anÁlise da economia brasileira sob a luz do modelo de mercado de trabalho dual de lewis
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ANÁLISE DA ECONOMIA BRASILEIRA SOB A LUZ DO MODELO DE MERCADO DE TRABALHO DUAL DE LEWIS
Flavio Kaue Fiuza-Moura*
Resumo:O objetivo deste artigo é analisar o mercado de trabalho brasileiro sob a luz do modelo de mercados duais de Lewis. Para tal foram extraídos dados sobre a participação e composição da força de trabalho brasileira e sua remuneração das PNADs de 2002 e 2013. Foram então analisados os salários médios e composição dos trabalhadores qualificados e não qualificados segundo meio de residência, ocupação, setor de atividade e formalização. Após isto foram estimadas equações de determinação de salários para melhor compreender a estrutura salarial destes trabalhadores e foram empregadas decomposições de hiatos salariais para captar a diferença salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados e entre trabalhadores dos setores tradicionais e modernos da economia brasileira, nos anos estudados. Os resultados mostraram que houve redução dos hiatos salariais de qualificação e do hiato salarial de Lewis, indicando que a economia brasileira se aproximou do turning point no período.
Palavras-chave: modelo de Lewis; mercado de trabalho dual; hiatos salariais.
* Doutorando em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). E-mail: [email protected]
1. Introdução
Há mais de sessenta anos Lewis publicava seu primeiro artigo sobre o funcionamento de
um mercado de trabalho dual em economias subdesenvolvidas, cuja dinâmica gerava uma
oferta de trabalho virtualmente ilimitada para o setor moderno (capitalista), possibilitando sua
expansão sem que houvesse inflação de salários, permitindo a ampliação dos lucros e,
consequentemente, o aumento da taxa de poupança que se converteria em maior investimento
e progresso econômico.
Neste modelo, assim que a oferta de mão de obra deixa de ser ilimitada, inicia-se uma
pressão salarial no setor tradicional (de subsistência) da economia e, por sua vez, os salários
do setor moderno começam a ser pressionados. Enquanto a economia caminha para o que
Lewis chamou de turning point, os salários reais e produtividades do trabalho se igualam nos
setores moderno e tradicional e, por fim, a economia subdesenvolvida se aproxima de uma
economia neoclássica com livre circulação de fatores e remunerações equalizadas às
produtividades marginais.
O modelo dual de Lewis se calcificou como um dos pilares das pesquisas econômicas
cujo objetivo seria o de compreender economias subdesenvolvidas e, até, prever os próximos
estágios de seu desenvolvimento.
Muitos trabalhos acerca da aplicação empírica do modelo de Lewis foram
desenvolvidos para observar a transição da economia chinesa ao longo dos anos 2000,
enquanto que outros foram desenvolvidos em décadas anteriores para compreender as
economias japonesa, taiwanesa e coreana.
Este artigo tem por objetivo analisar o mercado de trabalho brasileiro sob a ótica do
modelo de mercados duais de Lewis, por meio da análise da composição e remuneração dos
trabalhadores qualificados e não qualificados segundo seu meio de residência, tipo de
ocupação, setor de atividade e formalização, para os anos 2002 e 2013. Além disto, foram
estimadas equações de determinação de salários para compreender a estrutura salarial destes
grupos e, então, foram empregadas decomposições de diferenciais salarias entre os grupos
para observar o hiato salarial por qualificação e o hiato salarial de Lewis.
Os resultados encontrados indicam que, possivelmente, a economia brasileira se
aproxima do turning point de Lewis, no entanto novos estudos devem ser realizados para que
isto seja afirmado de forma conclusiva.
O presente ensaio está organizado da seguinte forma: a segunda seção discorre sobre o
modelo de Lewis, suas extensões e aplicações empíricas, a terceira seção aborda a estratégia
empírica, base de dados, modelo utilizado, seus resultados e interpretação. A quarta e última
seção apresenta as conclusões do estudo.
2. O modelo de Lewis e suas aplicações empíricas
2.1 O modelo de Lewis
O modelo de crescimento de Lewis (1972) explica o mecanismo pelo qual seria possível
uma economia subdesenvolvida, cujo crescimento é oriundo da expansão de formas
capitalistas de produção, expandir sua taxa de poupança e garantir o reinvestimento. A ideia
central do modelo é que com o crescimento do setor capitalista, seria possível alavancar
aumentos na parcela dos lucros sobre a renda total e, dado que a propensão marginal a poupar
dos lucros é maior que a propensão média a poupar da economia, a taxa de poupança é
aumentada concomitantemente.
Para que se pudesse elaborar o modelo, era necessário que a economia se dividisse em
dois setores, um chamado pelo autor de setor capitalista e o outro chamado de setor de
subsistência. O setor capitalista é definido como setor no qual há contratação de trabalho e
venda de produção com lucros.
É importante notar que muitos autores aplicam a divisão capitalista-subsistência como
agricultura-indústria, no entanto Lewis não define os setores com tal rigidez e, inclusive,
salienta em seu artigo de 1972 que o modelo desenvolvido funciona igualmente em casos nos
quais o setor capitalista é composto por industriais e agricultores (inclusive porque, num
modelo de economia fechada e autossuficiente, o setor capitalista produz tudo o que consome,
incluindo alimentos). Portanto o modelo de Lewis não implica, necessariamente,
industrialização. O modelo também não exclui modos socialistas/comunistas de produção,
uma vez que a contratação de trabalho com o intuito de obter lucros pode ser feita tanto por
agentes privados quanto por agentes públicos, permitindo assim a existência de um planejador
central no modelo.
O foco do modelo é que o setor de subsistência sirva como uma fonte de mão de obra da
qual o setor capitalista se alimenta por determinado período de tempo. No entanto o modelo
não restringe toda a origem de mão de obra como oriunda da agricultura ou de atividades
específicas, admitindo que a oferta ilimitada de trabalho seja composta também por artesãos,
emprego feminino, trabalhadores outrora autônomos, migração e, inclusive, pelo próprio
crescimento natural da população.
Esta reserva de mão de obra explica porque a força de trabalho do setor capitalista pode
crescer a taxas superiores que o limite da taxa de crescimento populacional e,
consequentemente, explica porque os lucros podem crescer a taxas superiores que a renda
nacional.
Afirmar que a oferta de trabalho é, então, ilimitada pode parecer forçoso. No entanto o
significado desta afirmação é que, dado o salário existente, caso exista oferta de vagas de
trabalho no setor capitalista, haverá um número muito maior de candidatos à vaga. Ou seja,
frente ao salário de mercado a curva de oferta de trabalho é infinitamente elástica. A primeira
condição para que isto seja verdadeiro é que o salário médio do setor capitalista seja
suficientemente superior ao do setor de subsistência a ponto de atrair a mão de obra do
segundo para o primeiro. A segunda condição é que a tendência, iniciada pela transferência de
trabalhadores do setor de subsistência para o capitalista, de aumentos do rendimento per
capita no setor de subsistência seja compensada por incrementos em sua própria força de
trabalho (imigração, crescimento populacional, participação feminina, etc.). Ou seja, o
modelo postula que nos estágios iniciais, necessariamente, a oferta de trabalho para
determinado nível salarial exceda a demanda por mão de obra.
Outro ponto, mal entendido, frequentemente criticado no modelo de Lewis seria a
admissão que a produtividade marginal do trabalho no setor de subsistência seja igual a zero.
O autor deixa claro, em seu texto, que: (1) a produtividade marginal do trabalho no setor de
subsistência é irrelevante para o modelo, contanto que se mantenha abaixo da produtividade
marginal do trabalho no setor capitalista e, portanto, não precisa ser igual a zero para que o
modelo seja válido; e (2) quando o autor mencionou produtividade marginal do trabalho, ele
se referia a produtividade marginal do trabalhador e não a produtividade marginal da hora
trabalhada, indicando que a retirada de um trabalhador de, por exemplo, uma família de
pequenos agricultores será compensada, possivelmente, pelo incremento do números de horas
trabalhadas pelos demais membros da família.
Por fim, o autor afirma que o ponto vital de seu modelo é que a oferta de trabalho
exceda a demanda, indiferente às questões de produtividade por hora trabalhada ou por
trabalhador.
O modelo de crescimento de Lewis surge em três formas: na primeira forma a economia
é fechada e os setores (capitalista e de subsistência) são autocontidos (exceto pela importação-
exportação de trabalho). O primeiro turning point (daqui em diante, TP) ocorre quando a
oferta de trabalho deixa de ser infinitamente elástica e o salário do setor capitalista começa a
subir devido à pressão exercida pelo setor tradicional e o segundo TP ocorre quando os
produtos marginais e salários de ambos os setores se igualam.
A segunda versão do modelo implica em uma economia ainda fechada, porém com a
existência de comércio entre os setores (o setor capitalista depende da importação de bens e
insumos importados do setor de subsistência). Neste modelo o setor capitalista pode ser
freado pela deterioração dos termos de troca, mesmo com uma oferta de mão de obra
inelástica e, portanto, o TP pode ser postergado indefinidamente.
A terceira forma ainda é um sistema de comércio entre os setores, porém com a
admissão de uma economia aberta. Neste modelo o setor capitalista pode evitar o gargalo
gerado pela importação de produtos do setor de subsistência passando a importar estes bens
do resto do mundo. No entanto esta importação pode desacelerar o crescimento ou causar
inflação estrutural.
Em todas as versões do modelo, a oferta de trabalho excede a demanda ao nível presente
de salários e este nível salarial se mantém constante por certo período de tempo enquanto o
setor capitalista se expande. O primeiro TP ocorre quando a redução da força de trabalho do
setor de subsistência força um aumento de seus salários, causando pressão sobre os salários do
setor capitalista que, por sua vez, são elevados. O segundo TP ocorre quando o produto
marginal de ambos os setores se iguala e a economia dual chega ao fim, se transformando no
modelo neoclássico padrão de economia com um setor.
Islam e Yokota (2006 e 2008) ressaltam que, no modelo de Lewis, a diferença entre os
setores capitalista e de subsistência é analítica e não descritiva. A primeira diferença analítica
é que o mesmo tipo de mão de obra tem uma produtividade mais elevada no setor moderno do
que no setor tradicional e, portanto, a transferência de trabalhadores do setor tradicional para
o setor moderno pode aumentar o produto total da economia, essa desigualdade significa um
afastamento do modelo neoclássico de perfeita mobilidade e equalização dos retornos dos
fatores produtivos e implica que a economia pode crescer com a transferência de trabalho do
setor de subsistência para o setor capitalista. A segunda diferença analítica se refere a
questões distributivas, dado que no setor capitalista a distribuição se da pela equalização do
produto marginal do trabalho com o salário, no entanto o produto marginal do trabalho é
menor que o salário no setor de subsistência.
Os autores então apontam que duas condições precisam ser atendidas para o surgimento
destas diferenças analíticas: abundância de mão de obra no setor de subsistência e
determinada barreira de transferência do setor de subsistência para o capitalista.
Islam e Yokota (2008) afirmam que, dentre as causas da existência de barreiras à
transferência de mão de obra do setor capitalista para o de subsistência, algumas são:
incerteza de inserção no mercado de trabalho do setor capitalista; alto custo de vida no setor
capitalista; perda de contato familiar e social devido à migração; e perda de benefícios
‘ambientais’. Todos estes desincentivos devem ser compensados por salários mais elevados
no setor capitalista para garantir atratividade da mão de obra. Também deve ser considerado o
salário eficiência. Observadas essas características conjuntamente, segundo os autores, não é
difícil admitir que o produto marginal no setor capitalista seja superior ao produto marginal
no setor de subsistência.
No entanto, a proposição de que o produto marginal no setor de subsistência seja
inferior ao salário deste setor é um pouco mais difícil de intuir. Algumas das explicações
seriam: formas de produção familiares de pequenos agricultores cujo comportamento seja de
maximização da produção e não maximização do lucro, sociedades agrícolas comunitárias,
etc.
Admitindo verdadeiras estas proposições, chega-se a relação: produto marginal do
trabalho no setor de subsistência é menor que o salário do setor de subsistência que, por sua
vez, é menor que o salário no setor capitalista que, por sua vez, é igual ao produto marginal do
trabalho no setor capitalista.
Esta relação permite que o setor capitalista se expanda absorvendo mão de obra do setor
de subsistência sem precisar aumentar sua oferta de salários. A transferência de mão de obra
do setor de subsistência para o setor capitalista aumenta o produto marginal do trabalho no
setor de subsistência. No entanto, enquanto o produto marginal do trabalho no setor de
subsistência for inferior ao salário deste mesmo setor, que por sua vez, é inferior ao salário do
setor capitalista, aumentos no produto marginal do trabalho de subsistência não causarão
aumentos em seus próprios salários e, portanto, não haverá pressão sobre o salário capitalista.
Dado isto, o setor capitalista pode expandir sua atividade mantendo seus salários
relativamente constantes, numa situação equivalente a possuir uma oferta de trabalho
ilimitada ou ‘perfeitamente elástica’. Somente quando a transferência de trabalhadores do
setor de subsistência para o moderno fizer com que o produto marginal do trabalho de
subsistência se iguale com o salário vigente no setor, este passará a se elevar e, portanto,
haverá pressão de elevação dos salários capitalistas. Este ponto é o chamado TP de Lewis, que
pode ser observado primeiro nos salários de subsistência e posteriormente nos salários
capitalistas. Ao longo deste processo, eventualmente, os salários e produtos marginais
(capitalistas e de subsistência) se equalizarão.
O primeiro TP é causado, então, por mudanças no setor de subsistência que levam a
elevação dos rendimentos observados neste setor. Estas mudanças podem ser de duas
naturezas: endógenas e exógenas. Mudanças exógenas são causas externas que enriquecem as
pessoas inseridas no setor de subsistência ou causas externas advindas de mudanças
institucionais e tais mudanças não costumam ser inseridas no modelo. Mudanças endógenas
são aquelas oriundas do processo de transferência de mão de obra do setor de subsistência
para o setor capitalista e estas transferências causam aumento do consumo per capita do setor
de subsistência automaticamente. No entanto aumentos do consumo no setor de subsistência
não implicam, necessariamente, aumento automático do salário no setor capitalista, pois o
hiato de consumo entre os setores é substancial.
Um segundo fator que pode impedir o aumento do salário no setor capitalista é que, no
setor de subsistência, há ainda acelerado crescimento populacional (inferior ao observado no
setor capitalista) e, portanto, a transferência de trabalhadores para o setor mais avançado da
economia pode implicar não em aumentos do consumo per capita, mas sim em estabilidade
deste consumo (impedindo-o de cair devido ao aumento populacional). Portanto, inexistem
razões para acreditar que, necessariamente, o salário do setor capitalista se eleve
endogenamente assim que o setor capitalista começar a crescer. O salário pode tanto se elevar
imediatamente quanto se manter estável por muito tempo.
No entanto, eventualmente, o salário do setor capitalista começará a se elevar dado que
o crescimento da demanda por trabalho deste setor deve, em algum momento, superar o
crescimento populacional e outras fontes de incremento de mão de obra, atingindo, então, o
segundo TP ao elevar o produto marginal do setor de subsistência até o ponto de equalização
com o salário do setor de subsistência e, eventualmente, igualando o produto marginal de
ambos os setores para, então, igualar os salários reais de ambos os setores.
O modelo de Lewis se preocupa com o tamanho da parcela do setor capitalista sobre a
economia e, portanto, a parcela de lucros (que é diretamente relacionada à taxa de poupança)
sobre a renda total da economia. Portanto o salário real se manter constante implica em: renda
do setor de subsistência mantida a nível constante; ou que os empreendedores do setor
capitalista não estão compartilhando seus ganhos de produtividade com os trabalhadores. Nos
casos nos quais os empreendedores do setor capitalista não compartilham seus ganhos de
produtividade com os trabalhadores, há aumento das margens de lucro e, logo, aumento nas
taxas de poupança. Três pontos resultantes de se atingir o segundo TP seriam: (i)
produtividade marginal é equalizada entre os setores; (ii) a razão salário-lucro se estabiliza; e
(iii) diferenças nos rendimentos refletem diferenças de habilidades inatas.
Em resumo, segundo Islam e Yokota (2006), existem dois turning points na primeira
versão do modelo de Lewis: o primeiro deles é atingido quando a oferta de mão de obra deixa
de ser infinitamente elástica e os salários começam a subir por pressão do setor de
subsistência; o segundo é atingido quando o produto marginal é o mesmo no setor moderno e
no setor tradicional.
A segunda versão do modelo de Lewis implica em economias fechadas, porém com
possibilidade de comercialização entre os setores. A adição notável deste modelo é a de que a
dependência do setor capitalista por insumos e comida produzidos no setor de subsistência
pode se configurar como um gargalo para o crescimento do setor capitalista, postergando a
chegada de um TP. Segundo Islam e Yokota (2006), pode ocorrer uma mudança adversa nos
termos de troca entre os setores, caso a produtividade do setor de subsistência cresça em
menor velocidade que a produtividade do setor capitalista. No entanto, se o crescimento da
produtividade no setor capitalista for maior que a taxa de deterioração dos termos de troca, o
crescimento não sofrerá desaceleração. O resultado final dependerá, então, das velocidades de
movimento da produtividade em ambos os setores, seu impacto sobre os termos de troca e do
movimento do salário real.
No terceiro modelo admite-se (além da comercialização entre setores) a existência de
uma economia aberta. Neste modelo, um país subdesenvolvido com um setor capitalista
nascente e um setor de subsistência fornecedor de insumos com baixo crescimento da
produtividade dependerá, caso não queira frear seu crescimento, da importação de insumos
para se desenvolver. Estas importações deverão ser financiadas por meio de aumento das
exportações e, dado que o aumento das exportações dependerá da redução dos preços e
consequente redução das margens de lucro, estas podem se configurar como um gargalo ao
crescimento. Uma alternativa seria a desvalorização cambial, que causaria inflação estrutural
numa espiral ascendente. O autor conclui, então, que para crescer o país deve fazer com que
suas exportações acompanhem suas importações. Segundo Islam e Yokota (2006), nesta
versão do modelo de Lewis, os lucros e a propensão a exportar são variáveis cruciais para o
crescimento do país.
A segunda e terceira versão do modelo de Lewis não alteram as predições da primeira
versão acerca dos dois turning points pelos quais a economia dual pode passar, apenas
complementando-as e adicionando ramificações aos possíveis resultados do modelo.
2.2 A extensão do modelo de Lewis por Fei e Ranis
Islam e Yokota (2006 e 2008) apontam que Ranis e Fei (1961) e Fei e Ranis (1997)
tiveram um importante papel na extensão do modelo de Lewis1. Ranis e Fei (1961) apontam
1 Os referidos autores utilizam as denominações: “moderno”; e “tradicional”, ao se referirem aos setores: capitalista; e de subsistência de Lewis, ao longo de todas as suas pesquisas. Nesta pesquisa serão respeitadas as denominações adotadas por cada autor.
diversos pontos da curva de salários e assumem três fases para a curva de salários do setor
tradicional: (1) o produto marginal é zero, transferências de trabalho do setor tradicional para
o setor moderno não reduzem a produção do setor tradicional. Esta fase termina quando o
produto marginal do trabalho passa a ser positivo no setor tradicional; (2) na segunda fase,
dado que o produto marginal do trabalho se tornou positivo, transferências de trabalhadores
do setor tradicional para o setor moderno causarão reduções no produto total do setor
tradicional. Porém, enquanto o produto marginal do trabalho tradicional for inferior ao salário
tradicional, não haverá pressão de inflação de salários. Esta fase é chamada de shortage point;
(3) a terceira fase se inicia quando o produto marginal do setor tradicional se iguala ao salário
tradicional e toda transferência de trabalho do setor tradicional para o moderno, deste ponto
em diante, causará elevação do salário tradicional em termos proporcionais à elevação do
produto marginal do trabalho tradicional. Este ponto é chamado de commercialization point
por Ranis e Fei (1961). O commercialization point pode ser visto como o TP de Lewis.
Segundo Islam e Yokota (2006 e 2008), Fei e Ranis (1997) estabelecem, então, a
existência de 4 possíveis TP: commercialization point; reversal point; export substitution
point; e switching point. O primeiro (commercialization point) é idêntico ao primeiro TP de
Lewis, o segundo (reversal point) é o ponto no qual o setor tradicional observa uma redução
absoluta em sua força de trabalho (segundo TP de Lewis), o terceiro (export substitution
point) é o ponto no qual, após passar por um processo de substituição de importações, a
economia dual passa a exportar produtos de maior valor agregado (oriundos de manufaturas
trabalho intensivas) ao invés de bens agrícolas e commodities. Por fim, ocorre o quarto
(switiching point), no qual o país passa a ser importador líquido de bens agrícolas. Os dois
últimos TPs apresentados por FR (aqueles que não se enquadram nos TPs originais de Lewis)
são relacionados a casos particulares, porém denotam as possíveis ramificações de resultados
que o modelo de Lewis pode sofrer ao ser observado em economias abertas.
FR ressaltam que o impacto positivo da entrada de capitais na economia pode ser
anulado por políticas erradas, como o favorecimento de uma industrialização capital intensiva,
impedindo o total aproveitamento da existência de trabalho abundante. Quanto à tecnologia,
FR argumentam (e desenvolvem um modelo sobre) que o desenvolvimento de tecnologia
‘apropriada’ às características produtivas do país é essencial para acelerar o TP (normalmente
tecnologia enviesada para o trabalho).
A predição mais importante do modelo de Lewis é o que acontece com a curva de
salários do setor moderno. O modelo afirma que a curva salarial do setor moderno se manterá
essencialmente horizontal (ou muito próxima disso) por muito tempo até que o excesso de
mão de obra no setor tradicional tenha sido absorvido pelo setor moderno. O ponto no qual o
excesso de mão de obra se esgota e a curva de salários do setor moderno começa a subir
(deixa de ser horizontalizada) é conhecido como primeiro TP. O quanto é “muito tempo” e
quão horizontal significa “essencialmente horizontal” são questões de disputa, porém de
menor de importância.
2.3 Os cinco critérios de Minami
Dentre os diversos pesquisadores que se defrontaram com os dilemas apresentados e
aplicaram empiricamente o modelo de Lewis, uma série de trabalhos destacados por Islam e
Yokota (2008) e Fang e Yang (2014) são os de Minami (1973) para o Japão.
Minami estabelece um passo a passo para o teste empírico do modelo de Lewis, que
deve ser aplicado segundo cinco critérios: (I) comparação entre os salários e produto marginal
do trabalho no setor tradicional; (II) correlação entre salários e produtividade marginal do
trabalho no setor tradicional; (III) movimentos dos salários reais no setor tradicional; (IV)
mudanças no diferencial de salário (entre trabalho qualificado e não qualificado); e (V)
elasticidade da oferta de trabalho do setor tradicional para o setor moderno.
Segundo Islam e Yokota (2008), o CM-I (primeiro critério de Minami) oferece o teste
mais rigoroso do TP e domina os critérios dois e três (CM-II e CM-III). Portanto um TP de
Lewis que satisfaça o primeiro critério irá satisfazê-los. Já de acordo com Fang e Yang (2014)
o CM-I é muito restrito e dificilmente testável empiricamente e, portanto, deve-se dar enfoque
aos CM-III e CM-IV para pesquisas empíricas que visem analisar se uma economia está se
aproximando do TP de Lewis.
A lista de Minami também mostra que, para identificar o TP, é dada ênfase no setor
tradicional da economia. Os motivos seriam: (i) a sequencia lógica e cronológica de resposta
da curva de salários do setor tradicional precedendo a resposta da curva de salários do setor
moderno; e (ii) a relação entre produto marginal do trabalho e salários no setor tradicional
seria o principal mecanismo por trás do TP.
Minami também afirma, segundo os autores, que é possível distinguir três setores na
economia: setor moderno, semi-moderno e tradicional. E observa que são os empregos dos
setores tradicional e semi-moderno que podem ser substituídos por trabalho do setor agrícola,
em contraste o trabalho do setor moderno (que requer maior treinamento e capacitação) não
pode ser substituído por trabalho agrícola.
2.4 Aplicações empíricas do modelo de Lewis: o turning point chinês
A partir dos anos 2000 diversos trabalhos começam a ser desenvolvidos para testar a
ocorrência – ou aproximação – de um TP de Lewis na economia da China. A seguir alguns
deles serão apresentados.
Islam e Yokota (2006) analisam o comportamento das curvas de salários na China. O
primeiro obstáculo enfrentado pelos autores é a definição de setor tradicional e moderno da
economia chinesa. Para a pesquisa são definidos como moderno e tradicional os setores
secundário e primário, respectivamente. Então os autores observam as variações no PIB,
volume de empregos, produtividade e curvas de salários destes setores. Da comparação entre
os salários dos setores primário e secundário é possível analisar o hiato salarial entre os
trabalhadores do setor tradicional e do setor moderno. Então os autores empregam a
decomposição de Fei e Ranis, estimando o crescimento do emprego no setor moderno como
função do crescimento do capital, do viés pró-trabalho da mudança tecnológica e do
crescimento da produtividade total dos fatores. Após isto os autores exploram a desigualdade
de rendimentos entre províncias e regiões do país, selecionam duas das províncias mais
pobres e duas das mais ricas e analisam os salários industriais destas ao longo do tempo. Por
fim os autores estimam uma função produção do tipo log-log separando o fator capital em
duas variáveis: capital doméstico e capital importado.
As conclusões de Islam e Yokota (2006) apontam que o comportamento dos salários em
todos os setores da economia Chinesa atende o esperado pelo modelo de Lewis: constantes
por longo período de tempo, ascendentes após determinado ponto. O TP é mais acentuado
para os setores secundário e terciário, como esperado pelos autores. Este resultado parece ser
valido tanto para províncias mais ricas quanto para províncias mais pobres, no entanto se
mostra mais acentuado nas províncias mais ricas. Os autores afirmam que países
subdesenvolvidos parecem incorporar as hipóteses de Lewis, no que tange serem
caracterizados como economias duais, ao invés de possuírem características tipicamente
neoclássicas de mobilidade perfeita e equalização de retornos marginais entre setores.
Em Islam e Yokota (2008), os autores testam o CM-I ao comparar o produto marginal
do trabalho e o nível de salários no setor tradicional. Como setor tradicional, para a China, os
autores definiram a agricultura (descartaram o setor ‘rural’ por este englobar empresas
situadas em meios rurais). Islam e Yokota (2008) estimam, então, uma função produção para
a agricultura cuja variável dependente é ‘valor agregado’ ao invés de produto total e as
variáveis independentes são: terra, trabalho, capital e produtividade total dos fatores. São
também inseridas variáveis binárias para cada região da China, com o intuito de separar as
diferenças de produtividade entre províncias. O deflator utilizado é o índice de preços ao
consumidor. Após superar todos os problemas relacionados à estimação de uma função
produção e encontrar a produtividade marginal do trabalho, os autores multiplicam o
coeficiente do trabalho pelo produto total para encontrar o produto marginal do trabalho.
Após isto os autores calculam o salário real e realizam a comparação do produto
marginal do trabalho com o salário real, e avaliam se o primeiro está crescendo a taxas
superiores que o segundo. Os resultados encontrados são positivos com relação às previsões
do modelo de Lewis.
Os resultados da aplicação empírica do modelo de Lewis para a China por meio do CM-
I mostraram que o produto marginal do trabalho tem crescido a taxas mais rápidas que os
salários – no setor tradicional – reduzindo, assim, o hiato entre as duas variáveis. Ou seja, o
produto marginal do trabalho está se aproximando, de baixo para cima, do salário no setor
tradicional da economia chinesa. Isso corrobora a hipótese de que a China está se movendo
lentamente ao turning point de Lewis.
Já Fang e Yang (2014) abordam a variação no número de trabalhadores residentes
urbanos e migrantes, composição da PIA e da PEA e a variação dos salários de várias classes
de trabalhadores. Principalmente os salários de: trabalhadores sem qualificação e
semiqualificados; migrantes; e salários pagos aos trabalhadores da agricultura.
Os autores então partem para a estratégia de observar a convergência salarial no
mercado de trabalho: observam as taxas de crescimento do salário para trabalhadores
imigrantes qualificados e não qualificados; taxas de crescimento do salário no período 2001-
2010 entre trabalhadores com salários baixos e salários altos no ano base; comparação dos
coeficientes entre equações mincerianas para o retorno da educação para trabalhadores
migrantes qualificados e não qualificados. Fang e Yang (2014) também realizam estas
observações ao comparar trabalhadores migrantes e não migrantes e trabalhadores de
diferentes regiões. Basicamente o foco é observar a convergência salarial que pode ser
causada pelo TP de Lewis.
Os autores concluem, afirmando que dificilmente se pode negar que a economia
Chinesa tenha atingido um TP de Lewis, dado que o país saiu de uma situação com elevada
oferta de trabalho para um cenário de demanda por trabalhadores cujas taxas de crescimento
são superiores às taxas de crescimento da oferta de trabalhadores. Os autores questionam
então a possibilidade de ser atingir um Kuznets turning point (ponto no qual o crescimento
econômico deixa de ser concentrador e passa a ser agente de distribuição de renda). Os
autores também salientam que atingir o TP de Kuznets não é algo espontâneo e depende
largamente do amadurecimento das instituições do mercado de trabalho.
Fang e Yang (2014) também dão ênfase às instituições do mercado de trabalho que
podem vir a favorecer, possibilitar e até mesmo acelerar o TP de Kuznets. O papel do
governo, principalmente em promover organizações sindicais saudáveis e facilitar
negociações salariais harmoniosas é vital para que se atinja o TP de Kuznets.
Por fim, outro fator importante levantado por Fang e Yang (2014) é o poder do
consumo (e do aumento do consumo gerado ao se atravessar os TPs tanto de Lewis quanto de
Kuznets) em trazer desenvolvimento a um país.
3. Aplicação empírica do modelo de Lewis no Brasil
Segundo Islam e Yokota (2006; 2008) existem alguns problemas quando da aplicação
empírica do modelo de crescimento de Lewis: dificuldade em definir o setor moderno e
tradicional da economia; definição do tipo de mão de obra a ser observado; definição do
salário real; e problemas econométricos, tanto conceituais quanto técnicos, que podem surgir
durante a aplicação.
Para o caso da China, Islam e Yokota (2006; 2008) estabelecem como setor tradicional
a agricultura (setor primário) e como setor moderno a indústria (setor secundário). No entanto,
em alguns pontos, os autores analisam também os setores de comércio e serviços (setor
terciário), considerando-os como um setor semi-moderno. Fang e Yang (2014) focam
principalmente na análise dos trabalhadores migrantes e não migrantes urbanos, suas
variações salariais e características.
As aplicações de Islam e Yokota (2006; 2008) e Fang e Yang (2014) se justificam
graças ao fenômeno pelo qual a China passou desde meados dos anos 1990 até o fim dos anos
2000: um massivo êxodo rural, com uma grande massa trabalhadora migrando do meio rural
(e abandonando ocupações agrícolas) para o meio urbano, ocupando indústrias e empresas do
setor terciário.
No Brasil, no entanto, na primeira década do século XXI o emprego agrícola e
extrativista apresentou, sim, migração para atividades urbanas, mas em menor magnitude.
Durante o mesmo período, porém, o setor formal brasileiro apresentou crescimento regular
enquanto observou-se redução da informalidade. Concomitantemente houve ampliação de
políticas de transferência de renda por parte do governo e valorização constante do salário
mínimo. Práticas estas que favoreceram os trabalhadores mais pobres em termos de renda.
Considerando estes fatores, a estratégia empírica desta pesquisa, dado o seu caráter
ensaístico, será a de analisar a composição e o padrão salarial dos trabalhadores brasileiros
qualificados e não qualificados quando segmentados segundo seu meio de residência (urbanos
ou rurais), por tipos de ocupação (trabalhadores agrícolas, trabalhadores da produção e
trabalhadores não agrícolas), por setores (agricultura, indústria de transformação, indústria de
construção, serviços), e forma de inserção no mercado de trabalho (formais e informais) para
o ano 2002 e compará-los com o ano 2013. As diversas óticas aqui adotadas permitirão
analisar quais seriam os segmentos e tipos de trabalhadores que melhor se enquadrariam como
trabalhadores dos setores modernos e tradicionais.
A base de dados utilizada para tal é a PNAD dos respectivos anos. Esta base foi
escolhida, em detrimento de informações das contas nacionais, dada a possibilidade de
observação de dados individualizados dos trabalhadores e, portanto, a separação dos
trabalhadores por escolaridade, rendimento, formalidade, meio de residência, setor, tipo de
ocupação e demais informações que possam vir a ser importantes para a análise.
Na tabela 1 é apresentada a composição da força de trabalho quando dividida entre
trabalhadores urbanos e rurais, trabalhadores agrícolas e não agrícolas (com destaque,
também, para os trabalhadores da produção), trabalhadores dos setores de agricultura,
indústria, construção e serviços e, por fim, trabalhadores segundo sua forma de inserção no
mercado de trabalho. Os trabalhadores não qualificados são aqueles com ensino fundamental
incompleto ou abaixo, enquanto que os trabalhadores qualificados são aqueles com ensino
fundamental completo ou acima. Os dados apresentados são referentes aos anos de 2002 e
2013 (os salários de 2002 foram inflacionados para 2013 com base no IPC-A), Para a
separação dos trabalhadores, conforme sua forma de inserção no mercado de trabalho foram
considerados como trabalhadores formais, além dos empregados com carteira assinada, os
trabalhadores autônomos e por conta própria que haviam contribuído, ao menos nos anos aqui
observados, com o sistema de previdência social.
Entre os trabalhadores não qualificados, cujas características são de informalidade e
trabalho ruralizado, é possível ver um sensível aumento: da urbanização, das ocupações não
agrícolas e do emprego em setores além da agricultura entre 2002 e 2013. É notável também
que a informalidade entre estes trabalhadores parte de proporções muito elevadas em 2002 e
se reduz em, aproximadamente, 25% no ano de 2013.
Quanto aos trabalhadores qualificados, estes já apresentavam elevado grau de
urbanização e inserção em ocupações e setores não agrícolas em 2002, no entanto também
passaram por um processo de urbanização entre os anos observados. Quanto à forma de
inserção no mercado de trabalho, os trabalhadores qualificados já apresentavam maior grau de
formalização do que os trabalhadores não qualificados em 2002. Ao longo do período a mão
de obra qualificada, assim como a não qualificada, apresentou crescimento em sua
formalização, porém de forma menos acentuada do que o observado entre os trabalhadores
não qualificados.
Tabela 1 – Composição dos trabalhadores qualificados e não qualificados por meio de residência, ocupação, setor e forma de inserção no mercado de trabalho em 2002 e 2013.
Composição dos trabalhadoresNão qualificados Qualificados
2002 2013 2002 2013Por meio de residência (%)
Urbano 51,27 76,03 87,43 92,97Rural 48,73 23,97 12,57 7,03
Por tipo de ocupação (%)Agrícolas 51,86 22,67 12,19 3,71Não agrícolas 48,14 77,33 87,81 96,29Da produção 21,08 36,70 29,54 24,91
Por tipo de setor (%)Agricultura 52,43 22,88 12,41 3,91Indústria 9,41 12,58 17,90 17,41Construção 8,15 17,24 8,93 7,63Serviços 30,00 47,30 60,77 71,04
Por forma de inserção no mercado de trabalho (%)Formal 16,92 38,84 54,15 68,21Informal 83,08 61,16 45,85 31,79Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da PNAD de 2002 e 2013
Estes resultados indicam que, para os trabalhadores não qualificados, os setores,
ocupações e meios de residência rurais parecem se enquadrar no que Lewis chama de setor
tradicional. No entanto ainda se faz necessário observar o padrão de remuneração dos
trabalhadores inseridos nestes meios.
Na tabela 2 são apresentados os dados acerca dos salários médios dos trabalhadores
separados por meio de residência, tipo de ocupação, tipo de setor e forma de inserção no
mercado de trabalho. A diferença percentual chamada de ‘bônus por qualificação’ é resultado
da divisão entre o salário médio dos trabalhadores qualificados pelo salário médio dos
trabalhadores não qualificados e a ultima coluna da tabela apresenta a variação do bônus por
qualificação, em pontos percentuais, entre 2002 e 2013.
De acordo com os resultados, é nítido que o ganho salarial dos trabalhadores
qualificados sobre os trabalhadores não qualificados se reduziu entre 2002 e 2013, indiferente
à ótica adotada (residência, ocupação, setorial, formalização). As maiores reduções do bônus
por qualificação se encontram no setor da indústria de transformação, entre os trabalhadores
urbanos e entre os trabalhadores informais. É provável que, entre os trabalhadores informais,
aqueles que observaram a maior redução do bônus por qualificação sejam os residentes em
meio urbano. Isto se configura como um indicativo de que, no Brasil, a divisão de setor
moderno e tradicional possa ser transposta para a divisão entre setor formal e informal da
economia.
Tabela 2 – Médias salariais e bônus por qualificação dos trabalhadores qualificados e não qualificados, por meio de residência, tipo de ocupação, tipo de setor e forma de inserção no mercado de trabalho, 2002 e 2013.
Não qualificados Qualificados Bônus por qualificação (%)
Trabalhadores: 2002 2013 2002 2013 2002 2013 ΔPor meio de residência
Urbanos 447,70 995,94 1.295,49 1.815,60 189 82 -107Rurais 304,49 756,45 628,74 1.136,18 106 50 -56
Por tipo de ocupaçãoAgrícolas 293,91 781,94 725,16 1.568,18 147 101 -46Não agrícolas 467,22 983,85 1.278,78 1.774,52 174 80 -94Da produção 542,83 1.121,72 969,49 1.422,01 79 27 -52
Por tipo de setorAgricultura 299,97 788,92 738,96 1.602,70 146 103 -43Indústria de transformação 401,66 982,20 1.338,60 1.820,88 233 85 -148Construção civil 536,82 1.124,73 1.024,18 1.753,33 91 56 -35Comercio e serviços 460,81 930,65 1.297,87 1.764,08 182 90 -92
Por forma de inserção no mercado de trabalhoFormais 746,29 1.223,85 1.608,77 2.000,52 116 63 -53Informais 305,63 746,18 817,51 1.240,38 167 66 -101Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013Nota: em valores de 2013
A tabela 3 apresenta, com base nos salários médios dos trabalhadores, o bônus salarial
entre categorias para os dois anos estudados. Foram comparados os trabalhadores urbanos
com os trabalhadores rurais, os trabalhadores não agrícolas e da produção com os
trabalhadores agrícolas, os trabalhadores da indústria e dos serviços com os trabalhadores da
agricultura e os trabalhadores formais com os informais.
Tabela 3 – Ganho salarial entre categorias de trabalhadores, por qualificação, em 2002 e 2013 Não Qualificados Qualificados
2002 2013 Δ 2002 2013 ΔBônus sobre trabalhadores rurais (%)
Urbano/Rural 47 32 -15 106 60 -46Comparação entre ocupações (%)
Não Agrícolas/Agrícolas 59 26 -33 76 13 -63Da produção/Agrícolas 85 43 -41 34 -09 -43
Comparação entre setores (%)Indústria/Agricultura 34 24 -9 81 14 -68Construção/Agricultura 79 43 -36 39 09 -29Serviços/Agricultura 54 18 -36 76 10 -66
Comparação por formalização (%)Formal/Informal 144 64 -80 97 61 -36Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Entre os trabalhadores não qualificados, a maior redução em pontos percentuais entre os
anos 2002 e 2013 foi para a comparação entre trabalhadores formais e informais. Já para os
trabalhadores qualificados, as maiores reduções em pontos percentuais são observadas nas
comparações entre trabalhadores não agrícolas e agrícolas e entre trabalhadores tanto da
indústria e dos serviços com os trabalhadores da agricultura. Portanto, entre os menos
escolarizados a maior redução de hiato salarial foi por meio da formalização, enquanto que
entre os escolarizados a maior redução do hiato salarial foi funcional (ocupacional e setorial).
Em termos de valores absolutos, o hiato salarial entre trabalhadores formais e informais
(tanto qualificados e não qualificados) e o hiato salarial entre trabalhadores urbanos e rurais
qualificados se manteve elevado em 2013, diferentemente dos demais hiatos que ficaram
abaixo de 20% para os trabalhadores qualificados e abaixo de 50% para os não qualificados.
Ao analisar conjuntamente os dados das tabelas 1, 2, e 3, existem evidências de que o
setor tradicional da economia brasileira possa ser considerado como o setor rural ou o setor
informal, enquanto que o setor moderno pode ser visto como o setor urbano ou setor formal.
Quanto ao turning point, ainda é inconclusivo dizer se o país estaria a caminho do primeiro
TP de Lewis, mesmo a despeito de ser nítida a redução dos hiatos salariais entre os setores
tradicional e moderno para trabalhadores com a mesma qualificação e entre trabalhadores
qualificados e não qualificados, uma vez que estes hiatos são calculados com base nas médias
salariais e não em salários estimados.
A seguir, para melhor analisar a estrutura de formação dos salários na economia
brasileira, será elaborado um modelo de determinação salarial de Mincer (1974).
A forma funcional do modelo é a seguinte:
ln w=β0+β1exp+β2 exp ²+β3 H+β 4 B+μ(1)
No qual: lnw representa o log do salário hora do trabalhador i, exp representa os anos de
experiência estimada do trabalhador (obtida pela subtração da idade pela idade em que
começou a trabalhar), exp ² representa o número de anos de experiência do trabalhador ao
quadrado (com o intuito de captar o efeito de longo prazo da experiência), H é uma variável
binária que representa o sexo do trabalhador (1 para homem, 0 para mulher) e B é uma
variável binária para cor da pele do trabalhador (1 para branco, 0 para preto ou pardo). Os
trabalhadores indígenas e amarelos foram excluídos da amostra devido à sua baixa
representatividade.
Este modelo foi aplicado para quatro grupos de trabalhadores: trabalhadores
qualificados do setor tradicional, trabalhadores não qualificados do setor tradicional,
trabalhadores qualificados do setor moderno e trabalhadores não qualificados do setor
moderno. Para a divisão dos setores entre moderno e tradicional, optou-se por segmentar os
trabalhadores de duas formas: entre urbanos e rurais; e entre trabalhadores formais e
informais. Normalmente equações mincerianas têm como variáveis independentes os anos de
estudos dos trabalhadores, binárias para as ocupações, binárias para setores de atividade e
binárias para as regiões. No entanto, devido à forma de separação dos grupos de
trabalhadores, as variáveis referentes aos anos de estudo, ocupações e setores tiveram de ser
excluídas. Já as variáveis referentes às regiões do país não puderam ser incluídas ao modelo
devido ao baixo número amostral de alguns grupos de trabalhadores.
Para este trabalho será dada ênfase ao coeficiente estimado para a variável “anos de
experiência”, pois ela está diretamente ligada à produtividade do trabalhador2. Os coeficientes
estimados por meio de equações mincerianas devem ser interpretados como ganhos
percentuais sobre o salário. Ou seja, o coeficiente referente aos anos de experiência do
trabalhador, quando multiplicado por 100, deve ser entendido como o ganho percentual de
salário que o indivíduo observa a cada ano a mais de experiência que obtiver.
Na tabela 4 são apresentadas as equações de determinação salarial dos trabalhadores
qualificados e não qualificados segundo a primeira forma de divisão da economia brasileira
em setor moderno e tradicional (urbano e rural). Os resultados mostram que os trabalhadores
urbanos possuem maior ganho por ano de experiência do que os trabalhadores rurais,
indiferente do grau de qualificação e do ano observado.
Tabela 4 – Estrutura de determinação de salários dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo seu grau de qualificação, em 2002 e 2013.
Urbano RuralNão qualificados Qualificados Não qualificados Qualificados
Coeficientes 2002 2013 2002 2013 2002 2013 2002 2013Experiência 0,0342* 0,0278* 0,0374* 0,0342* 0,0323** 0,0158* 0,0144* 0,0238*Experiência² -0,0005* -0,0004* -0,0006* -0,0004* -0,0005** -0,0002* -0,0002* -0,0003*Pele branca 0,2452* 0,2090* 0,4705* 0,3146* 0,2557* 0,3058* 0,4257* 0,2598*Masculino 0,2282* 0,2749* 0,1871* 0,1862* 0,4846* 0,1705* 0,0182 0,0653*Constante 0,0684 0,9788* 0,7568* 1,4164* -0,7179** 0,7232* 0,4772* 1,1991*Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Com relação à comparação entre os anos observados, percebe-se menor retorno à
experiência do trabalhador não qualificado no meio urbano e rural, estabilidade do retorno
2 As variáveis relacionadas à cor da pele e gênero, apesar de importantes, não serão o foco deste trabalho, no entanto o leitor interessado nas temáticas acerca da discriminação e diferenciação salarial por gênero e cor da pele, principalmente quando estimada através do método empregado neste ensaio, deverá consultar Fiuza-Moura (2015).
para trabalhadores qualificados no meio urbano e aumento do retorno para trabalhadores
qualificados no meio rural.
A tabela 5 apresenta as equações de determinação salarial para os trabalhadores
qualificados e não qualificados de acordo com a segunda forma de divisão da economia
brasileira em setor moderno e tradicional (formal e informal). Os resultados mostram que os
trabalhadores não qualificados do setor formal tem retorno salarial da experiência próximo ao
retorno dos trabalhadores não qualificados do setor informal em 2002 e este retorno se torna
inferior ao dos trabalhadores informais não qualificados em 2013. No entanto os trabalhadores
qualificados do setor formal auferem ganhos maiores a cada ano de experiência do que os
trabalhadores qualificados do setor informal, para os dois anos observados.
Tabela 5 – Estrutura de determinação de salários dos trabalhadores formais e informais, segundo seu grau de qualificação, em 2002 e 2013.
Formal InformalNão qualificados Qualificados Não qualificados Qualificados
Coeficientes 2002 2013 2002 2013 2002 2013 2002 2013
Experiência0,0250*
* 0,0127* 0,0361* 0,0318*0,0230*
* 0,0191* 0,0241* 0,0253*Experiência² -0,0003 -0,0001* -0,0005* -0,0004* -0,0003* -0,0003* -0,0004* -0,0003*
Pele branca0,2000*
* 0,1370* 0,4023* 0,2690* 0,2000* 0,2402* 0,4066* 0,3274*
Masculino 0,2131* 0,2281* 0,1121* 0,1438*0,1527*
* 0,1445* 0,1275* 0,1888*
Constante0,5321*
* 1,3358* 1,0256* 1,5393* -0,0923 0,8935* 0,5997* 1,2440*Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
A comparação do retorno salarial da experiência entre os anos mostra que os valores
diminuíram para os trabalhadores formais (qualificados e não qualificados) e para os
trabalhadores não qualificados informais. Apenas os trabalhadores qualificados do setor
informal observaram incremento do seu ganho percentual por ano de experiência.
As equações de determinação de salário, per se, não proporcionam muito além de
mostrar a estrutura de determinação salarial e são de pouca relevância para a análise de um
turning point de Lewis. No entanto, uma vez estimadas, estas equações abrem a possibilidade
de que sejam analisadas através do método de decomposição de diferenciais de salários.
O método de decomposição de diferencial de salários entre equações mincerianas foi
formalizado por Oaxaca (1973) e Blinder (1973), porém sua aplicação também pode ser
encontrada em Langoni (1973) e em diversos outros trabalhos empíricos ao longo do tempo.
Este método, basicamente, permite que se analise a diferença salarial entre dois grupos
(por meio da subtração de uma equação minceriana de um grupo para o outro) e que esta
diferença seja decomposta entre parcela explicada pelas dissimilaridades dotacionais dos
indivíduos (diferenças nas variáveis exógenas dos modelos) e dissimilaridades nas
remunerações relativas, ou, dissimilaridades na valorização conferida a estes indivíduos pelo
mercado (diferenças nos coeficientes estimados).
A forma final do método é a seguinte:
Σ Zv βv−Σ Zd βd=ΣΔ Z βv+Σ Zd Δ β (2)
Na qual Zv e Zd é o conjunto de variáveis exógenas, inseridas nas equações mincerianas,
dos trabalhadores considerados em vantagem e desvantagem salarial, respectivamente e βv e
βd são os coeficientes estimados nas equações mincerianas para os trabalhadores em
vantagem e desvantagem salarial, respectivamente. O lado esquerdo da equação (2),
(Σ Zv βv−Σ Zd βd), representa a diferença salarial total, o primeiro termo do lado direito,
ΣΔ Z β v, é a parcela da diferença salarial entre os trabalhadores em vantagem e em
desvantagem que pode ser explicada pelas diferentes dotações entre os grupos e o segundo
termo do lado direito, Σ Zd Δ β , é a parcela da diferença salarial entre os grupos de
trabalhadores que não pode ser explicada pelas dotações dos trabalhadores.
Quando a decomposição de diferenciais salariais foi aplicada por Oaxaca (1973) e
Blinder (1973) entre homens e mulheres, a parcela não explicada do diferencial salarial foi
chamada de discriminação de gênero, quando Langoni (1973) aplicou este método
intertemporalmente entre trabalhadores dos anos 1960 e 1970, a diferença não explicada foi
atribuída à mudança das remunerações relativas causada pelo crescimento econômico do
período, Hersen (2009) aplicou o método entre trabalhadores de regiões metropolitanas e não
metropolitanas, para encontrar o efeito das aglomerações urbanas sobre os salários,
Margonato, Souza e Nascimento (2014) empregam a decomposição para encontrar o bônus
ocupacional sobre os salários e Fiuza-Moura (2015) utiliza a decomposição de diferenciais
entre segmentos de intensidade tecnológica da indústria para encontrar o bônus da tecnologia
sobre os salários.
Neste trabalho as decomposições são aplicadas entre trabalhadores qualificados e não
qualificados, tanto para os trabalhadores considerados do setor moderno (urbanos e formais)
quanto para os trabalhadores considerados do setor tradicional (rurais e informais), para
observar o comportamento do hiato salarial por qualificação (denominação dada à diferença
salarial não explicada, neste caso) entre 2002 e 2013. Caso tenha havido redução, será indício
de aproximação do turning point de Lewis, segundo o CM-IV (quarto critério de Minami).
Outra aplicação das decomposições realizada neste trabalho é a comparação,
considerando apenas trabalhadores não qualificados, entre os salários dos setores modernos
(urbano e formal) e dos setores tradicionais (rural e informal). Neste caso será observado o
hiato salarial de Lewis, nome dado à diferença salarial não explicada entre o setor moderno e
tradicional, diferença esta que se configura como aquela mencionada por Lewis que deveria
ser suficiente para atrair mão de obra do setor tradicional para o moderno e que se reduziria
conforme a economia se aproximasse do turning point.
Quando aplicado o método de decomposição salarial, por este ser um método que
decompõe a diferença entre duas variáveis que estão sob a forma de logaritmo natural (as
variáveis endógenas das equações mincerianas), os coeficientes calculados aparecem na forma
de números brutos, impossibilitando a comparação entre diferentes decomposições e de
decomposições aplicadas a outros pontos no tempo. Para tornar os resultados comparáveis e
de fácil interpretação, deve-se aplicar o antilogarítmo nos coeficientes calculados. Os
resultados então ficarão sob a forma percentual.
Os resultados na forma percentual devem ser interpretados da seguinte forma: a
diferença explicada é a mudança percentual no salário que o grupo de trabalhadores em
desvantagem (trabalhadores não qualificados ou trabalhadores do setor tradicional, neste
ensaio) observaria caso tivesse as mesmas características que o grupo em vantagem
(trabalhadores qualificados ou trabalhadores do setor moderno, neste ensaio); a diferença não
explicada é o ganho salarial que o grupo de trabalhadores em desvantagem observaria caso
não houvesse hiato salarial por qualificação (para casos de comparação entre trabalhadores
qualificados e não qualificados) ou hiato salarial de Lewis (para casos de comparação entre
trabalhadores do setor moderno e do setor tradicional); e, por fim, a diferença total indica a
diferença salarial bruta dos trabalhadores em vantagem sobre os trabalhadores em
desvantagem.
Supondo corretas as definições de setor moderno/tradicional, de salário real e de
trabalhadores qualificados/não qualificados, quanto mais próximo de zero ficar o hiato salarial
por qualificação e o hiato salarial de Lewis, aqui apresentados, provavelmente mais próxima a
economia brasileira se encontrará do turning point.
A tabela 6 apresenta a decomposição de diferenciais de salários entre trabalhadores
qualificados e não qualificados, segundo os conceitos de setor moderno e tradicional adotados
neste ensaio. A decomposição entre trabalhadores qualificados e não qualificados no meio
urbano apresentou uma redução de, aproximadamente, 47 pontos percentuais no hiato salarial
por qualificação, enquanto que no meio rural esta redução foi de, aproximadamente, 34
pontos percentuais. Já a decomposição salarial entre trabalhadores qualificados e não
qualificados formais apresentou redução do hiato salarial por qualificação de,
aproximadamente, 32 pontos percentuais e, para os trabalhadores informais esta redução foi
de, aproximadamente, 53 pontos percentuais.
Tabela 6 – Decomposição de diferenciais de salários entre trabalhadores qualificados e não qualificados, divididos segundo os conceitos de setores tradicionais e modernos, em 2002 e 2013
Grupos Diferença Explicada Hiato salarial por qualificação (%) Diferença Total (%)2002 2013 2002 2013 2002 2013
Urbanos -1,81 -5,69* 122,14* 74,84* 118,13* 64,90*Rurais -3,77 -5,81* 100,15* 66,20* 92,62* 56,56*Formais -7,55 -8,37* 95,67* 62,29* 80,90* 48,71*Informais -1,18 -3,57* 121,17* 68,35* 118,56* 62,35*Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Estes resultados apontam que houve redução do hiato salarial entre trabalhadores
qualificados e não qualificados na economia brasileira entre 2002 e 2013, independente da
forma de classificação dos setores moderno/tradicional, e que, portanto, existem indícios de
que a economia brasileira esteja se aproximando do turning point de Lewis.
Na tabela 7 são apresentadas as decomposições salariais entre trabalhadores urbanos e
rurais e entre trabalhadores formais e informais, considerando apenas a força de trabalho não
qualificada. Ou seja, é decomposto o hiato salarial entre o setor moderno e tradicional da
economia brasileira apenas com relação à mão de obra de fácil substituição.
De acordo com os resultados, observa-se que houve redução de, aproximadamente, 37
pontos percentuais no hiato salarial de Lewis quando considerado como setor moderno o meio
urbano e como setor tradicional o meio rural. Ao considerar como moderno e tradicional os
segmentos formal e informal da economia, respectivamente, o hiato salarial se reduz em 66
pontos percentuais no período observado.
Tabela 7 – Decomposição de diferenciais de salários entre o os setores urbano e rural e entre os setores formal e informal, considerando apenas trabalhadores não qualificados, em 2002 e 2013
Grupos Diferença Explicada Hiato salarial de Lewis (%) Diferença Total (%)2002 2013 2002 2013 2002 2013
Urbano/Rural -8,70* -1,90* 89,81* 52,05* 73,30* 49,17*Formal/Informal 3,66** 5,25* 120,23* 53,99* 128,29* 62,09*Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Novamente, uma vez que o hiato salarial entre setor moderno e tradicional da economia
brasileira vem se reduzindo (em ambas as óticas adotadas neste trabalho), há um indício de
que a economia brasileira vem rumando ao turning point de Lewis.
No entanto é necessário ressaltar que resultados conclusivos podem ser obtidos apenas
através de uma análise mais aprofundada, que além de considerar o hiato salarial entre o setor
tradicional e moderno da economia e atender o CM-IV, comtemple também os demais
critérios de Minami e observe os salários da economia ano a ano, analisando as curvas de
salário e não se limitando à análise de dois pontos no tempo.
4. Considerações finais
Este trabalho teve por objetivo observar o mercado de trabalho sob a ótica do modelo de
mercados duais de Lewis. Segundo o modelo de Lewis, economias subdesenvolvidas são
divididas em dois setores, um setor moderno com características capitalistas no qual o produto
marginal do trabalho e os salários são iguais e cuja oferta de mão de obra é ilimitada, e o setor
tradicional no qual a transferência de trabalhadores deste setor para o setor moderno não
causa inflação salarial.
A partir do momento em que a mão de obra deixar de ser abundante no setor tradicional
e, portanto, a oferta de trabalhadores no setor moderno deixar de ser ilimitada e assumir um
valor entre zero e infinito, haverá elevação salarial (inicialmente no setor tradicional,
posteriormente no setor moderno) e estreitamento do hiato salarial entre trabalhadores
qualificados e não qualificados e entre trabalhadores do setor moderno e tradicional.
Inicialmente, neste ensaio, foram observados os trabalhadores (em termos de
composição e remuneração média) qualificados e não qualificados, segundo meio de
residência, tipo de ocupação, setor de atividade e formalização.
Em termos de composição, observou-se que a força de trabalho brasileira passou por um
notável processo de formalização e, em menor escala, por um processo de urbanização entre
2002 e 2013. Concomitantemente houve sensível redução das diferenças nos salários médios
dos trabalhadores formais sobre os informais e dos trabalhadores urbanizados (seja em termos
de residência, ocupação ou setor) sobre os rurais, tanto qualificados quanto não qualificados.
Com base nestes resultados parece sensato considerar que o setor formal e/ou o setor urbano
da economia brasileira sejam vistos como o setor moderno enquanto que o setor informal e/ou
o setor rural seja considerado o setor tradicional.
Para melhor inferir a mudança do hiato salarial entre os trabalhadores quando
comparados por grau de qualificação e quando separados entre trabalhadores do setor
moderno e tradicional, foram estimadas equações de determinação de salários e estas foram
observadas conforme a técnica de decomposição de diferenciais salariais.
Corroborando o encontrado nas estatísticas descritivas, houve redução do hiato salarial
por qualificação e do hiato salarial de Lewis, mesmo depois de controladas as demais
características dos trabalhadores. Estes resultados configuram-se como indicativos de que o
Brasil esteja se aproximando de seu turning point.
No entanto as limitações deste trabalho devem ser apontadas. A primeira limitação é
referente à definição do setor tradicional e moderno da economia, uma vez que a definição é
analítica e não descritiva e deve ser mais bem analisada. A segunda se refere à definição do
salário real, que neste estudo foi deflacionado pelo IPC-A, mas que, de acordo com o Lewis,
pode ser definido de diversas formas. A terceira se refere à observação de apenas dois pontos
no tempo, enquanto que a análise ideal é focada na observação dos valores dos salários ano a
ano, observando-se seu comportamento ao longo do tempo. A quarta limitação é que este
trabalho contempla apenas o CM-IV, enquanto que o ideal seria a análise de todos os cinco
critérios de Minami. A quinta limitação se refere a uma possível estimação do CM-I, uma vez
que esta implica no cálculo do produto marginal do trabalho e este é impossível de se obter
por meio da base de dados aplicada neste trabalho. Neste contexto é possível que um produto
marginal do trabalho estimado, por exemplo, por meio das contas nacionais seja incompatível
com os dados aqui estimados, devido às diferenças nas bases de dados. A sexta e última
limitação se refere ao período observado (2002, 2013) dado que, para se obter uma melhor
acurácia quanto à trajetória do país rumo ao turning point, é necessário que se observe um
maior horizonte de tempo.
Estas limitações se incorporam, na verdade, em possibilidades de estudos futuros,
principalmente estudos que contemplem dados anualizados, maior número de critérios de
Minami e horizontes mais longos de tempo. A análise da aproximação de um turning point é
importante para o cenário brasileiro principalmente se vista sob a luz dos acontecimentos
históricos que marcaram (e marcam) as instituições do mercado de trabalho nacional.
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