a contemporaneidade do mal-estar

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1 A contemporaneidade do mal-estar O estágio de desenvolvimento contemporâneo do capitalismo caracteriza-se pelo fortalecimento sem precedentes da contratendência da expansão de produção de mercadorias, o próprio motor do desenvolvimento capitalista. É o chamado capitalismo tardio 1 . Num primeiro estágio de desenvolvimento capitalista 2 , o assalariamento da força de trabalho, primeiramente incipiente, foi se 1 A expressão "capitalismo tardio" é conceito usado pelos neomarxistas para se referir ao capitalismo posterior ao ano de 1945, estágio que se refere a também chamada "era áurea do capitalismo (1945-1970). Apesar de existir certa controvérsia quanto à adequação da expressão. O crítico e teórico da cultura norte-americano Frédéric Jameson, considera mais prudente a expressão "desenvolvimento recente do capitalismo" ou "capitalismo recente" ou jüngste usada por Hiferding por soar menos profética do que capitalismo tardio. Derrida prefere usar o termo "neocapitalismo" ao invés de pós-capitalismo. A expressão "capitalismo tardio" (Spätkapitalismus) foi usada pela primeira vez por Werner Sombart na sua obra de 1902 Der Moderne Kapitalismus, na qual distinguia três fases do capitalismo: o capitalismo primitivo, o auge do capitalismo e o capitalismo tardio. A expressão ressurgiu após a crise de 1929 e passou a ser usada pelos socialistas europeus entre o final dos anos 1930 e os anos 1940, quando muitos acreditavam que o capitalismo estava condenado. No final da Segunda Guerra Mundial, economistas importantes, como Joseph Schumpeter e Paul Samuelson, acreditavam mesmo que o fim do capitalismo estaria próximo, em razão de problemas econômicos insuperáveis. 2 O capitalismo tardio , que teria como elementos distintivos a expansão das grandes corporações multinacionais , a globalização dos mercados e do trabalho , o consumo de massa e a intensificação dos fluxos internacionais do capital . Seria mais propriamente uma crise de reprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento, uma vez que o crescimento do consumo (e, portanto, da produção) tornar-se- ia insustentável pela exaustão dos recursos naturais .

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A contemporaneidade do mal-estar

O estágio de desenvolvimento contemporâneo docapitalismo caracteriza-se pelo fortalecimento semprecedentes da contratendência da expansão deprodução de mercadorias, o próprio motor dodesenvolvimento capitalista. É o chamadocapitalismo tardio1.

Num primeiro estágio de desenvolvimentocapitalista2, o assalariamento da força detrabalho, primeiramente incipiente, foi se

1 A expressão "capitalismo tardio" é conceito usado pelos neomarxistaspara se referir ao capitalismo posterior ao ano de 1945, estágio quese refere a também chamada "era áurea do capitalismo (1945-1970).Apesar de existir certa controvérsia quanto à adequação da expressão.O crítico e teórico da cultura norte-americano Frédéric Jameson,considera mais prudente a expressão "desenvolvimento recente docapitalismo" ou "capitalismo recente" ou jüngste usada por Hiferding porsoar menos profética do que capitalismo tardio. Derrida prefere usar otermo "neocapitalismo" ao invés de pós-capitalismo. A expressão"capitalismo tardio" (Spätkapitalismus) foi usada pela primeira vez porWerner Sombart na sua obra de 1902 Der Moderne Kapitalismus, na qualdistinguia três fases do capitalismo: o capitalismo primitivo, o augedo capitalismo e o capitalismo tardio. A expressão ressurgiu após acrise de 1929 e passou a ser usada pelos socialistas europeus entre ofinal dos anos 1930 e os anos 1940, quando muitos acreditavam que ocapitalismo estava condenado. No final da Segunda Guerra Mundial,economistas importantes, como Joseph Schumpeter e Paul Samuelson,acreditavam mesmo que o fim do capitalismo estaria próximo, em razãode problemas econômicos insuperáveis.

2O capitalismo tardio, que teria como elementos distintivos a expansãodas grandes corporações multinacionais, a globalização dos mercados edo trabalho, o consumo de massa e a intensificação dos fluxosinternacionais do capital. Seria mais propriamente uma crise dereprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento, uma vezque o crescimento do consumo (e, portanto, da produção) tornar-se-ia insustentável pela exaustão dos recursos naturais.

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estendendo, mediante a paulatina eliminação dasterras comunais (cercamentos) e sua transformaçãoem propriedade. Por essa razão, é denominadoestágio extensivo.

Quando o estágio de desenvolvimento extensivo seesgotou, o capitalismo entrou num estágioextensivo. Quando o estágio extensivo se esgotou,o capitalismo adentrou num estágio intensivo.

Que se peculiarizou pelo aumento da produtividadedo trabalho, que por sua vez dependeu do progressodas técnicas de produção e da elevação do nível desubstância de força de trabalho, que dependeu doprogresso das técnicas de produção e da elevaçãodo nível de subsistência da força do trabalho,necessária para permitir a operação de técnicascada vez mais complexas.

Nesse estágio o antagonismo à base dialética doEstado e ao mercado se desenvolve com força etendem à generalização da forma-mercadoria e, ésobrepujada pela contratendência de expansão doEstado.

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A crise provoca a reação neoliberal3 que se assentanuma ideologia repleta de neologismos epseudoconceitos como a globalização privatização,associada paradoxalmente ao fim da história,pregando a perpetuação do status quo (a sociedadeburguesa).

Noutra vertente, há o discurso da desqualificaçãodo Estado enquanto provedor de infraestruturafísica e institucional ou como representantesvariadas formas e sub-formas de sociedadeorganizada.

Porém, as políticas neoliberais não conseguiramreconstruir o âmbito do mercado e, redundem nodesmonte do Estado Social ou do Bem-Estar, deconcentração de capital e de renda e doprolongamento insustentável do endividamento parafinanciar o consumo, enquanto que o centrogravitacional antes calcado no capital e na rendae, no prolongamento insustentável do endividamento

3 A "onda" neoliberal se inicia coma vitória de Margareth Thatcher naseleições de 1979, quando foram derrotados os trabalhistas, até entãono governo. Naquele processo eleitoral, os conservadores ingleses nãoatacaram de frente o sistema de assistência social montado pelo Estadobritânico. Entretanto, no poder, iniciaram o ataque à estruturaeconômica pública montada no pós-guerra. A globalização neoliberal éuma das transformações históricas de ordem econômica internacional quese expressam sucessivamente no regime colonial, o padrão ouro, oacordo de Bretton Woods e a supressão atual das fronteiras comerciais.Em todos esses esquemas distintos existem, evidentemente, relações dedominação entre os países centrais e a periferia, mas também háacordos indispensáveis para a convivência pacífica e a ordem dastransações econômicas entre nações.

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para financiar o consumo, desloca-se da indústriaapara os serviços dando origem aos fenômenoschamados como desindustrialização e terceirização4.

As sociedades contemporâneas são marcadas por umcontínuo processo de aceleração onde as matériasde expressão logo se tornam obsoletas e, atransformação do mundo para sujeitar-se a umasequência aleatória de infinita continuidade.

Configura-se uma pluralidade em grande intensidadeporém com pouca densidade. O sujeito vive numprofundo estado de letargia restandodesestabilizado e acaba absorvido e tragado pelalógica capitalista.

Atravessado por princípios burgueses, o sujeitovive num processo de desterritorialização edespertencimento5. O capitalismo contemporâneo as4 A reação neoliberal à crise do capitalismo é apresentada como produtode tendências inelutáveis e não como resultado de políticasdeliberadas. Uma primeira vertente desse pensamento, baseada em umaconcepção a-histórica do capitalismo contemporâneo e, em conceitostais como globalização e privatização, descreve o fenômeno como algonovo, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, anuncia o "fim dahistória" - ou perpetuação do status quo. Uma segunda vertentedesqualifica o Estado como provedor de infraestrutura física e comoinstância capaz de responder às necessidades coletivas. Legitimam-seassim as mais variadas formas de organização da sociedade, favorecendoo desmonte do Estado do bem-estar e o aumento da concentração docapital e da renda, paralelamente à expansão insustentável do créditoao consumo bem como à exploração não sustentável das matérias-primas.

5 O despertencimento alia-se também ao conceito de alienação e, maisparticularmente, a noção de trabalho alienado, considerando o seu

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empresas interpelam o sujeito situado na sociedadede consumo recheando-lhe de informaçõessuscetíveis de atrapalhar, embaralhar e, perturbarsua opinião e, assim vendem suas mercadorias.

E logo se tornam obsoletas e inúteis forçando-seuma nova configuração. Assim os objetos nunca seesgotam para que servem e se constituem num ciclode renovação antes de serem totalmentedescartados.

Quanto ao neoliberalismo sob as precisas críticasde Perry Anderson bem como outros autores quandodemonstram que não se trata de mera aplicação dadoutrina surgida na década de 1940 e, sim, produtode necessidades do capital e são estas que exigema retomada ideológica bem como misturas própriasda realidade concreta produzida pela organizaçãoestatal.

As mudanças da estrutura produtiva, articuladas àregulação neoliberal6, enquanto estratégia de

valor heurístico para compreender, mais profundamente, asinterconexões entre os fundamentos do trabalho e atuais desafios dacrise social e ambiental. O despertencimento relaciona-se a alienaçãoe, a noção de papel social, histórico, a perda de direitos, os danos àsaúde física e mental, e a não-identificação com os ciclos da naturezae os limites biopsicossociais dos indivíduos.

6 O neoliberalismo propugna a redução do intervencionismo estatal e doraio de ação da política, ao criar interferências contrárias àliberdade individual e ser uma fonte de corrupção. Na ordem nacional,o desideratum se finca em conseguir o funcionamento automático da

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reorganização da dinâmica capitalista acabara porrestabelecer a maior dominação do capital namedida em que a fragmentação produtiva provocou adesvalorização da força do trabalho,principalmente em virtude da reconstrução doexército de reserva industrial7.

A deletéria praxe foi estruturada a partir de umaenorme desregulamentação dos direitos do trabalho,a grande precarização e terceirização da força detrabalho num cenário de desigualdades salariais edestruição dos sindicatos e associaçõesclassistas.

economia e dos mercados, livres de toda distorção governamental ou decidadãos organizados coletivamente. E, na ordem internacional,concebe-se a globalização como o processo capaz de instaurar a ordemcosmopolita (economicamente eficiente), além da política, como se issofosse possível.

7 Exército industrial de reserva é um conceito desenvolvido por KarlMarx em sua crítica da economia política, e refere-se ao desempregoestrutural das economias capitalista. O exército de reservacorresponde à força de trabalho que excede as necessidades daprodução. Para o bom funcionamento do sistema de produção capitalistae garantir o processo de acumulação, é necessário que parte dapopulação ativa esteja permanentemente desempregada. Esse contingentede desempregados atua, segundo a teoria marxista, como um inibidor dasreivindicações dos trabalhadores e contribui para o rebaixamento dossalários.Conforme enunciou Marx, na busca de inovações tecnológicas que lhespropiciem vantagem temporária sobre seus concorrentes, os capitalistastender a elevar a composição orgânica do capital substituindogradativamente a força de trabalho por máquinas que são parte docapital constante e que resultaria num aumento de desemprego e doexército de reserva.

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Enfim, as transformações contemporâneas nasrelações dentro e fora dos Estados têm suscitadosdiversos entendimentos e dimensões sobre o papeldo Estado.

Para os diversos matizes ideológicos, o Leviatã8

teria ou estaria por sucumbir-se diante da ordemcapitalista. Que teria restringido ou eliminado asoberania dos Estados-nações9, extinguindo destaforma sua principal prerrogativa histórica.

As visões do apocalipse do Estado não restavamrestritas ao campo dos liberais e se espraiaram asdiferentes perspectivas desde as modernasheterodoxas até as mais à esquerda.

8 Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil,comumente chamado de Leviatã, é um livro escrito por Thomas Hobbes epublicado em 1651. Ele é intitulado em referência ao Leviatã bíblico.O livro diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo, eé considerado como um dos exemplos mais antigos e mais influentes dateoria do contrato social.1 O editor foi Andrew Crooke, parceiro daAndrew Crooke e William Cooke. Muitas vezes, é considerada uma dasobras mais influentes já escritas do pensamento político.

9 O termo "Estado-nação" implica em uma situação onde os dois sãocoincidentes. O Estado-nação afirma-se por meio de uma ideologia, umaestrutura jurídica, a capacidade de impor uma soberania, sobre umpovo, num dado território com fronteiras, com uma moeda própria eforças armadas próprias também. O conceito de um estado-nação pode sercomparado e contrastado com o de um estado multinacional, cidades-estados, impérios, confederações, e outras formações de estados dosquais podem sobrepor-se. Ao longo da história, existiram estados-nações em diferentes épocas e lugares do mundo, e atualmenterepresentam a forma dominante de organização geopolítica mundial.

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Alguns sustentam que a internacionalização docapital libertou das correntes o Leviatã10 e queuma “mão invisível” iria conduzir a umaconvergência internacional.

Outros advogam a tese de que as prerrogativas dosEstados-nações teriam sido transferidas para aesfera supranacional bem representada pela ONU,OMC, BM, FMI quer seja para os mercadosfinanceiros privados (Governo Mundial).

Mas o Leviatã de Hobbes continua vivo e robusto sóque mais restrito aos espaços, o que acarretou umexercício de soberania nacional mais frágil.

10 O Leviatã é uma criatura mitológica, geralmente de grandesproporções, bastante comum no imaginário dos navegantes europeus daIdade Média. Há referências, contudo, ao longo de toda a história,sendo um caso recente o do Monstro de Lago Ness. No Antigo Testamento,a imagem do 'Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó,capítulo 41. Sua descrição na referida passagem é breve. Foiconsiderada pela Igreja Católica durante a Idade Média, como o demôniorepresentante do quinto pecado, a Inveja, também sendo tratado com umdos sete príncipes infernais. Uma nota explicativa revela umaprimeira definição: "monstro que se representa sob a forma decrocodilo, segundo a mitologia fenícia" (Velho Testamento, 1957: 614).Não se deve perder de vista que nas diversas descrições no AntigoTestamento ele é caracterizado sob as diferentes formas, uma vez quese funde com outros animais. Formas como a de dragão marinho, serpentee polvo (semelhante ao Kraken) também são bastante comuns.Leviatã também diz respeito a obra do cientista político ejusnaturalista Thomas Hobbes (1588 -1679). Em sua obra, Hobbes afirmava que a "guerra de todos contra todos"(Bellum omnium contra omnes) que caracteriza o então "estado de natureza"só poderia ser superada por um governo central e autoritário. Ogoverno central seria uma espécie de monstro - o Leviatã - queconcentraria todo o poder em torno de si, e ordenando todas asdecisões da sociedade.

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Por outro lado, alguns teóricos protestam contra odomínio do capital, mas também embarcam nessa“onda” de nova ordem mundial, eivada de negação doEstado-nação, é o caso da obra “Império” de Hardte Negri11.

Enfim estaríamos numa espécie de “Império” pós-moderno do não lugar onde a soberania estaria11 Existem poucos livros de teoria política que receberam umapublicidade tão grande quanto Império, por Michael Hardt e AntonioNegri (Hardt & Negri). Ele foi descrito como “neomarxista” ou mesmocomo o “novo Manifesto Comunista”. Ed Vuilliamy escreveu no The Observer(15 de julho de 2001): “Um livro improvável escrito por um acadêmicode esquerda e um prisioneiro italiano está fascinando a América”. “Olivro reabilita a palavra ‘comunismo’”. Este livro de 500 páginas,porém, não é um Manifesto Comunista para o século 21 e nem um belotrabalho que analisa seriamente o capitalismo global e suascontradições. Os autores prometem muito mais do que realmente ofereceme, enquanto algumas vezes clamam seguir os passos de Karl Marx, elesterminam por perder o contato com a realidade. Um Império sem umcentro? O ponto de partida é que "O império está se materializandodiante de nossos olhos”. Nas últimas décadas, a começar pelo período em que regimes coloniaiseram derrubados, e depois em ritmo mais veloz quando as barreirassoviéticas ao mercado do capitalismo mundial finalmente caíram, vimostestemunhando uma globalização irresistível e irreversível de trocaseconômicas e culturais” (Prefácio, p. 11). Isto, por sua vez,significa que "a soberania tomou nova forma, composta de uma série deorganismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regraúnica. Esta nova forma global de economia é o que chamamos de“Império” (Prefácio, p. 12). Duas páginas depois eles concluem que “oimperialismo acabou” (Prefácio, p. 14). E que nenhum Estado-nação, nemmesmo os Estados Unidos, “ocupará a posição de liderança mundial queas avançadas nações europeias um dia ocuparam (Prefácio, p. 14). Umcomentário notável dado que os EUA são a única superpotência restantee sua posição com relação aos seus dois principais rivais capitalistas(os estados da União Europeia e o Japão) fortaleceu-se no curso dosúltimos dez anos. De fato, nunca na história uma força ocupou talposição dominante nos âmbitos militar, diplomático e econômico. Oimperialismo dos EUA controla aproximadamente um terço da produçãomundial, enquanto no fim dos anos 80 controlava 22%.

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circunscrita ao patamar supranacional. A lutapolítica que se consubstanciava no âmbito Estado-Nação deslocado para o locus digital onde ocorreriao conflito político entre a multidão e o Império,tendo em vista novas configurações produtivas.

Desta forma, a comunicação e a informaçãopassariam a ser os novos elementos centrais domodo de produção e fomentado a vitória dasempresas transnacionais sobre os Estados-nações.

O poder na nova arquitetura supranacional seestrutura de forma piramidal, a saber: a) no topo:os organismos internacionais e os organismosnacionais dos EUA; b) no meio: as redes deempresas transnacionais e organismos nacionaisprincipalmente as ONGs12 que representariam osinteresses populares.

12 As Organizações não governamentais (ONG) atualmente significam umgrupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formalmentee autonomamente, caracterizado por ações de solidariedade no campo daspolíticas públicas e pelo legítimo exercício de pressões políticas emproveito de populações excluídas das condições da cidadania. Porém,seu conceito não é pacífico na doutrina e gera muitas divergências.Também fazem parte do chamado Terceiro Setor. Tais organizações podemcomplementar o trabalho do Estado, podendo receber financiamentos edoações dele, assim como de entidades privadas, para tal fim.Atualmente estudiosos têm defendido o uso da terminologia organizaçõesda sociedade civil. Não tem valor jurídico. E, segundo o C.C. de 2002prevê três figuras jurídicas do terceiro setor: as associações,fundações e organizações religiosas (que foram recentementeconsideradas como uma terceira categoria).

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É verdade que não existiria uma hierarquiapropriamente dita, e nem um equilíbrio funcionalde poder, posto que exista uma hibridização entreos poderes, o que possibilita as modificaçõesestruturais através de utas políticas contra oimpério.

Segundo Hardt e Negri o avanço do trabalhoimaterial teria modificado a estrutura de poderconformando uma sociedade biopolítica que seaproxima mais da ideia focaultiana de poder13.Desta forma, tal perspectiva teria eliminado asclasses e, consequentemente a contradição entrecapital versus trabalho.

Cérebros e corpos precisam de outros para produzirvalor, mas os outros de que eles necessitam nãosão fornecidos obrigatoriamente pelo capital e porsua capacidade de orquestrar a produção. ·.

A produtividade, a riqueza e a criação de superávitssociais hoje em dia tomam a forma de13 Para Foucault, o poder não existe, o que existe são as relações depoder. No entender de Foucault, o poder é uma realidade dinâmica queajuda o ser humano a manifestar sua liberdade com responsabilidade. Aideia tradicional de um poder estático, que habita em um lugardeterminado, de um poder piramidal, exercido de cima para baixo, emFoucault é transformada. Ele acredita no poder como um instrumento dediálogo entre os indivíduos de uma sociedade. A noção de poderonisciente, onipotente e onipresente não tem sentido na nova versão,pois tal visão somente servia para alimentar uma concepção negativa dopoder.

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interatividade cooperativa mediante linguísticas,de comunicação e afetivas.

A revolução de produção da comunicação e dainformação transformou as práticas laborais a talponto que todas estas tendem ao modelo dastecnologias de informação e comunicação.

Assim, as máquinas interativas e cibernéticastornaram-se as novas próteses integradas aosnossos corpos e mentes, sendo uma lente pela qualredefinimos nossos corpos e mentes (Hardt eNegri14), as mudanças tecnológicas estriammodificando o ser biológico alçando novos padrõessocioeconômicos.

Apesar das transformações no padrão de acumulaçãode riquezas verificadas nas três últimas décadas,não podemos afirmar que o capital e os mercadosfinanceiros se tornam independentes do poderpolítico.

14 Antonio Negri é filósofo político marxista italiano. Foi preso sob aacusação de ser líder de um grupo chamado Brigadas Vermelhas. Tradutorde escritos de Filosofia do Direito de Hegel, especialista emDescartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey. Ganhounotoriedade internacional nos primeiros anos do século XXI após olivro "Império" que se tornou um manifesto do movimentoantiglobalização e de sua sequência, "Multidão" ambos escritos emcoautoria com seu ex-aluno Michael Hardt.

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Lembremos que a mundialização do capital nãoapagar a existência dos Estados nacionais e nem arelação de dominação e de dependência entre eles.Ao revés, acentuam, ainda mais os fatores dehierarquização de países.

As dimensões do novo imperialismo após osatentados de 11 de setembro de 2001 marcaram apassagem de uma política norte-americana deconsenso a uma política externa de coerção.

Realmente existe contemporaneamente a organizaçãoimperialista, em grande medida, articulada pormeio de instituições globais tais como FMI, BancoMundial e OMC (Organização Mundial do Comércio)que são dominadas efetivamente tantoadministrativamente como politicamente pelos EUA epelas potências mundiais.

A pós-modernidade parida pelo capitalismocontemporâneo é dominada pelo princípio dodesempenho, do rendimento e de performance dotrabalhador em seu labor.

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Seu precursor é Antístenes15, um dos discípulos quefrequentava o círculo socrático junto a Platão.Onde se encontra a noção moderna de que, na moral,o bem é por natureza de difícil acesso e, que atémesmo o esforço já consiste em vitória sobre si,sendo um critério do bem moral.

Desta forma, concluiu Antístenes que: “Osofrimento é um bem”. E, onde se delineou aprimeira figura do trabalhador, que o discípulomesmo encarnou posto que acrescentara avalorização moral do sofrimento a exaltação dotrabalhador como desafiador de limites.

15 Antístenes (440-335 a.C.) foi discípulo de Sócrates e fundador daEscola Cínica que valorizava o trabalho ao extremo chegando aconsiderá-lo como símbolo único de sabedoria e da moralidade, por seopor aos prazeres e às ilusões míticas, além de levar o homem abastar-se a si mesmo, sem depender do que possa vir de outras pessoas.A autossuficiência socrática radicalmente considerada por Antístenesencontra um melhor acabamento que é o personagem de Zuckerbergdescrito como tendo uma subjetividade isolada, alheia à amizade, àsolidariedade ou quaisquer outros princípios morais.

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Daí, a sua referência a Hércules16 considerado como“operário fabuloso” e a realização de seustrabalhos sobrehumanos. (Conforme Carlyle, um dosprofetas da religião do trabalho: “Tu deves, talcomo Hércules17, te preencher com ocupações e penarbastante”).

16 Os doze trabalhos de Hércules (ou Trabalhos de Héracles) são umasérie de episódios arcaicos ligados entre si por uma narrativacontínua, relativa a uma penitência que teria sido cumprida por um dosmaiores heróis gregos, Héracles, mais conhecido em português pelaromanização Hércules. Os antigos gregos atribuíam o estabelecimento deum ciclo fixo de doze trabalhos a um poema épico, a Heracleia, jáperdido, escrito por Peisândro de Rodes, e que dataria de 600 a.C. Da maneira em que são conhecidos atualmente, os trabalhos de Hérculesnão são contados num único lugar; foram reunidos a partir de fontesdiferentes. De acordo com os mitólogos Carl A. P. Ruck e Blaise DanielStaples, não há uma maneira específica de interpretar os trabalhos;pode-se inferir apenas que seis deles se passam no Peloponeso, eculminaram com a dedicação de Olímpia. Outras seis levaram o herói atéterras mais distantes, quase sempre lugares relacionados à deusa Hera,além de entradas para o Hades, o mundo inferior, habitado pelosmortos. Todos os trabalhos seguiam o mesmo modelo: Hércules eraenviado para matar, subjugar ou buscar uma planta ou animal mágicopara Euristeu, representante de Hera.Uma célebre descrição dos trabalhos na arte grega se encontra nasportas do Templo de Zeus em Olímpia, que data do século V a.C; A ordemtradicionalmente aceita, encontrada em Pseudo-Apolodoro é:1. No Peloponeso, estrangulou o Leão da Nemeia - filho dos monstrosOrtros e Equidna - que devastava a região e que os habitantes do localnão conseguiam matar. Na segunda tentativa de matá-lo, tendo aprimeira sido infrutífera, estrangulou-o, após com ele lutar. Acabadaa luta arrancou a pele do animal com as suas próprias mãos e passou autilizá-la como peça do vestuário. A criatura converteu-se naconstelação de leão.2. Matou a Hidra de Lerna, filha monstruosa de duas criaturasgrotescas, a Equidna e Tifão. Era uma serpente com corpo de dragão,que possuía nove cabeças (uma delas parcialmente de ouro e imortal,que se regeneravam), mal eram cortadas, e exalavam um vapor que matavaquem estivesse por perto. Hércules matou-a cortando suas cabeçasenquanto seu sobrinho Iolau impedia sua reprodução queimando suasferidas com tições em brasa. A deusa Hera enviou ajuda à serpente – umenorme caranguejo, mas Hércules pisou-o e o animal converteu-se naconstelação de Câncer (do latim câncer, "caranguejo"). Por fim, o heróibanhou suas flechas com o sangue da serpente para que ficassemenvenenadas.

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Antístenes era um moralista satisfeito e não tinhasenso de cultos religiosos o que, aliás,menosprezava com argumentos, iluministas do tiporacionalista. Também era fechado as Musas e, apoesia só lhe interessava caso venha exporensinamentos morais.

3. Alcançou correndo a Corça de Cerineia, um animal lendário, comchifres de ouro e pés de bronze. A corça, que corria com assombrosarapidez e nunca se cansava, era Taígete, ninfa que, para fugir daperseguição de Zeus foi transformada por Ártemis no animal. Como elatinha uma velocidade insuperável, Hércules a perseguiu incansavelmentedurante um ano até que, exausta, foi atingida por uma flecha disparadapelo herói. Ferida levemente foi levada nos ombros do herói até oreino de Euristeu. Em outra versão do mito, Héracles tinha de capturara corça, mas sem machucá-la; ele a perseguiu durante um ano, atéconseguir pegá-la com uma rede, porém ela acabou se ferindo. O heróipôs então a culpa em Euristeu, para que Ártemis se zangasse com ele.Em uma terceira versão, Hércules levou um ano para realizar o trabalhoa seguir, que era capturar a corça que habitava o monte Cerineu. Esteanimal parecia ser mais tímido do que perigoso, e sagrado paraÁrtemis; Hércules finalmente aprisionou-a e estava levando-a paraEuristeu quando se encontrou com Ártemis, que estava muito zangada eameaçou matá-lo pelo atrevimento em capturar seu animal, mas quandoficou sabendo sobre os trabalhos, concordou em deixar Hércules levar oanimal, com a condição que Euristeu o libertasse logo que o tivessevisto.4. Capturou vivo o Javali de Erimanto, que devastava os arredores, aofatigá-lo após persegui-lo durante horas. Euristeu, ao ver o animalno ombro do herói, teve tamanho medo que foi se esconder dentro de umcaldeirão de bronze. As presas do animal foram mostradas no templo deApolo, em Cumas. 5. Limpou em um dia os currais do rei Aúgias, que continham três milbois e que há trinta anos não eram limpos. Estavam tão fedorentos queexalavam um gás mortal. Para isso, Hércules desviou dois rios.6. Matou no lago Estínfalo, com suas flechas envenenadas, monstroscujas asas, cabeça e bico eram de ferro, e que, pelo seu gigantescotamanho, interceptavam no voo os raios do Sol. Com seu arco,conseguiu matar alguns e os outros, expulsou a outros países.7. A sétima tarefa de Hércules era levar o Touro de Creta vivo atéEuristeu, que por sua vez o entregaria a Hera. O touro era enraivecido e aterrorizava o povo da ilha grega de Creta,pois Poseidon, o deus dos mares, o havia oferecido a Minos, rei local,em sacrifício, e o rei não teve coragem de sacrificar um animal tãobonito e tão forte. Hércules não só capturou-o como, montado noanimal, levou-o até Euristeu.

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Assim como Clemente de Alexandria18 ao responder aEros, ele poderia dizer: “O amor é um vício danatureza, Afrodite, eu a cravaria de flechas se eua pegasse”.

8. Castigou Diómedes (rei da Trácia), filho de Ares, possuidor decavalos que vomitavam fumo e fogo, e a que ele dava a comer osestrangeiros que as tempestades arrolavam à sua costa. O heróientregou-o à voracidade de seus próprios animais.9. Venceu as amazonas, tirou-lhes a rainha Hipólita, apossando-se docinturão mágico que ela vestia.10. Matou o gigante Gerião, monstro de três corpos, seis braços e seisasas, e tomou-lhe os bois que se achavam guardados por um cão de duascabeças, e um dragão de sete.11. O seu décimo primeiro trabalho foi colher os pomos de ouro doJardim das Hespérides, após matar o dragão de cem cabeças que osguardava. O dragão foi morto por Atlas, a seu pedido, e durante otrabalho, ele sustentou o céu nos ombros no lugar do titã.12. O último trabalho consistiu em trazer do mundo dos mortos o seuguardião, o cão Cérbero. Hades autorizou-o a levar Cérbero para o cimo da Terra sob a condiçãode conseguir dominá-lo sem usar as suas armas. Hércules lutou com elesó com a força dos seus braços, quase o sufocou, dominando-o. Depois olevou a Euristeu, que, com medo, ordenou-lhe que o devolvesse.

17 O estudioso alemão Walter Burkert chamou os trabalhos, juntamentecom os outros mitos sobre Hércules, de "um conglomerado de contospopulares que foram explorados apenas de maneira secundária pela arteda poesia”. Os feitos sobrehumanos de Hércules, sempre a vencer amorte passaram a ter simbolismos filosóficos, morais e até alegóricos,por trás de seus significados literais. E a figura heroica passou arepresentar tradição interior, e os trabalhos foram interpretados comoetapas de uma jornada espiritual. Os três derradeiros trabalhos,particularmente, seriam considerados grandes metáforas sobre a morte.E, Hércules representou o único entre os heróis gregos, na medida emque não se conhecia a localização de sua sepultura, e, portanto ossacrifícios e libações eram-lhe oferecidas em todos os lugares.

18 Clemente de Alexandria ou Tito Flávio Clemente foi escritor,teólogo, apologista e mitógrafo cristão grego nascido em Atenas.Clemente foi um erudito numa época em que os cristãos eram geralmentepouco letrados e abertamente hostis a intelectuais. Não obstante, foicapaz de construir argumentos lógicos convincentes, baseados nasescrituras e na filosofia, a favor do cristianismo e contra osgnósticos de Valentim, que, baseados em Alexandria - o mais importante

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Quanto à imortalidade esta não passa de umapalavra vazia. A única coisa que conta é uma vidahonesta e correta, vivendo na piedade reverenciale na justiça. Todos esses traços reunidos formam anotável figura do trabalhador.

Já o ideal contemporâneo é aquele apto a realizarmetas e, para tanto deve estar vinte e quatrohoras por dia trabalhando, o que já totalmenteviável pelas novas tecnologias que vai doscelulares (smartsphones – telefones inteligentes)com acesso à internet até aos tablets, a cibernéticade vestir (tais como google glass, smartwatch e, etc).

No capitalismo contemporâneo domina “o cada um porsi”, onde a obsessão de eliminar o concorrente nabusca frenética pelo lucro se duplica na vontade,que aguerrida de eliminá-lo na conquista crescentede postos.

centro de atividade intelectual da época - estavam em plena expansão.Defendeu a fraternidade e a repartição das riquezas entre os homens,observado livre-arbítrio: “Deus criou o gênero humano para acomunicação e a comunhão de uns com os outros, como ele, que começou arepartir do seu e a todos os homens proveu seu Logos comum, e tudo fezpor todos. Logo tudo é comum, e não pretendam os ricos ter mais que osoutros”. Da homilia Quis dives salvetur? ("Que rico se salvará?"), baseada nahistória de Jesus e o jovem rico (Marcos 10:17-31). "De sorte que nãoé rico aquele que possui e guarda, mas aquele que dá; e este dar, nãoo possuir, faz o homem feliz. Portanto, o fruto da alma é essaprontidão em dar. Logo na alma está o ser rico." (Pedagogo 3, 6).

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A cultura do ódio promove a eliminação em lugar dacooperação e a solidariedade das classes sedesmancha em proveito da ferocidade supostamentefavorecedora de melhores resultados.

Construímos um ambiente de trabalho monitorado poruma administração que dá conselhos, porém sãoconselhos despidos de experiência e sem conexãocoma história do trabalhador.

Efusivamente refuta-se a temporalidade daexperiência, do conhecimento e da felicidade.Afinal, a temporalidade é a dinâmica organizada,consolidando-se como atributo mais eminente dadominação, posto que corresponda a um encolhimentodo espaço da experiência na vida social e deliberdade.

A temporalidade vinculada à aceleração do presenteou ao presenteísmo apodera-se de todos os espaçosdemocráticos, a principiar pela educação que deixade ser a educação para a liberdade19 para ser a dos19 O ensaio de Paulo Freire chamado " Educação como prática deliberdade" propôs a visão pedagógica e de seu método de ensino, ondesoube reconhecer com clareza as prioridades nesta etapa de emergênciapolítica das classes populares ao lado da crise das elites dominantes.A primeira das exigências é exatamente o reconhecimento dosprivilégios da prática, onde o educador é participante e pode diminuiras desigualdades através de propor a livre e crítica interação com oseducandos tanto no círculo da cultura como na unidade de ensino comono exercício comezinho da cidadania.

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direitos e deveres correspondentes, tornando-se aeducação para adaptação constante diante aproliferação de direitos.

Seus efeitos na educação se constituem nodesaparecimento da noção de “cultura geral” pela“cultura comum”, cujo fim essencial é prepararjovens para entrar no mundo atual tal como ele é.

Essa total adesão ao tempo presente, caso permitaalgum sonho, apenas se sonho com o status quo ondenada de novo venha abrir o tempo histórico oufuturo.

O tempo da contemporaneidade é fatalizado pelasurgências que significa uma oscilação na razãoinstrumental, no culto dos meios e o esquecimentodos fins. Assim é o tempo do reino das renovaçõestecnológicas do progresso humano.

Portanto, a pós-modernidade nasce sob o signo damudança constante e incessante, seu protótipo foio Iluminismo filosófico e científico e seu grandeapetite por clarividência.

Com a metáfora da luz tão peculiar do Iluminismodo século XVIII inaugura a crença no progresso

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científico, político, moral, social e econômicocontra as trevas do obscurantismo.

O Iluminismo filosófico na política funda a noçãode espaço público como aquele que comum a todos enão de propriedade de uns poucos e, acessível atodos e, não privilégios de alguns.

Desta forma, a igualdade, a liberdade efraternidade constituíram até há pouco tempo, oideário mais nobre da humanidade. Foi nesseideário que se concebeu o homem-cidadão cujadignidade deve ser exaltada e resguardada peloDireito e pela lei.

Mesmo que esses ideais tenham se concretizadosomente para uma classe social emergente, como aburguesia tão pretendente ao poder, tais valorespermaneceram como reguladores de vigência paratodos.

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Pois, conforme elucidou Kant, se nem todos oshomens são felizes20, pelo menos todos têm direitoa sê-lo.

A partir da revolução francesa, com oestabelecimento das funções públicas se procurou agarantir a continuidade das políticas sociais,independente da alternância de governantes nopoder, de suas vontades particulares e da práticado favor, tão característico Ancien Regime21.

A sociedade republicana e emancipada da miséria edos dogmas religiosos encontra-se em estado demaioridade, diante qualquer tutela, pois todossejam ricos ou pobres (sejam nobres ou plebeus)são igualmente protegidos pela lei.20 É na passagem da modernidade para a atualidade pós-moderna queBauman afirmar ser perceptível todas as nuances e sutilizas produtorasde mal-estar a que estamos cotidianos submetidos. O mal-estar conceitofreudiano quando o homem reconhece que ocupa um lugar de eternaincompatibilidade entre suas necessidades individuais em face dasexigências sociais e culturais reinantes. São tempos em que o própriotempo tornou-se frívolo, efêmero e impreciso em virtude da massacrantevelocidade de acontecimentos e da multiplicidade de possibilidades adesfilar perante nossos olhos ainda incrédulos. Nossa liberdade seencontra carente de referenciais sólidos, se torna cada vez maisdifícil a visualização de um norte que indique um sentimento decerteza para o sujeito em suas escolhas. É uma liberdade fluida.

21 Antigo Regime ou em francês Ancien regime refere-se ao sistemasocial e político aristocrático estabelecido na França, calcado emregime centralizado e absolutista, onde o poder era concentrado nasmãos do rei. E, trouxe um modo de viver bem características daspopulações europeias durante os séculos XVI, XVII e XVIII, ou seja,desde as descobertas marítimas até as revoluções liberais.

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A pós-modernidade veio então significar o direitoa ser atendido prontamente, e com respeito assim,procurou-se abrigar idosos e portadores denecessidades especiais que deixaram de estarexcluídos dos espaços sociais;

Na contemporaneidade os direitos sociais queconstituíram os elementos críticos do capitalismofinanceiro e, de onde derivaram as sucessivasflexibilizações.

Portanto, a lógica do mercado e da rentabilidade acurto prazo passa a abranger todas as dimensões dotempo22. E as privatizações correspondem, dessemodo, a transferência do público ao privado, dagarantia do futuro de seus cidadãos.

O Estado cede, afinal, sua capacidade de garantiro futuro para o mercado. Pois se identificamclaramente duas lógicas temporais antagônicas: porum lado, a dos Estados como garantidores dalentidão e do durável; de outro, a lógica dos

22 Afinal com o fim das utopias se obtém o máximo da incredulidadehumana e o fim o de seu potencial criativo e transformador. Os ídolosforam nocauteados e os novos referenciais surgem e desaparecem antesmesmo de serem vivenciados de forma significativa. Então, apossibilidade de fazer e fazer-se sentido, produzindo significadosgenuínos, nos dias atuais torna-se obsoleta.

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mercados ávidos de velocidade e rendimento a curtoprazo.

A organização institucional do tempo é a figuramais eminente da alienação e da dominação do homempelo mercado mundializado, pois cada um perde osentido e o mestrado do tempo e de sua vida.

Há a tendência de dissolução dos Estados nacionaispelo capital internacional ou transnacionalprivatizante cujos critérios de autoridadecorrespondem aos interesses dos conglomerados nopoder e a determinação de todas as esferas da vidapelas leis do mercado que dissolvem a separaçãoentre o público e o privado e transformam o espaçopública em imagem pública e o cidadão emconsumidor23 como se observa no marketing político.

O advento de práticas persuasivas ligadas apeoplelização (proletarização) segundo a imprensatabloide inglesa das “celebridades” e de colunismosocial24. 23 A produção frenética dos bens de consumo convoca os indivíduos aocupar um lugar que representa determinado status e que se concretiza narápida aquisição e no subsequente abandono dos signos fálicos (objetosde desejo) na sociedade pós-moderna. A sucessiva substituição dessesbens pouco duráveis é o que garante o “sucesso” dos sujeitos.

24 A nova configuração de tempo e espaço, forjada nos dias de hoje,liquida a possibilidade de cristalizar-se um passado histórico, emvirtude da efêmera instantaneidade dos acontecimentos, valorizando,desse modo, um presente contínuo e fugaz, em que não existem condiçõesde perpetuar coisa alguma. Nenhuma obra de arte é capaz de eternizar-

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Na adoção do show business, com os políticos imitandoa vida de stars, sob a hegemonia das mídias demassa, da publicidade massiva do talk show, sempreatendendo à lógica comercial e recreativa.

Recentemente já se diferenciava a propaganda dapublicidade. No século XVIII europeu, a propagandade ideias correspondeu à constituição de um espaçopúblico nascido nos salões literários, sendo aleitura um nobre meio de propagação de valores deaprimoramento de convivência, de confiança, dasolidariedade e da philia social.

A propaganda moderna já fazia parte do ideárioiluminista de combate a todos tipos depreconceitos e de obscurantismos, na política, namoral, nas ciências e também nas artes.

O espaço público foi a contrapartida da vida naCorte, com seu culto a aparência e da contemplaçãoda imagem pública do valor de alguém.

De fato, ser escolhido pelo Rei Sol, na França deLuís XIV significava o apogeu da vida pública, ase no tempo como acontecia em outras épocas, nenhuma músicapermanecerá significativa e se tornará um clássico nos dias atuais,por exemplo.

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partir do momento em que suas formas alternativas,ligadas à cidade e ao civismo, desapareceram com aderrota dos nobres que se recusaram abandonarParis e se confinar na Corte.

Vencida a Fronda, a capital francesa se transferiude Paris para Versalhes. A vida pública se reduz àvida em público com sua subsequente teatralização.

Aliás, a Corte, como é sabido, é o lugar davaidade e da dissimulação porque é precisoconservar a todo custo o crédito, o favor ougentileza recebida, a fortuna, razão pela qual osmoralistas passaram a ser analistas das paixõeshumanas.

Na esfera pública viria se propagar o idealpolítico democratizante, fundado no debatepúblico, na presença de protagonistas ou porescrito, o que supunha o fortalecimento do âmbitode argumentação e de informação.

Já a publicidade busca tornar visíveis aspropriedades reais ou imaginárias de um produtosegundo a lógica da compra e da venda para fins dereposição, acúmulo, e acréscimo de um capitalinvestido e, no caso, o êxito eleitoral.

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A política people associa-se a propaganda àpublicidade, advindo o chamado marketing políticodirigido ao conjunto dos consumidores de mídias,isto é, o corpo de eleitores.

A revolução conservadora uma vez que se assiste aoretorno do privado, da intimidade pessoal e da personalização do poder. De onde o tratamento cadavez mais agressivo nas campanhas eleitorais. A misen-em-scêne, promocional da intimidade tem por corolário a imprensa sensacionalista e vedetizante, que expõe publicamente a intimidade e, vive de escândalos, conforme denúncias de várias ordens e a curiosidade com respeito a preferências sexuais ou alimentares das celebridades.

Os acontecimentos tomam a fórmula de faits-divers: nãoestranhos à feição pós-moderna da política comtraços populistas, pautados tanto no fetiche daspesquisas de opinião como responsáveis pela

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fabricação de uma imagem25 pública destinada atornar objeto de ódio ou de amor.

A personalização da política contradiz a concepçãoparlamentar das instituições republicanas. Poressa razão, o debate nas eleições se guia pelalógica da conquista a qualquer preço dos cargoseletivos, apelando para um sistema depreconceitos, suscitando o exercício semescrúpulos de ressentimentos, fruto de umarivalidade mimética.

O cidadão convertido em espectador e, melhor, detelespectador e comentarista político confirma ascarências e insuficiências do jogo políticotradicional.

Também a sucessão de escândalos e boatos só podeser mantida pelos procedimentos próprios à média,capaz de reunir em um “todo” coerente um conjunto

25 A cultura da atualidade é regida pela primazia da estetização do eu,o qual transparece e evidencia-se nas perfomances subjetivas deindividualidades, é o produto e, por que não dizer, o sintoma dasociedade espetacular, uma vez que no espetáculo a imagem é tudo.Afinal a cultura da imagem significa o correlato essencial daestetização do eu, na medida em que a produção do brilho social serealiza fundamentalmente pelo esmero desmedido na constituição daimagem pela individualidade. É a hegemonia da aparência que define ocritério fundamental do ser e da existência em sua evanescênciabrilhante.

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de elementos desordenados de modo a impedir areflexão.

Pois não há como distinguir o que é significativoe, o que é insignificante nos noticiários.Constrói-se um universo povoado de heróis e anti-heróis, de vítimas e de seus salvadores.

Enfim, o marketing político se desenvolve no campoideológico da autenticidade e da glorificação dohomem comum. Ehrenberg26 indica os efeitos pois aautenticidade se transforma em transparência.Walter Benjamin elucidou: “O homem pode, se for ocaso, colocar ostensivamente sua vida privada emcontradição com as máximas que defendeimplacavelmente na vida privada e considera,secretamente, se a menor dor de consciência, suaprópria conduta como a prova mais constrangedorada autoridade dos princípios que ele exibe”.

O recurso à injúria, por exemplo, é legado dojacobinismo, com finalidade angariar votos e tem

26 Alain Ehrenberg é um sociólogo francês e autor de tese de doutoradointitulada "Arcanjos, guerreiros e desportistas. Ensaio sobre aeducação do homem forte" que posteriormente tornou-se interessado nasansiedades dos indivíduos na sociedade moderna, confrontados com anecessidade de realização e autonomia e da perda de referenciaissociais e sistemas de apoio. É pesquisador do Centro Edgar Morin edirigiu o grupo de pesquisa voltado para o tema "Psicotrópicos,política, sociedade".

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por base suposta superioridade moral de seusenunciadores com respeito aos seus opositores queeram os “corruptos” perseguidos por Robespierre eSaint Just; os renegados de Lênin ou osdegenerados de Hitler (judeus, ciganos e os povosinferiores). A compreensão da política na oposiçãoamigo – inimigo adota a prática consensual deeliminação do concorrente.

A partir da concorrência pode ser que melhoraremas mercadorias, mas certamente, se pioram oshomens. Assim uma cidade feliz será aquela queassegura o máximo a sobrevivência, segurança,justiça, liberdade e amizade para o conjunto decidadãos. E o espaço público se define por seraquele que é comum e acessível a todos.

Afora isso, politizar todas as dimensões da vida, incluindo até mesmo a intimidade é a expressão da despolitização total posto que sejam mobilizados aspectos protofascistas e autoritários de cada um,bem o que revelaram as análises de Hannah Arendt sobre o totalitarismo.

Na agenda midiática e despolitizadora surgem as cotas compensatórias que substituem o enfretamentoda exclusão econômica e social e cultural da maioria, quando deveriam ser apenas transitórias.

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As indenizações para as vítimas do terrorismo do Estado e o silêncio sobre as suas causas com a consequente manutenção da prática de tortura no país.

Afinal, o mercado não reconhece “direitos” apenas porque vale a “lei do mais forte”. Semelhante ao descrito por Marx, nas “Formações econômicas pré-capitalistas” quando as massas inteiras de servos de gleba foram arrancadas do seu modo de vida, crenças, tradições e violentamente lançados na selva de cidades, vindo a constituir, na Inglaterra, o proletariado moderno, o Estado mínimo para garantir direitos.

O tempo de trabalho oferece a medida exata da geografia das riquezas e das pobrezas. A pós-modernidade capitalista, da indústria até a microeletrônica supõe a plena luz. Abolidos os lampiões a gás pela iluminação elétrica nos fins do século XIX, enfim a Via Láctea foi secularizada. O que se refere não apenas ao desencantamento psíquico e da cultura mas também ao significado socioeconômico dessa realização: uma atividade sem fim, a produção capitalista se tornou desmedida, não se tolerando a passividade, repouso ou contemplação.

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E a partir da nanotecnologia e da microeletrônica,a economia em sua feição contemporânea de acumulação, exige a extensão e a intensificação deatividade indo até aos limites físicos e biológicos dos indivíduos. Indo adiante e em direção ao infinito!

Com a eletrificação, o dia vastamente iluminado passa a ter vinte e quatro horas. A organização institucional do tempo é a mais eminente figura daalienação e da dominação do homem pelo mercado mundializado, pois cada um perde o sentido do tempo e da vida.

Nos muros de maio de 1968 um francês eternizou a inscrição: “Não mude de emprego, mude o emprego desua vida”. É preciso lembrar que viver é mais que apenas sobreviver, do contrário se desfazem as máximas morais. Tudo pode ser trocado e precificado e aquelas que não podem ser comparadas, não podem ser trocadas possuem dignidade.

O mercado ao contrário, só reconhece os custos e, nos deixa na perplexidade diante de indagações do tipo: quanto custa um idoso? E uma criança ou ainda um doente? A redução do ser humano ao quantocusta só acarreta o empobrecimento espiritual e existencial das democracias, cujo vazio é

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preenchido por uma hierarquia competitiva da burocracia empresarial, de maneira que o dirigentepassa a ser reconhecido como um ganhador ou vencedor e cujo maior temor é de ser etiquetado como perdedor.

Não se tem nenhuma lealdade com aqueles com quem trabalha. É competitivo como o mercado e, como este, exclui automaticamente o que não gera lucro a qualquer preço.

No século XVI, La Boétie escreveu: “Não pode haveramizade onde há deslealdade, desconfiança, injustiça27. Entre os maus, quando se reúnem, é um complô, não é companhia; eles não se entretêm, se entretemem, não são amigos mas cúmplices”.

A ética capitalista protestante fora abandonada emnome do espírito concorrencial conforme apontou Walter Benjamin. E, segundo a fórmula de Benjamin Franklin que enunciou: “tempo é dinheiro”. E, estenão é a busca de sentido e subjetividade, mas a quantidade e heteronomia impostas pela

27 "A fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa" afirmaRilke. Mas para Voltaire "todas as glorias deste mundo não valem umamigo fiel". Nas últimas décadas, o mundo ocidental passou portransformações que resultaram em uma sociedade de desgarrados, frutodo aumento de divórcios e da fragmentação da relação familiar. Aspessoas estão em busca de identidade e de sentido para viver, em razãoda fragmentação excessiva da sociedade as deixou sem rumo.

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temporalidade típica do capitalismo tardio que só acentua a crise do sentido da atividade.

A desagregação do sentido da vida em comum arriscasubsumir o homem nessa alienação particular que Hannah Arendt nomeava de acosmismo que é sentir-seestranho no mundo, é o despertencimento e o ser supérfluo.

Cabe, no entanto, diferenciar o capitalismo de produção de capitalismo de consumo. No primeiro, ohomem só se sentia em casa quando fora do trabalhoe quando no trabalho estava fora de si. A sociedade de consumo quando o homem está fora do trabalho tampouco se encontra junto a si o que resulta na lógica do desengajamento em relação a um mundo compartilhado e com respeito também a si mesmo, com a dificuldade de criação e laços duradouros, com a obsolescência, responsabilidade e fidelidade.

O eu procura eliminar todos os laços e sentimentos, reduzidos, agora, ao valor de troca, e o mercado conduz ao consumo permanente, induzindo-se a pressa, constrangendo à rapidez, acentuando a superficialidade nos vínculos.

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E, na medida em que os sentimentos exigem a duração temporal para se desenvolverem, a frenética aceleração do tempo produz a grande pobreza interior.

No século XIX o aumento tanto absoluto como o relativo do tempo de trabalho era ainda experimentado como espécie de tortura. Por um longo período, as pessoas tentaram uma resistênciadesesperada contra o trabalho noturno ligado à industrialização. De sorte que trabalhar antes do alvorecer ou depois do pôr-do-sol era considerado imoral.

Mas para o mercado financeiro, o homem não deve dormir nunca e, assim, institui-se o stress como omodus vivendi, tanto para os trabalhadores como para a massa crescente de trabalhadores precários e desempregados. Há a sensação de um tempo sem tempo. O capitalismo ultraliberal confisca o espaço da experiência e as expectativas, o que nospropõe um cansativo presente eterno. É um mundo noqual só vale a lei do valor, não é o mundo humano.

Mas é o mundo do capital, da sociedade sem espaço para a fraternidade e para a amizade e também sem compaixão. Trata-se da tristeza mimética onde desejamos o fim do sofrimento desse outro “nós-mesmos”.

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A contemporaneidade transforma a capacidade de duvidar em mera falta de convicção O não engajar significa não emprenhar na criação de valores espirituais. A pulsão antigenealógica não reconhece nenhuma dívida simbólica com o passado, acredita=se que tudo é e, existe, deve-se a si mesmo, enaltecendo o auto-engajamento.

Na ausência de laços afetivos estáveis se produz um sensível déficit simbólico no indivíduo e na sociedade, uma vez que os valores dependem de um espaço comum de experiências compartilhadas. Os indivíduos estão condenados às leis do mercado e submetidos a insegurança e ao medo.

Os quadros funcionais de uma empresa fornecem a ideia de que não pode controlar seu ambiente do trabalho e de seu futuro. A ameaça constante consiste em não saber quais os critérios em que sebaseiam as sanções e as recompensas.

O êxito ou o fracasso não são mais objetiváveis, apartir de elementos concretos, enfim, a incerteza domina o medo de ser executado, censurado e de servisado. O que resulta numa pressão contínua e um sentimento de jamais fazer o suficiente, uma

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angústia de não estar à altura do que a empresa exige.

Afora, isso o trabalhador está sempre sob o controle das empresas, nas quais o trabalhador passa a ser encarado como custando mais caro. A perda de identidade profissional e da autoestima constitui uma situação traumática uma vez que não se perde apenas um posto de trabalho, mas a vida que pode ser desfeita.

Daí, os sentimentos de desvalorização de si, a ruptura de redes de solidariedade, perda de elementos constitutivos da identidade profissional, culpabilidade, vergonha, introversão, dilaceramento da comunidade de trabalho que sustentava a existência.

A perda de confiança no futuro produz uma profundaansiedade que respondem a angústia e o medo do abandono. A modernização significa a passagem de um mundo de regras conhecidas para um mundo incerto, instável e líquido.

A temporalidade contemporânea produz não o tédio, mas a monotonia. Se o tédio como magistralmente o tematizou Baudelaire em poesia e prosa, é a temporalidade do passado que se repete

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continuamente no presente como a moda, mas isso não significa a perda do futuro.

Para Baudelaire que escreveu “Spleen e Ideal” o spleen28 era como ideal a se contrapor à lógica da produção de mercadorias que representa a multiplicação e da repetição em princípio ilimitada do mesmo objeto.

O dândi notabilizado por seu hábito de “mudar de rosto” e pela capacidade de a cada dia surpreendercom vestimentas excêntricas, é um ser dotado de singularidade em meio à multidão anônima e anódina. O olhar do dândi é capaz de reconhecer nonovo o antigo e, no antigo o novo conferindo ao repetitivo o ar de raridade de objeto único. O pó de arroz cosmético é como a mica de mármore que confere à mulher moderna a aura de estátua grega. Já a monotonia se traduz em tempo estagnado onde aeternidade do céu se plasmasse na Terra.

A temporalidade atual exprime a ansiedade de “matar o tempo”. O tempo patológico tem o seu

28 Em francês, o termo spleen representa o estado de tristeza pensativaou melancolia associado ao poeta Charles Baudelaire. O spleenbaudelairiano é um profundo sentimento de desânimo, isolamento,angústia e tédio existencial, que Baudelaire exprime em vários dosseus poemas reunidos em Les Fleurs du mal. Embora o termo tenha sido muitodifundido pelo poeta francês durante o decadentismo, já fora utilizadoanteriormente, em particular na literatura do romantismo.

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stress com ideal porque a monotonia não passa o homem está alienada na perda do sentido das ações.Estas prometem a felicidade pelo consumo de bens materiais, mas permanentemente frustra essa esperança, pois não é possível em regime de acúmulo, nem reposição e acréscimo do capital, tampouco democratizar o excedente e o supérfluo.

O tempo se comprime no espaço do desejo de consumoilimitado, por um lado, determina a exaustão, de outro. Se no cansaço ainda é possível pensar e imaginar; na exaustão não há a possibilidade de exercício do pensamento, apenas a hiperatividade vazia e também destrutiva.

A abulimia e a sofreguidão constituem dois aspectos do tempo presente embora aparentemente diversos: as duas atitudes possuem um traça em comum: reificação de si. A apreensão de si como objeto sem valor e nem sentido. As pessoas se cansam até o limite, vive-se numa inflação de possibilidades de significados em reconhece-los, seja em nosso mundo interno quanto no externo.

O imaginário da sociedade contemporânea está condicionado por uma extrema saturação, caracteriza-se por uma abundância potencial que seapresenta, no entanto, inacessível. É precisamentea tensão entre a intuição da presença da

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satisfação ao alcance da mãe e a realidade de seu afastamento e inacessibilidade, o que determina a situação da consciência contemporânea.

Olgária Matos exemplifica primorosamente como podeser encontrado na sociedade polonesa, que vivenciaa dicotomia entre a sociedade da penúria material e uma sociedade de consumo que ocorreu há quinze anos e transformou totalmente o seu imaginário social.

A mudança da valorização e, principalmente da saturação do campo simbólico foi muito mais acelerada que a melhora a qualidade de vida. Nos anos sessenta, depois da destanilização, quando praticamente a totalidade de poloneses vivia em extrema penúria, sob o pálio de um imaginário relativamente saturado e, estruturado pelo vetor do progresso, a vivência da falta era fraca e cadaaquisição material tornava-se valorizado positivamente.

Já nos anos noventa a transformação econômica melhorou muito a situação material da maioria da população mas, ao mesmo tempo, forçou a integraçãodo campo simbólico dos poloneses no espaço global.O sentimento de falta e de frustração tornou-se generalizado em todas as camadas da sociedade.

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Eis aí o mal estar contemporâneo que se expressa em um sentimento de monotonia ou o “tédio crônico”, monotonia que conduz a desinvestimentos em valores.

Há uma temporalidade monótona e específica de uma sociedade organizada, também de maneira peculiar mas dotada de uma desorganizada consciência socialpelo sentimento de desvalorização de si e de humilhação. Na vida política contemporânea, ser é“ser percebido”, fórmula narcisista, regressiva e onipotente da ocupação do espaço público.

Enfim, na medida em que uma sociedade perde o sentido da fraternidade acaba por se restringir emser um projeto pragmático de adaptação ao status quode consumo pelo consumo, do crescimento econômico pelo enriquecimento, do progresso pelo progresso.

Referências

MATOS, Olgária. O mal-estar na contemporaneidade. Perfomance e tempo. Revista do Serviço Público. Brasília: Out./Dez. 2008.