a paisagem da rppn fazenda lagoa e seu entorno: considerações para a construção de um futuro...
TRANSCRIPT
0 | RPPN Fazenda Lagoa
CAPÍTULO 3
A PAISAGEM DA RPPN FAZENDA
LAGOA E SEU ENTORNO:
CONSIDERAÇÕES PARA A
CONSTRUÇÃO DE UM FUTURO
SUSTENTÁVEL
Roberto Leonan Morim Novaes1, Juliana Mara de Oliveira
2,
Rúbia Gomes Morato2, Fernando Shinji Kawacubo
2
& Flávio Augusto Pereira Mello3
1 Fundação Oswaldo Cruz, Campus Fiocruz da Mata Atlântica. 2 Universidade Federal de Alfenas, Departamento de Geografia.
3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia
Novaes, R.L.M., J.M. Oliveira, R.G. Morato, F.S. Kawacubo & F.A.P. Mello. 2014. A paisagem da RPPN Fazenda Lagoa e seu entorno: considerações para a construção de um futuro sustentável, pp. 43-62. In: RPPN Fazenda Lagoa: educação, pesquisa e conservação da natureza (R.S. Laurindo, R.L.M. Novaes & M.C. Weyland-Vieira, orgs.). Monte Belo: Instituto Sul Mineiro de Estudos e Conservação da Natureza. 178p.
Novaes et al. | 45
INTRODUÇÃO
O conceito de ‘paisagem’ é complexo e abrangente devido à possibilidade de
seu entendimento poder ser alterada conforme o objeto de atenção e interpretação.
Contudo, esse conceito é um elemento chave para a compreensão das
organizações e relações espaciais. Embora possamos ter como parâmetro a
definição clássica de Milton Santos (1988, p. 61):
[...] tudo aquilo que nós vemos é a paisagem. Esta pode
ser definida como o domínio do visível, aquilo que a
vista alcança. Não é apenas formada de volumes, mas
também de cores, movimentos, atores, sons, etc.
De fato, mesmo não contemplada academicamente, a noção de paisagem
possui concepção muito próxima da noção de meio ambiente (Dias & Santos
2007). A sociedade humana, em seu processo de desenvolvimento, ocupa e altera
espaços naturais para extrair energia, insumos, ou para moradia (Refosco 1996).
Esta apropriação e transformação da paisagem natural proporciona a base para a
manutenção do sistema econômico, gerando, em contrapartida, diferentes áreas
homogêneas que podem ser chamadas de “unidades da paisagem”. Unidades de
paisagem podem ser individualizadas pelo relevo, clima, cobertura vegetacional e
solos, que podem ser percebidos pela pessoa, já que ocupam um determinado
espaço e tempo (Amorim & Oliveira 2008). Essa definição foi reforçada por
Santos (2004), que interpreta a paisagem como um conjunto de unidades naturais,
alteradas ou substituídas pela ação do homem, compondo um intrincado,
heterogêneo e interativo mosaico. Desta forma, as mudanças do uso e ocupação do
ambiente ao longo do tempo e a amplitude e frequência de eventos podem manter
ou alterar o equilíbrio da paisagem que aceitamos como conveniente.
De fato, a observação da estrutura da paisagem, suas características (e.g.
tamanho, forma, arranjo, conexão) e as interações e processos ecológicos
decorrentes podem ter profundas repercussões sociais, econômicas e para a
conservação da biodiversidade e seus serviços ecológicos (Faria et al. 2007, Jesus
et al. 2012, Lira et al. 2012, Novaes et al. 2013). Deste modo, apesar da aparente
complexidade, na interpretação da paisagem basicamente são utilizados apenas
três unidades métricas (Bezerra 2010), conceituadas abaixo:
46 | RPPN Fazenda Lagoa
a) Matriz: É o elemento mais evidente e conectado, possuindo
importância dominante no funcionamento e composição da paisagem, e
consequentemente maior interferência no funcionamento de outros
ecossistemas correlatos. No caso dos processos de fragmentação florestal,
a matriz da paisagem podem ser pastagens, plantações ou áreas urbanas.
b) Mancha: São fragmentos desconectados que estão inseridos na
matriz e diferem do seu entorno, variando em tamanho, forma, tipo de
heterogeneidade e limites. São considerados como os menores elementos
individuais observáveis na paisagem. A fragmentação florestal é um
processo formador de manchas, que nesse caso são ilhas de vegetação
natural totalmente circundada por uma matriz antrópica.
c) Corredor: São espaços lineares, naturais ou antrópicos, que diferem
da matriz de ambos os lados, conectando duas ou mais manchas na
paisagem fragmentada. A grande maioria das paisagens são, ao mesmo
tempo, divididas e unidas por corredores. A manutenção e a implantação
de corredores, com vegetação nativa, por exemplo, é uma das formas de
amenizar as perdas causadas pela fragmentação florestal com a finalidade
de favorecer o fluxo gênico entre as ilhas de vegetação natural, servindo
como refúgio para a fauna.
Para entender a dinâmica dos processos ecológicos utilizando estes três
elementos espaciais é necessário compreender os conceitos de ‘permeabilidade’ e
‘conectividade’ da paisagem. Sinteticamente, a permeabilidade de uma matriz, por
exemplo, diz respeito a capacidade que esta unidade da paisagem tem de facilitar
ou interromper os movimentos e transportes de agentes, como organismos e água
(Rouget et al. 2006). Por exemplo, quando se fala que uma matriz constituída de
pastagens é pouco permeável para espécies de aves de hábitos florestais, entende-
se que esta matriz é um fator limitante para a dispersão destas espécies, se
comportando como uma barreira física.
Por outro lado, para algumas espécies exóticas invasoras a pastagem não
representa um impedimento para seu deslocamento, sendo possível que essas
espécies possam impactar negativamente as populações nativas que estão
confinadas em fragmentos devido a vantagens na competição, ou predação (Mack
& D’Antonio 1998, Galetti et al. 2009, Sales et al. 2010). Deste modo, em alguns
casos os corredores são uma alternativa para conectar e otimizar o fluxo de
Novaes et al. | 47
indivíduos nativos confinados em fragmentos isolados em matrizes agropecuárias
(Seoane et al. 2010). A propriedade que facilita a ocorrência de fluxos biológicos
é definida como ‘conectividade’.
Sendo assim, começamos a perceber o conceito de paisagem não como “o que
nossa visão alcança” (Santos 1988) já que não estamos diante apenas de um
cenário, mas de “um conjunto de unidades naturais, alteradas ou substituídas pela
ação do homem, compondo um intrincado, heterogêneo e interativo mosaico”
(Santos 2004), onde uma sucessão de processos ecológicos, sociais e econômicos
ocorre simultaneamente, construindo e desconstruindo lugares e consequen-
temente a história e o futuro que programamos.
A fragmentação florestal está dentre as principais mudanças da paisagem
realizadas pelo homem, e vem sendo apontada como um dos maiores problemas
ambientais dos últimos séculos (Metzger 1999). A fragmentação florestal de causa
antrópica é um fenômeno que vem sendo progressivamente agravado em todo o
planeta, mas suas consequências têm sido mais notáveis nas regiões tropicais
(Bierregaard et al. 1992). Dentre as causas da fragmentação florestal no Brasil está
a retirada de madeira e a expansão da agropecuária, que na Floresta Atlântica
resultou na perda de cerca de 92% da cobertura florestal original (Ribeiro et al.
2009). Atualmente, a paisagem desse bioma encontra-se severamente
fragmentada, criando um cenário composto por pequenos e isolados fragmentos de
floresta em uma matriz formada por cultivos agrícolas, pastagens ou áreas
urbanas.
A principal consequência da fragmentação florestal é o isolamento de
pequenas porções de vegetação original, que no geral, são insuficientes para a
manutenção da população de espécies de animais de grande porte ou que
necessitem extensas áreas de vida (Chiarello 1999). Além disso, o confinamento
de populações que são incapazes de cruzar a matriz antrópica aumenta o
cruzamento entre parentes próximos (endogamia), reduzindo a variabilidade
genética, podendo acarretar em efeitos negativos para a população (Lacy 2000). A
fragmentação também gera perda de hábitat, afetando a riqueza, a abundância e a
distribuição das espécies (Bierregaard et al. 1992). Todavia, a conservação de
fragmentos florestais é de suma importância para a manutenção da biodiversidade
remanescente, e uma oportunidade para planos que visam a conservação da
natureza (Bierregaard et al. 1992, Novaes et al. 2009). Nesse sentido, torna-se de
extrema importância a criação de unidades de conservação para a proteção dos
remanescentes naturais, além de projetos de restauração ambiental com finalidade
48 | RPPN Fazenda Lagoa
de aumentar o tamanho e a conectividades das áreas florestadas (Rylands &
Brandon 2005, Crouzeilles et al. 2013a).
Segundo Crouzeilles et al. (2013b), as Reservas Privadas do Patrimônio
Natural (RPPN) tem sido de fundamental importância para a conservação da
natureza, já que, por geralmente serem implantadas em áreas altamente
fragmentadas, contribuem para o aumento na conectividade da paisagem. As
RPPNs são unidades de conservação privadas criadas por iniciativa do proprietário
da área mediante ato de ordem governamental (IBAMA ou órgão estadual de meio
ambiente), e que tem como objetivo principal a conservação da diversidade
biológica, podendo também exercer outras atividades de proteção à natureza.
Com a finalidade de preservar as Áreas de Proteção Permanente (APP) da
Fazenda Lagoa, conforme previsto no Código Florestal brasileiro, em 2002 foi
criada uma Reserva Legal, a RPPN Fazenda Lagoa. O objetivo deste capítulo é
descrever a paisagem da Fazenda Lagoa e seu entorno, indicando sua importância
para a conservação da biodiversidade remanescente dessa região.
LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA
A Fazenda Lagoa está localizada no município de Monte Belo, no sul do
estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil (Figura 1) e é abrangida pela carta
topográfica de Monte Belo (IBGE, SF-23-VDI-3, 30/11/1999). O acesso a
Fazenda Lagoa é feito pela rodovia BR-491, no trecho entre os municípios de
Areado e Monte Belo. Possui clima tropical mesotérmico brando sub-úmido, com
três meses secos e temperaturas amenas que oscilam entre 10 e 28°C, o que se
deve, sobretudo, à altitude. A Fazenda Lagoa possui 1.271 hectares compostos por
plantios de cana-de-açúcar, café e eucalipto, além de pastagens, áreas de várzea e
remanescentes florestais.
Novaes et al. | 49
Figura 1: Localização da RPPN Fazenda Lagoa (círculo vermelho) no estado de
Minas Gerais, sudeste do Brasil, no contexto dos biomas Cerrado (amarelo) e Floresta Atlântica (verde). Em baixo, vista área da RPPN Fazenda Lagoa.
50 | RPPN Fazenda Lagoa
Relevo, solos e hidrografia
O relevo do sul mineiro é suave, possuindo colinas e dolinas ao longo da
paisagem. A altitude da Fazenda Lagoa oscila de 700 a 1.200 metros acima do
nível do mar, com os processos erosivos atuando constantemente na forma do
relevo, propiciando solos heteromórficos e aluviais que correspondem a áreas de
baixadas e várzeas, atualmente ocupadas por uma paisagem composta por
canaviais, pastagens e pequenos remanescentes de floresta de várzea e vegetação
brejosa. Os latossolos correspondem às áreas de encostas ocupadas por cafezais,
canaviais e fragmentos de floresta semidecidual. Os solos podzóicos ocorrem
somente em algumas áreas, e na Fazenda Lagoa são encontrados apenas na Mata
da Olaria e na Mata da Lagoa.
O estoque hídrico é formado por cursos de água perenes, pequenos córregos e
açudes naturais, que em sua maioria possuem a Área de Preservação Permanente
(APPs) preservada de acordo com a legislação ambiental vigente. O mais
relevante é o Córrego da Lagoa, afluente do Rio Muzambo, da sub-bacia do Rio
Grande, na Bacia do Paraná.
Vegetação
A região sul de Minas Gerais apresenta dois biomas considerados hotspots de
biodiversidade, o Cerrado e a Floresta Atlântica (Myers et al. 2000), além disso,
essa região também é rica em fisionomias vegetacionais típicas de áreas de
transição desses dois biomas, também chamados de áreas de tensão ecológica
(IBGE 2012). Historicamente as áreas naturais florestadas do sul mineiro foram
severamente fragmentadas por conta da expansão da agricultura e pecuária nos
séculos XVIII e XIX (Drummond et al. 2009), e subsequentemente, os
remanescentes naturais foram severamente reduzidos devido a grande importância
econômica dessa região no ciclo do café, especialmente entre os séculos XVIII e
XX (Wirth 1982, Filetto & Alencar 2001), resultando em uma paisagem composta
por grandes áreas abertas com presença de fragmentos florestais isolados.
A vegetação dos remanescentes da Fazenda Lagoa está classificada como
floresta estacional semidecidual, pertencendo ao domínio da Floresta Atlântica,
embora apresente áreas de transição entre Floresta Atlântica e Cerrado (Veloso et
Novaes et al. | 51
al. 1991). As florestas semideciduais são caracterizadas por possuírem dupla
estacionalidade climática, com uma estação com chuvas intensas (verão) seguidas
por um período de estiagem (inverno). O grau de decidualidade, que é a perda das
folhas, é dependente da intensidade e da duração das temperaturas mínimas e
máximas, e a porcentagem das árvores caducifólias no conjunto florestal está entre
20 e 50% (IBGE 2012).
Os fragmentos florestais contidos na Fazenda Lagoa são predominantemente
compostos por vegetação secundária, resultante de um projeto de restauração
ambiental iniciado a cerca de 40 anos. Dos 1.271 ha que compõe a Fazenda
Lagoa, 291 ha estão protegidos pela Reserva Privada de Patrimônio Natural
(RPPN) Fazenda Lagoa, criada em 2002, e que é composta por quatro fragmentos
florestais e dois corredores de fauna (Tabela 1, Figura 2).
Tabela 1: Fragmentos florestais que compõe a RPPN Fazenda Lagoa, incluindo tamanho das áreas e coordenadas geográficas.
FRAGMENTOS ÁREA (ha) LATITUDE LONGITUDE ALTITUDE (m)
Mata do Mundo Novo 132 21°23’15.04’’S 46°14’30.51’’O 1.020
Mata da Lagoa 124 21°23’04.28’’S 46°14’15.45’’O 900
Mata do Açude 26 21°22’23.26’’S 46°14’22.48’’O 860
Mata da Olaria 11 21°24’20.55’’S 46°15’55.51’’O 860
Corredor de fauna 1 5 21°24’34.86’’S 46°16’04.85’’O 860
Corredor de fauna 2 3 21°24’34.24’’S 46°16’12.54’’O 880
52 | RPPN Fazenda Lagoa
Figura 2: Fragmentos florestais que compõe a RPPN Fazenda Lagoa (em
amarelo) em meio as matrizes composta por cana-de-açúcar e pastagem, e os
corredores ecológicos que ligam alguns desses fragmentos (em azul). Legenda: (1)
Mata do Açude, (2) Mata da Olaria, (3) Mata da Lagoa, (4) Mata do Mundo Novo,
onde a linha pontilhada traça o limite que pertence a RPPN Fazenda Lagoa (superior).
Novaes et al. | 53
USO DO SOLO NA FAZENDA LAGOA
O mapeamento mais recente da região foi realizado em 2010, decorrente da
atualização de mapas de uso do solo da Fazenda Lagoa e identificou quatro
principais classes, sendo a pastagem, os remanescentes florestais, os canaviais e os
cafezais os de maiores ocorrências (Tabela 2). A Fazenda Lagoa possui outros
usos do solo, como plantios de eucalipto, milho e construções humanas. Porém,
essas classes são pouco significativas, já que ocupam pouquíssima área, e
portanto, não foram consideradas. Abaixo, sumarizamos e caracterizamos as
principais classes de uso de solo.
Tabela 2: Classes do uso da terra na Fazenda Lagoa, incluindo tamanho e
porcentagem das áreas e número de manchas.
CLASSE ÁREA (ha) ÁREA (%) MANCHAS (N)
Pastagem 300 23,6 11
Remanescente florestal (RPPN) 291 22,8 5
Remanescente florestal (APP) 259 20,3 6
Plantação de cana-de-açúcar 255 20,0 7
Plantação de café 160 12,5 2
Total 1.271 100 31
1. Pastagem
Principal matriz na paisagem da Fazenda Lagoa, presente em áreas planas de
menores altitudes e de deposição de sedimentos. As pastagens são campos abertos
antrópicos dominados por gramíneas que servem de alimento para o gado e outros
animais herbívoros. Atualmente, as pastagens vêm perdendo espaço para os
54 | RPPN Fazenda Lagoa
canaviais, que é principal cultura de interesse comercial da Alfenas Agrícola
Ltda., empresa que administra a Fazenda Lagoa. Além disso. Ainda que de
maneira diminuta, pequenas porções de pastagem também estão sendo convertidas
naturalmente em florestas em processo inicial de regeneração (capoeiras).
2. Fragmentos florestais remanescentes
Um fragmento florestal é definido como uma área de vegetação natural
interrompida por barreiras, antrópicas ou naturais, capazes de diminuir
significativamente o fluxo de animais, pólen ou sementes (Viana 1990). Metzger
(2001) refere que fragmento é uma mancha, originada por fragmentação (feita
pelo homem) de uma unidade que inicialmente era contínua. A área ocupada pelos
fragmentos florestais na Fazenda Lagoa apresenta um total de 550 ha (43,1% da
Fazenda Lagoa) espalhados em 11 manchas cercadas por uma matriz de pastagens
e canaviais. Contudo, destes fragmentos, apenas 291 ha fazem parte da RPPN
Fazenda Lagoa. A maior parte desses fragmentos sofre impacto negativo com o
processo de queimada da cana-de-açúcar. Contudo, as consequências sobre a
fauna e flora não são claramente conhecidos, e somente um estudo específico
poderá gerar informações confiáveis desse impacto sobre a biodiversidade. Dentre
os mais importantes fragmentos da Fazenda Lagoa se destacam:
i. Mata do Mundo Novo: É o maior fragmento, com 250 ha, porém,
apenas 132 ha pertencem a RPPN Fazenda Lagoa, sendo um dos
fragmentos menos estudados. Após projetos de recuperação da
vegetação, atualmente esse fragmento possui ligação com a Mata da
Lagoa, mas mantém-se isolado de outros. Possui forma ameboide e
está localizado no topo de uma elevação, possuindo, entretanto, um
vale no centro deste fragmento, onde passa um pequeno córrego
perene. Avaliações preliminares constataram que sua vegetação
apresenta características de floresta madura, como o dossel florestal
alcançando até 16 m de altura e uma elevada abundância de bromélias
epífitas. Está circundado por uma matriz composta majoritariamente
de pastagem com pequenos trechos de cana-de-açúcar.
Novaes et al. | 55
ii. Mata da Lagoa: Fragmento bem estudado em relação a sua flora e
fauna, pertencendo a RPPN Fazenda Lagoa. Possui uma vegetação
típica de floresta secundária tardia, com dossel florestal alcançando os
12 m. Está localizado no topo de um morro, sendo cortado pelo
córrego da Lagoa. Possui uma forma alongada e mantém-se
conectado com outros fragmentos. Entre a Mata da Lagoa e a Mata da
Olaria existem os corredores de fauna I e II, duas prolongações com
vegetação nativa em estágio inicial de sucessão ecológica que servem
como alternativa para conectar a paisagem fragmentada; e entre a
Mata da Lagoa e a Mata do Mundo Novo existe um corredor
composto por vegetação secundária nativa em avançado estágio de
sucessão. Está envolto por uma matriz composta de pastagens e
canaviais nas partes mais baixas e planas, e cafezais nas cotas mais
altas e inclinadas.
iii. Mata da Olaria: Dada a sua localização, esse fragmento está
bastante exposto aos efeitos das queimadas para limpeza das lavouras
de cana-de-açúcar. Contudo, são necessários mais estudos para
compreender os reais impactos dessa atividade agrícola sobre a
população de animais e plantas nesse fragmento. É o fragmento mais
estudado da RPPN, especialmente em relação à fauna. Possui forma
alongada e estreita, estando conectado apenas com a Mata da Lagoa
pelos corredores de fauna I e II, não apresentando cursos de água em
seu interior. Está totalmente contido em uma área plana e circundado
majoritariamente por canaviais, com pequenos trechos de pastagem.
iv. Mata do Açude: Fragmento menos estudado da RPPN Fazenda
Lagoa, possuindo apenas 26 ha em formato semicircular. Contudo,
este fragmento está ligado por um largo corredor florestal a outro
fragmento com aproximadamente 200 ha, que não pertence a RPPN.
É o fragmento mais próximo da Usina Monte Alegre, é
completamente plano e é circundado por canaviais.
56 | RPPN Fazenda Lagoa
3. Cana-de-açúcar
Essa cultura tem expandido suas fronteiras, substituindo às áreas que antes
eram ocupadas por pastagens, café e demais culturas. Isso pode ser explicado pelo
aumento da demanda pelo etanol, biocombustível que é visto como a solução dos
problemas energéticos e ao mesmo tempo uma decisão estratégica de conversão
de pastagens de viabilidade econômica menos eficiente para lavouras de maior
retorno econômico (MME 2007). Segundo o Instituto de Estudos do Comércio e
Negociações Internacionais (ICONE), na região sudeste do Brasil, o pasto foi o
grande doador de terras para a expansão da cana-de-açúcar. Essa tendência foi
observada por Oliveira (2010), que mostra a rápida expansão da cana-de-açúcar
nos municípios em torno da Fazenda Lagoa, indicando que os canaviais ocupavam
2.980 ha no ano de 2002, saltando para 6.780 ha em 2010, dobrando a área
cultivada que se expandiu principalmente sobre terrenos antes ocupados por
pastagem. Como nota, observa-se que os canaviais representam a maior parte da
paisagem do entorno da RPPN Fazenda Lagoa e estando bem próximo aos
fragmentos florestais.
4. Café
As lavouras de café estão dispostas nas áreas mais elevadas, entre 500 e 1.000
m de altitude, ocupado uma área total de apenas 160 ha. Os cafezais estão
localizados no entorno da Mata da Lagoa, e não representam uma preocupação
para a conservação da biodiversidade da região.
CONSIDERAÇÕES PARA A CONSERVAÇÃO
A Floresta Atlântica do sul de Minas Gerais, região onde a RPPN Fazenda
Lagoa está localizada, se encontra severamente fragmentada, podendo implicar em
reflexos negativos consideráveis sobre a biodiversidade e a economia local.
Contudo, isso é pouco percebido pela população local, já que os fragmentos
florestais representam uma pequena parcela na paisagem dominada pela
agricultura e pecuária.
Novaes et al. | 57
Para o produtor rural a retirada da vegetação original gera efetivamente maior
área para pastagem e lavouras, aumentando o preço por hectare desmatado e
valorizando sua propriedade. Contudo, essa exploração excessiva o torna mais
dependente de recursos externos para manter a produtividade devido à perda da
qualidade ambiental e todos os serviços prestados pela preservação da natureza,
dentre eles, a disponibilidade de água, onde a alteração dos ciclos hidrológicos
exerce notável efeito nas práticas agrícolas.
A retirada da vegetação original também promove a perda de hábitats, que
pode acarretar na diminuição na densidade populacional (ou mesmo a extinção) de
espécies polinizadoras, resultando em impacto negativo para a agricultura (Kevan
& Imperatriz-Fonseca 2006). É importante destacar que algumas culturas, como o
café, a soja e o maracujá, dependem de 40% a 100% dos polinizadores que se
abrigam nesses locais (ABC & SBPC 2011).
Diversos animais, como os morcegos, são extremamente eficientes no controle
de pragas agrícolas causadas por insetos herbívoros (Kalka et al. 2008), e sua
abundância está associada ao tamanho e ao nível de conservação dos
remanescentes florestais no entorno das plantações (Estrada & Coates-Estrada
2002). Além do inestimável serviço ecossistêmico, Cleveland et al. (2008) indica
que os morcegos insetívoros contribuem para a economia nos Estados Unidos, já
que o governo deixa de gastar mais de 6 milhões de dólares em pesticidas
anualmente, graças ao controle de pragas agrícolas promovido por esses animais.
Informações como essa são ausentes para o Brasil, mas considerando que nosso
país possui uma das maiores riquezas de morcegos do planeta, com alta
abundância (Timm 1994, Paglia et al. 2012), é plenamente aceitável que estes
animais exerçam uma importante função do controle de pragas agrícolas
brasileiras.
A conservação de remanescentes florestais também é de conspícua importância
para a manutenção do equilíbrio climático local, contribuindo para a regulação no
regime de chuvas e da variação de temperatura e umidade. Adicionalmente, é
importante ressaltar que a conservação da natureza representa uma oportunidade
de gerar fontes de renda alternativas (ou complementares) através da geração de
serviços e produtos na área do ecoturismo, sobretudo em regiões próximas de
grandes centros urbanos (Rudzewicz & Lanzer 2008).
Os fragmentos florestais da RPPN Fazenda Lagoa estão localizados nas áreas
de maior altitude, sobretudo no topo de pequenas elevações da paisagem. De fato,
a ocupação agropecuária em áreas naturais normalmente ocorre em áreas planas e
58 | RPPN Fazenda Lagoa
tende a ser mais lenta na sua expansão para as regiões de maior altitude e relevo
menos favorável às suas atividades. Esta característica faz com que a preservação
de remanescentes florestais seja maior nestas áreas, o que as tornam também
estrategicamente importantes para a preservação do estoque hídrico para consumo
humano. Contudo, mesmo os cursos d’água localizados nas áreas mais altas
podem apresentar problemas relacionados aos distúrbios ocorridos nas áreas
situadas rio abaixo por interferências na conectividade hidrológica, principalmente
nos aspectos que se relacionam com a biodiversidade. Isso normalmente está
relacionado ao fato da conservação das reservas legais e áreas de proteção
permanente, de modo geral protegem apenas as cabeceiras dos rios e áreas
adjacentes, deixando as baixadas, para onde a água escoa, fora dos limites
protegidos.
Os fragmentos da Fazenda Lagoa e seu entorno ainda propiciam paisagens e
lugares de rara beleza, cuja importância se dá tanto pela preservação de habitats e
estoque hídrico, quanto para a conservação de espécies, algumas endêmicas e
ameaçadas de extinção. Contudo, para que planos para a conservação dos
remanescentes florestais e sua biodiversidade sejam mais efetivos, é necessário
que a algumas medidas sejam adotadas de forma eminente:
a) Seja criado um projeto de natureza prática que visem a criação de
corredores ecológicos de vegetação nativa que conecte os fragmentos
florestais pertencentes a RPPN Fazenda Lagoa.
b) Sejam feitas ações para a restauração da vegetação original, com duas
finalidades distintas: (1) enriquecer a vegetação que já existe com
espécies nativas que tenham desaparecido após o processo de exploração
e árvores emergentes, que tendem a ser raras na maior parte dos
remanescentes florestais; (2) aumentar a área efetiva dos remanescentes
florestais, que poderiam ocupar pastagens ou outros terrenos que tenham
pouca funcionalidade no uso econômico do solo.
c) Seja estimulada a criação de projetos de pesquisa que visem compreender
a importância da fauna nativa nos serviços ecossistêmicos e agrícolas.
Novaes et al. | 59
REFERÊNCIAS
ABC - Academia Brasileira de Ciências & SBPC - Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência. 2011. Contribuições ao debate sobre o Código
Florestal. Sumário Executivo. Disponível em http://goo.gl/wPtSTv, Acessado
em 3 de dezembro de 2013.
Amorim, R.R. & R.C. Oliveira. 2008. As unidades de paisagem como uma
categoria de análise geográfica: o exemplo do município de São Vicente-SP.
Sociedade & Natureza 20(2): 177-198.
Bezerra, C.G. 2010. Estudo da fragmentação florestal e ecologia da paisagem
na sub-bacia do Córrego Horizonte, Alegre, ES. Monografia de graduação.
Universidade Federal do Espírito Santo. 46p.
Bierregaard Jr., R.O., T.E. Lovejoy, V. Kapos, A.A. Santos & R.W. Hutchings.
1992. The biological dynamics of tropical rainforest fragments: a prospective
comparison of fragments and continuous forest. BioScience 42(11): 859-866.
Chiarello, A.G. 1999. Effects of fragmentation of the Atlantic Forest on mammal
communities in south-eastern Brazil. Biological Conservation 89(1): 71-82.
Cleveland, C.J., M. Betke, P. Federico, J.D. Frank, T.G. Hallam, J. Horn, J.D.
López-Jr., G.F. McCracken, R.A. Medellín, A. Moreno-Valdez, C.G. Sansone,
J.K. Westbrook & T.H. Kunz. 2008. Economic value of the pest control
service provide by Brazilian free-tailed bats in south-central Texas. Frontiers
in Ecology and Environment 4(5): 238-243.
Crouzeilles, R., M.L. Lorini & C.E.V. Grelle. 2013a. The importance of using
sustainable use protected areas for functional connectivity. Biological
Conservation 159: 450-457.
Crouzeilles, R., M.M. Vale, R. Cerqueira & C.E.V. Grelle. 2013b. Increasing
strict protection through protected areas on Brazilian private lands.
Environmental Conservation 40(3): 209-210.
Dias J. & L. Santos. 2007. A paisagem e o geossistema como possibilidade de
leitura da expressão do espaço sócio-ambiental rural. Confins 1(2): 1-6.
Drummond, G.M., C.S. Martins, M.B. Greco & F. Vieira. 2009. Biota Minas:
diagnóstico do conhecimento sobre a biodiversidade no Estado de Minas
Gerais: subsídio ao Programa Biota Minas. Belo Horizonte: Fundação
Biodiversitas. 624p.
60 | RPPN Fazenda Lagoa
Estrada, A. & R. Coates-Estrada. 2002. Bats in continuous forest, forest fragments
and in an agricultural mosaic habitat-island at Los Tuxtlas, Mexico. Biological
Conservation 103: 237-245.
Faria, D., M.L.B. Paciência, M. Dixo, R.R. Laps & J. Baumgarten. 2007. Ferns,
frogs, lizards, birds and bats in forest fragments and shade cacao plantations in
two contrasting landscapes in the Atlantic forest, Brazil. Biodiversity and
Conservation 16: 2335-2357.
Filetto, F. & E. Alencar. 2001. Introdução e expansão do café na região sul de
Minas. Revista de Administração da Universidade Federal de Lavras 3(1):
1-3.
Galetti, M., R.S. Bovendorp, R.F. Fadini, C.O.A. Gussoni, M. Rodrigues, A.D.
Alvarez, P.R. Guimarães Jr. & K. Alves. 2009. Hyper abundant mesopredators
and bird extinction in an Atlantic forest island. Zoologia 26(2): 288-298.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2012. Manual técnico da
vegetação Brasileira. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. 271p.
Jesus, F.M., V.R. Pivello, S.T. Meirelles, G.A.D.C. Franco & J.P. Metzger. 2012.
The importance of landscape structure for seed dispersal in rain forest
fragments. Journal of Vegetation Science 23: 1126-1136.
Kalka, M.B., A.R. Smith & E.K.V. Kalko. 2008. Bats limit arthropods and
herbivory in a Tropical Forest. Science 320: 71.
Kevan, P.G. & V.L. Imperatriz-Fonseca. 2006. Pollinating bees: the
conservation link between agriculture and nature, 2ed. Brasília: Ministério
do Meio Ambiente. 336p.
Lacy, R.C. 2000. Considering threats to the viability of small populations using
individual-based models. Ecological Bulletin 48: 39-51.
Lira, P.K., L.R. Tambosi, R.M. Ewers & J.P. Metzger. 2012. Land-use and land-
cover change in Atlantic Forest landscapes. Forest Ecology and Management
278: 80-89.
Mack, M.C. & C.M. D'Antonio. 1998. Impacts of biological invasions on
disturbance regimes. Trends in Ecology and Evolution 13(5):195-198.
Metzger, J.P. 1999. Estrutura da paisagem e fragmentação: análise bibliográfica.
Anais da Academia Brasileira de Ciências 71(3): 445-463.
MME - Ministério de Minas e Energia. 2007. Plano Nacional de Energia 2030.
Brasília: Empresa de Pesquisa Energética. 324p.
Novaes et al. | 61
Myers, N., R.A. Mittermeier, C.G. Mittermeier, G.A.B. Fonseca & J. Kent. 2000.
Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403(24): 853-858.
Novaes, R.L.M., F.A.P. Mello, S. Felix, R. Silvares, C. Sant'Anna, A.C.S.
Façanha, T.S. Cardoso, M.A.S. Louro, R.F. Souza, M.V.P. Aguiar, A.C.
Siqueira & C.E.L. Esbérard. 2010. Lonchophylla bokermanni in Atlantic
Forest: distribution, conservation and new ocurrence location for an
endangered species. Chiroptera Neotropical 16(2): 710-714.
Novaes, R.L.M., S. Felix & R.F. Souza. 2013. Save Caatinga from drought
disaster. Nature 498: 170.
Oliveira, J.M. 2010. Análise multitemporal do uso da terra e cobertura vegetal
dos municípios de Areado e Monte Belo – MG. Monografia de graduação,
Universidade Federal de Alfenas. 51p.
Paglia, A.P., G.A.B. Fonseca, A.B. Rylands, G. Herrmann, L.M.S. Aguiar, A.G.
Chiarello, Y.L. Leite, L.P. Costa, S. Siciliano, M.C.M. Kierulff, S.L. Mendes,
V.C. Tavares, R.A. Mittermeier & J.L. Patton. 2012. Annotated Checklist of
Brazilian Mammals, 2nd Edition. Occasional Papers in Conservation
Biology, No. 6. Conservation International, Arlington, VA. 76p.
Refosco, J.C. 1996. Ecologia da paisagem e Sistema de Informações Geográficas
no estudo da interferência da paisagem na concentração de sólidos totais no
reservatório da usina de Barra Bonita, SP. Anais VIII Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto, Livro INPE 14-19, p. 343-349.
Ribeiro, M.C., J.P. Metzger, A.C. Martensen, F.J. Panzoni & M. Hirota. 2009. The
Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest
distributed? Implications for conservation. Biological Conservation 142(6):
1141-1153.
Rouget, M., R.M. Cowling, A.T. Lombard, A.T. Knight & I.H.K. Graham. 2006.
Designing large-scale conservation corridors for pattern and process.
Conservation Biology 20(2): 549-561.
Rudzewicz, L. & R.M. Lanzer. 2008. Práticas de ecoturismo nas Reservas
Particulares de Patrimônio Natural. Revista Hospitalidade 5(1): 81-96.
Rylands, A.B. & K. Brandon. 2005. Brazilian protected areas. Conservation
Biology 19: 612-618.
Santos, M. 1988. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 136p.
Santos, R.F. 2004. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo:
Oficina de Textos, 184p.
62 | RPPN Fazenda Lagoa
Seoane, C.E.S., V.S. Diaz, T.L. Santos & L.C.M. Froufe. 2010. Corredores
ecológicos como ferramenta para a desfragmentação de florestas tropicais.
Pesquisa Florestal Brasileira 30(63): 207-216.
Timm, R.M. 1994. The mammals fauna, p. 229-237. In: La Selva: ecology and
natural history of a neotropical rain forest (L.A. McDade, K.S. Bawa, H.A.
Hespenheide & G.S. Hartshorn, eds.). Chicago: University of Chicago Press.
Veloso, H.P., A.L. Rangel-Filho & J.C.A. Lima. 1991. Classificação da
vegetação brasileira adaptada a um sistema universal. Brasília: IBGE -
Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. 123p.
Viana, V.M. 1990. Biologia e manejo de fragmentos florestais naturais. Anais do
VI Congresso Florestal Brasileiro. Campos do Jordão: SBS/SBEF. p. 113-
118.
Wirth, J. 1982. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira (1889-
1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 132p.