonar o uso do espelho ainda que esteja em uma aula de dança

contemporânea.

Durante a pesquisa de campo, assistindo a uma aula de dança contemporânea da

professora Marise Dinis, uma fala sua me chamou a atenção: “Não precisa de espelho. O corpo

está aqui, comigo! É necessário conhecer mais o próprio corpo. Investigar, pesquisar, se conhecer”

(anotações do diário de campo). Tratava-se de uma aula que tinha o objetivo de fazer um

mapeamento corporal através do autotoque, partindo em seguida para a relação do corpo com

o espaço e o outro. No início, os estudantes estavam trabalhando com os olhos fechados, mas

assim que se colocaram em pé e abriram os olhos, automaticamente esses buscavam o espelho.

Ainda que a professora utilizasse termos como “percebe/sente/se observa” e os orientasse a se

mover a partir das próprias descobertas e percepções, muitos olhos buscavam suas imagens

refletidas no espelho como uma espécie de feedback. Daí a necessidade de a professora chamá-

los para fora do espelho, para o contato com o próprio corpo.

Vivenciei uma situação bastante parecida assistindo ao ensaio dos estudantes do 3º

ano de Dança para o espetáculo de formatura. Eles utilizavam a sala de ensaios da Companhia

de Dança do Palácio das Artes, a qual tem uma parede de uns dez metros toda coberta por

espelho. O trabalho era desenvolvido pela coreógrafa Joelma Barros que tinha como proposta

que cada um buscasse a sua dança. Os estudantes eram levados a pensar em sua própria história

35 KATZ, H. T. Um, dois, três. A dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte, Fid Editorial, 2005

70

da dança e buscar nessas memórias o estímulo para seus movimentos. Ou seja: não havia

nenhum tipo de forma preestabelecida. Era um trabalho de improvisação individual. Ainda

assim, em muitos momentos, seus olhos buscavam o espelho. Um tanto quanto irritada com a

situação, Joelma gritou: Esquece o espelho! Para de olhar! (anotações do diário de campo).

E no teatro? Como se dá essa relação com a própria imagem?

A minha experiência com as turmas de teatro durante a pesquisa de campo confirma

a colocação de Strazzacappa (1994, p. 94): “As salas de trabalho de atores raramente têm

espelhos, e quando têm são utilizados apenas em determinadas situações, permanecendo a

maior parte do tempo atrás de cortinas fechadas”. Algumas das aulas que acompanhei

aconteciam em uma sala de aula da dança e, portanto, havia um espelho. Como também havia

cortinas, na maioria das aulas, o espelho estava coberto. Houve uma ou duas aulas em que o

espelho permaneceu descoberto – provavelmente por esquecimento -, mas em nenhum

momento presenciei qualquer problema relacionado à utilização excessiva do mesmo por parte

dos estudantes.

Eu acredito que o fato do teatro não trabalhar com formas preestabelecidas,

colabore para essa desvinculação da imagem refletida no espelho. Diferente do que acontece

com o bailarino em formação, durante o processo de formação do ator, ele adentra o seu próprio

ser, busca encontrar sua essência, seu eu mais íntimo (ibid.). Enquanto o bailarino está focado

na sua imagem no espelho, no que está fora de si, o ator precisa se conhecer internamente para

poder, em seguida, se colocar no lugar do outro. Muitas vezes o ator se descobre através dos

muitos personagens que interpreta, pois, “a experiência da cena, do atuar, é antes de tudo um

exercício de alteridade, de diferença. (...) nos instiga e nos ensina as múltiplas formas de ver,

perceber, pensar, sentir, de agir no mundo” (FABRINI, 2013, p.17).

É importante ressaltar que, apesar do teatro não trabalhar com formas

preestabelecidas, aprender a se observar externamente é um fator importante para o ator. Como

afirma Strazzacappa (2012, p.136): “O artista cênico deve ser seu primeiro espectador. Esse ato

de projetar-se ao exterior de si mesmo para observar-se e analisar o resultado cênico de seu

trabalho é um exercício a ser desenvolvido”.

2.1 Cruzamentos entre a dança e o teatro no tempo e no espaço

Ao longo da história das Artes Cênicas, desde as primeiras manifestações artísticas

do ser humano, dança e teatro se relacionam de diferentes maneiras. Se alternando entre salões

de palácios, palcos de teatros, manifestações populares nas ruas, dentre tantos outros exemplos,

71

as duas linguagens ora se aproximavam, ora se distanciavam, desenvolvendo assim algumas

características peculiares e outras comuns entre si.

Para essa pesquisa, interessa especialmente perceber que a partir do século XIX,

começaram a ser traçados pela cultura ocidental os limites de uma separação formal entre as

duas linguagens. Foi então que “a divisão dos gêneros, em Drama, Ballet e Ópera tornou-se

definitiva, e cada um deles começou a levar uma vida independente no universo do espetáculo”

(GUINSBURG, 2001, p. 280).

Até meados do século XX, essa divisão foi mantida e aprofundada fazendo com que

dança e teatro ocupassem campos bastante distintos. Como afirma Strazzacappa (2012), na

Europa e na América, teatro e dança são considerados duas categorias diferentes de arte, e essas

categorias, ainda que não sejam opostas, requerem formações específicas. Coerente com essa

concepção, a dança foi sempre considerada a arte do movimento, e o teatro, a arte da palavra.

É importante destacar que essa divisão é fruto da cultura ocidental e de uma

determinada época histórica pois como nos aponta Barba & Savarese (1995, p.12):

A tendência de fazer uma distinção entre dança e teatro, característica de nossa cultura, revela uma ferida profunda, um vazio sem tradição, que continuamente expõe o ator rumo a uma negação do corpo e o dançarino para a virtuosidade. Para o artista oriental esta distinção parece absurda, como teria sido absurda para artistas europeus em outros períodos históricos [...].

E os autores complementam a ideia:

O leitor não deveria surpreender-se se eu uso as palavras ator-bailarino e dançarino indiscriminadamente, nem porque me movimento com uma certa indiferença do Oriente para o Ocidente, e vice-versa. Os princípios da vida que procuramos não são limitados pela distinção entre o que definimos como teatro, dança ou mímica [...] (ibid).

Corroborando com esta ideia, Ibsen Rasmussen [atriz do Odin Teatret36] afirma que

discutir “a diferença entre o teatro e a dança é somente um jogo de palavras”. Para ela, pouco

importa a classificação que se possa dar ao que ela faz, se é dança ou teatro; o importante é

continuar a interpretar com o mesmo domínio corporal de sempre (STRAZZACAPPA, 2012,

p.56).

No Brasil, a partir de meados dos anos 80, começaram a surgir experiências cênicas

que buscavam diminuir a distância existente entre o teatro e a dança. Se, por um lado, o teatro

passou a dar mais importância ao corpo, por outro, vemos cada vez mais espetáculos

coreográficos invadidos por textos. A expressão “artista cênico” se tornou cada vez mais

36 O Odin Teatret foi fundado por Eugenio Barba, em 1964, em Oslo, na Noruega. Em 1966 transferiu-se para a Dinamarca, e se transformou em Nordisk Teaterlaboratorium. Atualmente possui 25 membros que provém de dez países e quatro continentes. Fonte: www.odinteatret.dk

72

comum, uma vez que caminhamos para uma forma de arte na qual não há distinção formal entre

as linguagens artísticas espetaculares, mas sim uma complementaridade (ibid).

Como afirma Fernandes (2006), há muito tempo já não se pode falar em entidades

puras, isoladas, separadas do contexto e do resto do mundo. Na pós-modernidade a regra é a

contaminação e a simultaneidade de tempos históricos. “Em meio à desmaterialização, quem

quer fazer arte a partir do corpo – e não apenas com o corpo, tem migrado para as fronteiras: o

artista plástico para a performance, o dançarino para a dança-teatro, o ator para o teatro-físico”

(ibid, p. 374).

O que não quer dizer que os artistas da dança devam, obrigatoriamente, se

aproximar do teatro e vice-versa. Dança e teatro, enquanto duas linguagens distintas, possuem

estruturas e elementos que podem muitas vezes os aproximar. Mas também possuem estruturas

que podem se organizar de maneiras diferentes como é o caso de suas formas de treinamento e

processos de criação.

Eu visualizo essa relação entre a dança e o teatro como água e areia à beira-mar. A

fronteira entre as duas é muito tênue e indefinida. Varia com o balanço das ondas, com o sobe

e desce das marés ou de acordo com o ponto de onde observamos. É preciso ultrapassar a

fronteira, entrar com seu corpo dentro d’água para descobrir que na verdade não há fronteira,

pois a areia continua embaixo dos seus pés...

2.1.1 Klauss Vianna: um exemplo brasileiro de entrelaçamento entre a dança

e o teatro

Não pretendo apresentar aqui a trajetória artística ou discutir a importância de

Klauss Vianna enquanto bailarino, coreógrafo e/ou professor. Isso muitos pesquisadores já se

propuseram a fazer e o fizeram muito bem37. A mim, neste momento, interessa entender a

importância de Klauss Vianna enquanto “exemplaridade da rara ação cênica de um homem que

na dança pertencia ao teatro e no teatro pertencia à dança (NAVAS apud TAVARES, 2010,

p.18).

37 Apresento aqui algumas indicações de livros que têm como tema vida e obra de Klauss Vianna: MILLER, Jussara. A Escuta do Corpo. Sistematização da Técnica Klauss Vianna. São Paulo: Summus, 2007. AQUINO, Dulce. “Klauss Vianna: conexão da dança brasileira com a modernidade”. Revista de arte e cultura. Piracema. N° 01. Rio de Janeiro: Funarte/Ibac, 1993. p. 110-8. MANSINHO, Martha. Trajetória de Klauss Vianna na dança brasileira – entrevistas. Florianópolis: UFSC, 1990. NEVES, Neide. O movimento como processo evolutivo gerador de comunicação – Técnica Klauss Vianna. São Paulo: PUC, 2004.

73

Através de suas ações intradisciplinares, ele direcionou seu olhar ao corpo do

intérprete - independentemente se bailarino ou ator – procurando perceber e questionar os

gestos e movimentos humanos em sua profundidade. Inicialmente trabalhando com o ballet

clássico, mas questionando-o continuamente, dedicou grande parte de sua vida profissional ao

trabalho com bailarinos.

Ao se mudar para a cidade do Rio de Janeiro, em 1965, Klauss se voltou para o

teatro ocasionando um entrelaçamento entre este e a dança. Foi nesta sua fase carioca (1965-

1980), que desenvolveu um trabalho transversal entre as duas áreas, com resultados renovadores

para ambas. De acordo com Tavares (2008), Klauss Vianna proporcionou uma espécie de

transferência, em que os fundamentos do movimento, pesquisados até então no corpo do

bailarino, foram instrumentalizados para o corpo do ator.

Tudo isso era uma riqueza enorme, porque meu trabalho com os atores modificava minhas aulas com os bailarinos no dia seguinte. Ao mesmo tempo, essas aulas influenciavam a coreografia que faria para o teatro, mais tarde. O teatro, à noite, modificava a dança, de dia. E tudo se juntava numa coisa só (VIANNA, 1990, p. 33).

Sua obra coreográfica para o teatro, se apresenta através de trinta e duas montagens,

nas quais ele interveio ao longo de vinte e um anos (1967-1988), como coreógrafo, preparador

corporal, ator e até mesmo diretor. Sua cronologia teve marco inicial na montagem de A Ópera

de Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, sob a direção de José Renato, em 1967, no Rio

de Janeiro. E o marco final foi no espetáculo Risco e Paixão, de Fauzi Arap, sob a direção de

Francisco Medeiros, em São Paulo, em 1988 (TAVARES, 2008).

No seu primeiro contato com o corpo do ator, em A Ópera de Três Vinténs, Klauss

percebeu a inoperância da coreografia tal como trabalhava na dança. O que fez surgir “a

necessidade de um trabalho específico para atores, com o qual pudessem trabalhar tanto a

flexibilidade quanto o ritmo, a percepção visual e auditiva, o tato, o contato e a criatividade”

(RAMOS, 2007, p.73). Algo completamente novo para a época, como ele próprio salienta muito

bem:

Era muito comum acontecerem coisas assim, um diretor de teatro imaginar uma movimentação em um espetáculo e chamar alguém ligado à dança para criar alguma coisa. Mas era sempre essa dancinha e foi nesse sentido que aceitei o trabalho. Mas não fiquei nisso e, outra vez, quis ir mais longe. É claro que os atores não tinham a linguagem da dança: por isso fiz algumas marcações e o resultado foi tão diferente do comum que, pela primeira vez, um crítico de teatro chamou a atenção do público para a existência de um trabalho corporal em um espetáculo de teatro” (Vianna, 1990, p.32).

A Ópera de Três Vinténs foi apenas o marco inicial de um entrelaçamento entre as

áreas da dança e do teatro carioca, o que Klauss Vianna promoveu intensamente na década de

74

setenta. A função de “preparador corporal” foi de extrema importância para a redefinição do

corpo do ator no teatro brasileiro.

De acordo com o levantamento de Tavares (2008, p. 21), Klauss Vianna batizou

seu trabalho no teatro com, aproximadamente, oito termos distintos, a saber: “coreografia”,

“dinâmica corporal”, “expressão corporal”, “preparação corporal”, “direção corpo/espaço”,

“direção”, “criação e direção da técnica corporal” e “direção e movimentação corporal”. O que,

para a autora, ilustra como Klauss sempre esteve em contínuo processo de reinvenção de seu

ofício.

Em 1980, Klauss Vianna se mudou para a cidade de São Paulo, onde continuou

promovendo novos entrelaçamentos entre as artes. Seja na direção da Escola Municipal de

Bailados (1981-1982), onde inseriu aulas de dança criativa e moderna, seja como diretor

artístico (1982-83) do Teatro Municipal (atual Balé da Cidade). Neste último, introduziu aulas

de teatro e criou um Grupo Experimental com bailarinos contemporâneos, nos moldes do

GRTOP - Groupe des recherches théâtrales de L’Ópera de Paris (1975-1980) - dirigido por

Carolyn Carlson (TAVARES, 2014).

2.2 Sobre as relações entre a dança e o teatro no CEFAR: o que vi, ouvi e

percebi

Eu acho que existe uma tendência de rompimento de fronteiras mesmo. Não só de dança e teatro, mas de todas as linguagens, todas as artes. Isso sim eu percebo que é algo que vem ganhando espaço (Marise Dinis).

Como descrito no primeiro capítulo, de acordo com minhas observações e as

entrevistas realizadas, muito pouco é feito para que haja a integração entre as escolas de dança

e de teatro no CEFAR.

Durante as entrevistas, alguns professores mais antigos narraram algumas tentativas

de integração que já ocorreram em outras épocas:

Assim que eu entrei para a escola, logo nos primeiros anos, eu fiz coreografia com música composta por professores e alunos da escola. Isso no final da década de 80. A gente fazia laboratórios de integração com as três áreas também. E teve uma época que eu fiz uma coisa com Cláudia Ciberlis e Luiz Garrocho, uma coisa que eu não sei que nome que a gente dava, mas era tipo um laboratório de integração também com alunos das três áreas (Lúcia Ferreira).

A gente fez umas experiências em uma época de fazer uma aula comum. E eu, na época que eu dava aula na dança e no teatro, pelo menos uma vez por semestre eu juntava a turma. Isso era quase uma obrigação no bom sentido. Eu achava que eles tinham que pelo menos ter uma experiência. E nós chegamos a fazer também a formatura da dança junto com o teatro. A gente

75

chamou a Carmen Paternostro para dirigir o trabalho. Era um espetáculo de dança-teatro. Parte de uma época onde a gente acreditava nisso, desejava, acreditava que era possível (Lúcia Ferreira).

Numa época que eu fui coordenador lá a gente tinha um programa, chamava “Três para rir um para chorar”, eram cenas que os alunos propunham de dança, de teatro e de música. Então a gente fazia um espetáculo, o diretor dava uma mexida lá e a gente fazia uma temporada no mês de julho. Era as 11 horas da manhã na Sala Ceschiatti. Ficava lotado. Era de graça, de vez em quando eles passavam o chapéu lá. Era muito interessante. Esse foi o único que eu vi que os alunos faziam por eles mesmos (Walmir José).

Quando eu tinha o laboratório existia mais comunicação. Às vezes apareciam pessoas da dança (Luiz Garrocho).

É interessante notar que os professores falam dessas experiências sempre como algo

muito positivo. Há um tom de saudosismo de uma época em que as possibilidades pareciam

maiores. Eu acredito que as experiências que eles citam são, entre outras coisas, fruto de uma

época onde os professores estavam mais abertos a experimentações, talvez muito influenciados

pela fase que as artes cênicas viviam.

De acordo com Guinsburg et al (2006), no Brasil, foi durante a década de 70 que

começaram as primeiras experimentações cênicas de dança-teatro. E especialmente após os

anos de 1980, muitos experimentos artísticos surgiram com uma grande diversidade de

estratégias para contaminar dança e teatro. Foi nessa época que tiveram início as primeiras

experiências laboratoriais do corpo como centro da criação cênica.

Uma pista que evidencia essa abertura para uma maior integração, surge no relato

da professora Lúcia Ferreira quando cita que convidaram a artista da dança Carmen

Paternostro38 para dirigir o espetáculo de formatura39 das duas escolas – de dança e de teatro.

De acordo com os levantamentos feitos durante a pesquisa, foi a única vez que houve um

espetáculo de formatura unificado.

No material de divulgação do espetáculo, lê-se:

A poesia: fundadora do ser e da essência de todas as coisas.

O movimento: a mais cotidiana expressão dos homens, a própria criação e condução do universo.

Na aventura teatral dos “Estudos” o movimento invade a poesia que transborda no canto de Rosa e na retórica de Erasmo. A junção de poesia e movimento – ritmo,

38 Carmen Paternostro aparece como um importante nome na história da dança-teatro brasileira por ter participado das primeiras experiências laboratoriais do corpo, em que se testavam a interiorização de personagens e a improvisação de movimentos. Participou de diversas incursões pela dança-teatro nas décadas de 1970 e 80 (GUINSBURG et al, 2006, p.108). Atualmente é professora da Escola de Dança da UFBA.

39 “Dois estudos para fim de ano” – espetáculo integrado dos alunos formandos em Teatro e Dança do CEFAR, sob a direção de Carmen Paternostro – Dezembro de 1990. Fonte: folder do evento.

76

forma, gesto, palavra, música – tornou possível um encontro estimulante entre as Escolas de Teatro e Dança do Centro de Formação Artística.

O que se viu foi troca de segredos, fantasias compartilhadas, comichão estético: um flerte interdisciplinar...

Para nós, professores e assistentes da direção, foi muito gratificante acompanhar a criação de Carmen e dos alunos e cooperar no processo de pesquisa e descoberta da magia deste espetáculo.

“Esta estória se segue é olhando mais longe.

Mais longe do que o fim; mais perto”.

(Ângela Mourão; Lúcia Ferreira; Wilson Oliveira)

Uma outra informação interessante, que a meu ver relaciona-se com a primeira, é

que alguns professores do CEFAR tiveram durante suas formações artísticas experiências que

mesclaram a dança e o teatro. Dentre eles, gostaria de destacar Ângela Mourão, Gil Amâncio e

Lúcia Ferreira, que passaram pelo grupo e pela escola do Trans-Forma, o que, sem dúvidas, os

influenciou quanto a um trabalho mais integrado entre as artes. Sobre o grupo:

O Trans-Forma Grupo Experimental de Dança foi fundado em 1971 por Marilene

Martins40. Trata-se de um grupo que compôs o cenário da dança mineira de forma singular,

influenciando toda uma geração da dança em Belo Horizonte. Seus integrantes faziam aulas de

dança moderna, de ballet clássico, de dança afro e ainda tinham uma biblioteca à disposição

para estudar. O grupo também recebia muitos convidados que traziam novas visões sobre o

movimento, o corpo e sobre o corpo na dança. Eram realizados exercícios de improvisação em

laboratórios de criação colaborativa, possibilitando aos bailarinos a oportunidade de

trabalharem de acordo com suas particularidades de movimento (Generoso, 2007).

A professora Lúcia Ferreira contou um pouco de sua experiência com o Trans-

Forma durante sua entrevista:

O Trans-Forma já fazia uma ligação com outras áreas artísticas, as artes plásticas, o cinema, o teatro, a música. Isso foi muito importante. (...) A composição dos espetáculos do Trans-Forma, já tinha uma característica que era a ideia do bailarino-intérprete, do bailarino criador. (...) Os espetáculos tinham roteiros onde a gente precisava ler muito. Tinha diretor teatral. Era uma linguagem muito diferente do que se produzia na época. E eu acho que isso me proporcionou um contato muito grande com o teatro também. É claro que depois disso eu passei a fazer milhões de outros cursos, oficinas. Depois dancei em alguns trabalhos independentes.

40 Marilene Lopes Martins, ou Nena, como também é chamada, nasceu em 05 de agosto de 1935, na cidade de Teófilo Otoni, MG. Em 1952, mudou-se para Belo Horizonte, onde começou a ter aulas de ballet clássico na escola de Carlos Leite. Fez parte do Ballet Minas Gerais, também dirigido por ele. A partir de 1956, integrou o Ballet Klauss Vianna, ainda na cidade de Belo Horizonte. No início da década de 60, mudou-se para Salvador para estudar no Curso Superior de Dança da UFBA. Depois de formada, passou dois anos na cidade do Rio de Janeiro retornando, em seguida, para a capital de Minas Gerais. Em 1969, fundou a primeira escola de Dança Moderna de Belo Horizonte (Escola de Dança Moderna Marilene Martins) e, em 1971, o Trans-Forma Grupo Experimental de Dança, cujas ressonâncias artísticas ainda permeiam os dias atuais (CHRISTÓFARO, 2010).

77

Um ponto importante a ser ressaltado sobre a influência do Trans-Forma é que os

cursos de aperfeiçoamento promovidos pela escola não eram restritos aos bailarinos do grupo.

Isso acabou por influenciar toda uma geração da dança em Belo Horizonte pois mesmo

bailarinos que não fizeram parte do grupo, puderam se alimentar de toda a diversidade artística

que seus cursos ofereciam (Generoso, 2007).

Ainda sobre o mesmo tópico, outra questão que merece destaque é a influência

de Klauss Vianna na formação de alguns professores do CEFAR. Há quem tenha feito aulas

diretamente com Klauss – como é o caso do professor Walmir José - e, em outros casos, há

quem o tenha conhecido por vias indiretas – os que foram alunos de alunos dele. O professor

Lenine Martins narrou um pouco de sua experiência com a técnica Klauss Vianna:

Na minha época, o movimento que vinha do Klauss Vianna, das técnicas corporais que ele desenvolvia, a gente chamava isso de expressão corporal, estava muito latente. Então, de uma certa maneira, os atravessamentos entre teatro e dança eram mais fortes. Klauss Vianna trazendo um monte de técnicas que o teatro se apropriou e para o teatro ficaram muito fortes. Depois disso eu tive aula com Dudude Hermann no Oficinão, tive aula com a nora do Klauss Vianna [Neide Neves] – que para mim foi o melhor trabalho que eu desenvolvi em torno do corpo na minha vida (Lenine Martins).

Como se pode notar, a integração entre a dança e o teatro (incluindo também outras

linguagens artísticas) não é novidade para uma grande parcela dos professores da escola.

Partindo dessa realidade, a grande questão que surge, e que esta pesquisa ainda não foi capaz

de responder, é: o que mudou? O que fez com que as escolas se fechassem em suas salas de

aula não buscando mais a integração de seus corpos docentes e discentes (inclusive entre os

corpos de seus docentes e seus discentes)? Se há o desejo – como declarado por diversos

estudantes e professores – o que impede que de fato a integração aconteça?

Apesar de não ter alcançado argumentos suficientes para responder a esta questão,

foi possível perceber que uma das consequências da atual falta de integração entre as escolas é

o desconhecimento dos cursos por parte dos estudantes. Eles frequentam diariamente o mesmo

prédio – é verdade que uma rua para trânsito interno os separa, ainda que uma espécie de

passarela os una –, mas os estudantes de teatro pouco sabem sobre seus colegas da dança e vice-

versa. Suas ideias sobre “o outro” são baseadas no imaginário coletivo sobre o que é dança e o

que é teatro, e por relances de aulas que uns conseguem espiar dos outros. Esse

desconhecimento pode ser verificado em seus depoimentos:

Eu sei que o Paulinho dava aula [para o curso de teatro]. Mas não sei de mais nada. Eu tenho uma amiga que fez o curso básico de teatro e me contava algumas coisas, mas do profissionalizante eu não sei nada (Carol Nogueira).

78

O que eu sei... em relação a técnicas mesmo eu não sei nada. A gente sabe o que a gente vê dando uma espiada rápida quando passa. A gente até brinca falando: esse povo do teatro é meio doido! Faz umas coisas! (Mateus Alves).

Eu sei pouco. Eu não sei exatamente o que que é o curso deles. Eu sei que tem, na verdade eu não sei, eu imagino que seja diversos tipos de dança (contemporânea, clássico). Deve ter também essas coisas de técnica mesmo da mesma forma que a gente tem essas maneiras de interpretações, esses tipos de interpretações, imagino que deva ter também as maneiras de dança, técnicas de dança. Como se comportar, como parar. Trabalhar o mecanismo. Deve ter essas coisas também. (Éder Reis).

Na verdade, eu não sei muito não. A gente não conversa muito sobre as disciplinas. Ficam coisas muito no meu imaginário. De ser uma aula muito dura, muito rígida. Principalmente quando se fala em clássico. Eu acho que quando eles vão fazer o contemporâneo deve ser mais legal (Diego Ferreira).

O curso de dança daqui é só de ballet? Eu não conheço! Eu não sei como é que funciona. Geralmente quando a gente conversa é mais papo furado. Ninguém fala sobre o curso, então não sei nada sobre o curso. Pelo o que eu vejo quando desço ali e fico olhando, eles já sabem mais ou menos o que fazer. Fazem tudo certinho (Luiza Rodrigues).

Nas entrevistas, quando professores e estudantes foram convidados a falar sobre as

diferenças e semelhanças entres as duas linguagens, todos souberam pontuar com muito mais

facilidade e rapidez as diferenças. Alguns conceitos apareceram de forma recorrente e acredito

que mereçam ser discutidos.

Houve quem sintetizasse as diferenças entre as duas linguagens na presença do

texto (e, portanto, da fala) no teatro, e sua ausência na dança:

A diferença básica é que um trabalha com a voz do movimento, o outro com o movimento da voz. O teatro fala muito, tem o texto (Paulo Buarque).

O ator tem um texto. O corpo é veículo para esse texto. E no ballet, principalmente, você tem apenas o corpo enquanto corpo (Cristiana Menezes).

No tipo de teatro que eu fazia, a grande diferença era usar a voz. O que eu acho muito difícil. A minha potência vocal é baixa. Para eu conseguir falar nas peças de teatro era o óh! Exercitar isso foi muito difícil. E isso eu nunca vou usar na dança, pelo menos eu acho que não (Júlia Alves).

De fato, a utilização do texto (e da fala) é uma diferença constatada mas refere-se,

especificamente, a um conceito determinado de dança e de teatro. Conceito este que já foi

rompido no século passado, com o aparecimento da dança-teatro, do teatro-físico, dentre outras

manifestações consideradas híbridas. Como aponta Fernandes (2006, p.374) a respeito das artes

da cena na contemporaneidade: “Não podemos mais esperar uma dança pura ou um teatro puro.

Tampouco classificar dança como gestos abstratos feitos por um corpo tecnicamente treinado,

e teatro como gestos do cotidiano que acompanham um texto e fazem um sentido específico

numa estória ou contexto real”.

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Uma diferença apontada pela estudante de teatro Gabriela Fernandes: “Eu acho que

na dança tem uma perfeição do movimento. E no teatro as vezes a gente releva um pouco isso para cair

na relação”, a meu ver, está ligada à questão colocada pela estudante de dança Carolina

Nogueira: “[...]na dança a gente é exigido fisicamente por algo muito maior do que eles. De

musculatura mesmo, de físico”. Esta exigência física (e, portanto, técnica) que Carolina aponta,

realmente não acontece no teatro. A estudante de teatro Priscilla Monteiro, que tem formação

em dança anterior à sua entrada no CEFAR, explicitou muito claramente essa diferença:

Eu sinto muita diferença. Porque talvez, a preparação física que eu tive no Sarandeiros41, ela seja mais direcionada para uma alta performance. Como se fosse um esporte de alto nível. E a preparação que eu vejo no CEFAR [no curso de teatro], é uma preparação talvez mais holística. Tem essa coisa de volta à calma, de percepção do corpo, ver o que o corpo está pedindo. E também porque as vezes no teatro não existe nada previamente definido [cita como exemplo o trabalho com partituras corporais]. Isso coloca o corpo em um estado de alerta maior porque é um lugar que não me é confortável. Eu estou acostumada com essa coisa do 7, 8, vai nessa direção, vira, abaixa, levanta. Eu estou acostumada com esse tipo de presença (Priscilla Monteiro).

As colocações dessas estudantes resumem ainda que de forma simples uma das

diferenças essenciais entre as duas linguagens: a forma de conceber e lidar com o corpo no

processo de formação42.

Um último ponto que trago à luz, o qual foi bastante citado nas entrevistas é a

questão da disciplina. O professor Paulo Buarque - que na época trabalhava nas duas escolas –

aponta a disciplina como uma diferença essencial:

De forma particular, a disciplina é muito diferente. [Em uma aula de dança] o mais importante é ter disciplina. É passar disciplina. É exigir disciplina. Muitas vezes essa disciplina é traduzida como rigidez. No teatro o pessoal já entra esculachado. Conversam! Eu acho que eles começam a aula e eu não percebo. Eles têm uma outra... o aquecimento é diferente.

Outros depoimentos corroboram com essa visão:

Eu acho o entendimento de disciplina, de obediência, muito diferente. O bailarino é disciplinado, obediente, metódico. Ele não come muito. Porque isso vai fazê-lo alcançar um.... alcançar esse sucesso. E aí é uma disciplina bem tolhida (Joelma Barros).

Disciplina é uma coisa que eu acho que falta muito no teatro e sobra na dança. Eu passo na aula de dança está todo mundo lá parado, quietinho, sério, focado... (Luciano Magno).

41 Grupo de Projeção Folclórica dirigido por Gustavo Côrtes, vinculado à Escola de Educação Física da UFMG.

42 Este assunto será aprofundado no Capítulo 4.

80

Em consonância com essa ideia, encontramos Strazzacappa (1994) apresentando

um dossiê com os problemas mais frequentes enfrentados pelos atores que observou em sua

pesquisa, no que se referia especificamente ao trabalho corporal. O item apontado como o que

mais interferia na qualidade do fazer de cada ator foi a indisciplina. A autora explicita uma série

de regras comuns à formação de um bailarino (organização da aula, utilização do espaço,

relacionamento entre os praticantes, normas de comportamento, dentre outras), que

normalmente não fazem parte da formação de atores. Nas palavras dela: “Essas regras não

fazem parte do mundo dos atores. São poucos os grupos e companhias teatrais que acreditam e

estimulam a disciplina em seu meio” (ibid, p. 22).

Discutidas as diferenças, voltemos a atenção para as semelhanças. O depoimento

de Elisa Crespo, estudante de dança, apresenta, com uma certa simplicidade característica de

sua idade, uma visão bastante interessante quanto à semelhança das duas linguagens:

Quando a gente fez a Mostra de Composição e Arte, era dança, música e teatro juntos. A gente ficou no mesmo camarim. E a menina do teatro que estava lá fazia a mesma coisa. A gente maquiou, ela maquiou, a gente colocou o figurino, ela colocou o figurino, aí cada um foi para o seu canto, rezou, preparou, entrou e fez o que precisava fazer.

Em sua descrição sobre a rotina executada antes de se apresentar, verifica-se a

essência do ofício do artista da cena. O que também se revela no depoimento de Joelma Barros,

porém referindo-se ao que vem antes do apresentar-se, ao processo de preparação de um

trabalho:

Eu acho que de similaridade é a necessidade de lapidação para alguma coisa. De lapidar, de lapidar.... Eu ouvia muito esse termo. Vamos lapidar o trabalho! Então de poder aprimorar mais o conhecimento sobre aquele saber ali, e desenvolvê-lo principalmente com o olhar do professor ou do diretor.

Outras semelhanças como: a busca da presença cênica, o corpo como matéria-

prima, a expressão corporal, também foram apontadas pelos entrevistados. Muitos, inclusive,

trouxeram em seus discursos questões sobre a fusão de linguagens. O que mostra que ao falar

das semelhanças aproxima-se muito mais de uma ideia contemporânea das artes da cena, do

que quando o foco está nas diferenças. De qualquer forma, uma coisa que fica clara é que falar

das diferenças ou das semelhanças depende muito das concepções que se tem a respeito de cada

linguagem. Percebe-se no discurso dos entrevistados que há uma coexistência de pensamentos

sobre o que é dança e o que é teatro.

Uma questão que não foi apontada objetivamente, mas surge atrelada ao discurso

de alguns entrevistados é a diferença do comportamento político entre atores e bailarinos. As

palavras do professor Walmir José exemplificam bem o que quero enfatizar:

81

A dança a gente considerava até – excetuado um ou outro, uma ou outra pessoa da dança – a gente considerava um movimento bem reacionário, sabe? Ele se baseava muito nas escolas de dança. Naquela época – final dos anos 70, princípio dos 80 - Belo Horizonte tinha mais de 400 escolas de dança. Não tinha academia então as pessoas faziam escola de dança. Todas as moças estavam na escola de dança. Mas espetáculos mesmo não havia e não havia praticamente nenhum comprometimento das pessoas da dança com o movimento político ou até uma boa parte das pessoas da dança – muitas delas – eram ligadas à uma elite econômica da cidade e tal. Em geral elas estavam mais próximas da ditadura do que de uma abertura democrática. [...] Aí no meio dos anos 80 começa a surgir a ginástica aeróbica que desestruturou as escolas de dança. Começou a surgir as academias e muitas escolas de dança que eram tradicionais foram perdendo aluno e foram obrigadas a encerrar. Só nos anos 90 que a dança começou a se reorganizar como arte mesmo e não como uma atividade física onde as pessoas iam para cuidar do corpo. Com menos ênfase no trabalho artístico mesmo.

As palavras de Klauss Vianna em seu livro, A dança, ilustram muito bem essa

situação. Sobre a época em que começou a se envolver com o teatro, no auge da ditadura militar,

ele afirma: “(...) era o tempo da perseguição ao teatro, aos atores, ao pensamento. Mais do que

nunca entendi a diferença entre dança e teatro, a diferença entre ator e bailarino” (VIANNA,

1990, p.36). E continua: “Nunca houve qualquer censura ao balé no Brasil. Era como se a dança

brasileira não fosse feita aqui: era uma coisa estranha, não fazia parte do país. Essa foi a fase

em que acreditei não ter mais nada a ver com a dança, em não voltar mais a trabalhar com

bailarinos” (ibid, p.37).

Essa espécie de apatia política demonstrada pelos bailarinos também pode ser

verificada na história do CEFAR. A professora Lúcia Ferreira que inicialmente trabalhava só

na escola de dança, conta como foi aos poucos envolvendo-se com a escola de teatro devido a

questões políticas:

Daí comecei a participar de muita coisa no início da década de 90 no teatro. Porque também o teatro era o lugar onde a gente fazia umas discussões mais políticas. Nosso contrato de trabalho mudou. A gente era celetista e passou a ser estatutário. E naturalmente eu estive mais perto do pessoal do teatro que é onde se discutiam essas coisas.

Durante meu período de pesquisa de campo, testemunhei uma situação que

demonstra que o passar dos anos não trouxe muitas mudanças quanto a essa questão.

Oficialmente o CEFAR é uma escola de ensino suplementar em nível médio mantida pelo

Estado, mas tecnicamente não integra o sistema estadual de ensino. Segundo Reis e Avellar

(2006) foi por causa dessa condição sui generis que o CEFAR conseguiu escapar da norma

constitucional que determina a gratuidade do ensino público, ou seja, o governo do Estado de

Minas Gerais dava subsídio financeiro para a escola, mas também eram cobradas mensalidades.

82

Durante o 1º semestre letivo de 2014, os alunos do curso profissionalizante de teatro

deram início a uma campanha contra a cobrança da mensalidade. Apesar de tal medida afetar o

CEFAR como um todo, enquanto estive presente no cotidiano da escola, não percebi nenhum

envolvimento por parte dos estudantes de dança. A campanha foi vitoriosa e a partir do 2º

semestre de 2014 os cursos profissionalizantes deixaram de ser cobrados. No ano seguinte a

gratuidade se estendeu aos cursos livres.

Minha sensação durante as observações e entrevistas é que há uma desarticulação

política entre os professores e estudantes de dança que reflete muito bem a realidade da classe

vivida fora daquele “quintal”. Talvez seja consequência da forma tão individualizada como se

constrói uma carreira em dança, o que difere do trabalho coletivo tão essencial ao teatro; ou

ainda da forma como acontece o ensino de cada uma das linguagens, que estimula a autonomia

do ator muito mais do que a do bailarino. Mas isso é assunto para o próximo capítulo!

83

Capítulo 3

84

Por volta dos 9 anos de idade, quando já se deliciava com suas aulas de

ballet na academia do bairro e com as tardes dançantes na sala de sua casa,

uma outra paixão despertou naquela menina. Ela percebeu que também

gostava muito de ensinar. Podia ser brincando de escolinha com sua irmã

mais nova, estudando para alguma prova enquanto dava aula para suas

bonecas, mas o que mais a alegrava mesmo era brincar de ser professora de

ballet. Nos finais de semana dava aulas para sua irmã e sua prima. E se

realizava ao elaborar os espetáculos que eram apresentados no quintal da

sua casa. Cuidava de tudo! Das coreografias, dos figurinos, dos convites para

a família... tudo tinha que estar perfeito para o dia da apresentação.

E não é que de repente a brincadeira se tornou realidade? Quando ela estava

com 13 anos de idade, a dona da academia onde ela começou a dançar a

convidou para dar aula de ballet para crianças, o chamado Baby Class

(crianças de 2 a 4 anos). Ela recebeu o convite com muita alegria e aceitou,

claro!

***

A certeza que ela tinha desde pequena de que gostava muito de ensinar fez

com que optasse também pela licenciatura. E as disciplinas finais dessa

modalidade foram de grande importância para a sua formação docente. As

leituras, as reflexões, os estágios, dentre tantos outros detalhes, despertaram

nela um interesse ainda maior por ensinar. Foi ali que ela ouviu pela

primeira vez o termo “artista docente” e ficou fascinada com a ideia! Essa paixão a levou a optar pelo mestrado em Educação alguns anos mais tarde e

a fazer parte da primeira formação do Caleidos Grupo de Dança e Educação.

***

Se ainda na infância ela já tinha a certeza de que gostava de ensinar, depois

de uma licenciatura, que teve muita influência em sua formação, essa

certeza era maior ainda. E juntava-se a essa certeza uma enorme vontade de

inovar, experimentar, fazer diferença. Suas aulas de ballet nesse novo

emprego nunca eram apenas aulas de ballet. Ela trabalhava com as crianças

exercícios de consciência corporal, jogos e brincadeiras, improvisação.

***

85

No início de 2002 ela iniciava sua carreira de professora universitária.

Trabalhou em diversas instituições sempre com disciplinas relacionadas à

dança e ao movimento. Foram dez anos de trabalho com os mais diferentes

corpos.

(Trechos do Memorial)

86

3. Um olhar por trás das cortinas... como se forma um artista cênico?

Ser artista é um desejo. Não é uma formação. Você pode ter uma formação técnica para que você tenha recursos para falar ou para se colocar no mundo, para se expressar, enfim... Mas ser artista é uma escolha (Joelma Barros).

O cenário de minha pesquisa é um Centro de Formação Artística. Qual seria o

propósito de um lugar com esse nome? Formar artistas seria a resposta mais óbvia. Mas seria

essa uma missão possível? Lembro-me aqui de Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher:

torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1960, p. 9). Então pergunto: nascemos artistas ou nos tornamos

artistas?

Antes de procurar as possíveis respostas a essa difícil questão, quero primeiro

discutir o significado de formar. De acordo com o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

(MICHAELIS, 2017), formar significa:

1. Dar ou adquirir determinada forma;

2. Conceber ou ser concebido por meio do raciocínio ou da imaginação; criar(-se);

3. Elaborar algo progressivamente ou em etapas; desenvolver;

4. Dar ou receber instrução ou educação formal; instruir(-se);

5. Educar(-se) com princípios morais e religiosos; dar ou receber ensinamentos;

6. Pôr(-se) em determinada ordem; formar fila; enfileirar;

7. Conceder ou receber certificado de conclusão de curso; diplomar(-se);

8. Ser ou ter como a parte principal de algo; constituir(-se);

9. Dar início e organizar algo; criar; fundar.

10. Participar dos mesmos anseios, ideias ou ideais;

11. Causar ou fazer(-se) algo; produzir(-se).

Por esta pesquisa tratar de um processo educacional - o processo de formação de

artistas cênicos - alguns dos significados acima poderiam ser facilmente utilizados. Mas não

são esses que me interessam. Interessa-me aprofundar no primeiro significado: “dar ou adquirir

determinada forma”.

Especialmente no caso do ensino de dança, a associação entre formar e dar forma é

muito comum. Com um ensino baseado em técnicas de dança que possuem um vocabulário de

movimentos pré-determinados, o processo de formação de um bailarino muitas vezes passa a

ser a busca dessas determinadas formas. Algo que está fora e precisa ser alcançado, imitado.

Como já alertava Klauss Vianna ao falar sobre o ensino do ballet clássico: “O problema é que

professores e bailarinos repetem apenas a forma e isso não leva a nada. O processo deveria ser

87

o oposto: a forma surgir como consequência do trabalho. [...] O movimento parte de dentro e

não pode, jamais, ser apenas forma” (VIANNA, 1990, p.23).

Ao ler essa frase de Klauss Vianna, tive o desejo de voltar ao meu diário de campo

para rever algumas das minhas anotações. Dentre elas, destaco:

- Vejo corpos muito formatados! (anotações sobre uma aula de dança contemporânea para o 1º ano de Dança);

- A correção dos movimentos é sempre feita pela forma, poucas vezes pela sensação (anotações sobre uma aula de ballet clássico para o 1º ano do curso de Dança);

- Alguns corpos parecem presos. Não arriscam muito (anotações sobre uma aula de composição coreográfica para o 2º e o 3º anos de Dança).

- Eles estão aprendendo só por cópia e repetição! Será que funciona? (anotações sobre uma aula de ballet clássico – técnica masculina - para o curso de Dança).

É interessante notar que apenas duas das anotações apresentadas ocorreram em

aulas de ballet clássico. O que em um primeiro momento desfaz a ideia bastante comum de que

apenas esse estilo de dança esteja associado à forma. Porém, acredito que a questão seja bem

mais profunda. Especialmente na aula de composição coreográfica, por muitas vezes, a

professora dava estímulos verbais para que os estudantes fugissem da forma, arriscassem novos

movimentos, experimentassem novas possibilidades. Ainda assim, seus corpos treinados (pela

prática do ballet clássico) apresentavam uma enorme dificuldade em seguir tais orientações.

Em outro momento dessa aula, escrevi: “Alguns, às vezes, ainda procuram formas”. E

completei: “É muito difícil desconstruir corpos tão treinados!” (anotações do diário de campo).

O que percebo é que por mais que um professor estimule a experimentação, a

criação, em alguns casos os estudantes já foram tão “formatados” ao longo de vários anos de

prática de técnicas de dança, que têm imensa dificuldade em sair dessa “formatação”. Retomo

novamente as palavras de Klauss Vianna:

[...] digo que é preciso desestruturar o corpo; sem essa desestruturação, não surge nada de novo. [...] Para acordar esse corpo é preciso desestruturar, fazer com que a pessoa sinta e descubra a existência desse corpo. Somente aí é possível criar um código pessoal, não mais aquele código que me deram quando nasci e que venho repetindo desde então (VIANNA, 1990, p. 62).

As ideias por ele apresentadas me fazem buscar uma nova palavra no dicionário:

transformar. Mas não me interessa seu significado exato. Quero me deter em seu prefixo

“trans”. Do latim, trans significa “através, além”. Penso então que o papel de uma escola de

arte não seja formar, mas sim transformar. Ir além da forma, atravessar a forma! E encontro nas

palavras do professor Narciso Telles, proferidas em uma conferência na Escola de Belas Artes

88

da UFMG43, abrigo para essa minha ideia. Ele afirma: “Não há formação (de professores, atores,

artistas, etc.), mas sim transformação”.

Volto ao meu diário de campo buscando em minhas anotações exemplos que me

ajudem a entender essa ideia de transformar. Encontro algumas pistas na fala de três

professores: “Não é uma forma, é um estado, uma sensação de corpo inteiro” (Ângela Mourão

durante uma aula de Expressão Corporal para o 2º ano de Teatro); “Com os olhos fechados eu

procuro menos a forma” (Joelma Barros durante ensaio para o espetáculo de formatura do 3º ano

de Dança); “Vocês estão formatando seus corpos!” (Luiz Garrocho durante uma aula de

Interpretação para o 1º ano de Teatro).

Percebo na fala desses professores uma negação da forma. Uma tentativa de

construir algo que parta do próprio aluno, de sua própria experiência. Experiência no sentido

que Larrosa nos apresenta: “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (2002, p.21).

Há uma busca pelo o que está fora de um padrão pré-estabelecido. Uma postura que vai ao

encontro da proposta que Klauss Vianna apresenta: “através do autoconhecimento e do

autodomínio chego à forma, à minha forma - e não o contrário. É uma visão que muda toda a

estética, toda a razão do movimento” (VIANNA, 2005, p.57).

Não posso deixar de notar que essa postura mais propícia a experimentações foi

mais observada nas aulas de teatro. Encontrei também alguns exemplos em aulas de dança

contemporânea (em um estilo específico de aula, mais voltado para a educação somática) e de

composição coreográfica. Porém, o que me chama a atenção é que não encontrei a busca por

uma forma preestabelecida em nenhuma aula de teatro que acompanhei. Ainda que o foco de

muitas das aulas que observei fosse o trabalho corporal, a proposta dos professores era sempre

de um trabalho construído a partir das experiências e vivências de cada aluno.

A partir desse contexto apresentado, permanece uma questão: ainda que de forma

genérica, sabendo que há exceções, eu poderia afirmar que a dança forma e o teatro transforma?

Nesse momento eu ouso responder que sim!

3.1 Ingredientes para formar um artista da cena...

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. (Carl Jung)

43 Conferência intitulada “A pedagogia no grupo de teatro”, apresentada em 13 de outubro de 2009, dentro da disciplina “Seminários de Ensino de Teatro”, oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes - UFMG

89

Há mais de trinta anos entrei pela primeira vez em uma aula de dança como aluna

e, alguns poucos anos depois, pela primeira vez como professora de ballet. O fio que se

desenrolou a partir de lá foi se conectando a diversos outros fios (de colegas, alunos,

professores, lugares) e me trouxe até aqui. Trabalhei em academias de dança, escolas formais,

faculdades e em um curso técnico profissionalizante (não por acaso, no CEFAR). Não saberia

dizer quantas centenas de meninas e meninos, homens e mulheres estiveram em minha vida na

posição de alunos. Mas ainda assim não arriscaria afirmar que sei o que é necessário para formar

um artista.

Para mim, formar-se (ou seria transformar-se?) artista é uma travessia, um constante

caminhar. Um processo interminável que vai além do ensino formal. Tem a ver com desejo,

com necessidade, com brilho nos olhos. Uma certa forma de ver o mundo e de ser/estar no

mundo. E para isso há receita? Quais seriam os ingredientes?

Alguns dos professores entrevistados me dão algumas pistas:

Eu acho que para você ser um artista cênico é muito importante você beber e

se alimentar de muitas fontes [grifo nosso]. Ser mais eclético mesmo que você se especialize em uma determinada técnica ou linguagem. Eu acho que quanto mais informação, com certeza mais completo. E consciente (Aretha Maciel).

Levantar uma pergunta e ir com ela às raias da loucura [grifo nosso]. E não se contentar facilmente com a resposta (Lenine Martins).

O artista em formação necessita de uma boa estrutura [grifo nosso] que conduza ele através desse caminho. Incluindo bons professores (Maria Clara Salles).

Um artista que tenha cultura [grifo nosso]. Que leia livros, o livro todo! Que frequente teatros, que assista a outras coisas, a outras expressões artísticas. Que dialogue. Que esteja inserido no seu momento histórico, político e cultural. E tenha disciplina [grifo nosso]. Como não existe caminho espiritual sem disciplina e na minha concepção, a vida do artista é um caminho espiritual no sentido de que é um caminho de autoconhecimento, de crescimento interior, não existe a possibilidade de que isso aconteça sem disciplina, sem foco. E sem muita perseverança. Então é um pacote. São várias coisas que se agregam (Cristiana Menezes).

Eu acho que ele tem que ser culto, tem que ter uma formação estética [grifo nosso], ler literatura, ler poesia, tem que ouvir música, tem que saber da vida ao redor porque também lida com sentimentos, tem que conhecer as relações pessoais e as relações sociais, tem que ser capaz de criar, de ser proponente. Além da formação em outras áreas como música. É importante que ele tenha noção de ritmo, de canto... (Ângela Mourão).

Além de citar esses inúmeros ingredientes, alguns, ainda que timidamente e se

utilizando de diversos eufemismos, também falam da importância do talento. Utilizam palavras

90

como desejo, habilidade, aptidão, vocação, “um algo a mais”... mas parecem concordar que

para ser artista, o fundamental é algo que vem de dentro, que não se ensina.

[...] a verdade é que artista nasce artista; um professor pode no máximo levar esse artista até um certo ponto. O professor tira de dentro do aluno o que ele tem para dar. Fico sempre impressionado com a sabedoria popular, que explica bem melhor tudo isso: o que é bom já nasce feito (VIANNA, 1990, p.25).

Se não é possível formar o artista, a meu ver, o mais importante seria então formar

o ser humano, pois como afirma Angel Vianna: “sem humanismo não existe arte, tal sentimento

antecede a própria arte” (RAMOS, 2007, p.21). E se tratando de formação (ou transformação?)

humana, uma nova gama de possibilidades se abrem à frente do professor!

3.2 O pensamento pedagógico do CEFAR

Para falar sobre o ensino de arte (dança e teatro) no CEFAR e todas as relações

estabelecidas a partir daí, julgo fundamental antes de mais nada tentar responder à seguinte

questão: é possível definir qual o pensamento pedagógico do CEFAR?

Eu creio que para começar a responder essa questão seja preciso, antes de mais

nada, entender o contexto político-sócio-cultural em que a escola foi fundada. Como já citado

no primeiro capítulo “[...]em 1985, a categoria pediu que o estado de Minas Gerais criasse uma

escola de teatro e de dança. Do seminário foi tirada essa decisão em 85. O estado se comprometeu

através da Fundação Clóvis Salgado e do secretário de cultura e, em 1986, foi criado o Centro de

Formação Artística do Palácio das Artes – CEFAR” (Walmir José).

No final da década de 1980, com o processo de redemocratização, o país passou

por um período de significativas mudanças econômicas, sociais, educacionais e culturais. De

acordo com Coli44 (citado por PRONSATO, 2014, p.105), a cultura, na década de 1980, ganhou

um status jamais visto anteriormente. Na cidade de Belo Horizonte foi nessa época que

importantes grupos de dança e de teatro (como Grupo Corpo e Grupo Galpão) ganharam

visibilidade nacional.

No campo da arte-educação, desde o final da década de 1940, alguns

movimentos vinham tomando corpo. Dentre eles vale destacar a Escolinha de Arte do Brasil

que começou a funcionar nas dependências de uma biblioteca infantil no Rio de Janeiro, em

1948. Anos mais tarde, em 1964, mesmo com toda a repressão à arte exercida pela ditadura

militar, foi organizado o primeiro Encontro de Arte-Educação do Brasil. E, em 1980, criou-se

a Associação dos Arte-Educadores de São Paulo, o que fortaleceu a categoria politicamente

44 COLI, Juliana Marília. “Vissi d’arte” por amor a uma profissão: um estudo sobre as relações de trabalho e a atividade do cantor no teatro lírico. Tese de Doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UNICAMP. Campinas, SP. 2003.

91

(BARBOSA, 2003). A fundação do CEFAR não acontece de forma alheia a todo este processo

de crescimento da arte-educação no Brasil.

Voltando à questão levantada no início dessa secção – é possível definir um

pensamento pedagógico do CEFAR? – a partir da análise de todo o meu material de pesquisa e

claro, sem deixar de lado a experiência que tive como professora de sua escola de Dança, eu

acredito que a primeira resposta seja não. Não é possível identificar um pensamento pedagógico

unificado que represente o CEFAR. É fácil justificar essa resposta pela ausência de um projeto

pedagógico escrito (como discutido no primeiro capítulo), mas eu acredito que não seja

exclusivamente por isso. O pensamento pedagógico de uma escola não é estabelecido apenas

por um projeto pedagógico, mas principalmente pelas atitudes de sua direção, sua coordenação

e seu corpo docente. Assim sendo, acredito que não seja possível identificar um ideário comum

que possa ser entendido como “o” pensamento pedagógico do CEFAR, mas seja possível

identificar diferentes pensamentos que se revelam nas atitudes de cada um dos professores com

quem convivi e conversei. Habitam aquele espaço diferentes formas de pensar sobre o que é

dança, o que é teatro, o que é ensino, o que é corpo, o que é arte-educação, dentre tantos outros

conceitos que são caros ao universo do ensino de arte.

Desta forma busco identificar não “o” mas “os” pensamentos pedagógicos

presentes no CEFAR através da análise de sua proposta curricular e da prática pedagógica de

alguns de seus professores (tendo como fonte seus depoimentos nas entrevistas e minhas

observações de campo).

3.2.1 A proposta curricular

Quando fiz a apresentação do CEFAR no primeiro capítulo dessa tese, já situei o

leitor quanto à grade de disciplinas oferecidas em cada um dos cursos. O foco aqui não será

discutir as grades em si, mas sim a concepção de currículo que está por trás do que é oferecido.

Ao determinar um currículo estamos determinando uma política de ensino

(FREIRE, 1996). Decidir o que entra e o que sai de uma base curricular não é uma atitude

ingênua. Todo desenho curricular “seleciona elementos, valoriza mais certos componentes em

relação a outros” (SACRISTÁN, 1995, p.97). Há uma hierarquia de saberes implícita em cada

proposta curricular.

No caso da escola de Dança, a coordenadora Joana Wanner afirmou que “as

disciplinas mais pesadas são o clássico e o contemporâneo, sim. Existe uma certa linha”. O que a

escola está afirmando quando privilegia esses dois estilos de dança e deixa tantos outros fora

92

de sua grade curricular? Ou ainda quando inclui a dança folclórica, mas relega-a a uma prática

muito menor do que as outras, com apenas uma aula por semana no 2º ano do curso?

Ou no caso do curso de Teatro, que concepção de teatro está implícita em uma grade

que privilegia o trabalho corporal em detrimento do trabalho vocal? A importância (ou

“desimportância”) de uma disciplina não precisa estar presente no discurso. Ela se manifesta de

muitas outras maneiras. E o “currículo oculto” é uma delas.

De acordo com Shapiro (1998), muitos educadores críticos nos têm ajudado a

compreender que não há ensino sem valor. E que, portanto, devemos entender o currículo oculto

– isto é, todas as coisas que são aprendidas subliminarmente em uma situação de ensino-

aprendizagem. Tudo aquilo que não está aparente no discurso mas manifesta-se através de

comentários, escolhas, observações, olhares, movimentos, propostas...

Em uma aula de dança, por exemplo, tudo o que é dito ou silenciado, a maneira de

se mostrar ou esconder o corpo, o toque cuidadoso ou agressivo, o olhar, o tom de voz, tudo

será registrado, consciente ou inconscientemente pelo aluno. Em todos os momentos, em todas

as ações, expressamos nossas ideias e as transmitimos a nossos alunos. É impossível ser

imparcial ou neutro (MOURA, 2001).

Uma passagem do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, ilustra bem a

potencialidade que um simples gesto de um professor tem na vida de um aluno:

O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em mim mas que seria tão errado confiar além dos limites quanto errado estava sendo não confiar. A melhor prova da importância daquele gesto é que dele falo agora como se tivesse sido testemunhado hoje. E faz, na verdade, muito tempo que ele ocorreu... (FREIRE, 1996, p.19).

3.2.2 Os professores e seus diferentes estilos de ensino

Conforme anunciei previamente, acredito que voltar o olhar para a prática

pedagógica dos professores é um dos caminhos para a compreensão da proposta pedagógica da

escola como um todo. No caso do CEFAR, encontrei entre os professores diferentes formas de

conceber o ensino, a aprendizagem, os estudantes, as aulas... a prática docente como um todo.

Ouvi professores afirmarem que não queriam dar aula porque desejavam uma

carreira performática; que nem todos professores são (ou precisam ser) artistas; que ensinar é

sua vocação; que sempre foi fascinada pelo ensino de dança; que só acredita no ensino de um

professor que também esteja atuando artisticamente; dentre tantas outras declarações. Somente

93

elas seriam suficientes para uma longa discussão sobre ensino de arte (BARBOSA, 1985; 1986;

2006), formação de professores (ARROYO, 2002; STRAZZACAPPA, 2006), conceito de

artista-docente (MARQUES, 1996), dentre outros conceitos que daí poderiam ser extraídos.

Porém opto por apresentar duas situações vivenciadas durante o período da pesquisa

de campo que trazem em si algo que interessa bastante a essa pesquisa: as diferenças na forma

de ensinar dança e de ensinar teatro. A seguir descrevo essas situações:

Em uma aula de repertório clássico, para as três turmas de Dança juntas, em um

momento de pausa dos exercícios, a professora45 estava falando com um aluno quando este, por

algum motivo que não percebi, virou para trás antes dela terminar sua frase. Essa atitude foi o

suficiente para que ela gritasse enfurecida: “Uma aula de clássico exige hierarquia! Virar de

costas para o professor, nunca!!!”

Na mesma semana, assistindo a uma aula de teatro para a turma do 1º ano, em que

o tema era a criação de partituras corporais, uma aluna estava improvisando a partir das

orientações do professor Luiz Garrocho, enquanto o restante da turma observava. Ela

demonstrava bastante dificuldade, porém tentava seguir à risca as instruções do professor. Em

um determinado momento, ele já irritado falou: “Não seja tão obediente! Não é para me

obedecer tanto assim! Procure seu próprio caminho!”

Acredito que as duas situações relatadas podem ser analisadas a partir de diferentes

aspectos. Porém, me interessa aqui, analisá-las a partir da perspectiva de que tipo de aluno cada

um desses professores pretende formar. Paulo Freire afirma que, qualquer que seja a atitude que

um professor tome, seja ele eficiente ou não, responsável ou licencioso, rígido ou amoroso,

sempre haverá marcas desse professor na vida do aluno (1996, p.73).

Partindo desse pressuposto, eu pergunto: o que uma professora está ensinando,

estimulando, propiciando, quando faz questão de gritar para um aluno que na aula dela existe

hierarquia e que ela, professora, é quem ocupa o posto mais alto? Qual o discurso subliminar

desta atitude?

Para mim, é impossível não relacionar tal situação com o pensamento de Michel

Foucault (1991), sobre as implicações que o poder que as pessoas investidas de autoridade

(neste caso, a professora) detêm podem acarretar na formação do pensamento e da

personalidade dos que estão sob seu comando. A postura da professora demonstra ainda uma

séria confusão entre autoridade e autoritarismo (FREIRE, 1996).

45 Manterei o anonimato desta professora pois ela não participou das entrevistas e, portanto, não assinou o termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a divulgação de sua identidade.

94

Em uma outra aula dessa mesma professora, após ela apresentar uma síntese de sua

opinião sobre como tinha sido a avaliação bimestral, ela passou a palavra aos alunos, mas

ninguém quis falar. Um silêncio constrangedor permaneceu na sala por algum tempo. Em

minhas anotações no diário de campo, nesse momento fiz referência a uma passagem do livro

de Klauss Vianna:

Uma sala de aula não pode ser isso que vemos, onde a disciplina tem algo de militar, onde não se pergunta, não se questiona, não se discute, não se conversa. Com isso, a tradição do balé se perde em repetições de formas, onde todo o trabalho é feito aleatoriamente (VIANNA, 1990, p.24).

Essa professora pode até argumentar que gostaria de ouvir o que os alunos têm a

dizer, que deu abertura para que eles falassem, etc. Mas não me surpreende que eles não tenham

querido falar. O estudante precisa se sentir acolhido, respeitado, para conseguir se expressar.

Perguntar se alguém quer falar alguma coisa não é suficiente para despertar o desejo (e a

coragem) de um estudante se pronunciar. Paulo Freire (1996) nos lembra que ensinar exige

saber escutar. E escutar vai muito além de ouvir...

Principalmente se tratando de uma aula de ballet, essas situações que presenciei não

me surpreendem. Nas últimas décadas autores que discutem o ensino de dança vêm

denunciando a forma autoritária e hierárquica como grande parte das aulas de dança acontece.

Essa atmosfera reprodutivista e autoritária colabora para a formação de alunos passivos,

obedientes, sem qualquer tipo de autonomia. Como afirma Stinson (1995), em muitas aulas de

dança, o silêncio e a passividade são atitudes esperadas e estimuladas nos alunos. O depoimento

do estudante de Dança, Mateus Alves, ilustra bem a questão:

[...] falta os alunos questionarem. É muito por medo. Tem um medo muito grande porque tem também essa coisa da repressão. Qualquer coisinha que você fala, gera um...cresce! Você acaba sujando seu nome e aí você nunca mais vai ser escolhido para nada. Então acaba preferindo sofrer calado. Você não tem uma relação de troca entre o aluno e o professor. É muito carente isso aqui.

Voltemos à segunda situação descrita, a qual vivenciei na aula de teatro. O que

ensina, estimula, propicia, um professor que pede para ser desobedecido? As palavras do

próprio professor, em um momento de sua entrevista, me ajudam a responder a essa pergunta:

“Não faça como eu faço, faça comigo. Eu estou atuando também na orientação. Então faça comigo,

vamos juntos” (Luiz Garrocho).

A meu ver, a atmosfera de respeito que uma atitude assim cria, favorece a

participação ativa dos estudantes. Estimula não só a coragem para que manifestem suas opiniões

95

(como de fato acontecia praticamente em todas as aulas), como também colabora para que a

relação professor-aluno seja mais equilibrada.

Isso fica evidente no depoimento da estudante Luíza Rodrigues, quando em sua

entrevista se refere especificamente a esse professor:

Ele compreende cada aluno, sabe da dificuldade, mas não deixa a turma perceber que ele sabe. Um professor neutro, com muita coisa para passar, está estudando ainda, vai passando tudo. Dedicado, não se atrasa, está sempre ali disposto, acessível, disponível. Se você quiser é possível até ter aula com ele fora do horário.

Outros depoimentos de outros professores da escola de Teatro também trazem

exemplos de uma visão mais abrangente de ensino, na qual o professor não é o detentor do

saber, mas sim um colaborador no processo de construção do conhecimento. Dentre eles,

destaco dois:

“[...]eu não quero ensinar nada a ninguém. Eu acredito que as coisas estão dentro de você. Eu vou me colocar como um provocador, eu vou criar um espaço para que você possa descobrir tudo que você tem” (Gil Amâncio).

Hoje eu trabalho como professor uma relação mais compartilhada. Como é que a gente chega numa escolha de obra juntos, como a gente chega na escolha de uma dramaturgia juntos, como é que chega na decisão dos elementos de pesquisa de linguagem juntos (Lenine Martins).

Essa ideia de ensino que coloca o estudante no centro do processo de aprendizagem

nasce de uma “compreensão de educação que busca enxergar, cada vez com mais clareza, as

particularidades do aluno, em vez de concentrar-se num modo supostamente ideal de

transmissão de conteúdo” (PIRAGIBE in TELLES, 2013, p.8). E não se pode dizer que tal

proposta seja algo excepcionalmente novo pois Klauss Vianna, na década de 1990, já alertava:

“A relação do tipo professor-guru-onipotente e aluno-fiel-subserviente pode ser muito

prejudicial ao trabalho que se está desenvolvendo, assim como à própria vida” (VIANNA, 1990,

p.101). E exemplificava através de sua prática docente, o respeito ao desenvolvimento

individual de seus alunos. Estimulava “o dançar de cada indivíduo, anunciando que dança é um

modo de existir; é, portanto, vida, um corpo não automatizado, um corpo que se escuta [...]”

(MILLER, 2007, p.21).

Refletindo sobre as diferenças que verifiquei na prática pedagógica entre os

professores das duas escolas, levanto a hipótese de que tal diferença esteja amalgamada na

herança histórica que o ensino de cada uma das linguagens carrega. Enquanto o ensino de dança

nasce ainda no século XVI, atrelado à execução de uma técnica específica – o ballet clássico –

e baseia-se na forma como os passos que compõem seu vocabulário devem ser executados, é

96

só na virada do século XIX para o XX que o fazer teatral rejeita a encenação tradicional e exige

do ator “um longo período de formação, que justifica por si só a existência, em nossos dias, das

escolas de arte dramática” (BORNHEIM, 1992, p. 21).

No Brasil, a primeira escola de dança foi fundada em 1927, já com intenções

profissionalizantes pois seria o embrião do Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de

Janeiro (PEREIRA, 2003). Já as primeiras práticas de teatro-educação surgem junto às

escolinhas de arte de Augusto Rodrigues, disseminando-se aos poucos em colégios

experimentais, escolas de magistério, etc. E de acordo com Santana (2002), “como ainda não

havia tradição em termos de ensino da linguagem teatral ocorreu a difusão massiva do

espontaneísmo” (p.248).

3.3 Do que são feitas as escolas de artes....

Durante as entrevistas fiz uma espécie de brincadeira com os participantes, pedindo

para que me descrevessem como seria sua escola dos sonhos. A proposta era imaginar que não

haveria limite de dinheiro. Tudo seria possível. Suas escolas seriam assim:

Ia ser uma Bauhaus. Não ia ter parede, ia ser um estúdio enorme, gigantesco, com o pé direito imenso. Seria um grupo, eu acho assim. Talvez a faixa etária a gente tivesse que dividir um pouco mais. Por questão de temas, de interesse. Mas eu ia adorar cruzar linguagens, ter gente de circo, ter equipe junto pensando. Cinco professores em sala, sabe? Eu ia adorar! Se bobear eu ia entrar no meio, ia atuar também. E vai ter essa escola ainda. Pode escrever! (Letícia Castilho).

Que fosse uma escola multidisciplinar, entende? Que o ser humano pudesse desenvolver. Que tivesse filosofia. É... que ele pudesse se desenvolver física e mentalmente. (...) Eu acho que a escola de arte, não penso que ela forma o artista, eu penso que ela podia servir à formação íntegra de um ser humano. E que ele é artista também. Porque eu não acredito em um artista que não seja... Não é que eu não acredito. Eu sei que há muita arte que não é humanista. Mas a arte que me atravessa normalmente é uma arte humanista. Então eu não sei, eu não sei... Os artistas que eu mais admiro são humanistas. Eles se colocam à serviço da construção de uma humanidade. A humanidade que o tempo inteiro é construída e desconstruída. A nossa humanidade individual. Pensa quantas vezes a gente se humaniza e se desumaniza no nosso cotidiano. Eu. Você. Diariamente. Eu acho que o artista pode ser um dos que estão no time dos que ajudam a construir a humanidade. Essa humanidade que a barbárie desconstrói diariamente. Que nos faz desacreditar nela. Então eu penso que se eu pudesse ter esse dinheiro, eu gostaria de uma escola multidisciplinar. Para todas as idades. Para todo mundo que quiser chegar (Odilon Esteves).

Seria uma escola de muita experiência pois eu acho o risco a parte mais importante do teatro. Se não tem risco, não é teatro! É isso! (Erika Rohles).

97

Eu gostaria de ter um espaço onde as artes dialogassem, porque eu acho que um espaço assim seria muito rico. Eu gostaria que esse espaço pudesse ter uma seleção pelo interesse das pessoas em realmente construir alguma coisa para a vida delas. Não fosse uma formação tradicional, mas que as pessoas pudessem ter aquele espaço para construir as ideias. E que essas ideias fossem só aumentando o crescimento desse lugar. Eu gostaria de trabalhar com vários professores, sempre mudando, nunca a mesma estrutura. Queria ter uma estrutura-base que pudesse ser o pilar da ideia do espaço, mas que várias pessoas pudessem transitar. Que tivesse essa mobilidade. Um espaço que tivesse essa multiplicidade de pensamentos, essa mobilidade. Que tivesse vários pensamentos transitando. E construindo ideias em torno da arte. É assim o meu espaço ideal (Joelma Barros).

Nossa Senhora! Eu acho que seria um lugar mais aberto. Eu acho que a gente que tem uma formação em dança, acho que a gente é treinado para uma fidelização, um comprometimento com alguém, alguma modalidade, algum estilo, algum método... que eu acho que quando eu escolhi não mais participar de grupo, não é que eu não dê valor ao trabalho em grupo mas eu acho que eu escolhi um caminho que me parece mais livre no sentido de experimentar. Conhecer aqui mas conhecer aquele jeito de trabalhar também. Se eu tivesse uma escola, talvez ela tivesse esse caráter mais híbrido mesmo, salas sem parede. Algo que seja mais amplo, mais livre, que as pessoas pudessem ter o direito a experimentar sem que os limites e as qualidades fossem o principal. Acho que o desejo, a vontade de investir numa formação... sei lá! Eu tenho muita vontade de trabalhar com música, no CEFAR a gente tem [músico] acompanhador, mas às vezes eu não quero aquela coisa tão marcada. Às vezes eu quero algo diferente e tenho muita vontade de trabalhar com isso. Tenho feito algumas experimentações com a palavra, com improvisação e poesia. Então eu fico imaginando um lugar assim. Mais aberto a essas trocas e mais compartilhado com outras áreas (Marise Dinis).

Engraçado que eu já me imaginei nessa situação. Se eu ganhasse na mega sena, eu montaria um centro cultural. Rolava de tudo. Teria escola de dança, de teatro, de música. Espaço para exposição, galeria. Teatro. Seria um lugar para as artes gerais. Um centro cultural onde tivesse tudo acontecendo (de música, de teatro, de dança). Eu faria isso (Éder Reis).

Seria um centro de artes, não só de dança. E os artistas que quisessem estudar lá teriam que ter uma formação completa. Eles teriam que estudar música, teatro, dança, literatura... Teriam de ser pessoas humanas, seres humanos. A gente teria que cuidar muito da formação espiritual. Isso é uma utopia! Vários artistas já tiveram essa utopia... Um local que pudesse formar seres humanos melhores e levar beleza pro mundo. Não o que é bonito. Porque a beleza não é o que é bonito. A beleza é a forma. A forma bela de mostrar inclusive as coisas feias. Que pudesse encantar o mundo com beleza e poesia (Cristiana Menezes).

Eu acho que eu faria uma escola de dança, mas para criança. Eu não quero uma escola de formação igual o CEFAR, com curso técnico. E de música. Claro que aí na grade eu tentaria colocar aulas de teatro que são importantes. Mas seria só preparatório. Se quisesse seguir com a dança ia ter que entrar em uma escola firme. E de música porque música é importante. Eu acho que até para dança mesmo. Se a gente não sabe contar a música, a gente não consegue dançar. E a música todo mundo escuta. Por isso eu acho que é tão

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importante. Das artes eu acho que ela é a mais... a que eleva mais (Elisa Crespo).

Eu conheci uma escola [Valores de Minas] que tem uma ideia muito legal que você vai passando cada ano por uma arte. Então eu acho que seria uma escola assim. Sem título ou nível de formação. Mas um curso livre de todas as artes, como se fossem horários. Artes visuais, música, dança, teatro, cinema... até, sei lá, culinária! Um curso de desenvolvimento para a vida, não para profissionalizar (Priscilla Monteiro).

Eu começaria chamando todos aqueles que eu acho interessantes em cada área. Profissionais abertos ao diálogo. À uma escola completamente compartilhada. Só chamar figuras que estejam abertas ao diálogo. Professores, artistas. Permitir alunos, aceitar projetos de pesquisa daqueles que querem fazer a escola. Então não é uma escola para dar DRT. Não daria DRT inclusive essa escola. Essa escola seria pura e basicamente para a pesquisa. Formação e pesquisa. E pós-formação. Com eixos de pesquisa em áreas distintas entre os professores. Eu abriria uma escola também para ser incubadora de grupos de teatro, ter essa relação de troca de processos coletivos e a escola. Grupos para darem aula na escola, grupos de teatro para compartilharem seus processos. E outra coisa: abriria um rol de disciplinas que não têm nada a ver com arte diretamente. Chamaria pessoas da área de exatas, de humanas, para falar de outras coisas que não tenham a ver só com arte, tenham a ver com o ser humano. Para mim essa escola teria um sentido maior de formação. Humana. Para poder chegar na arte mesmo. Nossa, se eu tivesse dinheiro era isso que eu faria. Dentro dessa escola existiria um espaço de trabalho, um casarão, para fazer teatro de ocupação. Também é outro sonho que eu tenho enorme. Um grande centro de pesquisa em arte mesmo. Cruzamento de linguagens: vídeo, dança, teatro, performance. Isso sem dúvida. Se eu pudesse fazer um link com todos os festivais do mundo, eu faria. Ia fazer uma escola de intercâmbio. Com festivais, com grupos. O negócio ia ser meio exagerado! Talvez até convidar vários grupos para abrir uma escola. Cada um abrindo uma corrente de trabalho específica. Nossa! Proposta de escola eu tenho tantas! Eu sinto que grupo e escola têm que ter mais a ver. Acho que artista de escola tem que ser uma condição aberta de diálogo pré-disposto a criar novas frentes de pesquisa e de relação. É um pouco por aí! Eu acho que o aluno que entra já entra decidido ao que quer fazer. Eu não toparia entrar com aluno para durante o curso ele descobrir o que quer fazer. Ele tem que entrar com alguma proposta. Mesmo que não tenha experiência nenhuma, ele diz: olha, eu estou querendo fazer isso e isso. Se for muito claro, ele está dentro. E recebendo por isso inclusive. Os professores receberiam muito bem. E os alunos receberiam também. A escola daria a possibilidade do aluno ficar ali em tempo integral, caso ele quisesse. Abrindo frentes de pesquisa em outras áreas, caso ele quisesse. Dentro do princípio de compartilhar a relação. Ao ponto de ser uma coisa quase utópica, mas dizem que isso já aconteceu, de chamar um aluno para apresentar a escola para um convidado e ele saber falar de tudo. Não ia ter 1º, 2º ou 3º ano, ia ser por projeto de pesquisa. Está todo mundo no mesmo lugar. Começando ou não começando, não interessa. Depende de outra relação. Relação compartilhada de decisões. Toda sexta-feira tem uma assembleia para discutir as coisas que estão acontecendo. Todo mundo no mesmo lugar de discussão, no mesmo espaço. Não é uma escola de um é uma escola de todos. E abrir oficinas para a comunidade. Propostas abertas com a comunidade eu acho fundamental (Lenine Martins).

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Eu já pensei em ter uma escola, mas uma escola de ensino regular. Mas se eu tivesse uma escola de arte, eu acho que eu ia fazer um teatro muito grande e ia fazer muitas salas. E eu ia tentar fazer algo o mais próximo do CEFAR possível. Até porque é um modelo de grandes escolas europeias. A princípio seria só de dança (Carolina Nogueira).

Eu ia abrir uma escola completa de artes. Ia ter tudo: pintura, música, teatro, dança, aulas de cinema, seria quase uma faculdade. Eu pensaria em cursos completos. Até design, artes gráficas, fotografia, tudo. Um curso bem extenso e que a pessoa montaria a grade de matérias. Se quisesse mesclar disciplinas também, um intercâmbio entre matérias e cursos. Com um valor não muito caro, no limite da pessoa para ela poder pagar (Luciano Magno).

Eu acho que a primeira coisa que eu tentaria prezar é que tenha a separação, nem é esse termo, mas uns querem formar bailarino, uns querem ser atores, outros querem ser bailarino contemporâneo, clássico, de rua, enfim. Mesmo que eles tenham essas preferências ou predileções específicas, que eu acho que talvez a carga dessa área específica deveria ser maior para cada um, mas eles deveriam passar por uma diversidade de informações e experiências e vivências. Por quê? Porque o corpo é um, como eu já falei eu acho que é a mesma matéria-prima, e se você se disponibiliza de diversas formas, você se libera muito e se libera de muitos preconceitos. E eu acho que isso seria imprescindível. Porque a arte, ela é técnica. Ela é formal também como uma profissão e tudo, mas ela também trabalha com a sensibilidade. E eu acho difícil dissociar a sensibilidade de você olhar o outro com respeito e consciência do que o outro está fazendo, mesmo que não seja sua preferência. Mas de ter o respeito. Porque aí eu acho que passa até, o respeito e a sua postura, a sua formação, deveria passar pelo convívio e pela diversidade. Eu acho isso importante. Então mesmo que tenha, digamos assim, formações específicas em algumas áreas, direcionadas, eu acho que seria bom eles fazerem mais aulas do que eles realmente querem atuar profissionalmente, mas que tivessem e permeassem essa oportunidade de beber em diversas fontes. Tanto de teatro quanto de técnicas de dança. De improvisação porque você precisa se disponibilizar. De contato para você saber se relacionar com outro corpo e consigo mesmo acaba sendo também, né? Não só sozinho. Eu domino o meu espaço aqui. Teatro, você falar as vezes é muito difícil. O bailarino conseguir falar. Olha, eu acho isso, eu penso isso. Ou saber se colocar. E não ter medo do ridículo. Saber se despir. Então eu acho que tem dinâmicas teatrais, tem técnicas, coisas que eu já presenciei, coisas difíceis, fáceis, que eu não conheço, uma infinidade de coisas. Acho que seria muito importante música, porque você aprende a contar, você aprende a criar nuance, artística tudo. Uma infinidade de coisas. Então eu acho que, se houvesse essa possibilidade, de ter uma infinidade de matérias, mas que não fosse um contato muito raso. Meio superficial não. Que tivesse um tempo de dedicação para cada assunto. Para que desse tempo das pessoas experimentarem, se descobrirem e aí se aprofundarem no que elas realmente vão exercer pra frente (Aretha Maciel).

Se eu fosse abrir uma escola ela tinha que ter dança, música e teatro. Com certeza. E todos os alunos iam ter bolsa para estudar lá e iam ganhar uma grana para ficar lá o dia inteiro estudando as três áreas. Quem entrasse ia ser para estudar tudo. Podia escolher um instrumento, fazer dança contemporânea e teatro também. Um colégio interno! Você ia ficar lá a semana inteira só estudando. Ao invés de um espetáculo de formatura, ia ter

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liberdade para cada um ou cada grupo pudesse fazer tipo um TCC. E ter muitas mostras. Para o que cada um quiser mostrar. Seria uma escola profissionalizante (Diego Ferreira).

Eu nunca pensei em ter uma escola! Não sei... eu acho que inicialmente seria só dança porque eu não conheço nada das outras áreas. A não ser que eu juntasse com outras pessoas para gente fazer realmente uma escola. Ia ter dança clássica e contemporânea. Acho que ia ter uma aula de consciência corporal para a pessoa conhecer o corpo dela mesmo antes de começar a dançar. Ia ter música. Ia ter uma aula também para trabalhar a expressão corporal. Ia ter matéria de pesquisa, matéria teórica. Porque eu sinto falta dos alunos terem interesse por essas matérias teóricas. É importante a gente conhecer a história da dança, as pessoas que trouxeram a dança para Belo Horizonte. A gente poder pesquisar isso. Então eu ia estar sempre estimulando. Acho que é isso! (Bárbara Andrade).

Se eu pudesse fazer ia buscar fazer uma escola gratuita, que todo mundo tivesse acesso. Eu sinto na pele a dificuldade de buscar uma formação. Seria de teatro mas teria aulas avulsas de dança, música, lutas... Teria muito espaço. Uma sala imensa, muito grande! Com iluminação. Eu sinto falta disso aqui. A infraestrutura não é boa. Então teria muitas salas. E teria espaço para os alunos mostrarem o que tivessem vontade. Promoveria a criação do aluno. E teria um teatro para ele apresentar. Traria muitas pessoas de fora para dar workshops porque acho que isso enriquece muito. Outras áreas, outras visões, outras propostas. Teria aula de circo, acho fenomenal. Eu acho que os palhaços são os artistas que têm mais presença (Gabriela Fernandes).

Eu já pensei nisso por querer uma formação assim. Eu penso no que seria mais próximo da Escola Nacional de Cuba. Você entra, você passa por toda a escola (teatro, dança, música) e chega um momento que você vai escolher. E mesmo quando você escolhe, uma está interligada na outra. Outra coisa que eu acrescentaria é a parte de produção. Não só uma caracterização, mas saber como funciona a iluminação, o palco etc. Eu criaria uma escola que teria toda essa parte da produção também. Além de técnica em dança, técnica em teatro, técnica em música. Preparação física, alimentação. E até trabalho psicológico mesmo. Bailarino já é doido e não é à toa! Tem uma pressão que é muito difícil de lidar e não tem um auxílio. E um teatro também para poder ir sempre ao palco. Tipo a sala da companhia do Grupo Corpo. É como se o bailarino estivesse sempre em cena, sempre no palco (Mateus Alves).

Seria uma escola de teatro e dança. Eu faria um centro. E claro que eu chamaria quem eu gostaria de trabalhar. Eu faria encontros nossos – de professores. Só ficaria ali quem topasse isso. Encontros e aulas entre os professores de teatro e de dança. Todos teriam que ir para a prática. Não que isso tivesse que obrigatoriamente ser aplicado nas aulas pessoais. Se com o tempo, aquilo fosse entrando em cada um, tudo bem. Mas acho que como é o corpo que está sendo influenciado, está sendo obrigado a se influenciar, eles acabariam chegando ali na prática. E uma outra etapa que findaria essa ideia, seria a mescla dos professores com as turmas. Um mês você dá aula para o teatro, outro para a dança. Acabaria sendo a redundância mais completa possível que é a dança dentro do teatro e o teatro dentro da dança. Não poria aulas teóricas. Primeiro porque o teatro já vem com tudo isso embutido. E eu acho que a dança poderia partir do próprio teatro mesmo, se alimentar disso. De leitura. Até porque isso seria uma teoria posta em prática.

101

Quando virá esse resultado? Não se sabe. Quais as necessidades que estão vindo a partir disso? Aí botava uma aula (Paulo Buarque).

Eu precisaria de um tempo para pensar porque de cara veio: eu quero fazer só de teatro, a melhor de MG! Se o Palácio tem 4 etapas para entrar lá teria 5! E uma concentração foda. Uma seriedade foda. Procuraria excelentes professores, os melhores. Essa escola teria até um prédio ao lado para os estudantes morarem. Ia ser uma zona. Mas a escola muito séria. Essa é a primeira ideia. Mas tem também a ideia de ser uma coisa mais parecida aqui com o Palácio. Que tenha teatro, dança, música, artes visuais... Eu ficaria em dúvida sobre qual fazer (Luiza Rodrigues).

As ideias expostas pelos entrevistados nessa simples “brincadeira” trazem diversas

informações interessantes a serem analisadas. A primeira delas é que a grande maioria – tanto

de professores quanto de estudantes – pensou em uma escola que oferecesse formação em mais

de uma linguagem artística. A tão discutida integração entre as áreas se materializa nas escolas

de seus sonhos.

A preocupação com a formação humana também é recorrente principalmente nas

escolas imaginadas pelos professores. A dimensão humana da arte aparece como um valor

importante na formação do artista. Essa ideia vai ao encontro de diversos autores que propõem

um ensino de arte que considere o ser humano em formação e não apenas as dimensões técnicas

da linguagem artística. Dentre os quais destaco Stinson (1998), que afirma que atividades

artísticas permitem aos estudantes transcender o aqui e agora, devolvendo-os ao mundo com a

capacidade de pensar mais claramente, sentir mais profundamente e reagir mais humanamente.

Outra questão interessante é perceber que a grande maioria enfatizou a importância

do próprio estudante escolher o que iria cursar. Aparece em diversos depoimentos a ausência

de uma grade fixa de disciplinas e a preocupação de que seja oferecido ao estudante um amplo

leque de atividades. São ideias que respeitam a autonomia dos educandos, como propõe Paulo

Freire (1996).

É interessante notar que uma questão bastante problemática do CEFAR, que é a

estrutura física, aparece como um ponto importante em diversas escolas imaginadas. Muitos

falam em espaços amplos, muitas salas, grandes estúdios, demonstrando o desejo de um espaço

adequado para desenvolver trabalhos que envolvem práticas corporais.

O que mais me chamou a atenção ao analisar esses trechos de depoimentos foi

perceber que diversas críticas que teço ao CEFAR, a partir das minhas observações, aparecem

“solucionadas” nas escolas imaginadas. O que me faz crer que os problemas que aponto não

acontecem por falta de conhecimento ou pelos professores não considerarem importante. Se a

escola fosse deles, seria muito diferente.

102

Algumas questões me vêm à mente ao fazer essa constatação. A principal delas é:

de quem é o CEFAR? Trata-se de uma escola pública, mantida por uma fundação estadual.

Portanto não tem um proprietário. O que impede que os professores sintam que a escola é deles

também e procurem colocar em prática suas ideias de uma escola ideal?

Existem, claro, as questões físicas que não são de fácil resolução, assim como as

questões financeiras que também influenciam diretamente a escola. Mas acredito que não são

esses os principais entraves para fazer uma escola diferente. Muitas das ideias que eles

apresentam, tais como: integração entre as áreas, proposição de um currículo mais flexível,

vinculação com grupos artísticos, maior integração com a comunidade, trabalhos desenvolvidos

a partir de pesquisas pessoais, dentre outras, poderiam acontecer no CEFAR, se houvesse mais

diálogo entre os envolvidos. Talvez falte apenas acreditar que é possível!

***

Tenho plena consciência dos limites dessa pesquisa que trata, exclusivamente, de

um determinado grupo de pessoas que atuam em um determinado local em uma determinada

época. Não posso (e nem pretendo) afirmar que em toda escola de dança o ensino ocorra da

mesma forma como descrevi aqui, mas de acordo com a minha experiência como aluna e

professora de dança há tantos anos, posso dizer que as situações aqui encontradas refletem o

que acontece em grande parte das escolas de dança.

Sobre o ensino de teatro falo a partir de um olhar externo, mas baseado em uma

grande quantidade de leituras e nas vivências que tive durante toda a pesquisa de campo. Sei

que houve épocas (e ainda existem grupos) em que o treinamento dos atores ocorria de forma

extremamente técnica e fechada. Mas acredito que, ao contrário da dança, essa seja a exceção.

A partir do que li, vi e ouvi posso afirmar que existe sim uma enorme diferença no processo de

formação do bailarino e do ator. Tendo, neste capitulo, tratado das diferenças históricas e

conceituais com relação às concepções de ensino e aprendizagem, é hora de passar às diferenças

quanto ao tratamento dado ao corpo. Esse será o tema do próximo capítulo.

103

Capítulo 4

104

Suas primeiras lembranças em relação aos comentários sobre seu corpo datam

de sua infância. Ela não tinha o tipo mignon como a imagem da bailarina

que habita o imaginário da maioria das pessoas. Sempre foi alta para sua

idade, tinha as coxas grossas e um maldito “estômago alto” que ela não entendia muito bem o que era, mas ouvia sempre sua mãe dizer que ela

tinha. Não foram poucas as vezes que ouviu de seu pai: “você está gorda para ser bailarina!”

***

A prova de aptidão do vestibular da UNICAMP foi algo marcante para ela.

Principalmente para o seu corpo. Sabendo que faria uma aula de dança, ela

não teve dúvida sobre o que deveria vestir: meia-calça, collant e sapatilhas,

claro. Porém, antes de iniciar a aula, a professora pediu para que quem

estivesse com sapatilha, tirasse. A aula seria feita descalça. Como assim

descalça? Desde aquelas tardes de sábado em que “brincava” de dançar na sala de sua casa que ela não sabia o que era dançar descalça! Nos últimos

anos seus pés tinham passado mais tempo dentro de sapatilhas do que de

qualquer outro sapato. Como assim fazer uma aula de dança descalça? Claro

que essa foi só a primeira surpresa para o seu corpo. Os exercícios de chão,

as diferentes possibilidades de movimento, a prova de improvisação... foram

muitas descobertas!

***

A graduação em Dança foi a época em que esteve mais à vontade com seu

próprio corpo. A diversidade de corpos que habitava as salas do curso fazia

com que ela começasse a entender que não existia um corpo ideal para dança,

mas sim vários corpos para várias danças.

***

Seu corpo sentia-se agraciado com a oportunidade de estar novamente em

movimento. E agora de uma forma bem mais tranquila. Sem exigências

técnicas, sem a vergonha de estar um pouco acima do peso, sem o julgamento

dos olhos externos. Na roda de Danças Circulares todos dançam, não há

observadores.

105

***

“(...) meu corpo foi convidado a, de fato, fazer parte das minhas vivências no

doutorado. Eu não mais apenas falaria sobre corpo, mas viveria e

experimentaria com o corpo. (...) O corpo que sou também se transforma.

Pensa, repensa, revê conceitos, revisita técnicas, elabora, experimenta,

inventa...”

***

Há muito tempo sem praticar aulas regulares de dança, meu corpo buscava

a expressão muito mais a partir de memórias corporais do que da técnica.

Vencia barreiras físicas e encontrava novas formas de se expressar.

(Trechos do Memorial)

106

4. O corpo que sou versus O corpo que tenho

Para mim, só de início, falar de corpo já dá um frio na barriga. Porque é complicado trabalhar com corpo. E é muito mais complicado trabalhar com corpo cênico (Luíza Rodrigues).

Como afirma Sant’Anna, (2001, p.12): “corpo é uma palavra polissêmica, uma

realidade multifacetada, e sobretudo, um objeto histórico”. Pode, portanto, ser acessado a partir

de inúmeras abordagens. Fisiológica, biológica, anatômica, antropológica, etnológica,

estética... Partindo desse pressuposto torna-se necessário, antes de mais nada, definir a partir de

qual abordagem a discussão que apresentarei será estabelecida. Para tanto, trago a definição de

corpo cunhada pela educação somática (FORTIN, 1999). Corpo como um sistema que engloba

aspectos anatômicos, fisiológicos, psíquicos, emocionais, intelectuais, afetivos, criativos,

imaginários, entre outros. É a partir dessa perspectiva de um corpo compreendido em toda a

sua complexidade que pretendo desenvolver minhas reflexões sobre o corpo nas artes cênicas.

Concordo com Campelo (1999, p. 9) quando afirma que “a primeira qualidade do

corpo é escorregar dos rótulos. Sendo fugidio, é um objeto de estudo desconfiado, que não se

deixa agarrar por outro corpo, assim ingenuamente”. Sendo o corpo uma entidade dinâmica,

não pode ser submetido a rótulos ou categorias sem que isso signifique uma espécie de morte

de todo o seu potencial.

Portanto me agrada a ideia de falar de um corpo “em estado cênico”. Um corpo que

estando em cena carrega consigo todas as suas outras facetas. Pois se é através do corpo que

construímos nossa identidade cultural (MAUSS, 1974), não é possível descartá-la no momento

da atuação46.

“(...) mesmo em representação, o ator – e principalmente o ator ocidental – fica à mercê de sua cultura de origem, em particular do seu gestual cotidiano. (...) a ideia de separar a vida da representação é estranha, pois é o mesmo corpo que é usado e a representação não pode apagar tudo” (PAVIS47 citado por STRAZZACAPPA, 2012, p. 54).

Acreditar que o corpo é uno e carrega em si diferentes abordagens não é o mesmo

que afirmar que um corpo em estado cênico não possua suas particularidades. Como ressalta

Azevedo (in TAVARES e KEISERMAN, 2013, p.244):

(...) o corpo extraordinário do palco, apesar de ser o mesmo corpo em vida, leva [os artistas da cena] a lugares de certos riscos como não são aqueles da vida cotidiana:

46 De acordo com Strazzacappa (2012, p. 37), “A neutralidade do corpo foi um dos objetivos do trabalho cênico do fim do século XX”. 47 PAVIS, Patrice. Analyse du spectacle interculturel. Revue Internationale de l´imaginaire. Paris: Maison des Cultures du Monde. (Coleção La scène et la terre: Questions d´ethnoscénologie, n.5).

107

riscos de súbitas revelações, percepções inusitadas, medos e respostas sem palavras a perguntas que nem chegaram a serem formuladas.

É um corpo que simultaneamente manifesta-se como sujeito e objeto pois ao mesmo

tempo que possui sua própria identidade, é também suporte inevitável de uma arte que expressa

em si toda a humanidade ampliada, expandida, revisitada (BRAGA in TAVARES e

KEISERMAN, 2013).

4.1 Corpo como interface entre a dança e o teatro

Soa o terceiro sinal. A luz aos poucos se apaga. As cortinas abrem vagarosamente. Por trás da

penumbra já é possível identificar alguns corpos. Claramente são corpos humanos, mas não

podemos dizer que são corpos comuns. São corpos treinados, preparados para comunicar.

Corpos cênicos (Trecho do meu Projeto de Doutorado).

***

No trecho acima, fica evidente que tal situação ocorre em um palco (ou espaço

similar) e que os corpos citados estão em cena. Porém, o que não fica evidente, é a natureza da

arte que será apresentada. Certamente pode-se acreditar que seja uma das artes de cena,48 mas

não seria possível precisar se são corpos de atores ou de bailarinos. Ambos têm como local de

construção de seu trabalho o próprio corpo.

Tratado como “suporte inevitável” (TAVARES e KEISERMAN, 2013) para que

as artes da cena aconteçam, o corpo passa a ser um dos principais elos de ligação entre a dança

e o teatro. Todos os artistas da cena – independente da linguagem que atuam - precisam

compreender a estrutura de seu corpo, seus limites e suas possibilidades. Precisam treiná-lo.

Mas é exatamente no momento do treinamento que o elo é desfeito e manifestam-se as

principais divergências entre as duas linguagens. O treinamento corporal que um ator recebe é

muito diferente do treinamento de um bailarino. O entendimento que a dança tem sobre corpo

- o que guia a perspectiva a partir da qual o treinamento é desenvolvido - é completamente

diferente do entendimento que o teatro tem.

4.1.1 Percepções de corpo na dança

“O corpo em êxtase, o corpo em dança, o corpo em ação, restaura a luz. Ele não pensa pois é

48 De acordo com Pavis (1999, p.27), as artes da cena estão ligadas à apresentação direta, não adiada ou apreendida por um meio de comunicação, do produto artístico. O equivalente em inglês (performing arts) dá bem a idéia fundamental destas artes da cena: elas são “performadas”, criadas diretamente, hic et nunc, para um público que assiste à representação. O teatro falado, cantado, dançado ou mimicado (gestual), o balé, a pantomima, a ópera são os exemplos mais conhecidos.

108

pensamento e nesse pensamento age, cria e, portanto, resiste. Ele não possui memória, mas é memória e nessa memória recria, restaura e, portanto, se atualiza” (Ferracini, 2006, p.13).

O fato de ter passado alguns séculos desvinculada da palavra, fez com que a dança

se apropriasse do corpo como seu principal meio de expressão. Mesmo assim, o entendimento

que foi dado a este corpo se difere enormemente quando passeamos pela história da dança49.

O tratamento que a dança acadêmica (ou ballet clássico) deu ao corpo, trabalhando-

o todo o tempo na posição en dehors, transferindo o peso do corpo para a ponta dos pés

modificando desta forma os pontos de equilíbrio do corpo, e codificando todos os movimentos

em passos pré-estabelecidos, fez com que essa dança fosse considerada por muitos como uma

dança mecanizada. Noverre, dançarino e coreógrafo que viveu no século XVIII, foi um dos

primeiros a criticar esta mecanização do ballet clássico:

[...] filhos de Terpsícore, renunciai às cabriolas, aos entrechats e aos passos muito complicados [...] Essa combinação de passos numerosos bem ou mal encadeados, esse desempenho difícil, esses movimentos complicados despojam, por assim dizer, a dança de palavras. Mais simplicidade, mais doçura, maior suavidade nos movimentos dariam ao bailarino mais facilidade de retratar e de exprimir-se; poderia dividir-se entre o mecanismo dos passos e os movimentos próprios à expressão das paixões. A dança livre das pequenas coisas poderia então dedicar-se às grandes (MONTEIRO, 1998, p.65).

Apesar de todas as críticas apontadas por Noverre, foi só no início do século XX

que a dança conseguiu desvincular-se de uma técnica rígida dando ao corpo maior liberdade de

expressão. A catalisadora dessa revolução foi Isadora Duncan que ao dançar apenas com uma

túnica cobrindo o seu corpo e de pés descalços, almejava libertar o corpo do bailarino do

excesso de roupa, o que, em sua opinião, impedia o fluxo do movimento. Ela afirmou:

Assim como o nu é a coisa mais sublime em toda a arte, deve ser a coisa mais sublime na dança, pois dançar é o ritual religioso da beleza física. A dançarina do futuro terá de adaptar a dança à simetria do corpo. Terá de ter um corpo perfeito50, que voltará a ser reconhecido como coisa bela, pura e sagrada. E nesse corpo deverá expressar-se harmoniosamente, na excitação da dança, um espírito grande e livre. Só dessa maneira a dança poderá ser elevada ao seu lugar entre as belas artes (DUNCAN, 1996, p.29).

A geração que se seguiu, conhecida como os pioneiros da dança moderna foi de

extrema importância para estabelecer uma nova forma de tratar o corpo. A pesquisa de novos

movimentos tendo como foco a estrutura do próprio corpo, pode ser considerada como uma das

principais características deste grupo composto em sua maioria por norte-americanos.

49 Somente será abordada a história da dança cênica – dança concebida enquanto espetáculo cênico, que se diferencia, em essência, da dança folclórica ou social, as quais possuem outras finalidades.

50 A expressão “corpo perfeito” aqui utilizada por Isadora Duncan, nada tem a ver com o conceito de “corpo ideal” facilmente difundido no meio da dança.

109

Se antes o corpo movia-se verticalizado, alinhado e harmônico, em busca de um movimento ideal, estruturado por uma organização espacial geométrica estabelecida a priori como um jogo de regras fixas, na dança moderna o espaço passa a ser concebido a partir do corpo do bailarino, cujos movimentos ditam as direções e as fronteiras. [....] As primeiras gerações da dança moderna enfatizavam especialmente o papel expressivo do movimento (PRIMO, 2006, p.105-106).

Um nome importante desta geração é a dançarina e coreógrafa Martha Graham que,

em 1927, chegou ao seu princípio de contração e relaxamento, o qual estava diretamente ligado

à respiração. Em seus trabalhos o corpo é um todo vinculado: tronco, ombros, rosto, ventre,

quadris e pernas formam um todo único. Tantos outros foram os coreógrafos modernos que

através de suas pesquisas pessoais de movimento, deram ao corpo novos significados em cena.

Dentre eles destacam-se: Loie Füller, Ruth Saint-Dennis, Ted Shawn, Doris Humphrey

(Bourcier, 1987).

Concomitantemente ao desenvolvimento da dança moderna nos Estados Unidos,

tinha início um movimento que veio a ser conhecido como dança expressionista alemã. Em

termos de descobertas sobre o corpo e exploração das possibilidades do mesmo, não se pode

deixar de citar Rudolf Laban. Considerado um dos primeiros estudiosos da dança, acreditava

que cada dançarino deveria ter a possibilidade de explorar, conhecer, sentir e expressar sua

subjetividade enquanto dançava. Desenvolveu um cuidadoso estudo do movimento conhecido

como coreologia51, o que viabilizou um maior conhecimento dos elementos estruturais da dança

tendo o corpo como seu elemento fundamental.

A segunda metade do século XX trouxe para a dança novas possibilidades de tratar

o corpo através das propostas de coreógrafos de dança contemporânea (ou dança pós-moderna)

e de dança-teatro. Sobre a relação que a dança pós-moderna estabelece com o corpo, nos aponta

Banes (1987, p. 144):

Se o balé vestiu o pé em sapatilhas de cetim, ocultando a superfície do corpo e sua força de trabalho atrás de uma cobertura que representava a feminilidade macia e graciosa, e se a dança moderna bravamente despiu o pé para simbolicamente assegurar seu contato com a terra, a musa da dança pós-moderna usa tênis, não simbolizando nada, provendo a rapidez e a leveza das sapatilhas de ponta, mas também o conforto, mantendo uma distância fria e humana da terra enquanto garante que os pés fiquem firmes no chão.

A dança passa a questionar os padrões formais e estéticos de um bailarino

reprodutor de técnicas e partituras, interessando-se muito mais por sua potencialidade

51 “Coreologia é a lógica ou ciência da dança, a qual poderia ser entendida puramente como um estudo geométrico, mas na realidade é muito mais do que isso. Coreologia é uma espécie de gramática e sintaxe da linguagem do movimento que trata não só das formas externas do movimento, mas também de seu conteúdo mental e emocional. Isto é baseado na crença que movimento e emoção, forma e conteúdo, corpo e mente são uma unidade inseparável” (LABAN, citado por RENGEL, 2000, p. 35).

110

expressiva. Nesse contexto encontra-se a dança-teatro52, que tem como sua principal

representante a coreógrafa Pina Bausch.

No final do século XX abriram-se novas perspectivas para o trabalho com o

corpo, com o aparecimento do vídeo-dança e com o uso das novas tecnologias de comunicação.

Tornou-se possível coreografar virtualmente. O corpo pôde ser fragmentado, decomposto,

recomposto, reconstruído, remasterizado. A sensação é que o corpo humano parece não ser mais

suficiente para dizer tudo o que deve ser dito em cena. Outras fronteiras começaram a ser

ultrapassadas (Ferreira, 2001).

Se faz importante ressaltar que essas diferentes formas de entendimento de corpo

e de seu processo de treinamento convivem simultaneamente na contemporaneidade. Enquanto

alguns artistas da dança exploram ao máximo as potencialidades expressivas do corpo durante

seus processos de criação, inúmeras escolas de dança – dentre elas o CEFAR – ensinam o ballet

clássico perpetuando uma ideia de corpo vinculada ao século XIX53.

4.1.2 Percepções de corpo no teatro:

“[...] daquele corpo que representa, daquele corpo que engendra o teatro” (Prochno, 1999, p.17).

Foi a partir do século XX que o corpo passou a receber uma maior atenção

ganhando um lugar especial na cena teatral. Muitas obras passaram a ser realizadas através da

construção de partituras corporais onde “uma dramaturgia corporal se interpõe a uma narrativa

linear ou a uma dramaturgia textual pré-estabelecida” (COHEN, 1998). Antes disso, de acordo

com Pavis (2003, p. 75): “O corpo não passava de um relé54 e de um suporte da criação teatral

(...). O corpo ficava, então, totalmente avassalado a um sentido psicológico, intelectual ou

moral; ele se apagava diante da verdade dramática, representando apenas o papel de mediador

na cerimônia teatral”.

52 A dança-teatro (expressão traduzida do alemão Tanztheater) é conhecida sobretudo através da obra de Pina Bausch, porém tem sua origem no Folkwang Tanz-Studio, criado em 1928 por K. Joos, que foi professor de Baush e proveio, ele próprio, da Ausdruckstanz, a dança expressionista alemã. A esta corrente da criação coreográfica contemporânea pertencem outros coreógrafos que, apesar de não utilizarem este termo, são conhecidos como coreógrafos abertos à teatralidade e favoráveis à descompartimentação das artes cênicas. Os principais nomes são: J. Kresnik, R. Hoffmann, G. Bohner, M. Marin, J.C. Galotta, J. Nadj e K. Saporta. (PAVIS, 1999)

53 Foi no século XIX que ocorreu o auge dos balés românticos com uma estética que idealizava a figura feminina e estabelecia o uso da sapatilha de ponta como acessório importante para a obtenção do efeito de leveza e imaterialidade das personagens em cena. Essa estética é a responsável pela imposição de um modelo de corpo ideal: mulheres magras, longilíneas, graciosas (MOURA, 2001).

54 Corpo-relé: corpo como suporte para a palavra, para o texto. Está em segundo plano. Opõe-se a esse conceito o de corpo-matéria: o corpo porta a sua própria importância (STRAZZACAPPA, 2012).

111

Quando o teatro se distancia da centralidade do texto como guia das suas criações,

e passa a entender o corpo como uma entidade plástica multidimensional, torna-se necessário

fazer o ator consciente da expressividade de seu próprio corpo e da necessidade de treiná-lo.

Sobre este treinamento, Stanislavski, em seu Manual do ator, explica:

(...) O ator deve movimentar-se com uma facilidade que enriqueça a impressão por ele criada, ao invés de desviar-se daquilo em que deveria estar concentrado. Para fazê-lo, ele deve ter um corpo saudável e em pleno desempenho de suas funções, capaz de um controle extraordinário. (...) Os exercícios contribuem decisivamente para o melhor funcionamento de nossa estrutura física, tornando-a mais móvel, flexível, expressiva e, até mesmo, mais sensível. (...) Os exercícios físicos ideais são aqueles que corrigem as deficiências da natureza. (...) Acima de tudo, é importante que não falte intenção a nenhum dos movimentos realizados durante os exercícios (STANISLAVSKI, 1997, p.61).

Grotowiski, por outro lado, acredita que a preparação do ator corresponde à

liberação dos impulsos vivos do corpo: “[...] impulsos quase invisíveis, que tornam o ator

irradiante, que fazem com que mesmo sem falar, fale continuamente, não porque quer falar,

mas porque é sempre vivo” (2007, p.169). Apresenta ainda o conceito de corpo-memória no

qual analisa o deslocamento do foco da memória emotiva para a pesquisa sobre as ações físicas.

Um corpo que não tem memória, que não bloqueia a memória, mas que é a memória em sua

materialidade. Segundo Grotowski, “É necessário dar-se conta de que o nosso corpo é a nossa

vida. É no corpo como um todo que estão inscritas todas as nossas experiências, sobre a pele e

sob a pele” (citado por BITENCOURT, 2013, p. 272).

Meyerhold, em uma conferência proferida em junho de 1922, onde se propunha a

falar sobre o ator do futuro e a biomecânica, cita duas condições imprescindíveis ao ator: 1)

possuir uma capacidade natural à excitabilidade refletora (a excitabilidade é a qualidade

adquirida através do treinamento corporal e indispensável para que o ator jogue em cena); 2) o

ator deve ser fisicamente gracioso, ou seja, deve ter boas proporções, estabilidade e saber onde

encontra o centro de gravidade de seu corpo a qualquer momento. E indica: “A fisicultura, a

acrobacia, a dança, a rítmica, o boxe, a esgrima – são todas matérias úteis. No entanto, elas só

podem se tornar utilizáveis quando forem entendidas como extensões do curso de biomecânica,

matéria principal e essencial para todo e qualquer ator” (MOSCHKOVICH in TAVARES e

KEISERMAN, 2013, p. 167).

Pode-se perceber que independente do método desenvolvido para a preparação

corporal do ator, o corpo tornou-se algo fundamental para o trabalho desses diretores. Tanto os

russos Stanislavski e Meyerhold, quanto o polonês Grotowski, e mais tarde o italiano Barba,

preocuparam-se com a expressividade do corpo – como o corpo pode expressar melhor aquilo

112

que se passa no interior do homem? (STRAZZACAPPA, 2012). E apesar da utilização de

métodos diferenciados acredito que, em essência, todos procuraram proporcionar uma maior

organicidade aos movimentos do ator.

Para Stanislavski a 'organicidade' significa as leis naturais da vida 'normal' que, através de uma estrutura e composição, aparecem sobre a cena e se transformam em arte, enquanto que para Grotowski organicidade indica algo como o potencial em um corpo humano de uma corrente quase biológica de impulsos que vêm do 'interno' e vão para o cumprimento de uma ação precisa (RICHARDS citado por BURNIER, 2001, p.53).

Assim como o termo organicidade, o termo energia também pode ser encontrado

em diversos textos sobre o corpo do ator. Para Burnier (2001), as ações físicas são o meio pelo

qual o ator entra em contato com suas energias potenciais. Podem ser consideradas, portanto,

como o aspecto corpóreo e físico das energias interiores do ator.

Ainda sobre esta energia, que por muitos pode ser considerada vital para o trabalho

do ator, aponta Barba (1995, p.13):

O corpo torna-se carregado com energia porque dentro dele se estabelece uma série de diferenças de potencial, que proporciona um corpo vivo, fortemente presente, mesmo com movimentos lentos ou em imobilidade aparente. A dança de oposições é dançada no corpo antes de ser dançada com o corpo. É essencial entender este princípio da vida do ator-bailarino: a energia não corresponde necessariamente ao deslocamento no espaço.

Em alguns casos essa energia aparece como fator diretamente relacionado com a

presença cênica55 do ator. Sobre esta relação, afirma Ryngaert (1985, p.29): “nem sempre ela

[a presença] existe através das características físicas do indivíduo, mas sob forma de uma

energia irradiante, cujos efeitos sentimos antes mesmo que o ator tenha agido ou tomado a

palavra, no vigor de seu estar ali”.

Esta delicada relação entre preparação corporal, energia e presença cênica está

muito bem explicitada nas palavras de Machado (2006, p.46):

O trabalho corporal sistematizado gera transformações qualitativas no trabalho de criação e interpretação do ator. Este aprofunda seu conhecimento acerca de seu corpo e seus recursos de expressão, intensifica sua presença cênica, promove e instaura o estado de atenção e prontidão necessários à percepção das sensações, dos estados corporais, das idéias, dos pensamentos e das imagens que o corpo produz. O ator desenvolve a consciência e compreensão de sua ação em cena.

Assim como na dança, é importante salientar que apesar de haver uma tendência na

prática teatral atual para o que é chamado de teatro experimental (PAVIS, 2003), ainda é

55De acordo com Pavis (1999) “ter presença” é, no jargão teatral, saber cativar a atenção do público e impor-se; é, também, ser dotado de um “quê” que provoca imediatamente a identificação do espectador(...) Segundo a opinião corrente entre a gente de teatro, a presença seria o bem supremo a ser possuído pelo ator e sentido pelo espectador. A presença estaria ligada a uma comunicação corporal “direta” com o ator que está sendo objeto de percepção.

113

possível encontrar outros tipos de manifestações teatrais como o teatro tradicional, o teatro

comercial, dentre outros. Para essa pesquisa, a diferença em relação à dança é que no CEFAR

há sem dúvida um predomínio de uma visão contemporânea de teatro.

4.2 Sobre os corpos que habitam o CEFAR...

No CEFAR não tem nenhum tipo de cobrança em relação à forma do corpo físico. Não existe esse tipo de cobrança (Priscilla Monteiro).

Aqui no CEFAR é exigido um corpo em forma! (Mateus Alves).

As citações acima refletem com precisão as duas realidades encontradas no CEFAR

quando o assunto é o corpo dos artistas em formação. Visões opostas que habitam o mesmo

espaço. De um lado “da rua”, encontro corpos uniformizados que vivem a exigência de serem

“perfeitos”, que devem ser disciplinados e treinados para alcançar a forma ideal. Do outro lado,

encontro corpos livres de padrões preestabelecidos que buscam o treinamento como forma de

potencializar sua expressividade.

Do lado da dança, um descontentamento com o próprio corpo expresso em

declarações como:

Domar meu corpo foi muito difícil. Essa questão de flexibilidade, essas

coisas... Eu sempre fui muito técnica só que facilidade eu nunca tive nenhuma.

Meu corpo é muito difícil de trabalhar! Não tenho perna em x, não tenho peito

de pé, nada! (Bárbara Andrade).

(...) por eu já não estar na mesma idade das meninas, acaba que meu corpo

sente um pouco mais. Aí eu estou com problema no joelho, estou com

tendinite, aqui atrás, aqui na frente... E acaba que isso realmente me

atrapalha um pouco. E uma coisa que também chegou a me atrapalhar no

ano passado, mas eu consegui melhorar, foi questão de fraqueza no pé

mesmo. (Júlia Alves).

Eu nunca tive um físico preparado ou um físico pré-disposto para atividade

física. (...) fui aprendendo como usar o corpo. Então foi a partir daí que eu

fui trabalhando, mas eu sempre tive dificuldade de trabalhar com meu corpo

(Mateus Alves).

Eu era muito desengonçada. E eu era gordinha então era uma coisa muito

horrorosa! Até antes de eu ter essa consciência corporal, de eu ter criado

114

mais força e conseguir controlar meu corpo, meus movimentos, eu era muito

desengonçada! (Júlia Alves).

Declarações que refletem uma realidade vivida pela maioria dos estudantes de

dança. O descontentamento com o próprio corpo é quase uma condição sine qua non para se

tornar um bailarino. Especialmente um bailarino clássico. É esperado dos estudantes de dança

que “a crítica a seus corpos torne-se um comportamento a ser adotado” (Taylor, 1994, p.80).

Mesmo para os que estão mais próximos dos padrões de “corpo ideal”, sempre há algum tipo

de descontentamento:

Eu sempre tive muita facilidade no clássico porque meu físico é muito bom para o clássico. Tenho boas linhas, tal. Só que eu sou muito pequena! E não sou longilínea. E isso às vezes me incomoda. Só que é algo que eu não posso trabalhar. Eu não posso querer que a minha perna fique grande. Eu não posso fazer uma cirurgia para ela ficar maior... Mas eu lido bem com isso. Antes me incomodava mais, agora me incomoda menos (Carolina Nogueira).

As memórias que grande parte dos professores de dança têm com relação a seus

corpos na dança, também refletem essa espécie de luta que os bailarinos aprendem a estabelecer

com seus corpos. Como ressalta Stinson (1998, p..80): “nas aulas tradicionais de dança o corpo

é geralmente visto como um inimigo [...] tanto pelos homens como pelas mulheres, que fazem

exercícios compulsiva e obsessivamente”.

Apesar de distantes no tempo, as memórias desses professores não diferem muito

do que seus próprios alunos vivenciam hoje. Principalmente em relação às exigências do ballet

clássico.

Bom, para o ballet clássico sempre houve exigências. Inclusive de altura. Um sujeito baixo como eu... (...) O pé também era um bocadinho feio, mas eu dei uma quebrada nele e foi! (Paulo Buarque)

(...) eu não era uma pessoa que tinha muitas facilidades físicas... Fiz aula de ballet muitos anos mas era uma luta, não era muito fácil pra mim (Marise Dinis).

Eu achava que eu tinha um péssimo físico. Que eu não tinha o físico para o ballet. Talvez porque eu era mais cheinha nessa fase. Eu não era tão magrinha como eu sou hoje. Eu tinha um corpo de uma menina normal. Eu achava que eu era muito baixinha, que eu não tinha físico. Eu era toda complexada. E minha família também achava que eu não poderia ser uma bailarina porque eu não tinha o físico para uma bailarina! (Cristiana Menezes)

Eu ouvi muito isso: Você não tem um físico para bailarina! (Joelma Barros)

E como é visível no depoimento do professor Paulo Buarque, as cobranças se

mantêm ao longo da vida:

115

Aí vai criando alguns caroços na barriga e aí forma um estômago! [risos]. Já estou perdendo! Estou voltando a correr e vou voltar pra... Não posso permitir não, porque a decadência agora é visível. (...) Nós que trabalhamos fisicamente por muitos anos, a sintonia do cérebro com o corpo não muda. Você muda os seus hábitos, mas a cobrança é muito grande (Paulo Buarque).

Atravesso novamente a rua e encontro estudantes que têm dificuldade para entender

a pergunta sobre a existência de algum tipo de exigência quanto à forma física de seu corpo.

Estudantes que acreditam que “você pode ter o corpo que você quiser” (Luiza Rodrigues). Eles

nunca se sentiram cobrados em relação à forma de seus corpos e afirmam que “mesmo alguém

mais magro pode ter alguma dificuldade que uma pessoa mais gordinha não vai ter” (Éder Reis).

Encontro também professores que fazem questão de enfatizar que “o teatro consegue

abarcar todos os tipos de corpos dos alunos” (Letícia Castilho); “todos os corpos são bem-vindos”

(Odilon Esteves). Ou depoimentos como o do professor Lenine Martins que evidencia o quanto

a forma física pode ser irrelevante para o teatro:

Eu já fui surpreendido por vários corpos, por ator que não põe a mão no pé, mas quando entra em cena é um furor. Tem um domínio do que faz, uma consciência, um estado de presença, um estado de escuta, uma condição de relação que é muito interessante (Lenine Martins).

A relação direta que os bailarinos aprendem a fazer entre boa performance e corpo

ideal parece mesmo não fazer parte da formação em teatro. Essa percepção me lembra

novamente Klauss Vianna, que em seu trabalho com atores constatou: “para mim ficou claro

que, no teatro, as coisas são bem mais objetivas” (VIANNA, 1990, p.41). E alguns deste lado

até se arriscam a imaginar como são as coisas do lado de lá:

Engraçado isso!! [risos]. Eu imagino que deve todo mundo cobrar isso [corpo em “forma”] de vocês que fazem dança, que estudam dança... (Éder Reis).

A gente [artistas do teatro] envelhece, limita, mas acho que não deve ser mesmo como é a dança, não (Letícia Castilho).

Volto mais uma vez para o lado da dança (não só no CEFAR) e encontro a

frustração com o próprio corpo refletida nas palavras de quem começa a perceber que existe

uma forma ideal e que seu corpo não se encaixa nela...

Senti muita dificuldade quando, dos 10 para 11 anos, engordei bem mais que o esperado para uma bailarina e acabei sentindo vergonha muitas vezes ao olhar-me no espelho da sala, sentindo-me o "patinho feio" dentre os "cisnes brancos". O "patinho feio" esforçava-se para seguir o modelo do "cisne", mas isso quase sempre era em vão: não era possível alcançar a leveza e mesmo a agilidade da professora (Amaral, 2009, p.2).

(...) tem uma aluna nossa, que é uma aluna bem querida e bem talentosa, que no início do ano voltou um pouco mais gordinha das férias, e aí ela esteva aqui com a mãe dela, as duas nessa sala, a gente conversou... Porque eu acho que ela percebeu que deu uma engordada, e eu acho que ela percebeu como

116

os professores estavam percebendo e comentando. Então ela achava que ela não era mais bonita como antes, que ela não iria mais dançar como antes, e não sei o quê... esses dilemas! Inclusive pensando na possibilidade de parar de dançar (Joana Wanner).

A neurose criada em torno do peso do corpo pode gerar consequências sérias na

vida dos estudantes de dança. Principalmente das meninas. Para Stinson (1995, p.79), “além de

reforçar a ideia da mulher passiva e quieta (ou da ‘menina boazinha’), o treinamento em dança

também intensifica as expectativas culturais em relação à imagem da mulher. O corpo das

bailarinas está completamente sujeito à autoridade de professores, coreógrafos, diretores,

enfim, daqueles que regulam e sustentam o sistema da dança. O depoimento da professora

Cristiana Menezes ilustra muito bem essa questão:

Eu lembro que quando eu tinha 15 anos eu fui para um curso nos EUA, e eu estava cheinha. Estava gordinha. Estava naquela fase.... Estava cheinha. Não estava gorda. Eu nunca fui gorda. E o professor que era um americano, mas falava um pouco de português, chegou na frente de todo mundo e pegou minha barriga e apertou, falando: “um barriga de sapo, dois barriga de sapo, três barriga de sapo! Pizza!!” Isso resultou em uma pessoa que foi anoréxica. Dois anos depois eu entrei em um processo de anorexia que eu levei uns 10 anos para me curar. Eu fiquei dos 19 aos 23 anos sem menstruar. Cheguei a pesar 34 quilos. (Cristiana Menezes).

Volto ao lado do teatro e, em uma das entrevistas, um fato inesperado acontece.

Uma estudante do primeiro ano afirma estar descontente com seu desempenho físico e associa

isso ao fato de estar “um pouco acima do peso”. Em suas palavras: “Eu sinto que meu desempenho

não está tão legal, poderia ser muito maior. Em tudo. E eu associo à falta de força, ou de flexibilidade

ou ao peso maior mesmo... talvez nem me atrapalhe tanto, mas para mim, eu sinto”.

O que me chama a atenção não é o fato de uma atriz em formação estar descontente

com seu corpo. Deve haver outras tantas em outras escolas. O que me chama a atenção (e até

assusta um pouco), é o fato dessa atriz ser também bailarina. Ela se mostra tão preocupada com

sua forma física que, nem mesmo em um lugar onde não lhe é exigida nenhuma forma – como

ela mesma disse na citação que abre essa secção –, ela consegue estar à vontade com seu corpo.

Ela acredita que é uma cobrança interna: “talvez isso esteja tão interiorizado em mim, tão enraizado,

que eu me sinto mal fazendo algumas coisas”.

Por isso insisto que não me importa, hoje (...) qual a idade, o tipo de musculatura, altura ou peso do bailarino: o que me importa é a cabeça. Não tenho qualquer idealização a nível físico sobre o bailarino ou a bailarina com quem quero trabalhar. Quero só que tenha uma boa cabeça. Porque, ainda que difícil, é possível modificar um corpo. Mas mudar a mentalidade de um adulto é um trabalho quase impossível (VIANNA, 1990, p.33).

Faço novamente a travessia para o lado da dança e sou tomada por um certo alívio.

Ao assistir a algumas aulas de dança contemporânea e de composição coreográfica, encontro

117

uma professora que questiona diversos padrões impostos e consegue trazer isso para sua prática

em sala. Seu depoimento evidencia sua perspectiva a respeito do corpo na dança:

(...) eu acho que se a gente não compreender que a gente não deve e não pode se limitar a um estereótipo físico, que é esse estereótipo que dança, a ele é dado o direito de dançar, eu acho que a gente vai caducar. Vai estar perdendo o bonde! Porque há muitos anos atrás eu lembro que teve um Carlton Dance e não lembro qual companhia tinha um gordinho. Quando o gordinho entrou, a maioria da plateia riu muito. E esse gordinho foi dançando, foi fazendo tudo tão exatamente como as outras, da maneira dele, com uma fluidez, com uma qualidade, que a plateia foi calando. Como tem grupo que tem uma menina cega que você nem percebe, outro tem um anã ou sei lá! Que corpo é esse que pode dançar? Eu acho que é qualquer um! (Marise Dinis)

Seu discurso – e principalmente sua prática como pude verificar em minhas

observações de campo – vão ao encontro das ideias de educadores que se mostram mais

preocupados com o desenvolvimento pessoal de seus estudantes do que com sua adequação a

um padrão de corpo ou de movimento preestabelecidos. Como é o caso de Angel Vianna que

“considera indispensável que o ator/bailarino seja orientado a criar seu próprio movimento, sua

forma pessoal de se mover. Para ela, essa descoberta é individual e não deve se basear em nada

preestabelecido como verdadeiro ou certo” (RAMOS, 2007, p.20).

***

Quando o tema passa a ser corpo cênico, as diferenças diminuem e encontro nos

depoimentos dos dois grupos muitas ideias em comum. Expressões como: “corpo vivo”, “corpo

aberto”, “corpo ampliado”, “corpo presente”, “corpo disponível”, aparecem tanto nas entrevistas

de professores e estudantes de dança quanto de teatro. Também há um consenso quanto às

relações entre corpo cênico e presença cênica. Algumas de suas colocações explicitam essa

ideia:

A presença cênica é um transbordamento. De onde vem isso? De um corpo adestrado, de um corpo treinado, de um corpo que tem prontidão (Cristiana Menezes).

Eu acho que a presença está muito ligada a corpo cênico embora eu acho que a presença [silêncio]... presença você pode construir. Um corpo cênico presente. Um corpo cênico ausente. Talvez seja um pouco desse conceito de aparecer e desaparecer (Marise Dinis).

(...) eu acho que qualquer pessoa que tenha um domínio do seu corpo, que tenha um entendimento do que está fazendo, do que está propondo, que está defendendo uma proposta de trabalho, eu acho que todas essas pessoas acabam tendo uma presença cênica (Lúcia Ferreira).

Essa presença cênica que eu acho que tem a ver com essa musculatura tonificada para estar pronto. E com essa atenção. Com essa ligação dos sentidos e essa disponibilidade. (...) um estado especial de presença e desse corpo cênico construído (Ângela Mourão).

118

(...) esse corpo tem sim essa força que alguns vão chamar de presença (Luiz Garrocho).

Eu acho que ela [a presença] é uma consequência desse corpo cênico. As vezes a gente ouve falando que fulano tem muita presença. Eu acho que essa presença não é um dom, é um treinamento também. Porque eu acho justamente que essa presença é quando essa pessoa está ali presente com aquilo tudo que está acontecendo. É realmente mesmo uma consequência do corpo cênico. Daquele corpo vivo, daquele corpo pronto para responder às coisas que vêm na hora (Diego).

É todo um corpo trabalhado para você ter esse contato com o público. Para eles saberem que você está ali. (...) a presença cênica vai ser melhor alcançada se você tiver um corpo cênico (Bárbara).

Eu acho que a presença é uma coisinha a mais do corpo cênico. E quando a pessoa tem essa presença, eu acho que ela tem algo a mais que a diferencia de alguma forma. Não sei se é o olhar, a própria forma de se portar... (Carolina Nogueira).

Como nem só de semelhanças é feita essa relação, também encontrei nos

depoimentos sobre corpo cênico alguns termos que considerei bastante representativos de cada

grupo. “Corpo treinado” foi citado apenas por uma professora da dança e “corpo em relação” e

“corpo que brinca” apareceram no discurso de dois professores do teatro. Para mim, são termos

que expressam muito bem a relação que cada uma das linguagens estabelece com o corpo.

Ilustram e sintetizam o tipo de tratamento que é dado ao corpo dos seus aprendizes.

A busca por um corpo em relação, um corpo coletivo, está presente na escola de

teatro desde o processo de seleção quando na última etapa os candidatos são expostos a um

período de avaliação coletiva. Dois professores comentaram a importância dessa fase: “a gente

tem que ver esse ator em coletivo trabalhando corporalmente – improvisando com o outro” (Letícia

Castilho); “tem que ser levado em conta a habilidade e o comportamento coletivo deles” (Walmir José).

E a importância da coletividade continua presente durante os três anos de formação:

O trabalho compartilhado gera um corpo cênico coletivo mais forte, mais engajado. Ciente do que pode fazer, sabe? (Lenine Martins).

Eu, Letícia, costumo avaliar a assiduidade que eu acho fundamental. Se [o teatro] é um processo coletivo você tem que estar presente (Letícia Castilho).

Ele [o aluno] vai aprender a trabalhar junto, formar um coletivo, uma equipe de teatro (Luiz Garrocho).

A gente sempre estimula aqui no curso o trabalho em grupo, o coletivo. Vários saem daqui e formam pequenos grupos que seguem trabalhando juntos (Ângela Mourão).

Também é possível verificar uma continuidade na escola de Dança onde um “corpo

treinado” é exigido durante toda a formação desde o processo de seleção. Há uma

supervalorização das habilidades físicas que na seleção é sentida já na primeira etapa

119

(fisioterápica) visto que é eliminatória. De acordo com a coordenadora Joana Wanner: “nas

provas de seleção aqui a gente vê isso claramente. O tanto que o físico é determinante para se obter um

resultado esperado”.

Essa declaração me faz voltar no tempo e lembrar do quanto desejei ser aluna da

Escola Municipal de Bailados de São Paulo. Participei por três vezes do processo de seleção

conseguindo, na terceira vez, finalmente realizar meu desejo. Isso aconteceu no final da década

de 1980 e minha sensação é que a história não mudou muito. Pelo menos as exigências para ser

aprovada na seleção continuam se pautando em um modelo de corpo que nada tem a ver com a

realidade brasileira. Vallim Júnior (1993, p.131) explica as características que a candidata

precisa ter para ser aprovada:

Para ser aceita na escola a menina precisa apresentar alguns pré-requisitos (...) seu tipo deve ser esguio, bem proporcionado, com braços e pernas obedecendo a um desenho harmonioso e sem imperfeições. O pescoço deve ser naturalmente alongado, e acima de tudo ela precisa ser magra, não podendo sequer mostrar tendência para engordar (Vallim Jr, 1993, p. 131).

Relembrar os meus sonhos de criança em relação ao ballet trazem também outras

lembranças... Quando eu tinha uns 10 anos de idade, ouvi da minha professora de ballet uma

frase que nunca consegui esquecer: “de cada mil meninas que amam o ballet, o ballet ama

apenas uma”. Naquela época eu não tive dúvidas de que “essa uma” seria a mais magra, mais

longilínea, com o corpo mais perfeito. Doeu muito pensar que eu estava entre as outras

novecentas e noventa e nove!

***

Refletir sobre o treinamento que bailarinos e atores recebem me trouxe algumas

questões que considero importante compartilhar. Percebi que os estudantes de dança têm muito

mais consciência corporal e domínio de seus movimentos do que os estudantes de teatro, porém,

todo esse conhecimento é usado apenas para dançar melhor. Eles têm um corpo que precisa ser

treinado e estar em constante manutenção para atender às exigências que vêm de fora: do

professor, do diretor, do coreógrafo, do mercado. A situação narrada por Shapiro (1998, p.37),

descreve bem essa relação que os bailarinos estabelecem com seu corpo:

Eu estava no escritório de um dos meus professores do doutorado, discutindo o significado da dança, quando ele me perguntou: "O que você acha do seu corpo (como dançarina)?" Minha resposta imediata foi: "Não penso sobre meu corpo". Depois de refletir, disse: "Bom, sabe, na dança, só se pensa realmente no corpo em termos técnicos. Isto é, quão bem você faz alguma coisa tecnicamente". Só mais adiante em meus estudos foi que percebi a verdade do que dissera, uma verdade estabelecida sobre minha própria experiência de dança. O corpo, para o dançarino, é uma ferramenta, um instrumento objetificado em benefício da dança.

120

Por outro lado, os estudantes de teatro possuem muito menos habilidades corporais,

mas demonstram uma visão de corpo mais conectada com o ambiente e a cultura em que estão

inseridos. O que Shapiro demorou a perceber que poderia ser uma possibilidade para seu corpo

de dançarina, me parece ser a realidade para a maioria dos estudantes de teatro que encontrei:

O que eu não entendi na ocasião foi a possibilidade de o corpo ser visto como sujeito – aquele que guarda a memória da vida de uma pessoa, que define a identidade racial de alguém, sua existência com base nas diferenças de gênero, sua base histórica e cultural, e, na realidade, a própria materialidade da existência (ibid).

Eu tenho a sensação que o que falta de consciência corporal no sentido físico, de

execução de movimentos, é compensado pela consciência do papel que seus corpos ocupam no

mundo. Arrisco dizer que os atores em formação que encontrei têm plena consciência do corpo

que são.

Como professora de dança a pergunta que me vem à cabeça é: seria possível

encontrarmos um equilíbrio? Podemos pensar na formação de um artista que desenvolva um

conhecimento apurado do seu corpo e trabalhe em seu aperfeiçoamento técnico sem que para

isso seja necessário isolar-se do mundo em uma sala de aula? Eu acredito que sim. Acredito

que a formação artística deva estar vinculada à formação humana e que, portanto, deve

reconhecer que não trabalha apenas com corpos, mas sim com sujeitos inseridos em um

contexto histórico-social.

121

Considerações finais

122

SOBRE O TEMPO

Uma das coisas que aprendi com esse doutorado foi entender o tempo.

Respeitar o tempo de cada coisa procurando deixar a ansiedade e a pressa

de lado. Ter a paciência de esperar o tempo de maturação da pesquisa como

um bebê que se forma no ventre da mãe. Nem sempre foi fácil!! A cabeça

dizia: “já é hora de terminar”, mas a pesquisa pedia tempo. Precisava

maturar, gerar seus frutos, florir!

Entender os tempos da vida também se tornou fundamental. O tempo de

deslocamento entre duas casas em dois estados diferentes nas tantas viagens

que habitaram meus dias nos primeiros anos do doutorado. O tempo que meu

corpo pedia para se recuperar do cansaço dessas viagens visto que eu já não

tinha mais vinte e poucos anos... O tempo do tratamento da minha filha na

luta contra um linfoma. Tempo longo, esticado, pesado, repleto de pausas e

dores que me tomavam por completo quase não sobrando tempo algum para

qualquer outra coisa. Esse tempo passou!

Questões de saúde também afastaram por um tempo a minha orientadora.

Não era mais apenas uma questão de tempo, mas também de espaço. A

distância trazia insegurança. Um prolongado tempo de espera que a internet

buscava acelerar...

Chegou o tempo de planejar uma mudança interestadual. Pesquisar,

procurar, orçar, planejar, desapegar, embalar, desembalar, arrumar,

organizar, começar uma vida nova. Tudo isso leva muito tempo!! E cadê o

tempo para a escrita da tese?! Se fez necessário aprender a organizar melhor

o tempo.

Aprendi também sobre a relatividade do tempo. Muitas vezes tive a sensação

de que iniciei esse doutorado ontem, mas bastava olhar para as crianças que

me cercam que via em seus corpos a encarnação do tempo que passou.

Algumas delas eu vi nascer, aprender a andar, a falar, começar a ler e

escrever... enquanto isso eu pesquisava, lia, escrevia. Cinco anos pode ser o

tempo de uma vida ou o intervalo de uma história.

123

E como tudo tem seu tempo, esse doutorado finalmente se encerra. Com uma

sensação de que gastou mais tempo do que deveria, mas com a certeza de que

meu tempo foi respeitado. Hoje entendo muito melhor do que há cinco anos

atrás que cada um tem seu tempo! E aprendi que o meu vai ser do tamanho

que eu precisar! Porque às vezes tudo o que a gente precisa é de um pouco

mais de tempo...

(Relato pessoal)

124

Antes de partir...

(...) e assim, chegar e partir São só dois lados

Da mesma viagem O trem que chega

É o mesmo trem da partida A hora do encontro

É também de despedida A plataforma dessa estação

É a vida desse meu lugar É a vida

(Fernando Brant/Milton Nascimento)

Não gosto muito de despedidas. Fica sempre uma sensação de que faltou dizer

alguma coisa, de que o tempo juntos não foi suficiente, de que eu deveria ter dado mais um

abraço... Mas as despedidas são inevitáveis. Assim como o fechamento dos ciclos. É preciso

encerrar aqui para poder dar continuidade em outro lugar. E é assim que me sinto ao terminar

de escrever essa tese.

Por mais que o tempo da escrita tenha sido bastante solitário, muitos fizeram parte

dessa caminhada. Durante o percurso encontrei colegas que dividiram comigo angústias e

alegrias, professores que me mostraram novas maneiras de percorrer o caminho ou indicaram

novos caminhos a seguir, autores que funcionaram como lentes para ver o mundo sob diferentes

perspectivas e os estudantes e professores do CEFAR que, com um enorme acolhimento,

possibilitaram que essa pesquisa se realizasse.

As minhas idas diárias ao CEFAR durante o período da pesquisa de campo foram

sempre carregadas de um misto de sensações. Havia o cansaço pois a carga horária de aulas é

grande, mas havia também a alegria de ver o brilho nos olhos dos estudantes. Havia a angústia

de presenciar algumas situações que meus olhos de educadora preferiam não ver, mas havia o

prazer de reconhecer nos estudantes o desejo da busca, da aprendizagem, do crescimento. Havia

a satisfação de conversar com profissionais dedicados, entusiasmados, que acreditam no que

fazem e buscam fazer o seu melhor e a tristeza de reconhecer em outros um certo cansaço, uma

falta de esperança. E havia sempre o encantamento pela arte. Aquilo que faz continuar apesar

das dificuldades, não desistir apesar da fata de estímulo, que faz seguir em frente mesmo sem

saber direito porque está seguindo.

Durante uma das entrevistas, perguntei a uma estudante de Dança quais eram seus

planos para o futuro, quando terminasse o curso. Ela me respondeu com a maior simplicidade

125

possível: “Eu só quero dançar!” Suas palavras ecoaram na minha cabeça por um tempo pois

enxerguei ali o sonho de tantas outras meninas que cursam uma escola de dança. Ela havia

acabado de me narrar diversas dificuldades físicas, um certo descontentamento em relação à

postura de alguns professores, uma sensação de que seu esforço nunca é reconhecido mas ainda

assim, o desejo da dança permanece. O que explica esse desejo?

Vallim Jr (1993) discute o encantamento que o ballet clássico produz na maioria

das meninas com seu jogo de aparências que faz com que bailarinas voem e seu universo

povoado por príncipes e princesas. Mas como ele mesmo diz, esse encantamento não dura para

sempre. As dificuldades que aparecem (muitas inerentes à prática da dança e outras produzidas

por uma forma de ensinar ultrapassada) vão fazendo com que muitas meninas desistam do

sonho de se tornarem bailarinas. E o que faz com que outras continuem?

Essa pergunta me faz pensar na minha própria história, no meu encantamento com

a dança que surgiu ainda na infância e, de alguma forma, permanece até hoje. Lembro da alegria

das primeiras aulas de ballet, da sensação indescritível das primeiras aulas com a sapatilha de

ponta, do frio na barriga antes de entrar no palco, da felicidade em conseguir ser aprovada na

seleção da Escola Municipal de Bailados, do “cansaço gostoso” depois de muitas horas de

ensaio, do primeiro pas de deux, da satisfação de dançar no palco do Theatro Municipal de São

Paulo. Lembranças de uma menina que por onze anos só conhecia o ballet clássico.

O peso dessas lembranças é muito maior do que o de qualquer dificuldade ou

frustração – e não foram poucas – que eu tenha vivido. Talvez isso possa ser explicado pela

ideia de Iván Izquierdo, estudioso da memória: “Nós somos o que nos lembramos somado ao

que decidimos esquecer”56. E assim, para continuar a sentir o prazer do corpo em movimento,

a gente se esquece de muita coisa.

Minha história com a dança vai muito além do ballet clássico. Passa por uma

graduação em Dança que me proporcionou novas experiências corporais e uma formação

pedagógica que me fez rever uma série de conceitos a respeito da dança e de seu ensino; pela

vivência de grupos de dança que me trouxeram o prazer de estar em cena; pela alegria de

despertar o prazer pela dança em tantos outros corpos; pela descoberta e pelo encantamento

com as danças circulares... Por uma série de eventos que, de uma maneira ou de outra, sempre

colocaram meu corpo em movimento. E é assim que entendo o mundo. Com o corpo. Um corpo

carregado de histórias, de marcas, de memórias.

56 Palestra proferida no VII Congresso da ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas - realizado em Porto Alegre em 2012.

126

***

Volto meu olhar para o início do doutorado, para as perguntas que eu trazia em meu

projeto de pesquisa. Perguntas que me moveram, me intrigaram, muitas vezes me angustiaram.

Percebo que muitas delas foram respondidas, mas também que nasceram muitas outras. Não

vejo isso como um problema pois como aponta Maduro (citado por RIOS, 2015, p.57)

[...] talvez o que melhor defina a vida de um ser humano qualquer não são suas respostas, mas as perguntas que carrega nas costas. As perguntas levam o homem a buscar, criar, pensar, imaginar, inventar, transformar, melhorar, enriquecer, preocupar-se, ocupar-se, cuidar, dialogar, escutar e doar-se. Já as respostas – sobretudo se as levamos demasiadamente a sério, definitiva e peremptoriamente, fechando-nos para não ouvir outras tentativas de respostas e perguntas diferentes – correm muito mais o risco de paralisar, congelar, fechar e impor.

Não pretendo, portanto, me apegar às respostas pois entendo que são provisórias.

Mas a partir do que li, vi e ouvi, hoje posso afirmar que apesar de haver uma hibridização de

linguagens na cena contemporânea, o processo de formação dos artistas cênicos – pelo menos

no CEFAR – acontece de forma completamente separada. São raras as intersecções entre as

linguagens durante os três anos de formação. O que me leva a uma nova pergunta: Por que na

hora de ensinar, as possibilidades da arte diminuem?

Historicamente, quando se trata de ensino, parece que um processo de

“pedagogização” da arte reina em absoluto. Todas as experiências de vanguarda,

experimentações de novas técnicas e novas possibilidades de criação – em qualquer uma das

linguagens artísticas – saem de cena e dão espaço para regras e metodologias ultrapassadas

utilizadas pela escola formal. É fácil encontrar aulas de artes que reproduzem posturas e

hierarquias presentes no ensino formal. A citação de Marques (1996a, p. 59) se refere

especificamente ao ensino de dança, mas acredito que seja válida para qualquer outra linguagem

artística: “Concepções de ensino, de professor, de aluno, de conhecimento, apropriadas e

produzidas pela escola básica têm entrada direta nas escolas de dança”.

E a realidade que encontrei no CEFAR não foi muito diferente. Especialmente na

escola de Dança. Muitas cenas que presenciei demonstravam verdadeira aversão às

transformações ocorridas na dança a partir das propostas de coreógrafos de dança

contemporânea. Existe não só um predomínio do ballet clássico sobre os outros estilos – como

declarado pela coordenadora da escola – mas também uma reprodução do tradicional ensino

formal que resulta na utilização de metodologias antigas e na desconsideração das experiências

que cada aluno traz.

127

Nessas condições torna-se difícil pensar em uma formação que privilegie a

liberdade entre os vários meios de expressão que um artista cênico contemporâneo pode

experimentar. Metodologias ultrapassadas e a falta de integração entre as escolas fazem com

que uma proposta de formação mais híbrida, na qual ocorra uma contaminação do teatro na

dança e vice-versa, se torne impossível. Ainda que eu não esteja propondo o fim das formações

específicas, considero que seria fundamental para o artista cênico contemporâneo ter uma

formação mais ampla e abrangente. Seria muito interessante que ele pudesse ampliar seu

repertório de movimento, de expressão vocal e corporal, suas noções de música e de

dramaturgia, para que pudesse transitar entre as artes da cena, caso esse seja o seu desejo.

Vale ressaltar, como já citado anteriormente, que tenho plena consciência dos

limites dessa pesquisa assim como dos meus limites enquanto pesquisadora. Acredito que uma

pesquisa surge sempre da experiência (na perspectiva de Larrosa, 2002) que acumulamos

enquanto sujeitos históricos, culturais e sociais. Acredito ainda que a cabeça da gente pensa do

lugar onde o pé está fincado e não posso esquecer que o meu está fincado no mundo da dança.

Quando me propus a pesquisar o processo de formação de atores e bailarinos percebi, ainda no

início, que não haveria como desprezar minha história de vida na dança.

Assim, me pus a imaginar em um cenário com a presença de duas ilhas vizinhas (a

ilha-teatro e a ilha-dança). Duas ilhas que apesar de muito parecidas – têm o mesmo tipo de

vegetação, mesmo clima, mesmo tamanho – são culturalmente diferentes. Falam idiomas

diferentes, a alimentação é diferente, os costumes, a música... Eu, habitante da ilha-dança,

comecei a observar mais atentamente, ainda que de longe, a ilha-teatro. Com curiosidade fui

me aproximando e, em determinado momento, me arrisquei a atravessar o mar que nos separa.

Entrei na ilha-teatro aos poucos e comecei a descobrir que apesar das culturas distintas,

tínhamos algumas coisas em comum. Procurei aprender seu idioma e descobri que as raízes são

as mesmas, apesar de hoje falarmos línguas diferentes. Experimentei sua comida e percebi que

apesar do sabor diferente, a base da alimentação é a mesma. Aprendi um pouco mais sobre sua

cultura e, quando voltei para a minha ilha-dança, descobri que não conseguia mais enxergá-la

com os mesmos olhos. As experiências que vivi na ilha vizinha me trouxeram novas

perspectivas de mundo. Eu não era mais a mesma!

***

Retomo a sensação de despedida, de que é preciso encerrar, finalizar. A sensação é

de que ainda não acabei, de que é necessário dizer mais algumas coisas, fazer mais algumas

reflexões. Encontro as palavras de Cecília Salles para apaziguar um pouco minha angústia:

128

Embora fique claro que o momento “certo” de entregar a obra ao público está ligado ao que o artista quer de sua obra, não faltam depoimentos que falam das dificuldades de se determinar esse momento de parar ou de se considerar a obra em construção um objeto acabado. (...) O trabalho criador mostra-se, deste modo, sempre um gesto inacabado (SALLES, 2004, p.81).

Aceito que apesar de inacabada, é hora de colocar o ponto final nessa tese. Lembro-

me dos fios que deram início a essa história e que inevitavelmente serão cortados. Átropos, a

moira responsável por cortar o fio da vida, é implacável. Nem os deuses gregos estavam livres

do destino controlado pelas moiras. Quando é chegado o momento, o fio se rompe. Mas não é

o fim. Da mesma forma que muitos fios me trouxeram até aqui, outros tantos podem partir

daqui e contar novas histórias.

129

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