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CAPÍTULO 3

A PAISAGEM DA RPPN FAZENDA

LAGOA E SEU ENTORNO:

CONSIDERAÇÕES PARA A

CONSTRUÇÃO DE UM FUTURO

SUSTENTÁVEL

Roberto Leonan Morim Novaes1, Juliana Mara de Oliveira

2,

Rúbia Gomes Morato2, Fernando Shinji Kawacubo

2

& Flávio Augusto Pereira Mello3

1 Fundação Oswaldo Cruz, Campus Fiocruz da Mata Atlântica. 2 Universidade Federal de Alfenas, Departamento de Geografia.

3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia

Novaes, R.L.M., J.M. Oliveira, R.G. Morato, F.S. Kawacubo & F.A.P. Mello. 2014. A paisagem da RPPN Fazenda Lagoa e seu entorno: considerações para a construção de um futuro sustentável, pp. 43-62. In: RPPN Fazenda Lagoa: educação, pesquisa e conservação da natureza (R.S. Laurindo, R.L.M. Novaes & M.C. Weyland-Vieira, orgs.). Monte Belo: Instituto Sul Mineiro de Estudos e Conservação da Natureza. 178p.

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INTRODUÇÃO

O conceito de ‘paisagem’ é complexo e abrangente devido à possibilidade de

seu entendimento poder ser alterada conforme o objeto de atenção e interpretação.

Contudo, esse conceito é um elemento chave para a compreensão das

organizações e relações espaciais. Embora possamos ter como parâmetro a

definição clássica de Milton Santos (1988, p. 61):

[...] tudo aquilo que nós vemos é a paisagem. Esta pode

ser definida como o domínio do visível, aquilo que a

vista alcança. Não é apenas formada de volumes, mas

também de cores, movimentos, atores, sons, etc.

De fato, mesmo não contemplada academicamente, a noção de paisagem

possui concepção muito próxima da noção de meio ambiente (Dias & Santos

2007). A sociedade humana, em seu processo de desenvolvimento, ocupa e altera

espaços naturais para extrair energia, insumos, ou para moradia (Refosco 1996).

Esta apropriação e transformação da paisagem natural proporciona a base para a

manutenção do sistema econômico, gerando, em contrapartida, diferentes áreas

homogêneas que podem ser chamadas de “unidades da paisagem”. Unidades de

paisagem podem ser individualizadas pelo relevo, clima, cobertura vegetacional e

solos, que podem ser percebidos pela pessoa, já que ocupam um determinado

espaço e tempo (Amorim & Oliveira 2008). Essa definição foi reforçada por

Santos (2004), que interpreta a paisagem como um conjunto de unidades naturais,

alteradas ou substituídas pela ação do homem, compondo um intrincado,

heterogêneo e interativo mosaico. Desta forma, as mudanças do uso e ocupação do

ambiente ao longo do tempo e a amplitude e frequência de eventos podem manter

ou alterar o equilíbrio da paisagem que aceitamos como conveniente.

De fato, a observação da estrutura da paisagem, suas características (e.g.

tamanho, forma, arranjo, conexão) e as interações e processos ecológicos

decorrentes podem ter profundas repercussões sociais, econômicas e para a

conservação da biodiversidade e seus serviços ecológicos (Faria et al. 2007, Jesus

et al. 2012, Lira et al. 2012, Novaes et al. 2013). Deste modo, apesar da aparente

complexidade, na interpretação da paisagem basicamente são utilizados apenas

três unidades métricas (Bezerra 2010), conceituadas abaixo:

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a) Matriz: É o elemento mais evidente e conectado, possuindo

importância dominante no funcionamento e composição da paisagem, e

consequentemente maior interferência no funcionamento de outros

ecossistemas correlatos. No caso dos processos de fragmentação florestal,

a matriz da paisagem podem ser pastagens, plantações ou áreas urbanas.

b) Mancha: São fragmentos desconectados que estão inseridos na

matriz e diferem do seu entorno, variando em tamanho, forma, tipo de

heterogeneidade e limites. São considerados como os menores elementos

individuais observáveis na paisagem. A fragmentação florestal é um

processo formador de manchas, que nesse caso são ilhas de vegetação

natural totalmente circundada por uma matriz antrópica.

c) Corredor: São espaços lineares, naturais ou antrópicos, que diferem

da matriz de ambos os lados, conectando duas ou mais manchas na

paisagem fragmentada. A grande maioria das paisagens são, ao mesmo

tempo, divididas e unidas por corredores. A manutenção e a implantação

de corredores, com vegetação nativa, por exemplo, é uma das formas de

amenizar as perdas causadas pela fragmentação florestal com a finalidade

de favorecer o fluxo gênico entre as ilhas de vegetação natural, servindo

como refúgio para a fauna.

Para entender a dinâmica dos processos ecológicos utilizando estes três

elementos espaciais é necessário compreender os conceitos de ‘permeabilidade’ e

‘conectividade’ da paisagem. Sinteticamente, a permeabilidade de uma matriz, por

exemplo, diz respeito a capacidade que esta unidade da paisagem tem de facilitar

ou interromper os movimentos e transportes de agentes, como organismos e água

(Rouget et al. 2006). Por exemplo, quando se fala que uma matriz constituída de

pastagens é pouco permeável para espécies de aves de hábitos florestais, entende-

se que esta matriz é um fator limitante para a dispersão destas espécies, se

comportando como uma barreira física.

Por outro lado, para algumas espécies exóticas invasoras a pastagem não

representa um impedimento para seu deslocamento, sendo possível que essas

espécies possam impactar negativamente as populações nativas que estão

confinadas em fragmentos devido a vantagens na competição, ou predação (Mack

& D’Antonio 1998, Galetti et al. 2009, Sales et al. 2010). Deste modo, em alguns

casos os corredores são uma alternativa para conectar e otimizar o fluxo de

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indivíduos nativos confinados em fragmentos isolados em matrizes agropecuárias

(Seoane et al. 2010). A propriedade que facilita a ocorrência de fluxos biológicos

é definida como ‘conectividade’.

Sendo assim, começamos a perceber o conceito de paisagem não como “o que

nossa visão alcança” (Santos 1988) já que não estamos diante apenas de um

cenário, mas de “um conjunto de unidades naturais, alteradas ou substituídas pela

ação do homem, compondo um intrincado, heterogêneo e interativo mosaico”

(Santos 2004), onde uma sucessão de processos ecológicos, sociais e econômicos

ocorre simultaneamente, construindo e desconstruindo lugares e consequen-

temente a história e o futuro que programamos.

A fragmentação florestal está dentre as principais mudanças da paisagem

realizadas pelo homem, e vem sendo apontada como um dos maiores problemas

ambientais dos últimos séculos (Metzger 1999). A fragmentação florestal de causa

antrópica é um fenômeno que vem sendo progressivamente agravado em todo o

planeta, mas suas consequências têm sido mais notáveis nas regiões tropicais

(Bierregaard et al. 1992). Dentre as causas da fragmentação florestal no Brasil está

a retirada de madeira e a expansão da agropecuária, que na Floresta Atlântica

resultou na perda de cerca de 92% da cobertura florestal original (Ribeiro et al.

2009). Atualmente, a paisagem desse bioma encontra-se severamente

fragmentada, criando um cenário composto por pequenos e isolados fragmentos de

floresta em uma matriz formada por cultivos agrícolas, pastagens ou áreas

urbanas.

A principal consequência da fragmentação florestal é o isolamento de

pequenas porções de vegetação original, que no geral, são insuficientes para a

manutenção da população de espécies de animais de grande porte ou que

necessitem extensas áreas de vida (Chiarello 1999). Além disso, o confinamento

de populações que são incapazes de cruzar a matriz antrópica aumenta o

cruzamento entre parentes próximos (endogamia), reduzindo a variabilidade

genética, podendo acarretar em efeitos negativos para a população (Lacy 2000). A

fragmentação também gera perda de hábitat, afetando a riqueza, a abundância e a

distribuição das espécies (Bierregaard et al. 1992). Todavia, a conservação de

fragmentos florestais é de suma importância para a manutenção da biodiversidade

remanescente, e uma oportunidade para planos que visam a conservação da

natureza (Bierregaard et al. 1992, Novaes et al. 2009). Nesse sentido, torna-se de

extrema importância a criação de unidades de conservação para a proteção dos

remanescentes naturais, além de projetos de restauração ambiental com finalidade

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de aumentar o tamanho e a conectividades das áreas florestadas (Rylands &

Brandon 2005, Crouzeilles et al. 2013a).

Segundo Crouzeilles et al. (2013b), as Reservas Privadas do Patrimônio

Natural (RPPN) tem sido de fundamental importância para a conservação da

natureza, já que, por geralmente serem implantadas em áreas altamente

fragmentadas, contribuem para o aumento na conectividade da paisagem. As

RPPNs são unidades de conservação privadas criadas por iniciativa do proprietário

da área mediante ato de ordem governamental (IBAMA ou órgão estadual de meio

ambiente), e que tem como objetivo principal a conservação da diversidade

biológica, podendo também exercer outras atividades de proteção à natureza.

Com a finalidade de preservar as Áreas de Proteção Permanente (APP) da

Fazenda Lagoa, conforme previsto no Código Florestal brasileiro, em 2002 foi

criada uma Reserva Legal, a RPPN Fazenda Lagoa. O objetivo deste capítulo é

descrever a paisagem da Fazenda Lagoa e seu entorno, indicando sua importância

para a conservação da biodiversidade remanescente dessa região.

LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA

A Fazenda Lagoa está localizada no município de Monte Belo, no sul do

estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil (Figura 1) e é abrangida pela carta

topográfica de Monte Belo (IBGE, SF-23-VDI-3, 30/11/1999). O acesso a

Fazenda Lagoa é feito pela rodovia BR-491, no trecho entre os municípios de

Areado e Monte Belo. Possui clima tropical mesotérmico brando sub-úmido, com

três meses secos e temperaturas amenas que oscilam entre 10 e 28°C, o que se

deve, sobretudo, à altitude. A Fazenda Lagoa possui 1.271 hectares compostos por

plantios de cana-de-açúcar, café e eucalipto, além de pastagens, áreas de várzea e

remanescentes florestais.

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Figura 1: Localização da RPPN Fazenda Lagoa (círculo vermelho) no estado de

Minas Gerais, sudeste do Brasil, no contexto dos biomas Cerrado (amarelo) e Floresta Atlântica (verde). Em baixo, vista área da RPPN Fazenda Lagoa.

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Relevo, solos e hidrografia

O relevo do sul mineiro é suave, possuindo colinas e dolinas ao longo da

paisagem. A altitude da Fazenda Lagoa oscila de 700 a 1.200 metros acima do

nível do mar, com os processos erosivos atuando constantemente na forma do

relevo, propiciando solos heteromórficos e aluviais que correspondem a áreas de

baixadas e várzeas, atualmente ocupadas por uma paisagem composta por

canaviais, pastagens e pequenos remanescentes de floresta de várzea e vegetação

brejosa. Os latossolos correspondem às áreas de encostas ocupadas por cafezais,

canaviais e fragmentos de floresta semidecidual. Os solos podzóicos ocorrem

somente em algumas áreas, e na Fazenda Lagoa são encontrados apenas na Mata

da Olaria e na Mata da Lagoa.

O estoque hídrico é formado por cursos de água perenes, pequenos córregos e

açudes naturais, que em sua maioria possuem a Área de Preservação Permanente

(APPs) preservada de acordo com a legislação ambiental vigente. O mais

relevante é o Córrego da Lagoa, afluente do Rio Muzambo, da sub-bacia do Rio

Grande, na Bacia do Paraná.

Vegetação

A região sul de Minas Gerais apresenta dois biomas considerados hotspots de

biodiversidade, o Cerrado e a Floresta Atlântica (Myers et al. 2000), além disso,

essa região também é rica em fisionomias vegetacionais típicas de áreas de

transição desses dois biomas, também chamados de áreas de tensão ecológica

(IBGE 2012). Historicamente as áreas naturais florestadas do sul mineiro foram

severamente fragmentadas por conta da expansão da agricultura e pecuária nos

séculos XVIII e XIX (Drummond et al. 2009), e subsequentemente, os

remanescentes naturais foram severamente reduzidos devido a grande importância

econômica dessa região no ciclo do café, especialmente entre os séculos XVIII e

XX (Wirth 1982, Filetto & Alencar 2001), resultando em uma paisagem composta

por grandes áreas abertas com presença de fragmentos florestais isolados.

A vegetação dos remanescentes da Fazenda Lagoa está classificada como

floresta estacional semidecidual, pertencendo ao domínio da Floresta Atlântica,

embora apresente áreas de transição entre Floresta Atlântica e Cerrado (Veloso et

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al. 1991). As florestas semideciduais são caracterizadas por possuírem dupla

estacionalidade climática, com uma estação com chuvas intensas (verão) seguidas

por um período de estiagem (inverno). O grau de decidualidade, que é a perda das

folhas, é dependente da intensidade e da duração das temperaturas mínimas e

máximas, e a porcentagem das árvores caducifólias no conjunto florestal está entre

20 e 50% (IBGE 2012).

Os fragmentos florestais contidos na Fazenda Lagoa são predominantemente

compostos por vegetação secundária, resultante de um projeto de restauração

ambiental iniciado a cerca de 40 anos. Dos 1.271 ha que compõe a Fazenda

Lagoa, 291 ha estão protegidos pela Reserva Privada de Patrimônio Natural

(RPPN) Fazenda Lagoa, criada em 2002, e que é composta por quatro fragmentos

florestais e dois corredores de fauna (Tabela 1, Figura 2).

Tabela 1: Fragmentos florestais que compõe a RPPN Fazenda Lagoa, incluindo tamanho das áreas e coordenadas geográficas.

FRAGMENTOS ÁREA (ha) LATITUDE LONGITUDE ALTITUDE (m)

Mata do Mundo Novo 132 21°23’15.04’’S 46°14’30.51’’O 1.020

Mata da Lagoa 124 21°23’04.28’’S 46°14’15.45’’O 900

Mata do Açude 26 21°22’23.26’’S 46°14’22.48’’O 860

Mata da Olaria 11 21°24’20.55’’S 46°15’55.51’’O 860

Corredor de fauna 1 5 21°24’34.86’’S 46°16’04.85’’O 860

Corredor de fauna 2 3 21°24’34.24’’S 46°16’12.54’’O 880

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Figura 2: Fragmentos florestais que compõe a RPPN Fazenda Lagoa (em

amarelo) em meio as matrizes composta por cana-de-açúcar e pastagem, e os

corredores ecológicos que ligam alguns desses fragmentos (em azul). Legenda: (1)

Mata do Açude, (2) Mata da Olaria, (3) Mata da Lagoa, (4) Mata do Mundo Novo,

onde a linha pontilhada traça o limite que pertence a RPPN Fazenda Lagoa (superior).

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USO DO SOLO NA FAZENDA LAGOA

O mapeamento mais recente da região foi realizado em 2010, decorrente da

atualização de mapas de uso do solo da Fazenda Lagoa e identificou quatro

principais classes, sendo a pastagem, os remanescentes florestais, os canaviais e os

cafezais os de maiores ocorrências (Tabela 2). A Fazenda Lagoa possui outros

usos do solo, como plantios de eucalipto, milho e construções humanas. Porém,

essas classes são pouco significativas, já que ocupam pouquíssima área, e

portanto, não foram consideradas. Abaixo, sumarizamos e caracterizamos as

principais classes de uso de solo.

Tabela 2: Classes do uso da terra na Fazenda Lagoa, incluindo tamanho e

porcentagem das áreas e número de manchas.

CLASSE ÁREA (ha) ÁREA (%) MANCHAS (N)

Pastagem 300 23,6 11

Remanescente florestal (RPPN) 291 22,8 5

Remanescente florestal (APP) 259 20,3 6

Plantação de cana-de-açúcar 255 20,0 7

Plantação de café 160 12,5 2

Total 1.271 100 31

1. Pastagem

Principal matriz na paisagem da Fazenda Lagoa, presente em áreas planas de

menores altitudes e de deposição de sedimentos. As pastagens são campos abertos

antrópicos dominados por gramíneas que servem de alimento para o gado e outros

animais herbívoros. Atualmente, as pastagens vêm perdendo espaço para os

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canaviais, que é principal cultura de interesse comercial da Alfenas Agrícola

Ltda., empresa que administra a Fazenda Lagoa. Além disso. Ainda que de

maneira diminuta, pequenas porções de pastagem também estão sendo convertidas

naturalmente em florestas em processo inicial de regeneração (capoeiras).

2. Fragmentos florestais remanescentes

Um fragmento florestal é definido como uma área de vegetação natural

interrompida por barreiras, antrópicas ou naturais, capazes de diminuir

significativamente o fluxo de animais, pólen ou sementes (Viana 1990). Metzger

(2001) refere que fragmento é uma mancha, originada por fragmentação (feita

pelo homem) de uma unidade que inicialmente era contínua. A área ocupada pelos

fragmentos florestais na Fazenda Lagoa apresenta um total de 550 ha (43,1% da

Fazenda Lagoa) espalhados em 11 manchas cercadas por uma matriz de pastagens

e canaviais. Contudo, destes fragmentos, apenas 291 ha fazem parte da RPPN

Fazenda Lagoa. A maior parte desses fragmentos sofre impacto negativo com o

processo de queimada da cana-de-açúcar. Contudo, as consequências sobre a

fauna e flora não são claramente conhecidos, e somente um estudo específico

poderá gerar informações confiáveis desse impacto sobre a biodiversidade. Dentre

os mais importantes fragmentos da Fazenda Lagoa se destacam:

i. Mata do Mundo Novo: É o maior fragmento, com 250 ha, porém,

apenas 132 ha pertencem a RPPN Fazenda Lagoa, sendo um dos

fragmentos menos estudados. Após projetos de recuperação da

vegetação, atualmente esse fragmento possui ligação com a Mata da

Lagoa, mas mantém-se isolado de outros. Possui forma ameboide e

está localizado no topo de uma elevação, possuindo, entretanto, um

vale no centro deste fragmento, onde passa um pequeno córrego

perene. Avaliações preliminares constataram que sua vegetação

apresenta características de floresta madura, como o dossel florestal

alcançando até 16 m de altura e uma elevada abundância de bromélias

epífitas. Está circundado por uma matriz composta majoritariamente

de pastagem com pequenos trechos de cana-de-açúcar.

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ii. Mata da Lagoa: Fragmento bem estudado em relação a sua flora e

fauna, pertencendo a RPPN Fazenda Lagoa. Possui uma vegetação

típica de floresta secundária tardia, com dossel florestal alcançando os

12 m. Está localizado no topo de um morro, sendo cortado pelo

córrego da Lagoa. Possui uma forma alongada e mantém-se

conectado com outros fragmentos. Entre a Mata da Lagoa e a Mata da

Olaria existem os corredores de fauna I e II, duas prolongações com

vegetação nativa em estágio inicial de sucessão ecológica que servem

como alternativa para conectar a paisagem fragmentada; e entre a

Mata da Lagoa e a Mata do Mundo Novo existe um corredor

composto por vegetação secundária nativa em avançado estágio de

sucessão. Está envolto por uma matriz composta de pastagens e

canaviais nas partes mais baixas e planas, e cafezais nas cotas mais

altas e inclinadas.

iii. Mata da Olaria: Dada a sua localização, esse fragmento está

bastante exposto aos efeitos das queimadas para limpeza das lavouras

de cana-de-açúcar. Contudo, são necessários mais estudos para

compreender os reais impactos dessa atividade agrícola sobre a

população de animais e plantas nesse fragmento. É o fragmento mais

estudado da RPPN, especialmente em relação à fauna. Possui forma

alongada e estreita, estando conectado apenas com a Mata da Lagoa

pelos corredores de fauna I e II, não apresentando cursos de água em

seu interior. Está totalmente contido em uma área plana e circundado

majoritariamente por canaviais, com pequenos trechos de pastagem.

iv. Mata do Açude: Fragmento menos estudado da RPPN Fazenda

Lagoa, possuindo apenas 26 ha em formato semicircular. Contudo,

este fragmento está ligado por um largo corredor florestal a outro

fragmento com aproximadamente 200 ha, que não pertence a RPPN.

É o fragmento mais próximo da Usina Monte Alegre, é

completamente plano e é circundado por canaviais.

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3. Cana-de-açúcar

Essa cultura tem expandido suas fronteiras, substituindo às áreas que antes

eram ocupadas por pastagens, café e demais culturas. Isso pode ser explicado pelo

aumento da demanda pelo etanol, biocombustível que é visto como a solução dos

problemas energéticos e ao mesmo tempo uma decisão estratégica de conversão

de pastagens de viabilidade econômica menos eficiente para lavouras de maior

retorno econômico (MME 2007). Segundo o Instituto de Estudos do Comércio e

Negociações Internacionais (ICONE), na região sudeste do Brasil, o pasto foi o

grande doador de terras para a expansão da cana-de-açúcar. Essa tendência foi

observada por Oliveira (2010), que mostra a rápida expansão da cana-de-açúcar

nos municípios em torno da Fazenda Lagoa, indicando que os canaviais ocupavam

2.980 ha no ano de 2002, saltando para 6.780 ha em 2010, dobrando a área

cultivada que se expandiu principalmente sobre terrenos antes ocupados por

pastagem. Como nota, observa-se que os canaviais representam a maior parte da

paisagem do entorno da RPPN Fazenda Lagoa e estando bem próximo aos

fragmentos florestais.

4. Café

As lavouras de café estão dispostas nas áreas mais elevadas, entre 500 e 1.000

m de altitude, ocupado uma área total de apenas 160 ha. Os cafezais estão

localizados no entorno da Mata da Lagoa, e não representam uma preocupação

para a conservação da biodiversidade da região.

CONSIDERAÇÕES PARA A CONSERVAÇÃO

A Floresta Atlântica do sul de Minas Gerais, região onde a RPPN Fazenda

Lagoa está localizada, se encontra severamente fragmentada, podendo implicar em

reflexos negativos consideráveis sobre a biodiversidade e a economia local.

Contudo, isso é pouco percebido pela população local, já que os fragmentos

florestais representam uma pequena parcela na paisagem dominada pela

agricultura e pecuária.

Novaes et al. | 57

Para o produtor rural a retirada da vegetação original gera efetivamente maior

área para pastagem e lavouras, aumentando o preço por hectare desmatado e

valorizando sua propriedade. Contudo, essa exploração excessiva o torna mais

dependente de recursos externos para manter a produtividade devido à perda da

qualidade ambiental e todos os serviços prestados pela preservação da natureza,

dentre eles, a disponibilidade de água, onde a alteração dos ciclos hidrológicos

exerce notável efeito nas práticas agrícolas.

A retirada da vegetação original também promove a perda de hábitats, que

pode acarretar na diminuição na densidade populacional (ou mesmo a extinção) de

espécies polinizadoras, resultando em impacto negativo para a agricultura (Kevan

& Imperatriz-Fonseca 2006). É importante destacar que algumas culturas, como o

café, a soja e o maracujá, dependem de 40% a 100% dos polinizadores que se

abrigam nesses locais (ABC & SBPC 2011).

Diversos animais, como os morcegos, são extremamente eficientes no controle

de pragas agrícolas causadas por insetos herbívoros (Kalka et al. 2008), e sua

abundância está associada ao tamanho e ao nível de conservação dos

remanescentes florestais no entorno das plantações (Estrada & Coates-Estrada

2002). Além do inestimável serviço ecossistêmico, Cleveland et al. (2008) indica

que os morcegos insetívoros contribuem para a economia nos Estados Unidos, já

que o governo deixa de gastar mais de 6 milhões de dólares em pesticidas

anualmente, graças ao controle de pragas agrícolas promovido por esses animais.

Informações como essa são ausentes para o Brasil, mas considerando que nosso

país possui uma das maiores riquezas de morcegos do planeta, com alta

abundância (Timm 1994, Paglia et al. 2012), é plenamente aceitável que estes

animais exerçam uma importante função do controle de pragas agrícolas

brasileiras.

A conservação de remanescentes florestais também é de conspícua importância

para a manutenção do equilíbrio climático local, contribuindo para a regulação no

regime de chuvas e da variação de temperatura e umidade. Adicionalmente, é

importante ressaltar que a conservação da natureza representa uma oportunidade

de gerar fontes de renda alternativas (ou complementares) através da geração de

serviços e produtos na área do ecoturismo, sobretudo em regiões próximas de

grandes centros urbanos (Rudzewicz & Lanzer 2008).

Os fragmentos florestais da RPPN Fazenda Lagoa estão localizados nas áreas

de maior altitude, sobretudo no topo de pequenas elevações da paisagem. De fato,

a ocupação agropecuária em áreas naturais normalmente ocorre em áreas planas e

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tende a ser mais lenta na sua expansão para as regiões de maior altitude e relevo

menos favorável às suas atividades. Esta característica faz com que a preservação

de remanescentes florestais seja maior nestas áreas, o que as tornam também

estrategicamente importantes para a preservação do estoque hídrico para consumo

humano. Contudo, mesmo os cursos d’água localizados nas áreas mais altas

podem apresentar problemas relacionados aos distúrbios ocorridos nas áreas

situadas rio abaixo por interferências na conectividade hidrológica, principalmente

nos aspectos que se relacionam com a biodiversidade. Isso normalmente está

relacionado ao fato da conservação das reservas legais e áreas de proteção

permanente, de modo geral protegem apenas as cabeceiras dos rios e áreas

adjacentes, deixando as baixadas, para onde a água escoa, fora dos limites

protegidos.

Os fragmentos da Fazenda Lagoa e seu entorno ainda propiciam paisagens e

lugares de rara beleza, cuja importância se dá tanto pela preservação de habitats e

estoque hídrico, quanto para a conservação de espécies, algumas endêmicas e

ameaçadas de extinção. Contudo, para que planos para a conservação dos

remanescentes florestais e sua biodiversidade sejam mais efetivos, é necessário

que a algumas medidas sejam adotadas de forma eminente:

a) Seja criado um projeto de natureza prática que visem a criação de

corredores ecológicos de vegetação nativa que conecte os fragmentos

florestais pertencentes a RPPN Fazenda Lagoa.

b) Sejam feitas ações para a restauração da vegetação original, com duas

finalidades distintas: (1) enriquecer a vegetação que já existe com

espécies nativas que tenham desaparecido após o processo de exploração

e árvores emergentes, que tendem a ser raras na maior parte dos

remanescentes florestais; (2) aumentar a área efetiva dos remanescentes

florestais, que poderiam ocupar pastagens ou outros terrenos que tenham

pouca funcionalidade no uso econômico do solo.

c) Seja estimulada a criação de projetos de pesquisa que visem compreender

a importância da fauna nativa nos serviços ecossistêmicos e agrícolas.

Novaes et al. | 59

REFERÊNCIAS

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