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ANÁLISE COMPARATIVA DE SISTEMAS PRODUTIVOS DE AMÊNDOA DE
CACAU: LITORAL SUL DA BAHIA, MATA ATÂNTICA DO ESPÍTO SANTO E
AMAZÔNIA
Resumo
A lavoura do cacau se estabeleceu com sucesso nos biomas da Mata Atlântica e da
Amazônia, nos estados da Bahia, Espírito Santo, Rondônia e Pará. Em outras unidades
da federação a denominada cacauicultura não tem maior expressão. Não obstante os
sistemas neste quatro estados tenham como habitat a floresta úmida, tropical e equatorial,
existem peculiaridades que os distinguem entre si, as quais são responsáveis por
diferentes exigências de fatores de produção, por rendimentos físicos e econômicos
diversos e por contribuições para preservação da biosfera em grau variável. O presente
trabalho procura estabelecer comparações entre estes sistemas com o propósito de sugerir
que as avaliações das políticas públicas levem em conta a diversidade e a capacidade dos
mesmos de gerar externalidades positivas, levando a mecanismos de apoio,
compensações e focos não exatamente iguais.
Palavras chave: lavoura de cacau, sistema agro florestal, contribuição para a biosfera
Abstract
The cocoa crop, settled in the biomes Atlantic and Amazon, in the states of Bahia, Espírito
Santo, Pará and Rondônia, with relative success. Elsewhere, other units of the federation,
the cocoa crop has no greater expression. In spite the systems in three states have as
habitat the tropical and equatorial rainforest, there are peculiarities that distinguish each
one into the group. These peculiarities are responsible for different production factors
requirements, for unequal physical outputs and economic income and for different degree
of contributions to preserving the biosphere. This paper attempts to draw comparisons
between these systems in order to suggest that evaluations as part of public policies take
into account the diversity and the ability to generate positive externalities, leading to
support tools, compensations and focuses, not exactly alike.
1-INTRODUÇÃO
1.1 Considerações sobre a cacauicultura
Malgrado ser uma espécie presente na floresta Amazônica, a lavoura do cacau
como atividade racional foi implantada pela primeira vez no litoral baiano no século
XVIII e daí espalhou-se para o Brasil no início do século XX. Atualmente a cacauicultura
está presente como atividade consolidada em cinco unidades da Federação: Bahia,
Espírito Santo, Rondônia, Amazonas e Pará, ocorrendo ainda em menor escala no
Maranhão, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, havendo ainda
propostas de sua implantação no litoral de Sergipe, em consórcio com outras espécies
arbóreas.
Estas quatro unidades da Federação têm em comum a cobertura de floresta úmida
em clima equatorial e tropical. As variações de latitude, vão desde 02°34’ 22” S em Tomé
Açú no Pará até 19º23'48” S em Linhares, Espírito Santo, com mudanças de altitude de
18 m acima do nível do mar no Pará até 380 m na Bahia. Estas variações que se refletem
em pluviosidade e temperaturas e solos, são determinantes na definição do manejo da
lavoura, época da safra e ocorrência de fito parasitas (MULLER e VALLE, 2007). Outro
aspecto a considerar é no que tange aos solos, ocorrendo variação significativa de aptidão,
com vantagem para os gleissolos de Linhares, os nitossolos (antiga terra roxa) do Pará,
os chernossolos e luvissolos da Bahia (RESENDE et al., 2007). Contudo, na maior parte
da área de cultivo da cacau, em todos os estados, predominam solos de aptidão média
como os latossolos vermelho-amarelo, latossolos amarelo e argissolos distróficos,
havendo também solos de aptidão restrita como os litossolos em Rodônia e na Bahia. No
concernente à geomorfologia as terras destinadas à cacauicultura são planas, com exceção
da Bahia, com extensas áreas declivosas, o que dificulta a mecanização (PAIVA e
ARAÚJO, 2007).
Estas condições sugeririam que os sistemas de produção nos quatro estados
fossem semelhantes em processos de produção e em rendimentos físicos. Entretanto isto
não ocorre, o que pode ser explicado pela existência de condicionantes relacionadas ao
meio físico nos quais se deram a implantação dos cacauais e ao material genético,
condicionantes de desempenho das plantas, e condicionantes de gestão da lavoura e do
estabelecimento, condicionantes de capital humano, capital social etc.
Todas as regiões produtoras, atendem as exigências fisiológicas do cacaueiro, que
requer temperatura média anual superior a 21º C, um mínimo de 1.500 mm de chuvas
bem distribuídas durante o ano, sem longos períodos secos com respeito à pluviosidade e
a uma altitude máxima de 600 m acima do nível do mar. Quedas de temperatura abaixo
de 15º C acarretam sérios problemas sanitários, principalmente com umidade relativa do
ar de 80% para mais. No que tange aos solos, é desejável que tenham pH de 5,5 a 6,5,
drenagem boa a moderada, profundidade efetiva de mais de 100 cm, textura média e 60%
de saturação por bases (CHEPOTE et al., 2007).
O sombreamento seria outra exigência do cacaueiro que necessita arborização
para proteção da incidência direta e intensa de raios solares e contra ventos fortes. Este
requisito é tanto mais relevante quanto mais nova seja a planta (MULLER e VALLE,
2007). Na Bahia e Espirito Santo o sistema de produção predominante é conhecido como
cabruca, palavra que deriva do termo brocar, fazer buracos na mata para plantar o cacau,
caracterizado pelo plantio do cacau sob a sombra das árvores da Mata Atlântica. É
utilizado na região cacaueira do sul da Bahia há cerca de trezentos anos. O mesmo é
responsável por conservar parte da biodiversidade, dos solos e das águas e da produção
florestal e de sementes, óleos, resinas, flores e outros produtos não madeireiros (MELLO
et al., 2010).
Historicamente, nesse ambiente, o cultivo do cacau se deu ao longo dos vales dos
grandes rios, como o Pardo, Jequitinhonha, Salsa e Mucuri e nos chamados “boqueirões”
que eram os vales de rios, riachos e outros cursos d'água, com solos de melhor fertilidade
e que proporcionaram um habitat propicio ao desenvolvimento do cacaueiro
(MIRANDA, 1938). Todo esse sistema de produção, praticado há quase três séculos no
Sul da Bahia, consolidou-se, portanto, antes do advento do Código Florestal Brasileiro
(1964) e da CEPLAC, Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (1957),
quando então se passou a recomendar o plantio de árvores exóticas com o propósito de
sombrear, basicamente leguminosas como Erytrina sp. originária da América Central. A
partir de então, a cobertura do cacau tem se se dado por meio de espécies exóticas,
plantadas a partir de uma derrubada total da mata, sistema conhecido como derruba total,
ou por meio da mata preservada, apenas raleada, a cabruca. No primeiro caso, o da
derruba, se usa como sombreamento provisório bananeiras e como sombreamento
definitivo árvores de porte e grandes copas, como a eritrina, a cajazeira, a gmelina ou a
farinha-seca. (MANDARINO, 1979). Quando se trata da cabruca, apenas se desmata a
vegetação sub-arbórea e se realiza um raleamento das árvores de porte, sendo o
sombreamento proporcionado por espécies nativas. No caso de sombreamento com
espécies exóticas, ele deve preceder o plantio de cacau em seis meses (GRAMACHO et
al., 1992). Outra diferença entre os dois sistemas é que na cabruca tradicionalmente
utiliza-se variedades de cacau trazidas do Pará há mais de duzentos anos, conhecidas
como ‘comum’ e pertencentes ao grande grupo genético forasteiro. No sistema de
derruba, total, o material genético é constituído por híbridos desenvolvidos pela CEPLAC
(MONTEIRO e HNERT, 2007). O sistema de derruba, supostamente o mais avançado
tecnicamente, se inspira no paradigma da Revolução Verde
Com a nacionalização da políticas agrícolas e com a decisão de expandir a
cacauicultura além dos limites da Bahia, à época a exportação de cacau gerava volume
apreciável de divisas, o sistema de produção derruba total foi difundido para outros
estados, com algumas adaptações. No caso do Pará e Rondônia, a eritrina e outras exóticas
foram, em algumas situações, substituídas por espécies de valor madeireiros como o
Mogno e a Teca. Entretanto, na região da rodovia Transamazônica, principal área
produtora do Pará, as espécies recomendadas para o sombreamento nas condições da
Bahia não se adaptaram muito, Isto fez com que se reduzisse a densidade arbórea a ponto
de alguns cultivos passassem a não ter sombreamento ou, quando existente, ele se dava
com poucas árvores. Esta condição difere do que é praticado na Bahia onde não se
prescinde do sombreamento, podendo ele ter uma densidade maior ou menor a depender
da aptidão edáfica. Densidade menor em presença latossolos e argissolos de maior
profundidade e densidade maior em presença de cambissolos, luvissolos e litossolos, que
têm menor capacidade de armazenar e suprir água as plantas.
No Pará o predomínio de nitossolos profundos, bem drenados e de alta fertilidade
natural, proporciona cultivos com baixa densidade e alta produtividade. Contudo, este
sistema não proporciona as mesmas externalidades ambientais que os sistemas de
produção praticados na Bahia, com destaque para o cabruca. Ressalta-se ainda a presença
do sistema de produção típico dos ribeirinhos no Pará, Amazonas e Rondônia que
cultivam o cacaueiro em sua forma nativa, formando touceiras e em consórcio com outros
cultivos como pupunha, castanheiras e seringueiras. Neste sistema o cacaueiro apresenta
baixo rendimento físico, o que é economicamente compensado pelo cultivo das outras
lavouras.
No Pará destaca-se ainda a região de Tome-Açu, que após a decadência de
lavouras de pimenta do reino, passou a produzir amêndoas de cacau que é cultivado junto
com outras lavouras em sistemas agroflorestais, com múltiplas espécies.
Na Bahia vem se experimentando em escala pequena, no Extremo Sul e na
Chapada Diamantina, o plantio de cacau a pleno sol, com arvores apenas nas bordas para
a proteção ao vento, com irrigação e algumas operações mecanizadas. Malgrado este
sistema apresente um rendimento físico bastante superior ao plantio em sombreamento,
há indícios de que o mesmo estressa a planta reduzindo sua vida útil, além de ter um custo
de produção mais elevado no que tange a insumos e de ter uma relação insumo/produto
de 18.000 l de água para produzir um quilo de amêndoas, enquanto lavouras de grãos, a
soja por exemplo, apresenta uma exigência bem menor, 3.000 l por kg. Este fato
determinado em pesquisa se constitui um custo de oportunidade elevado no que tange à
utilização dos recursos hídricos. Nos meios empresariais e de pesquisa agropecuária, se
tem cautela em relação a esta inovação, argumentando-se que ainda não há tempo
suficiente para avaliar esta mudança no processo produtivo. No momento esta iniciativa
sente carência de mão-de-obra qualificada para manutenção do equipamento, sendo
necessário recorrer à mão de obra especializada de outras unidades da Federação.
O sistema de produção cacau com seringueira plantados em consórcio, tem se
apresentado o mais promissor, inicialmente fruto da experimentação dos agricultores sul-
baianos que insistiam em plantar o cacaueiros entre as filas de seringueira, mesmo sem a
recomendação da CEPLAC (VIRGENS FILHO; ALVIM e ARAÚJO, 1988). Atualmente
por meio de um redesenho do sistema em termos de espaçamento utilizando-se filas
duplas de seringueira entre quatro a cinco fileiras de cacaueiros, este sistema se apresenta
bastante promissor do ponto de vista econômico, apesar da baixa diversidade de espécies
comparado ao sistema cabruca (SAMBUICHI, et al., 2012). O mesmo pode ser
implantado a partir de áreas degradadas ou em áreas de cacaueiros e eritrina, pela
substituição da eritrina pela seringueira.
A produção de amêndoas de cacau por maiores zonas produtoras vem mostrando
que o Estado do Pará tem, de modo sustentado, aumentado seu percentual na produção
nacional, de acordo com a Tabela 1.
Tabela 1 - Quantidade Produzida de cacau (toneladas)
Estado Produtor/Brasil
(total)
2000 2005 2011
Pará 28.278 38.119 63.739
Rondônia 17.729 19.719 17.486
Bahia 137.568 137.459 154.634
Espírito Santo 11.305 11.782 8.099
Outros 1.908 1.541 4.207
Brasil 196.788 208.620 248.165
Fonte: IBGE/LSPA, 2011
No começo da década passada a produção nacional de amêndoas de cacau foi
196.788 toneladas e nela a Bahia, maior produtor, participou com 137.568 t, cerca de
70%, enquanto o Pará produziu 28.278 t, cerca de 14%. Em 2011, em pouco mais de uma
década a produção brasileira elevou-se para 248.165 toneladas, na qual a Bahia contribuiu
com 154.634 t, cerca de 62,3% e o Pará com 63.739 t, cerca de 25,7%. Todos os demais
estados produtores estagnaram, caso de Rondônia, ou decresceram, caso do Espírito
Santo. Os demais estados juntos mais do que duplicaram a produção, mas o percentual de
participação na produção nacional elevou-se de menos de 1% para 1,6%, uma grandeza
ainda inexpressiva.
Este dados sugerem que a Região Amazônica, graças ao Pará, vem demonstrando
maior dinamismo no que se refere à oferta de amêndoa seca para a indústria nacional uma
vez que o Brasil, em decorrência do aumento do consumo per capita de chocolate e em
decorrência da queda de produção que teve como principal causa a “vassoura de bruxa”
deixou de ser exportador líquido, a não ser no caso de produto diferenciado, o ‘cacau
fino’.
Apesar desta crescente produção do Pará cabe ressaltar que a produção baiana
estagnada em 120.000 t há mais de duas décadas, vem apresentando um crescimento
representativo nos três últimos anos. Este aumento se justifica pelo aumento da área
plantada de cacau na região do Baixo Sul e no Vale do Jequiriçá, onde municípios como
Gandu apresentam média de produtividade de 34 @.ha / ano, superior à média baiana que
é de 20 @ há / ano. Municípios circunvizinhos apresentaram aumento na área plantada
de mais de 300% de 1990 a 2007 (SEI, 2009).
A esta recuperação na produção de amêndoa de cacau, ainda que discreta visto
que o país permanece na condição de importador líquido, está correspondendo uma
expressiva mobilização dos produtores visando estarem presentes também na fase de
processamento da cadeia produtiva. Esta estratégia se tornou um imperativo de
sobrevivência pelo fato dela permitir a internalização de benefícios. Em estudo sobre a
economia cacaueira no Pará, Costa, dos Santos, e Sousa Júnior, (2006) mostraram quanto
expressivos são os valores agregados com a industrialização da amêndoa de cacau. Para
uma quantidade de 26,7 toneladas de amêndoas, arbitrada como se fosse uma batelada no
processo produtivo da unidade fabril, ter-se-ia como alternativa a vende-la como matéria
prima, o que geraria um valor bruto de produção de R$ 69.420,00 considerando-se a
cotação da amêndoa em R$ 2.600,00 por tonelada, a processá-la. Neste caso, obteriam
por meio de relações insumo produtos médias, que corresponderia a um estado da arte
não avançado, a 6,65 t de liquor, 2, 66 t de manteiga de cacau e 3,99 t de pó. Com cotações
de R$ 9.201, 00 por t para o primeiro derivado, R$ 16.100,00 para o segundo e R$
5.510,00 para o terceiro, a soma do valor bruto da produção, VBP, se eleva para R$
126.057, 00, quase que dobrando-o, como demonstra a Tabela 2. Na eventualidade de se
prosseguir na industrialização visando a produção de chocolate a agregação de valor seria
bem maior.
Tabela 2 – Análise do Valor Bruto da Produção
Produto t R$/t VBP ICMS PIS COFINS
Amêndoas 26,7 2.600 69.420 11.801 0 0
Liquor 6,65 9.210 61.246 10.412 1.010 4.655
Manteiga 2,66 16.100 42.826 7.280 707 3.255
Pó 3,99 5.510 21.985 3.737 367 1.671
TOTAL 195.477 33.230 2.084 9.581
Fonte: Costa, dos Santos e Sousa Júnior, (2006)
Segundo Conejero (2013) há uma menor concentração de valor na fase agrícola,
apenas 7%, enquanto o maior percentual, 74% permanece com os fabricantes de
chocolate. Para esta fonte, enquanto um agricultor vende as amêndoas de cacau a um
valor médio de R$ 5,00 / kg, o preço do chocolate pode variar de R$ 80,00 a R$ 300,00 /
Kg.
Está tendência de agro industrialização do cacau em nível local, tem sido
recorrente em todos os estados brasileiros e é fruto da iniciativa do programa Plataforma
Cacau, coordenado pela Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, que buscou
fomentar a inovação e o desenvolvimento de máquinas para fabricação de chocolate em
pequena e média escala e do programa de agro industrialização da cacauicultura da
Secretária de Agricultura do Estado da Bahia e da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva
do Cacau do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2011).
Neste contexto, diversas marcas têm surgido, sendo incubadas em unidades
produtivas pela CEPLAC na Bahia, pela empresa fabricante de equipamentos, por
estabelecimentos rurais na Bahia, Pará e Espirito Santo e até mesmo inseridas no meio
urbano dessas regiões produtoras.
1.2- Características das áreas produtoras
Bahia
A cacauicultura na Bahia está localizada em um faixa de terra de até 150 km do
litoral e em uma latitude de 14 e 15º S. Aproximadamente no centro da área produtora, se
encontra o maior parque moageiro de amêndoa do Brasil. Esta localização se deve ao fato
de no passado as regiões Litoral Sul e Baixo Sul terem sido responsáveis pela maior oferta
de matéria prima, a amêndoa de cacau. Atualmente, com a queda de produção, para não
operarem com capacidade ociosa, estas indústrias começaram a importar cacau da África.
Saindo de uma crise prolongada, a cacauicultura baiana vem passando por uma
reestruturação não desprezível. É importante perceber que, ao contrário das históricas
crises cíclicas de preços, a última crise afetou a produção e, por essa via, o rendimento
dos agricultores, que ainda não se recuperaram completamente após mais de duas
décadas. No auge da crise fazendeiros demitiram trabalhadores permanentes, mas
estabeleceram contratos de parceria, tipo meação, com terceiros, que passaram a se
responsabilizar por todos os custos de produção, inclusive mão-de-obra. Com o objetivo
de assegurar alguma liquidez, muitos produtores de cacau cortaram e venderam a madeira
nativa da Mata Atlântica, contribuindo para a degradação ambiental da região. Apesar de
não ser um terreno propício, devido à elevada umidade relativa que favorece a
proliferação de parasitas, muitos cacauicultores optaram pela criação de bovinos nas
terras desmatadas. Também houve tentativas de diversificação da produção, com a
introdução de outras lavouras, além da pecuária bovina, como o café robusta e a
fruticultura (PAIVA e ARAÚJO, 2007). Diante deste quadro várias iniciativas foram
tomadas, tanto no que se refere ao refinanciamento e renegociação de dívidas quanto no
que tange à busca de alternativas de inovação no processo produtivo. A utilização de
tecnologias desenvolvidas pela CEPLAC, envolvendo, além das práticas de enxertia,
adensamento das áreas e manutenção das lavouras, implicando em aumentos de custos de
produção, não se difundiram na velocidade esperada. Entretanto, paulatinamente, com
mudanças culturais e gerenciais entre os produtores, vem se avançando no processo
produtivo e sobretudo na qualidade do produto, agregando-se valor e buscando novos
mercados, como é o caso do cacau Fine Flavour. Além disso, do ponto de vista da
produtividade do trabalho, o cacau é, na região, a atividade que proporciona a criação do
maior valor agregado por unidade de trabalho. Ademais, o sistema de cultivo do cacau,
conhecido como cabruca, é o que causa menor impacto ambiental, uma vez que os solos
são protegidos pela cobertura vegetal, a reposição parcial da fertilidade é assegurada pela
grande quantidade de matéria orgânica e, com isso, a biodiversidade da Mata Atlântica é
relativamente preservada (SAMBUICHI, et al., 2012 e PAIVA e ARAÚJO, 2007).
Atualmente a recuperação da lavoura cacaueira está se dando em novas bases que
têm como vetores a agregação de valor pela qualidade e a fabricação do chocolate
associada com a produção agrícola, além da possibilidade de utilização sustentável de
produtos florestais madeireiros e não madeireiros, principalmente madeira morta e
exóticas que compõem o sistema (CAMARGO, 2012 e MELLO e COUTO, 2008). Há
que se acrescentar também, na linha do potencial de uma recuperação breve, que, segundo
Sambuichi et al. (2012), sendo a área plantada na Bahia de 565.000 ha com uma
produtividade média de 20 @ há/ano, como informado em 1.1 e obtida de áreas com uma
densidade arbórea média de 93 arvores por ha, bastaria que esta densidade fosse reduzida,
segundo recomendação de Alvim e Pereira (1972), ao nível de 76 arvores por ha, para
se atingir 30 @ ha /ano e uma produção de 254.250 t, superior à necessidade do parque
moageiro. Caso isso fosse feito, somadas as produções da Bahia, do Pará e de outros
estados, o Brasil voltaria a gerar excedentes exportáveis. Além disso, há que se registrar
a expansão da lavoura cacaueira baiana no sentido norte, para o território do Baixo Sul,
onde municípios tradicionais produtores de banana, vêm ampliando a cacaicultura, alguns
deles com aumentos de área plantada de 300% (SEI, 2009).
A cacauicultura vem se reestruturando e já apresenta sinais de que está saindo do
seu longo processo de decadência, iniciado com a emergência da praga que desencadeou
a crise conhecida como da vassoura de bruxa. É importante ressaltar que a recuperação
da lavoura cacaueira é condição indispensável para preservação do que resta de Mata
Atlântica na região, mantida a técnica de cultivo denominada “Cacau Cabruca” e a
concepção da cacauicultura como sistema agroflorestal (MELLO e COUTO, 2008).
A técnica de clonagem desenvolvida e difundida pela CEPLAC apresenta-se como
uma possibilidade concreta para que a recuperação possa avançar mais ainda, alcançando
a quase totalidade dos produtores. Além disso, as possibilidades de consorciar a lavoura
do cacau com outras culturas, visando reduzir os problemas associados à monocultura,
substituindo árvores exóticas como a eritrina por seringueira, açaí, pupunha e cupuaçu, já
estão em curso, com o lançamento do programa da Borracha pela CEPLAC e Governo
do Estado que prevê a implantação de 100.000 ha de sistemas agroflorestais e seringueira
com cacaueiro e outras culturas. Ademais, cumpre investir fortemente na diferenciação
do produto pela qualidade, cacau orgânico e Fine Flavour, e na sua industrialização na
região, com o objetivo de criar uma rede de pequenas fábricas de cacau de alta qualidade
ou de disseminação da indústria caseira familiar, com valor cultural agregado, o que já
existe na região (CAMARGO, 2012).
Neste sentido, avança um projeto que visa proteger e valorizar o cacau sul baiano,
por meio de uma indicação de procedência, visto que a fama do cacau brasileiro e sua
cotação no mercado internacional era conhecido como “Bahia Superior,” uma vez que a
produção do Espirito Santo era pequena e o Pará não produzia cacau Tipo I (ALMEIDA,
1976). Este potencial foi demonstrado no Salon du Chocolat em Paris. De um total de 50
amostras classificadas para o concurso mundial Cocoa Awards 2010 organizado pelo
CIRAD, La Recherche Agronomique pour le Developpment no Salon du Chocolat de
Paris, a Bahia classificou 10 % dos prêmios, demonstrando a sua capacidade de produzir
amêndoas de qualidade feitas a partir de amêndoas produzidas no território Litoral Sul e
Baixo Sul, com “know how” de produção do cacau Bahia Superior, marca não alcançada
por outros estados produtores, exceto Espirito Santo. De forma geral o CIRAD classificou
o Brasil como um país novo produtor de cacau fino e seu cacau contendo notas de alcaçuz,
frutas secas e especiarias (VIANA e MELLO, 2013).
A cacauicultura com potencial de crescimento diferenciado e compatibilidade
com o desenvolvimento sustentável se apresenta em três modelos de gestão: empresarial,
patronal convencional de escala média para cima, o patronal com gestão diferenciada, de
escala média e o familiar organizado em associações. Existem ainda, mas em processo de
extinção, os modelos patronal absenteísta e o familiar isolado. A diferença entre os
modelos patronais e familiares em termos de processo produtivo diz respeito ao material
genético, à utilização em maior ou menor grau de parceria, à utilização em maior ou
menor grau de insumos químicos e pequenas variações em termos de beneficiamento, no
que tange a tempo de rumas, tempo de cocho, secagem em barcaças ou secagem em
secadores artificiais, polimento de amêndoas etc. As demais operações como formação
de viveiro, raleamento da mata ou plantio de árvores sombreadoras, preparo do terreno,
plantio de mudas, adubação, capina, podas, controle fito sanitário, colheita e pós-colheita
são as mesmas ou equivalentes para os três modelos. As práticas responsáveis pela melhor
qualidade não estão, ainda plenamente difundidas nos estabelecimentos familiares,
embora muitos deles, sobretudo o assistidos pelo Instituto Cabruca, venham buscando
adotá-las, visando algum tipo de certificação
Os modelos empresarial e patronal convencional de escala média para cima, vêm
se empenhando tenazmente na utilização de boas práticas, certificação e produção de
cacau “Fine Flavour” porque veem nelas a única saída para a competitividade. O mesmo
acontece nas associações de agricultura familiar de assentados e de médios
estabelecimentos com gestão diferenciada na produção e certificação orgânica.
A cacauicultura baiana ainda apresenta um grande potencial de conciliar a
produção florestal e a movelaria fina, com a produção de amêndoas. A utilização de
madeira desvitalizada (morta) e de madeira de espécies exóticas presentes no sistema
como a jaqueira, cajazeira, jenipapeira, seringueiras decadentes e as duas espécies de
eritrina introduzidas, é uma forma de reduzir a densidade arbórea excessiva no sistema
cabruca. O corte seletivo destes indivíduos exóticos ou sem vida é plenamente justificado
do ponto de vista do de excesso de sombreamento sobre os plantios e gera renda adicional
para o produtor, já que o abate de nativas é indesejável e protegido por lei (SAMBUICHI
et al., 2012). Atualmente no sul da Bahia, existem apenas três empreendimentos
licenciados para fabricação de móveis a partir de madeira desvitalizada e a exploração de
madeira de espécies exótica, associada ao cultivo de nativas. Isto encontra explicação na
baixa capacidade dos órgãos ambientais de promover o licenciamento e a fiscalização
destas atividades.
Na eventualidade de uma parte da produção de amêndoas ser processada no
território com vistas à fabricação de chocolate em pequenas plantas industriais, unidade
de produção diferente da chocolateira industrial, haveria uma geração adicional de renda
e de ocupação, nada desprezível. Quanto ao potencial de mercado e de expansão física da
atividade, é o mesmo indiscutível dadas as tendências de aumento de consumo de
chocolates de alto teores e às possibilidades de recuperação de cacauais decadentes.
Avalia-se também que como a cacauicultura tende a incorporar preceitos de
sustentabilidade as condições de trabalho e sua adaptabilidade ao bioma Mata Atlântica
tenderão a melhorar (BAIARDI e TEIXEIRA, 2010).
Espírito Santo
A cacauicultura no Espirito Santo está localizada no município de Linhares, cujas
coordenadas geográficas da sede são: latitude 19º23'48'' e longitude 40º03'42''W,
topografia plana e água na superfície e no subsolo. Os solos da lavoura cacaueira no
Espírito Santo pertencem à classe dos gleissolos e o sistema produtivo combina
sombreamento menos denso com irrigação. O processo produtivo em Linhares contempla
as operações de formação de viveiro, preparo do terreno, que podem contemplar
raleamento da mata ou plantio de espécies sombreadoras, plantio das mudas, adubação,
capina, podas, controle fito sanitário, manutenção do sistema de irrigação, dotação de
água, colheita e pós-colheita, entendida como beneficiamento, que é a fermentação e a
secagem. O Espírito Santo ainda não se recuperou da grave crise que resultou da queda
de produção provocada pela infestação da “vassoura de bruxa”, porém não sofreu o
processo de endividamento da Bahia, fruto de pacotes tecnológicos que não funcionaram.
Houve no Espírito Santo demora em começar a adotar tecnologias relacionadas ao
material genético e à práticas fitossanitárias. Malgrado o uso da irrigação tenha se
generalizado em decorrência das condições excepcionais de localização - às margens do
Rio Doce, em gleissolos onde é possível a captação ao fio d’água e a perfuração de poços
com vazão elevada - em alguns casos ela é implantada sem critérios técnicos e preceitos
de sustentabilidade, muitas vezes sem vegetação protetora das margens.
Não obstante um maior potencial de produção em decorrência da irrigação, a
infestação teve efeito devastador sobre a produção. Espirito Santo, mais propriamente o
município de Linhares, chegaram a no passado a obter rendimentos físicos médios
equivalentes ao dobro da Bahia, graças à irrigação, imprescindível na área em decorrência
de uma precipitação média anual de 1.600 mm de chuva. Entretanto, a demora em
atualizar técnicas de combate e/ou convivência com a “vassoura de bruxa” resultou em
volumes de produção correspondentes à metade do obtido no passado.
O sistema de irrigação criteriosamente implantado, além do controle da umidade
do solo, permite inserir fertilizantes na água, prática que é conhecida como fertirrigação,
que é essencial no controle e aumento da produtividade da colheita. No Espírito Santo
uma lavoura de cacau irrigada, com espaçamento de três metros entre as plantas (1.100
plantas por hectare), produz 150 @/ha. Esta mesma lavoura sem irrigação atinge uma
média de 40 @/ha de produtividade, grandeza próxima da encontrada na Bahia com
algumas intervenções, como redução de número de pés por hectare. Nos últimos anos
além da fertirrigação utilizada em áreas com predomínios de gleissolos, localizados ás
margens do Rio Doce, aumentou a implantação de sistemas de produção irrigados a pleno
sol, com árvores apenas para proteção ao vento, em áreas de latossolos afastados das
margens do Rio Doce.
A avaliação que se faz é que a cacauicultura do Espírito Santo inicia agora um
processo de reestruturação produtiva com a colaboração da CEPLAC e INCAPER,
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural. Como parte deste
processo está a mudança de material genético, a utilização de defensivos, inclusive o
Tricovab, um biofungicida, o que sugere adoção de práticas agroecológicas.
No que tange a agregação de valor o Espirito Santo, ao lado da Bahia foi, um dos
estados que mais investiram na produção de cacau Fine Flavour e na agroindustrialização
em pequena e média escala. Foi, inclusive, o primeiro estado a proteger seu território de
produção histórica, com a indicação de procedência (IP) “Linhares”, já reconhecida pelo
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), sendo a primeira IP do estado na
agricultura.
No momento 61% dos produtores já comprometeram-se a adotar práticas racionais
de irrigação e controle fitossanitário, o que sinaliza a possibilidade do Espírito Santo vir
a recuperar a posição de destaque na produção nacional, que teve no passado. A mudança
do comportamento do produtor capixaba é esperada em consequência dos estímulos de
mercado.
Amazônia
Na Amazônia há uma diferença significativa de desempenho da cacauiltura nos
principais estados produtores, Pará e Rondônia, que têm como etapas do processo
produtivo as operações de formação de viveiro, preparo do terreno, derruba total, seguida
de plantio das plantas sombreadoras, plantio do cacau, adubação, capina, podas, controle
fito sanitário, colheita e pós-colheita, entendidas como fermentação e secagem. Não
obstante as semelhanças do processo produtivo, enquanto em Rondônia a produtividade
média é estimada chega a 600 kg/hectare, no Pará ela alcança até o dobro. O que explicaria
as diferenças? Em termos de meio físico, solos e clima, não há grandes diferenças. Quanto
ao tempo de plantio incentivado, embora Theobroma cacao seja considerado uma espécie
americana e já se apresentar na Amazônia desde tempos imemoriais, o fomento
sistematizado nos dois estados começa no início da década de setenta do século passado.
De outra parte a crise de mercado de meados dos anos oitenta - com o preço médio da
tonelada sofrendo baixa significativa, variando de US$ 2.500/t para até US$ 800/t - afetou
a ambos territórios e se o tecido produtivo no Pará superou esta crise e avançou, este fato
merece um exame mais detalhado e possibilidade do território paraense vir a ser
considerado como o de maior potencial de expansão no Brasil (CANAL RURAL /2012/
2013).
Segundo Costa et al (2013) e BASA (2013), as diferenças estariam na gestão,
predominantemente familiar no caso do Pará. Isto levaria à redução do custo de produção,
mas também um manejo que apontaria para a busca de maior rendimento físico, com
densidade baixa ou inexistência de árvores sombreadoras e a presença na principal região
produtora da Transamazônica de manchas de nitossolos eutróficos, que possuem
quantidade de nutrientes suficientes para uma maior produção, sem maiores gastos com
fertilizantes. Há também referências a iniciativas mais impactantes da parte do governo
estadual, visto que, em termos de apoio da União, em princípio não existiria distinção,
uma vez que que ambas áreas produtivas têm apoio da CEPLAC. A expansão da
cacauicultura no Pará contou com o apoio do governo estadual que impulsionou o
financiamento da atividade por meio do Fundo de Apoio à Cacauicultura do Estado do
Pará (Funcacau). Os recursos deste fundo podem eventualmente complementar o crédito
agrícola mas são também utilizados como ferramentas de política agrícola. O recolhido
por meio de uma taxa sobre a comercialização das amêndoas é destinado à pesquisa e à
qualificação da assistência técnica. O governo paraense tem também dado atenção à
regularização fundiária nas áreas produtoras e na questão do licenciamento ambiental,
com vistas a promover a produção sustentável. Outra novidade no caso paraense é o
envolvimento do poder local, das prefeituras, que se coligam com a CEPLAC e com a
secretaria de agricultura do governo estadual para promover uma amplo programa de
distribuição de sementes hibridas de qualidade.
A vantagem comparativa do Pará tem levado a gestores e policy makers a propor
maiores incentivos neste estado com vistas a conquistar a auto suficiência brasileira e
aspirar a voltar a exportar. Nesta linha, em outubro de 2011 foi lançado o Programa de
Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Cacauicultura, do governo paraense em
parceria com a CEPLAC. A meta é dobrar a área cultivada dos atuais 110 para 220 mil
hectares até 2019. A produção sofreria um expressivo acréscimo, passando de 70 para
250 mil toneladas. Ainda com relação às vantagens do Pará, a CEPLAC estima que há
várias áreas no estado aptas a receber o cultivo de cacau.
A estrutura agrária e o tamanho dos estabelecimentos também são apontados
como vantagens para o Pará, onde predomina a produção familiar. Segundo analistas esta
estrutura se aproximaria mais do que acontece na Costa do Marfim, país africano que é o
maior produtor e exportador mundial de cacau.
Apesar das vantagens apontadas a produção no Pará se concentra na região da
Transamazônica, no sudoeste do Pará, responsável por 60% da produção estadual. Esta
área é dominada por nitossolos de alta fertilidade natural, que depois do 13° ano apresenta
declínio na produção (AHNERT, 20013, apud INSTITUTO CABRUCA, 2013),
passando-se a necessitar de adubação e concorrendo para diminuir a competitividade. As
áreas de nitossolos na Amazônia são limitadas a 0,32% de seu território, sendo que o
predomínio maior é de solos distróficos com baixo teor de fósforo e alto teor de alumínio,
além de muitas terras estarem protegidas por lei na forma de unidades de conservação.
O Pará dificilmente irá constituir um parque moageiro em função de sua safra se
concentrar em quatro meses do ano - enquanto na Bahia se distribui por nove meses - o
que acarreta um custo logístico de armazenamento alto para a indústria processadora. Este
fato por si só faz com que os preços pagos aos produtores baianos, por produto
equivalente, sejam maiores.
No quesito agregação de valor é também crescente a preocupação com a qualidade
do cacau no Pará, já existindo algumas iniciativas de produção de cacau Fine Flavour,
produção orgânica e agroindustrialização local. Porém isto se dá em menor escala que
Bahia e Espirito Santo (CANAL RURAL 2012/ 2013). No quesito da qualidade o Pará
historicamente não produzia cacau tipo I (ALMEIDA, 1976) e por isso a Bahia e Espirito
Santo, pelo maior know how em produzir este tipo diferenciado, puderam avançar mais
rápido em relação a produção de cacau tipo Fine Flavour e na agroindustrialização,
conciliando mais facilmente estas atividades com o ecoturismo e o turismo rural, em
função da logística e estrutura hoteleira já instalada.
2) BREVE ANÁLISE DO PERFIL DOS AGENTES PRODUTIVOS E DA
CONSTITUIÇÃO DAS CADEIAS PRODUTIVAS EM CADA ZONA PRODUTORA
Os perfis dos agentes produtivos nas três macro-áreas produtoras não são os
mesmos. Na Bahia estima-se que de um total de 16 mil estabelecimentos produtores de
cacau, cerca de 9 mil tenham uma gestão familiar. Entretanto, na Bahia, ainda há o
cacauilcultor latifundiário absenteísta, que tende a desaparecer com valorização da terra.
Da mesma forma tende a desaparecer, neste caso como uma evolução, a agricultura
familiar isolada, dado o crescimento de associações e cooperativas de produtores
familiares. Com certo dinamismo de crescimento aparecem duas outras categorias que é
o empresário de porte médio inovador e a produção familiar associada. Há também
registro de poucos estabelecimentos patronais de grande escala que se modernizam, mas
numericamente não têm expressão. Todas as categorias não absenteístas, inovadoras e
com propensão a cooperar, têm projetos de avançar nos estágios da cadeia produtiva, com
vistas à participar mais vantajosamente do processo de agregação de valor. São inúmeros
os casos de surgimento de iniciativas de produção cacau Fine Flavour, produção e
certificação orgânico, certificação Rain Forest, além de pequenas unidades de
esmagamento da amêndoa e de produção de chocolate.
Na Região Amazônica no Pará há uma predominância de agricultura familiar, com
plantio em áreas de 8 a 10 hectares, que são geridas com razoável eficiência. A maior
parte delas está associada à cooperativas e aspiram, igualmente à Bahia, controlar a
comercialização e iniciar o estágio de agro industrialização. Há na Região também o
agente patronal convencional, principalmente em Rondônia, o patronal de escala média
para cima e o patronal com gestão diferenciada, de escala média, nos dois estados.
No Espírito Santo os agente produtivos que predominam são o patronal
convencional e o patronal de pequena e média escala que propende a ser mais inovador.
Há também agricultura familiar sem organização cooperativa ou solidária. Neste estado
não são visíveis os movimentos de maior integração na cadeia produtiva, nos estágios de
comercialização me transformação. O Quadro 1 tenta sistematizar por região a
distribuição dos tipos de agentes produtivos, encarregados da gestão dos
estabelecimentos.
Quadro 1 –Agentes Produtivos por Região Produtora
Região
Produtora
Patronal
Convencional/
Absenteísta
Patronal em
grande escala
e com gestão
diferenciada
Patronal
com gestão
diferenciada
e escala
média
Familiar
Associado
Familiar
Isolado
Bahia X X X X X
Espírito
Santo
X - X - X
Amazônia X* - X X X
* Aplica-se ao caso de Rondônia. Fonte: autores
3) PLANILHA COMPARATIVA DOS CUSTOS DE PRODUÇÃO, DO
RENDIMENTO FÍSICO E DOS IMPACTOS
Em relação ao processo produtivo, peculiaridades da produção, sistema de gestão,
rendimentos obtidos, custos envolvidos e capacidade de gerar impactos sociais e
ambientais, as diferenças são pronunciadas entre as regiões produtoras. No caso da
cobertura, sombreamento, tanto na Amazônia, Espírito Santo e algumas regiões da Bahia,
preceitua-se um sombreamento menos denso. Curiosamente esta recomendação foi feita
também para Bahia, segundo Mandarino e Gomes (2009), como uma intervenção que
poderia aumentar o rendimento físico.
Cabe destacar que com o cultivo de cacau em sistema cabruca valoriza-se a
resiliência do sistema, em alguns casos mais do que a produtividade. Isto acontece
principalmente em função dos impactos causados por déficits hídricos e pela presença de
solos com menor capacidade de armazenamento de água, como cambissolos,
chernossolos, gleissolos e luvissolos. Estes solos são típicos de relevo cristalino e estão
presentes na região das bacias dos rios Cachoeira e Almada, localizada na chamada região
cacaueira, incluindo Ilhéus e Itabuna (SANTANA et al., 2002). Por outro lado Mandarino
(1979) conclui que a cabruca quando conduzida por critérios agronômicos de manejo
semi intensivo, mantendo-se o mesmo número de árvores do sistema derruba total de 25
por ha, mantém as mesmas produtividades, crescimento vegetativo e um menor custo de
implantação da lavoura.
No que toca ao sistema de gestão, observa-se que a região Amazônica tem
vantagens, sendo seguida pela Bahia, comparativamente ao Espírito Santo. Esta
afirmação parte do suposto que a gestão familiar na cacauicultura, a julgar pelos exemplos
internacionais e ao que vem sendo obtido no Pará, é superior.
Quanto à produtividade média, é visível a vantagem do Pará, a qual e é atribuída
a um manejo mais adequado e ao fato da incidência da vassoura-de-bruxa ser menor em
razão da dispersão dos aglomerados produtivos, do regime de chuvas, com uma estação
seca definida, características que tornam suficiente que o controle da “vassoura de bruxa”
seja feito com poda. As vantagens da Amazônia, leia-se do Pará, podem vir a desaparecer
caso sejam seguidas as recomendações de Mandarino e Gomes (2009). O Espírito Santo,
entretanto tem a sua performance prejudicada em razão de muito tardiamente ter iniciado
o controle da “vassoura de bruxa”. Caso se faça a renovação com clones eficientes, em
decorrência da possibilidade de irrigação, é possível que o rendimento físico da
cacauicultura capixaba venha a superar aos das demais zonas produtoras.
No que se refere ao custo de produção também são inequívocas as vantagens por
parte da Região Amazônica, interprete-se o Pará. A diferença pode ser atribuída, mais
provavelmente, ao menor dispêndio com a calagem e fertilização, bem como aos menores
custos fixos e variáveis, comparativamente às outras regiões produtoras. O Espírito Santo
aparece com o custo maior em decorrência do uso da irrigação, que no processo de
restruturação em curso cuja principal inovação são os clones resistentes, pode vir a fazer
a diferença, obtendo rendimentos físicos superiores aos obtidos no Pará, com a vantagem
de sua área de produção estar localizada mais próxima do parque moageiro.
No concernente aos impactos sociais e ambientais, a Bahia e Espírito Santo
apresentam vantagens. No que tange ao primeiro impacto porque seus processos
produtivos geram maior ocupação. No que se refere ao segundo, é a Bahia que se destaca
com mais vantagem por ter seus cultivares de cacau em sistema agroflorestal com
cobertura mais densa, o que significa proteção da Mata Atlântica, ver Quadro 2, na
sequência do texto, com os características e atributos sendo comparados.
Segundo dados levantados pelo Instituto Cabruca, CEPLAC e Universidade
Estadual de Santa Cruz, o sistema Cacau Cabruca apresenta, em média, 93 árvores por
ha, enquanto na década de setenta do século passado, possuía, apenas 76 árvores (ALVIM
e PEREIRA, 1972). Do ponto de vista da biodiversidade o sistema consegue conservar
mais de 228 espécies vegetais nativas da mata atlântica e índice de Shanom de 3,63 em
média, como árvores sombreadoras do cacau e quando se trata de sequestro de C o mesmo
chega a manter cerca de 170 t de C/ha em média (MULLER; ZUGAIB e MELLO, 2012
e SAMBUICHI et al., 2012).
Quadro 2 - Elementos para comparação dos sistemas das zonas produtoras
Fonte: autores
O cultivo do cacaueiro, no sistema cabruca se assemelha bastante ao ambiente de
florestas secundárias da região, no que se refere à influência sobre o clima. Estudos
comparativos entre uma floresta secundária e o sistema Cacau Cabruca realizado por
Santos (2007), demonstraram que o sistema cabruca se assemelha ou supera uma floresta
secundária nas seguintes medições: a) capacidade de interceptação de água de chuva,
respectivamente, 12,2 e 12,6% da precipitação total; b) escoamento de água pelo tronco
é maior no cabruca, que na floresta secundária, respectivamente, 0,1 e 0,3% da
precipitação total; c) o cabruca apresenta a mesma eficiência da floresta secundária
quanto à capacidade de armazenamento provisório de água pluviométrica,
respectivamente, 98,5 e 98,9% e d) o sistema cabruca apresenta eficiência similar à
floresta secundária, quanto ao controle do escoamento superficial, 1,1 e 1,5%,
respectivamente. Ainda em relação ao ciclo hidrológico, em um estudo comparando
quatro sub-bacias hidrográficas com diferentes usos da terra na bacia do Rio Santana, a
sub-bacia do rio Santa Maria, composta de plantios de Cacau Cabruca associada a
remanescentes de floresta, demonstrou similaridades no comportamento da lâmina de
água dos rios, quando comparadas à bacia do ribeirão Baixa Alegre, que possui maior
cobertura florestal, enquanto que nas sub-bacias com atividades que exigem o corte raso
da vegetação, como no caso da pecuária e produção de cultivos cíclicos, os indicadores
revelaram maiores amplitudes no comportamento do nível da lâmina de água
(MARQUES, 2008).
Cabe ressaltar ainda o papel do sistema Cacau Cabruca para o fluxo gênico de
espécies da fauna relatados por Faria et al. (2007), quando ficou demonstrado que para
Região
Produtora
Tipo de
cobertura
Sistema de
gestão
Produtivi-
dade
média em
Kg /ha
Custo de
Produção em
US$ / t
Requerimen-
tos de mão de
obra, dh
/ha/ano etapa
manutenção
Impactos
ambientais
Amazônia rala Predomina
ntemente
familiar
850 1.800.00 35 Neutros a
medianamen-
te danosos
Bahia densa Misto 450 2,000.00 37 Altamente
benéficos:
conservação
avançada da
natureza e
nível do
estoque de C.
Espírito
Santo
rala Predomina
ntemente
patronal
350 2,200.00 42 Medianamen-
te benéficos
alguns grupos foi encontrada maior abundância de espécies no sistema Cacau Cabruca do
que na mata atlântica primária, como para morcegos e pássaros.
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dos elementos e argumentos apresentados acima, fica evidente que a
cacauicultura na Amazônia, segundo os sistemas produtivos implantados no Pará, reúne
mais vantagens comparativas que os sistemas das demais zonas produtoras, do restrito
ponto de vista microeconômico, abstraindo externalidades. Contudo, o trabalho de
Mandarino e Gomes (2009), relativamente recente, com rigor científico mostra que na
Bahia, com homogeneidade clonal, raleamento da cobertura arbórea, poda orientada e
utilização de procedimentos racionais no que se refere à adubação e controle de pragas e
doenças, no sistema cabruca, seria possível obter os rendimentos físicos mais elevados
que os alcançados no Pará.
Diante destes fato e considerando ser a cacauicultura da Bahia aquela que mais
adota preceitos de agroecologia se credenciando a ser sustentável, considera-se que a
mesma deve continuar recebendo fomento de órgãos públicos e ser objeto de novas
pesquisas abrangentes e sistêmicas com vistas a aumentar seu desempenho. Se alia-se ao
argumento o fato de haver uma crescente adesão à gestão familiar e uma busca por
internalizar na área de produção o estágio de beneficiamento e produção de chocolate
com base em um tecido industrial descentralizado e de média e pequena escala, o cenário
que se apresenta é de que na Bahia se venha a ter o sistema de produção de amêndoas de
cacau mais comprometido com a preservação ambiental, com marcas de rendimento
físico que garantam a viabilidade econômica e com uma orientação de inclusão social
com perspectivas de prosperidade para os agentes envolvidos.
Quanto à produção de cacau no Brasil para o abastecimento interno e geração de
excedentes exportáveis, o Pará pela sua maior organização e incentivos públicos, sugere
despontar com um cenário promissor, com uma meta de plantar 220.000 hectares até
2019. A Bahia, no entanto, apresenta atualmente médias de densidade arbórea muito altas
para os padrões até mesmo da década de 60, e uma área plantada de 565.000 ha, que se
manejada de forma racional poderá somente por adequação de sombreamento, vir a
atingir a produção de 250.000 t em poucos anos, comparativamente ao Pará cujo horizonte
para esta meta é 2019. A Bahia e o Espirito Santo têm realizados maiores esforços em
relação a processos de agregação de valor. Pela maior proximidade com as regiões
consumidoras de chocolate no Brasil e pela história e infraestrutura logística, poderão
tirar vantagens da agro industrialização e da integração com o turismo em suas várias
vertentes, além de tecnologicamente estarem melhor posicionadas. Esta análise sugere
que os critérios para políticas públicas de apoio à cacauicultura devam ser mais
complexos e fundamentados e que não estejam baseados exclusivamente em retornos
físicos e econômicos que não são sustentados no médio prazo e não são sustentáveis do
ponto de vista ambiental.
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